Você está na página 1de 1

Cântico Primeiro de Aninha1

Cora Coralina

A estrada está deserta, A estrada está deserta...


vou caminhando sozinha. Alguma sombra escassa
Ninguém me espera no caminho. buscando o pássaro perdido.
Ninguém acende a luz. Morro acima. Serra abaixo.
A velha candeia de azeite Ninho vazio de pedras.
de há muito se apagou. Eu avante na busca fatigante
de um mundo impreciso,
A longa noite escura... todo meu.
A caminhada... feito de sonho incorpóreo
Carreando pedras, e terra crua.
construindo com as mãos sangrando
minha vida. Bandeiras rotas, despedaçadas,
quebrado o mastro na luta desigual.
Deserta a longa estrada... Sozinha, pisada. Nua. Espoliada, assexuada.
Mortas as mãos viris que se estendiam às Sempre caminheira, removendo pedras.
minhas. Morro acima. Serra abaixo.
Dentro da mata bruta Longa procura de uma furna escura,
Leiteando imensos vegetais. fugitiva a me esconder.
Cavalgando o negro corcel da febre, Escondida no meu mundo.
Desmontado para sempre. Longe... Longe...
Indefinido longe, nem sei onde.
Passa a falange dos mortos...
Silêncio. Os namorados dormem. O tardio encontro.
Flutuam véus roxos no espaço. Passado o tempo de semear o vale,
Na esquina do tempo morto de colher o fruto.
À sombra dos velhos seresteiros... O desencontro,
A flauta, o violão, o bandolim. da que veio cedo e do que veio tarde.
Alertas as vigilantes,
barroando portas e janelas cerradas. A candeia está apagada
Cantava de amor a mocidade. e na noite gélida eu me vesti de cinzas.

Meus olhos estão cansados


Meus olhos estão cegos
Os caminhos estão fechados.

1
Do livro Vintém de Cobre

Você também pode gostar