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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia

INDICE
O fenómeno do bullying, da agressão e da vitimação em contexto escolar… Efeitos do
programa “Outra(s) Forma(s) de Brincar” numa Escola de 1º Ciclo do distrito de Évora. .......2
Produtividade Laboral e Consumo de Álcool..........................................................................25
Qualidade em Contextos Educativos Pré-Escolares: Percepções Parentais ............................43
O Suporte social e o lazer na Fibromialgia..............................................................................60
Estilo Cognitivo: Dependência e Independência de Campo e Rendimento Escolar ...............72
Stress e controlo glicémico: Comparação entre homens e mulheres com diabetes mellitus ...86
Stress e adesão ao tratamento: Comparação entre homens e mulheres com diabetes mellitus
................................................................................................................................................100
Importância Diferencial dos Atributos Perceptivos e Funcionais-Associativos para a
Organização em Memória Semântica dos Elementos Biológicos e Não Biológicos: Efeito da
Modalidade ............................................................................................................................115
Centros de dia como equipamento social e alternativa à sobrecarga dos cuidadores informais
................................................................................................................................................126
Uma discussão teórica em torno das principais linhas de investigação da depressão numa
perspectiva psicológica ..........................................................................................................137
Produção experimental de memórias falsas utilizando um paradigma baseado em imagens 149
O Auto-Conceito e a Inteligência no Desempenho Escolar em Alunos do 1.º Ciclo do Ensino
Básico.....................................................................................................................................161
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O fenómeno do bullying, da agressão e da vitimação em contexto escolar… Efeitos do


programa “Outra(s) Forma(s) de Brincar” numa Escola de 1º Ciclo do distrito de
Évora.

Tiago Pereira (Universidade de Évora)


tpereira@uevora.pt

Madalena Melo (Universidade de Évora)


mmm@uevora.pt

Palavras-chave:
Bullying; Violência Escolar; Programas de Prevenção/Intervenção

Resumo/Abstract:

O fenómeno da violência escolar é cada vez mais actual, bem como discutido e
estudado. O presente estudo confere informações que possibilitam caracterizá-lo nos seus
aspectos relativos à agressão e vitimação. Aborda-os com base nas características da
população, recorrendo a questionários de self-report (a alunos, professores, “outros técnicos”
e encarregados de educação) em momentos distintos – antes (pré-teste) e depois (pós-teste)
da intervenção.
Esta assentou numa metodologia sistémico-ecológica e baseou-se, essencialmente, na
adopção de uma mensagem totalmente contrária à violência, num programa de melhoramento
(ao nível da supervisão, materiais e actividades) do recreio da Escola (espaço preferencial dos
comportamentos de agressão/vitimação) e na formação dos vários agentes educativos.
Os resultados obtidos justificam a opção, pois encontraram-se diferenças
estatisticamente significativas que confirmam a diminuição dos comportamentos agressivos
(vitimação/agressão). Foram também percepcionadas (por Alunos, Encarregados de
Educação, Professores e Outros Técnicos) melhorias no recreio, bem como a diminuição dos
comportamentos agressivos entre alunos.
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Introdução
Todos somos responsáveis por tudo perante todos…
Dostoievski

Numa época em que todos os problemas são subjugados e “desconsiderados” perante


a “avalanche” do discurso económico, promover o debate e a reflexão em torno das questões
da educação, dos seus princípios, dos seus recursos e da sua promoção de valores como a
cooperação, a solidariedade, ou a convivência pode parecer inoportuno... Tal como poderá
parecer inoportuno relacionar, de certa forma, o nosso (um pouco como o da maioria dos
países) sistema educativo (e os seus princípios) com a violência gerada e patenteada, dia após
dia nas múltiplas Escolas do País… Ou poderá parecer ainda mais inoportuno relacionar esta
violência com uma sociedade economicista que descarta o poder e o peso “social e
ambiental” da relação como motor de desenvolvimento… Ou, finalmente, com uma
desajustada e, não poucas vezes, questionável (des)intervenção social precoce/preventiva das
mais diversas situações. Poderá parecer mas [na nossa opinião] não é. Antes pelo contrário.
Este assunto assume, nesta época, uma especial relevância. Pela nova sociedade e pela
sua Escola. Pelo aumento de violência nas mesmas (Bertão, 2004) e pelas situações de tensão
que decorrem no e do quotidiano do espaço escolar (Gonçalves & Santo, 2000). Pelas novas
lutas. Muitas vezes pela inversão na progressão dos valores e pelo reverter de alguns
princípios presentes nas cartas de direitos do homem e da criança.
No entanto, abordar a temática da violência na Escola é, antes de mais, mergulhar
num “novelo” profundamente complexo, com múltiplos “nós” e multi-causalidade1 (Fonseca,
2000), cujo desemaranhar depende de uma intervenção altamente rica, diversificada,
multidisciplinar (Estrela & Amado, 2000), multissistémica (Costa, 2001) e polissémica
(Bertão, 2004). Mas, quotidianamente desprezar este fenómeno – a partir da falsa crença da
sua inevitabilidade (Ortega & Rey, 2003; Barbosa, 2004), da “democratização” da violência
(Abreu, 1995), da aceitabilidade do bullying e da violência (Bowen et al., 2004) ou mesma da
ideia de muitos de que a violência faz parte da iniciação à idade adulta (Amado & Freire,
2002) – é, claramente, não assumir as responsabilidades de todos nós neste fenómeno e
compactuar com a clara retro-alimentação do mesmo2, pois a violência só gera e só poderá
gerar mais e mais violência.

1
Incluindo as variáveis sociais, familiares, escolares/pedagógicas e as inerentes ao próprio indivíduo (Teresa &
Amado, 2000)
2
Para além de se multiplicarem os problemas pela aprendizagem social e pelos factores de admiração e de
grupo, as próprias vítimas, sem recursos para saírem da sua situação apreendem-na (também se aprende o mal) e
constroem a ideia de que a única forma de sobreviver é converterem-se, também eles, em violentos,
desenvolvendo atitudes maltratantes (Ortega & Rey, 2003).
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Tal como Costa & Vale (1998) afirmam: “violentar o jovem violento é subestimar a
verdadeira significância do problema”, pelo que urge desenvolver e programar intervenções
que entendam a pessoa enquanto um ser holístico, partindo de instrumentos de melhoria das
relações (Ortega & Rey, 2003) – actuando de forma preventiva na promoção da convivência
– bem como de intervenções que privilegiem o espaço do recreio, hoje espaços [muitas
vezes] vazios (de adultos, de instrumentos, de actividades, muitas vezes de amigos) e pobres,
que se assumem como o palco principal da agressividade, violência e vitimação no contexto
escolar (Pereira & Pinto, 2001), que acabam por evitar diversas situações de violência e
delinquência juvenil3 (prevenindo as suas múltiplas consequências em diferentes sistemas -
micro, meso, exo e macrosistema; Diaz-Aguado, 2001) ao mesmo tempo que potenciam as
aprendizagens, os resultados escolares e, essencialmente, o bem-estar dos alunos.
É partindo desta filosofia; dos resultados dos programas anti-bullying; assentes na
metodologia “Whole-School Policy” (que contêm aspectos de prevenção primária, secundária
e mesmo terciária), com reduções médias da ordem dos 50% (ainda que dependentes do
clima de escola e do clima de sala de aula; Kallestad, Olweus & Alsaker, 1998) no que se
refere às práticas agressivas (Olweus, 1995; Smith et al., 2003); e de um contexto (Escola)
que para além de rico em (des)afecto e em todas as formas mais cruéis de violência sobre as
crianças, é também um espaço privilegiado e preferencial de exteriorização do mal-estar
interno (sustentado pela (des)organização afectiva e emocional) de cada criança (Strech,
2001), que surge este estudo e o programa “Outra(s) Forma(s) de Brincar”. Um programa que
procura que a Escola se configure como um espaço onde a violência seja inaceitável e não
seja solução para nada nem para ninguém… Um programa que visa colocar a criança no
âmago da relação entre a Escola (professores e instituição) e a família… Um programa que
visa “esculpir” um caminho que [realmente] afaste as crianças da violência e das suas, tão
nefastas quão múltiplas, consequências... Um programa que não esquece que a Educação tem
um papel fundamental no futuro de todo o tipo de “pulsões” agressivas.
Enquadramento
Some of the most destructive violence does not break bonds… It break minds…
Vachass

Nos últimos anos (em especial nos últimos anos da década de 90) assinala-se um
grande aumento da investigação (em Portugal até jornalística) na área da violência e agressão

3
Isto porque os fenómenos de agressão (nomeadamente de agressão física) são os principais indicadores dos
comportamentos desviantes futuros (algo estáveis), sendo que a idade de 8 anos é apontada como momento
fundamental de cristalização destes problemas (Negreiros, 2003).
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no contexto escolar (em parte devido à “crise da escolarização”; Correia & Matos, 2003b),
especialmente no que se refere ao tipo de violência definida como bullying (Martins, 2005a).
Ainda assim datam já de 1973 os primeiros trabalhos acerca desta problemática, mais
especificamente os estudos de Olweus que incidiam sobre a relação dinâmica estabelecida
entre agressor (bully) e vítima (Cerezo, 2001a). No entanto; e apesar de mais de 30 anos
volvidos sobre estes pioneiros estudos e da grande maioria das investigações no campo da
violência escolar terem como objecto predominante de análise o conceito de bullying (Costa
& Vale, 1998); continua a não existir uma definição clara, cabal e por todos aceite deste
conceito de origem anglo-saxónica (Pereira, 2001). No entanto, todos parecem concordar
quanto ao facto deste ser um fenómeno típico da violência entre pares (e.g. Amado & Freire,
2002; Smith et al., 2003), marcado pelo uso deliberado da agressão (Olweus, 1995; Costa &
Vale, 1998), operada de forma directa e física4 (e.g. Olweus, 1995; Martins, 1995a), directa e
verbal ou psicológica5 (e.g. Costa & Vale, 1998; Fuentes & Silva, 2004; Martins, 2005a) ou
indirecta6 (e.g. Cerezo, 2001c; Martins, 2005a), por uma, várias pessoas ou mesmo num set
alargado de relações estabelecidas numa comunidade (e.g. Costa & Vale, 1998; Smith, 2004)
que utilizam a sua desigualdade e o seu poder (Smith et al., 2004a; Formosinho & Simões,
2001), para implicar com pessoas mais fracas ou mais novas (e.g. Pereira, 2001), de acordo
com um abuso de poder e imbuído por um desejo de intimidar e de dominar (Cerezo, 2001c),
num contínuo de comportamento agressivos (e.g. Costa & Vale, 1998), praticados com o
intuito de causar sofrimento e mal-estar ao outro (Martins, 2005a), de forma verdadeiramente
problemática quando assumem formas repetidas, sistemáticas e intencionais do(s)
agressor(es) sobre a(s) vítima(s) (e.g. Amado & Freire, 2002), demonstrando o seu carácter
de vinculação social claramente perverso (Smith et al., 2004a). Mas que discordam, por
exemplo, quanto ao facto do conceito manifestar e adequar-se a comportamentos esporádicos
(tal como defende Flood; citado por Costa & Vale, 1998) ou ocorrer ao longo de um período
de tempo, assumindo um carácter sistemático e continuado (Reid; citado por Costa & Vale,
1998; Olweus, 1995; Formosinho & Simões, 2001), ou mesmo da ideia do Scotish Council
for Research in Education7 (1991) de que todos os comportamentos de bullying são
agressões (sejam elas físicas, verbais ou psicológicas) mas que nem todas as agressões são
necessariamente bullying (quanto mais não seja pela utilização inadequada dos conceitos).

4
Inclui consumar ou ameaçar comportamentos como o bater, roubar, estragar objectos ou mesmo o abusar.
5
Comportamentos como o insultar e o fazer reparos racistas face a pessoas com determinadas características.
6
Refere-se à exclusão sistemática de pessoas, bem como à ameaça ou ao lançamento de “boatos” pejorativos.
7
Que possui uma série impressionante de estudos e trabalhos nesta área, demonstrando a importância e a
premência que conferem a esta problemática
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Apesar de alguns autores terem procurado traduzir este conceito para a língua
Portuguesa (por exemplo Amado e Freire [2002] e Martins [2005a] traduzem-no como maus-
tratos entre iguais) optou-se por utilizar o conceito bullying pois parece-nos mais abrangente
[e logo mais adaptado à realidade que se pretende retratar], que “maus-tratos entre iguais”,
não só pela ideia de intensidade e confronto que o conceito possui, mas também pelas
implicações para o agressor, para a vitima e para o contexto encerradas no mesmo.
Para além destas dificuldades existe outra que se prende com a proximidade e a
utilização de conceitos por vezes impróprios para a definição de condutas desta natureza,
nomeadamente, distúrbios de comportamento, comportamento anti-social, violento ou
desviante (Fonseca, 2000). Mas centremo-nos no conceito de bullying. Antes tendia-se a
olhá-lo como a violência física menosprezando a real extensão do mesmo. Hoje, ao invés,
assume-se as consequências psicológicas deste comportamento nas vítimas como nunca
menos graves que as consequências físicas (Costa & Vale, 1998) e que podem manifestar-se
de várias formas: baixa auto-estima, auto-confiança e auto-conceito (Martins, 2005a),
problemas paralelos de saúde física (não raras vezes com origem psicossomática) e
psicológica (sentimentos de desespero e depressão) (Martins, 2005a) e mesmo, em alguns
casos, propensão suicida8 (Smith & Brain, 2000; Smith et al, 2004a).
Já os bullies apresentam, normalmente, um reduzido sentido de auto-crítica,
culpabilizando-se poucas vezes pelo seu comportamento e não manifestando, na maioria dos
casos, empatia perante o sofrimento que provocam no outro (Bjorkqvist et al., 1992), nas suas
vitimas que podem ser de vários níveis: passiva, cooperante, provocatória, pseudo-vítima ou
espectador (cuja dissonância moral e culpabilidade são características; Soriano & Marín,
2005) e vítima-agressor (Olweus, 1995). Estes utilizam as suas condições (físicas,
psicológicas ou sociais) distintas das suas vítimas para agirem sobre elas, deixando a sua
marca em muitas relações, rompendo vínculos e interferindo decisivamente no(s) seu(s)
processos de ensino-aprendizagem e de desenvolvimento de forma mais geral (Bertão, 2004;
Smith et al., 2003).
No sentido de procurar e disseminar as causas deste fenómeno importa que tenhamos
em consideração as diversas teorias relativas ao desenvolvimento dos comportamentos
agressivos (isto porque não são totalmente claras [apesar de definitivamente existirem
(Pereira, 2001)] as diferenças entre comportamento agressivo, violência, bullying,
comportamentos disruptivos, …). Desde logo as etológicas ou genéticas que se centram na
8
Um facto que ajuda a explicar os elevados índices de propensão suicida deste grupo prende-se com a elevada
taxa de rejeição por parte dos pares que os mesmos sofrem (Martins, 2005a).
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crença de que o ser humano desenvolve estes comportamentos de acordo com o seu instinto
de sobrevivência (Costa & Vale, 1998). Depois as teorias da aprendizagem social que se
concentram na observação e aprendizagem vicariante de comportamentos (Cerezo, 2001b;
Pires, 2001) e que conferem especial atenção à aprendizagem a partir das famílias e dos seus
padrões de violência familiar (de natureza multidimensional), sendo que as crianças e
adolescentes não afectadas são aquelas que, de certa forma, desenvolveram capacidades
extremas de resistência face às adversidades – desenvolveram a capacidade de resiliência
(Kashani & Alla, 1997; Bowen, Jenson & Clarck, 2004). Também as teorias sociológicas que
associam estes problemas aos condicionalismos relacionados com as classes populares e as
teorias relativas ao interaccionismo simbólico que definem o problema enquanto função dos
contextos particulares nos quais decorre, atendendo, como tal, ao triângulo
criança/família/Escola (Pires, 2001). Ainda as perspectivas sócio-cognitivas ou teorias de
processamento de informação que foram desenvolvidas por Crick e Dodge (1994), e que
entendem a agressividade infantil como o produto de uma deficitária interpretação da
realidade social. Finalmente as teorias que encaram a agressividade como resultado das
frustrações de desenvolvimento das crianças9 (Costa & Vale, 1998; Cerezo, 2001b), as teorias
psicanalíticas que relacionam a agressividade ao id (Pires, 2001) e ao desenvolvimento da
agressividade e as propostas por Bjorkqvist e colaboradores (1992) que, contrariamente à
teoria do processamento de informação, defendem existir relação directa entre a inteligência
social e a frequência/intensidade de utilização de formas indirectas de agressividade.
A esta panóplia de teorias devemos acrescentar os factores ambientais/sociais da
crianças (Clark, 1997; citado por Costa & Vale, 1998), outros factores ou condicionantes
biológicos, condicionantes cognitivos e, ainda, factores relativos à própria personalidade da
criança (Cerezo, 2001b) onde se inserem os distúrbios de saúde mental infantil e juvenil10
(Pooley, 2003) e, finalmente, aspectos como as práticas educativas seguidas por pais e
professores, os estados emocionais das crianças e a própria (in)consciência e (falta de)
percepção das reais consequências das situações referenciadas (Baker & Waddon, 1989;
citados por Costa & Vale, 1998). Devemos também ter em atenção que muitas vezes estes
comportamentos são a única forma que as crianças e jovens encontram para demonstrar e
tornar visível o seu mal-estar interno (Marques, 2003; Strech, 2003). Bem como não se pode
deixar de assinalar que por vezes a própria Escola é geradora de uma violência subtil,

9
A criança reage desde cedo às fontes de frustração, irritação ou restrição (Herbert; citado por Cerezo, 2001b)
10
Nomeadamente o abandono, o abuso, a indisciplina e as atitudes complacentes dos pais perante a delinquência.
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simbólica e implícita (Cosme, 2003), que discrimina e penaliza alguns alunos, nomeadamente
os que pedagógica ou culturalmente se destacam das características médias da sua população.

Programa: “Outra(s) Forma(s) de Brincar”


Quero que todos sejam felizes!
W. H. Auden

Atrás falou-se da importância e da generalização do discurso relativo às questões


económicas do país. Todos sabemos que Portugal está na cauda da Europa no que se refere
aos indicadores desta matéria (até porque quotidianamente somos bombardeados com
informações que apontam neste sentido), mas parece que esquecemos outros importantes
indicadores. Assim relativamente à violência escolar pode ser importante sublinhar-se que
Portugal está em último lugar nos indicadores da União Europeia que se prendem com a
institucionalização de crianças e jovens (com mais de 20000 crianças e jovens em regime de
internato) (Strech, 2003), tal como se encontra nos últimos lugares no que se refere a jovens
detidos nos Estabelecimentos Prisionais. Para além destas questões, um estudo desenvolvido
em 37 países por Akiba e colaboradores (2002) colocou Portugal juntamente com a Espanha
nas últimas posições relativamente à percepção que os professores possuem acerca da
segurança nas Escolas do nosso país e à forma como esta (in)segurança condiciona o trabalho
que nelas se desenvolve. Estes dois indicadores são bastante importantes no que se refere à
evolução do país relativamente às situações de violência. Aliás estes factos (e o que os
mesmos implicam) podiam, por si só, justificar este estudo. No entanto existem outras
questões que também o tornam pertinente, em especial no contexto e a Escola em que o
mesmo decorreu que, para além das múltiplas etnias representadas, e das múltiplas
problemáticas vivenciadas pelos seus alunos, oferece um espaço que, embora de grandes
dimensões (no exterior), não parece favorecer a boa convivência entre os alunos. É assim
uma Escola propícia ao aparecimento de manifestações agressivas… E sendo-o, tem-nas.
A colocação em prática de programas desta natureza tem normalmente estas questões
em consideração e baseiam-se (no que se refere à sua conceptualização) numa fórmula que se
encontra bem delineada (vide Albee, 1988). No entanto parte dos mesmos (nomeadamente
nos que se referem à prevenção das práticas de bullying) não atinge os resultados esperados
pois os mesmos são assentes em estereótipos vãos, acarretando esta situação prejuízos e
custos evidentes para tudo e todos (Scotish Council for Research in Education, 1991). Ainda
assim, são bastante mais positivos que aqueles obtidos em psicoterapia individual (Kazdin;
citado por Fonseca et al, 1995b) ou em meio institucional (Losel, citado por Fonseca et al,
1995b). Aliás a pressão da psicologia dita de intervenção individual conduziu mesmo a que
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se deixasse, numa certa fase, de considerar o clima e ambiente da Escola nestes fenómenos, o
que se demonstrou um enorme erro pelos efeitos perversos que introduziu (Gump, 1991). Tal
qual é errado (em termos de sucesso) persistir em intervenções que não tenham em conta as
diferenças inter-individuais entre os membros dos grupos-alvo (Fonseca et al, 1995b).
Em jeito de conclusão e de forma mais concreta importa sublinhar que este programa,
como os demais programas construídos11 neste âmbito, deve ter em consideração uma série
interminável de questões das quais importa salientar parte:
• Dirigir-se para toda a escola e para várias componentes da relação escola-aluno e
escola-família, com o fim último de aumentar a participação e motivação dos alunos e
respectivas famílias face à escola (Estrela & Amado, 2000; Fonseca, 1995b) e dos resultados
dos mesmos serem generalizáveis a outros contextos (Walker & Gresham, 2003);
• Promover uma série de competências, das quais obviamente se salientam as
competências sociais12 e pessoais13 (Fraústo da Silva, 1995), de auto-regulação (Andreou &
Metallidou, 2004) e as estratégias de resolução de problemas (Estrela & Amado, 2000;
Fonseca, 1995b) e de conflitos (Carita e Fernandes, 1995);
• Facilitar a implementação de medidas preventivas na sala de aula (Bowen, Jenson &
Clarck, 2004) e na escola (Smith et al., 2004b), construir clima relacional de abertura mas
assente em normas e regras, implementar uma gestão democrática e participada, possibilitar
diversas modalidades de apoio educativo (Estrela & Amado, 2000), organizar e apetrechar as
salas de alunos, espaços de recreio, lazer e tempos livres (enquanto espaços onde mais
decorrem os comportamentos de agressão entre alunos; Estrela & Amado, 2000), promover
acções integradas e multidisciplinares dirigidas para toda a Escola14 (Fonseca, 1995b)
atendendo, no entanto às especificidades de determinados alunos (Formosinho & Simões,
2001) e capazes de suscitar o desenvolvimento integral (Fonseca, 1995b;) tendo em
consideração as necessidades e interesses de todo o sistema educativo (Vettenburg, 2001);
• Finalmente deve suportar-se na formação dos professores (e sua competência técnico-
pedagógica) e dos restantes agentes educativos (Estrela & Amado, 2000), bem como apoiar-
11
Isto porque é fundamental que cada programa seja construído para a sua população destinatária, não sendo
adequada a adaptação de programas construídos e “validados” para populações ou contextos distintos.
12
Correspondem a comportamentos aprendidos exibidos por um indivíduo que desenvolve determinada tarefa –
normalmente avaliadas a partir de um referencial ecológico de avaliação (Sheridan & Walker, 1998).
13
Já as competências pessoais ou do Ser, são as aptidões e faculdades que uma pessoa tem para resolver
problemas de índole pessoal. Elas estão relacionadas com as aprendizagens relativas a aspectos do
desenvolvimento pessoal, comportamental e cultural. Podem enumerar-se como competências pessoais o auto-
conceito, auto-imagem, auto-confiança, auto-eficácia e auto-estima (Centro de Formação de Oeiras, 2004).
14
Os programas dirigidos para toda a escola, apesar de potencialmente menos eficientes, são menos
estigmatizantes e trazem indubitáveis vantagens ao nível dos recursos, da prevenção destes comportamentos e
na promoção de um clima de Escola positivo, sem violência e onde a mesma não seja sequer tolerada.
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se na inibição da desresponsabilização e na motivação destes agentes face a esta problemática


(Fraústo da Silva, 1995; Estrela & Amado, 2000; Vettenburg, 2001).

Metodologia
Os obstáculos são apenas aquilo que temos que ultrapassar.
Samuel Gridley Howe

Objectivos do estudo:
• Contribuir para o estudo e investigação na área do bullying e dos comportamentos
agressivos no contexto de 1º ciclo de ensino15;
• Agir no sentido de procurar inverter e/ou “combater” a espiral de violência entre alunos;
• Demonstrar que programas como o que foi desenvolvido poderão ter efeitos profundos
nas dinâmicas da Escola e, como tal, prevenir o aparecimento de fenómenos de bullying;
• Construir alicerces que permitam que, em anos futuros, cada vez mais eficazmente, se
possa continuar a intervir no sentido de prevenir o aparecimento de formas de violências

Caracterização da amostra
Uma das principais e mais marcantes características desta Escola é a heterogeneidade
da sua população. Nela concentram-se um elevado número de crianças de etnia cigana,
vendedores ambulantes (na gíria tendeiros), filhos de emigrantes e crianças do bairro que
fundamentalmente serve a Escola, a maioria delas marcadas por um conjunto de problemas
derivados das difíceis condições sociais e culturais do próprio bairro e dos seus familiares.
Na presente investigação optou-se apenas por estudar as crianças de etnia cigana por
comparação com o restante conjunto da população. Esta opção é sustentada pelos estudos
existentes (e.g. Pereira, 2001), bem como pela clara percepção existente nos diferentes
técnicos da Escola de que estes alunos constituem um claro e demarcado grupo. De momento
são 19 (15,3%) as crianças de etnia cigana que estão inseridas nas seis turmas da Escola que
tem, actualmente, na totalidade 124 alunos. A distribuição dos alunos por sexo é bastante
homogénea, ou seja existem 63 crianças do sexo masculino (50,8%) e 61 do sexo feminino
(49,2%). Todos têm idades entre os 6 e os 14 anos (a 1 de Janeiro de 2006), com média de
8,47 anos e desvio padrão de 0,16. A grande maioria dos alunos possui entre 6 e 10 anos
(mais propriamente 87,9%), com expoente máximo nos 8 anos (21,8%). A homogeneidade
acontece também no que se refere à distribuição sócio-económica dos encarregados de

15
Isto porque apesar da maioria dos estudos portugueses incidem principalmente sobre as Escolas de 2º e 3º
ciclo (e.g. Pereira, Almeida, Valente e Mendonça, 1996; Marques, 2001; Ferreira e Pereira, 2001; Pires, 2001),
parece-nos que estes comportamentos deveriam ser mais estudados (e a partir daí “combatidos”) desde fases
mais precoces da escolarização (ensino pré-escolar e Escolas EB1).
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11

educação dos alunos, uma vez que 93,6% dos alunos se concentram nos três escalões mais
baixos (dos seis) da Escala desenvolvida por Soriano & Martín (2005). Estas características
da população escolar acabam por ficar também bem patentes na ínfima percentagem (8,9% -
correspondentes a 11 alunos) de crianças que praticam actividades regulares fora da Escola.
Esta questão comporta também um desafio para a Escola ao nível da oferta que efectua
(nomeadamente desportiva), uma vez que nos dias que correm é unânime a consideração em
torno da importância e dos benefícios da prática desportiva regular.

Instrumentos:
Para alunos: Escala Bullying/Agressividade entre os alunos na Escola (2ª versão)
(Pereira, 2000; adaptado de Olweus, 1989)

A escolha desta Escala obedeceu a duas ordens de razões. A primeira relativa ao facto
da mesma se constituir como uma Escala amplamente difundida para todo o mundo e
amplamente utilizada em estudos desta natureza, quer em Portugal (país para a qual está
aferida), quer noutros países. A segunda razão pelos seus conteúdos que se coadunam
totalmente com os objectivos do estudo e que se adequam aos sujeitos do mesmo,
nomeadamente esta segunda versão da Escala, pois possui mais e melhores informações
acerca da caracterização, nomeadamente, a que se prende com a identificação dos meninos de
etnia cigana e porque não se foca, como na anterior versão acontece, sobre o espaço fora da
escola e o caminho para casa, facto que influenciaria decisivamente o estudo (e cuja escola
não possui meios de intervenção) pela complexidade do bairro onde a Escola está inserida.
O questionário administrado no estudo é, então, anónimo e é constituído por 29
questões formuladas de forma clara, simples e directa. O mesmo pode dividir-se em cinco
blocos distintos: dados de identificação pessoal (8 questões); dados relativos às vítimas (11
questões); aos agressores (2 questões); relativas ao recreio (6 questões); e, por último,
questões relativas aos amigos (2 questões). Para finalizar referir que é um questionário que
para além de tudo o que foi anteriormente referido permite também considerar o tipo de
comportamentos agressivos e a sistematicidade dos mesmos, bem como identificar a forma
como os observadores actuam perante estes comportamentos e os locais onde decorrem as
práticas referenciadas (Solberg & Olweus, 2003).

Para encarregados de educação: Questionário para Encarregados de educação sobre o


relacionamento entre alunos; Para professores: Questionário para Professores sobre o
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
12

relacionamento entre alunos; Para restantes técnicos16: Questionário para Outros Técnicos
sobre o relacionamento entre alunos.
Estes três questionários resultam da adaptação a cada população específica de um
questionário construído no âmbito deste estudo com o fundamento primordial de facilitar a
exploração prévia dos fenómenos de agressividade na Escola, nomeadamente ao nível da
percepção destes três tipos de constituintes da comunidade educativa. Estes questionários (de
resposta anónima) são compostos por três partes claramente distintas. Uma primeira trata
exactamente da forma com a pessoa que o responde interage e se relaciona com os diversos
componentes da Escola e da comunidade educativa, nomeadamente os alunos. A segunda
parte do questionário é dirigida aos comportamentos agressivos e indisciplinados
propriamente ditos e a terceira e última parte do questionário, ao contrário das anteriores, é
constituída por duas perguntas de resposta aberta que procuram averiguar a percepção dos
inquiridos em torno das implicações destes comportamentos para si próprio (professores e
outros técnicos) ou para os seus educandos (encarregados de educação). A segunda pergunta
visa que sejam dadas pistas de intervenção, ou seja, é uma questão que procura motivar todos
os inquiridos para reflectirem em torno da problemática e pensarem possibilidades e
metodologias de intervenção, bem como procurar implicá-los na resolução deste problema.

Procedimento/Acções e Actividades:
• Pedido de autorização/apresentação do projecto a toda a comunidade educativa;
• Período de Pré-teste;
• Período de actividades;
o Para alunos (intervenção no recreio – supervisão, materiais e actividades);
o Para professores (trabalho relativo à questões da violência entre pares);
o Restantes membros da comunidade educativa (formação).
• Período de Pós-teste;

16
Auxiliares de Acção Educativa e Técnicos responsáveis pelos projectos que decorrem na Escola.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
13

Apresentação e Discussão dos Resultados


Uma sensação de solidão sem consolo e impotência, de estar aprisionado não só num mundo adverso mas num
mundo do bem e do mal e onde as regras estavam feitas de uma maneira que, na prática, me fosse impossível
cumpri-las.

G. Orwell, Such, such were the joys, 1968


Os primeiros dados recolhidos (ainda
Frequência de situações de agressão contra o(a)
num período de pré-teste e que próprio(a)
permitiriam uma melhor Valid Cumulative
Frequency Percent
Percent Percent

operacionalização das actividades e das Nunca 38 30,6 30,6 30,6


1 ou 2
39 31,5 31,5 62,1
medidas a tomar no sentido de procurar vezes
Valid 3 ou 4
18 14,5 14,5 76,6
vezes
combater esta problemática) apontaram 5 ou mais
29 23,4 23,4 100,0
vezes
de imediato para elevadas taxas (na Total 124 100,0 100,0

ordem dos 70%) de crianças que se


confessaram vítimas de quaisquer
Frequência de situações de agressão praticadas pelo(a)
tipos de violência por parte de colegas próprio(a)
Valid Cumulative
na Escola, enquanto eram cerca de Frequency Percent
Percent Percent

56% as crianças que assumiam haver Nunca 55 44,4 44,4 44,4


1 ou 2
37 29,8 29,8 74,2
praticado qualquer tipo de agressão vezes
3 ou 4
Valid 14 11,3 11,3 85,5
vezes
face a um ou mais colegas de Escola. 5 ou mais
18 14,5 14,5 100,0
vezes
Estes primeiros dados Total 124 100,0 100,0

traçavam um cenário desolador da realidade da Escola, mostrando claramente a representação


generalizada e significativa deste fenómeno neste contexto. Atendendo a estes dados e à
consciência de que a violência escolar está, também, associada a variáveis inerentes à própria
Escola e ao tipo de relações que nela decorrem (Martins, 2005b) importava que a mesma
assumisse uma postura que não fosse de indiferença perante este problema e perante o
sofrimento dos alunos por ele afectados (Pires, 2001), bem como aprofundasse a temática de
forma a possuir um maior conhecimento e discernimento sobre a mesma e as suas
características.
Avançando na caracterização da violência e dos dados recolhidos foram-se
desenvolvendo mapas relativos a esta problemática, nomeadamente no que se refere à
incidência e prevalência da mesma. Assim desde logo verificou-se que era alta (37,9%) a
percentagem de alunos vitimas de agressão que caíam nas características de alunos vítimas de
bullying (terem sido alvo de um número igual ou superior a 3 situações – tal como Solberg &
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
14

Olweus, 2003 caracterizaram17). Quanto às características dos alunos refira-se que os


resultados apontam para diferenças qualitativas (nas formas de violência) e quantitativas (a
quantidade de violência) no que se refere à distinção por sexos. Assim os rapazes são
claramente mais vítimas e mais agressores que as raparigas, bem como são os que praticam
mais violência directa e física (que é a forma mais prevalente de violência entre todos os
alunos), enquanto que as raparigas apresentam índices mais elevados de violência indirecta
ou directa mas verbal. As crianças de etnia cigana são menos vítimas (em percentagem) face
às restantes. Já no que se refere às retenções escolares e à proveniência sócio-económica as
diferenças encontradas por exemplo por Pereira (2001) não se confirmam neste estudo,
embora as características da população (nomeadamente a concentração da proveniência
sócio-económica nas classes mais baixas e a elevada percentagem de alunos com
reprovações) não permitam resultados sólidos no que se refere a estas questões.
Já no que se refere aos locais onde decorrem as situações de agressão os dados são bastante
claros. Se Pires (2001) encontrou resultados que Frequência dos Espaços onde
decorrem as situações de agressão
já apontavam para que 71,8% da violência na Responses

Escola se passava no espaço de recreio, neste N Percent


Em lado nenhum 37 22,4%
estudo os resultados encontrados são ainda mais Nos corredores e
6 3,6%
nas escadas
Em que
evidentes – 93,1% da violência acontecia neste sítios te No recreio 81 49,1%
têm feito
mal? Na sala 17 10,3%
espaço. Estes dados sinalizavam claramente o
Na cantina 16 9,7%
espaço que necessitava de uma intervenção eficaz Noutro sítio 8 4,8%
Total 165 100,0%
e preventiva que possibilitasse a diminuição
destes números. A intervenção neste espaço, que procurou ser completa, aconteceu em três
âmbitos: ao nível da supervisão (melhoria e aumento), dos materiais pedagógicos e lúdicos do
mesmo (introdução de materiais) e das actividades proporcionadas nos mesmos (actividades
diárias facultativas mas disponíveis para todos os alunos).
A leitura dos dados seguintes demonstrou também os sentimentos que os alunos têm
relativamente à importância dos professores em agirem relativamente a estas questões. Assim
foram 23,4% os que referem que os professores quase nunca agiam no sentido de impedirem
este tipo de situações, para além dos 25% que referem não saberem. Este dado acaba por
também condicionar o seguinte. Esta sensação de impotência faz com que cerca de 41% dos
alunos não confessem terem sido agredidos aos professores e cerca de 34% aos seus pais,

17
Ainda que o tenham feito para um número igual ou superior a 2/3 vezes, consideramos que, de acordo com o
questionário que originou este estudo e estes resultados, estes alunos devem ser aqueles que respondem “3 ou 4
vezes” e “5 ou mais vezes”.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
15

ainda assim dados inferiores relativamente aos obtidos por Pires (2001) para o 2/3 ciclo –
respectivamente 75 e 61% dos alunos vítimas. Esta impotência e indiferença acabam por se
transferir também para os alunos. Assim são cerca de 44% aqueles que não foram ajudados
por nenhum colega enquanto foram vítimas de agressão, bem como são 27,64% a
percentagem de crianças que assume nada fazer perante estas situações.
Quanto à interpretação que as crianças fazem relativamente ao recreio não foi
encontrada nenhuma associação nas respostas relativamente ao facto de terem sido vítimas de
agressão ou mesmo serem agressoras. Assim maioritariamente as crianças referem gostar ou
adorar os recreios. Ainda assim, na fase de pré-teste eram cerca de 17% as crianças que
referiam não gostar ou gostar apenas “assim-assim” dos mesmos, bem como eram quase 92%
as crianças que referiam sentirem que não existia espaço para as mesmas brincarem em dias
de chuva, dias nos quais todas as crianças permanecem no espaço interior da Escola e dias
onde a confusão mais imperava.
Ainda no que se refere ao pré-teste (agora dos Encarregados de Educação, Professores
e Outros Técnicos) importa referir que todos são unânimes no reconhecimento da existência e
da forte prevalência das situações de confrontos entre os alunos, bem como na incidência de
situações de infracção relativamente às normas da Escola. É ainda grande a taxa de pessoas
que considera que existem crianças que não estão totalmente integradas na Escola, tal como
consideram que a maioria das situações de agressão e confronto entre os alunos se verificam
no espaço de recreio e nas horas correspondentes à hora de almoço e aos intervalos.
Meses
Frequência de situações de agressão contra o(a) próprio(a) – Antes e Depois
Frequência Percentagem Percentagem Acumulada
mais tarde o Pré-Teste Pós-teste Pré-Teste Pós-teste Pré-Teste Pós-teste

pós-teste viria Nunca 38 80 30,6 64,5 30,6 64,5


1 ou 2
39 23 31,5 18,5 62,1 83,0
confirmar a vezes
3 ou 4
Valid 18 8 14,5 6,5 76,6 89,5
vezes
premência do 5 vezes
29 13 23,4 10,5 100 100
ou mais
programa e os Total 124 124 100 100 100 100

seus resultados Std.


Std. Sig.
Mean N Error t df (2-
Deviation
Mean tailed)
ao nível da
Desde que este período
começou quantas vezes 99% Confidence Interval of the
diminuição das te fizeram mal (pré-
2,31 124 1,142 0,10
Difference
Pair teste)
situações de 1 Desde que este período
começou quantas vezes
1,63 124 1,000 0,09 5,08 123 0,000
agressão entre te fizeram mal (pós-
teste)

os alunos.
Assim é estatisticamente significativa a diminuição da percentagem de alunos vítimas de
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
16

agressão (sendo que os valores descem em todas as tipologias de agressão e, especialmente,


nas que se referem ao “andaram a falar mal de mim” e “não me falaram”, bem como em
todos os
Frequência de situações de agressão praticadas pelo(a) próprio(a)
espaços (Antes e Depois)
Frequência Percentagem Percentagem Acumulada
Pré-Teste Pós-teste Pré-Teste Pós-teste Pré-Teste Pós-teste
escolares), e
Nunca 55 73 44,4 58,8 44,4 58,8
superior no que 1 ou 2
37 28 29,8 22,6 74,2 81,4
vezes
3 ou 4
se refere aos Valid
vezes
14 10 11,3 8,2 85,5 89,6
5 ou mais
alunos do sexo vezes
18 13 14,5 10,4 100 100

Total 124 124 100 100 100 100


masculino e às
Std.
Std. Sig. (2-
crianças que Mean N
Deviation
Error t df
tailed)
Mean

não são de etnia Desde que este período


99% Confidence Interval
começou quantas vezes te 1,96 124 1,07 0,096
of the Difference
cigana (o que Pair
fizeram mal (pré-teste)
1
confirma a Desde que este período
começou quantas vezes te 1,70 124 1,00 0,090 1,89 123 0,062
fizeram mal (pós-teste)
prevalência –
mais do que
uma superior incidência - destes comportamentos na população de etnia cigana – ou melhor
num grupo de alunos de etnia cigana - onde aos resultados são algo constantes). As diferenças
são também mais evidentes nos alunos pertencentes às turmas de 4º ano da Escola. Ou seja
tudo aponta para que o programa tenha tido maiores efeitos nos alunos mais velhos, sem
serem de etnia cigana e do sexo masculino e que o mesmo possuiu efeitos ao nível da
proximidade dos alunos.
O estudo também confirmou a diminuição de alunos que confessam ter agredido os
colegas e, ainda que a mesma (no seu resultado global) não seja estatisticamente significativa
(para a totalidade dos alunos – pois é-o para o sexo feminino), não deixa de ser evidente.
Os resultados indiciam também que o programa obteve efeitos importantes também
noutras questões. Desde logo a percepção dos alunos que apontam para uma maior procura
por parte dos professores em evitarem estas situações, bem como para aumentos ao nível da
percentagem das crianças que confessou quer aos seus professores, quer aos seus pais ter sido
vítima. Noutro campo de análise, embora a percentagem de crianças que refere não fazer
nada quando assistem aos seus colegas a serem agredidos ter diminuído, continua a existir um
núcleo de crianças que não é permanentemente ajudada pelos seus colegas quando
confrontada com situações desta natureza. Também relativamente ao recreio as diferenças (no
sentido de agora considerarem gostar mais do mesmo) encontradas são estatisticamente
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
17

significativas e embora não o sejam relativamente à companhia no recreio, a verdade é que


diminui a frequência de alunos que permanecem sós no recreio. Finalmente importa referir
que quer os alunos, quer os Encarregados de Educação, Professores e Outros Técnicos
assinalam (nas perguntas que são semelhantes para ambos) a melhoria que os espaços de
recreio sofreram e a sua percepção da diminuição das situações de agressão entre os alunos.
Assim relativamente às questões que se prendiam com a caracterização dos
fenómenos de violência entre alunos comprova-se a existência de diferenças relativamente a
estes comportamentos no que se refere aos sexos (tanto relativamente às vítimas como aos
agressores), quer elas se prendam com a quantidade de manifestações, ou com a tipologia das
mesmas. Já no que se refere à proveniência as diferenças não se confirmam claramente, ainda
que indiciem algumas diferenças relativas à proveniência cultural e étnica. No que se refere à
questão de índole mais quantitativa, os resultados obtidos apontam para diferenças
estatisticamente significativas relativamente à percentagem de crianças vítimas de agressão
(com uma diminuição clara) e para uma diminuição também evidente (ainda que não
estatisticamente significativa) no que se refere à percentagem de crianças que assumem ter
tido quaisquer tipos de comportamentos de agressão face aos seus colegas.
Para terminar deve-se salientar que apesar da clareza dos dados e do incremento das
situações de agressão (entre alunos e não só) verificadas nas Escolas do país, deve-se evitar
posições extremadas, ou seja, prevenir a dramatização excessiva do problema, mas também a
denegação dos problemas a partir da consideração de que não têm qualquer importância,
assumindo-se sempre uma atitude mais pragmática que moralista, não esquecendo que a
própria definição de violência não é óbvia nem unânime (Neves, 2003).

Limitações e Estudos Futuros


É talvez o último dia da minha vida/Saudei o sol, levantando a mão direita/
mas não o saudei, dizendo-lhe adeus/Fiz sinal de gostar de o ver ainda, mais nada.
Alberto Caeiro
Qualquer pessoa vítima de qualquer tipo de violência é privada de um direito
democrático fundamental. E, sendo-o assim, as crianças vítimas de violência na Escola são
também elas privadas de direitos fundamentais. O direito de boa convivência, o direito ao
livre acesso à Escola e à aprendizagem sem condicionalismo. O direito a ser feliz. O não
cumprimento de todos estes direitos deve-nos instigar e motivar a desenvolvermos todos os
esforços no sentido de promover a convivência entre os alunos e prevenir as manifestações de
comportamentos agressivos entre os alunos. Foi isso que foi feito e deveria continuar a sê-lo.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
18

Apesar desta tentativa e dos resultados obtidos apontarem para um cumprimento total
dos objectivos para os quais o programa foi desenvolvido, o mesmo não deixa de ter aspectos
limitativos. Desde logo as características da amostra que; por um lado não permitem que se
efectuem generalizações para outras Escolas de 1º ciclo em virtude das suas especificidades
e, por outro, o facto da amostra (totalmente confidencial) e a forma de recolha dos dados
(bem como os instrumentos utilizados para tal) não permitirem o estabelecimento de
correlações, não se podendo portanto confirmar resultados de outros estudos (e.g. Martins,
2005a) que apontam, por exemplo, para a existência de correlações positivas e significativas
entre a condição de vítima e agressor. Ainda assim os seus resultados promissores deveriam
ser tidos em conta e, como tal, tomarem-se medidas para o projecto continuar e se aprofundar
até (nomeadamente no que se refere à abertura a toda a comunidade educativa)

Conclusão
Se eu ordenasse a um general que se transformasse num pássaro e se o general não obedecesse, a culpa não
era do general.
A culpa era minha.
Antoine de Saint-Exupery
Os sistemas de relações entre as pessoas são o núcleo base da convivência, dos quais
em grande medida dependemos e que ainda que lhes tenhamos acesso, temos pouca
consciência de como são e de como se poderiam alterar (Ortega & Rey, 2003). Esta
importância da relação e dos contextos relacionais manifesta-se, não só na convivência, mas
também no próprio desenvolvimento, tal qual as teorias de Vygosky e Bronfrenbrenner
concebem. Se pensarmos e se compartilharmos da opinião que nos desenvolvemos de forma
holística, ou seja, que preenchemos um todo e que as componentes desse todo (inter-
relacionadas) se desenvolvem “em uníssono”, devemos entender o desenvolvimento da
pessoa (dos alunos neste caso) como um aspecto promotor e facilitador da convivência entre
os alunos. Isto é tão mais evidente se procurarmos entender a agressividade como pedidos de
auxílio que colocam em evidência o mal-estar psicológico das crianças agressoras, como se
estas não encontrassem outra via para a aliviar o estado de tensão e agressão de que elas
próprias padecem (Cerezo, 2001a), ou mesmo como uma estratégia social (Archer, 2001).
É por isto que a Escola terá, definitivamente, que assumir-se como um espaço de
oportunidades para as crianças descarregarem as tensões e darem largas à sua imaginação,
criatividade (Costa, 2001) e espontaneidade, colocando como aspecto fundamental da sua
intervenção as funções desenvolvimentais e de promoção de bem-estar paralelamente às suas
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
19

funções educativas (Costa & Vale, 1998). A criação destes espaços e o possibilitar da
prossecução destes objectivos deverá acontecer paralelamente a uma intervenção
ecossistémica (a partir das contribuições dos vários contextos; Silva, 2004) que entenda as
múltiplas relações da Escola e que assuma o combate à violência de forma positiva, não com
mais violência, mas antes propiciando o estabelecimento de relações que sejam promotoras
de desenvolvimento psicológico dos jovens e do bem-estar de todos os intervenientes, e não
(como as respostas violentas) inibitórias ou geradoras de mal-estar.
Importa também ter em consideração que o sistema educativo pode ser uma violência
se pensarmos na distância que dista do que este oferece para aquilo que as crianças procuram.
Aliás existem mesmo autores, tal qual Perrenoud (2001) defende: “A Escola é violenta
porque gera insucesso”. Acrescente-se: e diferença. A Escola deverá, antes, ser um local
promotor da esperança e do amor, favorecedor do pensamento e da criatividade e, finalmente,
contentor dos sentimentos depressivos e da baixa auto-estima (Strech, 2004), uma Escola
globalizante no que se refere à formação integral do aluno e diferenciada no atendimento das
necessidades de cada um (Gomes, Faria, Pinto & Pereira, 2001), não esquecendo nunca que
as crianças são particularmente indefesas face à violência enquanto violação de um espaço
psíquico e do respeito pelo mesmo e utilizam-na como expressão das suas dificuldades de
funcionamento individual, familiar, social na ausência de regras ou mesmo nas dificuldades
face à própria Escola (Strech, 2004). Uma Escola que sofra uma revolução cultural no sentido
da promoção da realização pessoal e colectiva, da aceitação, do bem-estar e da vida feliz
(Santos, 2004b). Uma Escola necessariamente distinta, não esquecendo a aprendizagem dos
seus alunos e o facto da mesma ser, por si só, terapêutica (Lopes, 2003).
Hoje, toda a gente fala na violência na escola (enquanto fenómeno pré-existente à e
existente na Escola; Sebastião, 2003) mas ela violentamente persiste com o seu poder de
atracção pela (des)aprendizagem e multidimensionalidade (pelas múltiplas causas e pela
multiplicidade dos actores das mesmas – enquanto seres bio-psico-socio-axiológico (Santos,
2004a, 2004b). Ainda assim julgo que este estudo e este programa configura algumas
possibilidades de intervenção junto desta problemática que espero que motivem outros
técnicos da educação a trabalharem neste campo e a procurarem promover a convivência
entre os alunos e prevenir este tipo de situações de forma a apoiarem a construção de uma
nova Escola (com os menores índices de violência possível)… De uma Escola democrática…
De uma Escola de valores… De uma escola feliz e capaz de preencher totalmente os seus
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
20

alunos… De uma Escola que compreenda que “não somente o rio é violento, mas também, e
essencialmente, as suas margens”18… De uma verdadeira Escola…

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18
“Do rio que tudo arrasta à sua frente, dizem ser violento. Mas não dizem violentas as margens que o
comprimem” (B. Brecht).
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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
25

Produtividade Laboral e Consumo de Álcool

Joana Cabrita (Instituto Superior Dom Afonso III)


joanacabrita@sapo.pt
Rita Silva (Instituto Superior Dom Afonso III)
ritasssilva@gmail.com
Fernando Sousa (Instituto Superior Dom Afonso III)
cardoso_sousa@hotmail.com

Resumo/Abstract:
Este estudo foi promovido pelo GAIM (Gabinete Académico de Investigação e
Marketing), no âmbito do programa Rede Social, em parceria com a Câmara Municipal de
Loulé (CML), a Direcção Regional de Educação, o Centro de Saúde de Loulé e o Instituto
Dom Afonso III, tendo sido levado a cabo pela turma do 3º ano de Psicologia Clínica, no
âmbito das cadeiras de Psicologia Organizacional e de Psicologia Social.
O objectivo foi estabelecer uma relação entre os hábitos de consumo de bebidas
alcoólicas e a sua influência sobre a produtividade no local de trabalho, e o meio utilizado foi
um inquérito construído para o efeito, preenchido por 1044 funcionários da Câmara
Municipal de Loulé; foram também realizadas 60 entrevistas a dirigentes e trabalhadores.
A população em estudo foi de 1450 trabalhadores, apresentando a taxa de amostragem
um erro padrão de 1,7%, para um nível de confiança de 95%, o que corresponde praticamente
a uma leitura de dados como se toda a população tivesse sido inquirida.

A maioria dos sujeitos inquiridos consideraram que o consumo de álcool afecta


negativamente o trabalho, o que vem confirmar a hipótese inicial. Os funcionários com o
cargo de operários foram os que afirmaram ter maior consciência dos efeitos prejudiciais do
álcool na produtividade, apesar de também se afirmarem como os que mais consomem
bebidas alcoólicas. Concluiu-se também que os sujeitos que apresentaram maior índice de
risco são operários do sexo masculino, divorciados, com o ensino básico, pertencentes ao
quadro e, em especial, os que se encontram desenquadrados da chefia.
Sugere-se à Câmara Municipal de Loulé a implementação de programas de prevenção
destinados a acentuar o seu papel social, fornecendo deste modo melhores resultados em
termos de produtividade. É importante a promoção de campanhas de sensibilização e
fiscalização, maior cuidado na supervisão dos trabalhadores geograficamente
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
26

desenquadrados, mais formação, criação de estratégias de recuperação, o diagnóstico precoce


e a utilização de grupos de ajuda mútua.

Introdução

Este estudo foi promovido pelo GAIM (Gabinete Académico de Investigação e


Marketing), no âmbito do programa Rede Social, em parceria com a Câmara Municipal de
Loulé (CML), a Direcção Regional de Educação, o Centro de Saúde de Loulé e o Instituto
Dom Afonso III, tendo sido levado a cabo pela turma do 3º ano de Psicologia Clínica, no
âmbito das cadeiras de Psicologia Organizacional e de Psicologia Social. O objectivo foi
estabelecer uma relação entre os hábitos de consumo de bebidas alcoólicas e a sua influência
sobre a produtividade no local de trabalho.

O consumo de álcool por parte do trabalhador pode gerar custos sobre o próprio trabalho,
a produtividade e o bom desenvolvimento da empresa. Tais custos estão intimamente
associados ao comportamento dos trabalhadores relativamente à frequente apresentação de
atestados médicos, acidentes, danos em equipamentos, quedas na produção, problemas
financeiros e de saúde, reformas antecipadas ou por invalidez, agressividade, conflitos
laborais e absentismo, entre outros.
De acordo com o Centro Regional de Alcoologia do Sul (CRAS), o consumo inoportuno
de bebidas alcoólicas é responsável por cerca de um quarto dos acidentes de trabalho. Assim,
ao consumir álcool em período laboral, o trabalhador está a afectar os interesses da
organização e dos seus colegas.
Um estudo citado por Dias (1998), por exemplo, revelou que indivíduos que trabalham
sob alto stress, com elevada tensão psicológica ou com maior esforço físico e baixo controlo
da chefia, podem aumentar o risco de abuso e dependência do álcool, comparativamente aos
indivíduos que exercem funções com reduzida tensão psicológica ou com baixo esforço e
elevado controlo pelas chefias.
Noutro estudo, que envolveu várias empresas do distrito de Lisboa (Gameiro, 2000), e
cuja finalidade era identificar a relevância dos principais problemas comprometedores da
produtividade no trabalho, emergentes do consumo excessivo de álcool, as principais
consequências identificadas (em ordem decrescente de relevância) foram: o absentismo, o
conflito com chefias, os acidentes de trabalhos, a violação de normas de segurança, queda no
desempenho, motivação reduzida, problemas disciplinares, atrasos e outros.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
27

Noutro estudo, realizado por Vitória (1994), que envolveu centenas de empresas, ficou
evidenciada a importância da identificação do envolvimento da empresa na prevenção de
dependências e recuperação. Segundo este estudo, no trabalho encontram-se factores de risco
que contribuem para o nascimento ou agravamento de dependências, tais com, stress,
condições deficientes, insatisfação, pressão de companheiros para o consumo, etc; as
empresas têm responsabilidades sociais relativamente aos seus trabalhadores e ao meio social
em que se inserem; e as dependências estão associadas ao surgimento de problemas no
trabalho que produzem custos elevados para as empresas como, absentismo, diminuição de
produtividade, acidentes de trabalho, situações conflituosas, etc.

Para este estudo foi definido como problema: Será que existe relação entre a
produtividade laboral e o consumo de bebidas alcoólicas?

Como hipótese estabeleceu-se a resposta afirmativa ao problema de investigação,


avaliada através da opinião dos sujeitos.

Método

Foram executados 1011 inquéritos e 60 entrevistas a dirigentes e trabalhadores


autárquicos da Câmara Municipal de Loulé (CML), com a finalidade de conhecer e
compreender os hábitos de consumo de bebidas alcoólicas, e analisar a sua influência na
produtividade do trabalho.
Sujeitos

Segundo os dados do levantamento feito, e conforme o efectivo indicado pela CML, a


população é constituída por cerca de 1450 sujeitos, sendo 728 (50,2%) sujeitos do sexo
feminino e 722 (49,8%) do sexo masculino (Figura 1), com uma média de idades de 43,3
anos (Figura 2).

Sexo

1400
1200
1000
728 722
800
600
400
200
0
1 2

LEGENDA: 1 – Mulheres; 2 – Homens

Figura 1. Gráfico das frequências absolutas nos dois sexos.


VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
28

30

ss
o
20

a
C
10

0
20 30 40 50 60 70

Idade

Figura 2. Gráfico da variável Idade.

Quanto à variável Estado Civil, 384 (26,5%) dos sujeitos são solteiros, 861 (59,4%) são
casados, 161 (11,1%) são divorciados e 44 (3%) são viúvos (Figura 3).

Estado Civil

1400
1200
1000 861
800
600
384
400
161
200 44
0
1 2 3 4

LEGENDA: 1 – Solteiro; 2 – Casado; 3 – Divorciado; 4 - Viúvo

Figura 3. Gráfico das frequências absolutas do Estado Civil.

No que diz respeito às Habilitações Literárias, 29 (2%) dos sujeitos são analfabetos, 673
(46,4%) possuem o ensino básico, 547 (37,7%) têm o ensino secundário e 201 (13,9%) o
ensino superior (Figura 4).

Habilitações Literárias

1400
1200
1000
800 673
547
600
400
201
200
29
0
1 2 3 4

LEGENDA: 1 – Analfabeto; 2 – Ensino Básico; 3 – Ensino Secundário; 4 – Ensino Superior

Figura 4. Gráfico das frequências absolutas das habilitações literárias dos inquiridos.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
29

Da população, 844 sujeitos (83,5%) pertencem ao quadro da Câmara Municipal de


Loulé, 111 (11%) estão a contrato a termo certo e 56 (5,5%) dos sujeitos estão a recibos
Verdes ou a Avença (Figura 5).

Situação Contratual

1400
1211
1200
1000
800
600
400
159
200 80
0
1 2 3

LEGENDA: 1 – Quadro; 2 – Contrato; 3 – Recibos Verdes

Figura 5. Gráfico das frequências absolutas da situação contratual dos inquiridos.

Relativamente aos cargos ocupados, 73 sujeitos (5%) são dirigentes ou ocupam cargos de
chefia, 618 (42,6%) são administrativos, e 759 (52,3%) são operários (Figura 6).

Cargo

1400
1200
1000
759
800
618
600
400
200 73
0
1 2 3

LEGENDA: 1 – Chefia/ Dirigentes; 2 – Administrativos; 3 - Operários

Figura 6. Gráfico das frequências absolutas do cargo ocupado pelos inquiridos.

De entre dos sujeitos que têm o cargo de administrativos, distinguem-se administrativos


especialistas, assistentes administrativos principais e de carreira, entre outras. Na categoria
operários são distinguidas diversas funções: canalizadores; varejadores, condutores de
máquinas pesadas, veículos especiais, pesados e transportes, cabouqueiros, e operadores; e
pedreiros, serventes de pedreiro, mecânicos, leitores de consumo, jardineiros entre outras.

Instrumento
Com base nos instrumentos existentes, e após várias adaptações e pré-aplicações,
construiu-se um questionário com o título “Estudo sobre os hábitos alimentares e a
produtividade no trabalho”, com uma primeira parte de descrição demográfica, relativa à
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
30

idade, sexo, estado civil, habilitações literárias, situação contratual e cargo, seguida de uma
segunda, com quatro grupos de questões de resposta fechada: um primeiro grupo com
perguntas relacionadas aos hábitos alimentares acerca do consumo do álcool e suas
consequências; um segundo grupo relativo ao período do dia em que se consume vinho ou
cerveja; um terceiro grupo respeitante ao período do dia em que se consome digestivos; e, por
fim, um quarto grupo com a comparação do consumo do álcool relativamente aos colegas.
Utilizou-se uma escala de Likert, com cinco opções de resposta: Nunca, Raramente,
Algumas vezes, Frequentemente e Sempre, excepto no quinto grupo, em que apresentava
como opções de resposta: Muito menos, Menos, O mesmo, Mais e Muito mais.
As entrevistas realizadas assentaram num protocolo abrangente, que tinha como ponto de
partida duas questões que focavam os problemas relacionados com o álcool e as soluções
possíveis a adoptar.

Procedimento
Dos 1450 sujeitos da CML indicados na relação de pessoal fornecida pelo Departamento
de Recursos Humanos, foram realizados inquéritos a 1011, não tendo os restantes sido feitos
por ausência dos sujeitos, mau preenchimento dos formulários, ou recusa dos sujeitos em
preencherem os impressos. Foram realizadas sessenta entrevistas a dirigentes e quadros da
autarquia.
A recolha de dados foi efectuada durante o mês de Março de 2006 e o tratamento dos
dados foi feito em SPSS, versão 14 (tratamento dos questionários) e em Data Mining (análise
factorial de correspondência do resultado das entrevistas).

Resultados

Análise descritiva
Na sequência da aplicação dos questionários e respectivo tratamento estatístico,
procedeu-se à análise descritiva dos dados recolhidos.
As opções de resposta apresentaram um valor médio de 3, sendo o valor mínimo 1 e o
máximo 5. Ainda que de uma forma geral, as médias das respostas obtidas apresentassem
uma média baixa, o facto de possuírem uma distribuição próxima do normal abona em favor
do poder discriminativo dos itens do questionário.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
31

Tabela 1. Valores das Médias, Desvio Padrão e Cotações Máximas e Mínimas Obtidas em
Cada Item e noTotal (N=1011).
Desvio
Item nº Mínimo Máximo Média Padrão
1 -Pequeno-Almoço 1 5 3,55 1,54
2 - Actividade Física 1 5 2,48 1,25
3 – Almoço 1 5 4,27 1,00
4 –Consome 1 5 2,14 1,16
5 – Stress 1 5 1,55 ,93
6 –Colega 1 5 1,59 ,95
7 - Brunch 1 5 2,87 1,37
8 - Álcool Trabalho 1 5 1,47 ,87
9 - Afecta Trabalho 1 5 4,45 1,03
10 - Lanche 1 5 3,13 1,35
11 - Acompanha Colega 1 5 1,27 ,67
12 - Vinho Manhã 1 5 1,15 ,53
13 - Vinho Tarde 1 5 1,41 ,79
14 - Vinho Almoço 1 5 1,96 1,24
15 – Aguardente Manhã 1 5 1,10 ,46
16 – Aguardente Tarde 1 5 1,19 ,55
17 – Aguardente Almoço 1 5 1,42 ,89
18 – Comparação Colegas 1 5 1,77 ,90

Pela observação da Tabela 1, verifica-se que a média mais elevada diz respeito ao item 9,
que apresenta o valor de 4,45, e o valor médio mais baixo verificou-se no item 15, com o
valor 1,10. Quanto ao desvio padrão, o mais elevado observou-se no item 1, com o valor
1,54, e o valor de desvio padrão mais baixo foi no item 15, com 0,47, dando assim conta da
dispersão de opiniões na primeira e concordância na segunda.
Através da observação dos resultados do item 9, constatou-se que os sujeitos afirmaram
que o consumo de bebidas alcoólicas afecta frequentemente o trabalho, apresentando um
valor médio de resposta de 4,45, e que a bebida raramente ajuda a aliviar o stress.
Ao item Consome, apenas 110 sujeitos inquiridos admitiram consumir vinho, cerveja ou
digestivo frequentemente ou sempre. Destes, dez eram do sexo feminino e 100 do sexo
masculino, casados (n= 69), com o ensino básico (n=68), sendo a sua maioria operários
(n=64) pertencentes ao quadro (n=98). Relativamente à situação contratual é importante
referir que entre os sujeitos pertencentes ao quadro houve mais respostas de consumo de
álcool, em relação aos sujeitos nas restantes situações contratuais.
Os inquiridos responderam, na sua maioria (n=674), que nunca notaram que um colega
seu trabalhava sob o efeito do álcool e também responderam que os seus colegas não
costumam ingerir álcool no local de trabalho (n=722).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
32

Análise Factorial
Tendo sido efectuada uma análise correlacional verificou-se que a correlação mais
elevada foi entre o item 4 (Consome) e o item 14 (Vinho ao almoço), e a correlação mais
baixa verificou-se entre o item 2 (Actividade Física) e o item 5 (Stress).
Todos os itens do questionário, de 1 a 18, foram submetidos a sucessivas análises,
ficando reduzidos a nove. Após extracção dos componentes principais e rotação varimax,
foram obtidos três factores com valores próprios (eigenvalues) superiores a 1, que explicam
mais de 69% da variância total do questionário, ou seja, com apenas três índices consegue-se
obter 69% da informação que se obteria com os nove itens, o que se pode considerar muito
bom, num estudo desta natureza.
Tabela 2. Saturações de Cada Item em Cada Factor e Percentagem Respectiva da Variância
Explicada.
Factores ( % de variância explicada)
Consumidores Mata Bicho Outgroup
Itens (28%) (24%) (18%)
Consome ,86 ,12 ,07
Vinho tarde ,59 ,51 ,07
Vinho almoço ,9 ,11 ,04
Aguar almoço ,68 ,33 ,09
Vinho manhã ,21 ,71 ,08
Aguard manhã ,03 ,84 -,02
Aguard tarde ,34 ,73 ,04
Colega ,04 ,01 ,89
Álcool trabalho ,11 ,07 ,88

Segundo a divisão de factores e a verificação dos pesos mais significativos para cada
item, denominaram-se os factores de Consumidores, Mata Bicho e Outgroup (Tabela 2): o
factor Consumidores é constituído pelos itens Consome, Vinho tarde, Vinho almoço e
Aguardente ao almoço, indicando consumos durante as refeições; o factor Mata Bicho é
composto pelos itens Vinho manhã, Aguardente de manhã e Aguardente à tarde, os quais
indicaram que os sujeitos consomem álcool fora dos tempos das refeições principais; por
último, o factor Outgroup, é constituído pelos itens Colega e Álcool trabalho, indicando o
grau em que o sujeito se encontra fora do grupo dos bebedores.

Análise da Variância
Em primeiro lugar compararam-se as médias dos grupo masculino e feminino,
relativamente aos três factores resultantes da análise factorial exploratória. Através da Tabela
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
33

3 é possível perceber que os indivíduos do sexo masculino afirmaram consumir maior


quantidade de álcool (factores Consumidores e Mata-bicho) comparativamente ao sexo
feminino. O factor Outgroup apresenta também diferenças significativas nas médias, no
mesmo sentido, o que torna interessante o facto dos elementos do sexo feminino protegerem
mais os colegas que bebem que os do sexo masculino.

Tabela 3. Diferença entre Médias das Cotações Atribuídas (Test-T) nos Factores
“Consumidores”, “Mata-bicho” e “Outgroup”, para a variável “Sexo” e
Respectivo Nível de Significância.
Factores
Mata-
Sexo N Consumidores bicho Outgroup
Masculino 508 2,19 1,27 1,67
Feminino 503 1,29 1,02 1,39
Nível de
Significância .00 .00 .00

Ao analisarmos os dados da Tabela 4, verificamos que existem diferenças


estatisticamente significativas para a variável Habilitações Literárias no factor
Consumidores, assim como para o factor Mata Bicho, para um nível de significância p<.00.

Tabela 4. Análise da Variância (ANOVA) com Apresentação das Médias nos Três Factores,
por “Habilitações Literárias”.
Factores
Nível de Mata
habilitações N Consumidores Bicho Outgroup
Analfabeto 20 1,88 1,03 1,73
Básico 469 1,88 1,22 1,54
Secundário 381 1,59 1,1 1,51
Superior 141 1,61 1,03 1,55
Sig. ,00 ,00 ,65
Teste de Scheffé:
No factor “Consumidores”
• O ensino secundário difere do ensino básico para p <.00
• O ensino superior difere do ensino básico para p < .00
No factor “Mata Bicho”
• O ensino básico difere do ensino secundário para p <.00
• O ensino superior difere do ensino básico para p < .00

Conforme mostra a Tabela 4, os habilitados com o ensino básico, no factor


Consumidores, apresentaram uma média mais elevada (1,88), sendo a média mais baixa
(1,03) correspondente aos habilitados com o ensino superior, no factor Mata Bicho. O teste
de Scheffé, permitiu verificar que, no factor Consumidores, não existiram diferenças
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
34

significativas nos grupos de sujeitos com ensino secundário e superior, enquanto os sujeitos
com o ensino básico apresentaram diferenças significativas. Quanto ao factor Mata Bicho,
também todos os sujeitos com o ensino secundário e superior não apresentaram diferenças
estatísticas significativas, enquanto todos os outros apresentaram. No que diz respeito ao
factor Outgroup, os grupos de habilitações literárias não constituíram razão de diferenças
significativas.

Tabela 5. Análise da Variância (ANOVA) com Apresentação das Médias nos Três Factores,
por “Situação Contratual”.
Factores
Situação Mata
Contratual N Consumidores Bicho Outgroup
Quadro 844 1,74 1,14 1,54
Contrato 111 1,53 1,06 1,35
Recibos Verdes 56 1,75 1,14 1,65
Nível de Significância .04 .11 .04
Teste de Scheffé:
No factor Consumidores
• Os sujeitos que estão no quadro diferem dos sujeitos que têm contrato a termo certo para p < .04.

No caso da situação contratual, verificou-se (Tabela 5) que foi no factor Consumidores,


que os sujeitos pertencentes ao quadro obtiveram diferenças em relação aos sujeitos que se
encontravam a contrato a termo certo.

Tabela 6. Análise da Variância (ANOVA) com Apresentação das Médias nos Três Factores,
por “Cargo”.
Factores
Mata
Cargo N Consumidores Bicho Outgroup
Chefia 51 1,89 1,16 1,77
Administrativos 431 1,61 1,07 1,53
Operários 528 1,8 1,19 1,49
Nível de Significância .00 .00 .08
Teste de Scheffé:
No factor Consumidores
• O cargo administrativos difere do cargo operários para p<.00
No factor Mata Bicho
• O cargo administrativos difere do cargo operários para p<.00

O teste de Scheffé, na Tabela 6, permitiu constatar que nos factores Consumidores e


Mata Bicho existiram diferenças estatísticas significativas entre os sujeitos administrativos e
operários, enquanto que os outros tipos de cargos não apresentaram diferenças entre si. No
factor Outgrup, nenhum dos grupos apresentou diferenças estatisticamente significativas.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
35

Tabela 7. Análise da Variância (ANOVA) com Apresentação das Médias nos Três Factores,
na Variável “Afecta Trabalho”.
Factores
Mata
Afecta trabalho N Consumidores Bicho Outgroup
Nunca 37 1,89 1,34 1,36
Raramente 27 2,35 1,37 1,76
Algumas vezes 100 2,11 1,24 1,95
Frequentemente 107 1,76 1,17 1,57
Sempre 677 1,62 1,09 1,45
Nível de significância .00 .00 .00

Teste de Scheffé:
No factor Consumidores
• As respostas raramente diferem das respostas frequentemente e sempre para p<.00
• As respostas algumas vezes diferem das respostas frequentemente e sempre para p<.00
No factor Mata Bicho
• As respostas raramente diferem das respostas sempre para p<.00
• As respostas algumas vezes diferem das respostas sempre para p<.00
• As respostas sempre diferem das respostas nunca para p<.00
No factor Outgroup
• As respostas nunca diferem das respostas algumas vezes para p<.00
• As respostas algumas vezes diferem das respostas frequentemente e sempre para p<.00

Tal como previsto, na Tabela 7 observou-se que a média mais elevada (2,35) corresponde
à opção Raramente, nos factores Consumidores e Mata Bicho. No entanto, existiu
incongruência no grupo Nunca, o qual deveria ter uma média ainda mais elevada. Como
presumimos que alguns sujeitos terão respondido mal a esta opção, resolvemos juntar as
duas, resultando a Tabela 8.

Tabela 8. Análise da Variância (ANOVA) com Apresentação das Médias nos Três
Factores,na Variável “Afecta Trabalho”, Considerando a Opção “Nunca” Juntamente com a
Opção “Raramente”.
Mata
Afecta trabalho Consumidores Bicho Outgroup
Raramente e Nunca 2,08 1,35 1,53
Algumas vezes 2,11 1,24 1,95
Frequentemente 1,76 1,17 1,57
Sempre 1,62 1,09 1,45
Nível de
Significância 0,00 0,00 0,00

Por último procedeu-se à análise da regressão através da construção da Tabela 9, com o


intuito de estudar os valores do coeficiente de regressão e da percentagem de variância
explicada pelo preditor Idade, em cada factor. Como se pode constatar, na Tabela 9 a variável
independente idade é responsável por 3% da variância explicada para o factor Consumidores,
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36

sendo significativo para um nível de significância de (.00). O factor Mata Bicho apresentou
1% de variância explicada pela variável idade, significativo para um nível de significância de
p<.00, enquanto que, no factor Outgroup, esta variável não apresentou significância. Pelos
valores de Beta (ß) constatou-se que quanto mais velho o sujeito for, maior é o seu hábito de
consumo de bebidas alcoólicas.

Tabela 9. Valores dos Coeficientes de Regressão (ß) e da Percentagem de Variância


Explicada (R2) pelo preditor “Idade”, em cada factor.
Consumidores Mata Bicho Outgroup
2 2 2
R ß R ß R ß
Idade ,03 ,16 ,01 ,12 ,00 -,01

Nível de
Significância ,00 ,00 .87

Análise Qualitativa

Ao longo deste estudo realizaram-se sessenta entrevistas, onde eram colocadas duas
questões aos entrevistados: “Até que ponto o álcool influencia ou não a produtividade no
trabalho?” e “ Quais as medidas ou estratégias para melhorar esta situação?”.
De um modo geral, todos os entrevistados concordaram com o efeito negativo que o
álcool tem na produtividade. No que diz respeito à primeira questão, são de destacar três
ideias fundamentais que se evidenciaram sobre o consumo de álcool e produtividade: o
consumo de álcool nas horas de expediente afecta a produtividade, “(…) Afecta a
produtividade no trabalho, na medida em que as pessoas debaixo do efeito de álcool
seguramente que perdem poderes de concentração e isso põe em causa directamente
questões de segurança (…)”; induz acidentes, “É mau, o álcool é muito mau (...) vai de
certeza provocar acidentes, alguns de morte”; e está relacionado com o absentismo, “É mau
porque começam a chegar atrasados, faltam e tornam-se agressivos.”

Entre as diversas medidas referidas pelos entrevistados como podendo ser eficazes para
controlar o consumo e álcool, durante as horas de expediente, destacaram-se: campanhas de
sensibilização como meio de prevenção, “(…) devia haver uma campanha de sensibilização,
sensibilizando-os para o perigo, não é só o aspecto da produtividade mas também o da
segurança (…)”; necessidade de apoio político, “teria também de haver apoio de superiores;
não poderia ser eu a ter a iniciativa, tinha de haver apoio da parte dos políticos (…)”; e
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37

fiscalização, “Comprava um aparelho de medir o álcool (...)e durante a tarde ou durante a


manhã, escolhia A, B ou C (…) como factor surpresa”.

Quanto às soluções relacionadas com álcool, disponibilizadas pela CML, os


entrevistados relataram nunca terem existido campanhas de prevenção ou outras iniciativas
nesse âmbito, abrangendo os trabalhadores administrativos ou os funcionários externos,
“Nunca existiram campanhas preventivas sobre os efeitos do álcool dentro da Câmara.
Embora se tenha verificado a existência de Psicólogos, estes são, somente, dirigidos para os
cidadãos e não para os funcionários autárquicos. Os médicos disponíveis estão
direccionados para o apoio relativo a problemas físicos.”
Assim, tendo por base as entrevistas realizadas, verificou-se que os entrevistados
concordam com o facto de que consumir álcool nas horas de expediente pode ser prejudicial
para a produtividade, para a segurança e para o bem–estar dos indivíduos. Consideraram
também ser necessário implementar medidas de prevenção para o consumo através de
campanhas de sensibilização e fiscalização, com o apoio dos superiores hierárquicos.

De acordo com a análise de conteúdo obtida pelo programa Data and Text Mining,
verificou-se que, relativamente ao controle da bebida, as respostas foram de encontro ao facto
do consumo de bebidas alcoólicas não ser excessivo. Contudo, apesar do consumo não
ocorrer durante o horário laboral, por vezes os funcionários já chegam ao trabalho
alcoolizados. As soluções indicadas como mais habituais dos encarregados, nestas situações,
foram não permitir que estes cumpram as suas funções, negando-lhes a manutenção no posto
de trabalho mas excluindo a hipótese de despedimento, uma vez que tal se deve também em
parte ao estrato social a que a maioria destes trabalhadores pertence, fazendo com que os
encarregados tenham uma atitude mais compreensiva para com os funcionários.
Relativamente à Figura 7, que congrega a visualização dos sujeitos entrevistados e as
categorias dominantes do discurso, verificou-se que a maior parte das unidades, em geral,
estão concentradas nas categorias “consequência” e “consumo”. Isto significa que a maioria
das pessoas entrevistas focam assuntos relacionados com o consumo e consequências do
álcool, referindo que existe consumo no contexto laboral, embora não seja significativo. Em
relação às consequências fazem referência aos avisos feitos pelas chefias, que os conflitos e
as faltas relacionadas com o consumo de álcool são quase inexistentes.
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38

Figura 7. Gráfico Ilustrativo da Análise de Conteúdo das Entrevistas Efectuadas


no Estudo.

Discussão
Grande parte dos sujeitos inquiridos consideraram que o consumo de álcool afecta
negativamente o trabalho, o que vem confirmar a hipótese inicial. Os funcionários com o
cargo de operários foram os que afirmaram ter maior consciência dos efeitos prejudiciais do
álcool na produtividade, apesar de serem os que afirmaram que mais consomem bebidas
alcoólicas.
Ao analisarmos as respostas dadas pelos sujeitos verificou-se que os que consomem mais
bebidas alcoólicas (vinho, cervejas e digestivos) são homens, e afirmaram fazê-lo com mais
frequência ao almoço, comparativamente a outro período do dia.
Os sujeitos responderam que não costumam acompanhar os colegas para tomar uma
bebida alcoólica e que consomem menos que eles, o que pode não ser representativo da
realidade. Com efeito, em algumas entrevistas realizadas foi referido que, após o horário de
trabalho, alguns funcionários costumavam juntar-se para beber. Relativamente às mulheres
podemos evidenciar que uma percentagem significativa respondeu que bebe o mesmo
comparado com os colegas, apresentando uma frequência absoluta de respostas semelhante à
dos homens.
A análise correlacional permitiu verificar que os sujeitos que responderam consumir
bebidas alcoólicas (vinho ou cerveja), faziam-no no período de almoço, o que pode indicar
que o seu desempenho da parte da tarde pode ficar afctado. Verificou-se também que os
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
39

indivíduos do sexo masculino apresentaram valores mais elevados em todos os factores.


Quanto ao sexo feminino, o valor médio no factor Outgroup vem demonstrar e reforçar o que
já foi anteriormente referido, em relação às mulheres, as quais apontam que os seus colegas
nunca consomem álcool no local de trabalho e que os mesmos nunca trabalharam sob efeito
de álcool.
Em relação às habilitações literárias, concluiu-se que os sujeitos com o nível de ensino
básico afirmaram que consomem mais vinho, cerveja e digestivos do que os com o ensino
secundário e do ensino superior.
No que se refere à situação contratual, constatou-se que os sujeitos que estão no quadro
afirmaram consumir mais bebidas alcoólicas do que os sujeitos que têm contrato a termo
certo.
No que diz respeito ao cargo desempenhado, concluiu-se que os sujeitos com cargos
administrativos declararam consumir menos bebidas alcoólicas do que os operários.
Da análise suplementar realizada ao grupo que indicou alguma vez ter consumido
aguardente ao pequeno-almoço, concluímos que os sujeitos que apresentaram maior índice de
risco são operários do sexo masculino, divorciados, com o ensino básico, pertencentes ao
quadro e, em especial, os que se encontram desenquadrados da chefia.
No que respeita às limitações do estudo, verificou-se ao nível dos contactos efectuados
para procederem à realização das entrevistas e questionários, dada a constante ausência de
alguns responsáveis, assim como a sua indisponibilidade.
A Câmara Municipal de Loulé foi também considerada um obstáculo, na medida em que
os indivíduos pertencentes a uma determinada divisão estavam dispersos pelas várias
freguesias de Loulé, tendo locais de trabalho incertos, o que tornou difícil contactá-los para
colaborarem no presente estudo. A título de curiosidade, estiama-se em 200km a distância
média que cada um dos 16 grupos de alunos percorreu para conseguir realizar a recolha de
dados.
No decorrer da aplicação dos questionários, encontrámos algumas limitações,
nomeadamente nas questões de 12 a 14, pois os inquiridos consideravam-nas como sendo
apenas uma só. Também o item 9 suscitou algumas dúvidas, dado que, os inquiridos
apresentavam alguma dificuldade em compreender a questão, pois os indivíduos possuem um
baixo nível de escolaridade.
No que diz respeito às entrevistas, alguns sujeitos recusaram-se a ser entrevistados,
delegando essa tarefa para outro, e outros recusaram que fossem gravadas as declarações
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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revelando, por isso, um discurso curto e pouco profundo. Algumas das entrevistas não foram
realizadas de forma adequada devido aos locais onde foram executadas, nos quais entravam e
saíam pessoas constantemente, gerando muito barulho, o que perturbava e desconcentrava o
entrevistado, ocorrendo mesmo a modificação do seu discurso.

Conclusões e Recomendações

Como indicado através dos resultados obtidos, concluiu-se que o objectivo do estudo
foi demonstrado, pois o consumo de álcool afecta a produtividade do contexto laboral da
Câmara Municipal de Loulé. Os funcionários que responderam que consumiam álcool são
operários do sexo masculino, casados, com o ensino básico, pertencem ao quadro e estão
geograficamente isolados da supervisão da Câmara. Apesar dos sujeitos afirmarem ter
consciência dos malefícios do álcool na produtividade, respondiam consumir bebidas
alcoólicas. Observámos também alguma tendência para o aumento do consumo com a idade.
Após termos verificado as limitações, sugerimos que se efectuem novos estudos
similares a este, mas que tomem em consideração outros problemas dos indivíduos que
podem afectar, directa ou indirectamente, o seu desempenho no local de trabalho. Assim, é
cada vez mais necessário apoiar os trabalhadores nos seus problemas pessoais e profissionais,
de modo a contribuir para um melhor bem-estar dos indivíduos e, simultaneamente, para o
bom funcionamento da empresa.
É importante que a Câmara Municipal de Loulé se sensibilize e permaneça alerta para
este grave problema, tentando implementar programas de combate ao alcoolismo de modo a
procederem a um diagnóstico precoce e ao encaminhamento dos trabalhadores com este
problema para tratamento. Devem apoiar os trabalhadores na sua recuperação, mantendo o
seu emprego para que quando estes estiverem recuperados possam ser adequadamente
integrados, voltando a dedicar-se empenhadamente às suas anteriores funções.
A Câmara Municipal Loulé poderá, também, reduzir o risco de através de intervenções
educacionais no ambiente profissional para informar os funcionários sobre a relação entre o
comportamento de beber e a sua performance.
Somos de parecer que, mais importante do que implementar estratégias agressivas para
combater o problema do álcool no local de trabalho como, por exemplo, a realização de
rastreios com de aparelhos medidores, se tornam mais importantes estratégias de ajuda, como
a implementação de grupos de ajuda mútua, sob a orientação de um psicólogo, com
conhecimentos de dinâmica de grupos para fazer interagir os indivíduos de modo a
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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exprimirem abertamente os seus problemas, ouvindo também as experiências e problemas


dos outros.
De modo a combater a improdutividade em relação ao álcool, a instituição Câmara
Municipal de Loulé poderia implementar estratégias de produtividade, de forma a que os
sujeitos se sentissem mais motivados para trabalhar em qualidade e quantidade, não
consumindo álcool no horário laboral, para atingirem os seus objectivos. É importante referir
que nos pareceu que os problemas de alcoolismo efectivo são pontuais e estão
diagnosticados, pelo que bastará proporcionar algum apoio médico e psicológico. Onde o
problema será eventualmente mais grave é no que respeita aos hábitos de bebida, uma vez
que se encontram enraizados no pessoal, para não dizer na população portuguesa, e é muito
difícil convencer as pessoas que uma simples bebida pode afectar o desempenho, com os
naturais inconvenientes. Rigorosamente o trabalhador não deveria consumir qualquer
quantidade de álcool antes ou durante o horário de trabalho mas tal objectivo seria,
presentemente, quase inatingível, o que não quer dizer que não se trabalhe nesse sentido. E
uma acção de apoio de educativa sobre o álcool pode muito bem ser vista como uma acção
em que a Câmara mostre estar preocupada com o bem estar dos seus funcionários.
Concluindo, somos de parecer que a os problemas de consumo excessivo de álcool
advêm sobretudo da falta de formação, e isolamento e desenquadramento do trabalhador,
competindo à Câmara Municipal de Loulé a implementação de programas de prevenção.
Acções como um maior cuidado na supervisão dos trabalhadores, a formação, a criação de
estratégias de recuperação, o diagnóstico precoce e os grupos de ajuda mútua, são exemplos
destinados a acentuar do seu papel social (Grant & Joyce, 2005), que não poderão deixar de
fornecer bons resultados em termos de produtividade.

Referências
Centro Regional de Alcoologia do Sul (CRAS). Retirado da página da Internet
www.cras.min-saude.pt, consultada a 15 de Fevereiro de 2006.
Dias, A. (1998). Álcool e drogas em ambiente laboral. Lisboa: Associação Portuguesa das
Indústrias Gráficas e Transformadoras do Papel.

Gameiro, Aires (2000). Alcoolismo nos Açores e Madeira: Padrões de consumo em 1999 e
2000. Linhas de Prevenção. Funchal: Ed. Hospitalidade.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
42

Grant, Marcus & O´Connor, Joyce (2005). Corporate social responsability and alcohol: The
need and potential for partnership. New York, NY: Routledge
Vaissman, M. (2004). Alcoolismo no trabalho. S. Paulo: Editora Fiocruz.
Vitória, P. D. (1994). Consumo de álcool e drogas ilegais nas empresas do distrito de
Lisboa. Lisboa: Associação de Empresas Gráficas
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Qualidade em Contextos Educativos Pré-Escolares: Percepções Parentais

Marina Nunes (Universidade de Évora)


marinasilvanunes@clix.pt
Madalena Melo (Universidade de Évora)
mmm@uevora.pt

Palavras-chave:
Educação pré-escolar; qualidade dos contextos educativos pré-escolares; percepções
parentais.

Resumo/Abstract:
Com a expansão dos serviços de apoio à infância, cresceu também o interesse em
estudar a qualidade destes, dada a sua importância no desenvolvimento das crianças. Os pais
assumem aqui um papel muito importante, na medida em que a sua acção educativa e a
educação pré-escolar se devem complementar. Pretendeu-se com este estudo exploratório
avaliar as percepções dos pais relativamente à qualidade dos contextos educativos
pré-escolares frequentados pelos seus educandos, realizando-se em Jardins-de-Infância de
Évora através de um questionário adaptado da Early Childhood Environment Rating Scale.

Introdução
Acompanhando uma tendência internacional, nos últimos anos têm-se assistido a uma
expansão dos serviços de apoio à infância em Portugal, crescendo também o interesse em
estudar a qualidade destes dada a sua importância para o desenvolvimento das crianças.
Várias investigações demonstram que contextos educativos de qualidade têm efeitos
significativos nas aprendizagens da criança ao longo de toda a sua escolaridade e no seu
desenvolvimento e bem-estar (Folque & Siraj-Blatchford, 1996).
O estudo da qualidade dos ambientes educativos pré-escolares permite analisar que
aspectos importantes para o desenvolvimento infantil se encontram presentes ou ausentem
nos contextos e planear mudanças, no sentido de proporcionar um maior bem-estar às
crianças (Aguiar, Bairrão & Barros, 2002).
Chegar a um acordo acerca da definição de qualidade parece ser bastante complexo,
pois existem diferentes pontos de vista, em função das crenças e valores de cada um. No
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
44

entanto, é central que os pais assumem um papel muito importante na definição de qualidade,
pois são eles que escolhem os serviços a utilizar (Folque & Siraj-Blatchford, 1996). São os
pais que tomam as decisões no que respeita aos cuidados e educação na primeira infância
(Cryer, Tietze & Wessels, 2002). Daí que seja fundamental conhecer o que estes pensam
acerca dos cuidados pré-escolares prestados aos seus filhos. Foi esse o principal objectivo do
estudo aqui apresentado: conhecer as percepções parentais relativamente à qualidade dos
contextos educativos pré-escolares frequentados pelos seus educandos.

Educação de Infância em Portugal


O contexto social e político em Portugal, assim como noutros países da Europa, tem
influenciado a expansão dos serviços de apoio à infância. São várias as razões apontadas para
esta expansão (Oliveira, Mello, Vitória & Rossetti Ferreira, citados por Souza &
Campos-de-Carvalho, 2005).
O aumento da participação das mulheres no trabalho fora do lar e as alterações na
estrutura familiar a que se tem assistido colocaram novos desafios às políticas educativas e
sociais e conduziram a uma maior solicitação dos serviços de educação pré-escolar e
cuidados para a primeira infância (Folque, 2000; Vasconcelos, 2000).
As mudanças populacionais no nosso país, mais concretamente, a emigração para
países estrangeiros e a migração das zonas rurais para os centros urbanos, têm levado a que
estas zonas tenham uma população cada vez mais envelhecida, com um reduzido número de
crianças, enquanto nos centros urbanos é complicado dar resposta a todas as crianças. Estas
situações distintas implicam respostas diferenciadas e específicas (Folque, 2000;
Vasconcelos, 2000).
Alterações ao nível da legislação têm desencadeado, também, um aumento
significativo da população abrangida pela educação pré-escolar. Em 1995, elaborou-se um
Relatório Estratégico para o Desenvolvimento e Expansão da Educação Pré-Escolar, que
originou o Plano de Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar em Portugal.
Consequentemente, foi apresentada à Assembleia da República a Lei-Quadro para a
Educação Pré-Escolar (Lei 5/97), de acordo com a qual a educação pré-escolar era entendida
como a primeira etapa da educação básica, suporte fundamental para a educação ao longo da
vida e definindo os objectivos para a educação pré-escolar (Vasconcelos, 2000).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
45

O desenvolvimento da educação de infância no nosso país decorreu rápida ou


morosamente em função das políticas económicas, sociais e culturais dos diferentes governos
(Vasconcelos, 2000).
Tem-se assistido a um esforço no sentido de melhorar a qualidade do sistema
educativo português, tendo em conta que a educação é uma responsabilidade colectiva
(Vasconcelos, 2000) e que “existem provas crescentes de que a participação em programas
pré-escolares de qualidade influencia positivamente a posterior adaptação das crianças à
escola e promove o sucesso escolar” (Bairrão & Tietze, 1995).

A questão da qualidade dos contextos educativos pré-escolares


Com a expansão dos serviços de apoio à primeira infância, aumentou também o
interesse em estudar o papel destes no desenvolvimento e educação infantil, assim como
avaliar e promover a sua qualidade. A qualidade não é um conceito neutro, é socialmente
construído e varia em função da cultura, assumindo significados muito particulares (Aguiar et
al., 2002). Ou seja, existem diferentes pontos de vista em função das crenças e valores de
cada um (Folque & Siraj-Blatchford, 1996).
Katz (1998) considera que a qualidade em educação pré-escolar pode ser abordada de
diferentes formas:
- a abordagem orientada de cima para baixo, isto é, a partir da perspectiva de que os
adultos têm dos programas pré-escolares;
- a abordagem orientada de baixo para cima, isto é, a partir da experiência vivida pelas
crianças;
- perspectiva exterior-interior dos programas, ou seja, avaliação dos programas tal
como são vividos pelas famílias por eles abrangidas;
- perspectiva interior ao programa, ou seja, as formas como é vivido pelos
profissionais que o põem em prática;
- perspectiva exterior ou conclusiva, isto é, a avaliação do programa por diferentes
entidades.
Apesar da relatividade do conceito, existe um consenso em aceitar que a qualidade
está relacionada com características físicas e sociais dos contextos onde a educação e
cuidados se realizam, com as características dos indivíduos que trabalham nesses contextos,
com as características dos programas, com políticas educativas, entre outros aspectos (Aguiar
et al., 2002; Bairrão, 1998).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Bredekamp (citada por Aguiar et al., 2002, p. 9) considera que a qualidade dos
cuidados e educação prestados às crianças “implica interacções com adultos num ambiente
seguro, saudável e estimulante, no qual a educação e as relações de confiança se combinam
para apoiar o desenvolvimento físico, emocional, social e intelectual da criança”. Esta autora
refere ainda que os critérios mais comuns de determinação da qualidade englobam condições
de higiene e segurança, interacções entre crianças e adultos marcadas por capacidade de
resposta e afecto, currículo adequado, tamanho do grupo limitado, rácio adulto-criança
adequado à idade, espaços interiores e exteriores adequados e formação do pessoal no âmbito
do desenvolvimento e educação infantil.
Harms e Clifford (citados por Aguiar et al., 2002) consideraram as seguintes
componentes-chave para a qualidade dos programas pré-escolares: salubridade e segurança
(existência de critérios de licenciamento, obediência a critérios de higiene e saúde, entre
outros); interacções (interacções adulto-criança marcadas pelo afecto e respeito, etc);
currículo (planificação de actividades desenvolvimentalmente adequadas, equilíbrio entre
actividades de iniciativa dos adultos e de iniciativa das crianças, entre outros); pessoal
(grupos limitados em número, rácio adulto-criança adequado, qualificação/formação dos
profissionais).
Vários autores conceptualizam as principais características dos indicadores da
qualidade em duas grandes dimensões (Aguiar et al., 2002; Bairrão, 1998):
- Dimensão estrutural - aspectos físicos, humanos e organizativos dos programas pré-
escolares;
- Dimensão de processo - interacções ou trocas (transacções) adulto/criança e
criança/criança que ocorrem nesses programas.
A National Association for the Education of Young Children (NAEYC) considera que
um programa educativo tem uma elevada qualidade quando garante um ambiente seguro,
promotor do desenvolvimento físico, social, emocional, estético, intelectual e da linguagem
das crianças e sensível às necessidades e preferências familiares. A NAEYC defende que os
profissionais de educação são responsáveis pela implementação e promoção de padrões de
elevada qualidade e profissionalismo nas instituições de educação pré-escolar. A qualidade de
uma instituição de educação é influenciada por diversos factores, nomeadamente a forma
como os conhecimentos sobre o desenvolvimento e educação infantil são aplicados (Aguiar et
al., 2002).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Várias investigações têm demonstrado que serviços para infância de elevada


qualidade e desenvolvimentalmente adequados têm efeitos positivos a curto e longo prazo no
desenvolvimento sócio-cognitivo das crianças (Peisner-Feinberg, Burchinal, Clifford, Culkin,
Howes, Kagan & Yazejian, 2001). Harms e Clifford (citados por Aguiar et al., 2002) referem
que esses resultados positivos se verificam nomeadamente ao nível da competência social, do
desenvolvimento da linguagem e do jogo, da auto-regulação e da obediência a regras. Quanto
a Field (citado por Aguiar et al., 2002), este encontrou associações significativas entre a
quantidade de tempo passado em creches de qualidade e o bem-estar emocional, a capacidade
de liderança, a popularidade, a assertividade e a agressividade (relação negativa) da criança.
Bryant e seus colaboradores (citados por Aguiar et al., 2002) referem que as crianças
que frequentam salas de elevada qualidade revelam melhores competências pré-académicas e
alcançam melhores resultados académicos. Freed (citado por Aguiar et al., 2002) considera
existir uma associação significativa entre a qualidade dos contextos educativos e os
resultados das crianças no jogo cooperativo, criatividade, sociabilidade, resolução de
conflitos sociais, auto-controlo, linguagem e desenvolvimento cognitivo.
A investigação “Cost, Quality and Child Outcomes in Child Care Centers Study” que
estudou os efeitos a longo prazo dos serviços de educação pré-escolares, identificou uma
relação positiva entre o desenvolvimento sócio-cognitivo das crianças e a qualidade da sua
experiência nos serviços de educação, independentemente do nível de educação da mãe, do
sexo da criança e da etnia. Os resultados mostram também que: cuidados de elevada
qualidade prognosticam positivamente a realização das crianças no percurso escolar; as
crianças consideradas em risco são mais afectadas pela qualidade dos serviços para a
infância; diferentes aspectos da qualidade dos cuidados pré-escolares influenciam diferentes
áreas do desenvolvimento; os efeitos da qualidade dos serviços pré-escolares fazem-se sentir
a longo termo (Aguiar et al., 2002).
O NICHD Study of Early Child Care acompanhou mais de 1300 crianças ao longo de
sete anos, visando determinar em que medida as variações nos cuidados prestados se
relacionam com o desenvolvimento e verificou que cuidados de qualidade inferior
prognosticam relações mãe-criança menos harmoniosas, elevada probabilidade de vinculação
insegura das crianças com as mães, problemas de comportamento, menos competências
linguísticas e cognitivas e menor preparação para a entrada na escola (Aguiar et al., 2002).
Em Portugal, o Centro de Psicologia do Desenvolvimento e da Educação da Criança,
da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, integrou o
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Projecto Pré-Primário da “International Association for the Evaluation of Educational


Achievement”, em 1986. O principal objectivo deste estudo foi obter conhecimentos que
possibilitassem melhorar a qualidade dos serviços pré-escolares num elevado número de
países (Bairrão, 1998).
Entre 1992 e 1998, esta equipa participou no “Estudo Internacional sobre Educação e
Cuidados de Crianças em Idade Pré-escolar”, que pretendia estudar a diversidade e qualidade
das experiências educativas das crianças entre os 3 e 6 anos de idade em diferentes contextos
(jardim de infância e família) e analisar que efeitos essas experiências têm no
desenvolvimento das crianças e na qualidade de vida das famílias (Bairrão, 1998). Desde
2000, este Centro tem vindo estudar “a qualidade das interacções da criança em contexto
familiar e de creche e a sua influência no desenvolvimento sociocognitivo da criança”
(Aguiar et al., 2002, p. 14).

Percepções parentais e a questão da qualidade


O que acontece por vezes é que a qualidade é exclusivamente definida pelos
investigadores, políticos ou profissionais e não se têm em conta as necessidades dos pais nem
se interessa pelo seu ponto de vista. Tentar conhecer e perceber o que os pais esperam dos
serviços pré-escolares é uma questão central, se acreditarmos que a qualidade não é um
conceito mas um processo, correspondente às necessidades, ideias e valores dos envolvidos
(Folque & Siraj-Blatchford, 1996).
Tendo em conta a perspectiva de Bronfenbrenner, a definição da qualidade dos
contextos deve reconhecer a multiplicidade de influências dos vários sistemas implicados.
Deste modo, os pais assumem um papel central na sua definição, pois são eles que escolhem
os serviços a utilizar (Folque & Siraj-Blatchford, 1996).
De acordo com a Lei Quadro da Educação Pré-Escolar (Lei n.º 5/97, de 10 de
Fevereiro), “cabe aos pais e encarregados de educação, funções de gestão dos
estabelecimentos de educação pré-escolar, cooperar com outros agentes educativos, dar
parecer sobre aspectos funcionais dos estabelecimentos deste nível de educação, participar
em actividades educativas de animação e de atendimento” (artigo 4º). São eles que escolhem
os contextos que pretendem que os filhos frequentem, daí que seja importante conhecer as
suas percepções, ou seja, a forma como estes vêem esses contextos educativos.
Ao escolherem um determinado serviço, os pais já estão a demonstrar os seus pontos
de vista acerca dos cuidados e educação pré-escolares. Os estudos nesta área têm-se centrado
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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muito na questão da escolha dos serviços por parte dos pais. Segundo Larner e Phillips
(citados por Folque & Siraj-Blatchford, 1996), os pais consideram a qualidade dos cuidados
pré-escolares como algo garantido enquanto as suas crianças estiverem felizes e seguras e
desenvolvendo-se bem.
No entanto, a escolha nem sempre está relacionada com as perspectivas de qualidade
dos pais. Um estudo nos EUA (Galinsky, citado por Folque & Siraj-Blatchford, 1996)
demonstrou que as dificuldades em encontrar um serviço levam a aceitar qualquer serviço
assim que tenham oportunidade. O que por vezes se verifica é que pais de estatuto socio-
económico mais elevado têm acesso a serviços de melhor qualidade. Têm menos
constrangimentos económicos e geralmente apresentam uma maior mobilidade e mais
informação ao tomarem uma escolha.
De acordo com Silva (2000, p. 6), o que os pais valorizam mais na educação das
crianças é em primeiro lugar “aprender a viver com os outros e a aquisição de valores”,
seguido do “desenvolvimento de capacidades, a aquisição de conhecimentos e a iniciação
das aprendizagens formais”, sendo ainda referidos como importantes outros aspectos como a
preparação “para a vida futura, desenvolvimento da autonomia e aquisição de hábitos
educativos, e de métodos de trabalho/cumprir obrigações e, manter o equilíbrio emocional”.
Questionados acerca do que esperavam da instituição que o seu filho frequentava, os pais
apontaram em primeiro lugar a preparação para o futuro escolar da criança, seguido da
contribuição para a formação pessoal e social e a possibilidade da criança desenvolver
actividades e experiências diferentes daquelas que desenvolve no contexto familiar. Este
estudo realça ainda a fraca incidência da categoria correspondente a “cooperar com a família
e a comunidade”, na qual estavam incluídos aspectos relacionados com os apoios à família
(prolongamento de horários e refeições) (Silva, 2000).
Num estudo de Cryer, Tietze e Wessels (2002), onde se comparam as percepções dos
pais na Alemanha e nos Estados Unidos da América acerca da qualidade da educação e
cuidados pré-escolares, verifica-se que os pais atribuem grande importância aos aspectos da
qualidade dos contextos educativos pré-escolares, apesar dos pais alemães atribuírem valores
consistentemente inferiores aos programas que os seus filhos frequentam do que os pais
americanos. Em ambos países a importância que mães atribuem às várias características da
qualidade é o melhor preditor para a sua avaliação do contexto. Este estudo indica que a
qualidade das características valorizadas pelos profissionais são também, geralmente,
consideradas importantes pelos pais, em ambos os países. Mães que avaliam as características
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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da qualidade como mais importantes, tendem também a avaliar melhor os contextos


educativos que os seus filhos frequentam, consideram funcionar melhor os aspectos a que dão
maior importância. Isto significa que os pais confiam nas instituições.
Estudos americanos demonstram que, em média, os pais tendem a sobrevalorizar a
qualidade dos cuidados e educação pré-escolares que os seus filhos recebem e parecem ter
grande dificuldade em discriminar a qualidade superior dos programas daqueles com
qualidade inferior (Cryer & Burchinal, citados por Cryer et al., 2002). Barraclough e Smith
(citados por Folque & Siraj-Blatchford, 1996) constataram que os pais que utilizavam
serviços pré-escolares de má qualidade estavam tão satisfeitos quanto os pais que usavam
serviços de boa qualidade e que os últimos eram mais críticos em relação aos serviços do que
os primeiros. Aqui está a diferença entre o que pais percepcionam como sendo a qualidade
dos contextos pré-escolares frequentados pelas suas crianças e a realidade do que as crianças
experimentam. Daí que importa determinar quais os factores aos quais os pais atribuem maior
importância. É possível que os pais em diferentes países diferem nas suas percepções acerca
dos cuidados e educação pré-escolares, baseados no seu contexto cultural e nas condições do
sistema de cuidados pré-escolares (Folque & Siraj-Blatchford, 1996).

São os pais que escolhem os contextos educativos que pretendem que os filhos
frequentem, daí que seja importante conhecer as suas percepções, a forma como estes vêem
esses contextos. É esse o objectivo central deste estudo, avaliar as percepções dos
pais/encarregados de educação relativamente à qualidade dos contextos educativos
pré-escolares frequentados pelos seus educandos.
Para tal, pretendeu-se perceber quais os aspectos da qualidade dos contextos
educacionais pré-escolares aos quais os pais atribuem maior ou menor importância e que
consideram ter um melhor ou pior funcionamento nas instituições frequentadas pelos
educandos, se essa avaliação varia entre instituições e se é influenciada por algumas variáveis
sócio-demográficas.

Metodologia
Amostra
O estudo realizou-se nas salas de quatro jardins de infância da cidade de Évora (duas
Instituições Particulares de Solidariedade Social e 2 estabelecimentos de ensino público),
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
51

com os pais/encarregados de educação das crianças, com idades compreendidas entre os 3 e


os 6 anos, que frequentaram as salas no ano lectivo 2005/2006.
Do total de 236 pais/encarregados de educação a que o estudo se destinava,
responderam 74. Constatou-se uma maior participação nas I.P.S.S., em relação aos
estabelecimentos de ensino público, com 69% dos pais a representarem as primeiras e 31% a
representarem as instituições públicas.
Dos 74 participantes no estudo, 64 são do sexo feminino (mães) e 10 (pais) do sexo
masculino, com idades entre os 22 e os 49 anos, sendo a média de idades de 34 anos. Os seus
educandos que frequentam as salas de jardim de infância onde se realizou o estudo têm
idades entre os 3 e 6 anos, com uma média de 4 anos e meio, sendo 41 do sexo feminino e 33
do sexo masculino.

Instrumentos
A percepção da qualidade dos contextos educativos pré-escolares foi avaliada através
de um questionário, dirigido aos pais/encarregados de educação, adaptado da Escala de
Avaliação do Ambiente em Educação Infantil, versão portuguesa da Early Childhood
Environment Rating Scale (ECERS), da autoria de Thelma Harms e Richard Clifford,
publicada em 1980 nos E.U.A., um dos instrumentos mais utilizados em estudos desta
natureza. O questionário foi construído para discriminar a importância que os pais atribuem
aos aspectos específicos da educação e cuidados para a infância representados na ECERS
(Que importância atribui a este aspecto?), e em que medida eles acreditam que esses
aspectos estão presentes nos contextos educacionais dos seus filhos (Como considera que a
sala do seu educando funciona neste aspecto?). Assim sendo, os pais avaliam duas
dimensões, a importância e o funcionamento dos itens apresentados, organizados nas
seguintes subescalas: Rotinas/Cuidados pessoais; Materiais e mobiliário; Experiências de
linguagem e raciocínio; Actividades de motricidade grossa e fina; Actividades criativas;
Desenvolvimento social; Necessidades dos adultos. Os pais avaliaram assinalando com um
círculo em volta do número que melhor traduz a sua opinião em relação à importância que
atribuem aos aspectos apresentados, através de um sistema de pontuação de 7 valores, onde 1
indica Absolutamente nada importante e 7 Extremamente importante, e outro círculo em
relação ao funcionamento da instituição nesses aspectos, utilizando um sistema de pontuação
de 7 valores, onde 1 indica Péssimo e 7 Excelente.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
52

Procedimento
Após obtidas as necessárias autorizações das instituições onde o estudo se realizou,
distribuíram-se os questionários, em envelopes, permitindo aos participantes manter a
confidencialidade das suas respostas. Todos os questionários estavam acompanhados de uma
apresentação, por escrito, do estudo em causa, convidando-os a participar na mesma. Foi
fundamental a colaboração dos educadores de infância responsáveis pelas várias salas onde o
estudo se realizou na distribuição e recolha dos questionários. Preenchidos e recolhidos os
questionários, procedeu-se à análise dos dados utilizando o SPSS (Statistical Package for
Social Sciences), versão 13.0.
Em primeiro lugar, analisou-se a fidelidade interna do questionário, através do
coeficiente de correlação Alfa de Cronbach, para determinar o grau de consistência deste
instrumento. Numa fase seguinte, fez-se um estudo descritivo dos valores das várias
subescalas, que permitiu perceber quais os aspectos da qualidade dos contextos educacionais
pré-escolares aos quais os encarregados de educação atribuem maior ou menor importância e
que consideram ter um melhor ou pior funcionamento. Para analisar as diferenças existentes
entre as duas dimensões das várias subescalas, Importância e Funcionamento, utilizou-se o
teste T-Student para amostra emparelhadas. Posteriormente, pretendeu-se analisar se as
avaliações variam entre as várias instituições, utilizando-se o teste T-Student para amostras
independentes e se as variáveis sócio-demográficas influenciam as avaliações realizadas
pelos encarregados de educação, através do teste T-Student para amostras independentes
(para dois grupos) e da análise de variância ANOVA (para três ou mais grupos).

Resultados e discussão
Foi calculado o Alfa de Cronbach para determinar a consistência interna do
questionário utilizado na investigação. Este apresenta um valor de 0,975, um valor elevado
que significa que o instrumento utilizado é consistente e válido. Uma vez que este
instrumento avalia duas dimensões distintas importantes para perceber as percepções
parentais sobre a qualidade dos contextos educativos pré-escolares, analisou-se, também, a
fidelidade interna das subescalas da Importância e das subescalas do Funcionamento. O Alfa
de Cronbach para a Importância é de 0,937 e para o Funcionamento é de 0,942, o que mais
uma vez demonstra a consistência e validade deste um instrumento.
A análise descritiva dos valores das várias subescalas permitiu perceber, como se
pode ver no Quadro 1, que os pais atribuem maior Importância a aspectos relacionados com
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
53

experiências de linguagem e raciocínio (M=6,74) e menor a aspectos relacionados com


actividades criativas (M=6,23). Fazendo uma análise mais pormenorizada, constatou-se que
os itens aos quais os pais atribuem maior importância são Ajudar a criança a criança a
compreender a linguagem (M=6,86), Condições de higiene (M=6,82) e Adequação para
crianças com necessidades educativas especiais (M=6,81) e os menos importantes para si são
Espaço para criança estar sozinha (M=5,55), Jogos com areia/água (M=5,76) e Actividades
criativas (M=5,88). De referir que o valor mais atribuído em todas as subescalas é 7, o que
significa que os itens apresentados são extremamente importantes para os pais.

Subescalas N Média Mediana Moda D.P. Mínimo Máximo


Importância
Rotinas/Cuidados 69 6,46 6,71 7 0,54 5 7
pessoais
Importância
74 6,42 6,57 7 0,6 4,43 7
Materiais e mobiliário
Importância
Experiências linguagem e 74 6,74 7 7 0,39 5,6 7
raciocínio
Importância
Actividades motricidade 73 6,49 6,63 7 0,55 5 7
grossa e fina
Importância
73 6,23 6,38 7 0,64 4,13 7
Actividades criativas
Importância
71 6,38 6,57 7 0,6 4 7
Desenvolvimento social
Importância
71 6,45 6,6 7 0,6 4 7
Necessidades dos adultos

Quadro 1 – Análise descritiva das subescalas da Importância

Os aspectos aos quais atribuem maior importância, experiências de linguagem e


raciocínio, são igualmente os que consideram funcionar melhor nas instituições frequentadas
pelos seus educandos (M=6,2), o que pode representar um sinal de satisfação. Consideram
que os aspectos que funcionam pior estão relacionados com as necessidades dos adultos
(M=5,45) (Quadro 2). Os itens que os pais avaliam com melhor funcionamento são
Refeições/Merendas (M=6,51), Linguagem do(a) educador(a) (M=6,36) e Ambiente da sala
(M=6,31), enquanto consideram ter pior funcionamento os itens Jogos com areia/água
(M=4,43), Espaço para a criança estar sozinha e Área de encontro para adultos (M=5,12) e
Formação de educadores (M=5,21).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
54

Subescalas N Média Mediana Moda D.P. Mínimo Máximo


Funcionamento
Rotinas/Cuidados 63 5,99 6 6 0,69 3,86 7
pessoais
Funcionamento
73 5,94 6 6 0,75 3,57 7
Materiais e mobiliário
Funcionamento
Experiências linguagem e 71 6,2 6,4 7 0,74 4 7
raciocínio
Funcionamento
Actividades motricidade 72 5,78 5,88 7 0,91 2,75 7
grossa e fina
Funcionamento
70 5,68 5,69 6,25 0,84 3,63 7
Actividades criativas
Funcionamento
65 5,86 6 6 0,91 2,29 7
Desenvolvimento social
Funcionamento
59 5,5 5,8 6 1,23 1,2 7
Necessidades dos adultos
Quadro 2 – Análise descritiva das subescalas do Funcionamento

Como se pode observar nos quadros anteriores, responderam menos encarregados de


educação às subescalas do Funcionamento dos que às subescalas da Importância, podendo
este facto resultar do não conhecimento destes sobre determinados aspectos do
funcionamento e organização das instituições. O facto de alguns pais não terem respondido
aos itens das subescalas Importância de Rotinas/ Cuidados pessoais e Funcionamento de
Rotinas/Cuidados pessoais, nomeadamente aos itens respeitantes ao Sono/descanso, está
relacionado com o facto de algumas instituições não terem momentos de sesta.
Posto isto, considerou-se importante para este estudo analisar se existem diferenças
significativas entre as duas dimensões das várias subescalas, Importância e Funcionamento, o
que se confirmou (p<0,001 para um nível de confiança de 95%). Em todos os pares de
subescalas, a média da Importância atribuída é superior à média do Funcionamento. Isso
significa que o funcionamento dos aspectos apresentados não corresponde à importância que
assumem para estes agentes educativos.
Esta investigação pretendia, também, analisar as avaliações da Importância e do
Funcionamento realizadas entre os pais das I.P.S.S e os pais das instituições públicas.
Concluiu-se que a Importância atribuída aos vários aspectos apresentados não difere
significativamente entre instituições, mas que se encontram diferenças significativas ao nível
da avaliação que estes fazem do Funcionamento das mesmas, nomeadamente, no que respeita
às actividades criativas (p=0,004) e ao Desenvolvimento social (p=0,029), como se pode ver
no Quadro 3.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
55

I.P.S.S. Instituições públicas Teste t


Subescalas Sig.
N Média D.P. N Média D.P. t
(2-tailed)
Funcionamento
Rotinas/Cuidados 50 6,05 0,68 13 5,76 0,71 1,358 0,180
pessoais
Funcionamento
50 6,05 0,68 23 5,7 0,85 1,924 0,058
Materiais e mobiliário
Funcionamento
Experiências linguagem e 49 6,21 0,73 22 6,18 0,78 0,159 0,874
raciocínio
Funcionamento
Actividades motricidade 50 5,91 0,85 22 5,49 1,02 1,811 0,075
grossa e fina
Funcionamento
50 5,86 0,72 20 5,24 0,95 2,980 0,004
Actividades criativas
Funcionamento
43 6,04 0,81 22 5,52 1,02 2,230 0,029
Desenvolvimento social
Funcionamento
40 5,57 1,32 19 5,35 1,02 0,648 0,520
Necessidades dos adultos

Quadro 3 – Subescalas do Funcionamento e a Variável Tipo de Instituição

De modo geral, as mães atribuem maior Importância aos aspectos apresentados do


que os pais, destacando-se o que se refere às experiências de linguagem e raciocínio
(p=0,025), actividades de motricidade grossa e fina (p=0,048) e desenvolvimento social
(p=0,009) (Quadro 4).

Feminino Masculino Teste t


Subescalas N Média D.P. N Média D.P. t Sig.
(2-tailed)
Importância
Rotinas/Cuidados 59 6,48 0,55 10 6,34 0,48 0,751 0,455
pessoais
Importância
64 6,47 0,58 10 6,13 0,66 1,714 0,091
Materiais e mobiliário
Importância
Experiências linguagem e 64 6,78 0,36 10 6,48 0,46 2,294 0,025
raciocínio
Importância
Actividades motricidade 63 6,54 0,54 10 6,18 0,5 2,012 0,048
grossa e fina
Importância
63 6,28 0,63 10 5,9 0,65 1,771 0,081
Actividades criativas
Importância
61 6,45 0,53 10 5,93 0,82 2,673 0,009
Desenvolvimento social
Importância
62 6,47 0,61 9 6,29 0,53 0,858 0,394
Necessidades dos adultos

Quadro 4 – Subescalas da Importância e a Variável Sexo


No que respeita à avaliação do Funcionamento das subescalas, verificou-se que não
existem diferenças significativas entre o sexo feminino e masculino, no entanto, o sexo
feminino apresenta uma média mais elevada do que o sexo masculino em todas as subescalas.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
56

Importa, no entanto, ter em conta que existe uma grande diferenças entre o número de mães
(64) e de pais (10).
Analisando a influência da idade do educando na avaliação dos encarregados de
educação, não se encontraram diferenças significativas entre os grupos em relação à
Importância, mas sim na avaliação do Funcionamento de questões como as actividades de
motricidade grossa e fina (p=0,049) e actividades criativas (p=0,042). Os encarregados de
educação com crianças com 3 e 4 anos de idade são os que avaliam com melhor
funcionamento, como se pode ver no Quadro 5.

3 anos 4 anos 5 anos 6 anos ANOVA


Subescalas
N Média D.P. N Média D.P. N Média D.P. N Média D.P. F Sig.
Funcionamento
Rotinas/Cuidados 13 5,9 0,7 20 6,04 0,83 21 5,99 0,58 9 6 0,7 0,107 0,956
pessoais
Funcionamento
Materiais e 12 6,12 0,63 22 6,12 0,92 28 5,78 0,67 11 5,81 0,69 1,179 0,324
mobiliário
Funcionamento
Experiências
linguagem e 12 6,27 0,63 21 6,35 0,82 27 6,16 0,67 11 5,96 0,87 0,728 0,539
raciocínio
Funcionamento
Actividades
motricidade 13 5,94 0,83 22 6,16 0,83 26 5,48 0,97 11 5,56 0,83 2,756 0,049
grossa e fina
Funcionamento
Actividades 12 5,93 0,61 21 6 0,73 26 5,47 0,88 11 5,32 0,93 2,879 0,042
criativas
Funcionamento
Desenvolvimento 9 6,05 0,58 20 6,21 0,7 25 5,63 0,99 11 5,58 1,12 2,080 0,112
social
Funcionamento
Necessidades dos 10 5,66 1,4 17 5,81 1,19 22 5,38 0,91 10 5,06 1,69 0,914 0,440
adultos

Quadro 5 – Subescalas do Funcionamento e a Variável Idade do Educando

Conclusão
O presente estudo constituiu um contributo para a compreensão das percepções
parentais relativamente à qualidade dos contextos educativos pré-escolares. Importa referir
que a avaliação que os pais fazem da qualidade é mais subjectiva do que objectiva, sendo
difícil para eles julgarem a qualidade dos cuidados pré-escolares que as suas crianças
experienciam.
Os resultados deste estudo podem fornecer pistas para estudos futuros no mesmo
âmbito, num contexto mais alargado, e para possíveis intervenções nas instituições visadas.
Para tal, é fundamental existir um trabalho ao nível da motivação dos pais e de outros agentes
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
57

educativos para a sua participação. É fundamental que estes percebam a pertinência de


estudos desta natureza na melhoria da qualidade dos contextos educativos pré-escolares e de
como a sua participação é fulcral. Ao participarem, estão a manifestar a sua opinião,
fornecendo pistas para intervenções futuras permitindo melhorar e adequar os serviços de
apoio à infância às necessidades das crianças e suas famílias.
A partir dos resultados deste estudo, há algumas conclusões que se podem fazer e que
poderão constituir-se como indicadores de aspectos a mudar no sentido de promover a
qualidade da educação pré-escolar nas instituições visadas.
Os resultados obtidos demonstram que há aspectos onde é fundamental intervir,
apesar de no global a avaliação dos pais ser relativamente positiva. O facto da média da
Importância atribuída por estes ser superior à média da avaliação que fizeram do
Funcionamento nos vários aspectos pode significar que não estão completamente satisfeitos,
que os serviços prestados não correspondem às suas expectativas, que estes esperam mais das
instituições e que existem aspectos a melhorar, não só para uma maior satisfação dos pais,
mas também para um melhor desenvolvimento das crianças que usufruem desses serviços.
Os aspectos relacionados com experiências de raciocínio e linguagem demonstram ser
um dos factores de maior satisfação por parte dos encarregados de educação, dado que é o
aspecto mais valorizado por si e aquele que apresenta um melhor funcionamento segundo os
pais. Mas existem outros aspectos que não apresentam valores tão positivos e onde seria
pertinente intervir, como, por exemplo, nos aspectos relacionados com as necessidades dos
adultos, nomeadamente ao nível da formação, de espaços, de equipamentos. Uma formação
contínua é fundamental para os técnicos na actualização dos seus conhecimentos e na procura
de novas respostas aos desafios e necessidades que vão surgindo. A questão dos espaços e
dos equipamentos é igualmente fulcral no planeamento e reflexão do trabalho desenvolvido,
na resolução de problemas, na comunicação com as famílias. Uma intervenção a este nível
iria colmatar algumas lacunas, levando à satisfação de técnicos, encarregados de educação,
contribuindo, por sua vez, para o bem-estar das crianças.
Alguns dos itens que os pais consideram ter um pior funcionamento, são também itens
que eles não valorizam muito. Daí que isso não constitua um sinal de insatisfação por parte
dos encarregados de educação. No entanto, são aspectos que importa não esquecer,
nomeadamente ao nível das actividades criativas, muito importantes para o bem-estar e
satisfação das crianças. São aspectos que importa não negligenciar, principalmente nas
instituições públicas que apresentaram valores significativamente mais baixos no que respeita
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
58

à avaliação do seu funcionamento quando comparadas com as I.P.S.S.. O mesmo se passa nas
questões relacionadas com o desenvolvimento social, questões indispensáveis como um
ambiente na sala promotor do desenvolvimento global das crianças, actividades que permitam
à criança fazer escolhas pessoais de acordo com os seus interesses, actividades que dêem a
conhecer uma diversidade de culturas, adequação das práticas para crianças com necessidades
educativas especiais.
De modo geral, a avaliação do funcionamento dos vários aspectos relacionados com a
qualidade do ambiente pré-escolar apresenta-se mais baixa nas instituições públicas do que
nas I.P.S.S.. No entanto, isso pode estar relacionado com uma menor participação das
mesmas no presente estudo.
Constatou-se, também, neste estudo uma maior participação das mães do que dos pais,
como seria de esperar, sendo que nos dias de hoje a tarefa de encarregado de educação é
ainda uma tarefa das mulheres. Os resultados mostraram que não existem diferenças
significativas entre a avaliação do funcionamento que mães e pais fazem, indicando que
ambos conhecem de igual modo o funcionamento das instituições frequentadas pelos
educandos. Essas diferenças encontram-se ao nível da importância atribuída aos vários
aspectos, sendo que as mães valorizam significativamente mais questões relacionadas com as
experiências de linguagem e raciocínio, as actividades de motricidade e o desenvolvimento
social.
Este estudo realça também que os pais das crianças com 3 e 4 anos fazem uma
avaliação mais positiva do funcionamento das instituições do que os pais de crianças com 5 e
6 anos, principalmente no que diz respeito a actividades de motricidade grossa e fina e
criativas. Será importante reflectir sobre esta questão, pois possivelmente os pais das crianças
mais velhas consideram que o funcionamento destas actividades já não se adequa às idades e
necessidades dos seus educandos.
Em estudos futuros seria pertinente alargar as investigações a mais jardins de infância
e a outros agentes educativos, conseguindo uma amostra de maiores dimensões e equilibrada
entre si. Seria pertinente comparar instituições públicas com instituições privadas e de
solidariedade social para saber se existem diferenças entre as percepções de qualidade.
É fundamental que as nossas crianças possam usufruir de serviços educativos de
qualidade o mais precocemente possível, serviços que lhe proporcionem um ambiente
estimulante, seguro, saudável, promotor do seu desenvolvimento global, e estudos como este
constituem uma ajuda nesse sentido.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
59

Referências:
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em contexto de creche na área Metropolitana do Porto. Infância e Educação –
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• Bairrão, J., & Tietze, W. (1995). A educação pré-escolar na União Europeia.
Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
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resultados acerca da Qualidade da Educação Pré-Escolar em Portugal. In Ministério
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Editorial do Ministério da Educação.
• Cryer, D., Tietze, W., & Wessels, H. (2002). Parents’ perceptions of their children’s
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pp. 259-277.
• Folque, M. A. (2000). A Educação de Infância em Portugal vista pelo olhar da
equipa da OCDE. Cadernos de Educação de Infância, 55, pp. 32-36.
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• Silva, P. N. (2000). Os Pais e as Instituições Educativas. Escola Moderna, 10 (5ª
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uma escala de avaliação. Psicologia em Estudo, 10 (1).
• Vasconcelos, T. (2000). Educação de Infância em Portugal: perspectivas de
desenvolvimento num quadro de posmodernidade. Revista Iberoamericana de
Educación, 22.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
60

O Suporte social e o lazer na Fibromialgia

Ana Medeiros (Universidade Fernando Pessoa)


anacruzmedeiros@gmail.com

Ana Gomes (Universidade Fernando Pessoa)

Palavras-chave:
suporte social, lazer, fibromialgia.

Resumo/Abstract:
Objectivo: Averiguar se há diferenças significativas entre mulheres fibromiálgicas
com e sem passatempos, face ao suporte social.
Método: 43 fibromiálgicas responderam à Escala de Satisfação com o Suporte Social
e Questionário Sócio-demográfico e Clínico.
Resultados: Não há diferenças estatisticamente significativas, contudo quem tem
passatempos revela valores médios superiores de percepção de satisfação com o suporte
social.

À semelhança de outros campos do saber, também a Psicologia se tem debruçado


sobre o conceito de Suporte Social numa tentativa de se descentralizar do seu objecto de
estudo e, deste modo, assumir uma perspectiva mais globalizante dos indivíduos nas suas
relações (Oliveira & Paixão, 1996).
Assim e, embora ainda haja alguma dificuldade em se definir e operacionalizar o
conceito de Suporte Social, segundo Nan Lin (1986), citado em Oliveira e Paixão (1996), este
parece possuir duas vertentes as quais, por um lado, reflectem a relação do sujeito com o
contexto social em que se insere, podendo ser representado ao nível comunitário, da rede de
contactos sociais e das relações íntimas e, por outro, implicar “actividades de ordem
instrumental e expressivas, conjugando por esta via uma dimensão objectiva com uma de
carácter subjectivo” (p.84).
A necessidade de apoio social estende-se a inúmeras situações, nomeadamente, em
caso de doença, como acontece com quem vive de perto a realidade da Fibromialgia, tendo
uma influência crucial na saúde física e mental dos indivíduos. Sendo a Fibromialgia uma
doença crónica, implica o afastamento entre a esperança de vida e a qualidade de vida,
afectando tanto os próprios doentes, como aqueles que lhes são próximos, assumindo-se que
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
61

atinja cerca de 2% da população adulta, sendo a maioria constituída pelo sexo feminino
(Direcção-Geral da Saúde [DGS], 2004; Fonseca & Paúl, 2001).
Segundo Leitão (2002), citado em Gonçalves et al. (2005), as primeiras descrições da
doença datam de meados do séc.XIX, com Floriep, tendo surgido, desde então, várias
designações sinónimas da Fibromialgia como, por exemplo, fibrosite, reumatismo
psicogénico, síndrome fibromiálgica, entre outras.
A última versão de diagnóstico da Fibromialgia do American College of
Rheumatology (ACR) surge em 1990 (Gonçalves et al., 2005), podendo a mesma ser definida
como sendo uma doença reumática, de causa desconhecida e de natureza funcional, que
origina dores generalizadas nos tecidos moles, sejam músculos, ligamentos ou tendões, mas
não afecta as articulações ou os ossos (DGS, 2004).
O diagnóstico da Fibromialgia assenta na presença de: dor musculoesquelética
generalizada, ou seja, abaixo e acima da cintura e nas metades esquerda e direita do corpo;
dor com mais de três meses de duração e existência de pontos dolorosos à pressão digital em
áreas simétricas do corpo e com localização bem estabelecida (DGS, 2004).
De acordo com o ACR em 1990, embora seja necessária a presença de, pelo menos,
onze pontos dolorosos, em dezoito possíveis, para classificar esta síndrome, aquele número
pode não ser necessário para estabelecer o diagnóstico (DGS, 2004).
Deve ser feito o diagnóstico diferencial com doença reumática inflamatória, disfunção
tiroideia e patologia muscular (DGS, 2004). Não existem normas de prevenção primária para
a Fibromialgia contudo, são conhecidos os factores de risco associados com estados de dor
crónica generalizada, nomeadamente, sexo feminino; idade entre 40-60 anos; baixo
rendimento económico; baixo nível educacional e divorciados ou separados (DGS, 2004).
Também são conhecidas as características da personalidade pró-dolorosa:
trabalhadores dedicados; indivíduos com actividade excessiva; perfeccionismo compulsivo;
incapacidade para o relaxamento e o desfrute da vida; negação de conflitos emocionais e
interpessoais; incapacidade para lidar com situações hostis; necessidade de carinho e
dependência de tipo infantil (DGS, 2004).
Estão também tipificados os sinais de alerta para o desenvolvimento da Fibromialgia:
história familiar da doença; síndrome dolorosa prévia; preocupação com o prognóstico de
outras doenças coexistentes; traumatismo vertebral, especialmente cervical; incapacidade
para lidar com adversidades; história de depressão/ansiedade; sintomas persistentes de
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
62

“virose”; alterações do sono; disfunção emocional significativa e dor relacionada com a


prática da profissão (DGS, 2004).
Uma boa avaliação da eficácia do tratamento deve incluir aspectos importantes como:
Dor (mediante escalas visuais analógicas, desenhos de dor, etc.); Número de pontos
dolorosos e hipersensibilidade; Capacidade física; Melhoria do bem-estar ou da sensação de
bem-estar sentida pelo doente; Auto-eficácia; Fadiga e sono; Função psicológica (ex. sub-
escalas de depressão e ansiedade); Capacidade de trabalho e Consumo de recursos de saúde e
seus custos (Gill, Quisel & Walters, 2005).
As estratégias informativas dos doentes e da forma de lidar com a doença podem
também contribuir, positivamente, para o bem-estar global do doente e respectivos familiares,
devendo-se considerar a possibilidade de aconselhamento educacional/psicológico (Gill et al.,
2005).
Viver com uma doença crónica, como é exemplo a Fibromialgia, implica,
necessariamente, uma tentativa de reconstrução da própria vida, envolvendo o recurso a
estratégias específicas para lidar com os sintomas, consequências percebidas da doença e o
ajustamento à doença no âmbito das relações sociais (Fonseca & Paúl, 2001).
Neste sentido, os diferentes estilos de ajustamento adoptados pelos doentes crónicos
devem ser compreendidos num contexto social específico, sendo igualmente importantes os
recursos sociais, materiais e educacionais que têm disponíveis, bem como “o contexto
biográfico” no qual a doença ocorre e se desenvolve (Fonseca & Paúl, 2001).
No caso de algumas doenças crónicas específicas, como a Fibromialgia, as limitações
impostas à realização das tarefas diárias fazem com que, muito frequentemente, toda a
família se veja envolvida em diferentes tarefas até então realizadas pelo próprio doente, o que
poderá implicar, por vezes, a interrupção das suas carreiras profissionais ou uma sobrecarga
elevada na vida dos familiares de doentes crónicos, ao tentarem conjugar a prestação de
cuidados com o trabalho fora de casa (Fonseca & Paúl, 2001).
De acordo com Fonseca e Paúl (2001), “é como se o corpo deixasse de corresponder
ao seu Eu e a identidade se visse ameaçada, dado o ser psicológico que mantém a identidade
estar sob a ameaça de ser destruído por um ser biológico, que corresponde a um corpo
doente” (p.103). Percebe-se, por isso, que muitas vezes os próprios doentes se auto-
marginalizem dada a sua nova condição e vivenciem o estigma associado à doença crónica,
pelo que, a desejada reconstrução de uma nova identidade, assim como a busca de um novo
sentido para a vida, se tornem tarefas difíceis e demoradas (Fonseca & Paúl, 2001).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
63

Os indivíduos que sofrem de uma doença crónica, como é o caso dos doentes
fibromiálgicos, vêem a sua auto-estima frequentemente ameaçada, o que se torna mais
evidente quanto mais recente for o seu diagnóstico (Fonseca & Paúl, 2001). Por outro lado,
verifica-se que os sintomas e consequências físicas da doença assumem uma maior
importância, o que parece poder ser explicado pelo carácter de longa duração da doença, o
seu carácter restritivo no que respeita às rotinas diárias, assim como pela predominância da
dor enquanto sintoma (McIntyre, 2004). O sofrimento psicológico encontra-se exacerbado, o
que vai de encontro à literatura que dá ênfase a uma associação entre a depressão e a doença
crónica (McIntyre, 2004). Por outro lado, o carácter prolongado da doença e a incerteza face
ao futuro são passíveis de provocar pessimismo e desânimo.
Na dor crónica, os sintomas são também intersubjectivos e não só subjectivos, sendo
acompanhados por práticas discursivas que lhes conferem um significado social, afectando a
vida familiar, as relações com os outros e com o sistema de cuidados de saúde (Quartilho,
2004). Esta ideia parece apontar no sentido de percepcionarmos os sintomas da Fibromialgia
como uma “expressão de uma perturbação relacional entre o indivíduo e o seu mundo”
(Quartilho, 2004, p.126).
A (s) perda (s) também são, por si só, experiência central do processo de doença, quer
seja do domínio físico ou mental, constituindo-se como stressor importante. O facto da
doença afectar todas as dimensões da vida pessoal, implica que a perda pode intervir em
muitas destas dimensões da vida humana que vão desde aspectos mais individuais, como é o
caso da afectividade e da auto-estima, até aos aspectos mais sociais como as relações
familiares, trabalho ou o lazer (McIntyre, 2004). Não obstante, porém, apesar das limitações
inerentes à Fibromialgia, muitos indivíduos conseguem viver satisfatoriamente, embora cada
pessoa tenda a reagir de modo diverso consoante os seus factores predisposicionais (ex.
traços de personalidade) ou situacionais (ex. suporte e contexto sociais) (Gonçalves et al.,
2005; McIntyre, 2004).
Durante os últimos tempos, ter-se-á feito um esforço de investigação no sentido de
averiguar quais os efeitos benéficos do apoio social na saúde e no bem-estar existindo, desde
então, grandes evidências de que a disponibilidade de apoio social se encontra associada a um
risco reduzido de doença física e mental, e até mesmo de mortalidade (Stroebe & Stroebe,
1995).
Os principais estudos de base para a conceptualização deste tema encontram-se a
cargo de Caplan (1974), Cassel (1974 e 1976) e Cobb (1976), tendo sido eles a criar as bases
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
64

da conceptualização do Suporte Social, a delimitar futuras investigações e a transformar o


conceito num dos objectos preferidos da intervenção social (Ornelas, 1994).
A ideia principal de Cobb foi a de considerar o Suporte Social como amortecedor do
stress, cuja função seria a de facilitador da confrontação e adaptação em situações de crise
(Ornelas, 1994). Por seu lado, Caplan (1974), citado em Ornelas (1994), “realça o papel que
as pessoas podem desempenhar na resolução de uma situação de crise ou em fase de transição
a nível individual” (p.333), cabendo ao mesmo autor o termo Sistema de Suporte, que
abrange o núcleo de amigos e familiares, entre outros.
Já John Cassel (1974), citado em Ornelas (1994), salientou a importância que os
processos psicossociais têm na etiologia das doenças, nomeadamente, o papel desempenhado
pelo suporte social nos desequilíbrios relacionados com as situações de stress.
Mediante a existência de inúmeras definições do conceito de Suporte Social o que, em
parte, contribuiu para a dificuldade de se encontrar um consenso, verifica-se que algumas das
abordagens focalizam tantos os aspectos estruturais das redes sociais, relacionados com o
suporte percepcionado, como fazem a comparação entre as várias fontes de suporte ou, se
debruçam sobre as diferenças entre os diferentes tipos de suporte (Ornelas, 1994).
Actualmente, pode-se dizer que as medidas de suporte mais vezes utilizadas
correspondem, essencialmente, à “dimensão de Redes”, focalizada “na integração social do
indivíduo num grupo” e respectivas “interligações (…) no contexto do grupo”; à “dimensão
de Suporte Recebido” (aquele que os indivíduos recebem ou consideram receber na
realidade) e à “dimensão do Suporte Percepcionado” (aquele que se crê ter disponível quando
necessário) (Ornelas, 1994, p.335).
Sarason et al. (1985) e Horaus e Berah (1996), citados em Ribeiro (1999) verificaram,
respectivamente, que a satisfação com o suporte social disponível é uma dimensão cognitiva
com um papel importante na redução do mal estar, e que a satisfação com o suporte social é
uma das variáveis associadas à satisfação com a vida.
De facto, as relações sociais podem contribuir para a promoção do bem-estar mental e
físico, influenciar a nossa percepção, comportamento e função imunológica, ajudando-nos a
afastarmo-nos de possíveis excessos de hipocondria ou, por outro lado, do perigo da negação
e da negligência do nosso estado de saúde (Martin, 2001).
Muitas vezes, o que se precisa, de facto, é de um sentimento de confiança e, no que
respeita a uma situação de doença, os outros poderão facultar-nos uma segunda opinião
informal, tornando-se num ponto de referência onde podemos testar os nossos sintomas
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
65

(Martin, 2001). O que acontece no caso dos indivíduos socialmente isolados é que, na
impossibilidade de recorrerem a esta verificação da realidade, podem ser levados ao
consultório médico em virtude de uma ansiedade infundada (Martin, 2001).
De facto, compreende-se que uma pessoa doente possa ter dificuldade em
desenvolver, ou mesmo, manter relações pessoais em consequência do seu estado físico, no
entanto e, de acordo com a investigação, o isolamento social será mais uma causa do que uma
consequência da doença (Martin, 2001).
Além do isolamento social contribuir para o aumento de desenvolvimento de doença,
poderá também impedir a recuperação da mesma, o que vai de encontro com o que os
médicos defendem, nomeadamente, que um dos melhores tónicos para um doente são as
relações de apoio e de afectividade (Martin, 2001).
As relações sociais acabam por nos fornecer um “antídoto” que reduz o impacto dos
agentes stressores, sendo que a nossa resposta psicológica face a uma situação de stress é
enfraquecida quando na presença de alguém familiar (Martin, 2001). Não só a presença de
uma companhia é benéfica quando nos encontramos perante uma situação de stresse, como
também aumenta o desejo de companhia, tornando-nos mais afiliativos, de acordo com a
linguagem da psicologia social (Martin, 2001).
Apesar da importância que o suporte social tem para a saúde não há, ainda, um
consenso quanto à maneira de o avaliar, nem a relação existente entre as diversas estratégias e
técnicas utilizadas na sua avaliação é suficientemente clara, o que vai de encontro à
complexidade inerente ao conceito de suporte social (Ribeiro, 1999).
Embora não seja de consenso geral, parece também que determinados tipos de suporte
tendem a ser mais importantes na forma de lidar com situações específicas, tendo Nyamathi
(1987), citado em Santos (2003), considerado que o suporte emocional seria fundamental
para lidar com o impacto do diagnóstico de doença crónica, enquanto o suporte tangível seria
mais benéfico no desenvolvimento da mesma.
Por seu lado e, no seguimento do presente tema, Ridder e Schreurs (1996), citados em
Ribeiro (1999), afirmam que os doentes crónicos expressam satisfação com o suporte social
emocional e prático, enquanto que o suporte social informativo, especialmente quando
proveniente de amigos e familiares, é tido como uma interferência indesejável.
Neste contexto e, a par com os recursos materiais, o apoio social deve ser considerado
o maior recurso de coping extrapessoal (Stroebe & Stroebe, 1995), diminuindo os efeitos
psicológicos adversos dos agentes de stresse ambiental e “protegendo o indivíduo do efeito
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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catastrófico do confronto com o stressor – efeito moderador, ou intercedendo na relação entre


o stresse e os resultados de coping e saúde/qualidade de vida – efeito mediador” (Easterling,
Leventhal, Love, Luchterhand & Ward, 1991; Underwood, 2000, citados por Santos, 2003,
p.89).

MÉTODO
Participantes
No presente estudo participou uma amostra de conveniência constituída por 43
indivíduos do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 26 e os 66 anos (M=48;
DP=9,86), cujo início da Fibromialgia varia entre dois e 50 anos (M=17,63; DP=11,50) e, o
tempo de diagnóstico entre um e 15 anos (M=3,74; DP =3,04).

Material
As participantes responderam a um Questionário Sócio-demográfico e clínico
construído de forma a recolher as informações referentes ao sexo, idade, naturalidade, estado
civil, agregado familiar, habilitações literárias, situação profissional, existência de
passatempos, data de início da Fibromialgia, data de diagnóstico e existência de outros
problemas de saúde associados – variáveis secundárias consideradas no projecto original,
assim como, à Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS).
A ESSS compreende quatro dimensões: Satisfação com Amigos (5-25), Intimidade
(4-20), Satisfação com a Família (3-15) e Actividades Sociais (3-15), sendo constituída por
quinze itens (Ribeiro, 1999). A pontuação total da escala (Satisfação Global), é o resultado da
soma da totalidade das afirmações, podendo ir até um máximo de 75 (mínimo de 15) sendo
que, quanto maior o valor, maior a percepção de Satisfação com o Suporte social (Ribeiro,
1999).

Procedimento
A recolha de dados do presente estudo foi realizada entre os meses de Janeiro e Abril
de 2006, na Associação Portuguesa de Doentes com Fibromialgia (A.P.D.F.), após a
respectiva autorização. Os participantes foram informados dos objectivos do trabalho, tendo
sido explicado que os dados seriam recolhidos através dos instrumentos supra mencionados,
sendo salvaguardada a confidencialidade e anonimato dos dados recolhidos, assim como, que
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
67

seriam livres para participar, não sofrendo qualquer tipo de consequências negativas se não o
fizessem. Após este procedimento, foi pedido o consentimento informado a cada participante.
Os indivíduos responderam aos instrumentos, após lhes ter sido explicado que
deveriam responder de acordo com o que pensavam e sentiam, não existindo respostas certas
ou erradas.

RESULTADOS

Serão considerados neste trabalho, os resultados referentes à (in) existência de


passatempos, embora, na totalidade da amostra, o valor mais elevado corresponda à dimensão
“satisfação com os amigos” (M=14,28; DP=5,76) e o menor à dimensão “actividades sociais”
(M=6,58; DP=11,93), da ESSS, estando os valores médios obtidos apresentados no quadro.

Quadro 1: Comparação entre as sub-escalas relativas às dimensões do suporte social.


M DP Mínimo Máximo
Satisfação 14,28 5,762 5,00 25,00
amigos
Intimidade 10,58 4,113 4,00 20,00
Satisfação 10,23 3,558 3,00 15,00
família
Actividades 6,581 2,519 3,00 14,00
sociais
Escala total 41,70 11,93 17,00 73,00

No que respeita à (in) existência de passatempos propriamente dita e, mediante a


utilização do teste t-student para amostras independentes, verificou-se não existirem
diferenças estatisticamente significativas embora, à excepção da sub-escala “satisfação com
os amigos”, em que são as mulheres sem passatempos que apresentam um valor médio
superior (M=14,30; DP=5,690), aquelas que têm passatempos são quem tem valores médios
superiores nas restantes sub-escalas relativamente à variável principal.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
68
Quadro 2: Comparação entre indivíduos de acordo com a (in) existência de passatempos,
relativamente às dimensões do suporte social.
Passatempos
Sim Não F p
Satisfação M 14,25 14,30
0,001 0,980
amigos DP 6,072 5,690
M 10,81 10,44
Intimidade 0,079 0,780
DP 4,070 4,209
Satisfação M 10,31 10,19
0,13 0,911
família DP 3,535 3,638
Actividades M 6,689 6,519
0,044 0,835
sociais DP 1,990 2,820
M 42,06 41,70
Escala total 0,023 0,879
DP 12,51 11,80

DISCUSSÃO
A análise dos resultados aqui efectuada, fazendo parte de um projecto mais alargado,
mostra que não existem diferenças estatisticamente significativas a assinalar entre a variável
principal (suporte social) e a variável secundária aqui referida, nomeadamente, a (in)
existência de passatempos, embora se tenha verificado que foram as mulheres com
passatempos que obtiveram um valor médio superior de percepção de suporte social.
Segundo Guimarães, Ribeiro e Santos (2003), o lazer pode ser identificado como o
que fazemos no tempo livre, estando relacionado com as “actividades recreativas em que
participamos envolvendo, sobretudo, a necessidade de estar voluntária e significativamente
ocupado” (p.441). Por sua vez, para Sarafino (1997) e Serra (1999), mencionados em
Guimarães et al. (2003), o lazer pode ser visto, ainda, como uma estratégia de coping,
podendo ser utilizado na resolução directa de um problema, no atenuar das emoções sentidas,
ou na busca de apoio social.
Para Serra (1987), em Guimarães et al. (2003), os comportamentos de coping de cada
indivíduo podem centrar-se mais no problema, tendo por função mudar uma relação difícil
entre as pessoas e o respectivo meio envolvente, mediante a acção directa ou, por outro lado,
centrar-se mais nas emoções e “funcionarem no sentido da mudança dos padrões de
compromisso, evitando, por exemplo, pensar numa ameaça, ou mudando o
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
69

significado/interpretação do que está a acontecer reduzindo o stress, apesar do acontecimento


se manter” (p.441).
Segundo Coleman e Iso-Ahola (1993), em Guimarães et al. (2003), a par com as
estratégias gerais de coping, o lazer parece capaz de produzir, por si só, mecanismos de
coping que permitam lidar melhor com os acontecimentos stressantes, como é exemplo a
doença patente nas mulheres envolvidas neste estudo. De facto, Iwasaki e Mannell (2000),
mencionados em Guimarães et al. (2003), referem que as crenças de coping através do lazer
actuam como amortecedor contra o stress, ajudando à manutenção do estado de saúde do
indivíduo, as quais parecem corresponder também, “a disposições psicológicas, mais ou
menos estáveis, que se desenvolvem gradualmente ao longo do tempo e se mantêm através do
processo de socialização” (p.442).
“As estratégias de coping através do lazer correspondem a comportamentos de coping,
disponíveis aquando da realização de actividades de lazer”, as quais se inserem “no contexto
intencional e específico de situações concretas, presumindo-se que o seu uso e eficácia
variem em função das circunstâncias de vida que os indivíduos enfrentem” (Guimarães et al.,
2003, p.442).
De acordo com os mesmos autores, a dimensão das crenças de coping através do
lazer associa-se às subdimensões “autodeterminação, empowerment e amizade no lazer”,
estando a dimensão das estratégias de coping através do lazer associadas às subdimensões
“companheirismo, lazer como estratégia paliativa e influência do lazer no humor”
(Guimarães et al., 2003, p.442).
De referir, apenas, que o empowerment no lazer “implica o desafio ou resistência face
às exigências ou obstáculos da vida que influenciam a manutenção de um sentimento
individual de autovalorização”, sendo aquele visto como algo de direito pessoal logo,
merecido; a dimensão da amizade refere-se “à crença do lazer auxiliar as pessoas a lidar com
o stress através de diferentes formas, dependendo das próprias necessidades individuais
manifestadas na gestão dos diferentes tipos de acontecimento que desencadeiam stress” e, por
último, a dimensão do companheirismo “representa uma estratégia de coping, específica de
uma situação”, correspondendo a “experiências partilhadas de lazer, escolhidas e sentidas
como agradáveis, consideradas como uma forma de apoio social” (Guimarães et al., 2003,
p.442).
Embora, tanto as amizades como o companheirismo sejam formas de apoio social, de
acordo com Coleman e Iso-Ahola (1993) e, Iwasaki e Mannell (2000), em Guimarães et al.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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(2003), as primeiras encontram-se relacionadas com o apoio social percebido – crença, sendo
o segundo uma acção real de apoio social visto que, quando perante situações de stress, uma
pessoa procura, efectivamente, companhia – estratégia.
Os valores mais elevados encontrados nas mulheres com passatempos podem também
estar relacionados com a subdimensão lazer como estratégia paliativa, uma vez que “pode
permitir melhorar a energia e encontrar outras perspectivas para lidar com os desafios da
vida, através da participação em actividades construtivas evitando o aborrecimento”, bem
como, permitir às pessoas “escapar a acontecimentos que provocam stress, ou a experiências
dolorosas ou, ainda, facultando o tempo necessário para a reorganização que possibilite lidar
melhor com as dificuldades” (Guimarães et al., 2003, p.442).
O contributo que o lazer tem também para a melhoria do humor positivo, com a
consequente redução do negativo, pode contribuir, igualmente, para que as mulheres com
actividades de lazer percepcionem o suporte social disponível de um modo mais positivo,
quando comparadas com as que não têm passatempos, o que poderá justificar os valores
encontrados (Guimarães et al., 2003).
Os valores encontrados poderão passar, também, pela compreensão que cada
indivíduo tem, individualmente, sobre o que poderá ser tido como actividade de lazer. Caso
tivessem sido disponibilizadas opções de actividades de lazer no questionário sócio-
demográfico e clínico, talvez os resultados fossem diferentes.
Por outro lado, a desejabilidade social poderá, também, ter contribuído para estes
resultados, não só porque os participantes poderão ter respondido consoante o que achavam
ser o esperado, bem como, pelo facto de muitos terem pedido para preencher os instrumentos
consoante as respostas que iam dando, ou estarem acompanhados, o que poderá ter enviesado
algumas das respostas, embora tivesse sido dito inicialmente que não havia respostas certas
ou erradas.
No entanto e, não obstante as limitações inerentes à presente investigação, verificou-
se que a temática do suporte social ou, a falta dele, era muito chegada aos doentes
fibromiálgicos que, tantas vezes tiveram de passar por preguiçosos e fingidos e, assim,
continuar a encarar o seu dia-a-dia como se não tivessem dores constantes, o que se
manifestou pela elevada disponibilidade de participação, sobretudo, a partir do momento em
que os participantes eram inteirados do objectivo do estudo – a percepção do suporte social.
Neste sentido, cabe ao psicólogo, a par de outros profissionais, trabalhar o grau de
aceitação e adaptação à doença, assim como, averiguar quais as estratégias de coping a que os
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
71

doentes fibromiálgicos recorrem mais frequentemente, como são exemplo as actividades de


lazer (Quartilho, 2004).
REFERÊNCIAS
Direcção Geral da Saúde. (2004). Programa Nacional Contra as Doenças
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Fonseca, A. M. & Paul, C. (2001). Psicossociologia da Saúde. Lisboa: Climepsi
Editores.
Gill, J., Quisel, A., & Walters, D. (2005, Fevereiro). O exercício e os antidepressivos
melhoram a fibromialgia. Postgraduate Medicine, 23, 81 – 96.
Gonçalves, S. et al. (2005, Janeiro/Dezembro). A Dor E O Sofrimento: Algumas
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Lisboa: Bizâncio.
McIntyre, T. M. (2004). Perda e sofrimento na doença: Contributo da psicologia da
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Oliveira, R. A. & Paixão, R. (1996). Escala Instrumental e Expressiva do Suporte
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Stroebe, M. & Stroebe, W. (1995). Psicologia Social e Saúde. Lisboa: Instituto Piaget.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
72

Estilo Cognitivo: Dependência e Independência de Campo e Rendimento Escolar

Bárbara Maia (Universidade Fernando Pessoa)


barbara.maia@kqnet.pt

Ana Costa (Universidade Fernando Pessoa)


acosta@ufp.pt

Palavras-chave:
estilos cognitivos, rendimento escolar, dependência e independência de campo;

Resumo/Abstract:
O estilo cognitivo, dependência e independência de campo (DIC), foi inicialmente
concebido como uma dimensão neutra, que influenciava os sujeitos a serem mais bem
adaptados em determinados contextos. Os estudos têm demonstrado uma superioridade dos
IC no rendimento escolar geral.
O objectivo deste estudo foi o de verificar a existência de uma correlação entre a DIC
e o rendimento escolar. Para tal, o estudo foi realizado com 50 crianças do 4º ano de
escolaridade com uma média de idade de 9 anos.
Dos dados recolhidos verificou-se uma correlação positiva entre o rendimento e a
independência de campo.

Introdução
Foi no ano de 1949 que se inaugurou o movimento New Look num simpósio cujo
título era “Factores pessoais e sociais na percepção”. Foi com este movimento que os estilos
cognitivos começaram a ser investigados e tiveram a sua primeira base intelectual (Witkin &
Goodenough, 1985).
Segundo Squires (1981, citado por Smith, 1990) pode entender-se por estilo cognitivo
uma tendência individual generalizada de cada indivíduo no processamento de informação,
no modo de prestar atenção, compreender e interpretar os estímulos e na forma de
organização conceptual do ambiente.
As diferenças individuais na percepção representam controlos cognitivos que têm
propriedades adaptativas. Assim, os controlos cognitivos são activados em situações não
conflituosas e têm por função permitir a adaptação, pelo que são considerados estratégias
para regular os sistemas de valores. Os controlos cognitivos descrevem estratégias individuais
de selecção, evitamento, comparação e agrupamentos de informação (Costa, 2004).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
73

Na medida em que os indivíduos apresentam formas diferenciadas de experienciarem


a aprendizagem e formas personalizadas de pensamento e compreensão das matérias, torna-se
indispensável a compreensão da aprendizagem do ponto de vista do aluno. Esta compreensão
permitirá posteriormente “desenvolver métodos de ensino que ajudem os estudantes a chegar
a novas compreensões de um dado fenómeno” (Grácio, Chaleta e Rosário, 2005, p. 1677)

Estilo cognitivo
Witkin, nas suas primeiras conceptualizações, em 1948, (citado por Tinajero &
Páramo, 1998), descobriu que os sujeitos tendiam a utilizar apenas uma ou outra solução para
a tarefa pedida, concluindo assim que determinados sujeitos percepcionavam as partes do
campo integrando-as numa configuração em que se inter-relacionavam, impondo alguma
organização nas configurações que se encontravam desorganizadas. A estes indivíduos
chamou independentes de campo (IC). Pelo contrário, o outro grupo de sujeitos apresentava
menos capacidade de reestruturação e de capacidade para decompor a informação perceptual
nas suas componentes, estes seriam assim dependentes de campo (DP).
Estes dois constructos vinculam o modo como os indivíduos reconhecem e estruturam
padrões perceptuais e permitem compreender como é processado e memorizado determinado
padrão de reconhecimento (Pithers, 2002). Usualmente entende-se por DIC uma dimensão
bipolar na qual os indivíduos se distribuem em função dos seus padrões de referência
externos ou internos (Tinajero & Páramo, 1998). Em geral os indivíduos dependentes de
campo são mais sensíveis aos estímulos externos ao passo que os independentes de campo
confiam mais nas referências internas.
A grande distinção a fazer entre estes dois tipos de sujeitos é o modo como
percepcionam o campo. Os independentes de campo percepcionam-no de forma analítica,
conseguindo facilmente captar partes ou segmentos do todo sem que o campo circundante
provoque distracção nesta tarefa. Pelo contrário, o dependente de campo percepciona-o de
forma global, sendo a totalidade do campo o centro da sua atenção e não as partes. Esta
diferença básica entre dependentes e independentes de campo dá origem a características que
diferenciam cada um destes dois grupos (Witkin & Goodenough, 1984). Estes são também
diferenciados pelas estratégias e concepções de aprendizagem que possuem.
Segundo Luk (1998) os indivíduos dependentes de campo têm menos aptidão para o
pensamento abstracto e analítico. Esta característica deve ser encarada como uma menor
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
74

aptidão para determinadas tarefas e maior noutras sem que possam ser considerados
inferiores aos independentes de campo ou com menores capacidades cognitivas.
É também de salientar que segundo os estudos de Witkin (citado por Smith, 1990) os
sujeitos dependentes de campo tendem a ser mais influenciados pelos padrões de referência
sociais e apresentam também aptidões sociais e relacionais mais desenvolvidas do que os
sujeitos independentes de campo. Esta característica prende-se com a dificuldade que estes
indivíduos têm em reestruturar os problemas, separando a informação em partes separadas
para posteriormente as analisarem, tendendo a ver a informação no seu contexto global. Deste
modo, orientam a sua atenção para o ambiente envolvente e para os pormenores deste o que
lhes proporciona melhores desempenhos nas relações sociais. Pelo contrário, os indivíduos
cujo estilo tende para a independência de campo são menos influenciados por figuras de
autoridade, por padrões externos ou pelas relações sociais (Luk, 1998).

Estilo Cognitivo e Rendimento Escolar


Ao nível escolar e académico a dependência e independência de campo tem fortes
implicações educativas, nomeadamente nas áreas que permitem o conhecimento e
compreensão da aprendizagem segundo o ponto de vista do aluno.
Sabe-se que a DIC afecta o modo como os alunos reagem às informações e conteúdos
que lhes são fornecidos. Se estes se encontram de forma organizada, os indivíduos não
diferem na sua aprendizagem mas se, pelo contrário, são apresentados de forma
desorganizada, vários estudos têm vindo demonstrar que os sujeitos dependentes de campo
tendem a ficar mais prejudicados que os independentes de campo, na medida em que estes
últimos tendem a ter mais facilidade em organizar e ordenar material confuso devido à sua
maior capacidade analítica e de separação das partes do todo (Luk, 1998). Os independentes
de campo têm também mais facilidade de apreensão através de generalizações, enquanto que
os sujeitos dependentes de campo tendem a beneficiar quando o ensino de determinado
conteúdo é apoiado por/através de exemplos (Shapiro & Niemiec citados por Luk, 1998).
Estes indivíduos preferem ambientes mais informais e que facilitem a interacção social, na
medida em que têm também uma maior predisposição para a relação inter-pessoal que os
independentes de campo (Cawley, Miller & Milligan, 1976, citados por Huang & Chao,
2000). Deste modo tendem também a orientar as suas escolhas profissionais para actividades
que facilitem a interacção social.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
75

Pelo contrário, os sujeitos independentes de campo exibem maior necessidade de


autonomia e flexibilidade na aprendizagem e uma grande tolerância à ambiguidade.
Assim, diferenças individuais de aprendizagem, na sua dimensão de Dependência ou
Independência de campo, podem afectar o desempenho dos alunos em sala de aula e,
consequentemente, o seu rendimento escolar (Tinajero & Páramo, 1998). Alguns estudos têm
vindo a sugerir que as capacidades de reestruturação dos sujeitos independentes de campo
favorecem a realização académica, nomeadamente nos domínios que requerem perícia
analítica assim como a utilização de estratégias de elaboração e de reestruturação da
informação (Cohen, 1969; Kogan, 1971, citados por Tinajero & Páramo, 1998). Muitos
estudos têm encontrado resultados neste sentido, outros não encontram relações significativas
entre a dependência e independência de campo, mas em nenhum deles se verificou um
melhor desempenho dos sujeitos dependentes de campo (Tinajero &Páramo, 1998). Em
inumeros estudos tem-se verificado uma consistente superioridade no rendimento escolar dos
indivíduos independentes de campo (Chao & Huang, 2000;2003; Kadijevich & Krnjaic,
2004; Kang, Scharmann & Noh, 2004; Luk, 1998; Satterly, 1976; Tinajero & Páramo, 1997;
1998).

Estilo cognitivo e diferenças de sexo


É também de salientar que segundo os estudos de Witkin (citado por Smith, 1990) os
sujeitos dependentes de campo tendem a ser mais influenciados pelos padrões de referência
sociais e apresentam também aptidões sociais e relacionais mais desenvolvidas do que os
sujeitos independentes de campo. Esta característica prende-se com a dificuldade que estes
indivíduos têm em reestruturar os problemas, separando a informação em partes separadas
para posteriormente as analisarem, tendendo a ver a informação no seu contexto global. Deste
modo, orientam a sua atenção para o ambiente envolvente e para os pormenores deste o que
lhes proporciona melhores desempenhos nas relações sociais. Pelo contrário, os indivíduos
cujo estilo tende para a independência de campo são menos influenciados por figuras de
autoridade, por padrões externos ou pelas relações sociais (Luk, 1998).
Witkin e Goodenough (1985) consideraram a existência de uma maior tendência
masculina para a independência de campo. No entanto, outros estudos como o de Postigo,
Pérez, Echeverría e Sanz (1999) vêm contradizer esta ideia, na medida em que não
encontraram diferenças significativas de género.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
76

Segundo o estudo de Wong e Csikszentmihalyi (1992, citados por Markus & Cross,
1993) as mulheres tendem a despender mais tempo que os homens a pensar nas relações
inter-pessoais, dão mais atenção aos aspectos inter-pessoais (Markus & Oyserman, 1989,
citados por Markus & Cross, 1993) e têm maiores competências sociais gerais (Markus &
Cross, 1993). Assim, e relembrando que segundo Witkin os sujeitos dependentes de campo
apresentavam maior aptidão social que os independentes de campo, podemos desenvolver
expectativas de uma maior incidência de mulheres dependentes de campo e de homens
independentes de campo.

Objectivos do estudo
A teoria de Witkin, acerca dos estilos cognitivos: dependência e independência de
campo, foi bastante melhorada e estudada pelo autor e seus colaboradores ao longo dos anos,
assim como por alguns seguidores desta, um pouco por todo o mundo. No entanto, a pesquisa
bibliográfica demonstra um claro declínio na produção científica nesta área a partir do início
da década de 80. Só em finais dos anos 90 surge novamente um notório re-interesse por esta
teoria. Desde então, muitos têm sido os autores que voltaram a pesquisar esta área. No
entanto, em Portugal só muito recentemente a Psicologia se tem debruçado sobre este tema e
portanto dispomos ainda de poucos estudos sobre o estilo cognitivo dependência e
independência de campo na população portuguesa.
Tendo em conta que existem diferenças individuais no estilo cognitivo dos indivíduos
e que estas parecem estar intimamente relacionadas com os estilos de aprendizagem, torna-se
necessário e urgente melhor compreender essas diferenças e a sua influência no contexto
escolar. Assim, elaboramos um estudo que tem por objectivo verificar a existência de uma
relação do estilo cognitivo e do rendimento escolar, na medida em que vários são os estudos
que têm vindo defender a DIC como um factor que influencia o rendimento académico.
Alguns destes autores vão mais longe nos seus estudos considerando que são os IC aqueles
que apresentam melhores resultados escolares.
Ainda, no âmbito da DIC, pretendemos verificar a existência de diferenças de sexo no
estilo cognitivo. Tendo em conta as características de personalidades associadas à DIC e o
facto de em geral as mulheres possuírem maiores competências sociais que os homens (Wong
e Csikszent-mihalyi, 1992, citados por Beall & Sternberg, 1993; Markus & Oyserman, 1989,
citados por Beall & Sternberg, 1993; Beall & Sternberg, 1993), pode então esperar-se uma
maior incidência de DC nas raparigas.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
77

Hipóteses
• Hipótese1: espera-se que os sujeitos IC apresentem melhores resultados escolares que
os DC (Berger & Goldberg, 1979; Cohen, 1969; Eagle, Goldberg & Breitan, 1969;
Goodenough, 1976; Kogan, 1971; citados por Tinajero & Páramo, 1998; (Chao &
Huang, 2000;2003; Kadijevich & Krnjaic, 2004; Kang, Scharmann & Noh, 2004;
Luk, 1998; Satterly, 1976; Tinajero & Páramo, 1997; 1998).
• Hipotese2: Espera-se que os rapazes apresentem uma maior tendência para a IC que
as raparigas (Markus & Cross, 1993; Postigo, Pérez, Echeverría e Sanz, 1999; Witkin
e Goodenough, 1985).

Método

Participantes
A amostra deste estudo é constituída por 50 participantes, 22 do sexo feminino e 28
do sexo masculino. Os sujeitos frequentam o quarto ano do ensino básico de duas escolas do
grande Porto. As idades variam entre os 9 e os 11 anos, sendo a média de idades dos
participantes de 9,4 anos.
Material
Para realizar o presente estudo utilizamos três instrumentos: o Group Embedded
Figure Test (GEFT) para avaliar o estilo cognitivo DIC; o Questionário Sócio-Demográfico,
que foi elaborado no sentido de recolher a informação estritamente necessária para a
classificação dos participantes em função do Género e Nível Socio-económico; e uma Ficha
de Avaliaçao do rendimento escolar.

GEFT
Para a avaliação da DIC utilizamos o GEFT (Group Embedded Figure Test), teste
desenvolvido por Witkin, Oltman, Raskin e Karp (1971) e que se encontra já com uma
fidelidade e validade estabilizada, tendo a fidelidade um coeficiente de 0,82.
Neste teste a tarefa da criança consiste em encontrar uma figura geométrica simples
que se encontra embutida numa série de desenhos cada vez mais complexos. são mostrados
às crianças dois exemplos para a realização da tarefa de modo a assegurar a compreensão por
parte destas do que lhes é pedido. O GEFT é constituído por três secções: a primeira, que
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
78

contém sete itens mais simples e a segunda e terceiras secções, que contêm cada uma nove
itens mais complexos. A pontuação total do teste é dada pelas figuras simples correctamente
assinaladas (traçado em torno dos lados da figura). A pontuação máxima é de 18 pontos. Uma
pontuação alta (acima da média) no teste indica uma maior independência de campo. Para a
sua administração seguiram-se a instruções apresentadas no manual do teste.

Questionário Sócio-Demográfico
Este questionário foi elaborado de modo a recolher as informações necessárias para
situar os participantes relativamente ao sexo e idade.

Ficha de avaliação
Esta ficha foi preenchida pelo professor para que este classificasse de modo global e
qualitativo o aluno. Assim, para cada aluno o professor tinha que preencher a avaliação
como: insatisfaz, satisfaz, bom ou muito bom.

Procedimento
Em ambas as escolas foram entregues aos professores as cartas com uma breve
explicação sobre os objectivos do estudo e onde era solicitada a autorização dos encarregados
de educação para a realização do estudo.
Administramos primeiro o Questionário Sócio-demográfico e em seguida, o GEFT.
Utilizamos um tempo lectivo.
Foi recolhida junto dos professores a avaliação global dos resultados escolares de
cada aluno, através da Ficha de Avaliaçao por estes preenchida.

Resultados

Apresentação e Discussão dos resultados


No que respeita aos resultados encontrados começaremos por analisar os resultados do
GEFT. Neste teste o resultado mínimo encontrado foi 0 e o máximo 18, tendo sido a média
de 7 pontos. Dos 50 sujeitos 68% situam-se abaixo dos nove pontos, pelo que podemos
concluir que a maioria da nossa amostra tende para a dependência de campo. Este dado, se
considerado isoladamente, pode ser encarado de dois pontos de vista: o cultural e o etário. No
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
79

primeiro caso, podemos considerar que as questões culturais e sociais podem influenciar no
sentido da dependência de campo.
Quadro 1 – Pontuações do GEFT

Mínimo Máximo M DP

GEFT 0 18 7, 000 4,19913

Alguns estudos têm demonstrado que determinadas culturas pelo seu modo de
organização social e adopção de determinadas práticas e regras educativas influenciam o
estilo cognitivo, verificando-se por exemplo que os esquimós apresentam maior tendência
para a IC (Costa, 2004). Esta tendência, deve-se sobretudo a questões culturais. Por outro
lado, tendo em conta a faixa etária da nossa amostra e a existência de uma tendência para a
independência de campo ao longo da vida, esta pode ser outra explicação para este facto.
Sabe-se que as crianças prestam atenção quer à informação relevante quer à irrelevante, ao
passo que na adolescência a atenção é mais selectiva havendo uma maior focalização na
informação relevante (Pennings & Span, 1991). Como os nossos participantes são crianças,
podemos considerar que os sujeitos a quem foi administrado o GEFT ainda não distinguem as
partes do todo com tanta facilidade e assim justifica-se a tendência da amostra para a
dependência de campo.
Relativamente ao rendimento escolar, este é qualitativo e foi considerado desde o
Insatisfaz ao Muito Bom. Os sujeitos distribuem-se por todos os factores da variável, sendo o
Satisfaz aquele onde se verificou uma maior frequência com 50% (n=25) dos sujeitos aqui
situados. Nos restantes factores registaram-se 4 sujeitos (8%) com uma avaliação de
Insatisfaz, 17 individuos (34%) cuja avaliação é de Bom e 4 sujeitos (8%) com uma avaliação
de Muito Bom.

muito bom insatisfaz


8% 8%

bom
34%
satisfaz
50%
insatisfaz satisfaz bom muito bom

Gráfico 1: distribuição da amostra relativamente ao Rendimento Escolar


VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
80

Verificou-se uma relação significativa (p=0,043) entre a variável DIC e o rendimento


escolar. Nesta podemos verificar que a média dos resultados do GEFT aumentam com o
rendimento escolar, isto é, a média dos sujeitos com avaliações negativas (Insatisfaz) é menor
que a média dos sujeitos com avaliações de Muito Bom. Assim, verifica-se que as crianças
com melhores rendimentos tendem mais para a independência de campo.

Quadro 2 – Análise de variância entre a pontuação do GEFT (DIC) e o Rendimento escolar

DIC
M DP p
Rendimento

Insatisfaz 0,5 1,842

Satisfaz 6,343 0,737


0,043
Bom 7,681 0,894

Muito Bom 9,667 1,842

P<0,05

Estudos anteriores têm vindo a demonstrar que a independência de campo, devido às


capacidades de reestruturação que lhe estão inerentes, favorece o rendimento académico
(Tinajero & Páramo, 1998). Alguns estudos têm-se focado na avaliação de diferentes áreas de
aprendizagem enquanto outros se focam na avaliação académica geral, tal como no presente
estudo, mas todos eles têm vindo a apontar no sentido de uma superioridade dos sujeitos
independentes de campo (Chao & Huang, 2000;2003; Kadijevich & Krnjaic, 2004; Kang,
Scharmann & Noh, 2004; Luk, 1998; Satterly, 1976; Tinajero & Páramo, 1997; 1998). Estes
têm demonstrado superioridade na aquisição e aplicação de conhecimentos, mesmo nas áreas
das ciências humanas e sociais, normalmente mais ligadas à dependência de campo (Tinajero
& Páramo, 1998). No presente estudo foi encontrada uma relação significativa entre o
rendimento escolar e a independência de campo, no sentido de que quanto maior era a
pontuação do GEFT, melhor era também o rendimento escolar dos sujeitos. Mediante os
resultados aqui encontrados podemos concluir que quanto mais os indivíduos tendem para a
independência de campo melhor é o seu rendimento escolar. Apesar destes dados irem neste
sentido, tal como foi já referido, deve ser tida em conta a não representatividade desta
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
81

amostra. Por outro lado, o facto do estudo ter sido elaborado com crianças do ensino básico
(4º ano) favorece a avaliação assertiva dos professores que, no estudo em questão, estavam
com os mesmos alunos desde o primeiro ano, ou seja, há quatro anos. Também deve ser tido
em conta o tipo de avaliação que, no ensino básico, é essencialmente qualitativa, permitindo
ao professor uma avaliação do rendimento geral do aluno mais equilibrada, não se limitando
à avaliação essencialmente quantitativa e descontínua de anos mais avançados.

Quadro 3– Média, Desvio Padrão e Significância das pontuações no GEFT (DIC) para o Género e NSE
GEFT M DP p

Género Feminino 5,876 1,035


0,728
Masculino 6,517 1,039

P<0,05

Não se encontraram diferenças significativas da DIC quanto ao sexo. Witkin e


Goodenough (1985) consideraram a existência de uma maior tendência masculina para a
independência de campo, no entanto a média encontrada neste estudo para as raparigas no
GEFT é de 5,9 e nos rapazes de 6,5. Apesar da média ser ligeiramente mais alta nos rapazes
essa diferença não é significativa. Tendo em linha de conta que esta amostra não poder ser
tida como representativa da população portuguesa, o facto é que além dos trabalhos de
Witkin e Gooodenough (1985), poucos foram os estudos em que se encontraram diferenças
significativas quanto ao género. Houve até autores que vieram contradizer Witkin e
Goodenough considerando que as diferenças de género nem sempre eram estáveis (Postigo,
Pérez, Echeverría & Sanz, 1999). Assim, esta é ainda uma questão em aberto.

Conclusão
Segundo estudos já citados os sujeitos independentes de campo apresentam
capacidades de reestruturação que favorecem a realização académica, nomeadamente nos
domínios que requerem perícia analítica assim como a utilização de estratégias de elaboração
e de reestruturação da informação (Cohen, 1969; Kogan, 1971, citados por Tinajero &
Páramo, 1998). As observações iniciais indicaram a existência de diferenças individuais em
função do estilo (Berger & Goldberg, 1979; Eagle, Goldberg & Breitan, 1969; Goodenough,
1976, citados por Tinajero & Páramo, 1998) vindo, assim, suscitar estudos neste sentido. Os
mais recentes têm verificado uma consistente superioridade no rendimento escolar dos
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
82

indivíduos independentes de campo (Chao & Huang, 2000;2003; Kadijevich & Krnjaic,
2004; Kang, Scharmann & Noh, 2004; Luk, 1998; Satterly, 1976; Tinajero & Páramo, 1997;
1998). Propusemo-nos a verificar esta superioridade e efectivamente podemos comprová-la,
na medida em que os resultados encontrados comprovam a existência de uma relação
significativa entre a IC e o rendimento escolar.
Alguns autores têm vindo defender a existência de diferenças no que respeita ao sexo.
Witkin e Goodenough (1985) consideraram a existência de uma maior tendência masculina
para a independência de campo e das mulheres para a dependência de campo. Então
poderíamos esperar uma maior incidência de IC nos rapazes, o que se verificou, mas não de
modo significativo.

Tem vindo a ser discutido o facto de os alunos independentes de campo terem


demonstrado superioridade no rendimento escolar, mesmo nas áreas geralmente mais
voltadas para a dependência de campo. Este aspecto vem realçar, no nosso entender, a
importância de a Psicologia Educacional dever focar a atenção nesta matéria e a necessidade
da elaboração de trabalhos sobre este assunto.
Um outro factor que merece a nossa atenção, que são os trabalhos elaborados no
sentido de melhor compreender a influência do estilo do professor no rendimento dos alunos.
Se por um lado é hoje facilmente caracterizável o estilo cognitivo e de aprendizagem, nas
suas características e estratégias de aprendizagem que lhes estão inerentes, há ainda algumas
questões relacionadas com este tema que merecem mais aprofundamento e deveriam ser
objecto de estudos futuros.
Alguns trabalhos têm vindo demonstrar a influência do estilo do professor no seu
modo de ensino. Por outro lado, estes mesmos estudos têm revelado que o estilo do professor
influencia o rendimento final dos alunos, geralmente com prejuízo daqueles com estilos de
dependência de campo. Assim, seria pertinente elaborar estudos neste sentido, pois
permitiriam um maior esclarecimento dos educadores e, consequentemente, uma maior
atenção para este aspecto do ensino, prevenindo a possibilidade de os alunos dependentes de
campo estarem a ser prejudicados.
Assim consideramos que a Psicologia, nomeadamente na área Educacional deveria
voltar-se para esta questão, no sentido de melhorar o rendimento escolar dos alunos. Se os
dependentes de campo são aqueles que mais dificuldades têm em obter rendimentos escolares
equiparados aos independentes de campo, então os professores deveriam ser alertados para
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
83

este facto e ser-lhes fornecida (in)formação acerca dos estilos cognitivos no sentido de
melhorar o ensino e a exposição da matéria escolar de modo a que os alunos dependentes de
campo não sejam prejudicados.
Se vários são os estudos que comprovam uma superioridade dos independentes de
campo nos resultados escolares e se este estudo aponta também nesse sentido é, sem duvida
necessário alertar os professores para esta questão, principalmente se for tido em linha de
conta que este facto se pode dever ao modo como a matéria é exposta. Segundo Smith (1990)
os sujeitos dependentes de campo beneficiam mais de exposições bem estruturadas através de
métodos de discussão e interacção preferem a participação e são favorecidos se o ambiente de
aprendizagem for pessoal. Por outro lado, devido às diferenças de percepção e às capacidades
analíticas, os independentes de campo têm maior facilidade em explorar o material e
reorganizá-lo (Chaleta, Grácio & Rosário, 2005). Deste modo parece-nos justificada a
necessidade de um trabalho conjunto entre a Psicologia e os professores e educadores, no
sentido de melhorar a estruturação do ensino da matéria de modo a diminuir as diferenças no
rendimento escolar entre dependentes e independentes de campo.

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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Stress e controlo glicémico: Comparação entre homens e mulheres com diabetes


mellitus

Vera Costa (Universidade Fernando Pessoa)


vera.asc@gmail.com

Isabel Silva (Universidade Fernando Pessoa)

Palavras-chave:
stress, diabetes, controlo glicémico.

Resumo/Abstract:

Objectivos: Verificar se há diferenças significativas entre homens e mulheres com


diabetes, quanto ao stress e ao controlo glicémico, e verificar se existe uma relação
significativa entre estas variáveis.
Método: 60 diabéticos, 43,3% com diabetes tipo 1, 55% do sexo feminino
responderam ao questionário sócio-demográfico e ao Life Experiences Survey.
Resultados: Verificou-se que as mulheres apresentam pior controlo glicémico e níveis
superiores de stress negativo e total, bem como a existência de uma correlação significativa
entre o stress e o controlo glicémico nas mulheres, mas não nos homens.

A Diabetes Mellitus constitui uma das doenças crónicas mais graves e incapacitantes
a nível mundial. Estima-se que em todo o mundo existam cerca de 171 milhões de pessoas
com esta doença, sendo de esperar que em 2030 este número atinja os 366 milhões. Espera-se
que o aumento ocorra principalmente nos países desenvolvidos, devido, sobretudo, à má
alimentação, obesidade e estilos de vida sedentários (Wild, Roglic, Green, Sicree, & King,
2004). De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde de 2000, estima-se que, em
Portugal, existam cerca de 662 mil diabéticos, de ambos os sexos, sendo de esperar que em
2030 este número aumente para 882 mil.
A diabetes resulta de uma deficiência genética ou adquirida na produção de insulina,
ou pela ineficácia desta, tendo como consequência o aumento da glicemia (OMS, 2000). A
Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD, 2002) define a diabetes como: “uma desordem
metabólica de etiologia múltipla, caracterizada por uma hiperglicemia crónica com distúrbios
no metabolismo dos hidratos de carbono, lípidos e proteínas, resultantes de deficiências na
secreção ou acção da insulina, ou de ambas” (p.4).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
87

É a hiperglicemia crónica, na sua forma aguda, que conduz ao aparecimento dos


sintomas típicos da diabetes: poliúria, polidipsia, polifagia (fome constante e difícil de
saciar), xerostomia (sensação de boca seca), fadiga, perda de peso e prurido no corpo,
sobretudo ao nível dos órgãos genitais (IDF, 2005).
Sendo a hiperglicemia crónica a principal responsável pelas complicações tardias da
diabetes, o objectivo do tratamento desta doença é manter os níveis de glicemia no sangue o
mais possível dentro do intervalo normal, de forma a prevenir igualmente as complicações
associadas a esta patologia (Duarte, 2002). É, no entanto, importante referir que não existe
um plano terapêutico único definido para indivíduos com esta patologia. Os regimes
terapêuticos variam consoante a pessoa e o tipo de diabetes, sendo necessário adaptar a
terapia de acordo com o dia-a-dia de cada indivíduo (Cox, Gonder-Frederick, & Saunders,
1991).
O controlo glicémico pode ser determinado pela medição da hemoglobina glicosilada
(HbA1c), uma vez que esta permite obter um valor médio do nível de glicemia dos dois a três
meses antecedentes (Duarte, 2002).
Apesar da adesão terapêutica ter um papel importante no controlo da patologia, outros
factores parecem estar associados a esse mesmo controlo. O stress aparece como factor
importante no controlo da diabetes (Aikens, Wallander, Bell, & Cole, 1992; Goldstone,
Kovacs, Obrosky, & Iyengar, 1995; Lloyd, Dyer, Lancashire, Harris, Daniels, & Barnett,
1999).
Bennett (2002, p. 273) define stress como um “processo que envolve a avaliação de
um acontecimento externo, as emoções associadas e as estratégias utilizadas para moderar a
perturbação experienciada”.
A influência do stress no controlo glicémico pode ocorrer de duas formas.
Directamente, através dos seus efeitos no sistema endócrino, e indirectamente através de uma
alteração comportamental, como a adesão ao tratamento, consumo tabágico ou hábitos
alcoólicos. (Aikens, et al., 1992; Bradley, Riazi, Barendse, Pierce, & Hendrieckx, 1998;
Goldstone, et al., 1995; Lloyd, et al., 1999).
A influência directa do stress sobre o controlo glicémico ocorre através das hormonas
libertadas durante o seu processo (Aikens, et al., 1992). A actividade do sistema nervoso
simpático durante o processo de stress conduz à secreção de epinefrina e cortisol, hormonas
que actuam directamente sobre os níveis de glicose no sangue. Os níveis de glicose no sangue
podem ser aumentados pela epinefrina através de três mecanismos: (1) redução dos efeitos
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
88

periféricos da insulina, (2) estimulação da libertação de glicose do fígado, e (3) diminuição da


libertação de insulina no pâncreas, em diabéticos tipo 2 (e em não diabéticos) (Czyzewski,
1988). O cortisol apresenta, tal como a epinefrina, uma acção anti-insulínica, contribuindo,
assim, para o aumento dos níveis de glicose no sangue (Aikens, et al., 1992).
Estudos realizados em laboratório debruçaram-se sobre a investigação dos
mecanismos fisiológicos que medeiam a relação entre o stress agudo e o controlo dos valores
de glicemia no sangue, e verificaram que a redução do fluxo sanguíneo nos locais de injecção
de insulina (Hildebrandt, Mehlsen, Sestoft, & Nielson, 1985, cit. in Bradley, et al., 1998) e a
resistência insulínica em diabéticos tipo 1 (Moberg, Kollind, Lins, & Adamson, 1994, cit. in
Bradley, et al., 1998), podem provocar o aumento dos níveis de glicemia no sangue.
Os efeitos do stress estudado em laboratório nas mudanças do fluxo sanguíneo nos
locais de administração de insulina têm sido estudados em diabéticos tipo 1. Greenhalgh,
Jones, Jackson, Smith e Yudkin (1992, cit. in Bradley, et al., 1998) mostraram que os níveis
de glicemia no sangue aumentaram em alguns indivíduos e diminuíram noutros, sendo estas
diferenças explicadas pela mudança do fluxo sanguíneo nos locais de injecção de insulina.
Estes autores sugeriram que a vasodilatação na zona subcutânea do local de injecção pode
induzir, em alguns casos, um efeito paradoxal de hipoglicemia durante um processo de stress,
através do aumento da taxa de absorção de insulina. Este fenómeno é contrabalançado, para
um grau mais ou menos elevado, pelas hormonas contra-reguladoras (por exemplo, a
epinefrina e o cortisol). Noutros casos, a absorção de insulina pode decair, conduzindo à
hiperglicemia. A inconsistência destes resultados aponta para a importância de se
considerarem as diferenças inter-individuais da amostra (Aikens, et al., 1992).
Por outro lado, os estudos que têm por base os acontecimentos de vida stressantes,
associados a medidas de longo-prazo de controlo glicémico (HbA1c), apresentam resultados
mais consistentes (Goldston, et al., 1995).
De acordo com a American Diabetes Association (ADA, 2003), os valores de HbA1c
podem ser agrupados em três intervalos de acordo com os objectivos para o controlo da
diabetes. Estes valores podem ser observados no quadro 1.

Quadro 1: Controlo glicémico de acordo com o valor de HbA1c.


Controlo óptimos Controlo aceitável Controlo mau
≤ 6% 6,1% - 8% > 8%
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
89

Aikens, et al. (1992) realizaram um estudo que teve como objectivo clarificar a
relação entre o stress e o controlo metabólico na diabetes tipo 1. Para tal estudaram 62
diabéticos adultos, procedendo a medições do stress diário e da adesão ao tratamento em seis
ocasiões, num intervalo de dois meses, após os quais avaliaram a HbA1c.. Os autores
verificaram uma associação directa do stress com o controlo metabólico, sem a mediação da
adesão ao tratamento.
Num estudo de Lloyd, et al. (1999), foi investigada a relação entre acontecimentos de
vida stressantes e alterações a nível do controlo glicémico em adultos diabéticos. Estes
autores administraram a Life Events and Difficulties Schedule of Brown a 55 adultos com
diabetes tipo 1, e recolheram medições de HbA1c de cada indivíduo, em dois momentos
distintos. Os indivíduos nos quais o controlo metabólico se deteriorou ou manteve mau ao
longo do tempo relataram mais acontecimentos de vida stressantes nos três meses anteriores à
sua mais recente avaliação. Com este estudo, concluíram que os acontecimentos stressores
recentes estão associados a um pobre controlo glicémico, da mesma forma que
acontecimentos positivos estão associados com um melhor controlo glicémico.
Surwit e Williams (1996) verificaram que estudos sobre diabetes tipo 2 em animais,
demonstram o aumento da glicemia devido ao stress, desempenhando o sistema nervoso
autónomo um papel importante na patofisiologia da doença.
No entanto, a revisão da literatura também apresenta estudos que sugerem não existir
uma correlação significativa entre stress e mau controlo metabólico.
Brand, Johnson e Johnson (1986) verificaram que não existe uma correlação
significativa entre acontecimentos de vida e os valores de HbA1c, apesar de existir uma
relação significativa entre os acontecimentos de vida e as cetonas.
Smith, Mauseth, Palmer, Pecoraro e Wenet (1991), num estudo com adolescentes
diabéticos tipo 1, não encontraram uma correlação significativa entre acontecimentos de vida
e HbA1c, verificando que, nem as mudanças positivas, nem o total das mudanças estão
relacionadas com o controlo metabólico medido através da HbA1c.
O stress constitui, igualmente, um factor negativo de peso no que diz respeito à
adesão a estilos de vida saudáveis ou a regimes terapêuticos. Clinicamente, os doentes
relatam que, quando se encontram sob stress, tendem a ignorar o regime alimentar, a
negligenciar a auto-monitorização dos níveis de glicemia capilar e, em alguns casos, a falhar
a administração de insulina na frequência e nos horários determinados (Brannon, & Feist,
1997; Czyzewski, 1988).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
90

A auto-monitorização requer que o indivíduo esteja motivado para receber o feedback


do estado do seu controlo glicémico, de modo a poder agir de forma a normalizar os níveis,
se necessário. No entanto, um indivíduo sob stress pode não ter a motivação necessária para
realizar os procedimentos recomendados para manter o controlo, podendo ver o teste como
uma perda de tempo, ou se têm que alterar aspectos do tratamento, o que pode implicar
trabalho, preocupação ou sentimentos de culpa (Czyzewski, 1988).
Schafer, Glasgow e McCaul (1982, cit. in Czyzewski, 1988) realizaram um plano de
intervenção para aumentarem a adesão ao tratamento em três adolescentes com diabetes,
utilizando para isso diversas técnicas comportamentais. A intervenção foi realizada com
sucesso em dois dos jovens, mas os autores explicaram que o terceiro adolescente não aderiu
completamente à intervenção devido a stressores psicossociais (problemas familiares).
Goldston, et al. (1995), num estudo com jovens diabéticos tipo 1, verificaram que o
stress aumenta a probabilidade de uma não adesão ao tratamento médico. Estes autores
constataram que o impacto dos acontecimentos de vida no controlo metabólico pode ser, em
parte, mediado por uma não adesão considerável ao regime terapêutico, e que os indivíduos
que experimentam um maior grau de stress têm maior probabilidade de uma não adesão
grave, conduzindo, assim, a um mau controlo metabólico.
No entanto, de acordo com Cox e Gonder-Frederick (1992), a relação entre o stress e
a diabetes não é assim tão linear. Esta relação pode ser bidireccional, uma vez que tanto o
stress pode influenciar o controlo glicémico, como o controlo glicémico pode induzir um
estado de stress. Existem menos estudos realizados nesta última área mas, por exemplo, um
episódio de hipoglicemia pode induzir consequências negativas como mau humor, medo, e
acidentes (Cox, & Gonder-Frederick, 1992).
Bradley (1994) sugere que as técnicas de gestão do stress podem melhorar o bem-
estar psicológico dos indivíduos, melhorar o controlo da glicemia e diminuir o risco de
complicações a longo prazo, reduzir as necessidades de insulina, e diminuir a frequência de
atendimentos clínicos.
O presente estudo tem como objectivo verificar se existem diferenças significativas
entre homens e mulheres com diabetes mellitus relativamente ao stress e ao controlo
glicémico, e verificar se existe uma relação significativa entre estas duas últimas variáveis.

MÉTODO
Participantes
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
91

No presente estudo, foram avaliados 60 indivíduos com diabetes tipo 1 e tipo 2, dos
quais 43,3% têm diagnóstico de diabetes tipo 1 e 55% são do sexo feminino, com idades
compreendidas entre os 19 e os 88 anos (M=48; DP=20,81); 53,3% dos indivíduos têm
complicações associadas com a diabetes, dos quais 28,3% são do sexo feminino.

Material
Os participantes responderam a um questionário sócio-demográfico e clínico, e ao
Life Experiences Survey (LES).
O questionário sócio-demográfico e clínico foi construído de forma a recolher as
informações referentes ao sexo, idade, estado civil, tipo de diabetes, tempo de diagnóstico,
complicações associadas, tipo de tratamento e último valor de HbA1c, para caracterização
dos indivíduos da amostra.
O Life Experiences Survey foi desenvolvido em 1978 por Sarason, Johnson e Siegel,
com o objectivo de avaliar o stress total divulgado pelo indivíduo ao longo do último ano,
fazendo a distinção entre stress positivo e stress negativo, e a intensidade do seu impacto.
A adaptação esta escala para a população diabética portuguesa foi realizada por Silva,
Pais-Ribeiro, Cardoso e Ramos, em 2003. Trata-se de um questionário de auto-resposta
constituído por 47 itens de resposta ordinal tipo Lickert, de sete posições (varia entre muito
negativo [-3], mais ou menos negativo [-2], um pouco negativo [-1], não teve consequências
nenhumas [0], um pouco positivo [1], mais ou menos positivo [2], muito positivo [3] e não se
aplica), e por três espaços em branco onde o respondente pode adicionar acontecimentos que
não estejam referidos nos itens anteriores. Tal como no formato original, o valor de mudança
positiva calcula-se através do somatório dos valores dos acontecimentos cotados como
positivos pelo indivíduo, tal como o valor de mudança negativo é calculado pelo somatório
dos valores dos acontecimentos considerados negativos pelo mesmo. O valor total de stress é
conseguido pelo somatório dos valores de mudança positiva e negativa. O seu formato
permite aos indivíduos avaliar discriminadamente se os acontecimentos são desejáveis ou
indesejáveis, e a intensidade do seu impacto, no último ano. À semelhança da escala original,
não existe um ponto de corte que permita classificar os resultados finais.
Relativamente às propriedades psicométricas do instrumento, a análise de consistência
interna da escala revelou um alfa de Cronbach de 0,70, o que pode ser considerado aceitável.
A análise do teste-reteste possibilitou observar que a correlação entre os resultados do
primeiro e do segundo momentos de avaliação é elevada. Os resultados demonstram, assim,
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
92

que esta escala é válida, uma vez que apresenta uma boa correlação entre os resultados do
teste-reteste e um alfa de Cronbach razoável (Silva, et al., 2003).
Os resultados do estudo da versão portuguesa do LES demonstram a sua importância
para a investigação, uma vez que apresenta uma fidelidade razoável, e as suas duas
subescalas relacionam-se significativamente com medidas dependentes do stress,
nomeadamente com a ansiedade e a depressão (Silva, et al., 2003).

Procedimento
Os participantes foram informados dos objectivos do trabalho, explicou-se que os
dados seriam recolhidos através dos instrumentos supra mencionados, de que seria mantida a
confidencialidade e anonimato dos dados recolhidos, e que seriam livres para participar, não
sofrendo qualquer tipo de consequências negativas se não o fizessem. Após este
procedimento, foi pedido o consentimento informado a cada participante.
Os indivíduos preencheram os instrumentos, após lhes ter sido explicado que deveria
responder de acordo com o que pensava e sentia, e que não existiam respostas certas ou
erradas.

RESULTADOS
Os dados recolhidos foram tratados estatisticamente através do programa informático
Statistical Package for Social Sciences (SPSS).
Verifica-se que, relativamente ao valor de HbA1c, as mulheres apresentam um valor
médio (M=8,3; DP=0,54) superior ao dos homens (M=7,8; DP=0,52), sendo esta diferença
estatisticamente significativa, t(nº gl)=3,92; p<0,0001. Este resultado sugere que os homens
têm um melhor controlo glicémico do que as mulheres, tal como se pode verificar no quadro
2.
Quadro 2: Comparação entre mulheres e homens relativamente à HbA1c.

Sexo
Feminino Masculino
M DP M DP t p
HbA1c (%) 8,3 0,54 7,8 0,52 3,92 * 0,0001

Relativamente à variável stress, os resultados sugerem que as mulheres relatam mais


stress negativo (M=7,27; DP=4,66) do que os homens (M=4,85; DP=4,42), e que essa
diferença é estatisticamente significativa (t(nº gl)=2,15; p<0,05). Verifica-se, igualmente,
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
93

uma diferença significativa, t(nº gl)=2,10; p<0,05) relativamente ao stress total, sendo este
igualmente mais elevado nas mulheres (M=11,78; DP=5,97) do que nos homens (M=8,82;
DP=4,93). Ao nível do stress positivo, não foram encontradas diferenças estatisticamente
significativas entre homens e mulheres. Estes resultados podem ser observados no quadro 3.

Quadro 3: Comparação entre mulheres e homens, relativamente às variáveis stress positivo, stress

negativo e stress total.

Sexo
Feminino Masculino
M DP M DP t p
Stress positivo 4,41 3,24 3,97 3,23 0,52 0,60
Stress negativo 7,27 4,66 4,85 4,42 2,15 * <0,05
Stress total 11,78 5,97 8,82 4,93 2,10 * <0,05

De forma a verificar se existe uma correlação significativa entre as variáveis de stress


e o valor de HbA1c, tanto para os homens como para as mulheres, procedeu-se à análise
correlacional destas variáveis.
Desta forma, os resultados demonstram que, nas mulheres, tanto o stress total como o
stress negativo se encontram significativamente correlacionados com a HbA1c, verificando-
se uma correlação positiva, ou seja, quanto mais elevados os valores de stress, mais elevado o
valor de HbA1c e, consequentemente, pior o controlo glicémico. Por seu lado, o stress
positivo encontra-se negativamente correlacionado, de forma estatisticamente significativa,
com a HbA1c. Estes resultados podem ser observados no quadro 4.

Quadro 4: Correlação entre as variáveis de stress e o valor de HbA1c para as mulheres.

HbA1c

r Pearson P

Stress total 0,41 <0,05

Stress positivo -0,37 <0,05

Stress negativo 0,73 <0,0001


VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
94

Relativamente aos homens, os resultados demonstram que não existe uma correlação
significativa entre as variáveis analisadas, tal como se pode observar no quadro 5.

Quadro 5: Correlação entre as variáveis de stress e o valor de HbA1c para os homens.

HbA1c

r Pearson p

Stress total 0,28 0,15

Stress positivo 0,10 0,62

Stress negativo 0,29 0,14

DISCUSSÃO
De uma forma geral, o valor médio de HbA1c demonstra a existência de um pobre
controlo glicémico, uma vez que o objectivo seria a manutenção do valor de HbA1c abaixo
dos 7% (American Diabetes Association, 2006).
Os resultados sugerem, ainda, que as mulheres apresentam um pior controlo
glicémico comparativamente aos homens. Este facto vai de encontro aos estudos previamente
realizados nesta área, acedidos na revisão bibliográfica.
Lloyd, et al., em 1999, verificaram que, numa amostra de diabéticos tipo 1, as
mulheres demonstravam um pior controlo glicémico ao longo do tempo do que os homens.
Sultan e Heurtier-Hartemann (2001) observaram igualmente, num estudo em que
relacionaram o stress com o controlo glicémico em diabéticos, que as mulheres apresentavam
um controlo glicémico mais pobre do que os homens.
Tal poderá estar relacionado com o facto das mulheres apresentarem, de uma forma
significativa, níveis de stress negativo e total mais elevados que os homens. Por conseguinte,
os níveis de stress mais elevados nas mulheres podem-se relacionar com a presença de
complicações crónicas, mais frequentes no sexo feminino. Alguns estudos mostram que os
indivíduos com complicações crónicas associadas com a diabetes, apresentam níveis de stress
mais elevados que os indivíduos sem complicações (Herschbach, Duran, Waadt, Zettler,
Amm, & Marten-Mittag, et al., 1997).
Curiosamente, o valor mais baixo de HbA1c encontrado (6,9%) é proveniente de um
indivíduo do sexo feminino que se encontrava grávida. Bradley, et al., em 1998, referem que
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
95

a gravidez ou a preparação para a gravidez, são momentos na vida da mulher que constituem
um maior desafio para o controlo da glicemia. Nestas fases, a gestão dos valores de glicemia
o mais próximo dos valores normais possível é enfatizado, de forma a diminuir os riscos de
complicações para o bebé e para a própria mãe. Esta poderá constituir uma explicação
possível para este facto.
O facto dos resultados sugerirem que as mulheres apresentam um pior controlo
glicémico e níveis mais elevados de stress total e de stress negativo, bem como uma
correlação significativa entre estas variáveis, alerta os profissionais de saúde para a
necessidade de atenção especial junto desta população. De igual forma, é de salientar o facto
de existir uma correlação negativa significativa entre o stress positivo e a HbA1c. Este dado
enfatiza a importância que, cada vez mais, as variáveis “positivas” podem ter na saúde e no
bem estar, não só dos diabéticos, mas da população em geral.
No entanto, a revisão bibliográfica sugere que, de uma forma geral, o stress pode ser
um factor predisponente para um mau controlo glicémico, quer directa, quer indirectamente.
Assim sendo, torna-se necessário, cada vez mais, a inclusão de técnicas de gestão do stress no
tratamento da diabetes.
Contudo, as opiniões dividem-se no que concerne aos benefícios destas técnicas no
tratamento da diabetes. Para alguns autores, existe uma clara evidência que estas técnicas
podem constituir um benefício na gestão da doença para alguns indivíduos, enquanto que
para outros não produz qualquer efeito, podendo mesmo para alguns ser prejudicial (Bradley,
1994). Esta incoerência de resultados pode estar na origem da razão pela qual as técnicas de
gestão do stress não são frequentemente utilizadas no tratamento da diabetes (Bradley, 1994).
Czyzewski, em 1988, sugere que as técnicas mais utilizadas em situações de pobre
controlo metabólico, nas quais aparenta existir a influência do stress, são o relaxamento, o
biofeedback, a modelagem, a resolução de problemas, o apoio dos pares e o treino de
competências sociais.
O relaxamento aparenta ser a técnica mais eficaz na abordagem ao stress (Bradley,
1994). Por um lado, pode ser benéfica para o controlo metabólico através da diminuição das
alterações de humor que, por sua vez, provocam a variação do fluxo sanguíneo na pele e
consequentemente, a variação da absorção de insulina. Por outro lado, pode intervir ao nível
do controlo de comportamentos de risco, adoptados durante os períodos de stress (Bradley,
1988, cit.in Silva, Pais-Ribeiro, & Cardoso, 2004).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
96

Estudos realizados nesta área sugerem que as técnicas de relaxamento podem ser
benéficas para alguns indivíduos, principalmente para aqueles que sentem que o stress pode
abalar o seu controlo sobre a doença (Bradley, 1994). Os benefícios parecem ser mais
significativos em indivíduos com um pobre controlo diabético, que experimentam um grau de
stress considerável na actualidade (Bradley, 1994; Bradley, et al., 1998).
Bradley, em 1994, sugere ainda que as técnicas de relaxamento possuem uma baixa
probabilidade de induzir efeitos negativos nos indivíduos, a não ser que estes apresentem um
óptimo controlo metabólico, ou apresentem já níveis de glicemia baixos. Nestes casos, a
autora considera que se torna necessário efectuar um reajuste na dosagem da insulina para
equilibrar os efeitos do relaxamento, de forma a prevenir episódios de hipoglicemia. É
importante realizar a medição da glicemia imediatamente antes e após o treino de
relaxamento.
Por outro lado, existem também estudos que demonstram não existir resultados
significativos do uso de técnicas de relaxamento em indivíduos com um pobre controlo da
diabetes tipo 1 e que relataram sofrer de hiperglicemia induzida pelo stress (Feinglos, Hasted,
& Surwit, 1987, cit. in Bradley, et al., 1998).
Lane, McCaskill, Ross, Feinglos e Surwit (1993, cit. in Bradley, et al., 1998)
realizaram um estudo com 38 indivíduos com diabetes tipo 2, tratados com um regime
terapêutico intensivo que incluía educação diabética e intervenção ao nível dos hábitos
alimentares. Metade, escolhida ao acaso, recebeu treino de relaxamento. Ambos os grupos
demonstraram melhorias significativas ao nível da HbA1c após oito semanas, mas não ao
nível de tolerância à glicose. No entanto, verificaram que os indivíduos que sofreram uma
melhoria ao nível da tolerância à glicose, após um pré-tratamento com um ansiolítico
(alprazolam), demonstraram igualmente uma melhoria na tolerância à glicose após o treino de
relaxamento. Verificaram também que os indivíduos diabéticos que responderam melhor ao
relaxamento foram aqueles que pontuaram mais nas medidas de ansiedade. Assim, os autores
concluíram que o relaxamento pode ser benéfico no tratamento de indivíduos com diabetes
neuróticos e ansiosos, mas não noutros indivíduos com esta doença.
Bradley (1994) sugere que as técnicas de gestão do stress podem melhorar o bem-
estar psicológico dos indivíduos, melhorar o controlo da glicemia e diminuir o risco de
complicações a longo prazo, reduzir as necessidades de insulina, e diminuir a frequência de
atendimentos clínicos.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
97

O ideal seria que todos os diabéticos tivessem acesso a apoio psicológico desde o
momento do diagnóstico da patologia, uma vez que esta pode ter um impacto severo nos
indivíduos, e que, tal como o tratamento medicamentoso ou os cuidados alimentares, o apoio
psicológico fosse um requisito valorizado na gestão desta doença crónica.

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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
100

Stress e adesão ao tratamento: Comparação entre homens e mulheres com diabetes


mellitus

Vera Costa (Universidade Fernando Pessoa)


vera.asc@gmail.com

Isabel Silva (Universidade Fernando Pessoa)

Palavras-chave:
stress, diabetes, adesão terapêutica.

Resumo/Abstract:

Objectivo: Verificar se há diferenças significativas entre homens e mulheres


diabéticos quanto ao stress e à adesão ao tratamento.
Método: 60 diabéticos, 43,3% com diabetes tipo 1, 55% do sexo feminino
responderam ao Life Experiences Survey e Questionário de Auto-Cuidados na Diabetes.
Resultados: Não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre os
sexos quanto à adesão, no entanto as mulheres revelam níveis de stress negativo e total mais
elevados, bem como uma correlação negativa entre estes níveis de stress e adesão ao
tratamento insulínico e com anti-diabéticos orais.

A incidência da diabetes tem aumentado na população mundial sendo, por isso, uma
das maiores causadoras de morbilidade e mortalidade da actualidade (Duarte, 2002).
Esta doença encontra-se entre as sete principais causas de morte nos países ocidentais.
No entanto, deve-se ter em conta que esta estimativa se baseia nas certidões de óbito que nem
sempre são preenchidas com o rigor necessário, no que diz respeito às doenças antecedentes.
Desta forma, a diabetes aparece com pouca frequência como causa de morte de indivíduos
com diabetes que faleceram devido a sequelas da própria doença, como, por exemplo, a um
acidente vascular cerebral. Se este facto fosse considerado, a diabetes poderia encontrar-se
entre as três principais causas de morte, a par das doenças cardiovasculares e das neoplasias
(Duarte, 2002).
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde de 2000, estima-se que, em
Portugal, existam cerca de 662 mil diabéticos, de ambos os sexos, sendo de esperar que em
2030 este número aumente para 882 mil.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
101

A diabetes mellitus caracteriza-se por níveis anormalmente elevados de glicose no


sangue (hiperglicemia), resultantes de uma deficiência genética ou adquirida na produção de
insulina, ou pela ineficácia desta (OMS, 2000).
Esta patologia é definida pela Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD, 2002)
como “uma desordem metabólica de etiologia múltipla, caracterizada por uma hiperglicemia
crónica com distúrbios no metabolismo dos hidratos de carbono, lípidos e proteínas,
resultantes de deficiências na secreção ou acção da insulina, ou de ambas” (p.4).
A SPD (2002) distingue etiologicamente quatro tipos de diabetes: (a) tipo 1, que
resulta da destruição das células β, conduzindo geralmente a uma deficiência absoluta de
insulina; (b) tipo 2, que pode alternar entre a predominância da insulinorresistência com
deficiência relativa de insulina e predomínio da deficiente secreção com ou sem
insulinorresistência; (c) outros tipos específicos de diabetes, e (d) diabetes gestacional. Os
tipos de diabetes mais frequentes são, em primeiro lugar a diabetes tipo 2, seguida da diabetes
tipo 1.
Sendo a hiperglicemia crónica a principal responsável pelas complicações tardias da
diabetes, o objectivo do tratamento da diabetes é manter os níveis de glicemia no sangue o
mais possível dentro do intervalo normal, de forma a prevenir as complicações associadas a
esta patologia (Duarte, 2002). É, no entanto, importante referir que não existe um plano
terapêutico definido para indivíduos com esta patologia. Os regimes terapêuticos variam
consoante a pessoa e o tipo de diabetes, sendo necessário adaptar a terapia de acordo com o
dia-a-dia de cada indivíduo (Cox, Gonder-Frederick, & Saunders, 1991).
O tratamento da diabetes tipo 1 implica uma alteração radical dos hábitos de vida na
grande maioria dos indivíduos diagnosticados, de forma a manterem os níveis de glicemia o
mais próximos do valor normal possível, a fim de prevenirem futuras complicações da
diabetes como a retinopatia, pé diabético, complicações renais ou disfunções sexuais, entre
outras. O tratamento deste tipo de diabetes envolve uma intervenção médica (insulinoterapia)
e uma intervenção comportamental (cuidados alimentares e exercício físico). O indivíduo
com diabetes tipo 1 está sujeito a um tratamento diário com injecções de insulina que ele
próprio deve administrar, que variam na frequência de indivíduo para indivíduo. Os cuidados
alimentares e o exercício são componentes adicionais, igualmente essenciais, do controlo dos
níveis de glicemia. Os diabéticos tipo 1 são encorajados a comer frequentemente e em
pequenas quantidades, para manterem os níveis de glicemia próximos da normalidade. As
refeições devem ser equilibradas em hidratos de carbono, proteínas e gorduras. O exercício
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
102

físico é igualmente importante para o indivíduo se manter em forma e para que o seu peso
seja o ideal, de forma a diminuir as necessidades de insulina (Bishop, 1994).
Independentemente da sua predisposição genética, a diabetes tipo 2 está fortemente
associada a factores ambientais, como erros nos hábitos alimentares e ausência da prática
regular de exercício físico. Desta forma, o primeiro passo no tratamento deste tipo de diabetes
consiste na alteração destes hábitos erróneos. Frequentemente, a alteração dos hábitos
alimentares e a prática de exercício físico são suficientes para manterem os níveis de glicemia
optimizados, pelo menos, durante algum tempo (Associação Protectora dos Diabéticos de
Portugal [APDP], 2005).
No entanto, nem sempre é possível manter os valores de glicemia normalizados
apenas com estes auto-cuidados. Quando, mesmo cumprindo estas regras, é impossível
controlar os níveis de glicemia, são introduzidos na terapêutica anti-diabéticos orais. Estes
fármacos são prescritos pelo médico atendendo às características do indivíduo, como a idade,
o peso, a alimentação ou se existem ou não outras doenças associadas. Apesar de todos estes
cuidados, um número já considerável de diabéticos tipo 2 não é capaz de manter a glicemia
próxima dos valores normais, e nestes casos é necessária a administração externa de insulina
sob a forma de injecções, que podem ser combinadas com os anti-diabéticos orais (APDP,
2005).
O controlo da diabetes pode passar por uma auto-vigilância diária, através da auto-
monitorização dos níveis de glicemia capilar. Esta monitorização é realizada pelo próprio
indivíduo, através da punção digital com um leitor de glicemia. Deve ser medido em jejum e
após as três principais refeições, mas o ideal seria efectuarem-se seis medições diárias,
incluindo uma durante a noite para se prevenirem hipoglicemias nocturnas, sobretudo na
diabetes tipo 1. Uma forma de controlo a médio-longo prazo consiste na determinação da
hemoglobina glicosilada (HbA1c) ou glico-hemoglobina (Ghb), através de uma análise de
sangue. Esta análise permite determinar o nível médio de glicemia nos dois a três meses
anteriores (Duarte, 2002).
A adesão a este tipo de regimes seria um passo importante para um bom controlo
glicémico.
Haynes, Wang e Gomes (1987, cit. in Bradley, Riazi, Barendse, Pierce, &
Hendrieckx, 1998) definiram a adesão como o grau em que o comportamento da pessoa
coincide com os conselhos de saúde. Este conceito significa que são feitas determinadas
recomendações que, se seguidas, podem conduzir a benefícios de saúde.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
103

Por sua vez, King (1994, cit. in Calmeiro, & Matos, 2004) define adesão como o nível
de participação obtido num regime comportamental, mediante o acordo de participação do
indivíduo.
De acordo com Brannon e Feist (1997), a adesão terapêutica é a extensão na qual o
comportamento do indivíduo é coincidente com o aconselhamento prescrito pelo profissional
de saúde.
Relativamente à diabetes, as recomendações específicas acerca do tratamento são
complexas, e podem variar de paciente para paciente e, no mesmo paciente, de dia para dia.
Por exemplo, a recomendação para tomar a mesma quantidade de insulina, todos os dias
sempre à mesma hora, e comer sempre as mesmas quantidades de comida às mesmas horas,
não é eficiente no controlo glicémico, uma vez que não tem em conta os gastos de energia,
que varia de dia para dia (Bradley, et al., 1998).
Regimes terapêuticos mais complexos implicam relacionar as doses de insulina e hora
de administração, com a alimentação, resposta a sintomas de hipoglicemia e hiperglicemia,
cuidados com os pés, auto-monitorização, e todos os factores externos e internos a que os
indivíduos estão sujeitos (McNabb, 1997). Desta forma, requer-se uma educação e
compreensão especiais para permitirem a resolução de situações que podem surgir, e um
controlo eficiente da patologia (Bradley, et al., 1998).
A adesão ao tratamento da diabetes comporta diversas dificuldades associadas com o
estilo de vida dos pacientes, que frequentemente escapam ao controlo médico. Desta forma a
adesão ao tratamento desta patologia depende muitas vezes da cronicidade e complexidade do
próprio tratamento, das modificações do estilo de vida, da aquisição ou modificação dos
hábitos de exercício físico, da realização de dieta, do tempo dispendido no tratamento
insulínico e na monitorização da glicemia, das complicações associadas com a doença ou o
controlo de situações de stress. Em alguns doentes é igualmente influenciável a ausência de
sintomas, conduzindo este aspecto a uma negligência do tratamento. Noutros casos, os
doentes carecem de um conhecimento específico para a adequada realização do tratamento
(Beléndez, & Méndez, 1995; Fernandez, Rodrigues, & Alvarez, 1996; Irvine, Saunders,
Blank, & Carter, 1990; Shillitoe, 1998 – cit. in Vazquez, Rodrigues, & Alvares, 1998). Não
existe uma prescrição terapêutica standard, sendo o tratamento um alvo de mudanças
constantes (McNabb, 1997).
O regime terapêutico da diabetes é complexo, por um lado devido à responsabilidade
que o indivíduo tem de integrar e organizar todas estas tarefas comportamentais na sua rotina
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
104

quotidiana, e, por outro lado, devido à exigência que lhe é exercida para que realize
constantemente tomadas de decisão importantes no tratamento (McNabb, 1997).
Cox e Gonder-Frederick (1992), organizaram as variáveis psicológicas mais
importantes relativamente aos auto-cuidados, dispondo-as por: (a) características individuais
do doente, como perturbações psicopatológicas, características da personalidade, estilos de
coping e crenças relacionadas com a saúde; (2) factores sociais e familiares, interacções
familiares, relação médico-doente, grupo de pares; e (3) factores ambientais e contingências
comportamentais, como obstáculos ambientais em termos de custo, tempo, recursos
disponíveis e exigências correntes.
Assim sendo, existem diversas formas de controlar a diabetes, que variam de
indivíduo para indivíduo. Quando um indivíduo não consegue controlar os níveis de glicemia
com uma determinada abordagem, isso pode significar que algum aspecto desta abordagem
não está a ser seguido ou foi mal compreendido. A educação prestada ao doente pode não ter
sido suficiente ou a informação ter sido mal percebida ou aplicada (Bradley, et al., 1998).
A adesão ao tratamento constitui um dos principais problemas da diabetes, sendo as
características inerentes à doença, a sua complexidade, e a exigência e responsabilidade
requeridas ao doente o prenúncio para uma adesão complexa.
Um grupo de investigadores verificou que 80% dos diabéticos administravam
incorrectamente a insulina, 58% administravam doses erradas, 77% testavam a glicose na
urina sem precisão, 75% não comiam em intervalos regulares e 75% não seguiam a dieta
recomendada. De uma forma geral, concluíram que apenas 15% dos doentes seguiam todas as
recomendações médicas acerca do tratamento (Watkins, Roberts, Williams, Martin, & Cole,
1967; Watkins, Williams, Martin, Hogen, & Anderson, 1967 – cit. in Taylor, 1995).
Alguns autores referem as medidas do controlo da diabetes como medidas alternativas
da adesão ao tratamento. No entanto, esta prática parte do pressuposto que se o indivíduo
seguiu os conselhos médicos, quaisquer que fossem as recomendações feitas, o controlo da
diabetes seria máximo (Bradley, et al., 1998).
A utilização do valor de HbA1c, ou qualquer outra medida de controlo glicémico
utilizada como medição da adesão ao tratamento, nega, entre outras coisas, a possibilidade
das recomendações feitas pelo profissional de saúde serem inadequadas para o controlo da
diabetes daquele indivíduo, ou de existirem outras causas que contribuem para esse controlo.
Pode torna-se desencorajador para o indivíduo o facto de estar a seguir minuciosamente as
recomendações e verificar que o controlo não está a ser o desejado, se este acreditar que o
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
105

controlo glicémico depende apenas e directamente do seu comportamento (Gamsu, &


Bradley, 1987; Gillespie, & Bradley, 1988 – cit. in Bradley, et al., 1998).
O facto de, frequentemente, os benefícios de aderir de forma adequada ao tratamento
não serem óbvios, pode conduzir a uma baixa adesão. O controlo da diabetes tem como
objectivo colocar o indivíduo com valores de glicemia entre a hiperglicemia e a hipoglicemia
(autor?). Apesar da hiperglicemia poder ser responsável pelas complicações associadas à
doença, os seus sintomas podem ser difíceis de reconhecer. Por outro lado, a hipoglicemia
pode desencadear uma reacção aversiva para o paciente. O indivíduo com diabetes pode
sentir-se severamente “castigado” quando tem um episódio de hipoglicemia, enquanto que os
sintomas de hiperglicemia podem passar despercebidos (Czyzewski, 1988).
Um estudo de Bastos (2006) demonstra a importância da implicação das esposas de
diabéticos tipo 2 na edução diabética dos maridos. Com este estudo, a autora pretendeu
avaliar se a presença e participação das esposas no processo de educação do diabético tipo 2
influencia o nível de adesão dos mesmos. Assim, foi administrada a Summary of Diabetes
Self-care Activities Measure (SDSCA) a 103 diabéticos tipo 2 casados, em dois momentos
distintos: inicialmente e após as consultas de acompanhamento. Estas consultas visaram
actividades de auto-cuidado como alimentação, exercício físico, cuidados com os pés,
medicação e monitorização da glicemia capilar. Os resultados sugeriram diferenças nos níveis
de adesão, sendo os do grupo cujas esposas foram envolvidas no processo de educação
superiores ao do grupo de homens cujas esposas não os acompanharam às consultas. Desta
forma, concluiu que a presença da esposa no programa educacional do diabético favorece a
adesão ao tratamento, especialmente em relação ao exercício físico e à toma dos
medicamentos por parte do cônjuge.
Não têm sido encontrados, na literatura corrente, resultados consistentes acerca da
relação entre a adesão e factores sócio-demográficos como sexo, idade, estado civil ou classe
social. As taxas de adesão variam de pessoa para pessoa, da mesma forma que variam no
mesmo indivíduo ao longo da sua vida (Horne, 2000).
O stress constitui um factor negativo de peso no que diz respeito à adesão a estilos de
vida saudáveis ou a regimes terapêuticos. Clinicamente, os doentes relatam que quando se
encontram sob stress, tendem a ignorar o regime alimentar, a negligenciar a auto-
monitorização dos níveis de glicemia capilar e, em alguns casos, a falhar a administração de
insulina na frequência e nos horários determinados (Brannon, & Feist, 1997; Czyzewski,
1988).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
106

A auto-monitorização requer que o indivíduo esteja motivado para receber o feedback


do estado do seu controlo glicémico, de modo a poder agir de forma a normalizar os níveis,
se necessário. No entanto, um indivíduo sob stress pode não ter a motivação necessária para
realizar os procedimentos recomendados para manter o controlo, podendo ver o teste como
uma perda de tempo, ou se têm que alterar aspectos do tratamento, o que pode implicar
trabalho, preocupação ou sentimentos de culpa (Czyzewski, 1988).
Schafer, Glasgow e McCaul (1982, cit. in Czyzewski, 1988) realizaram um plano de
intervenção para aumentarem a adesão ao tratamento em três adolescentes com diabetes,
utilizando para isso diversas técnicas comportamentais. A intervenção foi realizada com
sucesso em dois dos jovens, mas os autores explicaram que o terceiro adolescente não aderiu
completamente à intervenção devido a stressores psicossociais (problemas familiares).
Goldstone, Kovacs, Obrosky, & Iyengar (1995), num estudo com jovens diabéticos
tipo 1, verificaram que o stress aumenta a probabilidade de uma não adesão ao tratamento
médico. Estes autores constataram que o impacto dos acontecimentos de vida no controlo
metabólico pode ser, em parte, mediado por uma não adesão considerável ao regime
terapêutico, e que os indivíduos que experienciam um maior grau de stress têm maior
probabilidade de uma não adesão grave, conduzindo, assim, a um mau controlo metabólico.
No entanto, de acordo com Cox e Gonder-Frederick (1992), a relação entre o stress e
a diabetes não é assim tão linear. Esta relação pode ser bidireccional, uma vez que tanto o
stress pode influenciar o controlo glicémico, como o controlo glicémico pode induzir um
estado de stress. Existem menos estudos realizados nesta última área mas, por exemplo, um
episódio de hipoglicemia pode induzir consequências negativas como mau humor, medo, e
acidentes (Cox, & Gonder-Frederick, 1992).
De uma forma geral, os estudos realizados na área da diabetes referem-se, na grande
maioria, à diabetes tipo 1, existindo, por isso, a dificuldade de averiguar se os resultados
nestas investigações podem ser generalizados à população com diabetes tipo 2. Por exemplo,
as diferenças de idade de início da doença podem ter um papel fundamental ao nível dos
resultados. É difícil determinar a razão pela qual a investigação incide menos sobre a diabetes
tipo 2, mas poderá dever-se ao facto da diabetes tipo 1 ser mais rara. Contudo, o facto da
diabetes tipo 2 afectar um número elevado de pessoas, e das suas complicações poderem ser
tão graves como na diabetes tipo 1, é importante aprofundar a investigação com esta
população (Macrodimitris, & Endler, 2001).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
107

O presente estudo tem como objectivo verificar se existem diferenças significativas


entre homens e mulheres com diabetes relativamente ao stress e à adesão ao tratamento da
patologia.
MÉTODO
Participantes
No presente estudo, foram avaliados 60 indivíduos com diabetes tipo 1 e tipo 2, dos
quais 43,3% têm diagnóstico de diabetes tipo 1 e 55% são do sexo feminino, com idades
compreendidas entre os 19 e os 88 anos (M=48; DP=20,81).

Material
Os participantes responderam ao Life Experiences Survey (LES) e ao Questionário de
Auto-Cuidados na Diabetes.
O Life Experiences Survey foi desenvolvido em 1978 por Sarason, Johnson e Siegel,
com o objectivo de avaliar o stress total divulgado pelo indivíduo ao longo do último ano,
fazendo a distinção entre stress positivo e stress negativo, e a intensidade do seu impacto.
A adaptação esta escala para a população diabética portuguesa foi realizada por Silva,
Pais-Ribeiro, Cardoso e Ramos, em 2003. Trata-se de um questionário de auto-resposta
constituído por 47 itens de resposta ordinal tipo Lickert, de sete posições (varia entre muito
negativo [-3], mais ou menos negativo [-2], um pouco negativo [-1], não teve consequências
nenhumas [0], um pouco positivo [1], mais ou menos positivo [2], muito positivo [3] e não se
aplica), e por três espaços em branco onde o respondente pode adicionar acontecimentos que
não estejam referidos nos itens anteriores. Tal como no formato original, o valor de mudança
positiva calcula-se através do somatório dos valores dos acontecimentos cotados como
positivos pelo indivíduo, tal como o valor de mudança negativo é calculado pelo somatório
dos valores dos acontecimentos considerados negativos pelo mesmo. O valor total de stress é
conseguido pelo somatório dos valores de mudança positiva e negativa. O seu formato
permite aos indivíduos avaliar discriminadamente se os acontecimentos são desejáveis ou
indesejáveis, e a intensidade do seu impacto, no último ano. À semelhança da escala original,
não existe um ponto de corte que permita classificar os resultados finais.
Relativamente às propriedades psicométricas do instrumento, a análise de consistência
interna da escala revelou um alfa de Cronbach de 0,70, o que pode ser considerado aceitável.
A análise do teste-reteste possibilitou observar que a correlação entre os resultados do
primeiro e do segundo momentos de avaliação é elevada. Os resultados demonstram, assim,
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
108

que esta escala é válida, uma vez que apresenta uma boa correlação entre os resultados do
teste-reteste e um alfa de Cronbach razoável (Silva, et al., 2003).
Os resultados do estudo da versão portuguesa do LES demonstram a sua importância
para a investigação, uma vez que apresenta uma fidelidade razoável, e as suas duas
subescalas relacionam-se significativamente com medidas dependentes do stress,
nomeadamente com a ansiedade e a depressão (Silva, et al., 2003).
O Questionário de Auto-cuidados na Diabetes foi desenvolvido com base no The
Summary of Diabetes Self-care Activities Questionnaire de Toobert e Glasgow, 1994. Este
questionário tem como objectivo avaliar o nível de cumprimentos dos auto-cuidados
aconselhados ao doente pelos profissionais de saúde (Silva, Pais-Ribeiro, Cardoso, & Ramos,
2002).
O cumprimento dos auto-cuidados é avaliado em três subescalas, referentes à
alimentação, tratamento insulínico e tratamento com anti-diabéticos orais (ADO). Este
instrumento constitui um questionário breve de auto-resposta, constituído por 11 itens,
respondidos com base numa escala tipo Lickert, com cinco e seis posições, de acordo com o
tipo de auto-cuidado a avaliar. As respostas são cotadas em “nunca” (0), “raramente” (1), “às
vezes” (2), “quase sempre” (3) e “sempre” (4), com excepção do item 3 que é cotado de
forma invertida. No caso das subescalas do tratamento insulínico e tratamento com anti-
diabéticos orais é acrescentada a opção “não se aplica” (Silva, et al., 2002).
No que concerne às propriedades psicométricas, a análise da consistência interna
permite verificar um alfa de Cronbach de 0,66 para a escala total, podendo considerar-se
aceitável. Relativamente à validade dos itens, e analisando a correlação de cada subescala
com a escala total, verifica-se que a subescala que apresenta maior correlação é a da
alimentação (r = 0,72), seguida da subescala do tratamento com anti-diabéticos orais (r =
0,46) e da subescala do tratamento insulínico (r = 0,40). Por sua vez, a análise da correlação
dos itens de cada subescala com a escala total, revela uma correlação igual ou superior a 0,40,
excepto o item 8 (r = 0,38), sugerindo uma consistência interna aceitável das subescalas
(Silva, et al., 2002).
Relativamente à análise da correlação de cada item com as subescalas, verifica-se que
os itens de cada subescala apresentam uma correlação mais elevada com a subescala a que
pertencem do que com as restantes, mesmo não obedecendo ao critério de ser dez pontos
superior à correlação com estas. Assim, verifica-se que a escala usufrui de uma aceitável
validade convergente-discriminante (Silva, et al. 2002).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
109

De uma forma geral, este questionário demonstrou possuir propriedades psicométricas


razoáveis, e ser bem aceite pelos respondentes (Silva, et al., 2002).

Procedimento
Os participantes foram informados dos objectivos do trabalho, explicou-se que os
dados seriam recolhidos através dos instrumentos supra mencionados, de que seria mantida a
confidencialidade e anonimato dos dados recolhidos, e que seriam livres para participar, não
sofrendo qualquer tipo de consequências negativas se não o fizessem. Após este
procedimento, foi pedido o consentimento informado a cada participante.
Os indivíduos responderam aos instrumentos, após lhes ter sido explicado que deveria
responder de acordo com o que pensava e sentia, e que não existiam respostas certas ou
erradas.
RESULTADOS
Os dados recolhidos foram tratados estatisticamente através do programa estatístico
Statistical Package for Social Sciences (SPSS).
Assim, verifica-se que, relativamente ao valor de HbA1c, as mulheres apresentam um
valor médio (M=8,3; DP=0,54) superior ao dos homens (M=7,8; DP=0,52), sendo esta
diferença estatisticamente significativa, t(gl)=3,92; p<0,0001. Este resultado sugere que os
homens têm um melhor controlo glicémico do que as mulheres, tal como se pode verificar no
quadro 1.
Quadro 1: Comparação entre mulheres e homens relativamente à HbA1c.

Género
Feminino Masculino
M DP M DP t p
HbA1c (%) 8,3 0,54 7,8 0,52 3,916 * <0,0001

No que concerne à variável stress, os resultados demonstram que as mulheres revelam


níveis mais elevados de stress negativo (M=7,27; DP=4,66) do que os homens (M=4,85;
DP=4,42), e que essa diferença é estatisticamente significativa, t(gl)=2,15; p<0,05. Verifica-
se, igualmente, uma diferença estatisticamente significativa (t(gl)=2,10; p<0,05)
relativamente ao stress total, sendo este igualmente mais elevado nas mulheres (M=11,78;
DP=5,97) do que nos homens (M=8,82; DP=4,93). Ao nível do stress positivo, não foram
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
110

encontradas diferenças estatisticamente significativas entre homens e mulheres com diabetes.


Estes resultados podem ser observados no quadro 2.

Quadro 2: Comparação entre mulheres e homens, relativamente às variáveis stress positivo, stress
negativo e stress total.

Sexo
Feminino Masculino
M DP M DP t P
Stress positivo 4,41 3,24 3,97 3,23 0,52 0,60
Stress negativo 7,27 4,66 4,85 4,42 2,15 * 0,04
Stress total 11,78 5,97 8,82 4,93 2,10 * 0,04

Relativamente à variável auto-cuidados, não foram encontradas diferenças


estatisticamente significativas em função do sexo, para nenhuma das sub-escalas, tal como se
pode observar no quadro 3.

Quadro 3: Comparação entre mulheres e homens, relativamente às variáveis de auto-cuidados.


Sexo
Auto-cuidados Feminino Masculino
M DP M DP t p
Alimentação 20,55 3,98 19,56 3,07 -1,06 0,29
Insulina 3,76 3,95 4,22 3,88 0,46 0,65
ADO 4,24 3,61 4,52 4,24 0,29 0,78
Total 28,55 5,32 28,67 4,65 0,10 0,93
A.D.O – Anti-diabéticos orais

Em relação à correlação entre as variáveis stress positivo, stress negativo e stress total
e as variáveis de auto-cuidados alimentares, insulínicos, com anti-diabéticos orais e totais, os
resultados sugerem uma correlação negativa significativa entre o stress negativo e os auto-
cuidados, tanto insulínicos como com anti-diabéticos orais, no grupo das mulheres, tal como
se pode verificar pelo quadro 4.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Quadro 4: Correlação entre as variáveis de stress e as variáveis de auto-cuidados da diabetes, para as
mulheres.

Stress Positivo Stress Negativo Stress Total


Auto-cuidados
r p r p r p
Alimentação 0,32 0,07 -0,22 0,21 0,01 0,96
Insulina 0,15 0,42 -0,36* 0,04 -0,23 0,20
ADO 0,05 0,80 -0,36* 0,04 0,29 0,10
Total 0,32 0,07 -0,19 0,28 0,04 0,85
A.D.O.- Anti-diabéticos orais

No que concerne ao grupo masculino, verificou-se que não existe nenhuma correlação
significativa entre as variáveis de stress e as variáveis de auto-cuidados, tal como se pode
confirmar pelo quadro 5.

Quadro 5: Correlação entre as variáveis de stress e as variáveis de auto-cuidados da diabetes, para os


homens.

Stress Positivo Stress Negativo Stress Total


Auto-cuidados
r p r p r p
Alimentação 0,16 0,42 -0,25 0,20 -0,11 0,58
Insulina 0,21 0,29 -0,11 0,60 0,03 0,87
ADO 0,13 0,51 -0,02 0,91 -0,13 0,51
Total 0,15 0,46 -0,25 0,22 -0,11 0,58
A.D.O. – Anti-diabéticos orais

DISCUSSÃO

De uma forma geral, os indivíduos apresentam um valor médio de auto-cuidados da


diabetes aceitável, o que sugere uma incongruência com o mau controlo glicémico. Contudo
é necessário ter em conta dois aspectos.
Em primeiro lugar, partir do pressuposto que, se o paciente seguir quaisquer que
sejam as recomendações, irá atingir um controlo óptimo da diabetes, nega a possibilidade das
recomendações não estarem correctas ou não serem as mais indicadas para aquele indivíduo
(Bradley, et al.. 1998; Cox, & Gonder-Frederick, 1992). O mau controlo glicémico pode ser
um indicador de que, uma vez que os auto-cuidados estão a ser cumpridos pelos indivíduos,
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
112

as recomendações podem não ser as mais adequadas. Grande parte das vezes os profissionais
de saúde dão indicações muito gerais (como por exemplo, “Não pode comer coisas doces” ou
“Tente praticar mais exercício físico”) sem, no entanto, especificar a forma correcta de as
realizar (Cox, & Gonder-Frederick, 1992). Nestes casos, apesar dos indivíduos seguirem
estas recomendações, não o fazem da forma mais correcta, afectando, consequentemente, o
controlo da diabetes.
Em segundo lugar, é necessário ter em conta outros factores que podem influenciar o
controlo glicémico, independentemente dos auto-cuidados. Os dados deste estudo foram
recolhidos nos meses de Novembro, Dezembro e Janeiro, sendo estes meses propensos a uma
maior taxa de gripes e outras infecções respiratórias que, por si só, e aliadas à toma de outros
medicamentes (inclusive antibióticos), são capazes de alterar o controlo glicémico (Duarte,
2002)
A desejabilidade social poderá igualmente adoptar um papel importante nestes
resultados, uma vez que os indivíduos da amostra podem responder, no questionário de auto-
cuidados, aquilo que seria esperado que cumprissem, e não o que realmente cumprem em
relação ao tratamento da sua doença.
Uma das áreas de intervenção da Psicologia da Saúde passa pela educação sobre a
diabetes. É importante que, no âmbito de uma equipa multidisciplinar (composta por
psicólogos, nutricionistas, endocrinologistas, enfermeiros e outros profissionais que se
considerem importantes para o processo), se realizem formações acerca da importância da
abordagem multifacetada desta doença e das melhores formas de o fazer, não só para os
próprios diabéticos, mas também para os seus cuidadores e para profissionais de saúde.
Não é suficiente que os profissionais de saúde se limitem a dar instruções, são
necessárias abordagens que envolvam todo um conjunto de medidas, que passam por
tratamentos medicamentosos, com horários e formas de administração precisas, cuidados
alimentares específicos, adopção de hábitos saudáveis, prática de exercício físico e auto-
monitorização frequente dos níveis de glicemia. Além disto, é necessário capacitar o paciente
e motivá-lo para aderir a este regime.
É necessário sensibilizar os profissionais envolvidos no tratamento de diabéticos, para
as diferenças individuais dos mesmos, e que nem sempre o tratamento que é eficaz para um
indivíduo, é eficaz para outro.
O facto de não terem sido encontradas diferenças significativas entre homens e
mulheres relativamente à adesão terapêutica, vai de encontro aos resultados encontrados em
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
113

estudos prévios que sugerem que o sexo não constitui uma variável predictiva da adesão. No
entanto, isto pode estar relacionado com o facto de, na sua grande maioria, as esposas estarem
implicadas no tratamento dos maridos com diabetes, como foi demonstrado recentemente no
estudo de Bastos (2006).
Por sua vez, os resultados sugerem que as mulheres com diabetes registam maiores
níveis de stress, e que este se encontra negativamente correlacionado com os auto-cuidados
medicamentosos da patologia, o que não se verifica para o sexo masculino.
Sendo o stress um factor que poderá constituir um obstáculo à adesão, estes dados
alertam os profissionais de saúde para a necessidade de maior atenção e intervenção, não só
junto desta população em geral, mas mais especificamente junto das mulheres com diabetes.
Visto ser uma “doença que não dói”, torna-se importante alertar os diabéticos para os
perigos a longo prazo do mau controlo da doença, e motivá-los para a adesão a um estilo de
vida saudável que inclua todos os cuidados necessários para um bom controlo metabólico da
doença, ao mesmo tempo que melhora ou mantém a qualidade de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (2005). Tratamento da diabetes


tipo 2. [On-line]. Disponível em http://www.apdp.pt/ [Consultado em 12/11/2005].
Bastos, F. (2006). O papel das esposas na adesão ao regime terapêutico no diabético
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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
115

Importância Diferencial dos Atributos Perceptivos e Funcionais-Associativos para a


Organização em Memória Semântica dos Elementos Biológicos e Não Biológicos: Efeito
da Modalidade

Inês Bramão (Departamento de Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, e


Centro de Sistemas Inteligentes, Universidade do Algarve)

Luís Faísca (Departamento de Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, e


Centro de Sistemas Inteligentes, Universidade do Algarve)

Manuela Guerreiro (Laboratório de Estudos da Linguagem, Centro de Estudos Egas Moniz,


Faculdade de Medicina de Lisboa)

Alexandra Reis ((Departamento de Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais,


Centro de Sistemas Inteligentes, Universidade do Algarve e Department of Clinical
Neuroscience, Karolinska Institutet)
aireis@ualg.pt

Palavras-chave: Memória Semântica; Peso Diferencial das Propriedades Perceptivas e


Funcionais-Associativas; Priming Intra e Inter-modalidades.

Resumo/Abstract:

Neste trabalho procurámos testar as hipóteses da unicidade e multiplicidade do sistema


semântico e verificar a importância diferencial das propriedades perceptivas e
funcionais-associativas na representação semântica de elementos biológicos e não biológicos.
Realizaram-se duas tarefas de decisão lexical: com priming intra e inter-modalidades. Os
resultados sugerem a existência de um sistema semântico único, onde as propriedades
perceptivas desempenham um papel mais importante na representação semântica de
elementos biológicos enquanto que propriedades funcionais-associativas desempenham um
papel mais importante para a representação semântica de elementos não biológicos.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
116

INTRODUÇÃO

A arquitectura cognitiva da memória semântica é um tema em actual debate no seio


das Neurociências Cognitivas. Os primeiros pressupostos teóricos sobre a forma como se
organiza este sistema de memória foram apresentados por Paivio (1971). Este autor sugeriu a
existência de dois subsistemas semânticos distintos: um subsistema semântico verbal,
responsável pelo armazenamento dos aspectos mais abstractos dos conceitos e acedido
através de modalidades de apresentação verbais (e.g. palavras escritas); e um subsistema
semântico não verbal, responsável pelo armazenamento dos aspectos mais concretos dos
conceitos e acedido através de modalidades de apresentação não verbais (e.g. figuras). Os
dois subsistemas são relativamente independentes na medida em que um deles pode estar
activo sem que o outro esteja, contudo, como estão conectados por ligações entre unidades de
representação verbais e não verbais, um deles tem a capacidade de activar o outro (Paivio,
1971).
Esta proposta, conhecida na literatura como hipótese do sistema semântico múltiplo,
tem sido rejeitada por alguns autores que contrapõem um modelo alternativo - Organized
Unitary Content Hypotesis (OUCH) (Caramazza, Hillis, Rapp, & Romani, 1990; Hillis &
Caramazza, 1995). Segundo este modelo, o sistema semântico é único e amodal. No entanto,
os procedimentos de acesso à informação semântica podem depender da modalidade de
apresentação do estímulo, isto porque as relações estabelecidas entre os diferentes tipos de
modalidades de apresentação e o significado semântico podem ser diferentes. Por exemplo, a
relação entre as letras que graficamente compõem uma palavra e o significado semântico
dessa palavra é arbitrária (e.g. não há relação entre as letras que compõem a palavra tesoura e
o facto desta servir para cortar), no entanto a relação entre a descrição estutural de um objecto
e o seu significado já não é arbitrária (e.g. há relação entre a imagem de uma tesoura e o
facto desta servir para cortar). Para Caramazza e colaboradores (Caramazza et al., 1990;
Hillis & Caramazza, 1995), no caso concreto de estímulos apresentados visualmente pode
existir uma acessibilidade privilegiada a determinados subconjuntos do sistema semântico.
O estudo sobre a organização do sistema semântico não se encontra limitado à questão
da multiplicidade vs. unicidade. A tentativa de explicação do padrão de comportamento de
doentes que, após lesão cerebral, mostram défices categoriais específicos, ou seja, perda
selectiva do conhecimento para determinadas categorias semânticas, possibilitou o
desenvolvimento de modelos teóricos sobre a organização deste sistema. Warrington e
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
117

colaboradores sugeriram que as dissociações observadas entre o conhecimento semântico de


elementos biológicos e não biológicos eram fruto do contributo diferencial da informação
perceptiva e funcional-associativa para a organização em memória dos elementos destas duas
categorias. Segundo esta perspectiva, a informação perceptiva está armazenada num
subsistema perceptivo e é especialmente importante para a organização em memória dos
elementos biológicos, enquanto que a informação funcional-associativa está armazenada num
subsistema funcional-associativo e é particularmente importante para a organização em
memória dos elementos não biológicos. A alteração de um destes dois sistemas levará a
alterações no conhecimento dos elementos de uma das duas categorias: a alteração do sistema
semântico perceptivo levará a alterações no conhecimento de elementos biológicos, enquanto
que a alteração do sistema funcional-associativo levará a alterações no conhecimento de
elementos não biológicos (McCarthy & Warrington, 1988, 1990; Warrington, 1981;
Warrington & McCarthy, 1983, 1987; Warrington & Shallice, 1984).
Com o objectivo de clarificar o papel da modalidade de apresentação na organização
do sistema semântico fomos estudar os efeitos de priming semântico em duas tarefas de
decisão lexical: uma com priming intra-modalidades (prime e alvo apresentados na mesma
modalidade de apresentação) e outra com priming inter-modalidades (prime e alvo
apresentados em modalidades de apresentação distintas). De acordo com a concepcção
unitária do sistema semântico, dever-se-iam encontrar efeitos de priming intra e inter-
modalidades equivalentes, tendo em conta que prime e alvo acedem a um mesmo sistema.
Pelo contrário, assumindo a concepção múltipla do sistema semântico, dever-se-iam
encontrar efeitos de facilitação intra-modalidades maiores do que inter-modalidades, na
medida em que, prime e alvo acedem a sistemas semânticos ditintos.
Outros dos objectivos deste trabalho foi verificar a importância diferencial das
propriedades perceptivas e funcionais-associativas na organização em memória semântica de
elementos biológicos e não biológicos. Para concretizar este objectivo foram utilizados, nas
tarefas de priming, primes formados por elementos biológicos e não biológicos e alvos
formados por propriedades perceptivas e funcionais-associativas dos primes. A utilização
destes pares de estímulos permite verificar se a activação prévia de um conceito biológico
permite um acesso mais rápido aos atributos perceptivos do que aos atributos funcionais-
associativos ou se, a activação prévia de um conceito não biológico permite um acesso mais
rápido aos atributos funcionais-associativos comparativamente aos atributos perceptivos.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
118

MÉTODOS

Estímulos:
Seleccionaram-se, do conjunto de estímulos de Snodgrass e Vanderwart (1980), 48
estímulos prime (24 elementos biológicos e 24 elementos não biológicos). A cada um destes
estímulos atribuiu-se uma propriedade perceptiva e uma propriedade funcional-associativa
que funcionaram como alvos. Obtiveram-se, no total, 96 pares de estímulos prime-alvo que
foram distribuídos por quatro condições experimentais:
• Prime: elemento biológico – Alvo: propriedade perceptiva;
• Prime: elemento biológico – Alvo: propriedade funcional-associativa;
• Prime: elemento não biológico – Alvo: propriedade perceptiva;
• Prime: elemento não biológico – Alvo: propriedade funcional-associativa.
Para além destes pares de estímulos semanticamente relacionados constituíram-se
pares de estímulos não relacionados que funcionaram como baseline do tempo de decisão
lexical. Estes pares foram formados trocando-se as palavras alvo dos pares de estímulos
semanticamente relacionados. Assim, cada estímulo prime aparecia associado quer a alvos
relacionados quer a alvos não relacionados controlo (e.g. tesoura-argolas, tesoura-cortar,
tesoura-fechadura e tesoura-fechar). O material foi dividido em quatro conjuntos diferentes,
de forma a que o mesmo estímulo prime e o mesmo estímulo alvo só aparecesse uma vez em
cada conjunto. De forma a reduzir a oportunidade dos sujeitos desenvolverem estratégias de
resposta, reduziram-se para 33% a proporção de pares semanticamente relacionados,
adicionando a cada conjunto de estímulos 24 pares de preenchimento não relacionados
semanticamente. Adicionaram-se ainda, a cada um dos conjuntos de estímulos, 72 pares
prime-alvo em que o alvo era uma pseudo-palavra, de forma a que em 50% dos ensaios o
participante efectuasse uma decisão lexical negativa. A ordem de apresentação dos pares de
estímulos dentro de cada conjunto foi aleatorizada.

Procedimento:
Foram construídas duas tarefas de priming com decisão lexical: uma tarefa com
priming intra-modalidades (prime e alvo apresentados na modalidade verbal – palavras
escritas) –, e outra tarefa com priming inter-modalidades (prime apresentado na modalidade
visual – figuras – e alvo na modalidade verbal - palavras escritas).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
119

Foi utilizado o software Presentation para apresentação dos estímulos (http://nbs.neuro-


bs.com/presentation) e registo dos tempos de decisão lexical. Os estímulos foram
apresentados no ecrã de um computador HP Laptop (tamanho do ecrã 15”). O início de um
ensaio começava com a apresentação de um ponto de fixação (uma cruz preta num fundo
branco) durante 500 milissegundos, seguindo-se a apresentação do estímulo prime, num ecrã
de fundo branco, durante 1000 milissegundos. Após a apresentação do prime, surgia a palavra
alvo. O sujeito tinha um período de 3000 milissegundos para responder ao alvo, usando para
isso teclas do computador. Foi utilizado um conjunto específico de estímulos de treino para
familiarizar os sujeitos como os procedimentos experimentais.

Sujeitos:
Participaram na experiência 82 sujeitos (21 do sexo masculino e 61 do sexo
feminino), 41 em cada tarefa. Todos os participantes eram nativos da língua portuguesa e
tinham uma média de idades de 22.73 ± 5.04 anos (Média ± Desvio-Padrão) e, em média,
14.57 ± 1.04 anos de escolaridade (Média ± Desvio-Padrão).

RESULTADOS

Como as questões de interesse dizem apenas respeito a respostas aos pares de


estímulos semanticamente relacionados e não semanticamente relacionados, os pares de
preenchimento e os pares em que o alvo eram pseudo-palavras foram excluídos da análise.
Foram também excluídos da análise, e para cada sujeito, os tempos correspondentes a
respostas incorrectas e os tempos de decisão que se desviavam mais que dois
desvios-padrão da média individual, por se considerarem respostas antecipatórias ou faltas
atencionais.
Um dos objectivos deste trabalho foi comparar a hipótese do sistema semântico
múltiplo e a hipótese do sistema semântico único através da comparação dos efeitos de
priming intra e inter-modalidades. Assim sendo, o primeiro objectivo da análise dos
resultados foi comparar o tempo de decisão lexical entre a tarefa palavra-palavra (priming
intra-modalidades) e a tarefa figura-palavra (priming inter-modalidades) nos diferentes tipos
de pares prime-alvo considerados.
Efectuou-se uma análise de variância com medidas repetidas considerando como
factor inter-sujeito a Tarefa (Palavra-palavra vs. Figura-palavra), como factores intra-sujeito o
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
120

tipo de Prime (Prime Biológico Relacionado vs. Prime Não Biológico Relacionado vs. Prime
Não Relacionado) e o tipo de Alvo (Propriedades Perceptivas vs. Propriedades Funcionais-
associativas) e como variável dependente o tempo de decisão lexical. Não foi observado
efeito estatisticamente significativo da Tarefa [F(1, 80) = 0.2; p = 0.637], não se verificando
diferenças no tempo de decisão lexical entre as tarefas intra e inter-modalidades. Verificou-se
um efeito estatisticamente significativo do factor Prime [F(2, 160) = 3.2; p = 0.044], sendo o
tempo de decisão lexical superior quando as palavras alvo eram precedidas por estímulos
prime não relacionados (797 ms) do que quando eram precedidas por estímulos primes
biológicos relacionados (783 ms) e não biológicos relacionados (775 ms). Observou-se ainda
um efeito estatisticamente significativo do factor Alvo [F(1, 80) = 14.6; p < 0.000],
verificando-se que, no geral, a decisão lexical sobre propriedades funcionais-associativas foi
mais rápida do que a decisão sobre propriedades perceptivas. Apenas a interacção de segunda
ordem entre os factores Prime e Alvo se revelou significativa [F(2, 160) = 9.0; p < 0.000]: a
decisão lexical sobre propriedades perceptivas foi apenas facilitada quando o prime era um
elemento biológico relacionado; por outro lado, a facilitação semântica das propriedades
funcionais-associativas apenas se observou quando o prime era um elemento não biológico
relacionado. As restantes interacções de segunda ordem e a interacção de terceira ordem não
foram estatisticamente significativas.
Outro dos objectivos deste trabalho foi explorar a hipótese de Warrington e
colaboradores sobre a importância diferencial das propriedades perceptivas e funcionais-
associativas na organização em memória semântica dos elementos biológicos e não
biológicos. Para isso, analisámos em maior detalhe a interacção significativa de segunda
ordem entre os factores Prime e Alvo [F(2, 160) = 9.0; p < 0.000], encontrada na análise
anterior. Tal como referido anteriormente a decisão lexical sobre propriedades perceptivas foi
apenas facilitada quando o prime era um elemento biológico enquanto que a decisão lexical
sobre propriedades funcionais-associativas foi apenas observada quando o prime era um
elemento não biológico. A análise post-hoc (Teste de Ducan) mostrou que a decisão lexical
sobre as propriedades perceptivas foi significativamente mais rápida quando estas eram
precedidas por primes biológicos relacionados do que quando earm precedidas por primes
não biológicos relacionados (p = 0.049) e não relacionados (p = 0.001). Os nossos resultados
parecem assim indicar que só há facilitação semântica sobre a decisão lexical das
propriedades perceptivas quando os primes são elementos biológicos relacionados.
Relativamente à decisão lexical sobre as propriedades funcionais-associativas, constatou-se
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
121

que esta era significativamente mais rápida quando estas eram precedidas por primes não
biológicos relacionados do que quando eram precedidas por primes biológicos relacionados
(p = 0.001) e por primes não relacionados (p = 0.020). Os nossos resultados indicam que a
facilitação sobre a decisão lexical das propriedades funcionais-associativas foi somente
observada quando os primes eram não biológicos. Ainda através da análise post-hoc,
verificou-se que o tempo de decisão lexical sobre as propriedades perceptivas e funcionais-
associativas não diferiu quando o prime era um elemento biológico (p = 0.118). No entanto, o
tempo de decisão lexical sobre as propriedades funcionais-associativas foi significativamente
mais rápido do que o tempo de decisão lexical sobre as propriedades perceptivas em pares de
estímulos com primes formados por elementos não biológicos relacionados (p < 0.000). Nos
primes não relacionados a decisão lexical sobre as propriedades funcionais-associativas foi
mais rápida do que a decisão lexical sobre as propriedades perceptivas (p = 0.006) (Figura 1).

Interacção entre Prime X Alvo


F (2, 162) = 9.0; p < 0,000
840
Tempo de Decisão Lexical (milissegundos)

820

800

780

760

PP
740
Prime Biol. Prime N Biol. Prime N Rel. PFA

Figura 1. Interacção entre os factores Prime e Alvo para os tempos de decisão lexical. PP – Propriedades
Perceptivas e PFA - Propriedades Funcionais-Associativas. Prime Biol. – Prime Biológico Relacionado; Prime
N Biol. – Prime Não Biológico Relacionado e Prime N Rel. – Prime Não Relacionado.

DISCUSSÃO

Neste trabalho pretendemos comparar as hipóteses do sistema semântico múltiplo e do


sistema semântico único de forma a contribuir para a clarificação do papel da modalidade de
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
122

apresentação na organização do sistema semântico. Para isso, comparámos os efeitos de


priming semântico intra-modalidades e inter-modalidades em duas tarefas de decisão lexical.
Os resultados obtidos indicam que é possível induzir facilitação semântica sobre a decisão
lexical de palavras quer quando os estímulos prime são palavras quer quando os estímulos
prime são figuras. No entanto, os efeitos foram semelhantes em ambas as tarefas, indicando
um efeito de priming equivalente intra e inter-modalidades.
Estudos anteriores que compararam os efeitos de priming intra e inter-modalidades
encontraram resultados semelhantes aos nossos [ver por exemplo Bajo (1988) e Vanderwart
(1984)] sugerindo a existência de um único sistema semântico amodal.
Desta forma, os nossos resultados não apoiam o modelo sugerido por Paivio (1971)
sobre a existência de dois subsistemas semânticos distintos activados consoante a modalidade
de apresentação. O tempo de decisão lexical não foi maior na tarefa com priming
inter-modalidades o que sugere que o estímulo prime e alvo são processados pelo mesmo
sistema semântico, independentemente da sua modalidade de apresentação.
Os nossos resultados também não estão a favor da concepção unitária do sistema
semântico tal como proposta no modelo OUCH. Segundo este modelo, apesar da informação
semântica activada por um estímulo ser independente da modalidade de apresentação, os
procedimentos de acesso à informação semântica podem depender da modalidade de
apresentação do estímulo. Os estímulos pictóricos tem uma acessibilidade priveligiada a
determindas partes do sistema semântico na medida em que mantêm uma relação entre a sua
representação e o seu significado semântico (Caramazza et al., 1990). Assim, segundo este
modelo, dever-se-iam ter observado efeitos de facilitação maiores quando o prime estava
representado na modalidade visual, ou seja, na tarefa figura-palavra. Tal não se verificou, os
tempos de decisão lexical sobre as palavras alvo não diferiram entre a tarefa palavra-palavra e
a tarefa figura-palavra. É, no entanto, de referir que o planeamento experimental deste estudo
não avaliou directamente a ideia da acessibilidade priveligiada. Neste estudo, não foi
controlada a relação entre a representação pictórica do estímulo e o seu significado
semântico. Possivelmente foram utilizados estímulos prime que não estabeleciam nenhuma
relação entre as suas descrições estruturais e os seus significados semânticos. Por exemplo, os
pares de estímulos abóbora-sopa, camelo-água, lápis-carvão, tigela-vidro entre outros, não
estabelecem nenhuma relação entre as suas descrições estruturais e os significados
semânticos seleccionados.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
123

Apesar dos nossos resultados sugerirem um sistema semântico único e amodal, é de


referir, no entanto, que a observação de tempos de resposta equivalentes nas duas
modalidades de apresentação pode não implicar necessariamente que tenham sido activadas
as mesmas representações semânticas. Processamentos distintos e que implicam
representações distintas podem desenrolar-se de um modo equivalente ao longo do tempo
(Kroll & Potter, 1984).

Outro dos objectivos deste trabalho foi avaliar o peso diferencial das propriedades
perceptivas e funcionais-associativas para a organização em memória de elementos
biológicos e não biológicos tal como proposto no modelo de Warrington e colaboradores
(McCarthy & Warrington, 1988, 1990; Warrington, 1981; Warrington & McCarthy, 1983,
1987; Warrington & Shallice, 1984). Os nossos resultados mostraram que, quando os primes
eram elementos biológicos, não se verificaram diferenças no tempo de decisão lexical entre
as propriedades perceptivas e funcionais-associativas. No entanto, quando os primes eram
elementos não biológicos, a decisão lexical sobre as propriedades funcionais-associativas foi
mais rápida que a decisão sobre as propriedades perceptivas. Observámos ainda que a decisão
sobre as propriedades perceptivas foi apenas facilitada pela apresentação de primes
biológicos relacionados e que a decisão sobre as propriedades funcionais-associativas foi
apenas facilitada pela apresentação de primes não biológicos relacionados.
Podemos sugerir que quando se activa previamente um conceito não biológico
(através de primes não biológicos) o acesso às propriedades funcionais-associativas é mais
rápido que o acesso às propriedades perceptivas. Este resultado é sugestivo da maior
importância deste tipo de propriedades para a identificação e consequente organização em
memória semântica dos elementos não biológicos.
Os resultados para os elementos biológicos foram menos consistentes. A activação
prévia de um elemento biológico (através de primes biológicos) não fez com que as
propriedades perceptivas destes elementos fossem mais rapidamente activadas do que as suas
propriedades funcionais-associativas. A menção de que os elementos biológicos são
identificados e organizados em memória semântica sobretudo com base nas suas
propriedades perceptivas não foi totalmente confirmada.
Segundo Warrington e colaboradores esperar-se-ia ter encontrado um tempo de
decisão lexical menor sobre as propriedades perceptivas quando se activasse previamente um
conceito biológico. Apesar deste resultado não ter sido confirmado, verificámos que houve
facilitação sobre a decisão lexical das propriedades perceptivas quando os primes eram
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
124

elementos biológicos e não houve facilitação deste tipo de propriedades quando os primes
eram elementos não biológicos. Este último resultado indica que as propriedades perceptivas
dos elementos biológicos são mais facilmente acedidas do que as propriedades perceptivas
dos elementos não biológicos. Podemos sugerir, a partir dos resultados obtidos, que a
activação de um elemento biológico não implica necessariamente que as suas propriedades
perceptivas sejam mais facilmente acedidas do que as suas propriedades funcionais-
associativas; no entanto, parece que as propriedades perceptivas dos elementos biológicos são
mais facilmente acedidas do que as propriedades perceptivas dos elementos não biológicos.
Uma possível explicação para a menor consistência dos resultados obtidos
relativamente à importância das propriedades perceptivas na organização semântica dos
elementos biológicos poderá estar relacionada com a familiaridade e a complexidade visual
dos itens biológicos comparativamente com os itens não biológicos. Verificámos que os itens
biológicos têm uma familiaridade19 média de 2.91 ± 0.80 (Média ± Desvio-Padrão) e uma
complexidade20 visual média de 3.35 ± 0.61 (Média ± Desvio-Padrão), enquanto que os itens
não biológicos têm uma familiaridade média de 4.08 ± 0.99 (Média ± Desvio-Padrão) e uma
complexidade visual média de 2.45 ± 0.80 (Média ± Desvio-Padrão) (p < 0.000). A baixa
familiaridade e a alta complexidade dos elementos biológicos conjuntamente com a maior
familiaridade das propriedades funcionais-associativas podem ter mascarado o mais rápido
acesso às propriedades perceptivas comparativamente às propriedades funcionais-associativas
quando se activa previamente um conceito biológico. Se os itens biológicos fossem mais
familiares e visualmente menos complexos e se as propriedades perceptivas fossem tão
familiares como as propriedades funcionais-associativas, a tendência observada para as
propriedades perceptivas serem mais rapidamente acedidas do que as propriedades
funcionais-associativas em pares formados por primes biológicos poderia ter alcançado
significância estatística.
De uma forma sumária, os resultados sugerem que o sistema semântico é amodal, ou
seja, as representações semânticas activadas por determinado conceito são sempre as mesmas
independentemente da modalidade de apresentação do estímulo. Quanto à segunda questão
investigada, verificámos que as propriedades perceptivas são mais rapidamente processadas
após a activação prévia de um item biológico e as propriedades funcionais-associativas mais

19
Os valores relativos à familiaridade pertencem às normas para a população portuguesa de Ventura
(2003).
20
Os valores relativos à complexidade visual pertencem ao estudo de Snodgrass e Vanderwart (1980).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
125

rapidamente processadas após a activação prévia de um item não biológico. Os resultados


deste estudo confirmaram assim a hipótese de Warrington e colaboradores sobre a
importância diferencial das propriedades perceptivas e funcionais-associativas na
representação de elementos de diferentes categorias semânticas.

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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
126

Centros de dia como equipamento social e alternativa à sobrecarga dos cuidadores


informais

Inácio Martín (Universidade de Aveiro e Unidade de Investigação e Formação em Adultos e


Idosos - UnIFai)
jmartin@cs.ua.pt

Mónica Teixeira (Universidade de Aveiro)

Maria João Azevedo (Unidade de Investigação e Formação em Adultos e Idosos – UnIFai e


Instituto Piaget)

Rosa Maria Mayor (Unidade de Investigação e Formação em Adultos e Idosos - UnIFai e


Hospital Magalhães Lemos)

Constança Paul (Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto e


Unidade de Investigação e Formação em Adultos e Idosos - UnIFai)

Palavras-chave:
Centros de Dia, Sobrecarga, Psicologia Ambiental

Resumo/Abstract:
As respostas sociais gerontológicas nunca foram objecto de estudo sistemático em Portugal.
Dos serviços de cuidado formal mais frequentes, destacamos os Centros de Dia para Idosos
(CDI). Estas respostas, para além de terem registado um crescimento nos últimos anos,
poderão dar um contributo importante ao nível da minimização da sobrecarga dos cuidadores.
Este contributo assume especial relevância nos casos dos cuidadores de doentes com doença
de Alzheimer (DA), representando ainda uma alternativa ao internamento prematuro. O
presente estudo tem por objectivos identificar e descrever a metodologia de avaliação dos
CDI como equipamento social e como alternativa à sobrecarga dos cuidadores informais por
meio do Adult Day Care Assessment Procedure (ADCAD).

Introdução

Em Portugal, as alterações que a estrutura demográfica tem sofrido estão bem patentes na
comparação das pirâmides de idades entre 1960 e 2000. Os dados divulgados pelo INE
(2002) indicam que pela primeira vez, em 1999, a população idosa ultrapassou em número, a
população jovem. A este aumento do número de pessoas idosas, Rodriguez (1999) acrescenta
outros factores que conduzirão ao aumento da procura de cuidados formais, apontando em
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
127

primeiro lugar, o crescimento do número de pessoas idosas e dos índices de dependência, já


que todos os países da Europa Central e Setentrional registarão, segundo as projecções, um
aumento igual ou superior a 200% de pessoas com idade superior a 80 anos, esperando-se um
crescimento de mais de 400% na Suíça, e superior a 600% na Finlândia (OCDE, 1996). No
estudo do INE (2002) afirma-se que a taxa média anual de crescimento da população com 65
ou mais anos situou-se nos 2,2%, em 2001 (à data dos Censos). No entanto, dentro da própria
população idosa o ritmo de crescimento não é homogéneo: no mesmo período, a população
com 85 e mais anos registou uma taxa de crescimento de 3,5% enquanto que o grupo dos 75 e
mais anos revelou uma taxa média de crescimento anual de 2,7%. Assim, regista-se um ritmo
de crescimento bastante mais elevado entre a população mais idosa.

A importância destes dados reside no facto de o aumento da idade nos idosos estar associada
a uma maior probabilidade de vir a sofrer condições de dependência (Dunlop, Hughes e
Manheim, 1997). Assiste-se assim, ao fenómeno do envelhecimento da própria população
idosa, que acarreta consequências em termos de protecção de saúde e social.

Em segundo lugar, existe uma menor capacidade potencial do cuidado informal para prestar
cuidado às pessoas mais dependentes. Na redução do potencial do cuidado informal verifica-
se a influência de três factores: i) crescimento do próprio número de pessoas que necessitam
de cuidados (aumento da procura do cuidado), ii) diminuição do número de pessoas da
geração seguinte (filhos ou filhas) e, iii) maior dedicação das mulheres ao mundo do trabalho
(as quais têm tido, tradicionalmente, a seu cargo a responsabilidade maioritária pela função
de prestar cuidados) (Rodriguez, 1999). Os estudos do INE (2002) em termos de descrição da
“família com idosos” em Portugal e os de Paúl e cols. (2003) em termos de comparação entre
idosos rurais e urbanos, abordam este tópico. Os resultados do INE (2002) apontam para o
facto de, entre 1991 e 2001, a proporção de famílias clássicas com idosos (incluindo as
famílias com idosos e outros, e as só de idosos) ter aumentado cerca de 23%, atingindo os
32,5%. Pode verificar-se, contudo, que enquanto as compostas por idosos e outros viram a
sua importância relativa diminuir ligeiramente, as compostas apenas por idosos aumentaram
cerca de 36% no período intercensitário. De referir ainda que do total de famílias
constituídas só por idosos, a grande maioria são constituídas por apenas um idoso (50,5%) e
por dois idosos (48,1%). Estes dados revelam que a probabilidade de um idoso poder não ter
acesso a cuidados informais aumentou entre 1991 e 2001 em Portugal, baseando-nos no
princípio, demonstrado em algumas investigações, de que a co-residência é o melhor preditor
do padrão de cuidado informal (Penrod et al., 1995; Chapell, 1991).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
128

A mais valia do trabalho de Paúl e cols. (2003) é a comparação dos contextos rural e urbano.
A percentagem de idosos que vivem sozinhos é semelhante em ambos os contextos, mas
existem diferenças em termos de quem vive com eles. A frequência dos idosos que “vivem
com o esposo/a” é mais elevada no meio rural do que no urbano, sendo que, no resto das
condições de co-residência (ex., “viver com os filhos”), estas são mais elevadas no meio
urbano.

À luz dos estudos que predizem a utilização de serviços formais (ex., Wacker, Roberto e
Piper, 1997), colocamos a hipótese de que o cuidado informal no contexto rural tenderia a
verificar-se em termos de substituição (internamento em lar quando o cuidador informal se
encontra indisponível), enquanto que, o cuidado informal no contexto urbano tenderia a
verificar-se em termos de complementaridade (utilização de apoio domiciliário e centros de
dia).

Centros de Dia na literatura internacional

A crise do sistema de internamento como único recurso para aqueles que se encontram em
situação de dependência é irreversível, tendo-se em sua alternativa assistido à promoção do
sistema de apoio comunitário (Rodríguez, 1996). Investigadores como Tester (1989) e
Wacker e cols (1997) consideram os Centros de Dia para Idosos (CDI) como serviços
comunitários, tais como outros serviços também em expansão como o apoio domiciliário e a
teleassistência, já que não implicam uma residência fora do contexto social de referência do
idoso.

O início dos Centros de Dia (CD) é recente, tendo a sua evolução sido muito rápida, ainda
que a sua importância actual permaneça por avaliar. Internacionalmente, os CD
desenvolveram-se a partir do campo psiquiátrico. Fulmer e Edelman (1991) indicam que o
primeiro centro de dia documentado foi na União Soviética nos anos quarenta, sendo que a
abertura do primeiro Centro de Dia na Europa ocorreu em Londres em 1945 (Teasdale,
1988).

O primeiro CDI foi criado no início dos anos cinquenta, tendo estes apresentado um rápido
desenvolvimento na década de oitenta (Samuelsson, Malmberg, e Hansson, 1998).
Exceptuando o caso do Reino Unido, em que o modelo de atenção geriátrica se divide
claramente entre Hospitais de dia e CDI, tanto nos EUA como nos restantes países europeus,
tem-se gerado uma grande variedade de sistemas de atenção diurna cujos programas se
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
129

inclinam, em alguns casos, para objectivos claramente sanitários e reabilitadores, e noutros


para fins de carácter mais psicossocial, condicionados de forma muito directa pelo tipo de
instituição que os promove.

Os Centros de Dia como alternativa à sobrecarga dos cuidadores

A metodologia de intervenção com os cuidadores informais pode ser conceptualizada em


duas estratégias diferentes (i) redução das exigências pessoais, e (ii) aumento dos recursos
pessoais. Esta forma de conceber as estratégias de intervenção com esta população baseia-se
nos modelos de stresse aplicados aos cuidadores informais de Pearlin (1989) e Pearlin e cols.
(1990).

A estratégia de redução das exigências pessoais é definida por George (1987; citado em
Wacker et al., 1997) como o serviço temporário de supervisão, de satisfação de necessidades
pessoais ou de cuidados de enfermagem para idosos com alguma incapacidade física ou
mental. Os CDI enquadram-se nesta estratégia de redução de exigências pessoais.

Os CDI como alternativa à sobrecarga dos cuidadores funcionam como um programa de


cuidado formal e comunitário que vem diminuir a intensidade do trabalho de cuidado
informal necessário, não pretendendo anular ou desresponsabilizar o cuidador informal.
Da revisão da literatura pode-se destacar, em primeiro lugar, os estudos que avaliaram quais
as características dos cuidadores informais ou do contexto associadas ao uso de CDI. Os
estudos de Cohen-Mansfield e cols (1994) e de Kirwin (1988), consideram existir uma clara
subutilização dos serviços de CDI por parte dos potenciais utilizadores. No estudo de Kirwin
destaca-se um forte uso dos CDI por parte dos cuidadores de doentes com Doença de
Alzheimer (DA) e problemáticas semelhantes, enquanto no estudo de Cohen-Mansfield e
cols. (1994), a não utilização dos CDI parece estar associada com a percepção por parte dos
cuidadores da diferença entre o tipo de serviços oferecidos pelo CDI e o tipo de incapacidade
do idoso. Outros factores que parecem estar associados com a decisão de não usar CDI,
referem-se a elementos externos, tais como o custo do transporte, a recusa por parte do idoso,
ou o uso de outros serviços de cuidado formal.
Relativamente a este tópico deve-se destacar o facto de a distribuição dos CDI ser diferente
nos contextos rural e urbano. Segundo Conrad e cols. (1993b), aproximadamente três em
cada quatro CDI situam-se no contexto urbano. Os CDI rurais tendem a ter menores níveis
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
130

de ingressos económicos, uma população com menores níveis de incapacidade, e


consequentemente, também menores serviços clínicos.

Outro factor distintivo prende-se com o facto de o tipo de incapacidades (principalmente as


problemáticas cognitivas como a DA) influenciar a probabilidade de utilizar serviços de
CDI, e influenciar também a própria natureza dos cuidados prestados no CDI. No estudo de
Conrad e Guttman (1991) compara-se os CDI com idosos com DA versus os CDI com idosos
sem DA. Os resultados apontam para o facto de os CDI com idosos com DA prestarem mais
serviços de carácter terapêutico, de assistência em termos de actividades de vida diária, treino
e entretenimento.
Numa outra perspectiva, existem os estudos que tentam descrever o impacto positivo nos
cuidadores (principalmente de doentes com DA) da utilização de serviços de CDI. No estudo
de Zarit e cols (1998) comparou-se o impacto psicológico do cuidado entre cuidadores
utilizadores de CDI, com o impacto verificado num grupo de controlo (utilizadores de outros
serviços de apoio comunitário e não utilizadores de serviços). Os resultados depois de 3
meses mostram que o grupo que utilizou o CDI tem pontuações significativamente mais
baixas que o grupo de controlo em duas das três medidas de stressores primários (sobrecarga
e pressão) e em duas das três medidas de bem-estar (depressão e ira). Os resultados após um
ano mostram que o grupo de utilizadores do CDI tem níveis mais baixos de sobrecarga e de
depressão que o grupo controlo. Estes autores concluíram que os cuidadores de doentes com
DA que usam CDI, evidenciam melhores indicadores de stress associado ao cuidado informal
e melhores indicadores em termos de bem-estar psicológico quando comparados com o grupo
controlo. O único estudo que não mostra resultados positivos da utilização dos CDI é o de
Baumgarten e cols (2002).
O facto de ser cuidador de um ou mais idosos com DA aumenta a probabilidade de usufruir
dos serviços de um CDI, e o facto de os cuidadores de idosos com DA evidenciarem uma
redução do seu nível de stress com a utilização destes equipamentos, não são elementos
isolados. Pode-se afirmar que a utilização destes serviços representa, de facto, uma estratégia
de coping que permite a estes cuidadores lidar com a sobrecarga. Esta relação não se verifica
de modo tão claro noutro tipo de cuidadores, em comparação com cuidadores de idosos com
DA.
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131

Os Centros de Dia como alternativa ao internamento dos idosos funcionalmente


dependentes

O trabalho de Kosloski e Montgomey (1995, citado em Rodriguez, 1996) confirma a


influência dos CDI na diminuição da probabilidade de institucionalização, ou pelo menos, no
adiamento da admissão em Lares de Idosos (LI). Este resultado pode ser explicado pelo facto
de a decisão de optar por uma solução institucional se produzir sobretudo em situações de
crise, quando a pessoa ou a família cuidadora se sente bloqueada pelo excesso de tensão
acumulada, devido quer à sua sobrecarga enquanto cuidadores, quer à sensação de a pessoa
idosa não estar a ser atendida adequadamente.

Propõe-se a tese de os CDI constituírem uma alternativa ao internamento pelo facto de


funcionarem como um mecanismo que garante que a intensidade dos cuidados prestados é
relativamente elevada, ao mesmo tempo que apresentam vantagens, do ponto de vista
económico.

Complementando esta ideia, Wolf-Klein, Maar, e Foley (1988) consideram que os CDI são
um bom sistema, permitindo aos serviços de saúde coordenar as diferentes áreas do cuidado
médico aos idosos, e representando uma opção de cuidado a longo prazo para as famílias dos
idosos dependentes; ao mesmo tempo, permitem a compatibilidade da função de cuidador
informal (assumido com maior frequência por mulheres) com o trabalho remunerado
(Rodriguez, 1996). Os CDI são uma boa opção, uma vez que podem prestar serviços
altamente especializados, e permitem uma grande flexibilidade na gestão de programas
individualizados de intervenção.

No quadro que se segue (quadro 1) apresentam-se os diferentes tipos de serviços que podem
ser prestados por um CDI, segundo Dompedro (1996).
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Quadro 1
Potenciais serviços de um Centro de Dia para Idosos (CDI)

SERVIÇOS SERVIÇOS SERVIÇOS


BÁSICOS ESPECIALIZADOS COMPLEMENTARES
Serviços de Restauração Programas de Saúde Física Cafetaria
Programas de Cuidados de
Serviços de Transporte Cabeleireiro
Enfermagem
Serviço de Higiene Programas de Fisioterapia Tratamento de roupas
Serviço de supervisão e Programas de Terapia
Lojas
promoção da saúde Ocupacional
Serviço de informação Serviços Psicológicos Biblioteca

Actividades recreativas e sociais Serviços Sociais Serviços religiosos


Intervenção Psicossocial com
Serviço Administrativo
Famílias
Serviço de Atenção Directa Animação Sócio-cultural

Podem resumir-se as conclusões retiradas quanto ao papel dos CDI como alternativa ao
internamento, nas seguintes noções: os CDI permitem reduzir a carga de cuidado dos
cuidadores informais, fazendo com que a opção pelo internamento seja feita mais tarde,
quando os níveis de dependência do idoso são mais elevados. Uma descrição pormenorizada
dos grupos de potenciais utentes para estas organizações encontra-se em Montalbo (1996).

Avaliação dos Centros de Dia a partir do paradigma da psicologia ambiental: The Adult
Care Assessment Procedure (ADCAD) (Conrad, 1993a)
A família de instrumentos que se utilizam para avaliação dos CDI enquadra-se dentro do
trabalho da psicologia ambiental de Moss e Lemke iniciado na década de oitenta na avaliação
de LI (Moss e Lemke,1994), desenvolvendo-se posteriormente para CDI por Conrad e cols.
(1993a). Este instrumento avalia quatro dimensões dos CDI, nomeadamente: (1) serviços e
actividades, (2) ambiente social, (3) estrutura, e (4) caracterização dos utentes. Uma descrição
mais pormenorizada do tipo de variáveis que constituem as diversas dimensões (escalas) do
instrumento encontra-se no Quadro 2.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Quadro 2
Áreas do ADCAP relativas a serviços e actividades, ambiente social, estrutura e caracterização dos
utentes - exemplos dos itens
Escala de Serviços e Actividades Escala de Estrutura
Variável Variável
Itens (Exemplos) Itens (Exemplos)
(n.º itens) (n.º itens)
N.º de utentes dividido pelo
Serviços Clínicos  Cuidados Dentários
 Exames Auditivos
n.º total de trabalhadores a  Não aplicável
(CLN, 7 itens)
tempo inteiro
 Revisão do Plano individual de
Planificação de cuidados Gestão  Presença de formação
Cuidado
(PLAN, 8 itens) (4 itens) formal
 Planificação da alta
 Iluminação
Reabilitação Condições físicas
 Fisioterapia  Odores
(REH, 3 itens) (8 itens)  Limpeza de paredes/chão
 Cuidados em AVD(B)
Cuidados Pessoais e Treino Adaptações Arquitectónicas  Mobília adaptada às
 Treino em AVD(B)
(CARE, 10 itens) (4 itens) necessidades dos utentes
 Orientação à Realidade
 Tratamento de Roupa
Serviços Pessoais e de Alivio  Serviço de alivio nos fins-de- Segurança  Presença de corrimãos
(SVC, 4 itens) semana (4 itens) nos corredores

Aconselhamento Transporte  Presença de veículos para


 Atendimento Individual
(CNSL, 9 itens) (3 itens) transporte
 Programas Educacionais para
Suporte à Família Horários  N.º de horas de
as famílias
(FAM, 6 itens) (5 itens) funcionamento às 2ª feiras
 Grupos de Ajuda Mútua
Animação Terapêutica  Arte-terapia Localização urbana vs.  Definição segundo os
padrões estatísticos locais
(TREC, 2 itens)  Musicoterapia rural (1 item) (INE)
 Festas
Entretenimento Tempo de viagem  Tempo de viagem
 Saídas ao campo
(ENT, 8 itens) (1 item) estimado
 Clubes
Passatempos  Jogos Publicidade do CDI  Jornais
(PAS, 3 itens)  Passatempos (hobbies) (6 itens)  Outros meios jornalísticos

N.º total de contactos  Recepção de clientes do
Escala de Ambiente Social (32 itens) hospital

Variável Inscrições  Nº de utentes atendidos


Itens (Exemplos) (1 item) durante a semana
(n.º itens)
Afectuosidade/Extroversão  Disponibilidade do staff para Atendimento  Nº de atendimentos
(6 itens) com os utentes (1 item) durante a semana
Participação social  Importância do envolvimento Visitas dos utentes por  Nº de visitas dos utentes
(7 itens) da família no programa do CDI semana (1 item) por semana
Problemas morais  Existência de discussões dos N.º de utentes em lista de  N.º de utentes (potenciais)
(12 itens) utentes entre si espera (1 item) em lista de espera
Promoção Autonomia  Os utentes podem organizar Espaços do CDI  N.º do total de espaços,
(12 itens) actividades por iniciativa própria (1 item) tamanhos, .
Comunicação  Os utentes falam abertamente
(12 itens) acerca dos seus problemas Caracterização dos Utentes
Cooperação do Sfaff Variável
(12 itens)  Trabalho do staff como equipa Itens (Exemplos)
(n.º itens)
Controlo da Direcção  Uma das funções da direcção é % de utentes com DA
(12 itens) a avaliação dos subordinados (1 item)
% depressão  Estimar a percentagem dos
(1 item) clientes que encaixam em
% incontinência urinária cada uma das categorias
(1 item)
% incapaz de andar
(1 item)
 Comer
AVD(B)  Vestir-se
(3 itens)  Andar
 Utilizar dinheiro
AVD(I)
 Usar telefone
(3 itens)  Ir às compras
Idade
 Idade média
(1 item)
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
134

As Escalas de Serviços e Actividades avaliam a ocorrência de um grupo de serviços e


actividades nos CDI, num total de 10 escalas. Cada item é respondido numa escala tipo Likert
de cinco pontos desde (1) nunca, raramente ou apenas na admissão, (2) poucas vezes ao ano,
(3) mais de duas vez por mês, (4) semanalmente, até (5) diariamente.
As Escalas de Ambiente Social avaliam o clima social dos CDI, num total de 7 escalas. Os
itens desta escala são também respondidos numa escala de resposta tipo Likert de quatro
pontos desde (1) discordo completamente, (2) discordo, (3) concordo, até (4) concordo
completamente.
As Escalas de Estrutura avaliam os recursos disponíveis (ambiente arquitectónico, condições
de segurança e de transporte, etc.) que permitem a prestação dos serviços do CDI. As
características referentes à estrutura estão divididas em duas categorias gerais: (1) aquelas
que promovem a acessibilidade ao CDI e (2) aquelas que promovem a qualidade de vida dos
utentes.
A Caracterização dos Utentes calcula a proporção de utentes que podem desenvolver cada
uma das Actividades de Vida Diária (AVD(Básica) e AVD(Instrumental)) em três categorias
de resposta: (1) sem ajuda, (2) com alguma ajuda, e (3) incapacidade total. As restantes
características dos utentes são calculadas através da percentagem em determinadas categorias
(incontinência urinaria, depressão, DA e incapacidade de andar).

Conclusões: Programas de Avaliação Ambiental de Centros de Dia


Espera-se que os programas de avaliação ambiental dos CDI tenham um impacto positivo nas
instituições e comunidades, promovendo mudanças nas políticas sociais para os idosos a três
níveis: (1) ao nível institucional, aumentando a qualidade dos serviços e oferecendo novas
oportunidades para os idosos manterem o controle sobre as suas vidas e aumentarem a sua
autonomia dentro do contexto da sua comunidade; (2) ao nível da comunidade, prevenindo a
institucionalização prematura dos idosos ainda capazes de uma vida autónoma, oferecendo-
lhes melhores serviços e cuidados nos CDI, e por último (iii) ao nível político, pode
disponibilizar aos agentes políticos um conjunto de informação actual e relevante que lhes
possa ser útil no sentido de repensarem as políticas para a terceira idade. Este tipo de
avaliação pode igualmente ser útil em termos de criação de um futuro enquadramento legal
acerca dos CDI, actualmente inexistente em Portugal.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
135

BIBLIOGRAFIA

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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Uma discussão teórica em torno das principais linhas de investigação da depressão


numa perspectiva psicológica

Rui C. Campos (Assistente do Departamento de Psicologia da Universidade de Évora)


rcampos@uevora.pt

Palavras-Chave:
Depressão, investigação, discussão teórica.

Resumo/Abstract:
Neste trabalho, discutimos as sete linhas de investigação da depressão do ponto de vista
psicológico que consideramos mais relevantes, bem como as suas interfaces. Na literatura
encontramos diversos tipos de estudos que se centraram em diferentes aspectos da depressão:
etiológicos, fenomenológicos, psicométricos, epistemológicos e epidemiológicos. Consideramos
que a investigação sobre a depressão poderá centrar-se: (1) no estudo dos seus antecedentes
distais; (2) no estudo dos acontecimentos disruptivos que contribuem para o surgimento de
episódios depressivos (antecedentes proximais) e na sua interacção com as características de
personalidade prévias; (3) no estudo dos traços e da personalidade depressiva, nas características
de personalidade do sujeito com depressão e no estudo da relação entre personalidade e
depressão; (4) no teste da hipótese da continuidade ou dimensionalidade da patologia
depressiva; (5) no estudo das depressões crónicas e dos factores psicológicos que contribuem
para a cronicidade da depressão; (6) na realização de estudos epidemiológicos sobre a
prevalência de sintomas e traços depressivos em diferentes populações; e (7) na construção ou
adaptação de instrumentos para avaliar sintomas e traços depressivos, instrumentos que são
necessários para poder estudar os aspectos anteriormente referidos, mas que, ao mesmo tempo,
são úteis para ser utilizados na prática clínica.

Introdução

Ao olharmos a literatura existente sobre a depressão, não podemos deixar de nos


surpreender com a sua abissal extensão. Podemos dizer que os contributos para o seu
entendimento provêem de diversas escolas ou tradições de investigação. A escola psiquiátrica
deu importantes achegas ao estudo da depressão, mesmo que excluamos os estudos específicos
sobre uma possível hereditabilidade da patologia depressiva. O mesmo acontece com a escola
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
138

psicanalítica, apesar de por vezes se afirmar que as formulações teóricas do modelo


psicodinâmico se baseiam pouco na investigação, ou que deram origem a poucos estudos.
Diversos autores desta escola têm apresentado estudos empíricos sobre a personalidade
depressiva ou as características internas dos sujeitos com depressão, por exemplo. Mas também
autores de outras escolas psicológicas, nomeadamente os da escola cognitivista, investigaram
sobre a depressão.
Nesta vasta literatura encontramos diversos tipos de trabalhos. Alguns estudaram a
etiologia da depressão, outros, que podemos designar de psicométricos, preocuparam-se em
construir instrumentos para avaliar a depressão: ou operacionalizando determinadas
conceptualizações sobre esta patologia, ou, por outro lado, desenvolvendo provas de forma
ateórica (sem pretender operacionalizar nenhuma teoria), compostas por conjuntos de itens que
simplesmente correspondiam a sintomas depressivos identificados pelos doentes. É disto um
exemplo, um dos instrumentos unidimensionais mais utilizados em todo o mundo, o Inventário
de Depressão de Beck (BDI). Encontramos ainda investigações de cariz epidemiológico que
estudaram a prevalência da depressão em diversos grupos. E também outros, que designamos de
fenomenológicos, centrados nas diversas categorias nosológicas da depressão, por exemplo,
distímia, depressão major, na sua evolução, na validade e precisão do seu diagnóstico, na sua
sobreposição e relação com outras categorias diagnósticas, nos seus correlatos externos, nas
características de personalidade dos sujeitos com esses quadros, etc. Finalmente encontramos
um conjunto de trabalhos que, de alguma forma, apresentam, se assim podemos dizer, um
carácter epistemológico. Centraram-se, se nos é permitido dizer desta forma, na questão do que
é realmente a depressão, por exemplo, quando se propõem testar a hipótese da continuidade da
depressão. Será que esta patologia corresponde a um conjunto de categorias com fronteiras bem
delimitadas, ou antes a um contínuo dimensional em que a diferença entre os graus ligeiros e
graves de depressão é sobretudo quantitativa e não qualitativa?

Tentando sistematizar esta vasta literatura, pensamos que a investigação sobre a


depressão do ponto de vista psicológico se pode organizar, fundamentalmente, em sete grandes
linhas ou vectores: (1) no estudo dos seus antecedentes distais; (2) no estudo dos acontecimentos
disruptivos que contribuem para o surgimento de episódios depressivos (antecedentes
proximais) e da sua interacção com as características de personalidade prévias; (3) no estudo dos
traços e da personalidade depressiva, nas características de personalidade do sujeito com
depressão e no estudo da relação entre personalidade e depressão; (4) no teste da hipótese da
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139

continuidade ou dimensionalidade da patologia depressiva; (5) no estudo das depressões


crónicas e dos factores psicológicos que contribuem para a cronicidade da depressão; (6) na
realização de estudos epidemiológicos sobre a prevalência de sintomas e traços depressivos em
diferentes populações; (7) na construção ou adaptação de instrumentos para avaliar sintomas e
traços depressivos.
Obviamente que esta divisão, como qualquer outra, apresenta um carácter de certo modo
arbitrário, havendo diversas interfaces entre os diferentes vectores delineados.

1- Estudo dos antecedentes distais da depressão

Como é sabido, a escola psicanalítica, especificamente a teoria das relações de objecto,


considera que a depressão tem origem em perturbações nas relações do sujeito com as figuras
significativas na infância. Algumas conceptualizações distinguem até modelos clínicos de
depressão com base no predomínio de determinado tipo de experiências precoces disfuncionais
e na cronologia das experiências traumáticas. Também, segundo alguns autores, estas
experiências precoces originariam representações objectais disfuncionais, uma espécie de
working models na linguagem de Bowlby. Estes acontecimentos continuariam, de certa forma, a
actuar por intermédio destas representações. Constituir-se-ia assim, determinado tipo de
estruturas de personalidade que predisporiam os sujeitos à depressão, que ocorreria mais tarde
nestas personalidades vulneráveis devido à influência de acontecimentos de vida disruptivos.
Neste sentido, diversos trabalhos têm tentando estudar empiricamente a relação entre
representações objectais disfuncionais e o fenómeno depressivo. Salientamos, dada a sua
importância, os trabalhos de Sidney Blatt e colegas (Blatt, 2004; Blatt & Homann, 1992; Blatt,
Wein, Chevron. & Quinlan, 1979; Quinlan, Blatt, Chevron & Wein, 1992), que observaram a
relação entre representações objectais e tipos de depressão, anaclítica e introjectiva.
Em alguns dos estudos em que se avaliaram as representações internas utilizaram-se
metodologias em que os sujeitos descreviam, retrospectivamente, os seus pais; em outros,
menos numerosos, usaram-se avaliações clínicas das experiências precoces dos pacientes; e em
alguns casos ainda, utilizaram-se questionários ou diferenciais semânticos.

2- Estudo dos acontecimentos disruptivos que contribuem para o surgimento de episódios


depressivos (antecedentes proximais) e da sua interacção com as características de
personalidade prévias
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
140

Vários autores, como é o caso de Blatt (1974, 2004) de um ponto de vista psicodinâmico,
Bowlby (1980) de um ponto de vista etológico e também psicodinâmico, Beck (1983) de um
ponto de vista cognitivo-comportamental, ou ainda Arieti e Bemporad (1980) de um ponto de
vista interpessoal, propõem modelos de diatese/stress (Blatt & Zuroff, 1992; Hokanson &
Butler, 1992). Ou seja, consideram que a depressão teria origem em perturbações específicas do
desenvolvimento, ocorrendo mais tarde no ciclo de vida em resposta a acontecimentos também
específicos (congruência personalidade - acontecimento) e manifestando-se em diferentes
padrões de sintomas (congruência personalidade - expressão sintomática).
Especificamente e a título de exemplo, refira-se que o trabalho de Blatt e colegas (Blatt,
1990, 2004; Blatt, D’Afllitti & Quinlan 1976; Blatt & Zuroff, 1992) conceptualizou e
apresentou algumas evidências empíricas sobre uma possível relação entre as características
dependentes da personalidade e uma ocorrência de episódios depressivos com características
anaclíticas, sobretudo no seguimento de quebras ou perturbações na esfera interpessoal. Da
mesma forma, os indivíduos com personalidades auto-críticas apresentariam vulnerabilidade
para desenvolverem depressões introjectivas, em resposta a factores perturbadores da auto-
estima, da identidade e da realização pessoal. Esta relação de predisposição ou de diatese seria
consideravelmente mais forte para o caso da dependência (Nietzel & Harris, 1990; Robins,
1995). Coyne e Whiffen (1995), no entanto, referem que nem sempre os resultados apoiam estas
duas trajectórias (pathways).
A ênfase nesta linha de investigação tanto pode ser na interacção entre o tipo de
acontecimentos stressantes e o estilo de personalidade prévio, como na relação entre estes
acontecimentos e o tipo e até mesmo a gravidade da depressão resultante, ou na interacção entre
os três aspectos. Será, por exemplo, que quando o que precipita o estado depressivo são
problemas relacionais, a depressão resultante é sobretudo centrada em aspectos anaclíticos e é
mais grave? E como é que a personalidade prévia modula esta relação?

3- Estudo dos traços e da personalidade depressiva, das características de personalidade


do sujeito com depressão e da relação entre personalidade e depressão

Para compreender a depressão, não do ponto de vista dos seus sintomas mas do ponto de
vista do funcionamento interno, é incontornável tentar compreender como se articula com a
personalidade. Precisamente na charneira entre personalidade e depressão surge o conceito de
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
141

personalidade depressiva, conceito que tem sido descrito e investigado por autores de várias
escolas, especialmente da escola psiquiátrica alemã e da escola psicanalítica.
A relação entre depressão e personalidade tem sido objecto de muitos estudos empíricos
e conceptualizada de formas diversas. Existem vários tipos de modelos de relação entre
personalidade e depressão (e. g.: Klein, Wonderlich & Shea, 1993; Phillips, Gunderson,
Hirschfeld & Smith, 1990), nomeadamente patoplásticos, etiológicos e de espectro. Apesar de
teoricamente serem distintos, o que parece acontecer é que se torna difícil distingui-los em
termos práticos. Isto porque, quando olhamos para um dado modelo, verificamos que partilha
alguns aspectos subtis com os outros.
Diversas questões empíricas decorrem dos pressupostos destes diferentes modelos. Por
exemplo, de que forma as características de personalidade moldam a expressão sintomática da
depressão? Será que determinadas configurações de personalidade predispõem o sujeito a
episódios depressivos? Será que a depressão clínica, major, se situa no extremo de um contínuo
com a personalidade normal? Quais as características de personalidade que encontramos nos
sujeitos depressivos? E será que são as mesmas que estão presentes nos sujeitos sem depressão
clínica mas num grau menos intenso? E onde se situa aqui o conceito de personalidade
depressiva e qual a sua relação com o estado depressivo? E as depressões crónicas, onde se
situam? Diferem da tão discutida personalidade depressiva?

4- Teste da hipótese da continuidade ou dimensionalidade da patologia depressiva

O debate da questão da continuidade, questão que se pode juntar às que enumerámos no


ponto anterior, permanece um dos tópicos de maior interesse na literatura sobre a depressão
(Flett, Vredenburg & Krames 1997). A questão da continuidade pode ser colocada da seguinte
forma: será que os graus ligeiros a moderados de depressão diferem quantitativamente, em
termos de grau, ou qualitativamente, em termos de tipos de sintomas, quando comparados com a
depressão major? Flett et al. consideram fundamentalmente quatro formas de definir e testar
esta continuidade: a continuidade fenomenológica, a continuidade tipológica, a continuidade
etiológica numa perspectiva desenvolvimentista e a continuidade psicométrica.
Trata-se de uma polémica que está longe de ter uma resolução definitiva. Ao revermos
exaustivamente a literatura relativa ao tema, verificamos que a grande maioria das evidências
suporta a hipótese da continuidade (veja-se por exemplo, Cox, Enns, Borger & Paker, 1999;
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
142

Cox, Enns & Larsen, 2001; Flett et al., 1997). No entanto, existem também estudos que não
apoiam esta hipótese (veja-se Coyne, 1994; Santor & Coyne 2000).
O debate sobre a questão da continuidade da depressão é de extrema importância. Não é
uma discussão meramente académica. É igualmente relevante para outras formas de
psicopatologia, como por exemplo, a ansiedade ou as perturbações da personalidade. Também
aqui se pode colocar a questão de saber se as condições sub-clínicas e as condições diagnósticas
são similares do ponto de vista qualitativo. A questão da continuidade ou dimensionalidade da
depressão é apenas um aspecto específico de um debate mais vasto sobre qual é a melhor
estrutura para representar a psicopatologia e qual é a relação desta com a personalidade dita
normal. Será que as diferentes patologias podem ser entendidas como situando-se nos extremos
de diferentes contínuos ou espectros com a personalidade normal?
A discussão em torno da continuidade tem importância para a implementação da
intervenção terapêutica. Se se considera existir uma continuidade entre as formas sub-clínicas e
clínicas de psicopatologia, então os sujeitos com formas sub-clínicas da perturbação requerem
intervenção terapêutica uma vez que experienciam mal-estar e disfuncionamento.

5- Estudo das depressões crónicas e dos factores psicológicos que contribuem para a
cronicidade da depressão

Tendo em conta a maioria dos estudos longitudinais, uma média de 15% dos casos de
depressão apresentam um padrão crónico (Duggan, citado por Gastó, 1999; Robins & Guze,
citados por Akiskal, 1991). Talvez a principal questão que se pode colocar seja: quais são os
factores que contribuem para a cronicidade? Porque é que algumas depressões evoluem de
forma contínua no tempo, independentemente de poderem apresentar episódios depressivos
agudos sobrepostos, como no caso da depressão dupla, e não evoluem simplesmente por
episódios mais ou menos graves que remitem?
Neste sentido, vários estudos têm tentado identificar os factores de cronicidade da
depressão (veja-se por exemplo, Gastó, 1999). Importa sublinhar que as falhas no tratamento
não podem explicar, pelo menos completamente, a eventual cronicidade da depressão (Akiskal,
1991). Akiskal (1983), por exemplo, argumenta que se muitas depressões remitem
espontaneamente ou evoluem por episódios, então o tratamento inadequado não pode ser o
principal responsável pela cronicidade.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
143

Parece-nos ser de particular interesse o estudo das características de personalidade dos


sujeitos que apresentam depressões crónicas ou, o mesmo é dizer, o estudo de quais os sintomas
que mais facilmente se cronificam, que, no fundo, passam a constituir características estáveis do
sujeito com depressão crónica.

6- Realização de estudos epidemiológicos sobre a prevalência de sintomas e traços


depressivos em diferentes populações

Nunca é demais salientar a importância deste tipo de estudos, nomeadamente porque o


estudo da prevalência das diversas doenças, em geral, e das perturbações mentais, em particular,
é importante para o planeamento dos serviços se saúde (o tipo de procedimentos terapêuticos
requeridos e a organização dos serviços de saúde numa dada área populacional deverá depender
da frequência dos diferentes tipos de perturbações nessa mesma população).
São estudos habitualmente demorados e que exigem bastantes recursos. Infelizmente,
entre nós, ainda escasseiam estudos epidemiológicos sobre as diversas perturbações mentais,
nomeadamente sobre a depressão e, em especial, na população adulta não psiquiátrica.
É sabido que a depressão é uma patologia bastante prevalente. Entre nós, segundo o
censo psiquiátrico de 2001 da Direcção Geral de Saúde (Bento, Carreira & Heitor, 2001), a
depressão foi a segunda patologia psiquiátrica mais frequente, a seguir à esquizofrenia, com
14,9% dos casos, numa amostra de 66 instituições de saúde. Relativamente às consultas
externas, foi mesmo a mais frequente, com 21,5% dos casos. Para além do censo psiquiátrico, é
de salientar dois estudos realizados com a população utilizadora dos cuidados de saúde
primários (Amálio et al., 2004; Gonçalves & Fagulha, 2004a). Existem também alguns estudos
com adolescentes (e. g.: Cardoso, Rodrigues & Vilar, 2004) ou com estudantes universitários (e.
g.: Campos & Gonçalves, 2004). Num estudo ainda não publicado, observámos também a
prevalência de traços depressivos nesta última população.

7- Construção ou adaptação de instrumentos para avaliar sintomas e traços depressivos

A construção ou adaptação de instrumentos de medida serve sempre um duplo propósito.


No caso específico da temática abordada, torna-se necessária para poder investigar os diversos
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
144

aspectos relativos à depressão que referimos ao longo deste trabalho, por exemplo, avaliar os
sintomas depressivos numa dada população. Mas, ao mesmo tempo, é extremamente útil para a
prática clínica. Obviamente que a construção de instrumentos permite, também, operacionalizar
e, portanto, testar de alguma forma a validade de determinado modelo ou conceptualização
psicológica sobre a depressão.
Embora não seja aqui o espaço apropriado para uma reflexão sobre as contingências dos
procedimentos de adaptação de instrumentos de medida psicológica de referência, não podemos
deixar de acentuar a escassez e, ao mesmo tempo, as dificuldades que este tipo de estudos
apresenta no nosso país. A adaptação destas provas psicológicas, da mesma forma do que os
estudos epidemiológicos, requer equipas numerosas de psicólogos e, consequentemente, verbas
disponíveis para realizar as investigações. Por outro lado, os testes psicológicos parecem estar a
tornar-se um negócio. Por exemplo, sublinha-se o rigor ético da utilização de testes, mas ao
mesmo tempo, vendem-se provas em língua estrangeira, cujo destino óbvio é serem traduzidas
‘sobre o joelho’ por quem as compra e(ou) sem a devida autorização dos autores ou editor da
prova Por outro lado, não poucas vezes, as editoras de outros países pedem ‘verdadeiras
fortunas’ para autorizar a adaptação e consequente comercialização de algumas provas
psicológicas no nosso país.
De qualquer forma, nos últimos anos, tem-se assistido a um esforço considerável para
adaptar para a nossa população instrumentos de medida psicológica de referência. Embora
relativa a outra temática, não podemos deixar de aqui referir, por exemplo, a WISC-III.
Especificamente na temática que abordamos neste trabalho, salientamos dois exemplos: a Escala
de Depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos (CES-D) (Radloff, 1977), adaptada para a
população portuguesa por Gonçalves e Fagulha (2004b, 2004c) e o Inventário de Depressão de
Beck-II (BDI-II) (Beck, Steer & Brown, 1996), adaptado por nós em trabalho ainda não
publicado. Seria interessante poder adaptar outros instrumentos, como a Escala de Depressão de
Hamilton (HRSD), ou mesmo entrevistas estruturadas que avaliem diversos tipos de sintomas
psicopatológicos.

Conclusão

Dada a complexidade do fenómeno depressivo e a extensão da literatura existente,


pensámos ser importante delinear grandes linhas de investigação sobre esta temática, na
esperança de que esta sistematização possa ser útil para todos aqueles que a investigam e que
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
145

possa estimular essa mesma investigação, que sabemos ser, infelizmente, ainda relativamente
escassa em Portugal.
O estudo da depressão tem, em nosso entender, uma importância única. A depressão é
um paradigma da psicopatologia porque a sua compreensão serve parra outras formas de
patologia; é um modelo universal da perda e do sofrimento afectivo e, citando de memória o
mestre, Coimbra de Matos, não há patologia mental sem perda afectiva. A depressão é
fundamentalmente uma doença psíquica, que afecta o funcionamento psíquico,
independentemente de se considerar um peso maior ou menor de causas biológicas e de outros
factores. Entendida no seu sentido mais lato e enquanto paradigma da compreensão do
funcionamento psicopatológico, em termos puramente psicodinâmicos, a depressão é esse
espaço mental de sofrimento e de resposta à perda, mas também pode ser um tempo único de
elaboração e crescimento psíquico.

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Produção experimental de memórias falsas utilizando um paradigma baseado em


imagens

Alda Martins (Departamento de Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais,


Universidade do Algarve)
Luís Faísca (Departamento de Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais e
Centro de Sistemas Inteligentes, Universidade do Algarve)

Palavras-chave:
Memórias falsas, prova de memória visual; validade ecológica

Resumo/Abstract:
A investigação experimental sobre memórias falsas envolve frequentemente tarefas de
memorização de listas de palavras. A validade ecológica deste paradigma tem sido criticada,
pois as memórias falsas induzidas podem reflectir a especificidade da situação experimental.
Com o objectivo de contribuir para a naturalização do estudo das distorções da memória,
desenvolvemos um paradigma utilizando desenhos representativos de cenas temáticas
quotidianas nas quais se omitiram elementos típicos que foram posteriormente utilizados na
fase de reconhecimento como itens críticos indutores de memórias falsas. Observou-se que,
em média, 49% dos itens críticos foram falsamente reconhecidos (comparativamente com o
reconhecimento médio de itens presentes e ausentes da ordem de 77% e de 10%,
respectivamente). Concluiu-se que o paradigma utilizado permite gerar memórias falsas num
contexto experimental com validade ecológica.

1. Introdução
Desde o início do século XX que os psicólogos se interessam pelos processos que levam a
falhas ou distorções da memória (Loftus & Pickrell, 1995). Nos últimos anos a investigação
experimental destes processos tem recorrido ao paradigma desenvolvido por Deese na década
de 50 e aperfeiçoado nos anos 90 por Roediger e McDermott (paradigma DRM). Este
paradigma envolve a memorização de listas compostas pelos associados semânticos mais
fortes de uma palavra que não é incluída na lista (item crítico). Quando se pede aos sujeitos
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150

para recuperarem as palavras memorizadas, tem-se constatado que as palavras associadas


omitidas (itens críticos) são falsamente evocadas e reconhecidas quase tão frequentemente
quanto as palavras presentes nas listas (Roediger & McDermott, 1995; Stadler, Roediger &
McDermott, 1999). Verifica-se ainda que o nível de confiança dos sujeitos relativamente à
presença destes itens críticos é idêntico ao nível de confiança nos itens realmente presentes
nas listas (Wright & Loftus, 1998). Finalmente, quando lhes é solicitado para efectuarem
julgamentos de metamemória “lembrar versus saber” (Tulving, 1985), os sujeitos
caracterizam as memórias falsas do item crítico como tendo uma natureza semelhante às suas
memórias verdadeiras: as recordações avaliadas como “lembrar” (ou seja, recordações em
que os sujeitos conseguiam evocar o contexto específico de apresentação do item) são tão
frequente nos itens críticos como nos itens presentes na lista (Payne, Elie, Blackwell, &
Neuschatz, 1996; Roediger & McDermott, 1995; Wright & Loftus, 1998).
Apesar do sucesso do paradigma DRM na indução de memórias falsas, o facto de recorrer a
lista de palavras levanta a questão da sua validade ecológica. Serão as memórias falsas assim
induzidas semelhante às memórias falsas que ocorrem em circunstâncias reais, tal como no
caso das testemunhas oculares? Os investigadores que defendem a utilização deste paradigma
são da opinião que, em termos fenomenológicos, as memórias falsas induzidas não diferem
das que surgem diariamente (Neuschatz, Payne, Lampinen & Toglia, 2001). No entanto,
outros autores apontam a possibilidade da tarefa proposta pelo paradigma DRM levar os
participantes a desenvolver mnemónicas para memorizarem as listas de palavras pedidas; na
fase de recuperação, a activação destas mnemónicas geraria itens falsos, que se confundiriam
involuntariamente com os itens que apareceram nas listas (Miller & Gazzaniga, 1998). Uma
das explicações teóricas para o fenómeno das memórias falsas assume que a memória
semântica se encontra organizada numa rede conceptual e que a activação de um conceito se
difunde aos conceitos semanticamente vizinhos, activando-os também (Anderson & Bower,
1973; Collins & Loftus, 1975). Segundo esta teoria, a aprendizagem de uma lista de
associados semânticos faria com que o item crítico, apesar de não presente, fosse
repetidamente activado, de forma indirecta, ao longo da apresentação das palavras da lista.
Ao ser activado tantas vezes quanto as palavras que realmente se encontram na lista,
provocar-se-ia no indivíduo a sensação de que ele fora realmente apresentado (Pérez-Matta,
Read & Diges, 2002). Se for esta a explicação para as memórias falsas observadas com o
paradigma DRM, então estamos perante um tipo de distorção de memória específico daquela
situação experimental e, portanto, com reduzida validade ecológica.
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151

Miller & Gazzaniga (1998) conceberam uma metodologia experimental alternativa, de


alguma forma derivada do paradigma de DRM, mas utilizando imagens representativas de
cenas quotidianas familiares (por exemplo, a imagem de uma sala de aula ou de uma praia).
Destas imagens eram retirados itens fortemente associados à cena representada (itens
críticos). Por exemplo, na cena “praia” podiam ser retirados elementos como uma toalha de
praia, um guarda-sol ou o nadador salvador. Os sujeitos observavam um conjunto de imagens
deste tipo, sendo-lhe pedido para memorizar o máximo de informação possível. A fase da
recuperação da informação memorizada consistia, à semelhança do paradigma DRM, numa
prova de reconhecimento, que incluía itens críticos, itens ausentes e itens presentes.
Miller e Gazzaniga compararam este novo paradigma com o paradigma tradicional DRM. Os
níveis de reconhecimento de itens críticos observados nos dois paradigmas não foram
significativamente diferentes: 50% dos itens críticos foram reconhecidos no paradigma visual
enquanto que 51% dos itens críticos foram reconhecidos no paradigma tradicional de listas de
palavras; a percentagem de reconhecimento de itens presentes foi, respectivamente, 64% e
69%. Os autores concluíram assim que o paradigma visual proposto conseguia produzir
tantas memórias falsas como o paradigma DRM. No entanto, apesar dos resultados
numericamente semelhantes, consideram poderem haver diferença nos processos de memória
envolvidos nos dois paradigmas, propondo que, em futuras investigações, se identifiquem tais
diferenças através de métodos de neuroimagem.

No seguimento do trabalho de Miller e Gazzaniga (1998), o presente estudo tem como


objectivos desenvolver uma prova de memória visual capaz de induzir experimentalmente
memórias falsas a partir de imagens. Procurar-se-á Pretende-se ainda caracterizar a natureza
das memórias produzidas por esta prova, recorrendo a julgamentos de confiança e de
metamemória sobre as recordações dos sujeitos, bem como à evocação livre de características
dos itens reconhecidos como presentes.

2. Método

2.1. Sujeitos
A amostra foi constituída por 72 voluntários (36 do género masculino e 36 do género
feminino). Os participantes nesta investigação eram estudantes da Universidade do Algarve e
tinham idades compreendidas entre os 18 e os 33 anos (média ± desvio-padrão: 22,0 ± 2,92
anos).
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152

2.2. Material
A prova de memória visual concebida para induzir memórias falsas consistia em dez imagens
representando cenas temáticas estereotipadas familiares (“praia”, “neve”, “natal”, “aula”,
“futebol”, “capoeira”, “pirata”, “bombeiro”, “pesca” e “assalto”). Cada imagem foi
desenhada propositadamente para o efeito e consistia de um cenário e de oito elementos
principais: cinco elementos eram fixos (itens-fixos presentes, PF) e dos restantes três
escolhiam-se dois para serem apresentados na cena (itens-alvo presentes, PA), ficando o
terceiro item reservado para induzir memórias falsas na fase de reconhecimento (item crítico,
IC) (Figura 1). Podendo o item crítico de uma cena ser qualquer um destes elementos,
definiram-se assim três versões distintas da prova de memória visual.
A selecção das cenas a utilizar baseou-se num pequeno estudo prévio em que se pediu a 20
indivíduos que identificassem elementos que consideravam ser mais salientes quando
imaginavam determinada cena. Este procedimento permitiu não só identificar elementos
típicos de cada cena (elementos referidos por mais de 50% dos inquiridos) como também
seleccionar as cenas com características mais estereotipadas para usar na prova de memória
visual.
Para a prova de reconhecimento foram criadas duas listas de oitenta itens, uma constituída
por palavras e outra por imagens que lhes correspondiam. Dos oitenta itens, quarenta estavam
presentes nas cenas apresentadas ao sujeito e os restantes quarenta não estavam presentes.
Dos itens ausentes, trinta foram seleccionados ao acaso das listas de itens pertencentes a
cenas não incluídas na prova; os restantes dez correspondiam aos itens críticos, ou seja, itens
salientes que não estavam presentes nas dez cenas observadas. Na versão em que o
reconhecimento era processado com base em imagens, os itens presentes eram representados
por figuras que tinham aparecido na prova inicial.
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153

Figura 1. Cena “praia” com todos os elementos. Nas


três versões utilizadas desta cena, omitia-se um dos
seguintes elementos: “sol”, “guarda-sol” e “toalha”.

2.3. Procedimento

No início da experiência, os participantes foram informados de que iriam participar num


estudo acerca da memória e que para tal iriam observar dez imagens representando cenas do
quotidiano, sendo-lhes depois pedido para identificarem objectos que estavam ou não
presentes nessas cenas. A prova de memória visual foi implementada num computador
portátil com auxílio do programa Microsoft PowerPoint. Cada imagem era apresentada
durante dez segundos, devendo os participantes memorizar o máximo de informação que
conseguissem. Entre a apresentação de cada imagem decorria um intervalo de cinco
segundos. Todas as imagens tinham o título escrito no cimo, para que isso ajudasse mais
tarde o sujeito a referir-se à cena em questão.
Após a apresentação das dez imagens, decorria um intervalo de quinze minutos preenchido
com alguns testes de avaliação cognitiva, de natureza diversa da prova inicial (prova de
Utensílios Idênticos da GATB, prova de Digit Span da WAIS), com o objectivo de impedir
os participantes de reciclarem a informação memorizada.
Finalmente, passava-se à fase de reconhecimento, em que era pedido ao sujeito que indicasse
se cada um dos itens de uma lista de oitenta estava ou não presente nas imagens observadas e
o grau de certeza da sua resposta (expresso numa escala de cinco níveis). Para os itens
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
154

reconhecidos como presentes, o sujeito deveria referir o tema da cena a que pertenciam e
efectuar um julgamento de metamemória (“saber” versus “lembrar”). Para os itens avaliados
como “Lembrar” era ainda questionado o aspecto específico que o sujeito recordava e que
justificava a avaliação da recordação. Os itens da prova do reconhecimento eram
apresentados no computador com auxílio do programa Microsoft PowerPoint, a resposta era
dada oralmente, sendo registada pelo experimentador em folha de resposta específica.
Metade dos sujeitos realizou a tarefa de reconhecimento na versão verbal (palavras) e metade
a tarefa de reconhecimento na versão pictórica (imagens). Foram ainda controlados efeitos de
ordem alterando a sequência de apresentação tanto das cenas da prova visual de memória
como dos itens da tarefa de reconhecimento.

3. Resultados
Não se verificaram diferenças sistemáticas no desempenho entre as duas modalidades no teste
de reconhecimento [F(1, 70) = 0,1, p = 0,898], pelo que se apresentam integrados os
resultados obtidos nos dois tipos de reconhecimento.
Verificou-se que todas as cenas utilizadas levaram os participantes a produzir memórias
falsas (Figura 2): os níveis de memórias falsas, expressos pela percentagem de
reconhecimento do item crítico (IC), variaram entre 26,4% e 63,9% para as diferentes cenas,
com uma média de 49,4%; os itens presentes (PA) obtiveram níveis de reconhecimento
estatisticamente mais elevados (em média 76,7%, variando entre 61,9% e 86,1). Embora
inferior à dos itens presentes, o nível de reconhecimento dos itens críticos foi claramente
superior ao dos itens ausentes (em média 10,0%, variando entre 1,4% e 40,3%).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
155

100
IC
90 PA

80

70
Reconhecimento (%)

60

50

40

30

20

10

0
Neve

Aula
Natal

Futebol

Assalto
Praia

Capoeira

Pirata

Bombeiro

Pesca
Figura 2. Percentagem média de reconhecimento ± intervalo de confiança a 95%
para itens críticos (IC) e itens presentes (PA) nas dez cenas consideradas

No que respeita ao grau de confiança que os sujeitos tinham no reconhecimento dos três tipos
de item, verificou-se existir diferenças significativas entre eles: os itens presentes eram
reconhecidos com mais confiança do que os itens críticos (4,5 versus 3,8, respectivamente;
p = 0,000); por outro lado, a confiança nos itens críticos foi superior à demonstrada para os
itens ausentes (3,8 versus 3,4, respectivamente; p = 0,001). Apesar da diferença significativa
entre itens críticos e itens presentes, existe uma sobreposição na distribuição dos valores entre
eles, o que sugere alguma semelhança na natureza da confiança relativamente a estes itens
(Figura 3).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
156

Figura 3. Distribuição dos níveis de confiança para os itens críticos


(IC) e itens presentes (PA)

No que diz respeito aos julgamentos de metamemória, os itens presentes foram avaliados
significativamente mais vezes como “lembrar” do que para os itens críticos (75,4% versus
49,6%, respectivamente; p = 0,000).
No que diz respeito às características apontadas como justificação para o julgamento
“lembrar”, predominam lembranças baseadas em pormenores contextuais, ou seja,
lembranças baseadas em pormenores das imagens observadas. Verifica-se não existirem
diferenças significativas entre os dois tipos de item (itens críticos e itens presentes),
evidenciando que quando os sujeitos baseiam as suas recordações de tipo “lembrar” no
mesmo tipo de características, independentemente do item ter estado ou não presente na cena
observada (X2 = 9,8; p = 0,134).
Quando questionados sobre a cena de que faria parte o item crítico que reconheciam como
estando presente, a taxa de respostas é consensual (entre 91% e 100%, com excepção de uma
das dez cenas).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
157

4. Discussão
Procurou-se neste trabalho verificar se era possível induzir memórias falsas recorrendo a uma
prova de memória visual que utilizava desenhos representando cenas temáticas familiares das
quais se omitia um elemento típico (item crítico). Verificou-se que o nível de falso
reconhecimento dos itens críticos se situou entre o nível de falso reconhecimento de outros
itens ausentes e o nível de reconhecimento correcto de itens presentes na cena, mas estando
mais perto destes últimos. Estes resultados sugerem que a situação experimental utilizada
gerou nos sujeitos sentimentos de familiaridade que os levaram a reconhecer o item crítico
mais frequentemente do que outros itens ausentes, criando assim memórias falsas.
O nível de reconhecimento do item crítico observado nesta prova foi, regra geral, inferior aos
encontrados por outros autores que utilizaram o paradigma DRM, geralmente situados entre
60% e 88% (Stadler, Roediger & McDermott, 1999; Gallo e Roediger, 2002), mas muito
semelhante ao encontrado por Miller e Gazzaniga (1998) com um paradigma semelhante ao
aqui utilizado (50%). A maior facilidade em conseguir memórias falsas com recurso a listas
de palavras está certamente relacionada com diversos factores. Desde logo, ao utilizar um
paradigma pictórico, estamos a disponibilizar ao sujeito experimental informação perceptiva
detalhada que lhe irá permitir distinguir mais facilmente os itens críticos (que nunca foram
vistos) de itens presentes; ora, tal não acontece no paradigma DRM, em que a informação
perceptiva sobre os itens a memorizar é produzida internamente pelo sujeito, e, portanto,
torna-se mais fácil confundir itens presentes com itens ausentes. Em segundo lugar, o
paradigma baseado em listas envolve uma maior activação de associados semânticos do item
crítico, pois em geral essas listas contêm 12 ou 15 elementos semanticamente relacionados,
enquanto que as imagens utilizadas neste estudo reuniam apenas sete elementos típicos.
Finalmente, observou-se uma grande variação no poder indutor de memórias falsas das
diferentes cenas utilizadas; em estudos futuros será possível identificar cenas mais eficazes na
produção de memórias falsas, fazendo aumentar o nível de reconhecimento para valores
próximos dos obtidos com o paradigma DRM.
A maior parte dos autores que utilizaram o DRM verificaram níveis de confiança semelhantes
para itens presentes e itens críticos (Gallo & Roediger, 2002; Stadler, Roediger &
McDermott, 1999), resultado que não se observou no presente estudo. No entanto, na
literatura também têm sido contestados casos onde os níveis de confiança atribuídos aos itens
críticos são significativamente inferiores aos atribuídos aos itens presentes (Mather, Henkel
& Johnson, 1997; Neuschatz et al., 2001). Segundo Mather e colaboradores (1997), o grau de
confiança de que os itens estão de facto presentes parece ser influenciado pela quantidade de
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
158

características perceptivas e contextuais que lhes estão associadas. Como os itens presentes
na nossa prova reuniam uma maior quantidade de características perceptivas, já que foram
realmente vistos pelo sujeito, é natural que haja maior confiança nos itens presentes do que
nos itens críticos.
Também na literatura não se tem observado uma maior incidência de respostas lembrar
relativamente aos itens presentes do que aos itens críticos (Miller & Gazzaniga, 1998; Gallo
& Roediger, 2002). Ainda assim, este nosso resultado encontra apoio na Teoria Traço Difuso:
as memórias falsas são construídas com base em traços essenciais, pelo que os sujeitos, face à
impossibilidade de indicarem características associadas ao item crítico, vêem-se obrigados a
optar pela resposta “saber”. Estas diferenças podem dever-se à natureza da prova, já que a
observação de imagens e o posterior reconhecimento de itens associados permite ao indivíduo
um tipo de recordação diferente do suscitado pelas listas de palavras. Neste sentido, e
atendendo à Teoria Traço Difuso parece ser pertinente a questão da validade ecológica já
levantada face ao DRM.
Os falsos reconhecimentos de itens críticos foram maioritariamente avaliados como
“lembrar” com base em aspectos contextuais das cenas observadas (por exemplo, na cena
“Assalto” para o item crítico “arma”, um sujeito respondia: “Lembro-me bem: estava na mão
do ladrão, apontada à senhora”) e não em aspectos característicos dos próprios itens. Os
pormenores contextuais podem derivar da activação do esquema associado à cena em
questão. Este resultado mostra que, mesmo quando o item estava ausente na imagem, os
participantes que o recordaram erroneamente atribuíram-no à sua cena “correcta”, sugerindo
que o esquema mental foi activado para a maioria das cenas.
Neste trabalho, para procurar verificar se as cenas apresentadas tinham activado esquemas em
memória, pediu-se aos participantes que indicassem a cena onde estaria presente os itens
reconhecidos. Em mais de 90% dos casos, os participantes “acertaram”, atribuindo o item
crítico à cena esperada. Algo que impele os sujeitos a incluir na cena esperada um item que
não viram mas que reconheceram erroneamente; e fazem-no tão correctamente para esses
itens críticos como para itens realmente presentes. Estes resultados sustentam a hipótese de
serem os esquemas mentais os principais responsáveis pela distorção da memória, na medida
em que as memórias falsas vão de encontro ao esquema mental activado pelas imagens
observadas.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
159

Os esquemas ajudam-nos a apreender e compreender mais rapidamente determinados


contextos e características dos conceitos, permitindo-nos preencher também informação
lacunar. Deste modo, quando recordamos determinados acontecimentos, utilizamos esquemas
para lembrar os aspectos inerentes ao seu contexto e sobre os quais o nosso conhecimento era
ambíguo ou insuficiente (Tuckey & Brewer, 2003). Neste sentido, os esquemas aprendidos ao
longo da vida podem provocar memórias falsas relativas a acontecimentos experienciados,
sobrepondo-se aos factos reais.

4. Conclusões
O presente estudo ilustrou a viabilidade na produção de memórias falsas através de um
paradigma com imagens, mais semelhante às experiências naturais, como as vividas pelas
vítimas e testemunhas de acontecimentos. Para os participantes deste estudo, as memórias
falsas ocorreram tal como as restantes, persistindo mesmo quando são pedidas características
inerentes. Deste modo, as memórias falsas parecem ser geradas internamente, possivelmente,
baseadas em esquemas prévios que têm como função completar automaticamente as cenas
recordadas.
O estudo de memórias falsas através de imagens é um campo com muitos aspectos ainda por
explorar, pelo que é fundamental construir material experimental uniforme e objectivo que
possa controlar os vários factores relevantes para os processos cognitivos envolvidos e
aproximar-se o mais possível das memórias falsas geradas em contexto real.

Referências
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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
160

Payne, D. G., Elie, C. J., Blackwell, J. M. & Neuschatz, J. S. (1996). Memory illusions:
recalling, recognizing, and recollecting events that never occurred. Journal of Memory
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Stadler, M., Roediger, H. & McDermott, K. (1999). Norms for word lists that create false
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Tuckey, M. & Brewer, N. (2003). The influence of schemas, stimulus ambiguity, and
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Wright, D. & Loftus, E. (1998). How Misinformations Alters Memories. Journal of
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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
161

O Auto-Conceito e a Inteligência no Desempenho Escolar em Alunos do 1.º Ciclo do


Ensino Básico

Sofia R. Rocha (Universidade Fernando Pessoa)


sofiarrocha@gmail.com

Ana Rodrigues da Costa (Universidade Fernando Pessoa)


acosta@ufp.pt

Palavras-Chave:
auto-conceito; inteligência; desempenho escolar

Resumo/Abstract:

O objectivo deste estudo é averiguar a relação entre o auto-conceito e a inteligência


no desempenho escolar em 30 crianças do 1º ciclo do ensino básico com idades entre os 8 aos
11 anos de idade. Foi utilizado um questionário para obter a idade, sexo, ano de escolaridade
e número de retenções, as Matrizes de Raven para o nível de inteligência e a Self-Perception
Profile for Children para obter o auto-conceito. Após discussão dos resultados chegamos à
conclusão de que nesta amostra o auto-conceito não está relacionando de forma significativa
com a inteligência mas sim com o desempenho escolar.

Introdução
De forma a podermos investigar uma possível relação entre o auto-conceito, a
inteligência e o desempenho escolar necessitamos de uma abordagem teórica que sustente
este estudo e os resultados encontrados. Como esta investigação incide sobre a problemática
do insucesso escolar, a inteligência e o auto-conceito começaremos por abordar estes
conceitos e de seguida apresentamos o método, os resultados, a discussão e por fim uma
conclusão.

O Auto-Conceito
O auto-conceito é uma das áreas mais antigas de investigação no campo das ciências
sociais e humanas, daí o grande interesse pelo estudo deste constructo que remonta a longa
data (Marsh & Hattie, 1996). Segundo Gecas (1982) o estudo deste constructo torna-se
necessário para poder compreender os processos de desenvolvimento humano.
Segundo Faria e Fontaine (1990) conceptualizam o auto-conceito como a percepção
que o sujeito tem de si mesmo, isto é, este constructo refere-se a um conjunto de atitudes,
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
162

sentimentos e conhecimentos acerca das capacidades, competências, aparências e


aceitabilidade social.
Vários estudos realizados desde os anos setenta (séc.XX) têm demonstrado uma
correlação positiva entre o auto-conceito e o rendimento escolar, assim, sentimentos e
pensamentos positivos sobre si manifestam-se no bom funcionamento individual, na
aprendizagem e na motivação (Okano, Loureiro, Linhares & Marturano, 2004). Araújo
(1987) refere que muitos alunos terão dificuldades e insucesso não por falta de inteligência ou
outras capacidades, mas sim porque acham que são incapazes de aprender ou fazer as coisas
de forma correcta. A génese desta auto-avaliação negativa encontra-se, muitas vezes, no
“feedback” que recebem através de repreensões verbais persistentes por parte de pais e
educadores e de notas baixas ou negativas. Estudos mais recentes apontam nesse sentido,
sublinhando que o fracasso em determinadas tarefas podem não apenas baixar o auto-
conceito de capacidades nessas tarefas específicas, como ainda gerar um “efeito de onda” em
relação a outras tarefas em que uma afecta as outras (Araújo, 1987).
Cabanach e Arias (1998, citado por Carneiro, Martinelli, & Sisto, 2003) referem que
quando experiências negativas se repetem com frequência durante algum tempo, provocam a
diminuição do auto-conceito escolar das crianças, das suas expectativas de eficácia, do seu
esforço e da motivação que levam a que a criança se retraia e apresente um comportamento
desadaptativo e desadequado.
O indivíduo quando nota que o seu auto-conceito está a ser ameaçado o indivíduo
activa os seus mecanismos autoprotectores. Entre os modelos autoprotectores considerados
por Kaplan (1980) destacam-se dois aspectos, por um lado o reordenamento dos valores, no
qual o indivíduo dá menos importância aos valores em que se avalia negativamente; por
outro, a busca de modelos de respostas alternativas, ou seja, quando o motivo de auto-estima
não é levado a cabo ou não é cumprido, o indivíduo pode ser levado a procurar modelos
comportamentais desviantes que incrementem a experiência positiva e reduzam as
auto-atitudes negativas.
Num meio onde predomina um nível socioeconómico baixo e onde a pressão cultural
para o sucesso académico normalmente é baixa, é utilizado o modelo de autoprotecção com
desvalorização do trabalho escolar. Neste tipo de ambiente, pode acontecer que o insucesso
académico não tenha efeitos na auto-estima (Kaplan, 1975).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
163

Estes conceitos de Kaplan (1975) possibilitam pensar que uma forma possível de
proteger o auto-conceito das constantes experiências de fracasso académico seria a
desvalorização do trabalho escolar, da escola e da educação em geral.
Brookover, Peterson e Thomas (1962, citado por Rodrigues da Costa, 2000)
elaboraram um estudo onde verificaram que a inteligência e o auto-conceito eram duas
variáveis com uma baixa correlação, de onde extraíram a conclusão de que o auto-conceito e
o Q.I. são considerados dois aspectos diferentes e pouco relacionados.
Por outro lado, Castellanos-Simons, Mönks e Lieshaut (1999, citados por Rodrigues
da Costa, 2000) elaboraram um estudo que visava averiguar a relação entre o auto-conceito, a
capacidade intelectual e o desempenho escolar, onde verificaram que a inteligência influencia
directamente o auto-conceito e indirectamente medeia o desempenho escolar actual.

A Inteligência
Um dos grandes problemas quando se fala em inteligência assenta na dificuldade da
sua definição, nomeadamente quando é necessário saber quais as categorias que se devem ou
não incluir na inteligência (Mettran & Almeida, 1995). Existem numerosos critérios,
dimensões e perspectivas para definir a inteligência (Gareca, 2002).
Desde o início do século XX que a inteligência é fonte de grande atenção mas a sua
definição mantém-se bastante ambígua (Mettran & Almeida, 1995). No início dos estudos
sobre a inteligência, vários investigadores arriscaram definições que se baseavam em terem
aprendido a ajustarem-se ou a terem a capacidade de se ajustarem ao meio (Colvin, 1921,
citado por Sternberg, 2002), ter a capacidade de se adaptarem de forma adequada a novas
situações (Pintner, 1921; Sternberg, 2002), entre outras.
Há muito tempo que existe controvérsia ao redor desta temática e, mesmo
actualmente, não há consenso, existindo, desta forma, três abordagens: a diferencial, a
desenvolvimental e a cognitiva (Almeida, 1988; Sternberg, 2002).
A vertente diferencial dá maior relevância às aptidões, aos factores específicos e
gerais, concebendo a inteligência como algo inato, fixo e geral. Por outro lado a corrente
desenvolvimental aponta a existência de modelos que visam o desenvolvimento de esquemas
e estruturas, por último, os cognitivistas procuram encontrar a universalidade dos elementos
constituintes das estruturas e esquemas mentais (Roazzi, Spinillo, & Almeida, 1991).
O Desempenho Escolar
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
164

O termo “insucesso escolar” tem diversas conotações conforme seja utilizado por
professores ou por pais e assume diversos formatos mediante o sistema educativo em questão,
bem como os métodos de avaliação vigentes (Sil & Lopes, 2005). Em Portugal o insucesso
escolar constitui uma preocupação a nível global, deixando de ser apenas uma preocupação
do poder político para ser de cada cidadão (Almeida et al., 2005; Sil, 2004). A escolaridade é
um bom indicador e preditor do desenvolvimento de um país (Sil, 2004). Um indicador de
insucesso escolar nos alunos tem a ver com os seus resultados escolares (Benavente &
Correia, 1981; Duarte, 2000).
De uma forma simples Benavente (1976, citado por Sil, 2004, p.9) refere que “cada
criança é considerada boa ou má aluna em função dos resultados obtidos e dos progressos
efectuados no cumprimento dos programas de ensino”. Por isso, o insucesso escolar é quase
sempre demonstrado em termos de número de retenções, dificuldades de aprendizagem,
abandono, atrasos, insucesso nos exames, entre outros (Sil, 2004).
Na nossa sociedade figuram desigualdades sociais que levam a que os jovens tenham
de abandonar precocemente a escolaridade obrigatória com o objectivo de melhorar as suas
condições de vida (Santos, 2005).
A busca de explicações para este fenómeno tem sido uma constante nos últimos anos.
Até à data foram encontradas diversas justificações para o insucesso escolar, umas associadas
ao próprio aluno (atitude perante a aprendizagem e a escola, motivação, saúde, etc.), ao
professor (personalidade e competência pedagógica), à relação entre ambos, à família
(dificuldades económicas, atitude negativas face à escola, baixo envolvimento parental,
monoparentalidade, minoria étnica.), outras atribuídas à sociedade em geral e outras
associadas ao contexto escolar em que a criança está inserida (Sil, 2004).
O insucesso é um problema central e constante da instituição escolar desde a escola
primária até ao ensino superior. Este fenómeno é multifacetado e complexo e, por isso, tem
sido alvo de diversos estudos. Além disso, é um acontecimento precoce pois surge logo nos
primeiros anos de escolaridade. É socialmente selectivo pois não atinge todas as crianças do
mesmo modo, acentuando-se nas crianças mais carenciadas. É, de igual modo, um fenómeno
cumulativo pois não é isolado na vida do estudante, dado que ao repetir-se uma vez um ano,
aumenta a probabilidade o de repetir novamente (Benavente & Correia, 1981).
O abandono escolar é o abandono ou a desistência de um aluno de frequentar a escola
sem finalizar o grau de ensino frequentado, não sendo por falecimento nem transferência de
escola (Benavente, Campiche, Seabra, & Sebastião, 1994).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
165

Os estudos apontam para a existência de uma multiplicidade de causas dependente do


país, da região, do grau de ensino, dos contextos familiares, sociais e económicos em que o
sujeito está inserido (Benavente et al., 1994).
Frequentemente “ os alunos que abandonam a escola têm problemas com a escola e
foram já por ela abandonados, em muitos casos” (Benavente et al., 1994, p. 27). Muito
raramente um aluno abandona a escola estando altamente motivado e envolvido no projecto
escolar (Benavente et al., 1994).
Os jovens quando abandonam precocemente a escola deparam-se com o facto de
possuírem baixa escolaridade e pouca qualificação profissional o que condiciona as suas
aspirações e o seu futuro profissional (Azevedo, 1999, citado por Santos, 2005) assim como,
segundo Halm (1987, citado por Benavente, et al., 1994) afecta a produtividade do país.

Objectivos
Este estudo caracteriza-se por ser descritivo, transversal e do tipo correlacional. Tem
como objectivo geral analisar a relação do auto-conceito (escolar e social) e da inteligência
no desempenho escolar (nenhuma; uma ou mais retenções), de crianças do primeiro ciclo do
ensino básico.
Os Objectivos Específicos deste Estudo são:
- Analisar se existem diferenças significativas entre a inteligência e o desempenho
escolar;
- Analisar se existe relação entre a inteligência e o auto-conceito (escolar e social);
- Analisar se existem diferenças significativas entre o auto-conceito (escolar e social)
e o desempenho escolar e,
- Analisar se existe relação entre a inteligência e o auto-conceito (escolar e social) no
desempenho escolar.

Hipóteses
Para podermos investigar sobre o eventual motivo pelo qual as crianças não executam
as tarefas de carácter académico que lhes são pedidas por docentes e auxiliares, levantamos
quatro hipóteses:
Hipótese 1: Espera-se que exista uma relação significativa entre o desempenho escolar
e a inteligência (Almeida & Lemos, 2005).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
166

Hipótese 2: Espera-se que as crianças que obtiveram níveis mais altos de inteligência
tenham um auto-conceito mais elevado (Castellanos-Simons, Mönks e Lieshaut, 1999 citados
por Rodrigues da Costa, 2000)
Hipótese 3: Espera-se que as crianças com bom desempenho escolar (nenhuma
reprovação) possuam um auto-conceito significativamente mais elevado do que as que têm
“mau” desempenho escolar (uma ou mais reprovações) (Araújo, 1987; Cabanach & Arias,
1998, citados por Carneiro, et al., 2003; Okano, Loureiro, Linhares, & Marturano, 2004).
Hipótese 4: Espera-se que exista uma relação significativa dos valores da inteligência
e do auto-conceito no desempenho escolar (Castellanos-Simons, Mönks e Lieshaut, 1999,
citados por Rodrigues da Costa, 2000).

Método

Participantes
Durante a convivência com as crianças avaliadas neste estudo observamos um
desinteresse geral pelas tarefas de cariz académico, sendo valorizadas apenas as de carácter
lúdico. Quando questionadas pelo motivo desse desinteresse respondiam não serem capazes
de realizarem as tarefas académicas por não saberem como o fazer.
Esta amostra caracteriza-se como acidental, constituída por trinta crianças, catorze
(46,7%) são do sexo masculino, com idades compreendidas entre os oito e os onze anos de
idade (M=9,23 D.P.=1,006), frequentam o 2º, 3º e 4º ano do ensino básico de duas escolas
públicas situadas numa zona carenciada da cidade do Porto.
Devido ao número de retenções escolares as idades não coincidem com os anos de
escolaridade. Desta forma, seis crianças frequentavam o segundo ano de escolaridade, quinze
frequentavam o terceiro e nove frequentavam o quarto ano de escolaridade.
Relativamente ao historial de retenções escolares no passado destas crianças, vinte
delas não sofreram nenhuma retenção, oito crianças já ficaram retidas uma vez, uma criança
ficou retida duas vezes e outra ficou retida três vezes.
Esta amostra tem características muito especificas o que torna necessário a
contextualização do meio socio-económico para facilitar a integração dos resultados.
As crianças inquiridas habitam numa freguesia carenciada da cidade do Porto em
bairros sociais. Nas habitações os membros da família com que a criança co-habita não
obedecem aos padrões convencionais.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Verifica-se que cada criança possui um encarregado de educação mas essa tarefa é
assumida por todos os membros da família e, consequentemente, delegam uns nos outros essa
função. Aquando dos momentos para punir ou reforçar a criança observam-se
comportamentos desadequados, sendo usados comportamentos de punição física, por vezes,
desmesurada. Há uma inexistência de reforços positivos.
As famílias tentam providenciar o suficiente para satisfazer as necessidades básicas
mínimas das crianças, mas por diversas vezes é necessária a intervenção das assistentes
sociais.
Todo este ambiente familiar e social que envolve a criança nesta fase não possibilita
um desenvolvimento estável e pleno de estimulação que permita o seu desenvolvimento. Esta
instabilidade na vida delas poder-se-á repercutir no contexto escolar através do insucesso,
absentismo escolar, e problemas de comportamento.

Material
Nesta investigação elaboramos um questionário sócio-demográfico com vista a
recolher informação sobre o sexo, a idade, o ano de escolaridade e as retenções escolares.
Foram utilizadas as Matrizes Coloridas de Raven para obtermos o nível de inteligência de
cada uma das crianças. Por fim, foi utilizada a Self-Perception Profile for Children (SPPC) de
Harter adaptada à população portuguesa por Faria e Fontaine (1995a) com o intuito de
obtermos o nível do auto-conceito (social e escolar) dos sujeitos.

Procedimento
Inicialmente foi pedida autorização à direcção da instituição onde foram recolhidos os
dados. Após consentimento desta, foi pedida a autorização para a utilização da SPPC às
autoras que a aferiram. Após a recepção da autorização, foi iniciada a administração dos
questionários sócio-demográficos, seguidos da SPPC e das Matrizes Coloridas de Raven,
individualmente e por esta ordem. Aquando da conclusão da recolha dos dados, estes foram
inseridos no SPSS- Statistical Package for Social Sciences versão 14.0, e foram submetidos
aos tratamentos estatísticos adequados para cada objectivo.

Apresentação e Discussão dos Resultados


Considerando a muldimensionalidade do auto-conceito escolhemos utilizar apenas as
subescalas da competência escolar e da aceitação social visto termos verificado que as
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
168

crianças inquiridas parecem estar bem adaptadas socialmente mas, simultaneamente,


apresentam dificuldades a nível escolar.
Os resultados encontrados para a primeira hipótese demonstram que existe um maior
número de crianças com bom desempenho escolar (nenhuma reprovação) do que com
insucesso, sendo em média essa diferença de 27,550. Podemos verificar que existem
diferenças significativas nos valores de inteligência consoante as crianças tem bom ou mau
desempenho escolar( t(28)=2,751 ; p<0,05) (quadro 1), confirmando-se a hipótese 1.

Quadro 1: Quadro dos resultados da análise da diferença entre a inteligência e o desempenho


escolar
Inteligência
N M DP gl t p
Desempe-

Escolar
nho

Bom 20 57,15 27,492


28 2,751 0,012
Mau 10 29,60 24,999
p<0,05

Jensen (1980, citado por Almeida, & Lemos, 2005) referia que as crianças com um
coeficiente de inteligência mais elevado aprendem melhor, mais, com mais rapidez e
consequentemente estudam durante mais anos.
No que concerne ao auto-conceito escolar e a sua relação com a inteligência (segunda
hipótese), este estudo revela a existência de uma correlação positiva mas muito baixa
(r=0,072; p<0,05) (quadro 2). O facto de nestas famílias existirem problemas a nível social e
familiar no que se relaciona à escola pode influenciar o auto-conceito das crianças a nível
escolar.

Quadro 2: Matriz de Correlação entre a variável Inteligência e o Auto-Conceito Escolar

Auto-Conceito Escolar

r Pearson 0,072
QI p 0,706
N 30
p<0,05
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
169

Relativamente à relação entre a inteligência e o auto-conceito social (segunda


hipótese) esta verifica-se como sendo muito baixa e negativa (r=-0,158; p<0,05) (quadro 3).
Em ambos os casos verifica-se que os valores não são estatisticamente significativos.
Relativamente a estes resultados, estes podem ser justificados através do faço de que não ser
apenas por apresentarem baixas, ou elevadas, capacidades intelectuais que as crianças deste
meio desfavorecido se sentem mais, ou menos, integradas socialmente.

Quadro 3: Matriz de Correlação entre a variável Inteligência e o Auto-Conceito Social


Auto-Conceito Social

r Pearson -0,158
QI p 0,404
N 30
p<0,05

A terceira hipótese refere que as crianças com bom desempenho escolar apresentam
um auto-conceito significativamente mais elevado. Nos quadros 4 e 5 estão apresentados os
resultados do tratamento estatístico realizado.

Quadro 4: Quadro dos resultados da análise da diferença entre o auto-conceito escolar e o


desempenho escolar
Auto-Conceito Escolar
N M DP gl t p
Desempe-

Escolar
nho

Bom 20 2,6150 0,69451


28 0,169 0,867
Mau 10 2,5820 0,37178
p<0,05

Quadro 5: Quadro dos resultados da análise da diferença entre o auto-conceito social e o


desempenho escolar
Auto-Conceito Social
N M DP gl t p
Desempe-

Escolar
nho

Bom 20 2,4675 0,30800


28 -3,476 0,004
Mau 10 2,9870 0,39881
p<0,05
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
170

Através destes resultados podemos observar que a nível de auto-conceito escolar as


crianças com bom desempenho escolar não diferem significativamente das com mau
desempenho escolar (t(28)=0,169; p<0,05). No que diz respeito ao auto-conceito social
observamos que as crianças com mau desempenho escolar pontuam significativamente mais
elevado que as com bom desempenho escolar t(28)=-3,476 para p<0,05.
Deste modo podemos apenas concluir que a hipótese foi não foi confirmada visto o
auto-conceito escolar não pontuar significativamente com o desempenho escolar, e dado que
apesar de significativa a diferença, são as crianças com mau desempenho escolar que
apresentam valores mais elevados de auto-conceito social. Como estas crianças estão
inseridas num meio social muito específico, as retenções escolares não são muito
estigmatizantes para elas. Como referiu Canabach e Árias (1998, citado por Carneiro, et al.,
2003) a vivência de várias experiências negativas leva a uma diminuição do auto-conceito
escolar, da motivação, do esforço e consequentemente da auto-eficácia.
A quarta hipótese defende que é esperada uma relação significativa do auto-conceito e
da inteligência no desempenho escolar. Podemos verificar no quadro 6 que existem
diferenças significativas entre alunos com bom e mau desempenho escolar no que diz
respeito aos valores do auto-conceito social e da inteligência. Através do quadro 7 podemos
constatar a existência de relações positivas entre estas variáveis nos dois grupos, sendo estas
relações caracterizadas como baixas (0, 259) e muito baixas (0,067 e 0,143).

Quadro 6: Quadro dos resultados da análise discriminante através do Wilks Lambda


Inteligência
N M DP gl t p
Desempe-

Escolar
nho

Bom 20 57,15 27,492


28 2,751 0,012
Mau 10 29,60 24,999
p<0,05

Quadro 7: Quadro dos resultados da relação entre as variáveis através da análise


discriminante
Auto-Conceito Social Auto-Conceito Escolar Inteligência
Auto-Conceito Social 0,259 0,143
Correla-
ção

Auto-Conceito Escolar 0,259 0,067


Inteligência 0,143 0,067
p<0,05
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
171

De forma global nesta hipótese podemos verificar um resumo das anteriores e que
confirma o que até agora apuramos. Verificamos, assim, que nem o auto-conceito, nem a
inteligência são bons preditores de discriminação entre os dois grupos, ou seja, nenhum dois é
o responsável pela diferença dos valores entre o bom e o mau desempenho escolar.

Conclusão

Após investigação e discussão dos resultados chegamos à conclusão geral de que


nesta amostra o auto-conceito não está relacionando de forma significativa com a inteligência
mas está relacionado com o desempenho escolar de forma significativa.
Podemos verificar que o facto das crianças não executarem as tarefas que lhes são
pedidas não está relacionado com a falta de capacidades intelectuais para isso, nem devido a
um baixo auto-conceito por não acreditarem que são capazes, visto a maioria delas apresentar
o auto-conceito de nível médio, ou próximo da média.
Desta forma somos levados a subscrever o que Araújo (1987) referiu e que ainda
acontece nos dias de hoje nesta população, ou seja, muitos alunos terão dificuldades e
insucesso não por falta de inteligência ou outras capacidades, mas sim porque acham que são
incapazes de aprender ou fazer as coisas de forma correcta. A origem desta auto-avaliação
negativa encontra-se, muitas vezes, no “feedback” que recebem através de repreensões
verbais persistentes por parte de pais e educadores e de notas baixas ou negativas.
Almeida, Barros e Mourão (1992) referem que os alunos com mau desempenho
escolar têm maior propensão para desenvolver atribuições pouco eficientes dos resultados,
utilizando, por diversas vezes, a falta de capacidade intelectual como explicação do fracasso
escolar, o que ilustram bem o sucedido neste contexto.

Sugestão

Esta investigação poderia ter sido enriquecida se a tivéssemos alargado a outros


contextos. Numa futura investigação poderemos administrar os mesmos instrumentos a
crianças de outros bairro e/ou a escolas, ou colégios, situadas em zonas menos carenciadas da
cidade com finalidade de efectuar as eventuais comparações e/ou distinções.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
172

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