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Matthias Grenzer1
Marivan Soares Ramos2
São Paulo, SP
Membro do Grupo de Pesquisa TIAT. Professor no Centro Cristão de Estudos Judaicos em São
Paulo.
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and spiritual elements that, today, can enrich the current ecological debates
and motivate alternative behaviors. Finally, the aim here is to learn how, in
the Psalms, the presence and the absence of freshwater becomes a religious
issue and, consequently, how prayers accompanied by a deep theological
reflection propose to favor a different respect for water.
Introdução
Como terra sem maiores rios e que pode contar com chuvas somente nos
meses de setembro a abril, com volumes variando de acordo com a região
(cf. ZWICKEL, 2013, p. 10-17), Israel, consciente da escassez do líquido
precioso, contempla as fontes fornecedoras de água doce com maior atenção.
Isso se verifica também nos Salmos.
De um lado, reflete-se nessas orações bíblicas sobre a água que vem de cima.
Nesse sentido, as "nuvens" (cf. עָבem Sl 18,12.13; 77,18; 104,3; 147,8) e as
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"nuvens espessas" (cf. שַ חַ קem Sl 18,12; 36,3; 57,11; 68,35; 77,18; 78,23;
89,7.38; 108,5) são contempladas como fonte da água doce. Imagina-se que
o SENHOR, Deus de Israel, "pôs ao seu redor um aguaceiro trevoso e nuvens
espessas" (Sl 18,12), e que ele, de forma incomparável, esteja "na nuvem
espessa" (Sl 89,7.38) ou que sua "fidelidade" (Sl 36,6), sua "verdade" (Sl
57,11; 108,5) e sua "força" (Sl 68,35) ali estão. Além disso, como resultado
da presença de Deus, as "nuvens avançam" (Sl 18,13) ou "são transformadas
em carruagens dele" (Sl 104,3). Em vista da água, é de fundamental
importância que, ao verem Deus, as "nuvens derramam sua água" (Sl 77,18)
e que "nuvens espessas soltam seu ruído" (Sl 77,18). Assim, Deus, ao
"mandar nuvens espessas de cima e abrir as portas do céu, faz chover" (Sl
78,23) e, "ao cobrir os céus com nuvens, prepara a chuva ( )מָ טָ רpara a terra"
(Sl 147,8). Em outros momentos, Deus é meditado como quem "faz
relâmpagos para a chuva" (Sl 135,7), "faz soprar seu vento para as águas
escorrerem" (Sl 147,18) ou "derrama a chuva ( )גֶּשֶּ םdas generosidades" (Sl
68,10), sendo que, "em vez de chuva, ele também pode oferecer granizo
(( ")ּבָ ָרדSl 105,32; cf. o "granizo" também em Sl 18,13.14; 78,47.48; 148,8).
Todavia, Deus é meditado como quem "abençoa o broto", "encharcando
sulcos e nivelando torrões, amolecendo-os com garoas (( ") ְּרבִ יבִ יםSl 65,11).
Juntamente, ele também é visto como quem "espalha a geada ( )כְּ פֹורcomo a
cinza" (Sl 147,16), "dá a neve ( )שֶּ לֶּגbranca como lã" (Sl 51,9; 147,16) e
"atira seu gelo ( )קֶּ ַרחem pedaços" (Sl 147,17). E, promulgando sua bênção,
"o orvalho ( )טַ לdo Hermon desce sobre os montes de Sião" (Sl 133,3). Mais
ainda: junto a tudo isso, aqueles que buscam sua força no SENHOR "se
convertem em chuva temporã (מֹורה ֶּ )" (Sl 84,7) e também o rei é contemplado
como que "desce como chuva, garoas ou chuvisco (( ")ז ְַּרזִיףSl 72,6), tendo "o
orvalho de sua infância" à sua disposição (Sl 110,3). Além disso, em forma
de resposta, as umidades celestes como "a neve, a neblina ( )קִ יטֹורe o granizo"
(Sl 148,8), na qualidade de mensageiros de Deus, são convocadas a
louvarem seu mandante.
Onde, por sua vez, Deus oferece uma "correnteza" favorável, o homem pode
transpor as águas nela presentes e formar "canais (") ֶּפלֶּג, sobretudo, para
"alegrar a cidade" (Sl 46,5) "com as árvores plantadas junto a tais córregos"
(Sl 1,3). Com isso, o ser humano se torna semelhante a Deus, sendo que
este último também é pensado como quem "cuida da terra e a rega, firmando
o grão dela com a água da qual seu canal (celeste) está cheio" (Sl 65,10).
Além de canais, o homem cava "poços" (cf. os vocábulos ּבְּ אֵ רem Sl 55,24;
69,16 e מָ קֹורem Sl 36,10; 68,27), para acessar as águas subterrâneas, e
"cisternas (( ")ּבֹורSl 7,16; 28,1; 30,4; 40,3; 88,5.7; 143,7), para estocar as
águas da chuva. No entanto, por mais que "Israel" se compreenda como
"poço" (Sl 68,27), ele sabe, em princípio, que "o poço da vida está com Deus"
(Sl 36,10).
Seja mencionado ainda que poço e cisterna, além da vida, lembram a morte.
Por causa de sua semelhança a uma cova e por que "o israelita, para tirar
água, diariamente observava a descida do recipiente de couro ao fundo do
poço ou da cisterna, e a volta dele à luz" (cf. Sl 7,16; 28,1; 30,4; 40,3; 55,24;
69,16; 88,5.7; 143,7), era comum imaginar com isso o momento do
sepultamento como um "afundamento na água", sendo que as águas do
oceano subterrâneo levariam a pessoa ao sheol (KEEL, 1996, p. 61).
Resumindo: como Deus faz descer águas do céu, ele também é contemplado
como quem faz jorrar água da rocha ou da terra, sendo que tais águas
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enchem torrentes, rios, canais, lagoas e poços. Até "faz subir vapores ()נ ִָשיא
do extremo da terra" (Sl 135,7). Assim, Deus garante a produção da terra e
a vida de quem precisa beber.
Os Salmos não se preocupam, de forma isolada, com o ser humano, mas sim
com toda a criação. Nesse sentido, sabe-se que também as plantas e os
animais dependem da água. Por isso, visa-se à vida em sua integralidade e
respeita-se a necessidade de cada criatura.
Além das árvores, também os animais precisam da água. Isso vale tanto para
o gado pequeno, "conduzido" por seu pastor a "águas em lugares de repouso"
(Sl 23,2: )מֵ י ְּמנֻחֹות, como para a "corça, que anseia por leitos de água" (Sl
42,2: )אֲפִ יקֵ י־מָ יִ ם, ou para os "animais do campo", por exemplo, os "asnos
selvagens", os quais também estão com "sede" (Sl 104,11: )צָ מָ א.
Contemplando, por sua vez, esse aspecto da fauna, vê-se como é Deus "quem
faz jorrar mananciais nos vales entre os montes" (Sl 104,10: ּבַ נְּ חָ לִ ים ּבֵ ין הָ ִרים
)מַ עְּ יָנִ ים, a fim de que os animais selvagens tenham vida. Ou seja, o SENHOR é
o verdadeiro "pastor" (Sl 23,1), capaz de enfrentar a "luta árdua e, às vezes,
dramática, a fim de garantir a permanência do rebanho" (GRENZER, 2012, p.
306).
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Enfim, existe nos Salmos uma preocupação com a flora e a fauna como
espaços que dependem da água. Pensa-se em Deus como quem lhes precisa
garantir tal recurso, por mais que o ser humano possa tornar-se
corresponsável, por exemplo, ao construir canais de água. No entanto, o
homem jamais poderá fazê-lo para todas as criaturas. Assim, contemplando
árvores e animais nutridos com água, o orante nos Salmos eleva seu
pensamento e seu louvor a Deus, porque observa nele uma bondade e
providência ímpares.
Em vista disso, existe nos Salmos também a preocupação com a falta de água
e/ou com a degeneração das águas existentes. A "alma sedenta" (Sl 42,3),
ou seja, a garganta seca "em uma terra árida e ressequida, sem água" (Sl
63,2), torna-se imagem para a distância da pessoa em relação a Deus. E não
é suficiente que alguém ofereça "vinagre" a quem está com "sede" (Sl 69,22).
Pelo contrário, é preciso que Deus, ao exigir "confiança em sua providência"
e ao contar com uma reação adequada de seu líder, desfaça, mesmo em meio
a "irritações", a miséria de quem resmunga de forma legítima e ofereça a
água tão imprescindível para a sobrevivência de todos, como o fez "junto às
águas de Meriba" (Sl 81,8; 106,32; Ex 17,1-7; Nm 20,1-13) (cf. GRENZER,
2000). Caso contrário, a morte se instalaria. Isso vale também para eventuais
degenerações da água como, por exemplo, para o momento das "águas
transformadas em sangue", das quais os egípcios "não podiam mais beber"
(Sl 78,44) e nas quais "os peixes morriam" (Sl 105,29) (cf. GRENZER, 2007).
imensas" como as "do mar agitado" por Deus (Sl 74,13; 107,23), "águas que
espumam ao trepidarem as montanhas" (Sl 46,4), "águas que chegam até o
pescoço" (Sl 69,2; 124,4-5) e "águas profundas ( )מַ עֲמַ קֵ י־מַ ִיםde um fluxo () ִשּבֹ לֶּת
que arrastam" (Sl 69,3.15.16; 130,1), ou seja, "águas que cercam e
circundam" (Sl 88,18), "cobrindo" as pessoas até "nenhuma delas sobrar" (Sl
106,11). De outro lado, os Salmos refletem sobre a transitoriedade e a
efemeridade da vida, investindo nas imagens de alguém experimentar-se
como "água derramada que escorre" (Sl 22,15; 58,8) ou de ter "seu sangue
derramado como água" (Sl 75,3; 79,3). Nesse contexto, também se
contemplam movimentos não desejáveis do líquido no corpo humano como
quando a "água penetra nas entranhas" (Sl 109,18). Enfim, em meio aos
perigos, o ser humano é como quem "entra no fogo e na água" (Sl 66,12).
Ou, com outras palavras, contemplando um uádi no "Negueb" em estação de
chuva, ele medita "os leitos de água ( ")אֲפִ יקֵ י־מָ ִיםcomo representantes de
transformação e bem-estar (Sl 126,4). Em outro momento, por sua vez, ao
"aparecerem os leitos de água" e, com isso, "os fundamentos do mundo" (Sl
18,16), o ser humano precisa que o SENHOR "o tome e tire das águas
abundantes" (Sl 18,17), "fazendo-o novamente subir dos abismos da terra"
(Sl 71,20).
Considerações finais
ou abismo (12x), oceano celeste (1x), nuvens (5x), nuvens espessas (9x),
chuva (5x com dois vocábulos diferentes em hebraico), chuva temporã (1x),
chuvisco (1x), granizo (6x), garoa (2x), geada (1x), neve (3x), gelo em
pedaços (1x), neblina (1x), orvalho (2x), vapor (1x), mina de água (2x),
lagoa (2x), manancial (5x), torrente (8x), rio ou correnteza (15x), leito de
água (3x), canal (4x), poço (4x com dois vocábulos), cisterna (7x) e águas
em lugares de repouso (1x). Além disso, foram considerados os verbos beber
(5x), fazer beber (7x), sorver (2x) e ter sede (2x), assim como os
substantivos sede (2x), inundação (1x), fluxo (2x), profundeza de água (3x),
represa (2x) e pranto (8x). Só não foram mencionados neste estudo todos
os versículos que apresentam o vocábulo mar (38x).
Sejam destacadas aqui três reflexões presentes nos Salmos. Primeiro: como
"a terra e o que a plenifica são do SENHOR" (Sl 24,2; cf. também Lv 25,23;
Dt 10,14), assim também as diversas águas. Ou seja, os Salmos,
repetidamente, favorecem a compreensão de que as águas, em seus diversos
estados, estão sob o poder de Deus e a serviço de Deus, a fim de que também
elas, junto às demais partes da criação, transmitam a palavra do SENHOR.
Segundo: os Salmos contemplam a disponibilidade da água para plantas,
animais e seres humanos como resultado da contínua ação criadora de Deus.
Quer dizer, é o SENHOR, Deus de Israel, pensado como origem de "todos os
mananciais" (Sl 87,7), quem, de acordo com sua infinita bondade, faz jorrar
água para quem precisa beber. Terceiro: ao reconhecer-se como "criatura, e
não como criador", o ser humano tem a tarefa de desenvolver uma
"espiritualidade do comportamento" (DIE DEUTSCHEN BISCHÖFE, 1980, p.
12-13). Ou seja, é preciso ao homem estar consciente de que o SENHOR, ao
"fazer dele o governador das obras de suas mãos" (Sl 8,7), confia-lhe
também a corresponsabilidade de "cultivar e guardar o jardim do Éden" (Gn
2,15), sabendo que tal cuidado há de estender-se às águas abundantes que
pertencem a este lugar (cf. Gn 2,11-14).
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Referências