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Aracy Graça Ernst

Regina Celi Mendes Pereira


(Organizadoras)

LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo – SP)

E71l Ernst, Aracy Graça; Pereira, Regina Celi Mendes (orgs.).

Linguagem: Texto e Discurso / Organizadoras: Aracy Graça Ernst e Regina Celi


Mendes Pereira; Prefácio de Carmen Lúcia Barreto Matzenauer, Isabela Barbosa
do Rego Barros e Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante.– 1. ed.– Campinas, SP:
Pontes Editores, 2021.
350 p.; il.; tabs.; gráfs.; quadros; fotografias.
E-Book: 4,20 Mb; PDF.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5637-252-5.

1. Discurso. 2. Linguagem. 3. Linguística Aplicada.


I. Título. II. Assunto. III. Organizadoras.
Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846

Índices para catálogo sistemático:


1. Análise do discurso. 401.41
2. Linguística. 410
3. Linguística aplicada. 468
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

Aracy Graça Ernst


Regina Celi Mendes Pereira
(Organizadoras)
Copyright © 2021 – das organizadoras representantes dos autores
Coordenação Editorial: Pontes Editores
Diagramação e capa: Vinnie Graciano
Revisão: Joana Moreira

PARECER E REVISÃO POR PARES


Os capítulos que compõem esta obra foram submetidos para avaliação e revisados por pares.

CONSELHO EDITORIAL:

Angela B. Kleiman
(Unicamp – Campinas)
Clarissa Menezes Jordão
(UFPR – Curitiba)
Edleise Mendes
(UFBA – Salvador)
Eliana Merlin Deganutti de Barros
(UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná)
Eni Puccinelli Orlandi
(Unicamp – Campinas)
Glaís Sales Cordeiro
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José Carlos Paes de Almeida Filho
(UNB – Brasília)
Maria Luisa Ortiz Alvarez
(UNB – Brasília)
Rogério Tilio
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Suzete Silva
(UEL – Londrina)
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(UFMG – Belo Horizonte)

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SUMÁRIO

PREFÁCIO................................................................................................................7
Carmen Lúcia Barreto Matzenauer
Isabela Barbosa do Rego Barros
Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante

APRESENTAÇÃO...................................................................................................9
Aracy Graça Ernst
Regina Celi Mendes Pereira

A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO TRABALHO: DERIVAS DO


DISCURSO POLÍTICO NO ESTADO NOVO (1940-1944).....................17
Santiago Bretanha

GORDA NUNCA MAIS: IMAGINÁRIOS SOBRE O CORPO GORDO


NO DISCURSO DE MULHERES QUE EMAGRECERAM.......................47
Virginia Barbosa Lucena Caetano

A DERRISÃO NO DISCURSO POLÍTICO: A HOMOSSEXUALIDADE


EM QUESTÃO......................................................................................................73
Luciana Iost Vinhas
Aracy Ernst

A “QUESTÃO DO DIREITO” EM MICHEL PÊCHEUX: SEMÂNTICA E


DISCURSO...........................................................................................................96
Jael Sânera Sigales Gonçalves

“PROIBIDO VIRAR À DIREITA” – EDUCAÇÃO COMO PONTO NODAL


NO PROJETO DE UMA “NOVA ESQUERDA”...........................................133
Luciane Botelho Martins

ELEMENTOS PARA A REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE


INTERPELAÇÃO GENERIFICADO................................................................155
Bruna Vitória Tejada
“JORNAIS QUE ENVENENAM, JORNALISTAS EM EXTINÇÃO”:
EFEITOS DE SENTIDO NO DISCURSO MOBILIZADO PELO
PRESIDENTE BOLSONARO CONTRA A IMPRENSA............................181
Dalexon Sérgio da Silva
Nadia Pereira da Silva Gonçalves de Azevedo

IMPACTOS DO GOLPE/IMPEACHMENT DE 2016 SOBRE A


ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA ANÁLISE CRÍTICA DE
DISCURSO EM ARTIGOS CIENTÍFICOS..................................................202
Moab Duarte Acioli
Rozimare Ribeiro Sales

A ÉTICA NA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO.....................................235


Alexcina Oliveira Cirne
Karl Heinz Efken

OS RELATÓRIOS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM PSICOLOGIA E


SOCIOLOGIA: UMA ANÁLISE SOCIOSSUBJETIVA E DISCIPLINAR....259
Regina Celi Mendes Pereira
Jurandir Barboza Filho
Maria Helena Lustosa Fernandes

O DISCURSO TERAPÊUTICO DURANTE A COVID-19: AS EMOÇÕES


SOB A LUPA DA AVALIATIVIDADE............................................................282
Elaine Espindola
José Mario de Oliveira Mendes
José Eric da Paixão Marinho
Marcelle de Sousa Pontes Alves

POR UMA LINGUÍSTICA APLICADA ENGAJADA E SENSÍVEL:


DISCURSOS DO/A PROFESSOR/A SOBRE SEU TRABALHO EM
TEMPOS DE PANDEMIA.................................................................................313
Fábio Alexandre Silva Bezerra
Barthyra Cabral Vieira de Andrade

DADOS DOS AUTORES................................................................................343


LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

A “QUESTÃO DO DIREITO” EM MICHEL


PÊCHEUX: SEMÂNTICA E DISCURSO

Jael Sânera Sigales Gonçalves


Universidade Estadual de Campinas
jaelgoncalves@gmail.com

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O objetivo deste texto é apresentar o início de um percurso de


leitura da “questão do Direito” na Análise materialista de Discurso de
Michel Pêcheux (AD). Nesse início de trabalho, me detenho a Semântica
e Discurso – Uma crítica à afirmação do óbvio (PÊCHEUX, 2009).
Emprego “questão do Direito”, porque, por essa formulação uni-
versal abstrata “questão do”, é possível inscrever distintos “objetos” de
que se pode falar quando se aborda essa questão: da ideologia jurídica;
da prática jurídica; das instituições jurídicas; dos Códigos, leis; do dis-
curso jurídico; da linguagem do Direito; da linguagem jurídica… E essa
deriva possível de sentidos quando se fala da “questão do Direito”, em
AD, é a problemática que este texto enfrenta, sem qualquer pretensão de
“esgotá-la” ou “exauri-la”. E emprego “questão do Direito ‘em Pêcheux’”
fazendo uma metonímia para significar, por “Pêcheux”, a Análise ma-
terialista de Discurso, o que deve ser lido mais como um convite a ler e
escutar a AD por/com Pêcheux.
Tenho enfrentado essa questão tomando-a em duas frentes: uma
frente epistemológica e uma frente analítica.

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LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

A frente epistemológica do enfrentamento da “questão do Direito


em Pêcheux” se ocupa de estudar o lugar do Direito na episteme da AD,
considerando sua emergência preocupada com a produção dos conheci-
mentos científicos pela simulação-exploração do idealismo e com a prá-
tica política revolucionária do proletariado. Pensar o lugar do Direito na
episteme da AD, sobretudo considerando o Materialismo Histórico nas
suas bases constitutivas e o processo de formulação da noção de ideolo-
gia em Louis Althusser, tem consequências de ordem também epistemo-
lógicas para a prática analítica, uma vez que aponta para a necessidade
que uma posição materialista marxista-leninista (revolucionária) diante
da língua e do discurso, da produção da subjetividade, da discursivida-
de e da descontinuidade ciência/ideologia seja acompanhada de uma
posição materialista marxista-leninista (revolucionária) do Estado e do
Direito.
A frente analítica do enfrentamento da “questão do Direito em
Pêcheux” se ocupa de duas tarefas. Uma tarefa da frente analítica é es-
tudar como os trabalhos inscritos na Análise materialista de Discurso
têm trabalhado os diferentes objetos que se impõem quando se colocam
em relação a língua, a linguagem, o direito, o jurídico, o juridismo1, o
judicial, o legal, o legislativo. Outra tarefa da frente analítica é propria-
mente se lançar à análise de práticas discursivas realizadas no interior
de instituições do aparelho jurídico-político de Estado.
A propósito desse enfrentamento epistemológico-analítico para a
análise em Análise materialista de Discurso em/com Michel Pêcheux,
quero situar a origem dessa preocupação, que se explica em um recuo e
em um desvio na minha prática enquanto analista de discurso discipli-
narmente posicionada entre a Linguística e o Direito.
Um primeiro recuo, a Sigales Gonçalves (2018, p. 438), recupera
uma pergunta da qual me ocupo desde então, sobre “quais os limites, se
existe algum, de trazer o direito como objeto de luta teórica, ideológica
e política para o interior de uma leitura materialista marxista-leninis-
ta do discurso?”. Formulada no contexto das eleições presidenciais de
2018 e da reflexão que eu fazia sobre a análise do discurso do Supremo
Tribunal Federal no julgamento do “mensalão” empreendida por Sigales

1 Entendido conforme Lagazzi (1988).

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LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

Gonçalves (2017)2, a pergunta revela uma inquietação crítica com o modo


como a instituição jurídica foi tomada e analisada e com o modo como
se têm formulado reivindicações por “direitos humanos”, por “demo-
cracia”, por manutenção do “Estado democrático de Direito”, confiantes
demais no Direito, nas instituições jurídicas e, portanto, de algum modo
cegos diante do lugar que a forma jurídica tem na manutenção do modo
de produção capitalista e suas formas renovadas de exploração.
Sobre essa reivindicação por direitos humanos, um segundo recuo,
a Sigales Gonçalves (2019), recupera questões iniciais do objeto do qual
tenho me ocupado atualmente na relação entre a linguagem e o direito,
pontualmente no que se tem chamado de “Direito Linguístico”, campo
do Direito cujos objetos são os direitos linguísticos e os deveres linguísti-
cos. Para ilustrar: o direito de “aceder ao conhecimento da língua própria
da comunidade onde residem”, conforme dispõe a Declaração Universal
dos Direitos Linguísticos, é um direito linguístico – os migrantes no
Brasil têm o direito linguístico de aceder ao conhecimento da língua
portuguesa, por exemplo, então; o dever de não utilizar a forma de tra-
tamento “Vossa Excelência” em comunicações oficiais na Administração
Pública Federal, conforme imposto pelo Decreto presidencial brasileiro
n° 9.758/2019, é um dever linguístico. Concluí essa discussão indicando
a necessidade de desenvolvimento de “trabalho teórico sobre essa regu-
lação da língua pelo Estado através do direito, com o que podem contri-
buir reflexões feitas a partir da articulação entre a Filosofia do Direito, a
Análise de Discurso materialista [AD] e a História das Ideias Linguísticas
[HIL]” (SIGALES GONÇALVES, 2019, p. 4).
Essa indicação explica o desvio no qual se inscreve minha preocu-
pação sobre a “questão do Direito em Michel Pêcheux”. Em meu atual
projeto de pesquisa, intitulado “Direitos linguísticos, deveres linguísti-
cos e processos de subjetivação: a tutela da língua pelo direito na sua
dimensão (trans)nacional”3, tenho montado um arquivo jurídico4 para
trabalhar sobre os sentidos de língua, de direito e de sujeito de direitos e
de deveres linguísticos no espaço de enunciação brasileiro. Por exemplo,
2 Em tese de doutorado orientada pelas Professoras Aracy Ernst e Carmen Matzenauer, na
Universidade Católica de Pelotas.
3 Supervisionado pela Professora Mónica Graciela Zoppi-Fontana, na Universidade Estadual de
Campinas.
4 Entendido conforme Zoppi-Fontana (2002, 2003, 2005).

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LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

tomando a realidade concreta das políticas linguísticas para migrantes


no Brasil, tenho pensado na legislação sobre a língua como instrumen-
tos jurídico-linguísticos da política linguística brasileira, me inspirando
em pesquisadores que abordam as políticas de língua pela AD (PAYER,
2009; RODRÍGUEZ-ALCALÁ, 2010; RODRIGUES, 2010; DINIZ, 2012). Por
aí, tenho trabalhado sobre a evidência de que “os direitos linguísticos
são direitos humanos”, tomando o discurso sobre os direitos humanos
na sua equivocidade constitutiva enquanto materialidade do capital
(ORLANDI, 2008; MASCARO, 2017).
A inscrição teórico-metodológica na articulação entre AD e HIL
tem permitido pensar sobre o modo de produção do conhecimento sobre
a língua no direito ou sobre o modo de produção de conhecimento jurí-
dico sobre a língua, com foco na constituição, formulação e circulação de
sentidos sobre os direitos linguísticos e os deveres linguísticos nas prá-
ticas ritualizadas no aparelho jurídico-político de Estado e no processo
científico-conceitual de produção de conhecimento sobre o/no Direito
Linguístico a partir da Teoria Geral do Direito e da Filosofia do Direito.
É diante desses recuos e desse desvio que se põe “a questão do
Direito em Michel Pêcheux”, que este texto pretende enfrentar. Faço al-
gumas observações sobre o método desse enfrentamento.
Quanto ao objeto, este texto opera um recorte e trata especifica-
mente do Michel Pêcheux de Semântica e Discurso, o que não signifi-
ca dizer que esse é o único texto do autor que nos leve à questão do
Direito nem tampouco que nele encontramos uma “versão final” da
AD – o próprio Pêcheux nos afasta disso no Anexo III. A língua inatingí-
vel; Delimitações, inversões e deslocamentos; Materialidades discursivas;
Discurso – Estrutura ou Acontecimento, para indicar alguns, nos levam
marcadamente à questão do Direito e, constitutivamente, tantos outros
textos.
Tomo partido por Semântica e Discurso porque por lá podemos
encontrar indicações conceituais e bibliográficas que nos ajudam a re-
cuperar, com Pêcheux, o compromisso da AD com a teoria do conheci-
mento e com a prática política proletária. Defendo que o trabalho so-
bre a produção do conhecimento jurídico sobre a língua, pontualmente
no campo do Direito Linguístico, dos direitos linguísticos e dos deveres

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LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

linguísticos, se comprometido com o materialismo, tem muito a ganhar


com essas indicações de Semântica e Discurso.
Quanto ao modo de ler Pêcheux, este texto apresenta as presenças
marcadas da questão do Direito em Semântica e Discurso, sem pretensão
à exaustão. Esse método resvala numa aparente linearidade típica do
mito continuísta da ciência idealista. A seu favor, pesa o fato de que,
se fosse o caso de se pensar uma “linha” do Direito em Pêcheux, o iní-
cio “formalmente adequado” da “trajetória” seria Thomas Herbert, ain-
da em 1966. Este texto, no entanto, faz parte de um percurso de leitura,
muito inspirado no método de leitura que Lenin fazia de Marx e Engels,
a exemplo do que nos apresentou em O Estado e a Revolução. Sem pressa
de já chegar a algum lugar, dando uma oportunidade de leitura filosófica
da Análise de Discurso e paciência aos seus conceitos e ao seu processo,
numa pretensão de escuta da teoria que se funda na prática analítica
sobre a produção do sentido e da subjetividade no processo de produção
de conhecimento sobre a língua no aparelho jurídico-político de Estado.
Seguindo essas orientações de ordem metodológica, este texto
tem algumas pretensões. Em relação ao que este texto pretende ser, des-
taco o seguinte:
1 –Pretende-se um convite à leitura de Michel Pêcheux e, então,
ao que ele mesmo nos indica para o trabalho com a questão do Direito
em Análise materialista de Discurso; um convite a ir com Pêcheux ao que
se tem lido de marxismo jurídico na prática analítica em AD.
2 –Pretende-se uma contribuição para a marcação da diferença
que implica abordar a língua, o discurso e o Direito na perspectiva da
Análise materialista de Discurso em relação a outras abordagens. A cir-
culação institucional por outros terrenos, na Linguística e no Direito,
me traz alguma preocupação com o modo como a AD tem sido mobiliza-
da como “técnica de análise qualitativa de dados”. Um percurso sobre a
questão do Direito em Pêcheux pode nos ajudar a ir identificando traços
distintivos entre a Análise materialista de Discurso e outras possibili-
dades teóricas para o trabalho na relação entre a linguagem e o Direito,
em terrenos como Linguística Forense, Hermenêutica Jurídica, Retórica
e Argumentação Jurídica. A “questão da língua” está no Direito – nas
decisões judiciais, nas pesquisas jurídicas, discretamente nos currículos

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LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

de graduação em Direito –, e a proposta de pensar o Direito em Michel


Pêcheux contribui para a dissipação de possíveis equívocos que levem
a AD a apreensões tecnicistas que busquem definir sentido e alcances
de normas jurídicas, a desfazer opacidades da linguagem jurídica, por
exemplo.
Também gostaria de apontar o que este texto, como parte desse
percurso mais amplo, pretende não ser:
1 – Não pretende explicar “questões de Direito” em Michel Pêcheux.
Então, não será o caso de explicar e tentar “resolver de uma vez por to-
das” o que é, em Pêcheux, Direito, prática jurídica, lei, norma, ideolo-
gia jurídica, aparelho ideológico jurídico, aparelho repressivo, instância
político-jurídica, sujeito de direito. A proposta é ir lendo sobre isso em
Pêcheux, para com ele pensar a “questão do Direito” nas nossas análises
e já com ele tomar a “questão do Direito” como uma “terra conhecida”.
Não há, portanto, qualquer “descoberta” a ser apresentada.
2 – Não pretende encontrar ou descobrir o Direito em Pêcheux,
como se houvesse um objeto perdido ou coberto a ser encontrado ou a
ser descoberto. Por isso, não se pretende um recenseamento exausti-
vo, taxativo, nem tampouco um caça-palavras-sobre-o-direito-em-Pê-
cheux. Isso seria, inclusive, contrateórico, na medida em que revelaria
uma crença na evidência do sentido pela existência da palavra. Se trata
de “outra coisa”, de fazer trabalhar (no sentido de transformação-deslo-
camento, no sentido de Pêcheux, 2009, p. 201) a Análise de Discurso em
favor de um horizonte maximamente justo às bases científicas e políti-
cas revolucionárias que a constituem, pensando a questão do Direto, não
antes, a partir de Michel Pêcheux, mas com Michel Pêcheux.
3 – Não (se) pretende um trabalho “em” “marxismo jurídico”. Nossa
incursão pelo “marxismo jurídico” neste texto é conduzida por Michel
Pêcheux. Ele mesmo nos leva a Edelman, que nos leva a Pachukanis e
a Lênin, que nos levam a Marx e Engels, os quais nos trazem a autores
mais contemporâneos, propriamente inscritos no “marxismo jurídico”.
4 – Não apresenta uma análise ou um gesto de análise pronto, fe-
chado, com arquivo, recorte, corpus, sequências discursivas, regularida-
des e paráfrases, senão o que trouxermos nos nossos recuos e desvios.

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LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

DIREITO, SEMÂNTICA E DISCURSO

É já na introdução de Semântica e Discurso, alterada por Pêcheux


na edição inglesa de 1982, na qual foi introduzido o Anexo III que nos
coloca diante da “questão do Direito”, ao propor um balanço sobre o XX
Congresso do PCUS e o “novo espaço do movimento comunista” aberto
nos anos 60, “espaço no qual se buscava a relação da política do prole-
tariado com o Estado burguês, os meios de conquistar esse Estado, de
transformá-lo e de quebrar os mecanismos pelos quais ele se reproduz”
(PÊCHEUX, 2009, p. 14). Esse “novo espaço” fazia retornar uma velha
questão do marxismo-leninismo:

No movimento operário dos países capitalistas (em particular


na Itália, na França e depois na Espanha) voltava a questão de
saber se não era absolutamente indispensável – justamente
para realizar esses objetivos – entrar de algum modo no jogo
do Estado para pegá-lo em sua própria legalidade, a fim de
voltá-lo contra si mesmo (PÊCHEUX, 2009, p. 14, grifos meus).

É por aí que Pêcheux introduz a “reconciliação entre o marxismo e


a semântica”, empreendida pelo filósofo marxista polonês Adam Schaff,
e o “ressurgimento das pesquisas semânticas à luz do marxismo”, “reabi-
litação” contemporânea tanto ao XX Congresso do PCUS como ao novo
espaço do movimento comunista nos países ocidentais. O que Pêcheux
busca em Semântica e Discurso é justamente “a possibilidade (e a profun-
da necessidade) de abrir, no marxismo e no leninismo, uma crítica dessa
reabilitação” (PÊCHEUX, 2009, p. 15), a partir de uma leitura crítica das
evidências que fazem da Semântica um ramo da Linguística, no trabalho
de Schaff.
O propósito de Pêcheux é, então, “questionar as evidências funda-
doras da ‘Semântica’” e tentar elaborar “as bases de uma teoria materia-
lista” (PÊCHEUX, 2009, p. 18, grifos do autor). Ao caracterizar a “situa-
ção atual da Linguística”, o autor identifica “três tendências principais
que se opõem, se combinam e se subordinam umas às outras sob formas
variáveis”:

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LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

1. A tendência formalista-logicista, hoje essencialmente organi-


zada na escola Chomskyana, enquanto desenvolvimento críti-
co do estruturalismo linguístico através das teorias “gerativas”.
[…];
2. A tendência histórica, formada desde o século XIX enquanto
linguística histórica (F. Brunot, A. Meillet), desembocando hoje
em teorias da variação e da mudança linguísticas (geo-, etno-,
sociolinguísticas);
3. Enfim uma tendência, que se poderia chamar “linguística da
fala” (ou da enunciação, da “performance”, da “mensagem”, do
texto, do “discurso” etc.), em que se reativam certas preocupa-
ções da Retórica e da Poética, através da crítica do primado lin-
guístico da comunicação. Essa tendência desemboca em uma
linguística do estilo como desvio, transgressão, ruptura etc., e
sobre uma linguística do diálogo como jogo de confrontação
(PÊCHEUX, 2009, p. 18, grifos do autor).

Segundo Pêcheux, há relações de forças entre essas tendências. A


tendência formalista-logicista domina a tendência histórica e a tendên-
cia da linguística da enunciação, e é em relação a ela, por laços contra-
ditórios, que essas duas tendências dominadas se caracterizam. Além
disso, acrescenta Pêcheux,

A contradição que opõe principalmente a tendência formalis-


ta-logicista às duas outras tendências tem repercussões no in-
terior de cada uma delas (inclusive no interior da própria ten-
dência dominante) sob a forma de contradições secundárias: a
forma explícita que essa contradição toma é a de uma contra-
dição entre sistema linguístico (a “língua”) e determinações não-
-sistêmicas que, à margem do sistema, se opõem a ele e intervêm
nele. Assim, a “língua” como sistema se encontra contraditoria-
mente ligada, ao mesmo tempo, à “história” e aos “sujeitos fa-
lantes” e essa contradição molda atualmente as pesquisas lin-
guísticas sob diferentes formas, que constituem precisamente
o objeto do que se chama “semântica” (PÊCHEUX, 2009, p. 20,
grifos do autor).

O objetivo de Pêcheux não é resolver essa contradição, mas abor-


dá-la, desenvolvê-la e fazê-la trabalhar “sobre uma base material no
interior do materialismo histórico” (PÊCHEUX, 2009, p. 21). O autor

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LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

começa por apresentar os dois pontos que resumem a tese fundamental


da posição formalista em Linguística:

1. a língua não é histórica precisamente na medida em que ela é


um sistema (pode-se também dizer uma “estrutura”);
2. é na medida em que a língua é um sistema, uma estrutura, que
ela constitui objeto teórico da Linguística (PÊCHEUX, 2009, p.
21, grifos do autor).

É nesse ponto que Pêcheux nos apresenta sua preocupação com o


modo como a “história” é referida ao responder à tendência formalista
na Linguística – uma forma “ameaçada de uma grave ambiguidade”, que
revela uma crítica do autor à Sociolinguística. Diante disso, Pêcheux se
propõe pensar a “história” por outra via, que não aquela sustentada na
evidência de que a língua é influenciada por fatores sociais:

Pensamos que, em referência à História, a propósito das ques-


tões de Linguística, só se justifica na perspectiva de uma aná-
lise materialista do efeito das relações de classes sobre o
que se pode chamar as “práticas linguísticas” inscritas no
funcionamento dos aparelhos ideológicos de uma forma-
ção econômica e social dada: com essa condição, torna-se
possível explicar o que se passa hoje no “estudo da linguagem”
e contribuir para transformá-lo, não repetindo as contradições,
mas tomando-as como os efeitos derivados da luta de classes
hoje em um “país ocidental”, sob a dominação da ideologia
burguesa (PÊCHEUX, 2009, p. 22).

Pêcheux faz trabalhar essas contradições interiores ao estudo da


linguagem a partir de uma distinção acerca de dois processos históricos
de interesse para o estudo do Direito Linguístico:

– O primeiro desses processos, contemporâneo à própria


Revolução Francesa, consiste em uma uniformização visando,
política e ideologicamente, instituir uma língua nacional con-
tra os “patois” e o latim que, sob formas diversas, criam obs-
táculo à livre comunicação linguística necessária à realização
econômica, jurídico-política e ideológica das relações de pro-
dução capitalistas.

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LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

– O segundo processo histórico, que se realiza pela imposição


escolar do francês elementar como língua comum, consiste em
uma divisão desigual no interior da uniformização igualitária,
visando, política e ideologicamente, impor uma diferenciação
antagonista das práticas linguísticas de classe, no interior do
uso da língua nacional, de modo que a livre comunicação lin-
guística, requerida pelas relações de produção capitalistas e sua
reprodução, seja ao mesmo tempo uma não-comunicação defini-
da que impõe “na linguagem” barreiras de classe, igualmente
necessárias à reprodução dessas mesmas relações capitalistas
(PÊCHEUX, 2009, p. 23, itálicos do autor, negritos meus).

Pêcheux nos conta assim de dois processos históricos afetos à


questão do Direito Linguístico: o processo de uniformização da língua
e o processo de divisão da língua. No caso do Direito Linguístico brasi-
leiro, podemos ver o processo de uniformização funcionar na instituição
da língua portuguesa como língua oficial5, empreendido pelos artigos 13
e 210 da Constituição Federal6.
O art. 13 institui a língua portuguesa como língua oficial, e o art.
210 reafirma essa oficialidade ao determinar que essa é a língua da esco-
larização fundamental no sistema de ensino brasileiro. Essa oficialida-
de uniformizadora que coloca a língua portuguesa como norma diante
de outras línguas faladas no território brasileiro sustenta divisões nes-
sa própria língua. Essa divisão da língua se manifesta no protagonismo

5 “A língua de um Estado, aquela que é obrigatória nas ações formais do Estado, nos seus atos
legais” (GUIMARÃES, 2005, p. 11).
6 “Art. 13. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil.
[…]
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
[…]
§ 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às co-
munidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem” (BRASIL, 1988).

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LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

dado à norma padrão da língua portuguesa em instrumentos linguís-


ticos7 como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os manuais
escolares.
Não se trata de olhar para essa realidade concreta como se fosse
uma “sociolinguística marxista”, nos alerta Pêcheux (PÊCHEUX, 2009, p.
23). O que Pêcheux busca é pegar esses dois processos históricos – uni-
formização/divisão – em sua contradição: “compreender como aquilo
que hoje é tendencialmente ‘a mesma língua’, no sentido linguístico des-
se termo, autoriza o funcionamento de ‘vocabulário-sintaxe’ e de ‘racio-
cínios’ antagonistas” (PÊCHEUX, 2009, p. 24, grifos do autor). O conceito
de língua como sistema linguístico da tendência dominante formalista-
-logicista faz que se multipliquem línguas fictícias, como a “língua do
direito” (PÊCHEUX, 2009, p. 26), tratadas como se fossem outra coisa,
como se fossem “novos objetos linguísticos”.
Há “divisão discursiva por detrás da unidade da língua” (PÊCHEUX,
2009, p. 24), e essa divisão desempenha funções em diferentes lugares
na formação social capitalista:

– na base econômica, no próprio interior das contradições ma-


teriais da produção capitalista: necessidade da organização
do trabalho, da mecanização e da estandardização que im-
põem uma comunicação sem equívocos – clareza “lógica” das
instruções e diretivas, propriedade dos temas utilizados etc.
– comunicação que é, ao mesmo tempo, através da divisão so-
cial-técnica do trabalho, uma não-comunicação que separa os
trabalhadores da organização da produção e os submete à “re-
tórica” do comando;
– encontramos essa divisão nas relações de produção capitalis-
tas, e sob sua forma jurídica, que deve tirar os equívocos nos
contratos, trocas comerciais etc. (igualdade linguístico-jurí-
dica entre as partes contratantes), e, simultaneamente, man-
ter o equívoco fundamental do “contrato de trabalho”, o que

7 Instrumentos linguísticos entendidos aqui a partir de Auroux (1992) e conforme se tem tra-
balhado na articulação da AD com a HIL para pensar o processo de gramatização brasileira.
O processo de gramatização diz respeito ao processo de construção de conhecimento sobre
a língua; “o processo que conduz a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas
tecnologias, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o
dicionário” (AUROUX, 1992, p. 65). Já na articulação entre AD e HIL, instrumentos linguísticos
são concebidos como “instrumentos de jurisdição da língua” (ORLANDI, 2001).

106
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

se pode resumir dizendo que, no direito burguês, “todos os


homens são iguais, mas há alguns que o são mais que outros!”;
– encontramos, enfim, a mesma divisão (igualdade/desigualda-
de, comunicação/não-comunicação) nas relações sociais políti-
cas e ideológicas: a dependência nas próprias formas da auto-
nomia… capitalistas (PÊCHEUX, 2009, p. 25, itálicos do autor,
negritos meus).

Nessa passagem, Pêcheux já nos traz elementos para cotejar o lugar


fundante que a crítica aos pilares do direito burguês – liberdade, igual-
dade e autonomia – tem no modo como o autor enfrenta a problemáti-
ca da contradição uniformização/divisão da língua. Esse trecho também
subsidia uma análise teoricamente consequente da “linguagem jurídica”
ou “juridiquês”, resistentes mesmo no/ao “Direito 4.0”. Conforme ana-
lisei em outro lugar (SIGALES GONÇALVES, 2020), o Direito 4.0, cons-
tituído no encontro do jurídico com o digital, tem trazido ao Direito o
discurso da tecnologia e da inovação.
A Visual Law, com sua proposta de empregar recursos visuais
em documentos jurídicos – como contratos e peças processuais – é um
exemplo concreto dessa tentativa do Direito de “tirar os equívocos”,
como diz Pêcheux, de onde puder. Outro exemplo concreto dessa tenta-
tiva de eliminar do Direito seus equívocos é o instituto dos Embargos de
Declaração, presente no art. 10228 do Código de Processo Civil brasilei-
ro (Lei n° 13.105, de 16 de março de 2016), um recurso processual cujo
objetivo é “esclarecer obscuridade ou eliminar contradição” da decisão
judicial.
É sob essa evidência da transparência da linguagem que funcio-
nam os institutos do direito burguês, conforme adianta Pêcheux. Prever
embargar, impedir, conter, reprimir a linguagem jurídica até que se es-
clareça qualquer obscuridade e que se elimine qualquer contradição só
é possível numa concepção de Direito filiada a uma concepção de língua
em sua imanência, tal qual a que preside a tendência formalista-logi-
cista que insiste em classificar realidades como objetos, coisas, sujeitos,
humanos, não-humanos. O desencontro acontece quando as realidades

8 “Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;” (BRASIL, 2015).

107
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

a classificar são “tão estranhas quanto a história, ou as massas, ou ainda


a classe operária”:

Gozado como a máquina de classificar de repente se enrola…


No entanto, ela funcionava com respeito a pessoas e coisas!
Será que, por acaso, para funcionar, ela tem necessidade
do espaço universal abstrato do direito tal como o modo
de produção capitalista o produziu? Nós veremos isso espe-
cialmente no trabalho de B. Edelman (PÊCHEUX, 2009, p. 31).

Pêcheux nos revela nessa passagem duas premissas sobre a “ques-


tão do Direito”:
– o direito produzido pelo modo de produção capitalista tem um
espaço universal abstrato;
– esse “espaço universal abstrato do direito” – do direito produzi-
do pelo modo de produção capitalista –, pergunta-se Pêcheux, pode ser
necessário para o funcionamento da máquina de classificar da tendência
formalista-logicista em Linguística.
Por essas premissas, podemos ver que o funcionamento do di-
reito – do direito capitalista, burguês – serve a Pêcheux como elemen-
to de parâmetro no seu percurso para alcançar a questão do sentido.
Pontualmente, o autor se refere ao trabalho de Bernard Edelman, espe-
cificamente O Direito captado pela fotografia9, jurista tão influenciado
quanto Pêcheux pela publicação de Ideologia e Aparelhos Ideológicos de
Estado (1970).
É o próprio Pêcheux quem nos fará voltar mais detidamente a
Edelman ao longo de Semântica e Discurso. Por enquanto, o jurista fran-
cês serve para introduzir a referência explícita a Louis Althusser:

[…]
Como veremos, o texto da Résponse à John Lewis, com as “Notes
pour une recherche”, publicadas em 1970 na revista La Pensée,
sob o título “Idéologie et appareils idéologiques d’Etat”, e tam-
bém os recentes Élements d’autocritique, tocam vivamente no
problema, mesmo se porque eles se referem

9 Não se reduz a esse texto a influência de Edelman em Pêcheux, a julgar pelo modo como A
legalização da classe operária é mobilizada em A língua Inatingível.

108
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

apenas incidentalmente à questão do “sentido das pala-


vras”: L. Althusser fala muito pouco de Linguística, e jamais,
insistamos, de “Semântica”. Ao contrário, ele fala do sujeito e
do sentido, e eis o que ele diz:
Como todas as evidências, inclusive as que fazem com que uma
palavra “designe uma coisa” ou “possua um significado” (por-
tanto inclusive as evidências da transparência da lingua-
gem), a evidência de que vocês e eu somos sujeitos – e até
aí não há problema – é um efeito ideológico, o efeito ideológico
elementar (PÊCHEUX, 2009, p. 31-32, itálicos do autor, negritos
meus).

“Questão do ‘sentido das palavras’”, “evidências da transparência


da linguagem”, “evidência de que vocês e eu somos sujeitos” são traços
que nos levam ao que costumamos trabalhar em AD: a evidência do sen-
tido e a evidência do sujeito. Pêcheux generosamente (e cientificamente!)
nos deixa saber as bases bibliográficas althusserianas que o atraves-
sam na costura da “Teoria do discurso”. Veja-se que Pêcheux não vai a
Althusser, revisa-o e nele encontra a questão do sentido e do sujeito tal
qual as trabalha em AD. Ele retorna a Althusser e confronta o que nele
lê com a problemática da “questão do ‘sentido das palavras’” e o modo
como essa questão é tratada, ou melhor, e o modo como o conhecimento
sobre essa questão é produzido na Linguística e na Semântica e a rela-
ção entre produção do conhecimento [sobre o sentido] e prática política
revolucionária.
Essa preocupação de Pêcheux com a questão da produção do co-
nhecimento em Linguística – e em Semântica – não está apartada da
preocupação com a luta revolucionária nos termos do marxismo-leni-
nismo. Pêcheux começa com a determinação e alcança o processo discur-
sivo, tendo por premissa epistemológica o materialismo dialético:

Examinaremos, inicialmente, o desenvolvimento histórico da


questão da determinação (relação entre relativa determina-
tiva e relativa explicativa), sob seus aspectos lógico-filosóficos
e retóricos, desde o período clássico até a época atual, mostran-
do, no nível da Linguística, as consequências resultantes com
respeito à relação entre “Teoria do Conhecimento” e Retórica,
relação circular essa que implica, sob diversas formas, o

109
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

acobertamento da descontinuidade entre conhecimento cientí-


fico e efeito ideológico de desconhecimento (méconnaissance).
Tentaremos, em seguida, desenvolver as consequências de uma
posição materialista – no elemento de uma teoria marxista-le-
ninista – com respeito ao que chamamos “processos discursi-
vos” (PÊCHEUX, 2009, p. 33, itálicos do autor, negritos meus).

Sem pretender criar uma outra disciplina entre a Linguística e o


Materialismo Histórico, Pêcheux reúne na sua “Teoria do Discurso” ele-
mentos científicos para o trabalho sobre as duas questões que entende
“centrais” para o marxismo-leninismo: “– a questão da produção dos
conhecimentos científicos, – a questão da prática política revolucionária
do proletariado” (PÊCHEUX, 2009, p. 33).

Direito, Linguística, Lógica e Filosofia da Linguagem

Esse percurso pela textualidade da introdução de Semântica e


Discurso é determinante para compreender o lugar central que a “ques-
tão do Direito” tem na apresentação do que seja a Teoria do Discurso e
suas preocupações centrais. O Direito aparece pela questão da legalida-
de no “jogo do Estado”, no horizonte da revolução proletária, e aparece
pela questão da comunicação/não-comunicação que atravessa o univer-
sal abstrato da linguagem do direito burguês.
Semântica e Discurso não é, no entanto, um texto sobre o direi-
to, nem sobre o direito burguês. É um texto sobre Linguística e sobre
Filosofia, sobre produção do conhecimento em Linguística e em Filosofia;
escrito por um filósofo materialista marxista-leninista. E é a incursão de
Pêcheux “nos subterrâneos da ‘filosofia da linguagem’ enquanto filosofia
espontânea da Linguística” (PÊCHEUX, 2009, p. 69, grifos do autor) que
o fez novamente trazer a questão do Direito para se explicar:

O único defeito da lucidez de Frege, o limite de seu materia-


lismo, por assim dizer, é que, como já assinalamos, ao criticar
as teses subjetivistas, ele apela às ciências e às “instituições”
(direito, religião, moral etc.) confundindo-as: “ seria
uma instituição idiota, se não se admitisse que cada um dos

110
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

jurados pode compreender a questão colocada no mesmo sen-


tido do de seu vizinho” (PÊCHEUX, 2009, p. 68, grifos meus).

O “esquecimento” da “existência das disciplinas científicas histo-


ricamente constituídas”(PÊCHEUX, 2009, p. 69) pelos dois tipos de teo-
rias – as teorias empiristas e as teorias realistas – leva Pêcheux a classi-
ficá-los como ideológicos, “na medida em que exploram” essa existência
“mascarando-a”, encobrindo a distinção entre ciência e não-ciência.
Esse “esquecimento” acontece “em razão de um infeliz acaso da histó-
ria”? Lendo Engels a partir de Lênin, em Materialismo e Empiriocriticismo,
Pêcheux nos responde que não, mas por “efeito material de uma ‘neces-
sidade cega’” que

Não se limita à “natureza e suas leis”, mas engloba as próprias


condições nas quais o “homem” como parte da natureza entra
em relação com elas, isto é, as forças produtivas e as relações de
produção que determinam a história das “sociedades humanas”,
com a luta de classes que lhe corresponde – e as forças mate-
riais colocadas, assim, em jogo – desde o início dessa história.
O ideológico, enquanto “representação” imaginária, está, por
essa razão, necessariamente subordinado às forças materiais
“que dirigem os homens” (as ideologias práticas, segundo a ter-
minologia de Althusser, reinscrevendo nelas (PÊCHEUX, 2009,
p. 70, grifos do autor).

Aparentemente essa passagem em nada se refere textualmente à


“questão do Direito” em AD, e faço questão de destacá-la justamente
por isso e para isto: para mostrar como a “questão do direito” está em
Pêcheux, constitutivamente, mesmo quando não marcada. Tal passagem
antecede uma citação de Lênin que conduz Pêcheux a enunciar as te-
ses fundamentais do materialismo. Lênin trata da “necessidade cega”
quando nota o “significado gnosiológico dos raciocínios de Engels sobre
a liberdade e a necessidade” (LÊNIN, 1982, p. 142), a partir do exame de
uma longa citação de A revolução da ciência segundo senhor EugenDühring
(Anti-Dühring) (ENGELS, 2015).
Engels aborda justamente o tema da “Moral e direito: liberdade
e necessidade” com base na crítica que faz aos “tão perspicazes estudos
especializados” e à “cientificidade jurídica aprofundada por três anos de

111
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

práxis do nosso confiante jurista” (ENGELS, 2015, p. 164), ironicamente


se referindo à análise que o Sr. Dühring fez sobre o processo judicial con-
tra Ferdinand Lassalle, julgado em 1848 pelo tribunal do júri de Colônia,
cidade da Alemanha, por ensejar o roubo de uma maleta praticado por
dois amigos. Em Colônia, estava em vigor o direito penal francês, e o
direito territorial prussiano se aplicava excepcionalmente a delitos e cri-
mes políticos (ENGELS, 2015, p. 164-166).
Após uma análise do caso e da filosofia do direito elaborada por
Dühring, Engels critica o jurista prussiano, e o foco da crítica é justa-
mente o modo como o jurista produz conhecimento sobre o “livre-arbí-
trio, da imputabilidade do ser humano, da relação de necessidade e liber-
dade” ao tratar de moral e direito. A leitura de Dühring, segundo Engels,
é “uma versão extremamente rasa da concepção hegeliana” (ENGELS,
2015, p. 167) de liberdade conforme exposta na Enciclopédia de ciências
filosóficas, e então explica:

Hegel foi o primeiro a expor corretamente a relação entre liber-


dade e necessidade. Para ele, liberdade é ter noção da necessi-
dade. “ enquanto não é conceituada.”
[…] Portanto, quanto mais livre o juízo de um ser humano em
relação a uma determinada questão, maior será a necessidade
de que esse juízo seja determinado, ao passo que a incerteza
baseada no desconhecimento, que aparentemente escolhe de
modo arbitrário entre muitas possibilidades diferentes e con-
traditórias de decisão, comprova, justamente por isso, sua falta
de liberdade, seu ser dominado exatamente pelos objetos que
ela deveria dominar. A liberdade consiste, portanto, no do-
mínio sobre nós mesmos e sobre a natureza exterior ba-
seado no conhecimento das necessidades naturais; desse
-
to histórico (ENGELS, 2015, p. 167, itálicos do autor, negritos
meus).

É a partir dessa explicação de Engels, feita na crítica engelsiana à


ciência jurídica de Dühring, que Lênin começa a enfrentar o tema liber-
dade e necessidade em Materialismo e Empiriocriticismo, retomado por
Pêcheux para enunciar em Semântica e Discurso as teses materialistas:

a. o mundo “exterior” material existe (objeto real, concreto-real);

112
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

b. o conhecimento objetivo desse mundo é produzido no desen-


volvimento histórico das disciplinas científicas (objeto de co-
nhecimento, concreto de pensamento, conceito);
c. o conhecimento objetivo independe do sujeito (PÊCHEUX,
2009, p. 71).

“Se o homem não pudesse pensar nem tomar por objeto de seu
pensamento algo de que ele não é portador, ele teria um mundo inte-
rior mas nenhum mundo em torno dele” é a fórmula fregeana de que
Pêcheux se vale para compreender a independência do mundo exterior
– e do conhecimento objetivo desse mundo – em relação ao sujeito, num
“processo sem sujeito”, uma “categoria filosófica” que “constitui o fio
vermelho” de Semântica e Discurso – marca marxista-leninista, portanto.
E de que “processo” é esse de que Pêcheux nos fala? Não se trata do “pro-
cesso discursivo”, ainda, mas do processo científico-conceptual, relativo
à “independência do mundo exterior” e do “conhecimento objetivo de
suas leis” (PÊCHEUX, 2009, p. 73). Esse processo científico-conceptual
se distingue do processo nocional-ideológico, relativo à dependência do
sujeito com respeito ao mundo exterior.
A distinção entre processo científico (relativo a conceito) e proces-
so ideológico (relativo a noção) no âmbito da teoria do conhecimento em
Linguística e em Filosofia é retomada por Pêcheux para expor a oposição
entre base linguística e processo discursivo, no trabalho sobre o caminho
traçado da “evidência (lógico-linguística) do sujeito” à “’forma-sujeito’” (e,
especificamente, o ‘sujeito do discurso’) como um efeito determinado do
processo sem sujeito.

Direito, da Filosofia da Linguagem à Teoria do Discurso

A definição de sistema linguístico “enquanto conjunto de estrutu-


ras fonológicas, morfológicas e sintáticas”, “dotado de autonomia rela-
tiva que o submete a leis internas”, “as quais constituem, precisamente,
o objeto da Linguística” (PÊCHEUX, 2009, p. 81, grifos meus), e a de que
é sobre a “base dessas leis internas que se desenvolvem os processos
discursivos” levam Pêcheux a afirmar que “todo processo discursivo se
inscreve numa relação ideológica de classes”(PÊCHEUX, 2009, p. 81). Por

113
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

esse caminho, Pêcheux chega à questão da língua como “instrumento de


comunicação”, da “língua como ‘meio de comunicação entre os homens”
e da “unidade da língua comum”:

Diremos que as contradições ideológicas que se desenvolvem


através da unidade da língua são constituídas pelas relações
contraditórias que mantém, necessariamente, entre si os “pro-
cessos discursivos”, na medida em que se inscrevem em rela-
ções ideológicas de classe. A expressão -
tercâmbios linguísticos”, utilizada por Balibar e Macherey,
parece-nos, nessas condições, inadequada (ambiguidade do
jogo entre código jurídico e “código” linguístico) para ca-
racterizar a relação, historicamente determinada em sua evo-
lução, entre autonomia relativa do sistema linguístico e o con-
junto contraditório dos processos discursivos […] (PÊCHEUX,
2009, p. 84).

Essa passagem flagra o rigor de Pêcheux com o uso da expressão


“codificação”, pela ambiguidade que produz entre “código jurídico” e
“código linguístico”. Esse ponto é particularmente interessante para
pensar a questão da língua no/do Direito, porque é frequente a analogia
entre o “sistema jurídico” e o “sistema linguístico”, entre o Direito e a
Língua, justamente porque num e noutro há leis gerais que governam
seu funcionamento. Um exemplo é o uso da “mesma palavra”, “sistema”,
para se referir ao “sistema penal” – do Direito – e ao “sistema fonológi-
co” – da língua. Pêcheux nos ajuda a evitar esse jogo, trazendo para sua
prática científica a preocupação com o caráter material do sentido.
Além disso, para quem se interessa pela construção do saber jurí-
dico sobre a língua a partir da AD e da HIL – e mais pontualmente sobre
a regulação da língua, de direitos linguísticos e de deveres linguísticos
como objetos do “Direito Linguístico”– essa passagem é central e mere-
ce ser relida em articulação com o que Pêcheux diz em outros lugares,
como em A Língua Inatingível, com Gadet (GADET; PÊCHEUX, 1981), e
em Delimitações, Inversões e Deslocamentos (PÊCHEUX, 1982):

Se o objeto da linguística consiste no duplo fato de que existe


língua e de que existem línguas, é necessário pensar no mo-
mento de sua divisão que, aliás, é a imagem de Babel: o mito
apresenta a divisão das línguas coincidindo com o começo

114
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

do Estado, do direito, das ciências e do prazer sexual… […]


(GADET; PÊCHEUX, 1981, p. 19, grifos nossos).

Na empreitada de pensar a “questão do Direito” em Pêcheux, esses


textos serão trabalhados em outros lugares, mas essa passagem nos aju-
da a dar importância para a distinção entre base linguística e processo
discursivo, central para a AD. Ver a divisão das línguas pela base – pelas
leis gerais que organizam o sistema linguístico – mascara uma divisão
que é de ordem política e ideológica, daí a importância da noção de pro-
cesso discursivo, como Pêcheux explicará na sequência.
Pêcheux aborda a “base comum sobre a qual os processos nocio-
nais-ideológicos, por um lado, e os processos conceptuais-científicos,
por outro, se constituem como processos discursivos”. Faz isso a partir
da relação entre explicação/determinação, tomando-a como “ponto ló-
gico-linguístico” que conduz aos fundamentos da “teoria materialista do
discurso” (PÊCHEUX, 2009, p. 84).
A questão da designação das “coisas” que compõem a “realidade”
por seu “nome próprio” pela Lógica leva Pêcheux de volta à questão ju-
rídica que atravessa essa questão dos nomes, a partir de uma crítica à
Russel:

Aliás, para endossar que aceita a evidência de que estamos tra-


tando, Russel acrescenta: “o nome de um homem, do ponto de
vista jurídico, pode ser um nome qualquer, desde que esse ho-
mem declare publicamente que deseja ser chamado por esse
nome”, o que, precisamente do ponto de vista jurídico, é um
absurdo total, qualquer que seja o tipo de direito ao qual deci-
damos nos referir. Na verdade, o nome próprio (o sobrenome) é
identificado administrativamente, por referência à filiação (le-
gítima ou natural); e seu caráter propriamente inalienável faz
com que toda mudança de nome seja assunto de discurso
legal (PÊCHEUX, 2009, p. 92, itálicos do autor, negritos meus).

A mudança de nome faz parte do ritual jurídico de identificação


dos indivíduos, de preenchimento do vazio deixado da indeterminação
(ou de não saturação), fenômeno que Pêcheux identifica no discurso do
aparelho jurídico (PÊCHEUX, 2009, p. 97). Evidência do sujeito e evidên-
cia do sentido são evidências suspeitas, que a análise da articulação dos

115
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

enunciados, da implicação de propriedades como efeito de sustentação


permite questionar:

Ora – e o que foi dito precedentemente sobre a questão da si-


mulação deveria fazer com que o leitor não se surpreendesse
–, constata-se, de modo característico, que esse fenômeno de
indeterminação (ou de não-saturação) se encontra tanto
no discurso do aparelho jurídico (Aquele que causar algum
prejuízo a alguém deve repará-lo) (PÊCHEUX, 2009, p. 97).

Pêcheux nos conta, em nota de rodapé, que essas observações so-


bre o “aquele que” no discurso do aparelho jurídico são feitas com base
em Bernard Edelman, o jurista em quem nosso autor já havia se ancora-
do anteriormente para se questionar sobre se o “espaço universal abs-
trato do direito” seria o necessário para a Semântica. Esse exemplo é
dado por Edelman logo no início – na primeira página, exatamente – de
O Direito captado pela fotografia, quando apresenta o objeto do seu de-
senvolvimento: “o discurso teórico da prática jurídica”.
Edelman faz isso já reconhecendo, a partir de Eugênio Pachukanis,
que os conceitos jurídicos formulados desde a Teoria Geral [burguesa] do
Direito [burguês] não podem “descobrir” a realidade social:

A tarefa é complexa e não é inocente. Lenine na lei sobre as


multas […] fazia distinguos de jurista: ele contrapunha a mul-
ta à indemnização. Aquele que causa um dano a alguém
indemnização, os tribunais as-
sim julgam. É o que dispõe o nosso artigo 1382 do Código Civil.
O operário que causa um dano ao patrão é sancionado: é uma
multa.
O patrão é o único juiz. Lenine fazia direito, isto é «animava»
o direito, ou se se preferir, dava-lhe a sua verdadeira «alma». À
fórmula genérica da responsabilidade civil ele contrapunha a
luta de classes. O «aquele» do código de Napoleão torna-se
-
to e geral torna-se o patrão; a indemnização, a multa; o
tribunal, o capitalista. Lenine dizia: toda a gente julga saber
o que é uma multa e se perguntardes a um operário se sabe
o que é uma multa ele admirar-se-á. Como não o saber, se é
justamente ele que tem de pagá-la? Aí reside a ilusão. Porque

116
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

é pagando a multa que o operário não é um homem livre […]


(EDELMAN, 1973, p. 15, itálicos do autor, negritos meus)10.

A passagem de Edelman é central; revela a importância que sua


leitura tem para a compreensão da evidência do sujeito e da subjetivida-
de jurídica conforme trabalhadas por Pêcheux em Semântica e Discurso.
Nos leva, a um só tempo, ao que é atual em AD (as referências cada vez
mais frequentes ao Pachukanis de Teoria Geral do Direito e Marxismo11)
e ao que é constitutivo em Pêcheux (o leninismo do seu marxismo). E,
fundamentalmente, à questão da evidência do sentido e da evidência do
sujeito, que dependem da indefinição e da indeterminação para funcio-
nar: é “por meio desta indefinição que o sentido adquire a generalidade
que se espera de uma lei” (PÊCHEUX, 2009, p. 98).

Sobre esse ponto, observaremos simplesmente que o termo


“lei” pode ser entendido em seus diferentes sentidos, incluin-
do-se o sentido jurídico segundo o qual alguém “sucumbe ao
peso da lei”, que prevê uma sanção para esse alguém: isso sig-
nifica, a nosso ver, que -
te, um “domínio de aplicação da Lógica”, como pensam os
teóricos do formalismo jurídico (Kelsen etc.), mas sim que
há uma relação de simulação constitutiva entre os opera-
dores jurídicos e os mecanismos da dedução conceptual,
especialmente entre a sanção jurídica e a consequência lógica
(PÊCHEUX, 2009, p. 98, itálicos do autor, negritos nossos).

Essa “relação de simulação constitutiva entre os operadores jurídi-


cos e os mecanismos da dedução conceptual” retoma a distinção traba-
lhada por Pêcheux entre processo científico-conceitual e processo ideo-
lógico-nocional, que se constituem como processo discursivo, efeitos da
“necessidade cega” de “esquecimento” das disciplinas científicas histo-
ricamente constituídas. Pêcheux trata essa “relação de simulação” como
uma “promiscuidade”: a “relação de simulação” entre os operadores do

10 Edelman busca em Explicação da lei sobre multas imposta aos operários de fábrica (LÊNIN,
1895): “Se fôssemos perguntar a um trabalhador se ele sabe o que são multas, a pergunta
muito provavelmente o surpreenderia. Como ele pode não saber o que são multas, quan-
do ele constantemente tem que pagá-las? O que há para perguntar? De qualquer maneira,
parece apenas que não há nada para perguntar. Na verdade, a maioria dos trabalhadores não
entende corretamente as multas” (LÊNIN, 1895, s/p).
11 Sobre Pachukanis, ver os trabalhos desenvolvidos por Márcio Bilharinho Naves (cf. NAVES,
2018).

117
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

direito e os mecanismos de dedução conceitual é mais promíscua que a


pretensa pureza do direito conforme pensado por Hans Kelsen: “outras
evidências dessa promiscuidade – que constitui, por si só, um objetivo
de estudo – são: os termos julgamento, prova, indício, testemunho, etc.”
(PÊCHEUX, 2009, p. 98). Em Materialidades Discursivas (1981, p. 227-
236), Pêcheux mesmo retoma esse ponto, ao tratar da (des)ligação, com
uma análise focada no discurso da lei.
As oposições entre processo ideológico/processo científico, conceito/
noção, representação/conceito foram trabalhadas por Pêcheux em função
das teses fundamentais do materialismo dialético, sobretudo em função
da tese segundo a qual “o conhecimento objetivo é independente do su-
jeito”, que sustenta a ideia de que a história é um “processo sem sujeito”.
A análise de Frege sobre expressões desprovidas de denotação, como “o
povo” e a “vontade do povo” volta Pêcheux à crítica das limitações do
materialismo fregeano, dada sua insistência na correção para o fato de
não haver “referência universalmente aceita” para essas expressões, se-
gundo aponta Frege.
Pêcheux nos lembra, nesse ponto, a passagem de Frege segundo a
qual o júri seria uma instituição “idiota” se não se concebesse a ideia da
unidade de produção de sentido entre todos os jurados sobre a mesma
questão, ou seja, de que todos dariam o mesmo sentido ao que estivesse
sendo tratado no tribunal. A tentativa de conferir objetividade científica
à instabilidade referencial de objetos situados fora dos domínios logica-
mente estáveis – Astronomia, Física, Matemática, por exemplo –, como
os objetos da política e do direito, tem duas perspectivas: “a política
como ciência objetiva formal na qual a fonte dos erros seria eliminada
‘de uma vez por todas’ e a política como ficção e como jogo”, que reme-
tem “às duas vertentes do idealismo, respectivamente, o realismo meta-
físico (mito da ciência universal) e o empirismo lógico (uso generalizado
da ficção)”:

o realismo metafísico corresponde à fantasia burguesa da


reabsorção da luta política no puro funcionamento do apa-
relho jurídico-político e caracteriza as condições nas quais a
questão do poder do Estado não é diretamente colocada, de tal
modo que a burguesia pode, em aparência, evitar a luta política

118
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

e declarar-se apolítica tratando “os problemas sob seu aspecto


técnico” (PÊCHEUX, 2009, p. 118).

O nascimento do Direito Público no seio do direito burguês é ilus-


trativo dessa observação de Pêcheux. Direito Constitucional, Direito
Administrativo, Direito Penal, Direito Tributário são áreas do Direito
Público que se propõem essa “maneira política de denegar a política”
no Direito, com as palavras de Gadet e Pêcheux em A língua inatingível
(GADET; PÊCHEUX, 1981, p. 24), em uma das tantas passagens que ver-
sam sobre a questão do Direito:

A língua do direito representa, assim, na língua, a maneira po-


lítica: espaço do artifício e da dupla linguagem, linguagem de
classe dotada de senha e na qual para “bom entendedor” meia
palavra basta. A língua do direito é uma língua de madeira
(GADET; PÊCHEUX, 1981, p. 24).

A universalidade da língua de madeira do direito, a quem bastam


“bons entendedores” funciona pelo “mito continuísta empírico-subjeti-
vista” (PÊCHEUX, 2009, p. 117) que sustenta a evidência do sentido e a
evidência do sujeito no Direito: do sentido transparente da linguagem ju-
rídica e do sujeito de direito livre12. A partir daí, Pêcheux entra fortemente
na questão da “descontinuidade (e a relação de simulação) entre conhe-
cimento científico e desconhecimento ideológico” (PÊCHEUX, 2009, p.
119). As voltas que o idealismo dá para explicar a não-referencialidade
estável de “povo”, “massas”, fundamentam-se na existência do efeito
ideológico “sujeito”.
A teoria materialista dos processos discursivos deve justamente
afastar dos seus objetos teóricos o “sujeito” ideológico como “sempre
já dado” do idealismo; deve se pautar numa “teoria (não-subjetivista) da
subjetividade”, determinada por três regiões –subjetividade, discursivida-
de e descontinuidade ciências/ideologias. É sobre essa noção de sujeito
que Pêcheux fala da fundação de uma “teoria (materialista) dos proces-
sos discursivos” (PÊCHEUX, 2009, p. 125). Essa passagem, que de nada
evidente tem sobre o “Direito”, é talvez a passagem mais importante

12 Sobre a mobilização da noção de “mito continuísta empírico-subjetivista” em práticas cientí-


ficas analíticas filiadas à Análise materialista de Discurso voltadas à questão da universaliza-
ção e da forma-sujeito de Direito, ver Zoppi-Fontana (2003, 2011).

119
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

para a compreensão da “questão do Direito” em Michel Pêcheux, por-


que faz o autor alcançar uma questão central de Semântica e Discurso:
a questão do discurso, da(s) ideologia(s) e das condições ideológicas da
reprodução/transformação das relações de produção.

Direito, Discurso e Ideologia(s)

Pêcheux faz questão de explicar o que está considerando como


“condições ideológicas da reprodução/transformação das relações de
produção” (PÊCHEUX, 2009, p. 130). Dá destaque para o fato de que as
ideologias não são feitas de ideias, mas de práticas e de que os apare-
lhos ideológicos de Estado são o lugar e as condições ideológicas para a
transformação das relações de produção.
“Transformação das relações de produção” que, vale dizer – e quem
generosamente nos explica é o próprio Pêcheux –, vem de “revolução,
no sentido marxista-leninista” (PÊCHEUX, 2009, p. 130). A produção e a
transformação das relações de produção têm um vínculo contraditório li-
gado ao nível ideológico, e o que há no conjunto complexo dos aparelhos
de Estado são regiões que se desmembram, não “objetos ideológicos”; a
Lei e a Justiça, diz Pêcheux, é uma dessas regiões, que está em relação
de desigualdade-subordinação com as outras – como Deus, a Moral, a
Família e o Saber –, e são essas relações que constituem a cena da luta
ideológica de classes (PÊCHEUX, 2009, p. 132).
Uma formação social dada é constituída por um “todo complexo
com o dominante”13 das formações ideológicas, e esse “todo complexo
com o dominante” – como a própria formulação já indica – tem uma
estrutura de desigualdade-subordinação; de dominância. Essa estru-
tura de desigualdade-subordinação caracteriza a objetividade material
da instância ideológica e determina a contradição entre reprodução e
transformação constitutiva da luta ideológica de classes. A produção-re-
produção da sociedade, do Estado e, o que nos interessa centralmente,
dos “sujeitos de direito (livres e iguais em direito no modo de produ-
ção capitalista)” (PÊCHEUX, 2009, p. 134, grifos meus) como “evidências

13 Ver sobre isso Althusser (2015), principalmente Contradição e Sobredeterminação (Notas para
uma pesquisa) e Sobre a dialética materialista (Da desigualdade das origens).

120
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

naturais” faz parte da dissimulação dessa relação de classes no funcio-


namento do aparelho de Estado.
Com a “tese central” de Althusser, de que a “Ideologia interpela
os indivíduos em sujeitos” (PÊCHEUX, 2009, p. 134), Pêcheux alcança a
relação entre história, ideologia e inconsciente, pensando a produção-
-reprodução da subjetividade jurídica, via interpelação ideológica, como
“evidência” na dissimulação operada no funcionamento do aparelho de
Estado. Reconhecendo que a reprodução/transformação das relações de
classes têm caracteres “infraestruturais (econômicos) e superestruturais
(jurídico-políticos) que lhes correspondem” (PÊCHEUX, 2009, p. 138), o
trinômio história-ideologia-inconsciente é posto em trabalho pelo au-
tor para pensar a questão da “evidência do sentido” e a “evidência do
sujeito” como efeito da interpelação pela ideologia. A questão do (sujeito
de) Direito ganha escrita em Pêcheux ao explorar a questão da interpela-
ção, que, aliás, é “ideológica e jurídica, isto é, ela não se efetua na esfera
fechada e vazia do ‘cultural’, mas na imbricação dos aparelhos ideológi-
cos e do aparelho repressivo (jurídico-político) de Estado” (PÊCHEUX,
2009, p. 242, grifos do autor):

Todo nosso trabalho encontra aqui sua determinação pela qual


a questão da constituição do sentido se junta à da constituição
do sujeito, e não de um modo marginal (por exemplo, no caso
particular dos “rituais” ideológicos de leitura e escritura), mas
no interior da própria “tese central”, na figura da interpelação.
[…] Essa figura, ao mesmo tempo religiosa e policial (“Você, por
quem eu derramei essa gota de sangue”/“Ei, você aí!” (tem o
mérito, pelo duplo sentido da palavra “interpelação”, de tornar
tangível o vínculo superestrutural – determinado pela infraes-
trutura econômica – entre o aparelho repressivo de Estado
-
la “as identidades”) e os aparelhos ideológicos de Estado,
portanto: o vínculo entre o “sujeito de direito” (aquele que
entra em relação contratual com outros sujeitos de direito;
seus iguais) e o sujeito ideológico (aquele que diz ao falar de
si mesmo: “Sou eu”!). Seu mérito [o da figura da interpelação]
é também o de mostrar esse vínculo de uma maneira tal que o
teatro da consciência (eu vejo, eu penso eu falo, eu te vejo, eu te
falo etc.) é observado dos bastidores, lá de onde se pode captar
que se fala do sujeito, que se fala ao sujeito, antes que o sujeito

121
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

possa dizer: “Eu falo” (PÊCHEUX, 2009, p. 140, itálicos do autor,


negritos meus).

Essa passagem de Pêcheux sobre o efeito fantástico da interpela-


ção dos indivíduos em sujeitos – “efeito Münchhausen”, o barão que se
puxava pelos próprios cabelos – tem algumas distinções e parentescos
decisivos para o trabalho com a “questão do Direito” em AD: entre apa-
relho repressivo de Estado, jurídico-político e aparelhos ideológicos de
Estado; entre “sujeito de direito” e “sujeito ideológico”. A interpelação
ideológica é parente da operação policial (PÊCHEUX, 2009, p. 142) que
solicita documentos de identificação nas batidas, nas blitz. O “sujeito de
direito” – reparem-se as aspas aqui –, entrega a documentação para o
policial, e o “sujeito ideológico” nos injunge a apontar para a documen-
tação e dizer “Sou eu mesmo”14 15.
Tal distinção-parentesco entre “sujeito de direito” e “sujeito ideo-
lógico” é posta em funcionamento por Pêcheux para tratar alcançar a for-
ma-sujeito, antes de assentar o que precede sobre a evidência do sujeito.
As “relações sociais jurídico-ideológicas” impõem diversas formas sob
as quais acontece o processo de interpelação-identificação de produção
do “sujeito sob a forma de sujeito de direito” (PÊCHEUX, 2009, p. 145),
da “singularidade” a que se aplica a “universalidade” do Direito, como
no “aquele que…”, retomando novamente Bernard Edelman (PÊCHEUX,
2009, p. 146).
Em uma nota de rodapé, Pêcheux nos lembra que as relações sociais
jurídico-ideológicas “têm uma história, ligada à construção progressiva,
no fim da Idade Média, da ideologia jurídica do Sujeito, que corresponde
a novas práticas nas quais o direito se desprende da religião” (PÊCHEUX,
2009, p. 145), conforme trabalhado por Haroche (1992). O efeito ideoló-
gico da interpelação acontece por uma “nova forma de assujeitamento,

14 Os trabalhos de Luciana Vinhas (cf. 2015, 2017) e de Rogério Modesto (cf. 2019a, 2019b) são
exemplares de consequência analítica dada a esse ponto, ao se ocuparem de práticas inscritas
em rituais do aparelho repressivo, como a prisão, a delegacia, a denúncia.
15 No campo do Direito Linguístico, a questão do direito linguístico ao nome social merece uma
análise particular. Frederico Sidney Guimarães (cf. 2018) deu consequência analítica a esse
ponto, pensando no discurso por direitos dos homossexuais e transexuais. Um outro terreno
é o do discurso por e sobre direitos e deveres linguísticos de migrantes da formação social
brasileira, na relação do direito ao nome social com a constituição da subjetividade e da na-
cionalidade, conforme nos permite analisar a AD na sua articulação com a HIL.

122
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

a forma plenamente visível da autonomia” (PÊCHEUX, 2009, p. 145,


negrito nosso). A “autonomia” do “sujeito de direito” das relações jurídi-
co-políticas do final da Idade Média, da “passagem” do modo de produ-
ção feudal para o capitalista, garante a interpelação ideológica16.
A partir daí, Pêcheux vai mobilizar um quadro nocional para o tra-
balho sobre a interpelação ideológica e a forma-sujeito: caráter material
do sentido, formação discursiva, formações ideológicas, base linguística,
processo discursivo-ideológico, pré-construído, articulação, interdis-
curso, forma-sujeito, “sujeito do discurso”, esquecimento, “processo de
sustentação”, equivalência, implicação, discurso transverso, intradis-
curso, fio do discurso, esquecimento, esquecimento n° 2, esquecimen-
to n° 1. São noções formuladas, transformadas e deslocadas na teoria
materialista dos processos discursivos em formulação por Pêcheux, com
base na premissa da interpelação ideológica dos indivíduos em sujei-
tos, do parentesco entre aparelho repressor e aparelhos ideológicos na
produção do “sujeito de direito” e do “sujeito da ideologia”, assumindo
Pêcheux que o funcionamento da forma-sujeito do discurso se realiza
“nas condições produzidas pelo modo de produção capitalista e sob a
dominância geral do jurídico” (PÊCHEUX, 2009, p. 171).
Pensando a sua problemática – a dos processos discursivos na
ciência e na prática política – trazendo o foco para o marxismo-leni-
nismo como transformador da relação entre forma-sujeito do discurso
e prática política – Pêcheux explica, com Althusser, que é nas ideolo-
gias práticas que a “relação imaginária” dos indivíduos com suas condi-
ções reais de existência está representada. A divisão de classes imposta
pelo capitalismo tem por efeito o esquecimento, pela própria burgue-
sia, do lugar que ela e o proletariado ocupam “no imaginário da uni-
versalidade econômica, jurídica, moral etc.” (PÊCHEUX, 2009, p. 188). O
marxismo-leninismo vem inscrever a prática política na forma-sujeito,
rompendo com o “processo de identificação, inerente à forma-sujeito”,
que “traz consigo (e através da representação do possível e do apaga-
mento do lugar do sujeito, que a ambos está conjugado) uma simetriza-
ção-dicotonomização do campo do político” (PÊCHEUX, 2009, p. 191).
16 Além do trabalho de Haroche (1992), inscrito na AD, sobre essa questão da nova forma de
subjetividade jurídica, do modo de produção capitalista, além de Edelman e Althusser, a quem
nos leva o próprio Pêcheux, ver também Mascaro (2013, 2019), quem busca uma introdução ao
estudo do direito e a relação entre forma política e forma jurídica.

123
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

Essa simetrização-dicotomização dá uma aparência de estabilidade ao


campo, de construção lógica, como se às perguntas se pudesse respon-
der com sim ou com não: o inquérito jurídico funciona pela mesma lei,
segundo Pêcheux, a exemplo da “teoria formal” do direito (PÊCHEUX,
2009, p. 204).
A partir daí, podemos dizer que, sob a “dominância geral do jurí-
dico”, no “todo complexo das formações ideológicas” de uma formação
social dada,

todo sujeito é constitutivamente colocado como autor17 de e


responsável por seus atos (por suas “condutas” e por suas “pa-
lavras”) em cada prática em que se inscreve; e isso pela deter-
minação do complexo das formações ideológicas (e, em parti-
cular, das formações discursivas) no qual ele é interpelado em
“sujeito-responsável” (PÊCHEUX, 2009, p. 198).

Sob essas premissas – de que uma formação social dada se estru-


tura pelo todo complexo das formações ideológicas e que essa comple-
xidade se dá com a dominância da ideologia jurídica –, as duas questões
centrais para o marxismo-leninismo que foram enunciadas por Pêcheux
no início do seu trabalho em Semântica e Discurso, para justificá-lo, são
retomadas por Pêcheux.
Sobre a prática política do proletariado, conclui Pêcheux dizendo

que a prática política do proletariado rompe com o funcio-


namento espontâneo da forma-sujeito, na medida em que as
formas empírico-subjetivas da prática política tornam-se a
matéria prima de uma transformação que, incidindo sobre o
aparelho (jurídico-político) de Estado e os AIE, afeta, por isso
mesmo, a forma-sujeito (PÊCHEUX, 2009, p. 248).

Sobre a questão da produção dos conhecimentos científicos,


Pêcheux indica que o “o estudo das manobras” em que se “embaralham”
a lógica, a política, a filosofia espontânea e o direito, pode identificar que
a exploração-simulação praticada pelo idealismo não é apenas teórica,
mas também – e o autor novamente busca Bernard Edelman:

17 Os trabalhos de Guilherme Adorno (cf. ADORNO, 2015) dão consequência analítica para essa
questão, a propósito dos discursos sobre o eu na composição autoral dos vlogs.

124
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

mantém uma ligação privilegiada com a forma burguesa do ju-


rídico-político, na medida em que o direito e os procedimen-
tos jurídico-administrativos em geral realizam, na prática, essa
“teoria universal” em seu funcionamento explícito (PÊCHEUX,
2009, p. 250).

A “questão do Direito” está, portanto, determinantemente marca-


da em Semântica e Discurso; na sua justificativa, no percurso de Pêcheux
sobre a Lógica, sobre a Semântica e sobre o Materialismo Histórico. A
retificação pretendida por Pêcheux no Anexo III, três anos mais tarde,
em 1978, não alterou isso. Pêcheux nos orienta, no entanto, a conceber a
“forma sujeito da ideologia jurídica” (PÊCHEUX, 2009, p. 276) a partir da
possibilidade de falhas nos rituais da interpelação ideológica, inclusive
nos rituais que envolvam o “processo jurídico” (PÊCHEUX, 2009, p. 277).
O autor nos faz um alerta, porém:

Retraçar a vitória do lapso e do ato “falho” nas falhas da inter-


pelação ideológica não supõe que se faça agora do inconsciente
a fonte da ideologia dominada, depois do fracasso de fazê-lo o
impulso do superego da ideologia dominante: a ordem do in-
consciente não coincide com a da ideologia, o recalque não se
-
são, mas isso não significa que a ideologia deva ser pensada
sem referência ao registro inconsciente (PÊCHEUX, 2009, p.
278-279).

A observação de Pêcheux sobre a não equivalência entre recalque,


assujeitamento e repressão introduzem a ponderação sobre a “possibi-
lidade de retificar a distinção althusseriana entre interpelação ideoló-
gica e repressiva”, fornecida por Michel Foucault (PÊCHEUX, 2009, p.
279), reconhecendo e deslocando a contribuição foucaultiana. Encerra
Pêcheux dando uma orientação de pesquisa que toca diretamente a
questão do Direito: incentiva o “estudo histórico das práticas repressi-
vas ideológicas”, tomando-o como “fio interessante para compreender o
processo de resistência-revolta-revolução18 da luta ideológica e politica
de classes” (PÊCHEUX, 2009, p. 280).

18 O trabalho de Suzy Lagazzi (1998) é seminal para tratar do funcionamento da resistência no


imbricamento jurídico-político na perspectiva da AD.

125
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

Veja-se que o estudo das formas de repressão ideológica está dire-


tamente relacionado pelo próprio autor ao caráter revolucionário da luta
ideológica e política – e, portanto, da Análise materialista de Discurso.
Essas últimas palavras de Pêcheux no Anexo III nos enviam a Althusser.
É evidente em todo o Semântica e Discurso a importância que Ideologia e
Aparelhos Ideológicos do Estado de 1970 teve em sua construção; foi seu
very beginning, como diz Pêcheux. No Anexo, Pêcheux nos revela a pre-
ciosidade que o Althusser de 1976 tem nessa retificação. Com isso, lem-
bro que as Notas sobre os AIE (Aparelhos Ideológicos de Estado) estão em
Sobre a reprodução (no original, A reprodução das relações de produção).
Nesse texto, de publicização tardia, é possível ver o lugar que o
Direito tem na elaboração da noção de ideologia por Althusser. É preci-
so lembrar que, depois de se questionar o que é a filosofia e o que é um
modo de produção e tratar da reprodução das condições da produção e
da infraestrutura e da superestrutura, é de Direito que nos fala Althusser.
É imediatamente depois de falar d’o Direito que Althusser fala do Estado
e seus aparelhos, de falar dos Aparelhos Ideológicos político e sindical e,
então, de falar da reprodução das relações de produção e da revolução,
que Althusser retorna ao Direito para afirmar, de modo contundente, o
“papel decisivo desempenhado nas formações sociais capitalistas pela
ideologia jurídico-moral e sua realização, ou seja, o Aparelho Ideológico
de Estado jurídico, que é o aparelho específico que articula a superestru-
tura a partir da e na infraestrutura” (ALTHUSSER, 2009, p. 190). E depois
disso é que Althusser responde sobre o que é a ideologia, finalmente.
Esse texto não se propõe uma análise do Direito em Althusser –
para isso, ver por exemplo Davoglio (2018) –, mas faço questão de trazer
esse desenho para mostrar que o Direito não é lateral na formulação da
noção de ideologia; não é, portanto, lateral para a Análise materialista
de Discurso em Michel Pêcheux.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto pretendeu apresentar o início de um percurso de lei-


tura da “questão do Direito” em Michel Pêcheux, detido a Semântica e
Discurso – Uma crítica à afirmação do óbvio (PÊCHEUX, 2009). A partir

126
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

do percurso recém-traçado, com Pêcheux, foi possível mostrar sinais de


pertinência do enfrentamento da problemática nas duas frentes anun-
ciadas, a frente epistemológica e a frente analítica.
No que toca a frente epistemológica, ocupada de pensar sobre o
lugar do Direito na episteme da AD, com Semântica e Discurso foi possí-
vel trazer indicações marcadas de como “a questão do Direito” é mobi-
lizada por Pêcheux para formular sua “teoria materialista dos processos
discursivos”. Ao questionar a Filosofia da Linguagem, a Lógica, a simu-
lação-exploração das ciências operada pelo idealismo, Pêcheux se vale
de exemplos concretos que caracterizam o Direito no realismo místico.
A premissa materialista da AD, que permite pensar o caráter material
do sentido, é impossível na pureza pretendida pelo idealismo jurídico.
Seguir os fios atados por Pêcheux entre a preocupação com a teoria do
conhecimento e a prática política proletária nos mostrou que não tem
como ler a AD, nem tampouco a questão do Direito em Pêcheux, fora das
suas bases epistemológicas.
Na frente analítica, foi possível oferecer algumas indicações de
trabalhos inscritos na AD que dão consequência às questões do Direito
levantadas por Pêcheux, no sentido da tarefa de conhecer como os tra-
balhos inscritos na AD têm dado consequência analítica à questão do
Direito. Tais indicações foram feitas a partir da nossa preocupação teó-
rico-analítica atual, centrada na problemática da produção do conheci-
mento sobre a língua no Direito, principalmente no campo do Direito
Linguístico e seus objetos – deveres linguísticos e direitos linguísticos.
Semântica e Discurso nos mostra que a “questão do Direito” é cons-
titutiva da Análise materialista de Discurso: nas suas observações ini-
ciais sobre o campo da linguística, da lógica e da filosofia da linguagem;
no modo como destaca a teoria do discurso dessa filosofia, ao tratar de
língua e ideologia e explorar as questões relacionadas à determinação,
à formação do nome e ao encaixe, mostrando como o aparelho jurídico-
-político de Estado se sustenta na indefinição-indeterminação-não-sa-
turação dos objetos, que produzem a evidência do sentido e a evidência
do sujeito. O sujeito como centro de si e dos sentidos que produz, autô-
nomo e livre tal como o direito burguês simula, faz parte das condições
ideológicas da reprodução/transformação das relações de produção. A

127
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

premissa de que a interpelação dos indivíduos em sujeitos é ideológica e


jurídica e que a forma-sujeito de discurso se realiza a partir dessa inter-
pelação é determinante, portanto.
Pêcheux também nos oferece em Semântica e Discurso algumas
orientações de leitura e de pesquisa, que nos apontam o caminho a se-
guir na continuidade deste percurso, iniciado neste texto, de pensar so-
bre a questão do Direito na Análise materialista do Discurso.
Quanto às orientações de leitura, na ordem bibliográfica somos
orientados a conhecer o Pêcheux leitor de teoria geral do Direito, prin-
cipalmente de Bernard Edelman. São frequentes e determinantes para
a AD, a julgar por Semântica e Discurso, as considerações de Edelman
sobre a prática teórica no Direito e sobre o sujeito de direito. O trabalho
com a “questão do Direito” em Pêcheux passa pela leitura, com Pêcheux,
de Bernard Edelman, portanto. Por Pêcheux mesmo, Edelman nos leva
ao Direito em Lênin, em Pachukanis, em Marx e Engels. Por isso não há
qualquer descoberta ou surpresa no trabalho teórico sobre a questão do
Direito em Pêcheux; são terras conhecidas por ele; mobilizadas por ele.
Outra orientação de ordem bibliográfica, mais presente no cotidia-
no da Análise materialista de Discurso, é a leitura de Louis Althusser, não
apenas do Althusser de Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. A
leitura de Sobre a Reprodução, indicada no Anexo III, nos permite acom-
panhar o lugar do Direito na elaboração da noção de ideologia enquanto
categoria filosófica. Por lá, poderemos ver que prática jurídica, aparelho
jurídico-político de Estado, aparelho repressivo, aparelho ideológico ju-
rídico e ideologia jurídica não são a mesma coisa. O Althusser de A favor
de Marx, por sua vez, nos ajuda na compreensão do lugar do Direito na
estrutura de desigualdade-subordinação-sobredeterminação do “todo
complexo com o dominante” das formações ideológicas da formação so-
cial capitalista, enquanto estrutura da contradição reprodução/transfor-
mação constritiva da luta de classes.
Quanto às orientações de pesquisa, Pêcheux nos aponta a relevân-
cia do estudo das práticas repressivas ideológicas para pensar o processo
de resistência-revolta-revolução. Isso pode servir como motivação aos
analistas de discurso para a continuidade de pesquisas focadas no dis-
curso em/sobre/de dispositivos do aparelho repressivo de Estado.

128
LINGUAGEM:
TEXTO E DISCURSO

São orientações que pretendo seguir nas tarefas de ordem teórica


e analítica que o trabalho com a produção do conhecimento sobre a lín-
gua no direito, especialmente no Direito Linguístico, sobre direitos e de-
veres linguísticos, impõe quando pensado na articulação entre Análise
materialista de Discurso, História das Ideias Linguísticas e a Filosofia do
Direito, os recuos e desvio feitos logo na introdução deste texto anun-
ciaram. Pensar a luta política e ideológica – a luta de classes – na produ-
ção de conhecimento sobre a língua, no Direito. Pensar o que se entende
por “direito” e por “linguístico” quando se fala da prática teórica e po-
lítica por/em direitos linguísticos no direito que está aí, que é o direi-
to burguês. Pensar a produção de conhecimento teórico sobre o Direito
Linguístico reconhecendo que as categorias disponíveis para essa teori-
zação são forjadas na teoria geral [burguesa] do direito [burguês]. Pensar
que a leitura do discurso desde a posição materialista (marxista-leni-
nista, revolucionária) que a Análise materialista de Discurso em Michel
Pêcheux oferece implica também uma posição materialista diante do
Direito, do Estado; da produção do conhecimento sobre o Direito, sobre
o Estado; pensar nas consequências desse teoricismo na prática política.
Eis onde aperta o sapato.

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