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REFORMA PROTESTANTE: BREVE HISTÓRICO E CONTRIBUIÇÕES PARA A

EDUCAÇÃO

A reforma protestante foi tão impactante que, segundo Frederick Eby, "Nenhum
aspecto da vida humana ficou intato, pois abrangeu transformações políticas,
econômicas, religiosas, morais, filosóficas, literárias e nas instituições, de caráter
definitivo; foi, de fato, uma revolta e uma reconstrução do Norte".1

Mas o que foi a reforma protestante? A reforma protestante é o fato histórico


resultante de um movimento interno da igreja Católica Romana, que tem seu principal
expoente no monge agostiniano Martinho Lutero.

Tanto os precursores (aqueles que antecederam aos reformadores), como os


reformadores, eram homens cultos, de vida exemplar, que tinham prazer na leitura e
na exposição da Bíblia Sagrada e queriam fazer alguma coisa para alcançar a
salvação, exatamente como a Bíblia afirma: “Pela graça sois salvos, mediante a fé; e
isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”
(Efésios 2.8,9).

Os principais precursores da Reforma foram John Wycliffe, professor na


Universidade de Oxford na Inglaterra; John Huss, professor na Universidade de Praga,
que foi queimado por causa de sua fé; e Girolano Savonarola, monge dominicano que
foi enforcado e queimado por ordem do Papa Alexandre VI em Florença, na Itália.
Foram mortos porque discordavam das ações e ensinos da igreja, por considerá-los
incompatíveis com os ensinos das Escrituras Sagradas. No cárcere, já sentenciado
para ser queimado vivo, John Huss disse: "Podem matar o ganso (em sua língua natal,
huss é ganso), mas daqui a cem anos, Deus suscitará um cisne que não poderão
queimar".

No século XVI a Europa estava no limiar de uma nova época política e social.
Gutemberg revolucionara o processo de impressão de livro; Colombo descobrira a
América e o descontentamento com a igreja persistia. Tudo isso preparava o terreno
para a reforma. No dia 31 de outubro de 1517, cento e dois anos após a morte de
John Huss, Martinho Lutero fixa na porta da igreja do castelo de Witenberg as suas
95 teses. Evidentemente outros homens foram extremamente importantes para a
reforma e seus efeitos, tais como, Úlrico Zwinglio, Guillherme Farel, João Calvino e
John Knox, no entanto pra esse breve artigo, nos deteremos nos escritos e
contribuições de Martinho Lutero.

1 EBY, F. História da educação moderna. 2.ed. Porto Alegre: Globo, 1976, p.1.
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EDUCAÇÃO

As 95 teses de Lutero fundamentam-se em cinco pilares, também conhecidos


como as cinco solas da reforma. Sola fide (somente a fé), Sola gratia (somente a
graça), Solus Christus (somente Cristo), Sola scriptura (somente a Escritura) e Soli
Deo gloria (glória somente a Deus).

Ao lecionar o livro de Romanos Lutero fez uma descoberta maravilhosa no texto


sagrado, “Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está
escrito: O justo viverá por fé Romanos 1:17 (ARA2). Dentre outros, esse texto
fundamenta o pilar “Sola fide”.

Afirmava Lutero que se a fé é o meio humano pelo qual podemos ser salvos,
então a graça é o recurso divino no qual colocamos a nossa fé. Só a graça pode lhe
dar a salvação eterna. Tal premissa está fundamentada em Efésios 2:8-9 (ARA):
“Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus;
não de obras, para que ninguém se glorie”. Dentre outros, esse texto fundamenta o
pilar “Sola gratia”.

Lutero também disse que as indulgências não removiam a culpa e que só Jesus
poderia perdoar pecados. Sua conclusão foi baseada em vários textos das escrituras
que nos afirmam que só Jesus tem poder para salvar, dentro outros: “A salvação só
pode ser conseguida por meio dele. Pois não há no mundo inteiro nenhum outro que
Deus tenha dado aos seres humanos, por meio do qual possamos ser salvos, assim
como, Só Jesus Cristo tem poder para nos levar a presença de Deus”. Atos 4:12
(NTLH3), e “Jesus respondeu: - Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém pode
chegar até o Pai a não ser por mim”. João 14:6 (NTLH). Esses textos fundamentam o
pilar “Solus Christus”.

O quarto pilar da fé evangélica é que só a bíblia é a regra de fé e prática de um


cristão. Os reformadores, quase todos eram padres piedosos que entendiam que para
voltar a essência da fé era indispensável voltar a bíblia, porém a leitura da bíblia era
proibida aos leigos (aqueles que não faziam parte do clero), situação que perdurou
até o concilio vaticano II (1961-1965).

Eles fundamentaram esse pilar na própria palavra de Deus, conforme o


ensinamento de Paulo que diz: “Pois toda a Escritura Sagrada é inspirada por Deus e
é útil para ensinar a verdade, condenar o erro, corrigir as faltas e ensinar a maneira

2 Tradução da Bíblia. ARA (Almeida Revista e Atualizada)


3 Versão da Bíblia. NTLH (Nova tradução na linguagem de hoje)
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certa de viver. E isso para que o servo de Deus esteja completamente preparado e
pronto para fazer todo tipo de boas ações. 2 Timóteo 3:16-17 (NTLH). “Sola scriptura”.

O quinto pilar da fé protestante é: Só a Deus seja a glória, premissa baseada,


dentre outros no texto de Isaías 42:8 (NVI4) - “Eu sou o Senhor; este é o meu nome!
Não darei a outro a minha glória nem a imagens o meu louvor”. “Soli Deo gloria”.

Em suma, a reforma protestante refere-se ao movimento religioso interno, com o


objetivo inicial de reformar a igreja Católica Romana, mas como foram expulsos e por
terem resistido a contrarreforma (Concílio de Trento), o movimento resultou no fato
histórico que deu nascimento aos cristãos "reformados", conhecidos até hoje como
"protestantes".

No entanto, apesar dos objetivos nitidamente bíblicos, a reforma não limitou-se


ao aspecto religioso, tendo exercido profundo impacto na educação dos países onde
foi implantada, influência que perpetua-se no tempo até os dias de hoje.

Educado de modo severo, em um contexto em que a igreja só educava nobres,


Martinho Lutero estava consciente de que a alfabetização dos camponeses pobres,
seria um fator imprescindível para a evangelização dos povos. Com essa visão,
consequentemente a Reforma Protestante exerceu grande pioneirismo ao popularizar
o ensino através da abertura de escolas populares onde se passou a oferecer ensino
gratuito.

Os escritos mais pragmáticos de Lutero sobre a educação foram: Aos


conselhos de todas as cidades da Alemanha, para que criem e mantenham escolas
cristãs, publicado em 1524, e Uma prédica para que mandem os filhos para a escola,
de 15305.

Neles, estão afirmações sobre a necessidade urgente de urna ampla ação em


favor da educação do povo. Lutero objetiva estimular e desafiar a sociedade para a
responsabilidade com a educação e a formação da juventude. “O desenvolvimento de
um indivíduo temente a Deus, responsável e ético, com capacidade de vivenciar sua
liberdade, requer pessoas bem instruídas”, dizia Lutero.

4Versão da Bíblia. NVI (Nova Versão Internacional)


5 As citações e referências bibliográficas desses escritos são extraídas das versões atualizadas dos
originais, publicadas na coleção Lutero para hoje, editadas em co-edição pelas editoras Sinodal e
Concórdia.
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No entanto, talvez o mais importante nos escritos de Lutero sobre educação


para a atualidade esteja em sua concepção de uma educação pública, universal e
gratuita, para quem não pode custeá-la. Nesse sentido, acertadamente Lorenzo
Luzuriaga vê na Reforma a gênese da educação pública. (LUZURIAGA, 1959, p. 5)6.

Lutero, adiantado em seu tempo, não apenas defende o acesso à educação


para todos, mas contribui com importantes escritos sobre o processo pedagógico,
defendendo, em meio a um tempo de educação opressora, uma "perspectiva
construtivista e lúdica."

Apontando para uma educação integral, ele afirma que:

Pela graça de Deus, está tudo preparado para que as crianças


possam estudar línguas, outras disciplinas e História, com prazer e
brincando. As escolas de hoje já não são mais o inferno e o purgatório
de nosso tempo, quando éramos torturados com declinações e
conjugações. Não aprendemos simplesmente nada por causa de
tantas palmadas, medo, pavor e sofrimento. Se levamos tanto tempo
para ensinar às crianças jogos de tabuleiro, cantar e dançar; por que
não usamos o mesmo tempo para ensiná-los a ler e outras matérias?
Eles são jovens e têm tempo, são capazes e têm vontade. Falo por
mim mesmo: se eu tivesse filhos e tivesse condições, não deveriam
aprender apenas as línguas e História. Também deveriam aprender a
cantar e estudar Música, com Matemática (LUTERO, 2000a, p. 37-
38)7.
A Reforma tornou-se a primeira escola do povo alemão e impulsionou a
educação pública. Lutero desafiou as sociedades de então para a responsabilidade
com a educação e a formação da juventude. Não se tratava de uma educação apenas
direcionada para a formação de quadros para a igreja, mas de uma educação que
objetivava a formação integral do ser humano. Trata-se de uma educação que
significava um processo de humanização do ser humano, uma forma de tornar o ser
humano mais humano.

Sem esquecer que a família tem papel fundamental no desenvolvimento da


criança, em sua luta para que o povo tivesse acesso à formação intelectual, Lutero
exigiu do Estado a responsabilidade educacional dos meninos e meninas.

6 LUZURIAGA, L. História da educação pública. São Paulo: Nacional, 1959. Atualidades pedagógicas.
7 LUTERO, M. Educação e reforma. São Leopoldo: Sinodal, 2000a. Coleção Lutero para hoje.
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A grande tarefa dessa escola era a formação de pessoas éticas e com


capacidade para organizar o convívio social, político e econômico segundo critérios
bíblicos de justiça, honestidade e retidão, para que cada comunidade e cidade se
organize de tal forma que todos tivessem acesso à educação e a um trabalho que
permitisse o acesso ao pão de cada dia.

Com suas críticas e propostas educacionais, Martinho Lutero vislumbrou e


projetou a ética e a cidadania como lugares privilegiados da educação e defendeu a
necessidade de aprofundar a democratização da educação em todos os níveis. Sua
perspectiva não se limitou a uma educação religiosa com vistas somente a dimensão
espiritual, por isso dizemos que, a educação defendida por Lutero carrega uma
profunda dimensão de cidadania.

A contribuição da Reforma Protestante para a popularização da educação é


inegável, pois essa não estava somente preocupada com a formação espiritual do
indivíduo, mas buscava também fornecer-lhe uma base cultural sólida visando
contribuir para que o mesmo pudesse ser útil não somente ao serviço sagrado, mas
também à sociedade que é o lugar onde alcança sua realização cultural.

Em síntese, a historiografia educacional (que ainda não reconheceu


devidamente esse pensador) tem em Lutero uma referência importante para a
concepção de educação pública e popular e sua inseparabilidade da ética e da
cidadania.

Assim como Lutero, acreditamos que Fé, educação e cidadania pertencem uma
à outra e não se realizam independentes.

Em tempos em que a pauta institucional de algumas escolas dedica mais


atenção a ideologia de gênero do que à matemática, português e ciências, faria muito
bem resgatar os ideais de Lutero, tais como ética e cidadania na educação.

*Daniel Fich de Almeida


Pastor presidente da Assembleia de Deus de Lajeado;
Advogado;
Especialista em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie em parceria com o Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de
Coimbra em Portugal e Regents Park College da Universidade de Oxford na Inglaterra.

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