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POÉTICA
(TEXTOS TEÓRICOS)
Tradução,
introdução, cronologia e notas
de
HELENA BARBAS
2.aEdição
Esboços Biográficos
- Para Edgar Allan Poe -
Se o teu coração triste, ansiando por amor humano
Na solidão desta terra cresceu negro com pavor
De que o alto sol do céu, ele próprio, se provasse
Impotente para te salvar dessa esfera assombrada
Por onde teu espírito vagueava, ... se as flores,
Abundantes a teus pés, pareciam só florescer
Em solitários Getsemanes, em horas sem estrelas,
Abandonado à tua perdição por todos que te amavam, ...
Oh, mas acredita que, nesse vale vazio
Onde deambula a tua alma esperando alcançar
Tanto da doce graça do céu quanto seja preciso
Para lhe aliviar ofardo da dor sem remorso,
A minha alma irá encontrar-te, e abdicar do seu céu
Até que o grande amor de Deus, nos dê a ambos fé, um céu.
1
Sarah Helen Whitman (1803-1878)
v
Apesar do grande número de títulos dedicados ao autor,
está ainda por construir uma biografia fidedigna de Edgar Al-
lan Poe. Por um lado, existe uma grande quantidade de infor-
mação que não foi devidamente compulsada, por outro, há fac-
tos básicos que não foram confirmados. A começar pela data de
nascimento. Não há um qualquer certificado ou outro docu-
mento e, embora a nferência comum seja que tenha nascido a
19 de janeiro de 1809 em Boston, os biógrafos até 1880 afir-
mavam que fora em 1811, em Baltimore; há quem o tenha
dado como originário de Londres, e o próprio Poe chegou a dar
a data de 1813- dois anos depois da morte da sua mãe.
Para agravar a situação, temos o modo como eram feitas
as biografias até há pouco, que misturavam acriticamente a
vida com elementos da obra (confundindo o Poe-narrador com
o Poe-autor), e se socorriam de testemunhos pouco fidedignos.
Além de que o próprio autor se foi divertindo a dar informa-
ções díspares e a baralhar os dados, seja para se tornar interes-
sante, seja porque lhe apetecia no momento - como, por exem-
plo, numa «autobiografia>> que escreve para The Poets and
Poetry ojAmerica que lhe encomendara Rufus W Griswold 2,
seu futuro executor e inimigo literário(s). Aqui, além de nascer
em 1811, diz:
VI
"Em 1825 fui para a Universidade Jdferson em Charlottesttille,
V a., onde em 3 atlOS levei uma vida dissipada - sendo a facul-
dade nesse período vergonhosamente dissoluta - Dr. Dunglin-
son3 de Filadélfia, Presidente. Fiz os primeiros graus, porém, e
regressei a casa muito ettdividado. O Sr. A{llen} recusou-se a
pagar algumas das dívidas de honra e fugi de casa (sem um dó-
lar) tluma expedição quixotesca para me juntar aos Gregos, en-
tão a lutarem pela liberdade. Não consegui chegar à Grécia,
mas fiz cami11ho até S. Petersburgo, na Rússia. Meti-me em
muitas dificuldades, mas fui extricado delas pela bondade do Sr.
H. Middleton4, o cônsul Americano em S. P. Cheguei a casa
são e salvo em 1829, encontrei o Sr. A{lle11} morto, e fui ime-
diatamente para West Point como Cadete." 5
where i11 3 years I led a very dissipated life- the college at that period bei11g
shamifrdly dissolute - Dr Dtmglisotl of Philadelphia, President. Took the
flrst hatlors, however, a11d came home greatly i11 debt. Mr. A rqr1sed to pay
some of the debts of honor and I ran away from home {without a dollar]
on a Quixotic expedition to join the Greeks, thm struggli11g for liberty.
Failed in reaching Greece, but made my way to St Petersburg, in Russia.
Got into many d!fficulties, but was extricated by the kindness of Mr. H.
Middletoll, the American consul at St. P. Carne home safe in 1829,jound
Mrs. A. dead, and immediately went to West Point as a Cadet.)) in Poe,
Edgar Allan, 1809-1849. Poe Collection: Autobiographical Frag-
ment, Electronic Text Center. University of Virginia Library,
http://x tf.l ib. virginia.edu/xtf/view?doc ld= legacy_ mss/uva Book/tei/m is c/
PoeP I 031 .xml&chunck.id=dó&toc.id=&brand=default (.Janeiro 2016 ).
VII
Pelo que se sabe} esteve apenas um ano na universidade;
nunca foi à Rússia; a ida à Grécia parece mais uma paródia
a decalcar as viagens dos românticos Byron e Shelley; entra
em West Point em 1830 com ajuda do Sr. Allen} o qual só
morre em 1834.
Vejamos então qual tem sido a biografia mais «oficial>>
do autor.
Edgar Allan Poe nasce em Boston} em 19 de Janeiro de
1809. Era o segundo filho dos actores itinerantes John e
Elizabeth Arnold Poe. A mãe} já doente com tuberculose em
avançado grau 1 vem a morrer em Dezembro de 18111 após o
nascimento de uma menina1 Rosalie1 deixando Edgar órfão
com cerca de 2 anos. William Henry Poe} o filho mais velho}
é entregue aos avós1 e Edgar fica a cargo de um casal de esco-
ceses} os abastados comerciantes de tabaco Sarah e John Al-
lan1 de Richmond1 na Virgínia.
Entre 1815 e 1820 os Allan deslocam-se à Grã-Bre-
tanha1 levando consigo o jovem Edgar} que vai sendo
matriculado em escolas britânicas. Regressam a Richmond1 e
Edgar continua a estudar em academias privadas. Os Allan
têm problemas financeiros que são resolvidos com a morte de
um tio 1 em 182 5. No ano seguinte} Poe matrícula-se na
Universidade de Vírgínia 1 ínaugwada pouco antes por Tho-
mas Jefferson. É óptimo aluno} mas terá que abandonar a
universidade devido a problemas financeiros - seja em resul-
tado de dívidas de jogo} seja pela sovinice do pai adoptivo.
Aliás1 começam aqui as grandes zangas entre ambos1 nunca
chegando a reconciliar-se completamente1 o que se prova por
Edgar ter sido ignorado no testamento paterno aberto em
1834.
VIII
Alista-se no exército, por cinco anos, com nome e idade
falsos - E. A. Perry, de 22 anos de idade - e ali chega a
atingir o posto de sargento-mar. Em Junho de 1830 está a
frequentar a Academia de West Point, como cadete, de onde
será expulso, após uma ida a tribunal marcial, pelos mesmos
motivos que terão conduzido à sua saída da universidade.
A zanga com o «pai» tem sido atribuída pelos biógrafos
aos motivos mais diversos. Pelas cartas percebe-se que o pro-
blema de superfície é o corte dos financiamentos a Poe. Mas
as motivações e consequências destes cortes têm desencadeado
os maiores delírios - desde justificarem o aparecimento do al-
coolismo pela falta de amor paterno, até se sugerirem relações
mais amorosas com a mulher daquele, Frances Allen, a hipo-
tética Fanny dos poemas. Nunca se levanta a possibilidade
de se poder tratar de problemas de ordem mais social e polí-
tica - o país está em turbulência, são grandes as crises em to-
dos os campos; há dois momentos pelo menos em que Poe pa-
rece interessado em seguir uma carreira política; por outro
lado, o <<pai>> adoptivo (que nunca o adopta legalmente} é es-
cocês - da Grã-Bretanha, portanto, em guerra fresca com os
Estados Unidos - e ao mesmo tempo sulista, proprietário de
plantações de tabaco, enquanto Poe se assume como ameri-
cano e se vai refugiando pelo norte.
Tendo recebido uma educação de elite, não tendo fundos
para sobreviver no meio para que foi educado, Poe vê-se na ne-
cessidade de angariar a sua subsistência com as ferramentas que
lhe deram. Dado o sucesso de alguns dos seus escritos, os prémios
literários que foi recebendo, vai conseguindo arranjar trabalho
como crítico literário, jornalista, e editor de jornais e revistas nas
cidades de Baltimore, Richmond, Nova Iorque e Filadélfia.
IX
Os problemas que se levantam relativamente às infor-
mações mais vulgares sobre a vida de Edgar Allan Poe são
desmesuradamente multiplicados quando se tenta entrar na
sua vida amorosa. Também tem sido grande o peso que o
próprio Poe, e os críticos que sobre ele se debruçam, dão ao
papel que as mulheres nela vão desempenhando. Todavia, a
hipótese de serem <<musas inspiradoras>> será muito relativa,
na medida em que Poe vai re-escrevendo, re-nomeando, e
lhes vai redirigindo os poemas ao sabor das ocasiões.
Em 182 5 há um noivado contrariado com Elmira
Royster, que será quebrado no ano seguinte. Em 1831, depois
da zanga com os Allen, vai viver com a tia Maria Clemm e
a sua prima Virgínia Eliza, na altura com 8 anos de idade,
a quem dá explicações. A 16 de Maio de 1836 irão casar os
dois: Virgínia tem 13 anos, Edgar 25. A mãe da noiva apoia
a união, o amigo, Thomas W Cleland conflr~a que Virgínia
tem 22 anos - e a cerimónia realiza-se diante de testemu-
nhas idóneas 6 . O casamento com uma noiva-infantil tem o
seu peso na lenda em torno do autor, por vezes mais fantás-
tica do que as suas próprias histórias. Virgínia, a musa gó-
tica, morrerá tuberculosa dez anos mais tarde. É atribuído à
morte da mulher o agravamento do desequilíbrio de Edgar,
que acaba por lhe sobreviver apenas por três anos.
6
Edgar e Virgínia foram casados pelo Rev. Amasa Converse,
um ministro presbiterano, editor de Southern Relígious Telegraph, na
pensão Yarrington, na presença de T. W. Wlúte e da sua filha
Eliza; o Sr. e a Sra. Thomas W. Cleland, William McFarlane, John
W. Ferguson,James Yarrington e Maria Clemm.
X
Durante esse período (e antes também} surgem outras
figuras femininas na sua vida. A Sra. Shew, que tratara de
Virgínia, mas que se assusta com o estado de saúde de Poe:
os relatórios médicos possíveis à altura referem problemas
cardíacos e cerebrais, com tratamentos incompatíveis - o láu-
dano (um opiato) para as enxaquecas; os «cordiais>>, à base
de álcool, para o coração. Edgar propõe ainda casamento à
poeta Sarah Helen Whitman, de 45 anos de idade, que o re-
jeita dado as informações que recebe quanto ao estado de de-
pendência daquele. Reencontra ainda a sua amada de juven-
tude, que entretanto enviuvara, Elmira Royster Shelton, e os
amigos falam de um noivado, com <<condições». Poe inscreve-
-se na <<Sons of Temperance Friendly Society>>, talvez em
busca de apoio para abandonar os remédios-estupifacientes.
E/mira aceita o compromisso.
Entretanto desloca-se de Richmond para Baltimore, no
barco que parte a 27 de Setembro de 1849. Sabe-se que a 3 de
Outubro estará naquela cidade, em dia de eleições, e provavel-
mente terá sido apanhado numa «capoeira whig» de votantes
forçados - a quem era dado álcool e comida. Joseph W Uillker
escreve um bilhete aJames E. Snodgrass, parece que a pedido de
Poe, iriformando-o que aquele estará com problemas. Quando
Snodgrass chega, Poe está desmaiado. É levado para o hospital.
Entre o coma e o delírio, morre quatro dias depois, a 7 de Ou-
tubro de 1849, com 40 anos. Daqui vêm os dois últimos misté-
rios. Snodgrass diz que Poe estava embriagado; o Dr. John].
Moran, que o tratou no hospital, cifirma que tinha sido agredido
e apresentava uma ferida na cabeça. Nuns documentos Poe é
enterrado dia 8, noutros dia 9; uns dizem que foi à direita do
avô, outros que à esquerda - eficou sem pedra tumular.
XI
O corpo é exumado em 1875 e colocado sob um monu-
mento a 6 de Novembro, que só será inaugurado dia 17.
A menina Sara S. Rice leu em voz alta muitos documentos de
condolências enviados por poetas como Longfellow, Holmes,
Whittier, Bryant, Swinburne e Tennyson. Irá reuni-los num
volume 7, para o qual contribui também Stephane Mallarmé
com o seu famoso soneto «Le Tombeau d'Edgar Poe>>, numa
versão em inglês 8 . A notícia dada no jornal de Baltimore 9
rifere ainda que o poeta u-ált Whitman, com uma cabeleira
de prata chegando-lhe aos ombros, se aproximou do monu-
mento pedindo uma folha de louro do tributo floral em forma
de corvo que tinha ali sido colocado em homenagem bastante
póstuma.
***
XII
crítico -feroz e mordaz, tem por apodo «o homem do toma-
hawk» -Já-lo singrar, promovendo-se e promovendo as re-
vistas em que escreve. Embora sempre mal pago, em Dezembro
de 1835 chega a editor do Southern Literary Messenger
que, com os seus escritos, multiplica as tiragens. Demite-se
dois anos depois, em resultado de uma discussão com o pro-
prietário, T White - diz este que foi por causa do alcoolismo
de Poe; diz Poe que foi por causa de uma questão de honra,
dado White ter já decido quem seria o vencedor de um con-
curso literário que iriam abrir. White recusa ainda editar
«A Queda da Casa de Usher», porque duvida que os seus
leitores se interessem por contos de influência alemã. Poe
acaba por vender a sua mais famosa história, por 10 dólares,
à Burton's Magazine onde passará a trabalhar em 183 9.
Começa a pensar criar a sua própria revista -primeiro com o
nome de Penn Magazine e depois Stylus -, mas apesar de
todos os esforços, por culpa sua, das gravíssimas e sucessivas
crises económicas gerais, ou de falta de financiamentos, nunca
chega a concretizar esse projecto. Entretanto William E. Bur-
ton vende a revista a George R. Graham, que a rebaptiza de
Graham's Magazine - e Poe, mais os assinantes, transfe-
rem-se para a nova publicação. Irá ainda trabalhar no Eve-
ning Mirrar e em The Broadway Journal- deste último
chega a proprietário, mas de novo os problemas de dinheiro e
saúde o levam a ter que ceder a posição. Acaba a subsistir à
conta de textos mal pagos em publicações várias, da caridade
de amigos e de conferências.
O trabalho nas revistas e as conferências têm um objec-
tivo comum. Após as duas guerras com a Grã-Bretanha - a
da Revolução Americana e a de 1812-14 - torna-se cada
XIII
vez mais evidente a falta de uma literatura nacional (prova
romântica da existência de um povo, e de uma nação}.
Grande parte das revistas têm o objectivo primeiro de melho-
rar as condições literárias, de promover e divulgar a produção
escrita dos habitantes do novo país. Não será de estranhar
que o tema das conferências de E. A. Poe seja a Literatura
Americana. A sua primeira apresentação, a 21 de Novembro
de 1843, em Filadélfia, é sobre «Poesia Americana», e sobre
«0 Universo» (que lhe irá servir de base para o poema em
prosa Eureka}. O sucesso é grande e as críticas favoráveis.
Mas é a publicação em 1845 de «0 Corvo», em Janeiro no
Evening Mirrar e em Fevereiro na American Review
que lhe abre as portas da sociedade literária de Nova Iorque.
Publica o seu mais conhecido texto teórico, «A Filosofia da
Composição» - em que explica o «fabrico>> do poema - no
ano seguinte. E começa a ser convidado para fazer conferên-
cias e leituras pelo país. Em Junho de 18 48 está em Lowell,
em Dezembro em Providence, fala de «Poetas e Poesia Ame-
ricana>>. Em Setembro de 1849, tinha acabado uma tournée
em que discursara sobre <<0 Princípio Poético>>.
Heranças Literárias
XIV
Mas nem o veredicto da posteridade tem sido unânime.
Até há pouco os compatriotas menosprezavam-no, apodan-
do-o de «gingle man>> {o homem das rimas}, usando a alcu-
nha que lhe fora posta pelo transcendentalista Ralph Wàldo
Emerson. Ou então, louvavam-no e, simultaneamente, ex-
cluíam-no das principais correntes da literatura americana,
exaltando a sua faceta inovadora em géneros <<menores>>
como o romance policial.
Se a escrita de Poe for entendida como manifestação de
uma busca da experiência do transcendente, uma invocação
da viagem pela imaginação, que transporta o homem para
além do mundo conhecido e lhe permite aceder à visão do
ideal - mesmo que, por vezes, essa demanda venha a terminar
na loucura e na morte -, é impossível não o inserir na tradi-
ção da literatura americana. Tem afinidades com Nathaniel
Hawthorne 10, com Herman Melville 11 , ambos romancistas e
também poetas. Podem associar-se pela obsessão com «O po-
der negro» e com aquilo que o próprio Poe descreve como «a
negritude da escuridão>>. Partilham também o mesmo con-
ceito de herói, como um ser estranho e alienado, a persona-
gem estrangeira e marginal.
Mais conhecido como jornalista, crítico e contador de
histórias fantásticas, o «pai» do romance policial é também
poeta, e controverso por afirmar que o poema não resulta de
uma «inspiração», mas sim de um fabrico, tão racional quanto
mances, entre eles The Scarlet Letter (1850) e The House of the
Seven Gables (1851); também escreveu poemas.
11 Herman Melville (1819-1891) -poeta e romancista, co-
XV
o solucionar de um problema matemático. Estas suas teses
são defendidas na prática - com o poema «0 Corvo» - e em
teoria - no ensaio «A Filosofia da Composição».
Mas em todos os seus outros poemas o processo represen-
tativo é recusado por vulgar, pouco inspirador, preferindo-se a
música como referente, pois, para Poe é a forma de arte mais
perfeita, a mais adequada para criar uma beleza super-natu-
ral. A sua convicção de que as propriedades melodiosas da lin-
guagem constituem um adjuvante necessário na busca da be-
leza chegam, por vezes, a levá-lo a sobrepor a musicalidade da
rima à lógica do sentido. Talvez por isso a sua prática poética
seja vista como fraca prova do êxito das suas teorias no que
respeita à composição, no entanto consegue sugerir as qualida-
des de intensidade e aumento de consciência que todos os seus
trabalhos têm como objectivo.
Poesia e prosa acabam, pois, ligadas a partir de imagens e
temas recorrentes, podendo detectar-se duas linhas que a deter-
minado momento de cada texto se tornam divergentes. O au-
tor procura usar o quotidiano e, ao mesmo tempo, romper as
barreiras dos estados de consciência usuais. O real começa a ser
contaminado pela demanda imaginativa do belo; há uma
ideia da viagem da mente para além do mundo real, ao encon-
tro de uma visão; e quando o encontro se dá, a revelação cega e
destrói, deixando o real en~ombrado pela <<terribilitá,>.
***
XVI
oferece dúvidas a muitos, como Tennyson e Yeats. A sua gló-
ria alcançou-a, no entanto, pela especial exaltação que desen-
cadeou nos simbolistas franceses, destacando-se o primeiro
poeta que o traduziu, Baudelaire 12, a quem se seguem Mal-
larmé13 e Valery 14 . Divulgado em França pelo nome cari-
nhoso de «Edgarpô>>, o poeta americano adquire uma figura e
uma dimensão bem diversa da que lhe era atribuída pela tra-
dição anglo-saxónica.
Todavia, não podem ser ignoradas as marcas profundas
que, à revelia dos seus detractores, também acaba por instilar
naquela sua tradição. São interessantes as semelhanças que se
detectam entre o seu conceito de <<efeito poético», e a ideia de
«objectivo-correlativo», tal como irá ser formulada por T S.
Eliot 15, em 1920, para definir a relação entre a experiência
individual do poeta e o correspondente resultado a conseguir
no leitor. Diz este no ensaio «Hamlet and his problems»:
12
Charles Baudelaire, E.A.P., sa vie et ses oeuvres (1856);
Histoires Extraordinaires (1856); Nouvelles Histoires Extraordi-
naires (1857); Les Aventures de Arthur Gordon Pym (1857); His-
toires Grotesques et sérieuses (1865).
13 Stéphane Mallarmé Le corbeau. The raven: poeme, ilustr.
XVII
um conjunto de objectos, uma situação, uma cadeia de aconte-
cimentos que sejam a fórmula dessa emoção particular; de tal
modo que quando são dados os Jactos externos, que devem ter-
minar numa experiência sensorial, a emoção é imediatamente
evocada.16
16
«The only way of expressing emotion in the form of art is by finding
an «objective correlative»; in other words, a set of objects, a situation, a chain
of events which shall be the formula of that particular emotion; such that
when externa[ Jacts, which must terminate in sensory experíence, are given,
the emotíon is ímmedíately evoked.». Este ensaio vem no livro The Sa-
cred W ood - Essays on Poetry and Criticism (1. a Ed. 1920 _ 3. a
Ed. Methuen & Co., Londres 1976), e deveria ser lido junto com
outro que lhe é complementar - na definição do conceito de im-
pessoalidade - «Tradition and the Individual Talent». Existem al-
guns ensaios de Eliot em português: Ensaios Escolhidos de T. S.
Eliot, edições Cotovia (1992), e Ensaios de Doutrina Crítica, Gui-
marães, Lisboa.
17 T. S. Eliot, «From Poe to Valéry» in How to Criticize the
Critics (New York, 1965), pp. 27-42.
18 Aldous Huxley, «Vulgarity in Literature», in The Saturday
XVIII
sido tacitamente adoptada pelos seus sucessores. De Jacto, os
poemas longos quase desaparecem: a maior parte das obras poé-
ticas em grande escala dos tempos modernos são compostas de
sequências de poemas curtos, como As Elegias a Duino de
Rilke, ou os Quatro Quartetos de T S. Eliot. Longos poemas
filosóficos e narrativos aparecem ocasionalmente, mas parecem
traquitanas antiquadas, divorciadas do espírito do tempo. 19
19
Graham Hough: «The doctrine of Edgar Allan Poe that there is
no such thing as a long poem was takerz up by Baudelaire, and seems tacitly
to have been taken by his successors. ln Jact the long poem almost disappears:
most oJ the large-scale poetical works of modern times are composed of se-
quences of short poems, like Rilke's Duino Elegies or Eliot's Four Quartets.
Long narrative philosophical poems do occasionally appear, but they seem an-
tiquated contraptions, divorced Jrom the spirit of the age.» «The Modemist
Lyric» in Modemism 1890-1930, (Malcolm Bradbury, McFarlane,
Eds.), Penguin Books, Harmonds.: 1983, pp. 319-20.
20
Helene Cixous, «Poe re-lu: une poetique du revenin>, in
Critique, 28 [1972], pp. 299-327.
2 1 Jacque Lacan, «Le Séminaire de la lettre volée», La Psycha-
1967.
XIX
in the Case of M. Valdemar» {O Caso do Sr. Valdemar}
como motivo de um ensaio de Roland Barthes 23 .
Como contista, Poe tinha já influenciado figuras tão di-
versas como Kafka, H. G. Wells, Conan Doyle, Algernon
B lackwood e, evidentemente, Jorge-Luis Borges. A história da
família Usher- «The Fall of the House of Usher» {A Queda
da Casa de Usher} - é a que tem tido mais peso. Começou
pela música - está na base da ópera Peléas de Debussy - e
estendeu-se ao cinema. Aquela narrativa de Poe tem fasci-
nado realizadores que a têm usado em sucessivos remakes,
sendo os mais conhecidos o de]ean Epstein, de 1928, e o de
1961, em que Roger Corman dirige Vincent Price, actor de
eleição dos universos poescos.
A lista seria longa, mas refere-se apenas uma outra
ópera, de Bob Wilson e Lou Reed, estreada em Dezembro de
2000. A vida, a obra, e Edgar Allan Poe são homenageados
em POEtry, cujo libreto é uma colagem feita a partir de con-
tos e poemas seus.
***
23
Roland Barthes, «Analyse textuelle d'un conte d'Edgar
Poe» in L'aventure sémiologique, Seuil, Paris, 1973.
24
Fernando Pessoa (trad.) O Corvo e Outros Poemas de
Edgar Allan Poe (1. a ed.), Ulmeiro, Lisboa, 1989.
XX
Cat1> {O Gato Preto}, manifestam certo «gosto por assuntos
grosseiros, desagradáveis e repugnantes». Interessa-se, no en-
tanto, pela sua poesia e chega a traduzir «Ulalume>> e «Anna-
bel Lee>>, embora explique: <<não pelo seu valor intrínseco, mas
por serem um repto permanente aos tradutores>>. Recusa ainda
o simbolismo que lhe é atribuído como <<uma fuga ao mundo
exterior>>. E embora menospreze a crítica de Poe como «falsa»,
uma vez que se constrói «a partir do raciocínio>>, louva como
um dos seus triurifos o ter previsto «a necessidade de poemas
bre11es>>, bem como a invenção do conto policial. Fernando Pes-
soa adopta ainda a ideia de Poe de que o poema pode ser «a
impressão intelectualizada, ou uma ideia convertida em emo-
ção, comunicada a outros por meio de um ritmo», de acordo
com a temática do conhecido poema «Isto>>, por exemplo.
Mas outros portugueses se interessaram por este estra-
nho autor americano. Sampaio Bruno 25, em 1886, analisa os
contos de Poe, considermtdo que o seu fantástico é mais per-
turbante (e logo mais negativo) que o de Hoffmann . Eça de
Queiroz 26 ecoa as inquietações simbolistas nas Prosas Bár-
baras. <<Os Ceifeiros» de Fialho de Almeida 27 , que traduziu
alguns contos do americano, revelam um interesse comum
pelo terror e fantasmagoria no modo como são exploradas as
sinestesias. E ainda António Feijó 28, por exemplo, no seu
poema <<Pálida e Loira», usa uma temática e uma estratégia
Porto, 1905.
27 Fialho de Almeida Contos, A. M . Teixeira, Lisboa, 1968.
boa, 1940.
XXI
prosódica muito próximas de «Annabel Lee>>. Quanto a es-
tudos e ensaios, há alguns poucos artigos e trabalhos acadé-
micos recentes (veja-se a bibliografia).
Porém, em termos de língua portuguesa, o grande sucesso
de Poe vai dar-se, sem quaisquer reservas ou dúvidas, no Brasil.
Preocupações Teóricas
XXII
Edgar Allan Poe tem duas grandes preocupações: uma -
mais geral e partilhada pelos seus contemporâneos - que é
atestar e consolidar a existência de uma literatura americana;
a outra, que lhe vai dar o cariz de grande modernidade - e
fonte de incompreensão ao tempo, quando lhe chamam cere-
bral, matemático, filósofo ou cientista da literatura, como D .
H. Lawrence 30 - que é pretender retirar os modos de abordar
a literatura do campo dos impressionismos: uma coisa que só
os estudos literários vão conseguir pelos anos de 1960.
A fundamentar estas duas preocupações está a afirmação
da sua individualidade, da originalidade do seu pensamento,
que vai referindo nas críticas, que procura concretizar pela
sua prática de escrita e que tenta teorizar como vai lhe vai
sendo possível.
XXIII
Daí que, por um lado, seja nos seus próprios textos que
melhor se encontrem as suas propostas - que aproveite as re-
censões e conferências para ir apresentando as suas ideias
quanto ao que entende devam ser os novos e bons modos de
escrever. Veja-se a análise de Twice Told Tales de Nathaniel
Hawthorne, onde procura desenvolver uma teoria sobre o
conto - na qual antecipará Vladimir Propp, e o próprio Ro-
land Barthes, ao considerá-lo como a unidade mínima narra-
tiva - e cuja primeira versão começa assim:
31
Edgar Allan Poe: « We have always regarded the Tale (using this
word in its popular aaeptation) as alfording the best prose opportunity for
display of the highest talent. It has peculiar advantages which the nove! does
not admit. It is, oJ course, a far finer field than the essay. It has even points of
superiority over the poem. An accident has deprived us, this month, of our
mstomary spncc for re11iew; m1d thus nipped in the hud a de.s(~n lorzg cheris-
hed of lreatinJ!. this subject in detail; takirz.~ Mr. Hawthonze's volwizes as a
text. ln May we shall endeavor to cany out aur intmtion. At present we are
Jorced to bc brief» in «Review of Hawthorne - Twice Told Tales, Gra-
ham's Magazine, Abril de 1842, pp. 254.
XXIV
Pode também utilizar um conto para desmontar, na paródia,
a estratégia de escrita de um artigo - «How to write a Black-
wood article» 32 {Como Escrever Um Artigo «Blackwood>>};
ou fazer o «pastíche» de um ensaio científico sob a forma de
um conto - <<Raising the Wind - Diddling considered as one
of the Exact sciences» 33 {Desvendar o Segredo - A Rapinice
Considerada como Uma das Ciências Exactas}. Premedita-
damente, escreve textos que se podem considerar «híbridos»
entre as puras teorização e criação literárias e, mais ainda,
textos que aspiram à fusão última entre ciência, filosofia e
arte, como Eureka: A Prose-Poem (1849), um «poema em
prosa>> que é classificado entre os ensaios.
Regressando à segunda preocupação de Poe - a de dar
um carácter científico à literatura - percebe-se que para a re-
solver vai adoptar duas estratégias: por um lado, tentar empur-
rar até ao mais perto do científico que lhe seja possível o que
de mais científico exista no estudo da literatura: a prosódia
(contígua à música, que é anotável) e logo, a versificação. Por
outro lado, vai socorrer-se das ciências do seu tempo - uma es-
tratégia já costumeira das teorias literárias, sempre uma forma
de parasitologia -para o ajudarem a construir a sua teses - a
matemática, a proporção, a acústica nascente, o mesmerismo e
suas possibilidades hipnóticas e psicológicas, a filosofia.
32
Edgar Allan Poe, <<How to Write a Blackwood Article» (E),
The Works of the Late Edgar Aila.I1 Poe, vol. IV, 1856, pp. 230-250;
com a dupla ironia de os irmãos Gilforcl c Sydney Smith, pró-bri-
t5nicos ru polémica literária, escreverem no Blackwood Ml~ga.zi111:.
33
Edgar Allan Poe, <<Raisiug thc Wind [Diddling] » (A), Sntllr-
day Courier, Vol. XIII, N . 655, p. 1.
0
XXV
Do que se conhece do espólio e confirmado como seus,
além das críticas, existem os textos assumidamente teóricos
«Letter to B -», a famosa «Philosophy of Composition»,
«The Rationale ofVerso> e «The Poetic Principie>>, com origens
efortunas diversas - e é neles que em particular fala de poesia.
34
«ln the Jour quarters of the globe, who reads atzd American book? or
goes to an American play? or looks at an American picture or statue?» veja-
-se a polémica resumida no capítulo : §11. «The Literary Wars
between England and America>>. <http://bartleby.com/225/
1011.html> (Janeiro 20 16)
XXVI
Nos quatro cantos do mundo, quem lê um livro americano? Ou
vai a uma peça de teatro americana? Ou olha para um quadro
ou para uma estátua americanos?
XXVII
«Philosophy of Composition'>
{A Filosofia da Composição}- Abril de 1846
37
Tony Lumpkin: «When Poe walked itzto the offices of the Gra-
ham's magazine in an attempt to se!/ his first copy of"The Raven," it was re-
jected outright, despite his pleading that lze desperately needed the money for
hisJamily. Not much la ter, a better version of the sarne poem was bought by
Colton's Americmz Whig Review for J![teen dollars. It is ironic indeed that
the author of some of the most successful and widely-cirwlated works itz
American literature should have earned practically nothing by writing them.
"The Raven" seems to have netted its author less than $20." (Wagenknech~
90} It was published by that magaz ine itz its February, 1845, edition. Along
with it was a copy of Poe's "The Philosophy of Composition," whiclz some
critics take to have bem a direct discussion 011 the writing if 'The Ravet~"
while others dismiss it as being rubbish.» in «The First American Poem:
Edgar Allan Poe's "The Raven"», http: //www.a-blast.org/infolraven.
html (Janeiro 2016).
XXVIII
das consequências da autonomia da arte resultante das propostas
kantianas - que o poeta-génio ofereça a sua própria poética-
-modelo.
O público entusiasmou-se de imediato com o poema, os crí-
ticos demoraram um pouco mais e, embora todos o tenham lou-
vado, só John Daniel do Richmond Examiner se apercebe,
com algumas reservas e demoras, da sua dimensão- em 1849 38 :
38 John Daniel: «The Raven' has taken rank over the whole world of
literature, as the very flrst poem yet produced on the American continent.
There is indeed but one other- « The Humble Bee» of Ralph Waldo Emer-
son, which can be ranked near it. The latter is superior to i~ as a work of
construction and design, while the former is superior to the latter as a work of
pure arb> in Richmond Examiner's September 25, 1849, apud. Walker,
I.M. Edgar Allan Poe: The Criticai Heritage. Nova Iorque: Rout-
ledge & Kegan Paul, lnc., 1986.
XXIX
Considera Poe que nenhum ponto de «0 Corvo)> se pode
relacionar com o acaso, acidente ou intuição, e diz que o
poema foi arquitectado <<passo a passoJ>, com a precisão e rigi-
dez de quem resolve um problema matemático. Dispensa como
irrelevante para o poema em si a circunstância que lhe possa
ter dado origem, e afirma o dever de a obra ser agradável, ime-
diatamente, aos gostos popular (vulgar) e crítico (erudito).
«Ü CorvOJ> é um poema narrativo de dezoito estrofes com
cinco versos e um refrão cada. A acção descrita é breve: à meia-
-noite, um corvo <<bate à portaJ>, entra e instala-se no quarto de
um jovem que sofre pela morte recente da sua amada Lenore.
O encontro entre estas duas personagens vai desencadear uma
situação de terror que se agrava com o diálogo - que é um mo-
nólogo: o homem questiona o corvo, e este responde-lhe com a
única palavra que lhe ensinaram e repete de cor: «NevermoreJ>
{Nunca mais] - palavra cujo sentido se intensifica correspon-
dendo, no inglês, como referiu Roman ]akobson, a um ana-
grama fonético {never-raven}. O crescendo surge da maior ela-
boração e dimensão filosófica das perguntas, às quais a resposta
se adapta sempre, ironicamente, como não-resposta. Uma ironia
agravada pelo regresso ao equilíbrio representado pelo refrão, o
recuperar de uma estabilidade adquirida após um intervalo de
expectativa e de angústia - a procurar reproduzir os efeitos e
processos psicológicos da música tonal.
Nomeia depois os principais aspectos a ter em considera-
ção - todos de carácter prático e «materialistaJ>: o poema tem
de ser breve, para poder ser lido de uma só vez; a brevidade
não deverá exceder os cem versos; quanto mais breve mais in-
tenso será o efeito poético. Em segundo lugar - e repetindo a
lição kantiana -, advoga ser a beleza a esfera, ou a <<provín-
XXX
cia», do poema; para a atingir terá que usar-se o tom mais
poético, que é o melancólico. A terceira exigência é a de «pi-
cante artístico>> - este decalcado de um conceito de novidade
menos moderno e herdado dos pré-românticos ingleses (em
particular Joseph Addison 39}: um eixo em torno do qual re-
volva toda a estrutura do poema, aqui conseguido pelo refrão.
A sua força acaba por residir na monotonia dos sons associada
a uma variação do pensamento, monotonia e variação que,
combinadas, dão origem ao prazer do reconhecimento da iden-
tidade, pela repetição. «De la musique avant toute chose>>.
XXXI
Entendendo que o trabalho do poeta é construir os ver-
sos, Poe vai debruçar-se minuciosamente sobre os vários as-
pectos da versificação, em particular da prosódia inglesa -
explorando os vários pés e os modos como interagem e se po-
dem combinar entre si as acentuações - em direcção à música.
Criticando todos e tudo o que foi Jeito antes de si, ataca o uso
dos manuais preparados por eruditos, cheios de normas que
não são testadas na prática; a aplicação aleatória de princí-
pios sem que a sua Junção, verdade ou consistência sejam com-
provadas. Depois, a partir do espondeu, a combinação silá-
bica mais pequena possível (o pé de duas sílabas acentuadas),
e suas sucessivas associações, vai propor um historial evolu-
cionário da poesia desde as suas origens. Usando o mesmo
processo, mas num percurso em decrescendo, faz a desmonta-
gem do momento da apreciação estética - do que ocorre na
mente (no interior) do indivíduo - da sonoridade dos versos.
Oferece com entusiasmo a sua metodologia de medição, pelo
meio de alguns mal-entendidos, esquecendo, por vezes, que o
partir do verso, o quebrar do ritmo, também será uma forma
de ritmo. O seu ideal de versificação funda-se numa regulari-
dade e equilíbrio - matemáticos.
As questões relacionadas com a prosódia têm andado
fora de moda; saíram dos curricula; interessam pouco e pare-
ciam pouco úteis até aos próprios poetas. Da parte dos estu-
diosos houve várias tentativas, falhadas, de estabelecer um
padrão para se criar uma metodologia das análises do metro
(MLA, Karl Shapiro, Rene Welleck e Warren, entre outros).
Mas sem dúvida que um novo surto de interesse está a des-
pertar, por via das disciplinas de Processamento de Língua
Natural, com uma nova utilidade no que respeita à elaboração
de programas de reconhecimento de voz para computadores.
XXXII
A proposta de Poe não será tão moderna que possa ofe-
recer alguma saída inesperada às novas tecnologias. Levanta
problemas quanto à língua inglesa que já Sir Philip Sydney
detectara e que Coleridge tentara resolver - haviam ambos pro-
curado anular as distâncias entre a prosódia anglo-saxónica e
a das línguas de origem latina. Sydney e Coleridge escreveram
poemas de acordo com os metros e ritmos da literatura ro-
mance - um pouco o que Longfellow irá fazer ao decalcar em
inglês a métrica grega. Mas aqui, Edgar Allan Poe pega no
problema por outra perspectiva, e vai tentar descobrir uma
forma de notação prosódica que englobe, e seja comum, aos
dois tipos diferentes de medir, e anotar, o verso. O seu esforço
perde-se, na medida em que a prosódia, em si, não é cons-
tante, mas se vai mudando - como muda a língua, a ortogra-
fia e a pronúncia.
Em última instância, este texto oferece-se como um tra-
tado de prosódia indispensável para a leitura dos poemas do
próprio Poe.
XXXIII
apresentou na última conferência dada em Richmond} Virgí-
nia. Parece que o manuscrito terá sobrevivido às atribulações
da sua morte} pelo que só foi publicado postumamente.
Como seria de espera~ está muito marcado pela orali-
dade e percebe-se que foi retoricamente construído para um
público não muito erudito. Vámos encontrar aqui} resumidas
e entremeadas com poemas mais ou menos exemplificativos -
jogando sempre com teoria e prática -} as ideias que Poe foi
veiculando ao longo dos seus outros textos. A sua tripartição
do mundo - em Intelecto} Gosto e Sentido Moral - muito
kantiana; alguns laivos de gnosticismo helenístico; um ex-
cesso do sublime que se exprime pelas lágrimas burkeanas.
Também reforça - além dos seus ataques aos grupos e ten-
dências - o que entende por poema e por excelência da arte}
as diferenças entre <<Jancy» {fantasia} e «imagination» {ima-
ginação} (a recuperar de novo as polémicas 40 iniciadas pelos
pré-românticos ingleses} em particular Addison e Young 41).
De acordo com os seus críticos} à primeira vista não são
muito grandes as diferenças entre as suas propostas e as de
Coleridge - enquanto representante do romantismo inglês -
XXXIV
nem relativamente a Ralph Waldo Emerson, ou mesmo U'cllt
Whitman - enquanto representantes do transcendentalismo
americano. Por tal pode não se entender muito bem o porquê
das animosidades mútuas.
Pode aventar-se que a distância se marcará pela perspec-
tiva. São todos adeptos da autonomia da arte, mas sem ideal
arquetípico, o termo de comparação que se lhes oferece é o
real circundante - o mundo {interior ou exterior), as outras
artes. Poe escolhe a música. Ainda sem padrão com que se
aferir, a arte é avaliada pelo efeito que provoca no público,
em particular no indivíduo. Passa a ser uma questão de gosto,
e a depender das sensações. A diferença entre sensações e per-
cepção é primeiro formulada pelo Bispo Berkeley 42 • Coleridge
e Emerson, mais herdeiros de David Hume 43, entendem que
a Beleza se encontra no olhar de quem observa - o que
· transpõe o poeta para a dimensão do Bardo. Poe, o cientista,
poderá considerar-se mais como seguidor de John Locke 44 de
cujas teorizações se depreende que a Beleza - uma combina-
XXXV
ção da cor e da figura, portanto também da proporção e da
geometria - se encontra em parte nos objectos. A capacidade
de descortinar a Beleza contínua a ser tarefa do poeta, mas a
sua Junção, além de aperfeiçoar o material da sua prática,
mais a sua técnica, será a de suscitar sensações e percepções
no leitor do poema, de lhe trabalhar a alma.
Este ensaio, comentado por Baudelaire 45, irá ser primordial
para a difinição da doutrina simbolista tal como apresentada por
XXXVI
Jean Moreas 46, em 1885, bem como para o Parnasianismo
seu concorrente.
***
XXXVII
Também se optou por traduzir todos os poemas, in-
cluindo <<0 Corvo,>, apesar da quantidade de versões em
brasileiro 47, e da portuguesa de Fernando Pessoa. O Jacto é
que nenhuma das traduções respeitava as repetições do inglês,
em particular no refrão, que são fundamentais para a expli-
cação dada no texto teórico.
Novembro de 2004
Helena Barbas
47
Existem mais de vinte versões, só no site «Nuvem de Cor-
vos": http://www.elsonfroes.eom.br/framepoe.htm (Janeiro 20 16).
XXXVIII
Outra Bibliografia Consultada
Geral:
Allen, Donnald e Burterick, The Postmoderns - The American
Poetry Revised, Grave Press, Inc. Nova Iorque.
Hoffman, Daniel, Harvard Guide to Contemporary American
Writing, Harvard U. P., Cambridge & Londres, 1979.
Simon, John K., (ed.). Modem French Criticism- From Proust
and Valéry to Structuralism. University of Chicago Press,
Londres e Chicago, 1972.
XXXIX
E. A. Poe e os Portugueses:
Baker, Badiaa Bourennane, «Fernando Pessoa and Edgar Allan Poe,
Fernando Pessoa and Walt Whitman», Arq. Centro Cultural
Português 15, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris 1980, pp.
247-321.
Bonacho, Fernanda do Rosário Farinha, Olhar a Cidade - E. T. A.
Hoffman. Edgar Allan Poe e Charles Baudelaire [texto poli-
copiado]. Tese de Mestrado em Estudos Literários Compara-
dos,Universidade Nova de Lisboa, 1999.
Carmelo, Luís, «Poe, o Gótico e o Visionarismo», in «0 Lado Ne-
gro das Palavras» {Blog), 30 de Agosto de 2003, <http://inp.
weblog.com.ptlarquivo/007576.html> {Novembro 2004).
Correia, Manuel Tânger, <<Mallarmé e Fernando Pessoa perante
"O Corvo" de Edgar Allan Poe», Ocidente, 65, Lisboa: (s.n.,
D.L.}, 1963, pp. 4-20.
Cruz, Frederico, «Edgar Poe e geo-política», Separata da Revista In-
dependência 12, Braga, 1963.
Lima, Maria Antónia, Brown, Poe, Hawthome e Melville: terror na litera-
tura norte-americana [Texto policopiado], Évora: (s.n.), 2000.
XL
Vale de Gato, Margarida,
Edgar Allan Poe em Translação: Entre Textos e Sisitemas visando
as Rescritas na Lírica Moderna em Portugal. [Texto polico-
piado] U. Lisboa, 2008
XLI
Edgar Allan Poe - Cronologia
XLII
Data Dados Biográficos Escritos Eventos Históricos
Poe torna-se aluno interno
1818 da Manar House School,
em Stoke Newington.
Poe matricula-se na escola 1.• Poema "To Helen>>. James Monroe anuncia a
William Burke. •Monroe Doctrine»:
1823 OHemisfério ocidental
está fechado a posterior
colonização europeia.
XLIII
Data Dados Biográficos Escritos Eventos Históricos
Morre um tio, cuja Eleição de John Ouincy
herança resolve os Adams; Abertura do Erie
problemas financeiros da Canal.
1825
família; Edgar fica noivo de
Elmira Royster, contra a
vontade das duas famílias.
E. A. Poe matricula-se
na Universidade de
Virgínia (14 de Fev.),
estuda línguas antigas e
1826
modernas; perde somas
avultadas ao jogo;
regressa a Richmond; o
noivado é rompido.
XLIV
Data Dados Biográficos Escritos Eventos Históricos
Entra em West Point; Saturday Evening Post Caminho-de-ferro
estuda francês e •Sonnet- To Science». Baltimore-Ohio; 1.•
1830 matemática; John Allan Convenção Nacional de
volta a casar (Out.); corta Negros em Filadélfia
relações com Poe. (25 de Set.).
Morre John Allan (Mar.) com Godey's Lady Book: • The Reservas índias em
54 anos; há filhos legítimos Visionary». Oklahoma; Gen. Antonio
1834 e ilegítimos mencionados López de Santa Anna
no testamento, mas Poe é derruba o governo
ignorado. constitucional do México.
XLV
Data Dados Biográficos Escritos Eventos Históricos
XLVI
Data Dados Biográficos Escritos Eventos Históricos
Poe trabalha como Burton's Magazine: «The
assistente de William E. Fali of the House of Usher»;
Burton na Burton's «The Devi I in the Belfry»;
1839 Magazine (Maio). «The Man That Was Used
Up»; «Fairyland»; reedita
poemas; Tales of the
Grotesgue and Arabesgue.
Tenta reactivar o projecto Gift. «The Pit and the Abre o trilho do Oregon;
da revista, agora com o Pendulum»; Lady's México avisa Estados
nome de Sty/us- falha por Companion: «The Mystery Unidos contra anexação do
questões financeiras e/ou of Marie Roget»; The Texas.
alcoolismo; começa a fazer Pionner. «The Teii-Tale
conferências e palestras Heart»; «Lenore» e 1.•
1843 sobre literatura americana. versão de «Rationale of
Verse». Ganha o concurso
do Do/lar Newspaper. •The
Golden Bug»; The Prose
Romances of Edgar A. Poe
United States Saturday
Post: •The Black Cat».
XLVII
Data Dados Biográficos Escritos Eventos Históricos
Polémicas com Mrs. Ellet, Graham's Magazine: •The Abolição da pena capital no
Mrs. Osgood, Miss Lynch e Philosophy of Composition•; Michigan; Congresso declara
o seu velho inimigo Thomas Godey's Lady's Book: «The Guerra ao México; Henry
Dunn English; correm boatos Cask of Amontillado»; a série David Thoreau, em Walden
1846 da sua insanidade; Virgínia "The Literati of New York Pond, é preso- recusa-se
está gravemente doente; City•; Crítica e tradução de a pagar o imposto de $1,
Mrs. Hewitt faz uma colecta Tales aparecem em França. em protesto contra a
para ajudar a família. guerra do México e contra
a escravatura.
Columbian Magazine:
Virgínia morre, com 25 anos «The Domain of Amheim»;
1847 (30 de Jan.). Home Journal: •To M.L.S.»;
American Review:
•Uialume: A Ballad•.
XLVIII
Data Dados Biográficos Escritos Eventos Históricos
Poe está doente; Maria The Flag of Our Union: Inicio da grande corrida ao
Clemm dirá que nesta altura •A Valentine•; •Hop-Frog: Or ouro da Califórnia (migram
a informou querer Rufus W. the Eight Chained Ourang- cerca de 80 000 pessoas).
Griswold como seu executor Outangs•; •Dream Within a
literário; vai a Filadélfia dar Dream•; «Von Kempelen and
uma conferência (Jul.), é His Discovery•; •X-ing a
preso por desacatos; é Paragrab•; •Landor's
libertado e recolhido por John Cottage»; •Sonnet-To My
Sartain, proprietário do Mother•; •Eldorado•; «For
Sartain's Union Magazine ; Annie•; Godey's Lady's Book:
encontro com Elmira Royster •Mellonta Tauta•;
Shelton, fala-se de noivado Sartain's Union Magazine:
sob condições; Faz •Annabel Lee• e •The Bells•
1849
conferências pelo estado da (versão final), publicados
Virgínia; inscreve-se nos postumamente.
•Sons of Temperance•;
Elmira aceita o compromisso;
Joseph Walker encontra Poe
no Gunner's Hall, em
Baltimore (3 de Out.); pede
ajuda. Nesse dia Poe dá
entrada no Washington
College Hospital, nas ruas
Broadway e Hampstead, em
Baltimore, onde morre no dia
7 de Outubro.
XLIX
POÉTICA
(TEXTOS TEÓRICOS)
CARTAAB-
1
CartaaB-
5
degrau mais alto nos Andes da mente, cuja cabeça (quer
dizer, o seu pensamento mais elevado) se encontra muito
alto acima da do idiota para ser vista ou compreendida, e
cujos pés (pelo que quero significar as suas acções de to-
dos os dias) estão suficientemente perto para serem dis-
cernidos, e por meio dos quais aquela superioridade se
constitui, a qual, não fossem eles, nunca teria sido desco-
berta - este vizinho afirma que Shakespeare é um grande
poeta -, o idiota acredita nele, e daí em diante esta torna-
-se opinião sua. A opinião própria deste vizinho foi igual-
mente adoptada de outro acima dele, e assim sucessiva-
mente, ascendendo até alguns poucos indivíduos dotados
que se ajoelham à volta do topo, encarando, face a face, o
espírito mestre que se ergue sobre o pináculo.
***
2
«Wib> - termo difícil de traduzir, que pode também sigrú-
ficar «espírito», «inteligência», «temperamento», «sentido de hu-
mor».
6
tância; os nossos próprios «elegantes» lançam o olhar da
encadernação até ao fim da página do título, onde os ca-
racteres rrústicos que soletram Londres, Paris ou Génova
são precisamente outras tantas cartas de recomendação.
***
7
degrau mais alto nos Andes da mente, cuja cabeça (quer
dizer, o seu pensamento mais elevado) se encontra muito
alto acima da do idiota para ser vista ou compreendida, e
cujos pés (pelo que quero significar as suas acções de to-
dos os dias) estão suficientemente perto para serem dis-
cernidos, e por meio dos quais aquela superioridade se
constitui, a qual, não fossem eles, nunca teria sido desco-
berta - este vizinho afirma que Shakespeare é um grande
poeta -, o idiota acredita nele, e daí em diante esta torna-
-se opinião sua. A opinião própria deste vizinho foi igual-
mente adoptada de outro acima dele, e assim sucessiva-
mente, ascendendo até alguns poucos indivíduos dotados
que se ajoelham à volta do topo, encarando, face a face, o
espírito mestre que se ergue sobre o pináculo.
***
2
«Wit>> - termo difícil de traduzir, que pode também signi-
ficar «espírito», «inteligência», «temperamento>>, «sentido de hu-
mor».
6
tância; os nossos próprios «elegantes>> lançam o olhar da
encadernação até ao frm da página do título, onde os ca-
racteres místicos que soletram Londres, Paris ou Génova
são precisamente outras tantas cartas de recomendação.
***
7
opinião dele é honestamente estabelecida. Por que cir-
cunstâncias triviais são tantas vezes os homens conduzi-
dos a afirmar aquilo em que não acreditam realmente!
Talvez uma palavra inadvertida tenha descido até à poste-
ridade. De facto, o Paraíso Reconquistado é pouco infe-
rior, se o for de todo, ao Paraíso Perdido, e só se supõe
que assim seja porque, o que quer que digam em contrá-
rio, os homens não gostam de épicos e, ao lerem os de
Milton pela sua ordem natural, ficam demasiado cansa-
dos com o primeiro para conseguirem retirar algum pra-
zer do segundo.
Ouso dizer que Milton preferia Comus a ambos e,
se assim o era,justamente.
***
4
«Lake School» - Nome dado ao grupo de poetas que, em irú-
cios do século XIX, vivia no Lake District de Cumberland e West-
moreland (agora Cúmbria). A apelação, com intenções insultuo-
sas, foi cunhada por Lord Francis Jeffrey em The Edinburgh Review,
em Agosto de 1817. O termo «Laker~ foi também usado deprecia-
tivamente pelo poeta Byron para definir William W ordsworth e
Samuel Taylor Coleridge, e ainda Robert Southey, embora este úl-
timo não apoiasse as teorias poéticas dos dois primeiros.
8
seria um trabalho de supererogação 5 • Os sábios devem
fazer vénia à sabedoria de homens como Coleridge 6 e
Southey 7 , mas sendo sábios, deveriam ter rido de teorias
poéticas tão prosaicamente exemplificadas.
Aristóteles, com uma segurança singular, declarou que
a poesia era a mais filosófica de todas as formas de escrita 8
9
- mas foi preciso um Wordsworth 9 para a pronunciar
como a mais metafísica. Ele parece pensar que o fim da
poesia é, ou deveria ser, a instrução. Trata-se, porém, de
um truísmo que o fim da nossa existência seja a felicidade:
se assim fosse, o fim de cada parte separada da nossa exis-
tência - de todas as coisas relacionadas com a ·nossa
existência - deveria ainda ser a felicidade. Portanto, o
fim da instrução deveria ser a felicidade; e a felicidade é
um outro nome para o prazer. E portanto, o objectivo da
instrução deveria ser o prazer: porém, vemos que a opinião
acima mencionada implica precisamente o contrário.
Para continuar: ceteris paribus 10 , é de muito maior im-
portância para os homens seus pares aquele que dá pra-
zer do que aquele que instrui, dado que a utilidade é a fe-
licidade, e o prazer é o fim já obtido do qual a instrução
será apenas o meio para o obter.
Não vejo então qualquer motivo por que os nossos
poetas metafísicas se devessem emplumar tanto com a
utilidade das suas obras, a não ser, é claro, que se refiram
à instrução tendo a eternidade em vista. Neste caso, um
respeito sincero pela piedade deles não me permitiria ex-
primir o meu desprezo pelos seus julgamentos. Desprezo
que seria difícil esconder dado que os seus escritos são
professamente para serem compreendidos por uns pou-
10
cos, e é a maioria que anda a precisar de salvação. Num
caso destes, sem dúvida seria tentado a pensar no diabo
em Melmoth 11 , que trabalha infatigavelmente durante
três volumes em oitavo para conseguir a destruição de
uma ou duas almas, enquanto qualquer diabo comum te-
ria demolido mil ou duas mil.
***
***
11
[Trivialidades, como palhas, à superfície flutuam
O que procura as pérolas tem que mergulhar mais fundo.] 12
12
Versos do dramaturgo John Dryden (1631-1700), retirados
do «Prólogo» de All for Love (1677), que começa:
«What jlocks of critics haver here to-day,
As vultures wait on armies for their prey,
A li gapingfor the carcase ofa play!
[ . . .]
Let thosefind Jault whose wit's so very small,
They've need to show that they can think at ali;
Errors, like straws, upon the surface jlow;
H e who would search for pearls, must dive below.
Fops may have leave to levei ali they can;
As pigmies would beglad to lop a man.»
Prólogo, vv. 1-3 e vv. 23-28, in <http:/ / www.bibliomania.com/0/ 6
/ 192/ frameset.html> (Novembro 2004); Poe substitui «errors »
por «triffles».
13
Diógenes Laércio (séc. III a.C.) -Escreve um livro: Vidas.
Ensinamentos e Ditos de Filósofos Famosos; no capítulo dedicado
a Pirro (IX, 72) diz: «D emocritus, too, discards the qualities, where he says:
what is cold is cold in opinion, and what is hot is hot in opinion; but atoms
and the vacuum exist in reality. And again he says: "But we know nothing
really; for truth lies in the bottom." Plato, too, Jollowing them, attributes the
knowledge of the truth to the Gods and to the sons of the Gods, and leaves
12
sobre a filosofia; testemunhem os princípios da nossa fé
divina - aquele mecanismo moral pelo qual a simplici-
dade de uma criança pode deitar abaixo a sabedoria de
um homem.
Vemos uma instância da culpa de Coleridge pelo
erro na sua Biographia Literaria 14 - confessadamente a
sua vida e opiniões literárias, mas, de facto, um tratado de
omni scibili et quibusdam allis 15 • Erra por causa da sua pró-
pria profundidade, e encontramos um tipo natural do seu
erro na contemplação de uma estrela. É verdade que
aquele que a olha directa e intensamente vê a estrela, mas
a estrela sem um raio - enquanto aquele que a observa
menos inquisitivamente toma consciência de tudo aquilo
por que a estrela nos é útil a nós cá em baixo: o seu bri-
lho e a sua beleza.
***
13
Quanto a Wordsworth, não tenho confiança nele.
Que, na juventude, tenha os sentimentos de um poeta,
acredito, porque existem vislumbres de extrema delica-
deza nos seus escritos (e a delicadeza é o reino do pró-
prio poeta- o seu El Dorado 16 ), mas têm a aparência da
recordação de dias melhores 17 ; e, no seu melhor, os vis-
lumbres dão poucas provas da existência de um fogo
poético no presente - sabemos que algumas flores ex-
temporâneas florescem diariamente nas fissuras de um
glaciar.
Tem culpa por ter desgastado a sua juventude em
contemplações com o objectivo de poetizar na idade
adulta. Com o aumento da sua faculdade de julgar,
16
«El Dorado» - Nome dado ao chefe lendário de uma ci-
dade perto de Bogotá que, durante certos festivais, cobriria o corpo
com pó de ouro para mergulhar a seguir no Lago Guatavita; os
seus súbditos atiravam jóias e objectos de ouro ao lago. Os con-
quistadores espanhóis sabiam da história, um deles relatou ter visi-
tado o Eldorado, junto à cidade de Omagua. Torna-se o nome de
um local fabuloso, onde a riqueza é fácil e rápida de obter. A de-
manda faz-se pelo Peru, Venezuela, vales do Orinoco e do Ama-
zonas. Na literatura, aparece no Paraíso Perdido de Milton, no
Candido de Voltaire, e dá nome a um poema de E. A. Poe.
17
«Recordação de dias melhores>> -Brincadeira com um dos prin-
cipais pressupostos defendidos por W ordsworth no seu prefácio -
«emotion recollected in tranquility» - «Disse já que a poesia é o transbordar
espontâneo de poderosos sentimentos; origina-se ela na emoção recordada
em tranquilidade: a emoção é contemplada até que, por uma espéde de reac-
ção, a tranquilidade vai gradualmente desaparecendo, ao mesmo tempo que se
vai gradualmente produzindo uma emoção aparentada com a que antes cot'IS-
tituiu o objecto da contemplação e que passa a ter existéncia real no espírito do
poeta.», in A. P. Sousa e J. F. Duarte, Op. Cit., pp. 83;
14
desvaneceu-se a luz que a deveria ter tornado aparente.
Por consequência, o seu julgamento é demasiado cor-
recto. Isto pode não ser percebido - mas os antigos Go-
dos da Germânia tê-lo-iam compreendido, pois costuma-
vam debater duas vezes os assuntos de importância para
o Estado: uma quando estavam embriagados e outra
quando sóbrios - sóbrios para que não ficassem deficien-
tes nas formalidades - embriagados para que não ficas-
sem destituídos de vigor.
Dizem muito pouco em seu favor as longas discus-
sões palavrosas com as quais argumenta tentando con-
vencer-nos a admirar a sua poesia: estão cheias de afirma-
ções como esta (abri este volume ao acaso 18 ): «Do génio
a única prova é o acto de fazer bem o que vale a pena ser
feito, e o que nunca foi feito antes.» Não me digam! Se-
gue-se então que nenhum génio se pode evidenciar ao
fazer o que 11ão merece ser feito, ou o que já foi feito
antes: roubar carteiras é um acto indigno, mas as carteiras
têm sido roubadas desde tempos imemoriais, e Barring-
ton 19 , o carteirista, no que respeita a génio, não teria
aceite uma comparação com William Wordsworth, o
poeta.
De novo - pode seguramente ter poucas consequên-
cias ao calcular o mérito de alguns poemas, sejam eles de
15
Ossian 20 ou de M'Pherson 21, porém, a fim de provar a sua
falta de valor, o Sr. W. gastou muitas páginas com a con-
trovérsia22. Tantaene animis? 23 Podem as grandes mentes
descer a tal absurdidade? Pior ainda: para poder abalroar
Eneida. l.xi:
«Musa, míhi causas memora, quo numine laeso,
quidve dolens, regína deum tot volvere casus
insígnem píetate vi rum, tot adire labores
ímpulerit. Tantaene animis caelestibus irae?>> (vv. 8-11)
16
cada. argumento a favor desses poemas, exibe triunfante-
mente uma passagem, esperando que o leitor entre em
empatia com a sua própria abominação. É o princípio do
poema épico Tremora 24 : «As ondas azuis de Ullin rolam
24
Tremora- Um dos poemas de Ossian (veja notas 20,· 21,
22) a que W .W. se refere no «Essay Supplementary to the Pre-
face >>:
«Ali hai~ Macpherson! hail to thee, Sire of Ossian! The Phantom was begot-
ten by the stzug embrace of ati impudent Highlander upon a cloud cif tradi-
tion-it travelled southward, where it was greeted with acdamation, and the
thin Consistence took its course through Europe, upon the breath of popular
applause. The Editor of the Reliques had indirectly preferred a claim to the
praise cif invention, by not concealing that his supplementary labours were
considerable! how self1Sh his conduc~ contrasted with that cif the disinterested
Gael, who, like Lear, gives his kingdom away, and is content to become a
pensioner upon his own issue for a beggarly pittance!-Open this Jar-famed
Book!-I have done so at random, and the beginning of the Epic Poem
Temora, in eight Books, presents itself. "The blue waves ofUllin rol/ in light.
The grem hills are covered with day. Trees shake their dusky heads in the
breeze. Grey torrents pour their noisy streatns. Two grem hills with aged oaks
surround a narrow plain. The blue course of a stream is there. On its banks
stood Cairbar ofAtha. His spear supports the king; the red eyes of his Jear are
sad. Cormac rises on his soul with ali his ghastly wounds." Precious memo-
randums ftom the pocket-book of the blind Ossian!
Jf it be unbecoming, as I acknowledge that for the most part it is, to speak dis-
respecifully of Works that have enjoyed for a length cif time a widely-spread
reputation, without at the sarne time producing irrefragable procifs cif their un-
worthiness, let me be forgivett upon this occasiott.-Having had the good for-
tune to be bom and reared in a mountainous country, Jrom my very child-
hood I have Jelt the Jalsehood that pervades the volumes imposed upon the
world under the name of Ossian. From what I saw with my own eyes, I
knew that the imagery was spurious. ln nature everything is distinct, yet
nothing diflned into absolute independent singleness. ln Macpherson's work
it is exactly the reverse; everything (that is not stolen) is in this manner de-
fin ed, insulated, dislocated, deadmed, -yet nothing distinct. It will always be
17
so when words are substítuted for thíngs to say that the characters never could
exíst, that the manners are ímpossíble, and that a drearn has more substance
than the whole state oJ society, as there depicted, is doing nothing more than
pronouncing a censure which Macpherson defied; when, with the steeps of
Morven bifore h is eyes, he could talk so familiarly of his Car-bome heroes;-
of Morven, which, if otze may judge Jrom its appearance at the distance of a
few miles, contains scarcely an acre oJground sufficiently accommodatingfor a
sledge to be trailed along íts surface.-Mr. Malcolm Laing has ably shown
that the díctíon of thís pretended translatíon is a motley assemblage from ali
quarters; but he is so fond of making out parallel passages as to cal! poor
Macpherson to account for hís 'ands' and hís 'buts!' and he has weakened hís
argument by conductíng ít as iJ he thought that every strikíng resemblance
was a conscious plagíarism. It is enough that the coíncidences are too remark-
able for its beíng probable or possíble that they could arise ín different mínds
wíthout communícatíon between them. Now as the Translators oJ the Bíble,
and Shakespeare, Mílton, and Pape, could not be índebted to Macpherson, ít
follows that he must have owed hís fine Jeathers to them; unless we are pre-
pared gravely to assert, wíth Madame de Stael, that many of the characteristíc
beautíes of our most celebrated Englísh Poets are derived Jrom the ancient
Fíngallían; ín which case the modern translator would have been but gíving
back to Ossian hís own.-It is consístent that Lucíen Buonaparte, who could
censure Mílton for havíng surrounded Satan ín the infernal regíons wíth
courtly and regai splendour, should pronounce the modern Ossían to be the
glory of Scotland;-a country that has produced a Dunbar, a Buchanan, a
Thomson, and a Burns! These opínions are oJ iii omen for the Epic ambitíon
of hím who has given them to the world.>> in W. W ordworth, Prefaces
and Prologues. Vol. XXXIX. P.F. Collier & Son, Nova Iorque,
1909-14, pp. 26-27;
[Salvé, Macpherson! Salvé Senhor de Ossían! O Fantasma foi gerado pelo
abraço confortável de um Homem das Montanhas impudente com uma nu-
vem de tradição - viajou para o Su4 onde foi acolhida com aclamação, e a
magra Consisténcia tomou o seu caminho através da Europa, sobre o bafo do
aplauso popular. O Editor das Relíques... teria priferido indirectamente re-
clamar o louvor da invenção, não escondendo que os seus trabalhos suplemen-
tares eram consideráveis! Como foi egoísta a sua conduta, em contraste com a
do desinteressado Galés que, como Lear, dá o seu reino, e fica contente por se
tornar pensionista da sua própria matéria por um petisco de pedinte! -
Abram este muito afamado Livro! - Eu fi-lo ao acaso, e o princípio do
18
Poema Épico Temora, em oito Livros, apresenta-se. «As ondas azuis de Ullin
rolam na luz. Os montes verdes estão cobertos com dia. As árvores abatwm as
suas cabeças sombrias na brisa. Torrentes cinzentas despejam os seus ribeiros
ntidosos. Dois montes verdes com carvalhos envelhecidos circrmdam uma pla-
nície estreita. O curso azul de um regato pára ali. Nas suas margem esteve
Cairbar de Atha. A sua lança suporta o rei; os olhos vermelhos do seu medo
estão tristes. Connac ergue-se na sua alma com todas as suas feridas horroro-
sas.» Preciosos ttrenwrandos do livro de bolso do cego Ossian!
Se fica ma~ como o reconheço porque a maior parte das vezes fica, falar desres-
peitosamente de Obras que gozaram durante uma quantidade de tempo de
vasta reputação, sem ao mesmo tempo apresentar provas imifittáveis da sua
falta de valor, que eu seja perdoado nesta ocasião. - Tendo tido a boa sorte de
ter nascido e sido educado num campo montanhoso, desde a minha itifância
que senti a falsidade que pen1ade os volumes impostos ao mundo sob o trome
de Ossian. Pelo que vi com os meus próprios olhos, eu sabia que a imagética
era espúria. Na natureza tudo é distinto, porém nada é difinido em urúdades
absolutamente independentes. No trabalho de MacPirerson acontece exacta-
mente o oposto; tudo (o que não é roubado) está desta maneira difinido, iso-
lado, deslocado, morto, - porém uada distinto. Acontecerá sempre assim
quando as palavras são substituídas por coisas para dizer por personagens que
nunca poderiam ter existido, que os comportamentos são impossíveis, e que
um sonho tem mais substância do que o estado geral da sociedade, tal como é
ali descrito, não éfazer mais do que pronunciar uma censura que MacPherson
desafiou. Quando, com as encostas íngremes de Morverr diante dos seus olhos,
ele podia falar tão familiarmente dos seus heróis 11ascidos em Car; - de Mor-
ven, o qual, se se pode julgar pela sua aparê11cia à distâucia de poucas mi/Iras,
escassamente contém um acre de solo suficiwtemente acomodatício para um
trenó ser puxado ao longo da sua supeifície. - O Sr. Malcolm Laing mostrou
habilmente que a dicção desta pretensa tradução é uma colagem de fragmentos
de todos os lados; mas ele gosta tanto de fazer paralelismos que chega a inter-
pelar o pobre MacPherson a dar conta dos seus "e" e "mas"! E etifraqueceu o
seu argumento ao conduzi-lo como se pensasse que todas as semelhm1ças cons-
pícuas eram plágio consciente. Já basta que as coincidências sejam demasiado
notáveis para que seja provável ou possível que pudessem ter surgido em met1-
tes diferentes sem comunicação entre si. Agora, como os Tradutores da Bíblia,
e Shakespeare, Milton e Pape não podem estar em dívida para com Mac-
Pherson, segue-se que ele lhes deverá as suas belas penas; a não ser que este-
jamos preparados para afinnar com gravidade, com Madame de Stael, que
19
na luz; os montes verdes estão cobertos com o dia; as ár-
vores agitam as suas cabeças sombrias na brisa» 25 • Esta
bela e porém simples imagética, onde tudo está vivo e
pulsando de imortalidade, isto, seleccionou William
Wordsworth, o autor de Peter Bell, para o seu desprezo.
Vejamos o que de melhor tem ele, na sua pessoa, para
oferecer. Imprimis 26 :
muitas das belezas características dos nossos mais famosos poetas ingleses deri-
vam dos antigos Fingalianos; neste caso, o tradutor moderno não teria Jeito
mais do que devolver a Ossian o que era dele. - É consistente que Luden
Bonaparte, que podia censurar Milton por ter cercado Satanás nas regiões in-
fernais com um esplendor de corte e realeza, pronundasse o moderno Ossian
como a glória da Escóda; - um país que produziu um Dunbar, um Bucha-
nan, um Thomson e um Burns! Estas opiniões são de mau agouro para a
ambição Épica daquele que as deu ao mundo.]
25 «The blue waves of Ullin roll in light; the green hílls are covered
20
E quase a sufocava de felicidade ...
Algumas lágrimas tristes Betty deita,
Dá umas palmadinhas no pónei aqui e
Quando não sabe: feliz Betty Foy
O Johnny! Não é preciso o médico.)27
27
<<The idiot Boy» ( 1798), que W. W. cita no Prefácio às
Lyrical Ballads, a par de «Mad Mother» como exemplos das «intri-
cadas subtilezas>> da paixão maternal, é constituído por 404 versos.
Poe usa apenas um excerto, e mesmo assim inverte-lhe os dois pri-
meiros versos (vv. 382-3, no original), saltando para os vv. 392-93
e depois vv. 397:
21
Segundo:
The dew was falling fast, the - stars began to blink,
I heard a voice, it said drink, pretty creature, drink;
And looking o'er the hedge, be- fore me I espied
A snow-white mountain lamb with a - maiden at its side,
No other sheep were near, the lamb was all alone
And by a slender cord was - tether 'd to a stone.
22
Não temos dúvidas que tudo isto seja verdade; vamos
acreditar, a sério que vamos, Sr. W. É a simpatia pelas
ovelhas que pretende suscitar? Eu gosto de cordeirinhos,
do fundo do coração.
***
Nor sheep no r kit1e were near; the lamb was ali alone,
And by a slender cord was tethered to a sto11e;
With one knee on the grass did the little Maiden knee~
While to that mormtain-lamb shegave its evenit1g meal.»
Ibid.. <htto:l / www.bartleby.com/145/ ww164.html>(Janeiro 2016).
29
<< Those who have been accustomed to tire phraseology of modem
writers, iJ they persist ín readíng thís book to a conclusion { ímpossiblelj rvi11,
no doubt, have to struggle wíth feelitzgs oJ awkwardness; they willlook rout1d
for poetry (ha! ha! ha! halj and will be it1duced to inquire by what specíes of
courtesy these attempts have been permítted to assume that title.»
Diz W .W. no Prefácio às Lyrical Ballads: <<Aqueles que, acostumados à
ostentação eJraseología oca de muitos escritores modemos, persistirem em ler
23
Porém, que o Sr. W não desespere; concedeu a imortali-
dade a um vagão 30, e Sófocles 3\ a abelha 32 , transmitiu à
eternidade um dedo do pé dorido 3\ e dignificou uma
tragédia com um coro de perus 34 •
***
este livro até ao fim, terão, sem dúvida, que debater-se frequentemente com
sentimentos de estranheza e confusão: hão-de procurar poesia e serão levados a
inquirir a que título de cortesia é que estas experiências se podem assumir
como taL» in A. P. de Sousa e J. F. Duarte, Op. Cit., pp. 63.
30 W. W. escreveu um poema «The Waggoner» (1819),
ral (XXXVII, 40) onde refere que Sófocles usou um coro de gali-
nhas da índia para lamentar a morte de Meleagro numa das suas
peças: <<alias putare in Numidia ex limo gigni. super omnes est Sophocles
poeta tragícus, quod equidem mi ror, cum tanta gravitas ei cothurní si~ praete-
rea vítae fama alias principi loco geníto Athenis et rebus gestis et exerci tu
dueto. hic ultra Indíam fieri dixit e lacrímis meleagridum avium Meleagrum
diflentium.»
<http:/ /www .perseus.tufts.edu/ cgi-bin/ptext?Lookup=Plin.
+nat.+toc> (Janeiro 2016).
24
prova do facto de que la plupart des sectes ont raison dans une
bonne partie de ce qu'elles avancent, mais non pas en ce qu'elles
nient. 35 Aprisionou as suas próprias concepções com a
barreira que erigiu contra as dos outros. É lamentável
pensar que uma mente destas devesse enterrar-se em
metafísicas e, como as Nictantes 36 , esbanjar o seu per-
fume apenas durante a noite. Ao ler a poesia dele eu
tremo - como alguém de pé junto a um vulcão que, de-
vido à mera escuridão a rebentar da cratera, fica cons-
ciente do fogo e da luz que estão em ebulição lá em
baixo.
***
25
dai-me uma definição de poesia? Trés volontiers. 39 Foi até à
sua biblioteca, trouxe-me um Dr. J ohnson 40 e esmagou-
-me com uma definição. Sombra do imortal Shakespeare!
Imaginei para mim o franzir do vosso sobrolho espiritual
sobre a profanidade daquela insultuosa Ursa Maior. Pen-
sai em poesia, caro B, pensai em poesia, e depois pensai
no ... Dr. SamuelJohnson! Pensai em tudo o que é aéreo e
próprio de fadas, e depois em tudo o que é feio e desas-
trado; pensai na corpulência enorme dele, o Elefante! E
depois, depois pensai na Tempestade 41 - o Sonho de Uma
No i te de Verão 42 - Próspero 43 - Oberon 44 - e Ti tania! 45
***
39
«De boa vontade>> - manteve-se o francês original para
realçar a ironia de a definição ser de um <<clássico>> inglês.
40
Dr. Johnson - Samuel Johnson (1709-1784) crítico e en-
saísta do período neoclássico, autor de Lives of the English Poets, e
de um dicionário da Língua Inglesa.
41
A Tempestade- peça de W. Shakespeare.
42
Sonho de Uma Noite de Verão- peça de W. Shakespeare.
43
Próspero - Mago, personagem de A Tempestade.
44
Oberon- Rei das Fadas e personagem de Sonho de Uma
Noite de Verão.
45
Titania - Rainha das Fadas e personagem de Sonho de
Uma Noite de Verão.
26
apresenta imagens perceptíveis com sensações definidas,
e a poesia com sensações indefinidas, para cujo fim a mú-
sica é uma parte essencial, dado que a nossa concepção
mais indefinida é a compreensão de um som doce.
A música, quando combinada com uma ideia aprazível, é
poesia; a música, sem a ideia, é apenas música; a ideia,
sem a música, é prosa por causa da sua própria qualidade
de definição.
O que é que se queria dizer com a invectiva contra
aquele que não tinha música na sua alma?
***
27
Th' extremes ofglory and ofshame,
Like East and West, become the sarne:
No Indian Prince has to his palace
More foll'wers than a thiif to th' gallows,
But iJ a beating seem so brave,
What glories must a whipping have
Such great atchievements cannotJaíl
To cast salt on a woman's tail:
For iJ I thought your nat'ral talent
Ojpassive courage were so gallant,
As you straín hard to have it thought,
I could grow amorous, and dote.»
(vv. 267-282)
<http://www.exclassics.com/hudibras/hbii 1.htm> (Janeiro 2016 ).
28
A FILOSOFIA
DA COMPOSIÇÃO
A Filosofia da Composição
47
Charles Dickens (1812-1870)- Inglês considerado o maior
dos romancistas da época vitoriana. Autor de imensos volumes, en-
tre os quais David Copperfield. Bleak H ouse, A Tale of Two Ci-
~ Great E:xpectations, ou Our Mutual Friend. Barnaby Rudge
pertence a uma série (Master Humphrey's Clock) iniciada em 1840.
Foi escrito em episódios semanais, que Dickens abandona em
1841 quando é publicado- no' prefácio ao livro refere vários cor-
vos que possuiu. A narrativa centra-se no assassínio de Ruben Ha-
redale e situa-se no período da «Gordon Riot» de 1780. Barnaby
Rudge é o idiota da aldeia que vai ser acusado do crime.
48 Carta de Dickens a Poe:
My Dcar Sir, - I sha/1 be very glad to scc you wlzwc11er you wil/ do me the
favor to cal/. I think I am more likely to be in the way betwem ha[{-past
eleven and twclve, than at at1y other time. I have glatzccd over the books you
have been so kind as to send me, atzd more particu/arly at the papers to which
you called my attention. I hm1e the greater pleasure in expressing my desire to
see you on this account. Apropos of the "construction" of "Caleb Williatns,"
do you know that Godwin wrote it backwards, - the last volume jirst, - atld
that whm he had produced the hunting down of Caleb, and the catastrophe,
he waited for months, casting about for a means cif aaounting for what he
had done?
Faitlifully yours always,
Charles Dickens.»
[Meu caro senhor, - Ficarei muito contente em vê-lo sempre que fizer ofavor
de me visitar. Penso que será mais fádl apanhar-me por aqui entre as onze e
meia e o meio-dia do que em qualquer outra altura. Lancei um olhar aos li-
vros para os quais tão amavelmente me chamou a atenção. Tenho o maior
prazer em exprimir o meu desejo de o ver por causa deles. No que respeita à
«construção» de «Caleb Williatns», sabia que Godwin o escreveu de trás para
a frente, - primeiro o último volume - e depois de ter produzido a caça a
31
«Barnaby Rudge>> 49, diz: «Já agora, tem consciência de
que Godwin escreveu o seu Caleb Williams de trás para
a frente? Primeiro envolveu o seu herói numa teia de di-
ficuldades, formando o segundo volume, e depois, para o
primeiro, olhou em volta dele à procura de alguma ma-
neira de dar conta do que havia feito.»
Não consigo acreditar que tenha sido este o modo
exacto de procedimento 50 da parte de Godwin 51 • E na
32
verdade, o que ele próprio reconhece, não está total-
mente de acordo com a ideia do Sr. Dickens - mas o au-
tor de Caleb Williams era um artista demasiado bom
para não perceber as vantagens que podem derivar de
um processo, no mínimo, semelhante. Nada é mais claro
do que, cada intriga digna desse nome, ter que ser elabo-
rada até ao seu desenlace antes que qualquer coisa seja ten-
tada no papel. É apenas com o desenlace constantemente
em vista que poderemos dar a uma intriga o seu indis-
pensável ar de consequência, ou causalidade, fazendo os
33
incidentes, e especialmente o tom, em todos os pontos,
tender para o desenvolvimento da intenção.
Creio que há um erro radical no modo usual de
construção de uma história. Ou a história proporciona
uma tese - ou uma tese é sugerida por um incidente do
quotidiano ou, no melhor, o autor propõe-se trabalhar na
combinação de acontecimentos notáveis para formar a
mera base da sua narrativa, tendo geralmente por desíg-
nio preencher com descrições, diálogo, ou comentários
do autor, quaisquer brechas de factos, ou acção, que pos-
sam tornar-se aparentes página a página.
Eu prefiro começar com a consideração de um ifeito.
Tendo a originalidade sempre em mente (porque é falso
para si próprio aquele que ousa dispensar esta fonte de
interesse tão óbvia e tão fácil de alcançar), digo para mim
próprio, em primeiro lugar: «dos inumeráveis efeitos, ou
impressões, aos quais são susceptíveis o coração, o inte-
lecto, ou (mais geralmente) a alma, qual deles deverei eu
seleccionar nesta presente ocasião?» Tendo escolhido um
romance, primeiro, e em segundo lugar um efeito vívido,
considero se pode ser melhor tecido pelos incidentes ou
pelo tom - seja por incidentes vulgares e um tom pecu-
liar, ou o inverso, ou pela peculiaridade tanto do inci-
dente quanto do tom - procurando depois à minha volta
(ou antes, dentro de mim) aquelas combinações de acon-
tecimentos, ou tonalidades, que melhor me possam aju-
dar na construção do efeito.
Muitas vezes pensei como poderia ser interessante
para uma revista um artigo escrito por um autor qualquer
que tivesse - isto é, que pudesse - pormenorizar, passo a
34
passo, os processos pelos quais qualquer das suas compo-
sições atingiu o seu ponto de completude último. Porque
é que um tal ensaio nunca foi dado ao mundo, não o sei
dizer - mas talvez a vaidade autoral tenha mais a ver com
a omissão do que qualquer outra causa. A maioria dos es-
critores - poetas em especial - preferem dar a entender
que compõem por uma espécie de fma loucura - uma
intuição extática - e positivamente ficariam arrepiados se
deixassem o público dar uma espreitadela por detrás do
cená~io, às elaboradas e vacilantes cruezas do pensa-
mento - aos verdadeiros objectivos apanhados apenas no
último momento - aos inúmeros vislumbres de uma
ideia que não chegaram à maturidade da visão plena - às
fantasias completamente amadurecidas postas de lado em
desespero por serem ingovernáveis - às cautelosas selec-
ções e rejeições - às dolorosas rasuras e interpolações -
numa palavra, às rodas e carretos - os utensílios para as
mudanças de cena - os escadotes e alçapões - as penas de
galo, a tinta vermelha e as manchas negras, as quais, em
noventa por cento dos casos, constituem as propriedades
do histrião literário.
Por outro lado, tenho consciência de que o caso não
é de maneira nenhuma comum, em que um autor esteja
de algum modo em condições de refazer os passos pelos
quais as suas conclusões foram alcançadas. Em geral,
tendo nascido desordenadamente, as sugestões são perse-
guidas e esquecidas de maneira similar.
Pela minha própria parte, não partilho a repugnância
a que aludi, nem em qualquer momento terei dificulda-
des em recordar mentalmente os passos progressivos de
35
alguma das minhas composições. E, dado que o interesse
de uma análise, ou de uma reconstrução, tal como consi-
derei ser desejável, é bastante independente de qualquer
interesse real ou fantasioso pela coisa analisada, não será
considerado como uma quebra de decoro da minha parte
mostrar o modus operandi 52 pelo qual algumas das minhas
obras foram compostas. Selecciono «The Raven>> [O
Corvo] por ser a mais conhecida de todos. É meu objec-
tivo tornar manifesto que nenhum ponto na sua compo-
sição pode ser atribuído seja ao acidente ou à intuição -
que o trabalho foi executado passo a passo, até à sua
completude, com a precisão e sequência rígida de um
problema matemático.
Permitam que ponha de parte, como irrelevante para
o poema, per se, a circunstância - ou digamos a necessi-
dade - que, em primeiro lugar, deu origem à intenção de
compor um poema que devesse agradar, ao mesmo
tempo, ao gosto popular e ao gosto crítico.
Comecemos, pois, com esta intenção.
A consideração inicial foi a da extensão. Se alguma
obra literária é demasiado longa para ser lida de uma as-
sentada, deveremos contentar-nos com dispensar o efeito
extremamente importante que deriva da unidade de im-
pressão. Porque, se são precisas duas sessões de leitura, as
coisas do mundo interferem, e algo como a totalidade fica
imediatamente destruído. Mas dado isso, ceteris paribus 53 ,
nenhum poeta se pode dar ao luxo de dispensar coisa
52
Em latim no original - processo operatório normal;
53
Em latim no original - todas as outras coisas sendo iguais;
36
alguma que possa enriquecer o seu desígnio, resta ver se
existe na extensão alguma vantagem para contrabalançar
a perda de unidade que a acompanha. Aqui digo imedia-
tamente que não. Aquilo a que chamamos um poema
longo é, de facto, apenas uma sucessão de poemas breves.
Isto quer dizer, de efeitos poéticos breves. É desnecessá-
rio demonstrar que um poema é breve apenas enquanto
a sua intensidade excitar, elevando a alma; e, por necessi-
dade psíquica, todas as excitações intensas são breves. Por
este motivo, pelo menos metade de O Paraíso Perdido 54
é essencialmente prosa - uma sucessão de excitações
poéticas entretecidas, inevitavelmente, com as correspon-
dentes depressões, sendo o todo, por causa do seu com-
primento extremo, privado de um elemento artístico vas-
tamente importante, a totalidade ou unidade de efeito.
Então parecerá evidente que, no que respeita à ex-
tensão, existe um limite distinto para todas as obras da
arte literária: o limite de uma sessão de leitura. E embora
nalguns tipos de composições em prosa, tais como Ro-
binson Crusoe 55 (não exigindo unidade), este limite
possa ser ultrapassado com vantagens, nunca poderá ser
devidamente ultrapassado num poema. Dentro deste li-
mite, a extensão de um poema pode manter uma relação
matemática com o seu mérito. Por outras palavras, com a
54Veja nota 3.
55Robinson Crusoe (1719)- Tido como o primeiro romance
da língua inglesa, foi escrito por Daniel Defoe (1660-1731 ), e
apresentava o título completo: The Life and strange and surprising
Adventures of Robinson Crusoe. Baseia-se nas experiências do
náufrago Alexander Selkirk.
37
excitação ou elevação. De novo, por outras palavras, até
ao grau do verdadeiro efeito poético que é capaz de in-
duzir. Porque é claro que a brevidade tem que estar em
proporção directa com a intensidade do efeito preten-
dido: isto, com uma condição prévia - pois um certo grau
de duração é o requisito absoluto para se produzir um
qualquer efeito.
Tendo em vista estas considerações, bem como
aquele grau de excitação que considerei não acima do po-
pular e, ao mesmo tempo, não abaixo do gosto crítico,
alcancei imediatamente o que eu concebi ser a extensão
adequada para o poema que pretendia: um comprimento
de cerca de 100 versos. Tem, de facto, 108 versos.
O meu pensamento seguinte relacionava-se com a
escolha de uma impressão, ou efeito, a ser transmitido. E
aqui posso também observar que, durante toda a constru-
ção, mantive sistematicamente em vista o objectivo de
tornar a obra universalmente apreciável. Seria afastado
longe de mais do meu tópico imediato se tivesse que de-
monstrar um ponto sobre o qual repetidamente insisti, e
o qual, com o poético, não precisa da mais pequena de-
monstração - o ponto, quero dizer, de a Beleza ser a
única e lep;ítin"la província do poema. Algumas palavras,
porém, para elucidar o verdadeiro significado que lhe
atribuo, o qual, alguns arnigos meus cvidcnciararn urna
certa predisposição para interpretar mal. Que o prazer,
imediatamente mais intenso, mais elevador e mais puro
é, segundo creio, encontrado na contemplação do Belo.
Quando, de facto, os homens falam do Belo querem di-
zer, exactamente, não uma qualidade como é suposto,
38
mas um efeito. Referem-se, em resumo, apenas àquela
elevação intensa e pura da alma - não do intelecto, ou do
coração - a qual já comentei, e que é experimentada em
consequência da contemplação do «belo>>. Agora, designo
o Belo como a província do poema, meramente porque é
uma regra óbvia da arte que os efeitos devam ser criados
para irromper das causas directas - que os objectos devem
ser atingidos pelos meios melhor adaptados para a sua ob-
tenção - ninguém até agora tendo sido suficientemente
fraco para negar que a elevação particular a que aludi é
mais rapidamente alcançada no poema. Agora o objecto
Verdade, ou a satisfação do intelecto, e o objecto Paixão,
ou a excitação do coração, são, embora alcançáveis até
uma certa extensão na poesia, muito mais facilmente al-
cançáveis na prosa. A Verdade, de facto, exige uma preci-
são e a Paixão, uma intimidade (os verdadeiramente apai-
xonados compreender-me-ão), que são absolutamente
antagónicas àquela Beleza a qual, mantenho, é a excitação
ou elevação agradável da alma. De tudo o que aqui foi
dito, não se segue, portanto, que a paixão, ou mesmo a
verdade, não possam ser introduzidas, e mesmo proveito-
sam ente introdu zichs, num poema porque podem servir
pa r;~. e lu c ÍLLll·, ou :Uudar ao efeito geral, COlllO O fazem il S
cli ~so rllncias 11 ;1 tnúsica. pelo contraste. M~l S o verdadeiro
a rlista id se lllprc c storç:~ r-se por, prilll eiw. lhes dar o tom
próprio em subserviência :10 objectivo principal, e, em se-
gundo lugar, velá-las, tanto quanto possível, com aquela
Beleza que é a atmosfera e a essência do poema.
Considerando, então, a Beleza como a minha pro-
víncia, a minha próxima questão refere-se ao tom da sua
39 '
mais elevada manifestação - e toda a experiência mos-
trou que este tom é o da tristeza. A Beleza de qualquer
tipo, no seu desenvolvimento supremo, invariavelmente
excita a alma sensível até às lágrimas. A Melancolia é,
assim, o mais legítimo de todos os tons poéticos.
Tendo assim sido determinados a extensão, a provín-
cia e o tom, reconduzi-me à indução ordinária, com o
objectivo de alcançar algum picante artístico que me pu-
desse servir como nota-chave na construção do poema -
algum eixo sobre o qual toda a estrutura pudesse girar.
Pensando cuidadosamente em todos os efeitos artísticos
costumeiros - ou mais adequadamente, pontos, no sen-
tido teatral - não me escapou perceber imediatamente
que nenhum tinha sido tão universalmente empregue
como o refrão. A universalidade do seu uso era suficiente
para me assegurar do seu valor intrínseco, e poupava-me
a necessidade de o submeter a análise. Considerei-o, no
entanto, no que respeita à sua susceptibilidade de melho-
ria, e em breve vi que estava em condições primitivas. Tal
como vulgarmente usado, o refrão, ou bordão, não apenas
está limitado ao verso lírico, mas depende, para o seu
efeito, da força da monotonia - tanto do som quanto do
pensamento. O prazer resulta apenas do sentido de iden-
tidade - da repetição. Resolvi diversificar, e assim grande-
mente intensificar o efeito, aderindo, em geral, à mono-
tonia do som, enquanto continuamente variava a do
pensamento: isto quer dizer, determinei produzir novos
efeitos contínuos, com a variação do emprego do refrão - o
refrão em si mantendo-se, na maior parte das vezes, inva-
riável.
40
Tendo estes pontos sido estabelecidos, em seguida
reconduzi-me à natureza do meu rifrão. Dado que o seu
emprego tinha que ser repetidamente variado, era evi-
dente que o rifrão em si tinha que ser curto, porque teria
havido dificuldades inultrapassáveis em variações fre-
quentes da aplicação em qualquer frase longa. Em pro-
porção com a brevidade da frase estaria, é claro, a facili-
dade da variação. Isto conduziu-me imediatamente a
uma única palavra como sendo o melhor rifrão.
A questão agora colocava-se quanto ao carácter da
palavra. Tendo-me resolvido quanto a um rifrão, a divi-
são do poema em estrofes era, é claro, um corolário: o
rifrão formando o fecho de cada estrofe. Que um tal fe-
cho, para ter força, tivesse que ser sonante e susceptível
de uma ênfase prolongada, não admitia dúvida; e estas
considerações conduziram-me inevitavelmente ao «O»
longo como sendo a vogal mais sonora, em relação
com o «n> como sendo a consoante mais reveladora.
O som do rifrão estando assim determinado, tornou-
-se necessário seleccionar uma palavra incorporando este
som que, ao mesmo tempo, estivesse o máximo possível
de acordo com aquela melancolia que havia pré-determi-
nado como o tom do poema. Numa busca assim, teria
sido absolutamente impossível deixar passar a palavra
«Nevermore» [Nunca mais). De facto foi mesmo a pri-
meira que se me apresentou.
O desiderato seguinte foi o pretexto para o uso contí-
nuo daquela palavra «Nevermore>> [Nunca mais). Ao ob-
servar a dificuldade que de imediato tive em inventar
uma razão suficientemente plausível para a sua repetição
41
contínua, não deixei de perceber que esta dificuldade
surgia apenas da presunção de que a palavra teria que ser
assim contínua e monotonamente dita por um ser hu-
mano. Em resumo, não demorei a perceber que a dificul-
dade consistia em reconciliar esta monotonia com o exer-
cício da razão por parte da criatura que repetia a palavra.
Aqui, então, imediatamente surgiu a ideia de uma cria-
tura não-racional capaz de discurso; e muito natural-
mente, um papagaio, sugeriu-se-me em primeiro lugar,
mas foi imediatamente suplantado pelo Corvo, como
igualmente capaz de falar, e infinitamente mais de acordo
com o tom pretendido.
Já tinha ido tão longe quanto a concepção de um
Corvo, o pássaro de mau augúrio, repetindo monotona-
mente uma única palavra «Nevermore» [Nunca mais],
no final de cada estrofe, num poema de tom melancó-
lico e com a dimensão de cerca de cem versos. Agora,
nunca perdendo de vista o objecto - a excelência, ou per-
feição, em todos os pontos - perguntei-me: «De todos
os tópicos melancólicos, de acordo com a compreensão
universal da humanidade, qual é o mais melancólico?»
A Morte, foi a resposta óbvia. - «E quando>> disse eu,
«este mais melancólico dos tópicos é mais poético?».
A partir do que já expliquei com alguma minúcia, a res-
posta aqui é também óbvia- «Quando mais de perto se
alia à Beleza: a morte, então, de uma bela mulher é, in-
questionavelmente, o tópico mais poético do mundo -
e está igualmente para além de dúvidas que os lábios
mais adequados para tal tópico são os de um amante
abandonado.»
42
Tinha agora que combinar as duas ideias, a de um
amante lamentando a sua amada morta, e a de um corvo
continuamente repetindo a palavra «Nevermore>> [Nunca
mais]. Tinha de as combinar mantendo em mente o meu
objectivo de variar a cada volta o emprego da palavra repe-
tida; mas o único modo inteligível de tal combinação
seria o de imaginar o corvo a usar a palavra em resposta
às perguntas do amante. E foi aqui que vi de imediato a
oportunidade oferecida para o efeito do qual estava de-
pendente, quer dizer, o efeito da variação da aplicação.
Vi que podia fazer a primeira pergunta formulada pelo
amante - a primeira questão à qual o corvo responderia
«Nevermore» [Nunca mais] -,que poderia fazer esta pri-
meira interrogação uma pergunta vulgar - a segunda já
menos - a terceira menos ainda, e por aí adiante - até
que por fim o amante, acordado da sua nonchalance 56 ori-
ginal pela índole melancólica da palavra em si - pela sua
repetição frequente - e pelo apreciar da reputação omi-
nosa da ave que a pronunciava -, é com o desenvolvi-
mento exaltado até à superstição, e delirantemente enun-
cia perguntas de um carácter muito diferente - assuntos
cuja solução é apaixonadamente vital para si -, apresen-
tando-as meio por superstição, meio por aquela espécie
de desespero que se delicia em autotortura - não as pro-
põe todas de uma vez porque acredite no carácter profé-
tico ou demoníaco do pássaro (o qual, a razão assegura-
-lhe, está apenas a repetir uma lição aprendida de cor),
mas porque experimenta um prazer enlouquecido em
43
assim modelar as suas perguntas como se a receber o es-
perado «Nevermore» tanto mais delicioso porque é a
mais insuportável das tristezas.
Percebendo a oportunidade que assim me era pro-
porcionada - ou, mais estritamente, se me impunha no
pro 0 rcsso da construção - prÍlne iro estab e l eci xne nt:ll-
mente o clüna:x, ou tctna da conclusão - a p e rgunta à
qual «Nevermore» (Nunca mais] seria a resposta em úl-
timo lugar - a interrogação em resposta à qual esta pala-
vra «Nevermore>> [Nunca mais] devesse implicar a maior
quantidade concebível de tristeza e desespero.
Pode então dizer-se que o poema teve o seu início-
pelo fun, em que todas as obras de arte deviam começar
- porque foi aqui neste ponto das minhas considerações
prévias que primeiro pus a caneta no papel para a com-
posição da primeira estrofe:
57
Éden - no inglês, «Aidenn» refere-se especificamente ao
paraíso árabe: «Adn».
44
Abraçará a santa donzela a quem os anjos chamam Lenore ...
Abraçará a rara e radiante donzela a quem os anjos chamam
[Lenore
Citou o Corvo, «Nunca mais»]
45
positivo de classe mais elevada, para ser alcançada exige
menos de invenção do que de negação.
É claro que não pretendo originalidade seja no ritmo
ou no metro de «The Raven» [O Corvo]. O anterior é
trocaico - o último é um octâmetro acatalético, alter-
nando com um heptâmetro acatalético repetido no rifrão
do quinto verso, e terminando com tetrâmetro acatalé-
tico. Menos pedantemente - os pés utilizados ao longo
do poema (troqueus) consistem em uma sílaba longa se-
guida por uma breve: o primeiro verso da estrofe com-
põe-se de oito destes pés- a segunda de sete e meio (com
efeito dois-terços) -a terceira de oito- a quarta de sete e
meio - a quinta é igual - a sexta de três e meio. Agora,
cada um destes versos, tomado individualmente, já foi
usado antes, e a originalidade que «The Raven» [O Corvo]
possui, é a sua combinação em estrofes; nada, que se tenha
sequer remotamente aproximado disto alguma vez foi
tentado. O efeito desta originalidade de combinação é
auxiliado por outros efeitos pouco usuais e alguns com-
pletamente novos, nascidos da extensão do emprego dos
princípios da rima e da aliteração.
O ponto seguinte a ser considerado era o modo de
se reunir o amante e o corvo - e o primeiro ramo desta
consideração era o local. Para isto, a sugestão mais ade-
quada pode parecer ser uma floresta, ou os campos - mas
sempre me pareceu que o fechamento num espaço cir-
cunscrito é absolutamente necessário para o efeito de um
incidente isolado: - tem a força de uma moldura para
um quadro. Tem um poder moral indiscutível por man-
ter concentrada a atenção e, é claro, não deve ser conftm-
dido com a mera unidade de lugar.
46
Determinei, então, colocar o amante nos seus apo-
sentos - uma câmara tornada sagrada para si pelas me-
mórias daquela que a tinha frequentado. O quarto é re-
presentado como ricamente mobilado - isto em mero
prosseguimento das ideias que já expliquei quanto ao su-
jeito da Beleza, como única e verdadeira tese poética.
O local estando assim determinado, tinha agora que
introduzir o pássaro - e o pensamento de o introduzir
pela janela era inevitável. A ideia de fazer o amante pen-
sar, em primeira instância, que o bater das asas do pássaro
contra as portadas é um «bater>> à porta, é originado por
um desejo de, pelo prolongamento, aumentar a curiosi-
dade do leitor, e por um desejo de admitir o efeito aci-
dental decorrente do escancarar da porta pelo amante, a
descobrir tudo escuro, e portanto a adoptar a meia-fanta-
sia de que fora o espírito da sua amada quem batera.
Fiz a noite tempestuosa, primeiro para justificar o
corvo a procurar acolhimento, e segundo, pelo efeito de
contraste com a serenidade (física) no interior do quarto.
Fiz o pássaro pousar no busto de Palas, também pelo
efeito de contraste entre o mármore e a plumagem - dei-
xando-se subentendido que o busto havia sido absoluta-
mente sugerido pelo pássaro - o busto de Palas tendo sido
escolhido, primeiro como o mais apropriado à erudição
do amante e, em segundo lugar, pela sonoridade da pala-
vra, Palas, em si.
Quanto ao meio do poema, também me aproveitei
da força do contraste, com a vista a aprofundar a última
impressão. Por exemplo, um clima de fantástico- aproxi-
mando-se tanto do absurdo quanto seria admissível - é
47
dado à entrada do corvo. Ele entra «with many a flirt and
flutter» [com muitos galanteios e agitação]:
48
«Apesar da crista cortada e barbeada>> - disse - «Não és decerto
[cobarde,
Torpe e sombrio corvo antigo, vagueando da margem da Noite
Diz-me qual é o teu nobre nome na margem Plutónica da Noite?
Citou o corvo, «Nunca mais».
But the Raven, sitting lonely on that placid bust, spoke only, etc.
49
Esta revolução do pensamento, ou da fantasia, por
parte do amante, tem como intenção induzir outra simi-
lar da parte do leitor, trazer-lhe a mente para uma dispo-
sição adequada ao desenlace, o qual será agora desenca-
deado o mais rápida e directamente possível.
Com o desenlace preparado - com a resposta do
Corvo «Nevermore» [Nunca mais] à pergunta final do
amante, se ele iria encontrar a sua amada noutro mundo
-pode dizer-se que o poema na sua fase óbvia, a de uma
simples narrativa, atingiu a sua completude. Até agora,
está tudo dentro dos limites do explicável - do real. Um
corvo, tendo aprendido de cor uma única palavra, «Ne-
vermore» [Nunca mais], e tendo escapado à custódia do
seu dono, é conduzido à meia-noite, pela violência de
uma tempestade, a pedir acolhimento a uma janela da
qual uma luz ainda brilha - a janela do quarto de um es-
tudante, semi-ocupado a estudar um alfarrábio, meio a
sonhar com a amada que faleceu. Tendo as portadas sido
abertas com o farfalhar das asas do pássaro, o próprio pás-
saro se vai instalar no sítio mais conveniente, fora do
alcance do estudante, o qual, divertido pelo incidente e
com o porte inusitado do visitante, lhe pergunta, a
brincar e sem esperar uma resposta, o nome. O corvo,
quando se lhe dirigirem, responde com a sua palavra cos-
tumeira «Nevermore» [Nunca mais] - uma palavra que
encontra eco imediato no coração melancólico do estu-
dante, o qual, exprimindo em voz alta determinados pen-
samentos sugeridos pela ocasião, fica de novo surpre-
endido por a ave repetir «Nevermore» [Nunca mais].
O estudante agora adivinha o ponto da questão, mas é
50
impelido, como antes já expliquei, pela sede humana de
autotortura, e em parte pela superstição, a formular tais
perguntas ao pássaro que lhe tragam a ele, ao amante, o
máximo da luxúria da tristeza, por meio da resposta es-
perada. Cedendo até ao máximo da indulgência nesta
autotortura, a narração, naquilo a que chamei a sua pri-
meira fase, ou fase óbvia, tem um fim natural, e até agora
não foram espezinhados os limites do real.
Mas, por maior que seja o talento, ou por mais ví-
vida que seja a organização dos incidentes, em temas as-
sim tratados existe sempre uma certa dureza ou nudez
que repele o olhar artístico. Duas coisas são invariavel-
mente necessárias - primeiro, uma certa quantidade de
complexidade ou, mais adequadamente, de adaptação; e,
em segundo lugar, uma certa quantidade de sugestão -
uma sub-corrente de sentido, por mais indefinida que
seja. É esta última, em especial, que confere a uma obra
de arte tanto daquela riqueza (para pedir de empréstimo
um termo forçosamente coloquial), a qual gostamos de-
masiado de confundir com o ideal. São os excessos do signi-
ficado sugerido - é o dar a corrente de superfície em vez
de dar a corrente subterrânea do tema - que transforma
em prosa (e esta do tipo menos interessante) a assim cha-
mada poesia dos assim chamados transcendentalistas.
Mantendo estas opiniões, acrescentei as duas estrofes
da conclusão do poema - a sua sugestibilidade sendo as-
sim feita para pervadir toda a narrativa que as precedeu.
A sub-corrente de sentido é tornada aparente pela pri-
meira vez no verso:
51
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off
[my door!»
Quoth the Raven, <<Nevermore».
52
OS FUNDAMENTOS
RACIONAIS DOS VERSOS
Os Fundamentos Racionais dos Versos
55
que causaria, caso fosse considerada adequadamente, toda
a vexata quaestio 58 à qual elas se referem. No entanto, são
poucas as dificuldades e pequenos os perigos de sugerir
que os «mil estudiosos profundos» podem ter falhado, pri-
meiro, porque eram estudiosos, segundo, porque eram
profundos, e terceiro, porque era mil - porque assim se
multiplicou por mil a impotência da erudição e da pro-
fundidade. Falo a sério quando refiro estas sugestões; e
de novo porque, primeiro, há qualquer coisa na «erudi-
ção» que nos seduz para a cega reverência daquilo a que
Bacon 59 chamou ídolo do Teatro 60 - a deferência irracio-
nal perante a antiguidade; segundo, a verdadeira «profun-
didade» é raramente profunda - é da natureza da Ver-
dade em geral, e tem a particularidade de alguns metais
em bruto, de ser tanto mais rico quanto mais superficial;
terceiro, o assunto mais claro pode ser ofuscado pela sim-
ples superabundância de conversa sobre ele. Na química,
a melhor maneira de separar dois corpos é adicionar-lhes
58
Em latim no original: questão em disputa.
59
Sir Francis Bacon (1561-1626)- Lord Chancellor de Ingla-
terra (1618-1621) e Membro do Parlamento. Advogado, estadista,
filósofo e grande ensaísta que propõe novos modos de organizar o
conhecimento, o ensino e a aprendizagem.
60
No seu Novum Organum, Francis Bacon discute as causas
dos erros humanos quando da demanda do conhecimento, e in-
venta a metáfora dos «ídolos>> para os classificar em quatro tipos:
Ídolos da Tribo (os erros intelectuais comuns a todos os homens);
os Ídolos da Caverna (as peculiaridades das perspectivas indivi-
duais); os Ídolos do Mercado (os decorrentes do uso da linguagem
enquanto improvisação humana); e os Ídolos do Teatro: os siste-
mas de filosofia enganosos.
56
um terceiro; na especulação, muitas vezes um facto con-
corda com outro facto e um argumento com outro argu-
mento, até que a adição de um facto ou argumento bem
intencionados ponha tudo de pernas para o ar. Num caso
em cem, um ponto é excessivamente discutido porque
é obscuro; nos restantes noventa e nove porcento conti-
nua obscuro porque é excessivamente discutido. Quando
um tópico é assim circunstanciado, o modo mais rápido
de o investigar passa por esquecer que se tentou qualquer
outra investigação prévia.
Mas, de facto, enquanto muito se escreveu sobre os
ritmos gregos e latinos, e mesmo sobre os hebraicos,
pouco esforço foi dedicado a examinar os ritmos das lín-
guas modernas. Comparativamente, no que respeita ao
inglês, nada foi feito. De facto, pode dizer-se que não
possuímos qualquer tratado sobre a nossa versificação.
É verdade que nas nossas gramáticas vulgares e nas nossas
obras sobre retórica ou prosódia em geral, se podem en-
contrar capítulos ocasionais com o título «Versificação»,
mas em todas as circunstâncias são demasiado escassos.
Não têm objectivos de análise, não propõem nada que se
assemelhe a um sistema, nem sequer fazem uma tenta-
tiva para estabelecer regras, tudo depende das «autorida-
des». De facto, limitam-se a dar meros exemplos das su-
postas variedades dos pés ingleses e dos versos ingleses, -
embora em nenhum dos trabalhos de que tenho conhe-
cimento sejam esses pés correctamente medidos ou os
versos estudados detalhadamente em qualquer coisa que
se assemelhe à sua extensão total. No entanto, o que foi
mencionado é tudo - se exceptuarmos a introdução oca-
57
sional de algum pedagogismo roubado às Prosódias gre-
gas, do seguinte tipo: «Quando falta uma sílaba, diz-se
que o verso é cataléctico; quando a medida é exacta, o
verso é acatalético; quando existe uma sílaba redundante
forma um hipérmetro.» O facto de um verso ser cha-
mado de cataléctico ou acataléctico não me parece que
seja um ponto de importância vital; é até possível que o
estudante possa ser capaz de decidir, imediatamente,
quando o «a» deveria ser usado ou omitido, e no entanto
ser, ao mesmo tempo, completamente ignorante sobre
tudo o que vale a pena saber no que respeita à estrutura
do verso.
O defeito principal em cada um dos nossos tratados
{se assim se podem chamar) é o de delimitar o assunto à
mera ~rsiflcação, enquanto o Verso no geral, com o sen-
tido dado ao termo no cabeçalho deste ensaio, é a verda-
deira questão em jogo. Nem tenho consciência de que
uma sequer das nossas gramáticas defma adequadamente
a própria palavra versificação. Numa obra que tenho
agora diante de mim, de acuidade muito superior à
norma - A Gramática Inglesa, de Goold Brown 61 - a
palavra aparece definida do seguinte modo: «Versificação
é a arte de organizar as palavras em versos de compri-
mento correspondente, de modo a produzir harmonia
pela alternância regular de sílabas de quantidade dife-
rente.» O princípio desta definição pode aplicar-se, de
facto, à arte da versificação, mas não à versificação em si.
61
GooldBrown (1791-1857)- Publicou lnstitutes ofEnglish
Grammar, (1823); First Lines of English Grammar (1823); e fi
Grammar ofEnglish Grammars (1851).
58
A Versificação não é a arte de organizar etc., mas a or-
ganização em si - uma distinção tão óbvia que dis-
pensa comentários. Aqui o erro é idêntico àquele que
de há muito tem sido permitido que desgrace a página
inicial de toda e cada uma das nossas gramáticas esco-
lares. Refiro-me à própria definição da Gramática In-
glesa. A «Gramática inglesa>>, diz-se, «é a arte de falar e
escrever correctamente a língua inglesa.» Esta fraseologia,
ou qualquer coisa essencialmente similar, é empregue
creio que por Bacon 62 , Miller 63 , Fisk 64 , Greenleaf65 ,
59
is Added a Series of Questions for Examination. Abridged For The
Use of Schools. Glazier. Masters and Smith. Hallowell, 1836 e
1840; (PartI. Orthography.- Part II. Etymology.- Part III. Syntax.
- Part IV. Prosody.).
65
Jeremiah Greenleaf (1791-1864) - Autor da conhecida
Greenleaf's Grammar: Grammar simplified; C. Starr, Nova Iorque,
1822 (4." ed.).Também autor de atlas de grande qualidade.
66
Charles M. Ingersoll (?-1852)- autor de Conversations on
English grammar: explaining the principies and rules of the lan-
guage: illustrated by appropriate exercises: abridged and adapted to
the use of schools I by Charles M. Ingersoll. (3.a ed.), H C. Carey
& I. Lea, Filadélfia, 1822., xix, 296 pp.;
67
Samuel Kirk:ham (1770-1827) - autor de English Gram-
mar in Familiar Lectures. Accompanied by a Compendium: Em-
bracing a New Systematic Order of Parsing. Exercises in False
Syntax. and a New System of Punctuation. and a Key to the Exer-
cises Designed for the Use od Private Leamers and Schools. (3rd
edition, enlarged and much improved.), Printed by Morgan, Lodge,
and Fisher, Cincinnati, 1826. Em 1837 já vai com 105 edições.
68
Joab Goldsrnith Cooper (?-?) - clérigo, autor de A new La-
tin grammar: in which the principies of the Latin language are
simplified. and made easy to the student. White, Gallaher &
White, Nova Iorque, 1829; além de: The North American spel-
ling-book, Towar, ]. & D. M. Hogan, Filadélfia, e Hogan & co.,
Pittsburgh, 1830; também tradutor de Virgílio: Publii Virgilii Ma-
ronis Opera: o r. The works of Virgil. With copious notes ... in En-
glish: compiled from the best commentators. with many that are
new. Together with an ordo of the most intricate parts of the text
... Designed for the use of students ... To which is added. a table of
reference. By the Rev. ]. G. Cooper, A. M., White, Gallaher &
White, Nova Iorque, 1827.
69
Abel Flint (1765-1825)- clérigo, autor de um Tratado de
Geometria e Trigonometria (1806), de uma colectânea de Hinos:
The Hartford selection of hymns. compiled from the most appro-
ved authors: to which are added a number never before published
60
e muitos outros. Presume-se que estes senhores, sem a
examinar, a tenham adoptado a partir de Murray 72, que a
foi buscar a Lily 73 (cuja obra era «quam sola Regia Majestas
61
ín omníbus scholís docendam praecípít» ), o qual por sua vez a
foi roubar sem o dizer, e com uma pequena alteração
menor, à Gramática Latina de Leonicenus 74 • No entanto,
pode demonstrar-se que esta definição recebida de modo
tão complacente não é, nem pode ser, uma definição
apropriada da Gramática Inglesa. Uma definição é aquilo
que descreve um objecto de tal modo que este possa ser
distinguido dos outros; não é definição de coisa nenhuma
se os seus termos são aplicáveis a qualquer outra coisa.
Mas se se perguntar: «Qual é a intenção - o fim - o ob-
jectivo da gramática inglesa?» A nossa resposta óbvia será:
«A arte de falar e escrever correctamente a língua in-
glesa,» - isso quer dizer, que devemos usar as palavras
exactas empregues para a definição da gramática inglesa
em si. Mas o objectivo a ser alcançado por qualquer meio
não é, seguramente, o meio. A gramática inglesa e os ob-
jectivos contemplados pela gramática inglesa são duas
matérias suficientemente distintas; e, como será razoável,
confundir uma delas com a outra seria a mesma coisa
que tomar o anzol pelo peixe. Portanto, a definição que é
aplicável na última instância, não pode ser verdadeira
para a primeira. A gramática, no geral, é a análise da lin-
guagem; a gramática inglesa é a análise da língua inglesa.
Mas regressemos à versificação tal como definida no
excerto acima. «É a arte», diz o excerto, «de organizar as
palavras em versos de comprimento correspondente». O que é
falso. Uma correspondência no comprimento dos versos
não é de modo algum essencial. Seguramente que as
74
N. Ed.: Gramática Latina de Leonicenus Bacon.
62
Odes pindáricas são instâncias de versificação, e todavia
estas composições demarcam-se pela extrema diversidade
no comprimento dos seus versos.
Além disso, diz-se da organização que tem por ob-
jectivo produzir «harmonia pela alternância regular,» etc.
Mas a harmonia não é o único objectivo - nem sequer o
principal. Na construção do verso, a melodia nunca deve-
ria ser deixada longe da vista; no entanto, este é um
ponto em que todas as nossas prosódias, inexplicavel-
mente, se têm abstido de tocar. Regras bem fundamenta-
das sobre este assunto deveriam formar uma parte de to-
dos os sistemas de ritmo.
«De modo a produzir harmonia,» diz a definição,
<<pela alternância regular» etc. Uma alternância regular, tal
como descrito, não tem parte em nenhum princípio de
versificação. Por exemplo, a organização dos espondeus 75
e dos dáctilos 76 no hexâmetro grego é uma disposição
que pode ser determinada pelo acaso. No mínimo é arbi-
trária. Sem interferir no verso como um todo, um dáctilo
pode ser substituído por um espondeu, ou vice-versa, em
qualquer momento do verso desde que não seja nos úl-
timos ou penúltimos pés, nos quais o primeiro é quase
sempre um espondeu e o último quase sempre um dác-
63
tilo. Torna-se claro, aqui, que não encontramos uma «al-
ternância regular de sílabas diferindo em quantidade.».
«De modo a produzir harmonia» continua a defini-
ção pela «alternância regular de sílabas diferindo em quanti-
dade» - por outras palavras, pela alternância de sílabas
longas e breves; porque no ritmo, todas as sílabas são ne-
cessariamente ou curtas ou longas. Mas não só nego a
necessidade de qualquer regularidade na sucessão dos
pés e, consequentemente, das sílabas, como discordo da
essencialidade de alguma alternânda, regular ou irregular,
entre sílabas longas e breves. Reparem que o nosso autor
se empenha agora numa definição da versificação em ge-
ral, não da versilicação em língua inglesa em particular.
Mas nos metros gregos e latinos abundam os espondeus e
os pírricos - os primeiros consistindo em duas sílabas
longas, o último em duas breves; e há inúmeras instâncias
em que se encontra a sucessão imediata de muitos espon-
deus e muitos pírricos.
Eis aqui um excerto de Silius Italicus 77 :
77
Silius Italicus- (25/ 26 a.C.- 101, Patavium, Italia) - Tibe-
rius Catius Asconius Silius Italicus foi consul em 68, no ano da
morte de Nero. Entre os seus amigos contava Marcial e Epicteto.
Escreveu o poema épico mais longo da literatura latina, Púnic!b de
12 000 versos, tendo por tema a 2 .• Guerra Púnica (218-201 a.C.);
http :attalus .org/info/silius.html (Janeiro 20 16).
64
Cannas et Trebium ante oculos Trasymenaque busta,
Et Paulli stare ingentem miraberis umbram. 78
78
N. Ed.: Púnica, II, 342-46 - «You are wrong iJ you believe he
sits at table unanned;l This Iord is anned with the eternal greatness gainedl
From so many wars, so many slaughtered victims.l if you come dose to him
you will be astonished:/ Canna e and Trebia will be bifore your eyes, the
Trasimene graves/ And Paulu's monstruous shade» (trad. de Anthony
Kemp); (pág. 1495).
[Estás errado se acreditas que ele se senta à mesa desannado;l Este senhor está
armado com a grandeza eterna conquistada/ com tantas guerras, tantas viti-
mas massacradas./ Se te aproximares dele ficarás espantado:/ Cannae e Tre-
bia estarão diante dos teus olhos, os túmulos dos Trasimenesl e a sombra
monstruosa de Paulo.]
A Púnica de Silus é uma imitação da Eneida de Virgílio. Começa
com o juramento de Aníbal, e segue os acontecimentos até ao
triunfo de Cipião sobre Zama. A sua primeira fonte é Tito Lívio.
65
«a arte de organizar as palavras em versos de tamanho
correspondente de modo a produzir harmonia pela alter-
nância regular de sílabas diferindo em quantidade»?
No entanto, pode ser avançado que a intenção do
nosso prosodista era a de falar apenas dos metros ingleses
e, assim, ao omitir qualquer menção ao espondeu e ao
pírrico, ele acaba virtualmente por admitir a sua exclusão
dos nossos ritmos. Um gramático nunca poderá serdes-
culpado com base em boas intenções. Exigimos-lhe, mais
do que a qualquer outro, uma rigorosa precisão de estilo.
Mas outorguemos-lhe a intenção. Deixem-nos admitir
que o nosso autor, seguindo o exemplo de todos os ou-
tros autores sobre a Prosódia Inglesa, ao definir a versifi-
cação em geral tenha pretendido apenas uma definição
da inglesa. Nós diremos que todos estes prosodistas rejei-
tam o espondeu e o pírrico 79 • No entanto, todos admitem
o jambo80, o qual é constituído por uma sílaba breve se-
guida de uma longa; o troqueu 81 , que é o oposto do
jambo; o dáctilo, formado por uma sílaba longa seguida
de duas breves; e o anapesto82 - duas breves seguidas de
uma longa. Então o espondeu é indevidamente rejeitado,
como agora o demonstrarei. O pírrico pode ser correcta-
79
Pírrico - pé herdado da métrica clásica, corresponde a duas
sílabas breves (-).
80
Jambo - composto por uma sílaba átona e uma acentuada
(-' ), oferece um ritmo ascendente.
81
Troqueu - oposto do jambo, (·-), oferece ritmo descen-
dente.
82
Anapesto - pé de três sílabas (--· ), duas átonas e uma tó-
nica, ritmo oposto ao dáctilo (•--); com três sílabas existe ainda o
Anfíbraco (-•-), geralmente usado em 6.m de verso.
66
mente rejeitado. A sua existência tanto nos ritmos antigos
como nos modernos é puramente quimérica, e a insis-
tência numa não-entidade tão embaraçosa como um pé
com duas sílabas breves proporciona, talvez, a melhor
prova da enorme irracionalidade e subserviência à autori-
dade que caracteriza a nossa Prosódia. Entretanto, os re-
conhecidos dáctilos e anapestos são suficientes por si para
sustentar a minha proposição sobre a «alternância» e etc.,
sem qualquer referência aos pés que se assume existirem
apenas nos metros gregos e latinos: porque um anapesto
e um dáctilo podem ser encontrados no mesmo verso,
evidentemente, quando tivermos uma sucessão ininter-
rupta de quatro sílabas breves. Seguramente que o encon-
tro entre estes dois pés é um acidente não contemplado
pela definição que agora se discute, porque esta defini-
ção, ao exigir <mma alternância regular de sílabas dife-
rindo em quantidade», insiste numa sucessão regular de
pés semelhantes. Mas eis um exemplo:
S1ng tõ me I Isãbelle.B3
[Canta para mim I Isabela.]
83
N . Ed.: De Henry B. Hirst; veja-se a crítica de Poe ao seu
«The Coming of the Mammoth» [A Chegada do Mamute), PP·
594-595.
N. T.: Edgar Allan Poe faz a crítica ao poema de Hirst no Broad-
way ]o uma!, a 12 de Julho de 1845, onde diz: «"Isabelle" is the flnest
ballad ever written in this country, and but for its obvious and no doubt in-
tentional imitations, might be called one of the best ever written everywhere.
It is exceedingly d!lficult to understand how the author of such a trash as
"The Mammoth" could be at the sarne time author of anything so widely dif-
Jerent as "Isabelle". It is simply exquisite- its conduct could tzot be improved
67
Este é o verso que inaugura uma pequena balada que
tenho agora diante de mim, que continua com o mesmo
ritmo - um particularmente belo. Mais do que tudo isto:
os versos ingleses são muitas vezes, e na sua totalidade,
compostos por uma sucessão regular de sílabas todas da
mesma quantidade - por exemplo, como os primeiros ver-
sos da quadra seguinte da autoria de Arthur C. Coxe 84 :
- and its versification (within the narrow límits desígned) is full of original
force. We quote (unconnectedly) a Jew of the best quatrains:», pp.596; ["Is-
abelle" é a mais bela balada alguma vez escrita neste país, e a não ser pelas
suas tão óbvia e sem duvida intencionais imitações, pode ser chamada uma das
melhores alguma vez escrita em qualquer parte. É extremamente difícil com-
preender como é que o autor de uma porcaria como "O Mamute" podia ser ao
mesmo tempo o autor de uma coisa tão vastamente diferente como "Isabelle".
É simplesmente requintada - a sua condução não poderia ser melhorada - e
à sua versificação (dentro dos limites estreitos pretendidos) está cheia de força
original. Citamos algumas das suas quadras:]
Henry Beck Hirst (1818-1874) - estudou Direito, mas só lhe foi
permitido exercer em 1843. Escreveu poesia e publicou A Poetical
Dictionary. or Popular Terms illustrated in Rhyme, The Coming
of the Mammoth, and other Poems, (1845), Endymion. a Tale of
Greece (1848) e The Penance of Rolancl a romance of the Peine
forte et dure: and other poems (1849);
84 Arthur Cleveland Coxe (1818-1896) -era filho do conhe-
68
[Marchar! Marchar! Marchar!
Fazendo barulho quando pisam.
Ho! ho! que passos eles dão,
A descer para os mortos!]
1532-52) de Rabelais.
François Rabelais (1494 -1553) - goliardo, médico e escritor fran-
cês, usando como pseudónimo Alcofribas Nasier.
69
ritmos, regras - regras que se contradizem umas às outras
a cada cinco minutos, e para a maioria das quais se pode
encontrar o dobro das excepções como exemplo. Se a
alguém lhe apetece ficar completamente confundido -
para ver quão longe a enfatuação do que pode ser cha-
mado de «erudição clássica» pode levar um rato de bi-
blioteca a fabricar o negrume a partir da luz solar, dei-
xem-no que folheie, por apenas breves momentos,
qualquer das prosódias gregas em alemão. A única coisa
que se pode retirar claramente delas é um magnífico des-
prezo pelo princípio de Leibniz 86 sobre «a razão sufi-
ciente».
Não é necessário, e seria enfraquecedor, fazer diver-
gir a atenção do assunto realmente em mãos por outras
referências mais profundas a estas obras. Neste momento
não consigo recordar-me de qualquer elemento de infor-
mação essencial que possa delas ser respigado; e deixá-
-las-ei cair aqui com apenas esta única observação: que,
empregando por entre os numerosos e «antigos» pés ape-
nas o espondeu, o troqueu, o jambo, o anapesto, o dác-
tilo, e a cesura, eu empenhar-me-ei em escandir correcta-
mente qualquer dos ritmos horacianas, ou qualquer ritmo
verdadeiro que o engenho humano possa conceber.
E este excesso de pés quiméricos será, talvez, e definitiva-
mente, a última das supererrogações da escolástica. Ex
uno dísce omnié7• O facto é que a Quantidade é um ponto
86
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) - filósofo alemão,
politico e matemático distinto, que inventou independentemente o
cálculo diferencial e integral.
87
Em latim no original - por um se conhecem todos.
70
sobre cuja investigação o empecilho do mero conheci-
mento pode ser dispensado de uma vez para sempre.
A sua capacidade de apreciação é universal. Não pertence
a qualquer região, raça, ou época em especial. No que
respeita à harmonia e à melodia, os gregos davam-lhe
ouvidos com orelhas precisamente similares às que nós
empregamos no presente para as mesmas funções; e não
serei condenado por heresia se afirmar que um pêndulo
em Atenas teria vibrado muito de acordo com o mesmo
modo como o faz um pêndulo na cidade de Penn.
Os Versos têm a sua origem no prazer que o homem
retira da igualdade, da proporção. Para este prazer con-
tribuem também todas as variantes do verso que serão
adiante referidas - ritmo, metro, estrofe, rima, aliteração,
o refrão e outros efeitos análogos. Como há alguns leito-
res que normalmente confundem o ritmo com o metro,
pode desde já dizer-se que o primeiro se refere ao carácter
dos pés (ou seja, a organização das sílabas) enquanto o úl-
timo tem a ver com o número desses pés. Assim, por um
«ritmo dactílico» exprimimos a sequência de dáctilos; por
um «hexâmetro dactílico» queremos dizer um verso ou
medida composta por seis desses dáctilos.
Regressemos à igualdade. Esta ideia engloba as de
semelhança, proporção, identidade, repetição e adaptação
ou adequação. Não parece ser muito difícil ir mesmo
além da ideia de igualdade e mostrar tanto como, quanto,
porque, acontece que a natureza humana retira dela pra-
zer, mas tal investigação seria supererogatória para qual-
quer dos objectivos agora em vista. É suficiente que o
Jacto seja inegável - o facto de que o homem retira prazer
71
da sua percepção da igualdade. Examinemos um cristal.
De imediato nos interessam a igualdade entre os lados e
entre os ângulos de uma das suas faces: a igualdade entre
os lados dá-nos prazer; a que existe entre os ângulos re-
dobra esse prazer. Ao trazer à vista uma segunda face em
todos os aspectos semelhante à primeira, este prazer
eleva-se ao quadrado; exibindo uma terceira face, parece
que se eleva ao cubo, e assim por diante. De facto, não
tenho qualquer dúvida que o deleite experimentado, se
mensurável, se descobriria ter relações matemáticas tão
exactas quanto as que sugeri; ou seja, até um certo ponto,
para além do qual se experimentaria um decrescendo nas
relações de semelhança.
A percepção do prazer a partir da igualdade de sons é
o princípio da Música. Ouvidos não educados podem ape-
nas apreciar as igualdades simples, como as que se encon-
tram nas músicas das baladas. Enquanto se compara um
som simples com outro, ficam demasiado ocupados para
serem capazes de comparar as igualdades que subsistem
entre estes dois sons simples, tomados em conjunto, e
dois outros sons simples igualmente tomados em con-
junto. Por outro lado, os ouvidos treinados conseguem
apreciar as duas igualdades no mesmo instante - embora
seja absurdo supor que ambas são ouvidas ao mesmo
tempo. Uma é ouvida e apreciada em si: a outra é ouvida
a partir da memória; e o instante desliza para, e é confim-
dido com, a apreciação secundária. Um gosto musical al-
tamente cultivado admira desta maneira não apenas estas
igualdades duplas, todas apreciadas ao mesmo tempo,
mas tem prazer no reconhecimento, através da memória,
72
da igualdade entre membros que às vezes ocorrem com
intervalos tão grandes que o gosto não trabalhado os
perde completamente. Que este último possa avaliar
apropriadamente ou decidir dos méritos do que se chama
música científica, é com certeza impossível. Mas a música
científica não reivindica para si a excelência intrínseca - é
adequada apenas aos ouvidos científicos. No seu ex-
tremo, representa o triunfo da física sobre a moral da Mú-
sica. Os sentimentos são subjugados pelos sentidos. De
um modo geral, os que defendem uma melodia e har-
monia mais simples têm indubitavelmente o melhor dos
argumentos; embora tenha havido muito pouco verda-
deiras discussões sobre o assunto.
No verso, o qual não pode ser melhor designado
que como uma Música inferior ou menos capaz, existem,
felizmente, poucas hipóteses de perplexidade. O seu ca-
rácter rígido, simples, nem a ciência - nem mesmo o pe-
dantismo - podem grandemente perverter.
Provavelmente os rudimentos do verso podem ser
encontrados no espondeu. O verdadeiro gérmen de um
pensamento em busca de satisfação na igualdade do som
resultaria na construção de palavras de duas sílabas igual-
mente acentuadas. Para corroborar esta ideia verifica-se
que abundam espondeus na maioria das línguas mais an-
tigas. Podemos supor facilmente que o segundo passo se-
ria a comparação, ou seja, a colocação de dois espondeus
- de duas palavras compostas cada uma de um espondeu.
O terceiro passo seria a justaposição de três destas pala-
vras. Por esta altura, a percepção da monotonia levaria a
induzir uma consideração mais ousada: e assim nasce
73
aquilo onde Leigh Hunt 88 se atola e se esforça por con-
trolar na discussão sob o título de «Ü Princípio da Va-
riedade na Uniformidade)). É evidente que não existe
qualquer principio no caso- nem a mantê-lo. A «Unifor-
midade)) é o principio; a «Variedade)) não é mais do que a
salvaguarda natural do principio contra a autodestruição
por excesso de si mesmo. Além disso, a «Uniformidade>>
é mesmo a pior palavra que poderia ter sido escolhida
para exprimir a ideia geral a que ela aspira.
Tendo a percepção da monotonia dado origem a
uma tentativa para se atenuar, o primeiro pensamento
nesta nova direcção seria o de cotejar duas ou mais pala-
vras formadas cada uma por duas sílabas acentuadas de
modo diferente (ou seja, uma breve e uma longa), mas
tendo a mesma ordem em cada palavra, - por outros ter-
mos, colacionar dois ou mais jambos, ou dois ou mais
troqueus. E aqui deixem que faça uma pausa para aftrmar
que mais coisas dignas da maior piedade, pela sua insen-
satez, foram escritas sobre o tópico das sílabas longas e bre-
ves do que sobre qualquer outro assunto debaixo do sol.
Em geral, uma sílaba é longa ou breve apenas na medida
em que a sua enunciação é difícil ou fácil. As sílabas na-
turalmente longas são as que estão sobrecarregadas - e as
naturalmente breves são as que estão aliviadas - de consoan-
tes; tudo o resto é meramente jargão e artiftcialidade.
88
(James Henry) Leigh Hunt (1784-1859) -ensaísta e crítico
inglês, também crítico, jornalista e poeta. Amigo de Percy Bysshe
Shelley e John Keats. Os seus poemas mais conhecidos, «Abou
Ben Adhem» e <<Jenny Kissed Me», são dados como exemplo da
influência de versificação estrangeira.
74
As prosódias latinas têm uma regra: <<Uma vogal é longa an-
tes de duas consoantes». Esta regra é deduzida das «auto-
ridades» - ou seja, a partir da observação de que as vogais
nestas circunstâncias, nos poemas antigos, estão sempre
em sílabas longas segundo a lei da escansão. A filosofia da
regra mantém-se intocável e reside apenas na dificuldade
física de dar voz a tais sílabas - de executar as evoluções
linguais necessárias para a sua pronunciação. É evidente
que não é a vogal que é longa (embora a regra o afirme),
mas a sílaba de que a vogal é uma parte. Verificar-se-á
que o comprimento de uma sílaba, dependendo da facili-
dade ou dificuldade da sua enunciação, deverá ter uma
grande variação em diferentes sílabas; mas para os objec-
tivos do verso, parte-se da suposição de que uma sílaba
longa é igual a duas breves: - e o desvio natural desta re-
latividade, nós o corrigimos à medida que o vamos obser-
vando. Quanto mais de perto as nossas sílabas longas se
aproximarem desta relação com as nossas breves, tanto
melhor, ceteris paribus 89 , será o nosso verso: mas se a rela-
ção não existe por si, nós forçamo-la com a ênfase, a qual
pode, é claro, tornar uma sílaba tão longa quanto o dese-
jado; - ou, por um esforço, podemos pronunciar com
uma brevidade não natural uma sílaba que naturalmente
é demasiado longa. As sílabas acentuadas são, evidente-
mente, sempre longas - mas, se não estiverem sobrecarre-
gadas de consoantes, poderão ser classificadas entre as não
naturalmente longas. Apenas o uso declarou que as de-
vemos acentuar - isto quer dizer, determo-nos sobre elas;
75
mas nenhuma dificuldade lingual nos obriga a fazer
isso. ln fine 90, no verso, cada sílaba longa, por si própria,
deve ocupar, ou ser obrigada a ocupar, na sua enunciação,
precisamente o tempo exigido por duas sílabas breves.
A única excepção a esta regra encontra-se na cesura - da
qual falaremos adiante.
O êxito com a experimentação com os troqueus ou
jambos (uma sugeriria a outra) deve ter levado à experi-
mentação com dáctilos ou anapestos - dáctilos ou ana-
pestos naturais - palavras dáctilas ou anapésticas. E agora
atinge-se um maior grau de complexidade. Primeiro, dá-
-se a apreciação da igualdade entre os diversos dáctilos ou
anapestos, e depois, da igualdade entre a sílaba longa e as
duas breves em conjunto. Mas aqui pode dizer-se que te-
ria sido dado passo a passo, na continuação desta estraté-
gia, até que todos'os pés da prosódia grega fossem esgo-
tados. Mas não é assim; estes pés restantes não existem
por si a não ser na cabeça dos escoliastas. É desnecessário
imaginar homens a inventar estas coisas, e seria loucura
explicar como e porquê as inventaram, enquanto não se
mostre, primeiro, que foram realmente inventados. To-
dos os outros «pés» além daqueles que especifiquei são,
se não impossíveis à primeira vista, meras combinações
dos especificados; e, embora esta asserção seja rigida-
mente verdadeira, para evitar más interpretações, apre-
sentá-la-ei de um modo algo diferente. Então, direi que
de momento não tenho consciência de qualquer <<ritmo»
- nem acredito que qualquer um possa ser construído - o
qual, em última análise, não se verifique ser inteiramente
90
Em latim no original - no fim.
76
constituído pelos «pés» que mencionei, tanto existindo
na sua condição óbvia e individual, ou entretecidos entre
si de acordo com as simples leis naturais que tentarei es-
boçar de aqui em diante.
Já fomos tão longe até imaginar homens a construir
sequências indefinidas de palavras espondaicas, jâmbicas
trocaicas, dactílicas ou anapésticas. Estendendo as sequên-
cias, eles seriam de novo confrontados com a sensação
monotonia. De imediato, uma sucessão de espondeus cau-
saria desprazer; uma de jambos ou troqueus, devido à va-
riedade compreendida pelo próprio pé em si, demoraria
um pouco mais de tempo a causar desprazer; uma de
dáctilos ou anapestos, ainda mais tempo; mas mesmo os
últimos, se estendidos durante muito tempo, tornar-se-
-iam cansativos. A ideia de cortar, primeiro, e depois a de
definir o comprimento de uma sequência, teria então
surgido imediatamente. Aqui está o verso propriamente
dito 91 • Estando o princípio de igualdade constantemente
na base de todo o processo, os versos seriam, em pri-
meiro lugar, naturalmente fabricados iguais no número
dos seus pés; em segundo lugar, existiria uma mera varia-
ção no número: um verso seria duas vezes mais longo
que outro; então um seria de modo menos óbvio um
múltiplo de outro; então, proporções ainda menos óbvias
seriam adoptadas; - no entanto, existiria a proporção, ou
seja, ainda uma fase de igualdade.
91
N. A.: Verso, do latim «vertere», virar, é assim chamado por
causa do regresso ou recomeço de uma nova série de pés. Assim,
estritamente falando, um verso é apenas uma linha. No entanto,
neste sentido, eu preferi usar apenas a última palavra; usando a pri-
meira no sentido que lhe foi dado no tíntlo deste ensaio.
77
Tendo sido introduzidos os versos, a necessidade de
definir distintamente estes versos perante o ouvido (dado
que até aí o poema escrito não existe) levaria ao escrutí-
nio das suas capacidades, das suas terminações: - e agora
nasceria a ideia de igualdade de som entre as sílabas finais
- por outras palavras - da rima. Primeiro seriam usados
apenas ritmos nos jâmbicos, anapésticos e espondaicos
(assegurando-se de que os últimos não teriam sido, há
muito, postos de parte, por causa da sua insipidez), por-
que nestes ritmos, sendo a sílaba fmallonga, poderia me-
lhor sustentar-se a necessária dilatação da voz. No en-
tanto, não poderia passar um intervalo muito grande
antes que o efeito, que se acharia simultaneamente pra-
zenteiro e útil, fosse aplicado aos dois ritmos restantes.
Mas como a força principal da rima deve residir na sílaba
acentuada, a tentativa para criar qualquer espécie de rima
com estes dois ritmos restantes, o trocaico e o dactílico,
iria necessariamente resultar em rimas duplas e triplas,
como «beauty» [beleza] com «duty» [dever] (trocaicos) e
«beautifub> com «dutifub> (dactílicos).
Deverá ser observado que, ao sugerir estes processos,
não lhes atribuo qualquer data; nem sequer insisto numa
ordem. Supõe-se que a rima tem uma origem moderna,
e caso isto seja provado, as minhas posições continuam
inabaláveis. No entanto, posso dizer, de passagem,
que várias situações de rima aparecem nas Nuvens 92 de
92
As Nuvens (423 a.C.) de Aristófanes, tem por tema um
ataque à educação moderna, à moral ensinada pelos intelectuais.
A principal vítima da paródia é Sócrates.
78
Aristófanes 93 , e que os poetas romanos a usam ocasional-
mente. Existe uma espécie efectiva de rimas antigas que
nunca chegou aos modernos: aquela em que a última e
penúltima sílabas rimam uma com a outra. Por exemplo:
E ainda:
um rato.
«Üs Montes parirão e nascerá um pequenino rato» (vv.139) in
Horácio, Arte Poética, Trad. R. M . Rosado Fernandes, Inquérito,
Lisboa, 1984.
95 Virgílio, Eneida, III, 390 - «E encontrareis uma imensa
79
mero acidente, nem uma mera fantasia, fizeram nascer a
ligação -, numa palavra, aponta para a real necessidade
que acabei de sugerir (a de definir o verso para o ouvido)
como a verdadeira origem da rima. Admita-se isto e po-
deremos fazer recuar a sua origem para a noite dos tem-
pos - para além da origem do verso escrito.
Resumindo. O rúvel de complexidade que penso en-
tretanto ter atingido é muito considerável. Vários siste-
mas de equalização foram apreciados ao mesmo tempo
(ou quase) nos seus valores respectivos e dentro do valor
de cada sistema com referência a todos os outros. Como
nosso actual ultimatum de complexidade, chegámos aos
versos naturais dactílicos de rima tripla, existindo tanto
proporcional como igualmente em comparação com ou-
tros versos dactílicos de rima naturalmente tripla. Por
exemplo:
96
Martin Rot:h, no artigo «Poe's Divine Spondee», in Poe Stu-
dies, vol. XII, n.o 1,Junho de 1979, pp. 14-18, atribui estes versos a
Lord Alfred Tennyson; Tennyson tem de facto um poema cha-
mado «Lilian», mas em que estes versos não aparecem.
Thomas Ollive Mabbott, em The Collected Works ofEdgar Allan
Poe: Volume I - Poems The Belknap Press ofHarvard University
Press, Cambridge, Mass., 1969, (pp. 392-396), aceita os versos
como sendo indubitávelmente de Poe, enquadrando-os nos poe-
mas perdidos.
80
[Lilian virginal, rigidamente, modestamente, obediente
Santamente, humildemente,
Arrebatadoramente, sagradamente,
Bela.]
81
versos intermédios e o último - a de dois para um; por
fim, a igualdade proporcional, idêntica ~ que respeita ao
número, entre todos os versos tomados colectivamente e
cada verso individual - na de quatro para um.
De imediato, a consideração desta última igualdade
daria origem à ideia da estrofe 97 -isto quer dizer, o isola-
mento dos versos em blocos iguais ou massas obvia-
mente proporcionais. Provavelmente, na sua forma pri-
mitiva (que também seria a sua melhor forma), a estrofe
teria uma unidade absoluta. Por outras palavras, a remo-
ção de qualquer dos seus versos tê-la-ia tornado imper-
feita; como no caso acima, em que, se, por exemplo, fosse
retirado o último verso, ficava-se sem rima para o «duti-
ful» do primeiro. A estrofe moderna é excessivamente
solta e assim, como consequência, torna-se pouco eficaz.
Vejamos. Apesar de parecer existir uma complexi-
dade infinita na exposição deliberadamente escrita que
aqui tenho dado sobre estes vários sistemas de igualdades
- de tal modo que é difícil conceber que a mente tome
conhecimento delas todas no breve período ocupado pela
leitura cuidada ou pelo recitar da estrofe -, a dificuldade,
no entanto, é de facto aparente só quando nós queremos
que assim seja. Qualquer um que goste de experiências
mentais pode satisfazer-se, pela experiência, que, em ou-
vindo os versos, (embora com uma aparente inconsciên-
cia, dado a rápida evolução das sensações), ele de facto
reconhece e aprecia instantaneamente (de modo mais ou
97
N. A. Uma estrofe, com uma impropriedade grosseira, é co-
mummente e muitas vezes chamada de versos.
82
menos intenso, de acordo com a educação do seu
ouvido) cada uma e todas as comparações de igualdade
detalhadas. O prazer que retira, ou é retirável, tem um
aumento progressivo muito semelhante, e muito aproxi-
madamente com o mesmo tipo de relações matemáticas,
que as sugeridas no exemplo do cristal.
Deverá observar-se que falo de uma igualdade mera-
mente aproximada entre a primeira sílaba de «dutiful» e
«beautifuh>; e pode perguntar-se porque é que não ima-
ginamos as primeiras rimas como tendo tido uma igual-
dade absoluta de som, em vez de aproximada. Mas a
igualdade absoluta teria implicado o uso de palavras idên-
ticas; e é a duplicação da mesma ou a monotonia - tanto
a do sentido como a do som - que teriam levado a que
estas rimas fossem rejeitadas logo em primeiro lugar.
A estreiteza dos limites dentro dos quais os versos
compostos apenas por pés naturais devem necessaria-
mente ter sido confinados teria levado, depois de um in-
tervalo muito breve, à experiência e adopção de pés arti-
ficiais - isto quer dizer, de pés não constituídos cada um
por uma simples palavra, mas por duas ou mesmo três
palavras; ou partes de palavras. Estes seriam entremeados
com pés naturais. Por exemplo:
98
Alexander Pope citado por Oliver Goldsmith {1730?-1774)
no poema «The Deserted Village»:
«Where wealth accumulates, and men decay.
83
Este é um verso jâmbico em que cada jambo tem duas
palavras. Outro exemplo:
Poe.
84
Estes dois versos são dactílicos em que encontramos
pés naturais («Deity», e «mannikim), pés compostos por
duas palavras ( «fancied that», «image a», «merely to»,
«madden it»), pés compostos de três palavras («can it be»;
«made in his» ), um pé composto por parte de uma pala-
vra («dictively» ), e um pé composto de uma palavra e
parte de outra («ever vim>).
E agora, no nosso suposto progresso, fomos tão
longe até esgotar todas as questões essendais do verso. Es-
tritamente falando, o que se segue pode ser tomado
como um mero embelezamento - mas mesmo este em-
belezamento receberia o seu impulso interminável do
sentido rudimentar da igualdade. Por exemplo, seria sim-
plesmente na demanda de uma administração mais vasta
deste sentido que os homens, com o tempo, viriam a
pensar no refrão, ou bordão, onde, no fechamento das di-
versas estrofes de um poema, uma palavra ou frase é repe-
tida; e na aliteração que, na sua forma mais simples, cor-
responde à repetição de uma consoante no princípio de
várias palavras. Este efeito estender-se-ia de tal modo até
que englobasse a repetição tanto de vogais e de consoan-
tes, tanto no interior quanto no início das palavras; e,
num período posterior, seria levado a infringir os limites
da rima, pela introdução da similaridade geral do som
entre a totalidade dos pés ocorrendo no interior de um
verso: - todas as modificações que acabei de exemplificar
no verso acima,
85
Uma exploração mais vasta acabaria por melhorar tam-
bém o refrão, aliviando a sua monotonia pelo ligeiro va-
riar da frase em cada repetição ou (como o tentei fazer
com «Ü Corvo>>) mantendo a frase e variando o seu uso
- embora este último ponto não seja apenas e estritamente
um efeito rítmico. Por fim, os poetas, legitimamente can-
sados de seguir os seus predecessores - seguindo-os tanto
mais de perto quanto menos os percebiam acompanha-
dos pela Razão- aventuravam-se tão longe quanto a ce-
der à rima positiva noutros pontos que não os fmais dos
versos. Primeiro, punham-na no meio do verso; depois,
em qualquer momento em que o múltiplo fosse menos
óbvio; depois, alarmados pela sua própria ousadia, desfa-
riam todo o seu trabalho dividindo estes versos em dois.
E aqui está a fonte frutuosa da infinidade dos <<metros
curtos», pelos quais a poesia moderna, se não se distin-
gue, pelo menos desgraça-se. De facto, seria requerido
um alto grau tanto de cultura quanto de coragem, da
parte de qualquer versificador, que lhe permitisse colocar
as suas rimas - e as deixasse ficar - na sua posição inques-
tionavelmente melhor, que é em intervalos pouco usuais
e inesperados.
Tendo em conta a estupidez de algumas pessoas, ou
{se o talento fosse uma palavra mais respeitável) tendo em
conta o seu talento para os mal-entendidos - penso que
aqui será necessário acrescentar, primeiro, que eu creio
que os processos acima descritos foram, se não acurada,
pelo menos aproximadamente, os que de facto ocorreram
na criação gradual do que agora chamamos estrofe; se-
gundo, que embora eu acredite em tal, não tento impelir
86
à crença nem no facto assumido, nem na minha persua-
são de que são parte das verdadeiras proposições do meu
ensaio; terceiro, no que respeita aos objectivos deste en-
saio, não tem qualquer relevância o facto de estes proces-
sos terem ocorrido, tanto na ordem que lhes atribui,
ou nem terem ocorrido sequer de todo; a minha intenção
é, simplesmente, apresentar de um modo geral o que esses
processos poderiam ter sido, e devem ter parecido, para
ajudar «algumas pessoas)} a compreender mais facilmente
o que ainda tenho para dizer sobre a questão dos Versos.
No meu resumo dos processos há um ponto que
propositadamente me defendi de tocar; porque sendo
este ponto o mais importante de todos, e tendo em conta
a imensidade de erros normalmente envolvidos na sua
consideração, ter-me-ia levado a uma série de pormeno-
res incompatíveis com o objectivo de um resumo.
Como acabei de congeminar, cada leitor de versos já
deve ter observado com que raridade acontece que de
um único verso derive uma sucessão uniforme de pés
absolutamente iguais; isto quer dizer, uma sucessão de
jambos apenas, ou apenas troqueus, ou apenas de dácti-
los, ou apenas de anapestos, ou apenas de espondeus.
Mesmo nos versos mais musicais encontramos essa su-
cessão interrompida. Ao examinar os pentâmetros jâm-
bicos de Pope, por exemplo, podem encontrar-se fre-
quentemente variações com troqueus no princípio do
verso, ou por (aquilo que parecem ser) anapestos no seu
interior.
87
Whether I thõu choõse I Cervãn I tes' sej rlous ãirj
Ór laugh I ãnd shãke I ln Rãb I elais eã I sy cha1r.j 100
[Oh tu, qualquer que seja o título que agrade a teu ouvido,
Deão Drapier Bickerstaff ou Guliver
Quer escolhas os tons sérios de Cervantes
ou te retorças a rir na poltrona de Rabelais.]
100
Alexander Pope (1688-1714) - inglês, poeta e satirista co-
nhecido pelos seus poemas: «An Essay on Criticism» (1711), uma
reescrita da Arte Poética de Horácio; «The Rape of the Locb
(1712-14), «An Essay on Mam (1733-34) e a paródia de epopeia
The Dunciad (1728).
Os versos citados pertencem a Dunciad I (1728), II, 19-22; o texto
é reeditado em 1729 com um comentário, prefácio, notas e apên-
dice também burlescos. O herói, Theobald, e o editor são ambos
«dunces»: à letra, estúpidos, um pouco atrasados mentais.
88
e nenhum pé diferindo de tal modo pode alguma vez ser
legitimamente usado no mesmo verso. Um anapesto é
igual a quatro sílabas breves - um jambo apenas a três.
Os dáctilos e os troqueus têm a mesma relação entre si. É
verdade que o princípio da igualdade nos versos admite al-
guma variação em alguns momentos, para alívio da mono-
tonia como já demonstrei, mas o aspecto do tempo é
aquele ponto em que, por ser rudimentar, nunca se poderá
interferir de modo algum.
Passamos a explicar. Em maiores esforços para alívio
da monotonia, mais ousados do que aqueles que referi no
resumo, os homens viram em pouco tempo que não ha-
via necessidade absoluta de aderir a um número preciso
de sílabas, desde que o tempo requerido pelo pé, na sua
totalidade, se mantivesse inviolado. Viram, por exemplo,
que num verso como o seguinte:
89
Então, que sentido faz supor-se que este objectivo fosse
anulado pela «mistura» de duas sílabas de modo a, no seu
efeito absoluto, torná-las uma? Claro que não deve existir
qualquer mistura. Cada sílaba deve ser pronunciada tão
distintamente quanto possível (ou a variação perde-se),
mas com uma velocidade dupla daquela com que a sílaba
vulgarmente é enunciada. Que a sílaba «elaís' em> não
constitui um anapesto é evidente, e os sinais (vv-) da sua
acentuação são incorrectos. O pé pode então ser escrito
assim (AA-), onde os crescentes invertidos são expressão de
um tempo duplamente rápido; e podem ser chamados de
umjambo bastardo.
Eis aqui um verso trocaico:
90
valente; e que eu sugeriria para ela a seguinte acentuação
(-AA); também penso que ficaria bem chamar-lhe um tro-
queu bastardo; e que todas as palavras, em todas as cir-
cunstâncias, devem ser escritas e pronunciadas na sua tota-
lidade, e tão próximo quanto possível daquilo que a
natureza pretendeu que fossem.
Há cerca de onze anos apareceu no American Monthly
Magazíne 101 (então editado, creio, pelos Srs. Hoffman 102
e Be~arnin 103 ) urna crítica aos Poemas do Sr. Willis 104 •
101
The American Monthly Magazine- Revista publicada em Nova
Iorque entre 1833-1838, fundado pelos dois autores seguintes.
102
Charles Fenno Hoffinan (1806-1846) - autor de Greys-
laer: a romance of the Mohawk (4.a ed., 1849); A winter in the
West (1835), e Wild scenes in the forest and prairie (1839).
103
Park Benjamin (1809-1864) - advogado e jornalista que,
junto com Hoffiuan, fundou The American Monthly Magazine. Escre-
veu poemas, não editados em livro: «The Meditation of Nature»
(1832); «Poetry, a Satire» (1832); «lnfatuatiom (1844); «The Tired
Hunter»; «The Nautilus»; «To One Beloved»; «The Departed»; e
«The Old Sexton».
104 Nathaniel Parker Willis (1806-1867) - fundador de The
91
O crítico, avançando a sua força, ou a sua fraqueza, num
esforço para mostrar que o poeta era absurdamente afec-
tado, ou grosseiramente ignorante das leis do verso, ba-
seava todas as suas acusações no facto de o Sr. W. ter feito
uso ocasional desta mesma palavra «delicate», e outras
semelhantes, na «medida heróica, a qual, como todos sa-
bem, consistiu em pés de duas sílabas». O sr. W. tem
muitas vezes versos como estes:
Claro que, aqui, os pés licate love, verent ín e síble fin são
jambos bastardos; não são anapestos; e não estão a ser
usados indevidamente. Pelo contrário. Com a sua utiliza-
ção, é apenas mais uma das inumeráveis vezes em que o
Sr. Willis demonstra uma fina sensibilidade em todos os
assuntos do gosto, e aqueles podem ser classificados sob o
título geral de embelezamentos da fantasia.
Se não me engano, faz também cerca de onze anos
que o Sr. Horne 105 (de Inglaterra), o autor de <<0rion» 106,
105
Richard Henry Horne (1803-1884) - inglês, autor do
poema alegórico Orion (1843). Escreve A New Spirit of the Age
(1844) com Elizabeth Barrett (Browning). Escreve tragédias, entre
as quais Cosmo de' Mediei ( 183 7) e The Death of Marlowe
(1837).
92
um dos épicos mais nobres em qualquer língua, achou
que seria necessário fazer um prefácio ao seu Chaucer
Modernizado 107 com um ensaio evidentemente longo e
elaborado, do qual a maior parte era dedicada à discussão
do pé aparentemente anómalo do qual temos vindo a fa-
lar. O Sr. Horne comprova o seu uso amiudado em
Chaucer; defende a sua superioridade, tendo em conta a
frequência da sua utilização em todos os versificadores
ingleses; e, repelindo de modo indignado a ideia corrente
daqueles que fazem versos contando pelos dedos - de
que a sílaba supérflua é uma aspereza e um erro -, muito
intrepidamente traça armas em sua defesa como <mma
graça». Que é uma graça, não há qualquer dúvida; o que
eu lamento é que o autor do poema longo versificado
com maior felicidade que existe tenha estado sujeito à
necessidade de discutir esta graça meramente como uma
graça, através de quarenta ou cinquenta páginas vagas,
apenas devido à sua inabilidade para mostrar como, e por-
que, é uma graça - e com cuja demonstração o problema
teria sido resolvido num instante.
Sobre o troqueu usado em lugar de um jambo, como
se pode ver no começo do verso:
93
não há muito que seja necessário dizer. Leva-me à propo-
sição geral de que, em todos os ritmos, o pé prevalente
ou distintivo pode variar à vontade, e quase ao acaso,
pela introdução ocasional de outros pés equivalentes -
quer dizer, pés em que a soma dos tempos silábicos seja
igual à soma dos tempos silábicos dos pés distintivos.
Assim o troqueu whether é igual na soma dos tempos das
suas sílabas, ao jambo thou choose, na soma dos tempos
das suas sílabas; sendo cada pé, no que respeita ao tempo,
igual a três sílabas breves. Os bons versificadores que, por
acaso, também sejam bons poetas, imaginam atenuar a
monotonia de uma série de pés pelo uso dos pés equiva-
lentes apenas em intervalos distanciados, e em tais pontos
do seu tema que pareçam estar de acordo com o carácter
surpreendente da variação. Nenhum destes cuidados pode
ser encontrado no verso acima citado - embora Pope
apresente alguns belos exemplos do efeito de duplicação.
Onde se pretende que a veemência seja fortemente ex-
pressa, não estou seguro que deveríamos estar errados em
nos aventurarmos com dois pés equivalentes consecutivos -
embora tenha que confessar que nunca encontrei tal ou-
sadia concretizada, a não ser na passagem seguinte, que
ocorre em «Al Aaraaf», um poema de juventude, que es-
crevi quando rapaz. Refiro-me ao súbito e rápido ad-
vento de uma estrela:
94
[Sombrio era o seu pequeno disco, e os olhos dos anjos
Apenas podiam ver o fantasma nos céus,
Quando se descobriu que o curso do fantasma seria,
De cabeça na nossa direcção, sobre o céu estrelado.]
95
Aqui many a é o que eu exemplifiquei como sendo um
troqueu bastardo, e para ser entendido como tal deveria
ser acentuado com crescentes invertidos. É repreensível
apenas na medida em que está posicionado como o pé de
abertura num ritmo trocaico. Memory, acentuado do
mesmo modo, é também um troqueu bastardo, mas não
censurável, embora de qualquer modo não seja exigido.
A ilustração mais exagerada deste aspecto permitir-
-me-á avançar um passo importante.
Um dos melhores poetas, o Sr. Christopher Pease
Cranch 109, começa assim um poema muito belo:
109
N. Ed. - Poe troca sistematicamente o nome a Pearse.
N. T.: Christopher Pearse Cranch (1813-1883) - cursa teologia,
mas dedica-se à pintura. Estuda e vive em Itália e França (1846-
-1863). Publica Poems (1844), e alguns outros depois.
110
N. Ed.- «My Thoughts» publicado em Poets and Poetry
of Americ!!, Rufus Ailmot Griswold (ed.), 1842; e nos Poems de
Cranch, em 1844.
96
A qual seguir; porque abandonar
algum, parece uma perda.]
97
cordante, pode facihnente ser escandido pelas verdadeiras
leis (e não as regras espúrias) do verso, como o pode o
mais simples pentâmetro de Pope, e onde ele é discor-
dante (passim), estas mesmas leis permitirão a qualquer
um, de bom senso, demonstrar porque é discordante e
mostrar, instantaneamente, o remédio para a desarmonia.
A lê, e relê um certo verso, e declara-o com um
ritmo falso -pouco musical. No entanto, B lê-o a A, e de
imediato A fica admirado com a perfeição do ritmo, e es-
panta-se com a sua obtusidade por não o ter apanhado
antes. Daqui para a frente, ele admite que o verso é musi-
cal. Triunfante, B assevera que, com certeza que o verso é
musical - porque é obra de Coleridge, - e que é A quem
não é musical, sendo a culpa da má leitura de A. Agora,
aqui A está certo, e B errado. Está errado aquele ritmo
(num ponto ou noutro, mais ou menos obviamente) que
qualquer leitor vulgar, sem intenção, não possa ler adequa-
damente. Faz parte do trabalho do poeta construir o seu
verso de tal maneira que a intenção seja percebida imedia-
tamente. Mesmo quando estes homens têm precisamente
a mesma compreensão de uma frase, diferem, e às vezes
sobremaneira, nos seus modos de a enunciar. E quem
quer que se tenha dado ao trabalho de examinar o tema
da ênfase (pela qual aqui quero significar não a acentuação
de sílabas particulares, mas a demora em palavras intei-
ras) deve ter visto que os homens usam a ênfase do
modo mais individual e arbitrário. Por exemplo, existe
uma vasta classe de pessoas que insiste em enfatizar os
seus monossílabos. Pouca uniformidade de ênfase preva-
lece; porque a coisa em si - a ideia, a ênfase - não se
98
refere a qualquer lei natural, ou pelo menos a qualquer
lei compreendida, e logo, uniforme. Para além de um li-
mite muito vago e estreito, o cerne do assunto centra-se
na convenção. E se nós diferimos na ênfase, mesmo
quando estamos de acordo na compreensão, quanto mais
não diferiremos na primeira quando também diferimos
na segunda! No entanto, à parte a consideração do desen-
tendimento natural, não está claro que, ao tropeçar aqui e
empolarmos acolá, qualquer sequência de palavras possa
ser retorcida em qualquer espécie de ritmos. Mas devere-
mos por tal deduzir que todas as sequências de palavras
são rítmicas no sentido racional do termo? Porque é
precisamente esta a dedução a que, no final, o redutio ad
absurdum 113 levará todas as proposições de Coleridge. Em
cem leitores de «Christabel», cinquenta não serão capa-
zes de descobrir o seu ritmo, enquanto quarenta e nove
dos restantes cinquenta imaginarão, com algum trabalho,
que o compreendem, após a quarta ou quinta leitura cui-
dada. O único que sobra dos cem, que possa tanto com-
preendê-lo como admirá-lo à primeira vista, deve ser
uma pessoa extraordinariamente esperta - e, de longe,
sou demasiado modesto para assumir, por um momento
que seja, que essa pessoa muito esperta possa ser eu.
Em demonstração do que aqui alvitrei, não posso fa-
zer melhor do que citar um poema:
99
[Papa de ervilhas quente - papa de ervilhas frias
Papa de ervilhas no pote - papa com nove dias.]
114
Veja nota 109.
100
As duas divisões thoughts that e come to são troqueus
vulgares. Sobre a última divisão (me) falaremos mais adian-
te. A primeira divisão (many are the) seria acentuada pelas
prosódias gregas da seguinte maneira: mãny are the, e seria
chamada por eles de acr'tpoÂ.oyoÇ 115 [astrólogos]. Os livros
latinos definiriam o estilo do pé como Pceon Primus e tanto
os gregos quanto os latinos jurariam que é composto por
um troqueu e o que eles chamam de um pírrico - ou seja,
um pé composto por duas sílabas breves -, uma coisa que
não pode existir, como passarei a demonstrar.
Mas agora, surge uma dificuldade óbvia. De acordo
com a própria exibição das prosódias, o astrologos equivale
a cinco sílabas breves, e o troqueu a três - no entanto, no
verso citado, estes dois pés são iguais, ocupam precisa-
mente o mesmo tempo. De facto, toda a música do verso
depende de eles serem obrigados a ocupar o mesmo
tempo. Então, as prosódias estão a demonstrar o que to-
dos os matemáticos estupidamente falharam em demons-
trar - que três e cinco são exactamente a mesma coisa.
No entanto, depois do que já disse sobre o troqueu e
o jambo bastardos, ninguém terá qualquer problema em
compreender que many are the tem um carácter similar.
É simplesmente uma variação sobre as estratégias do
115
N. Ed.: Um erro aparente da parte de Poe, derivado da sua
tresleitura do livro A Sistem of Greek Prosody and Meter [Um
Sistema de Prosódia e Metro Gregos] da autoria de Charles An-
thon (1842), onde «<X.O"'tpoÃoyoÇ» (astrólogo) é usado como exem-
plo de uma palavra que se pode escandir como exemplo do pé
chamado <<pceon primus»; acr'tpoÃoyoÇ, ou astrólogos, não é um
termo da prosódia grega.
101
troqueu, mais ousada do que as do costume, e introduz
uma sílaba adicional no troqueu bastardo. Mas esta sílaba
não é breve. Ou seja, não é breve no sentido de breve tal
como é aplicado à sílaba final do troqueu vulgar, onde a
palavra significa apenas metade de uma longa.
Neste caso (da sílaba adicional), se se recorrer de
todo ao termo breve, ele deverá ser usado no sentido de
um sexto de longo. E todas as três sílabas finais podem ser
chamadas breves apenas com a condição de se entender o
termo da mesma maneira. As três juntas são iguais ape-
nas a uma sílaba breve (cujo lugar elas suprem) no
troqueu vulgar. Segue-se que não faz qualquer sentido
em assim (~) acentuar estas sílabas. Deveremos inventar
um novo sinal para elas, que denote um sexto de longo.
Que seja (<) - o crescente colocado com a curva para a
esquerda. Na sua totalidade o pé
( ( (
mãny are the poderia ser chamado de um troqueu rápido.
102
estes sido jambos, troqueus, dáctilos ou anapestos. É, as-
sim, um pé variável e, com algum cuidado, poderá bem
ser introduzido no corpo de um verso, como neste pe-
queno poema de grande beleza da Sra. Welby 116 :
ww
I havei a lit I tle step I son I of on lly three I years oldl
ww
Pale as a Jlily was I Emily I Gray.l
116
Amelia B. Coppuck Welby (1819-1852)- poeta autora de
um pequeno livro de poemas, editado em Boston, em 1844. Uma
edição aumentada, Poems, foi publicada em Nova Iorque, 1850,
com ilustrações de Robert W. W eir; Poe faz-lhe uma crítica em
«Marginalia - Part II», publicada na Democratic Revíew, em Dezem-
bro de 1844, pp. 580-594.
103
Acabei de fazer a observação de que não poderia
existir um pé composto de duas sílabas breves. No pre-
ciso início de qualquer noção sobre o tema do verso, o
nosso ponto de partida foi a ideia de quantidade, exten-
são. Assim, quando enunciamos uma sílaba indepen-
dente, ela é necessária e evidentemente longa. Se enun-
ciamos duas, fazendo uma pausa do mesmo valor sobre
elas, expressamos a igualdade na enumeração, ou lon-
gueza, e temos o direito a chamar-lhes duas sílabas lon-
gas. Se nos demoramos mais sobre uma do que sobre a
outra, também temos o direito de chamar uma de breve,
porque é mais breve relativamente à outra. Mas se nos
demoramos igualmente sobre as duas e com uma voz sal-
titante, dizendo para nós próprios aqui estão duas sílabas
breves, pode bem ser-nos colocada a seguinte questão
- «são breves relativamente a quê?» A brevidade não é
mais que a negação da dilatação. Então, dizer que duas sí-
labas, colocadas independentemente de qualquer outra
sílaba, são breves, é apenas dizer que não têm compri-
mento ou enunciação real - por outras palavras, que elas
não são sílabas - que elas não existem de todo. E se,
persistindo, acrescentarmos qualquer coisa sobre a sua
igualdade, estamos apenas a atolar-nos na ideia de uma
equação idêntica, em que x sendo igual a x, nada é
demonstrado como igual a zero. Numa palavra, não po-
demos conceber a ideia de um pé pírrico como um pé
independente. É apenas uma quimera alimentada pela
louca fantasia de um pedante.
De aquilo que disse sobre a equalização dos vários
pés de um verso, não se deverá deduzir que existe uma
qualquer necessidade de igualdade nos tempos entre os
104
ritmos de vários versos. Um poema, ou mesmo uma es-
trofe, podem começar com jambos no primeiro verso, e
continuar com anapestos no segundo, ou com os ainda
menos conformes dáctilos, como no início de um bonito
espécimen de poema da autoria da Menina Mary A. S.
Aldrich:
11 7
The Bride of Abydos - A Turkish Tale (1813) - este
poema de Lord Byron aparece num manuscrito do mesmo ano
com o título Zuleika.
0
118 George Gordon Byron, 6. barão (1788-1824)- poeta ro-
105
Know ye the land of the cedar and vine,
Where the flowers ever blossom, the beams ever shine,
And the light wings of Zephyr, oppressed with perfume,
Wax faint o'er the gardens of Gul in their bloom?
Where the citron and olive are fairest of fruit
And the voice of the nightingale never is mute -
Where the virgins are soft as the rases they twine,
And all save the spirit of man is divine?
'Tis the land of the East - 'tis the clime of the Sun -
Can he smile on such deeds as his children have dane?
Oh, wild as the accents oflover's farewell
Are the hearts that they bear and the tales that they tell!
106
A fluência destes versos (com o andar dos tempos) é
muito doce e musical. Foram muitas vezes admirados, e
justamente - com o andar dos tempos - ou seja, é coisa
rara encontrar uma versificação deste tipo que possa ser
melhor. E onde os versos dão prazer ao ouvido, é idiota
tentar encontrar-lhes defeitos porque se recusam a ser es-
candidos. No entanto, tenho ouvido homens que se afir-
mam eruditos, que não têm qualquer escrúpulo em inju-
riar estes versos de Byron com base no facto de que eles
são musicais apesar de não obedecerem a qualquer regra.
Outros senhores, não eruditos, injuriaram todas as regras
pelos mesmos motivos; e nem a uma, nem a outra das
partes ocorreu que a regra sobre a qual se disputam pode,
possivelmente, não ser regra nenhuma - uma regra de
burro sob a pele de leão
Os gramáticos disseram qualquer coisa sobre os ver-
sos dactílicos, e via-se facilmente que havia a intenção
que estes versos, no mínimo, fossem dactílicos. Então, o
primeiro verso seria dividido da seguinte maneira:
107
Are emblems I õf deeds that I ãre dõne in I their clime. 1
108
acataléctico; quando existe uma sílaba redundante, diz-se
que forma um hipérmetro.» Tanto basta. O verso anó-
malo é denominado como sendo cataléctico à cabeça
para formar um hipérmetro na cauda, - etc, etc; em
breve se descobre que quase todos os versos restantes se
encontram numa situação igualmente apertada, e que o
que flúi tão docemente ao ouvido, embora tão aspera-
mente para a vista, no fim, não é mais do que uma mera
salgalhada de catalectismo, acatalectismo e hipérmetros -
para não dizer pior.
Agora, tivesse este tribunal de investigação na posse
da mínima sombra da filosofia dos versos, não teria tido
qualquer problema em reconciliar este azeite e água do
olho e do ouvido pela simples escansão da passagem sem
referência aos versos, mas assim, continuamente:
109
fare I well Are the I hearts that they I bear and the I tales
that they I tell
Aqui, crime e tell (em itálico) são cesuras, cada uma tendo
o valor de um dáctilo, quatro sílabas breves; enquanto
fume Wax, twine And e done Oh são espondeus, os quais,
evidentemente, sendo compostos de duas sílabas longas,
são também iguais a quatro breves, e são os equivalentes
naturais dos dáctilos. A delicadeza do ouvido de Byron
conduziu-o a uma sucessão de pés os quais, com duas
excepções comezinhas no que respeita à melodia, estão
totalmente correctos - sendo esta uma ocorrência muito
rara - nos ritmos dactílicos ou anapésticos. As excepções
encontram-se no espondeu twine And e no dáctilo smile on
such. Ambos os pés são falsos em termos de melodia. Em
twine And, para perceber o ritmo, devemos forçar And a
um comprimento que, naturalmente, ele não suportaria.
Somos chamados a sacrificar, seja o comprimento apro-
priado da sílaba como exigido pela sua posição enquanto
membro de um espondeu, seja a acostumada acentuação
da palavra na conversa vulgar. Não há qualquer hesitação,
e não deveria haver nenhuma. De imediato, desistimos
do som em favor do sentido; e o ritmo revela-se imper-
feito. Neste caso, isso acontece de modo muito leve; nem
uma pessoa em dez mil podia, de ouvido, detectar a im-
precisão. Mas a peifeição dos Versos, no que respeita à me-
lodia, consiste em que eles nunca exijam qualquer sacri-
fício do tipo do que aqui se pede. A parte rítmica deve
estar totalmente de acordo com o fluir da leitura. Esta per-
feição não foi conseguida, em qualquer circunstância -
110
mas sem dúvida que é atingível. O dáctilo Smile on such
está incorrecto porque such, devido ao carácter das duas
consoantes eh, não pode ser facilmente enunciado no
tempo normal requerido por uma sílaba breve, como a
sua posição o declara ser. Quase todos os leitores serão
capazes de apreciar esta ligeira dificuldade que aqui se
apresenta; e, no entanto, o erro não é, de modo algum,
tão importante como aquele do And, no espondeu. Com
destreza poderemos pronunciar such no tempo devido;
mas a tentativa de remediar a deficiência rítmica do And
excluindo-o, apenas agrava a ofensa contra a enunciação
natural, chamando a atenção para ela.
No entanto, ao citar estes versos, o meu objectivo
principal é mostrar que, apesar das Prosódias, o compri-
mento de um verso é uma questão inteiramente arbitrá-
ria. Poderíamos dividir o princípio do poema de Byron
da seguinte maneira:
111
Resumindo, poderemos dar-lhe a divisão que entender-
mos, e os versos serão bons - desde que tenhamos pelo
menos dois pés em cada verso. Tal como nas matemáticas
são precisas duas unidades para fazer um número, assim
para a formação do ritmo (do Grego apt6J.LOÇ [aritmos],
número) são precisos pelos menos dois pés. Sem qual-
quer dúvida, é vulgar verem-se versos como os seguintes:
Knowye the . ..
Land where the ...
112
intenção de exemplificar a perfeição ou imperfeição do
ritmo do verso. Se tomássemos por si só:
113
tuá-lo com a curva do crescente virada para a direita[>], e
chamar-lhe um dáctilo bastardo. Um anapesto bastardo,
cuja natureza não preciso agora de ter o trabalho de ex-
plicar, ocorrerá, seguramente, uma vez por outra, num
ritmo anapéstico.
Para evitar qualquer lúpótese de confusão - que é
possível que seja introduzida num ensaio deste tipo, de-
vido a qualquer alteração demasiado radical das conven-
ções a que o leitor está acostumado - pensei ser mais cor-
recto sugerir, como sinais das acentuações do troqueu
bastardo, do jambo bastardo, etc., alguns caracteres os
quais, apenas variando a direcção do acento comum da
breve (v), deveriam implicar, o que é um facto, que os
próprios pés não são pés novos no verdadeiro sentido,
mas apenas e respectivamente modificações dos pés dos
quais retiram os seus nomes. Assim, um jambo bastardo
é, na sua essência, - ou seja, no seu tempo, - um jambo.
A variação reside apenas na distribuição deste tempo. Por
exemplo, o tempo ocupado por uma sílaba breve (ou
meio-longa) no jambo vulgar é, no bastardo, dividido
igualmente por duas sílabas as quais, de acordo com isso,
são um quarto de uma longa.
Mas este facto - o facto de a essencialidade, ou
tempo total, do pé não ser alterada - está agora presente
de modo tão claro perante o leitor que poderei, enfim,
aventurar-me a propor uma acentuação que deverá res-
ponder ao seu verdadeiro objectivo - ou seja, ao que de-
veria ser o verdadeiro objectivo de toda a acentuação - o
objectivo de exprimir aos olhos o valor relativo exacto de
cada sílaba usada nos Versos.
114
Já demonstrei que a enunciação, ou comprimento, é o
ponto a partir do qual começámos. Por outras palavras,
começamos com uma sílaba longa. Então, esta é a nossa
unidade de base, e não haverá qualquer necessidade de a
acentuar. Uma sílaba não acentuada, num sistema de
acentuação, deverá sempre ser encarada como uma sílaba
longa. Assim, um espondeu não teria acento. Numjambo,
sendo a primeira sílaba breve, ou metade de uma longa,
deveria ser acentuada com um pequeno 2, colocado de-
baixo da sílaba; sendo a última sílaba longa, não deveria
ter qualquer acento: o todo deveria ser assim:
controle
2
Num dáctilo, sendo cada uma das duas sílabas fmais me-
tade de uma longa, deveriam também ser acentuadas
com um pequeno 2 debaixo da sílaba; e, sendo deixada a
primeira sílaba sem acento, o todo deveria ser assim:
happiness
2 2
115
No dáctilo bastardo, sendo cada uma das sílabas fmais um
terço de uma longa, deveria ser acentuado com um pe-
queno 3 sob cada sílaba e o pé, no total, apresentar-se-ia
assrm:
flowers ever
3 3 3
116
mas caso ele apareça, deveremos acentuá-lo pelo pro-
cesso inverso ao do troqueu rápido. Sendo variável em
comprimento, mas sempre mais longa que a sílaba longa,
a cesura deverá ser acentuada por cima, com um número
exprimindo o comprimento ou valor do pé distintivo do
ritmo em que ocorre. Assim, a cesura, dando-se num
ritmo espondaico, deveria ser acentuada com um pe-
queno 2 por cima da sílaba, ou melhor, do pé. Ocorrendo
num ritmo dáctilo ou anapéstico, deveríamos igualmente
acentuá-la com um 2, por cima do pé. No entanto, caso
ocorresse num ritmo jâmbico, deveria ser acentuada com
1 1/2 por cima, porque este é o valor relativo do jambo.
Ocorrendo num ritmo" trocaico, claro que lhe daríamos a
mesma acentuação. No entanto, para o complexo 1 1/2,
seria aconselhável substituí-lo pela expressão mais sim-
ples 3/2 que totaliza o mesmo valor.
Neste sistema de acentuação, os versos do Sr. Cranch
atrás citados seriam escritos assim:
3/2
Many are the I thoughts that I come to I me
6 6 6
ln my llonely I musing, I
2 2 2
And they I drift so I strange and I swift
2 2 2
There's no I time for I choosing I
2 2 2
3/2
Which to I follow, I for to lleave
2 2 2
Any I seems a llosing. I
2 2 2
117
Quando no sistema vulgar a acentuação seria a seguinte:
118
Os crescentes, sendo precisamente similares, devem ser
entendidos como exprimindo, todos, uma e a mesma
coisa; e assim todas as prosódias sempre os entenderam e
desejaram que assim fossem entendidos. Claro que expri-
mem o breve; mas esta palavra tem todo o tipo de senti-
dos. Serve para representar (e ao leitor deixa-se o cargo
de adivinhar quando), às vezes a metade, às vezes um
terço, às vezes um quarto e às vezes um sexto de longo;
enquanto o próprio longo, nos livros, é deixado sem defi-
nição e por descrever. Por outro lado, pode dizer-se que
o acento horizontal exprime suficientemente bem, e com
pouca variação, as sílabas que se pretende que sejam lon-
gas. E não faz nada disso. Este acento horizontal é colo-
cado sobre a cesura (nos casos em que, como nas prosó-
dias latinas, a cesura é reconhecida) da mesma maneira
que sobre a sílaba longa normal, e implica qualquer coisa
e todas as coisa, tal como o crescente. Mas, concedendo
que exprima as sílabas longas vulgares (deixando a cesura
fora do caso), não dei eu uma expressão idêntica apenas
não usando qualquer forma de expressão? Numa palavra,
enquanto as prosódias, com um certo número de acentos
exprimem precisamente nada de nada, eu, com apenas
metade do seu número, exprimi tudo o que, num sistema
de acentuação, exige ser expresso. Lançando um olhar ao
meu sistema aplicado aos versos do Sr. Cranch poderá
ver-se que transmite não apenas a relação exacta das síla-
bas e pés entre si nesses versos particulares, mas também
o seu valor preciso em relação a outros pés ou sílabas que
se possam conceber em qualquer sistema de ritmo já
existente ou que possa vir a ser concebido.
119
O objectivo do que chamamos escansão é a marca-
ção distinta do fluir do ritmo. A escansão sem acentos ou
linhas perpendiculares entre os pés - ou seja, a escansão
apenas pela voz - é uma escansão apenas para o ouvido,
e tudo muito bem, à sua maneira. A escansão escrita di-
rige-se ao ouvido através dos olhos. Em qualquer dos ca-
sos o objectivo é a marcação distinta do fluir rítmico, mu-
sical ou de leitura. Não pode existir outro objectivo, e
não há mais nenhum. Então é evidente que a escansão e
o fluir da leitura deveriam ir de par. A primeira deveria
estar de acordo com o último. A primeira representa e
exprime o último; e é boa, ou má, segundo o representa
com verdade ou falsamente. Se, pela escansão escrita de
um verso, não nos é possível apercebermo-nos de qual-
quer ritmo ou música no verso, então, ou o verso não
tem ritmo, ou a escansão é falsa. Aplique-se isto a todos
os versos ingleses que nos vários momentos deste artigo
fomos citando. E poderá ver-se que a escanção transmite
exactamente o ritmo e assim preenche completamente o
único objectivo para o qual a escansão é requerida.
Mas deixemos que as escansões das escolas sejam apli-
cadas aos versos gregos e latinos, e que resultado encon-
tramos?- que os versos são uma coisa e a escansão outra
totalmente diferente. O verso antigo, lido em voz alta, era
geralmente musical, c ocasionalmente muito musical. Es-
candido pelas regras prosódicas, na maioria dos casos, não
conseguimos entender o que quer que seja. No caso dos
versos ingleses, quanto mais enfaticamente lutarmos com
as divisões entre os pés, tanto mais distinta será a nossa
percepção do tipo de ritmo pretendido. No caso do Grego
120
e do Latim, quanto mais os repisarmos, menos distinta é
esta percepção. Tornemos isto claro com um exemplo:
proj!Cilitors,l Oh, 111_y protator rmd my dear glory/ Time are thosc who de-
light iii gathcringl 0/impir drw 11pon the raci11g-cm;l Whv clct1rcd tire fum -
ing-post with burning wheel.! Lords of earth, thcy cany to the godsl The c:el-
ebrated palm.>> (Trad. inglesa de Anthony Kemp); [Mecenas brotou de
progenitores reais/ Oh, meu protector e minha querida glória/ Aqui estão
aqueles que se deliciam em reunir/ O pó olímpico sobre o carro de corrida,/
Que limparam a meta com rodas de Jogo./ Senhores da terra, elevam até aos
deuses/ a palma célebre.]
121
Bom, não nego que conseguimos um certo tipo de música
nestes versos se os lermos de acordo com esta escansão,
mas gostaria de chamar a atenção para o facto de esta
escansão, e o certo tipo de música que ressalta dela, estar
totalmente em conflito, não apenas com o fluir da leitura
que uma pessoa vulgar normalmente faria dos versos,
mas também com o fluir da leitura que universalmente
se lhes tem dado, e nunca lhes foi negado, mesmo pelo
mais obstinado e estúpido dos eruditos.
E agora, impõem-se-nos estas questões: <<Porque é
que existe esta discrepância entre os versos modernos e a
sua escansão, e entre os versos antigos e a sua escansão ?»
- «Porque é que, no primeiro caso, existe concordância e
representação, enquanto no último não existe nem uma
nem a outra?» - ou, chegando ao que interessa, - «Como
é que poderemos reconciliar os versos antigos com a sua
escansão escolástica?» Sendo esta conciliação absoluta-
mente necessária - deveremos referi-la supondo que a
escansão escolástica está errada porque os versos antigos
estão certos, ou mantendo que os versos antigos estão
errados porque a escansão escolástica não admite ser con-
tradita?
Tivéssemos nós que adoptar o último modo de ul-
trapassar a dificuldade, poderíamos, até um certo ponto,
simplificar a expressão da combinação apresentando-a da
seguinte maneira - Dado que os pedantes não têm olhos,
então os poetas antigos não tinham ouvidos.
Mas - dizem os senhores sem olhos - a escanção es-
colástica, embora não nos tenha sido transmitida de
modo formal pelos próprios poetas antigos (os senhores
122
sem ouvidos) é, no entanto, baconianamente 120, deduzida
a partir de certos factos que nos foram fornecidos por ob-
servação cuidadosa dos poemas antigos.
E deixem que ilustremos esta posição tão forte com
um exemplo de um poeta americano - que deverá ser um
poeta de alguma eminência, ou não estaria à altura do
caso. Deixem que usemos o Sr. Alfred B. Street 121 • Re-
cordo-me destes dois versos seus:
123
venha a deduzir um sistema de escansão para a nossa
poesia. E deixai-nos supor que este prosodista tivesse tão
pouca dependência relativamente à generalidade e imu-
tabilidade das leis da Natureza que acabasse por assumir
como princípio que, lá porque tínhamos vivido mil anos
antes do seu tempo, e porque usáva1nos máquinas a va-
por em vez de balões mesméricos 123, deveríamos ter tido
uma forma muito peculiar de dizer as nossas vogais e, no
geral, de husdsonizar 124 os nossos versos. E deixai-nos su-
por que, com estas e outras proposições fundamentais
cuidadosamente guardadas no seu cérebro, ele chegasse
ao verso:
123
Franz Anton Mesmer (1734-1815) - médico alemão que
desenvolveu um sistema de tratamento baptizado de «mesme-
rismo». Em 1775, Mesmer define a sua teoria do «magnetismo
animal», em que um fluido invisível do corpo agiria de acordo
com as leis do magnetismo, podendo pois ser activado e manipu-
lado por uma pessoa treinada. A doença seria um mau funciona-
mento/ entupimento desses fluidos; o rei Luís XVI nomeou uma
comissão para investigar as teorias de Mesmer - entre eles conta-
vam-se Benjamin Franklin e Antoine-Laurent Lavoisier.
124
N. Ed.: Referência a Henry Norman Hudson, autor de
Lectures on Shakespeare, cuja segunda edição acabara de ser publi-
cada (1848).
N. T.: Henry Norman Hudson (1814-1886) - especialista de
Shakespeare, estudioso de Wordworth, foi professor na Universi-
dade de Boston.
124
primeiro membro de um jambo, chamar-lhe-ia breve, tal
como o Sr. Street pretendia que fosse. Indo mais longe.
Se em vez de admitir a possibilidade de o Sr. Street (que
por essa altura seria chamado simplesmente Street, tal
como hoje dizemos Homero) - que o Sr. Street possa ter
tido o hábito de escrever descuidadamente, como os poe-
tas da época do próprio prosodista escreviam, e como to-
dos os poetas o farão, (com a desculpa de serem génios) -
em vez de admitir isto, suponhamos que o sábio erudito
viesse a fazer uma regra e a pô-la num livro, com o resul-
tado que, no verso americano, a vogal u, quando encon-
trada incluída entre nove consoantes, era breve. E, nestas cir-
cunstâncias, o que é que as pessoas sensatas do tempo
desse estudioso teriam direito, não apenas de dizer, mas
também de pensar desse estudioso? - ora, que era um
tolo - C'os Diabos!
Apresentei um caso extremo, mas que toca no cerne
do erro. As regras fundam-se na autoridade - e esta autori-
dade, pode alguém dizer-nos o que significa? Ou pode
alguém sugerir alguma coisa que ela possa não significar?
Não fica claro que o estudioso acima referido possa, com
igual rapidez, ter deduzido a partir da autoridade de um
sistema completamente falso, como parcialmente verda-
deiro? Deduzir uma prosódia consistente a partir da au-
toridade dos metros antigos estaria, sem dúvida, dentro
dos limites das mais evidentes possibilidades; e a tarefa
não foi levada a cabo pelo motivo de que ela exige uma
espécie de raciocínio completamente fora das capacida-
des do cérebro de um rato de biblioteca. Um escrutínio
rígido mostrará que as muito poucas regras que não têm
125
mais excepções como exemplos são aquelas que, por aci-
dente, têm as suas verdadeiras bases, não na autoridade,
mas nas eternamente prevalecentes leis da silabificação,
tais como, por exemplo, a regra que declara que antes de
duas consoantes uma vogal é longa.
Numa palavra, a grande confusão e antagonismo da
prosódia escolástica, tal como a sua notória incapacidade
de ser aplicada ao fluir da leitura dos ritmos que pretende
ilustrar são atribuíveis, primeiro, à total ausência de um
principio natural que sirva de guia nas investigações que
têm sido levadas a cabo por homens pouco adequados; e
segundo, ao negligenciar da consideração óbvia de que os
poemas antigos, que têm servido de critério único, foram
a obra de homens que devem ter escrito de modo tão
displicente, e com um sistema tão pouco definitivo como
o nosso.
Fosse Horácio vivo hoje e dividir-nos-ia a sua pri-
meira Ode do modo seguinte- e ficaria de olhos esbuga-
lhados quando os prosodistas lhe afirmassem que não
tinha o direito de fazer tal divisão:
126
Terrarum I dominas I evehit I ad Deos. I
22 22 22 22
127
em torcer o «Thanatopsis» 127 ou o «Spanish Student>> 128
adentro de uma salgalhada de troqueus, espondeus e
dáctilos.
Também poderá ser dito, por algumas outras pes-
soas, que na palavra decus não alcancei melhores resulta-
dos que os dos livros, obrigando a escanção a concordar
com o fluir da leitura; e que decus não era pronunciado
decus. E responderei que não pode haver qualquer dúvida
de que a palavra tenha sido pronunciada, neste caso,
decus. Deverá observar-se que a inflexão latina, ou varia-
ção de uma palavra na sua sílaba final, obrigava os roma-
nos- deve tê-los obrigado a isso- a dar muito mais aten-
ção ao final de um substantivo do que ao seu começo,
mais do que nós damos ao fmal dos nossos. O fim da pa-
lavra latina estabelecia a relação da palavra com outras
palavras, a que nós estabelecemos com o uso de preposi-
ções ou verbos auxiliares. Portanto, parecer-lhes-ia infmi-
tamente menos estranho a eles do que nos parece a nós,
demorar-se em qualquer altura, por qualquer leve mo-
tivo, anormalmente, numa sílaba fmal. Nos poemas, esta
liberdade - quase nunca uma liberdade - seria frequente-
mente permitida. Estas ideias revelam o segredo de ver-
sos como os seguintes:
127
«Thanatopsis)) - poema que se diz marcar, em 1817, o irú-
cio da poesia americana.
Entre Junho de 1835 e Abril de 1845, Poe sustentou uma polémica
em jornais e revistas em torno dos poemas de Longfellow.
128
<<Spanish Student>> (1843) de Longfellow.
129
Veja nota 94.
128
ou estes:
129
mas porque os livros não tinham qualquer ideia sobre a
existência de um dáctilo bastardo, deram-lhe imediata-
mente uma pancada na cabeça- c01:1:ando-lhe o rabo.
Deixem-me agora dar uma amostra da verdadeira
escansão de outra medida horaciana 131 - incorporando
um exemplo de elisão apropriada:
Integer I vit<:e I scelerisque I purus I
2 2 3 3 3
131
N. Ed. - Horácio, Odes, 1,21 - <<He whose life is upright, puri-
fledl From guilt, needs no Moorish darts no r bow/ Nor quivers, Fuscus/ Full
of poisonous arrows.» (Trad. Anthony Kemp); [Aquele cuja vida é recta,
purificada/ Da culpa, não precisa de dardos Mouros, ou Arcos/ Nem treme,
Fusco/ Cheio de setas envenenadas].
130
No entanto, não o poderei fazer se omitir qualquer
menção ao hexâmetro heróico.
Comecei o «processo» com uma sugestão de que o
espondeu é o primeiro passo em direcção aos versos. Mas
a monotonia inata do espondeu levou a que, enquanto
base do ritmo, desaparecesse de toda a poesia moderna.
Claro que poderemos dizer que a medida heróica francesa
- o verso mais desgraçadamente monótono que existe -
para todos os efeitos e intenções, é espondaico. Mas não
é intencionalmente espondaico - e se os franceses al-
guma vez se interessassem sequer em examiná-lo, sem
dúvida que o pronunciariam como jâmbico. Deverá ob-
servar-se que a língua francesa é particularmente estra-
nha neste aspecto - que não tem acentuação} logo não tem
versos. O génio do povo, mais do que a estrutura da lm-
gua, declara que as suas palavras, na sua maior parte, são
enunciadas com uma pausa uniforme em cada sílaba. Por
exemplo, nós dizemos «silabificação». Um francês diria
«si-la-bi-fi-ca-ção; sem nenhuma pausa em qualquer das
sílabas em particular. Aqui de novo apresento um caso
extremo, de modo a que possa ser bem compreendido;
mas o facto geral é como disse - que, comparativamente,
os franceses não têm acentuação. E que nada pode mere-
cer o nome de versos sem ela. Portanto, os franceses não
têm versos que mereçam esse nome - o que é um facto,
posto em termos bastante claros. O ritmo jâmbico deles é
de tal modo recheado em excesso de espondeus absolu-
tos que me justificam quando digo que a sua base é es-
pondaica; mas o francês é a única lmgua moderna que
tem qualquer ritmo com tal base; e mesmo no francês,
como disse, não é intencional.
131
No entanto, admitindo a validade da minha sugestão
de que o espondeu era a primeira aproximação ao verso,
deveríamos esperar, primeiro, encontrar com abundância
espondeus naturais (palavras que sozinhas formassem
um espondeu) nas línguas mais antigas; e segundo, seria
de esperar que encontrássemos espondeus a formar a base
dos ritmos mais antigos. Estas expectativas são confirma-
das em ambos os casos.
No hexâmetro grego, a base intencional é espon-
daíca. Os dáctilos são a variação do tema. Deverá obser-
var-se que não existe qualquer certeza quanto aos seus
pontos de interposição. É verdade que o penúltimo pé
normalmente é um dáctilo; mas não de modo uniforme;
enquanto o último, no qual o ouvido se demora, é sem-
pre um espondeu. Mesmo que o penúltimo seja usual-
mente um dáctilo, pode ser claramente referido à neces-
sidade de culminar com o espondeu distintivo. De novo,
a corroborar esta ideia, deveríamos procurar encontrar o
espondeu mais comum nos versos mais antigos; e, de
acordo com isto, encontramo-lo mais frequentemente no
hexâmetro grego que no latino.
Mas para além de tudo isto, os espondeus não são
mais prevalentes do que os dáctilos no hexâmetro he-
róico, mas ocorrem com tal frequência que podem até
tornar-se desagradáveis ao ouvido moderno devido à sua
monotonia. O que os modernos mais apreciam e admi-
ram no hexâmetro grego é a melodia resultante da abundân-
cia de sons vocálicas. Os hexâmetros latinos agradam real-
mente a muito poucos dos modernos - embora tantos
pretendam entrar em êxtase com eles. Nos hexâmetros
132
de Silicus Italicus citados algumas páginas atrás, a prepon-
derância do espondeu é manifesta de modo impressio-
nante. Para além dos espondeus naturais do grego e do
latim, uma enorme quantidade de espondeus artificiais
nascem nos versos destas línguas devido à tendência que
têm as declinações de atirar a acentuação total para cima
das sílabas finais; e a preponderância do espondeu fica
ainda mais assegurada pela comparativa falta de frequên-
cia das pequenas preposições que nós temos para nos
servirem em vez dos casos declinados, e também da au-
sência dos diminutos verbos auxiliares com os quais nós
temos que completar a expressão dos verbos primários.
Estes são os monossílabos cuja abundância serve para cu-
nhar o génio poético de uma linguagem assim saltitante
ou dactílica.
Agora, sem prestar qualquer atenção a estes factos,
Sir Philip Sidney 132, o Professor Longfellow, e um sem
número de outras pessoas mais ou menos modernas têm-
-se atarefado a construir o que eles pensaram ser «hexâ-
metros ingleses segundo o modelo dos gregos». A única
dificuldade reside no facto de que (mesmo deixando de
fora a questão das melodiosas massas de vogais) estes se-
nhores nunca conseguiram que os seus hexâmetros ingle-
ses soassem como os gregos. Será que pareciam gregos? -
essa deveria ter sido a questão; e a resposta poderia ter
133
levado à solução do enigma. Colocando uma cópia de
hexâmetros antigos lado a lado com uma cópia (similar
no tipo) de hexâmetros tais como os que o Professor
Longfellow, ou o Professor Felton 133 , ou colectivamente
os professores Frogpondian 13 4, estão na vergonhosa prá-
tica de compor segundo «o modelo dos gregos», ver-se-á
que os últimos (os hexâmetros, não os professores) são, à
vista e em média, pelo menos um terço mais longos que
os primeiros. É a maior abundância de dáctilos que faz a
diferença. E é maior o número de espondeus no grego
do que no inglês - na língua antiga do que na moderna -
e isto levou a que fossem incompatíveis. Entretanto, estes
eminentes estudiosos andavam às apalpadelas no escuro à
procura de um hexâmetro grego - o qual é um ritmo
espondaico variando aqui e ali pela introdução de dáctilos
- e apenas, para duradoiro escândalo da academia, apenas
tropeçaram em qualquer coisa que, tendo em conta o
comprimento das suas pernas, poderemos bem chamar
de um hexâmetro Feltoniano, o qual será um ritmo dac-
tílico, raramente interrompido por espondeus artificiais,
que não são sequer espondeus, e que, curiosamente, são
133
Cornelius Conway Felton (1807-1862) -professor de la-
tim e grego em Concord, Boston, e depois em Harvard. Fez tradu-
ções de vários autores gregos e latinos, da Ilíada - Homerou !lias.
The Iliad ofHomer,J. Munroe and company, Boston, 1844.
134
N . Ed.: Felton tinha defendido os hexâmetros «bastardos»
de Longfellow na North American Review, 55 (1842), pp. 114-44;
«Frongpodian» é o nome dado por Poe à «inteligentsia» de Boston
e professores de Harvard, derivado do charco de rãs dos baldios de
Boston, e aparentemente aludindo à história das rãs e do rei Log
nas Fábulas de Esopo.
134
acrescentados pelos calcanhares em todo o tipo de mo-
mentos impróprios e pouco pertinentes.
Eis aqui um exemplo de um hexâmetro Longfellow-
tano:
Also the I church with I in was a I dorned for I this was the I
[season
ln which the I young their I parents' I hope and the lloved ones
[of I Heaven I
Should at the I foot of the I altar re I new the I vows of their I
[baptism I
Therefore each I nook and I comer was I swept and I cleaned
[and the I dust was I
Blown from the I walls and I ceiling and I from the I oil-painted
135
[ 1 benches 1
135
Assim cada recanto e esquina foi varrido e limpo; e o pó
Foi soprado das paredes e do tecto, e dos bancos pintados a óleo.]
Also the church within was adorned; for this was the sea-
son in which the young, their parents' hope, and the
loved ones of Heaven, should, at the foot of the altar, re-
new the vows of their baptism. Therefore each nook and
comer was swept and cleaned; and the dust was blown
from the walls and ceiling; and from the oil-painted
benches.
136
Mas mesmo quando deixamos estes hexâmetros
modernos passar por gregos, e apenas os reconhecemos
forçosamente na sua qualidade própria de Longfellowia-
nos, ou Feltonnianos, ou Frogpondianos, temos ainda que
os condenar por terem sido concebidos segundo uma con-
cepção radicalmente errada da filosofia dos versos. Como
já observei, o espondeu é o tema do verso grego. A maio-
ria dos hexâmetros antigos começa com espondeus, pela
simples razão de que o espondeu é o tema; e o ouvido en-
che-se com ele como se fosse um fardo. Agora, do mesmo
modo, os dactílicos feltonianos têm os dáctilos por tema, e
a maior parte deles começa com dáctilos - o que é tudo
muito certo, embora não seja muito grego - mas, infeliz-
mente, aquele ponto em que eles são muito gregos é
exactamente o ponto em que eles não deveriam ser outra
coisa se não feltonianos. Fecham sempre com o que se
pretende seja um espondeu. Para serem consistentemente
idiotas, deveriam deixar-se acabar com um dáctilo.
No entanto, que um hexâmetro verdadeiramente
grego não possa ser facilmente composto em inglês, é
uma afirmação que não estou de modo algum disposto a
admitir. Penso que poderia resolver eu próprio o assunto.
Por exemplo:
137
[Digam-me! Quando poderemos esperar tomar sábios os
[Pânditas
N asei dos e criados com os focinhos a chafurdar na lama dos
[charcos?
Para quê perguntar? Quem já viu fazer-se dinheiro com um
[velho e gordo
Judeu, ou logo endireitar nozes-moscadas a partir de um nó de
[pinho?]
138
O PRINCÍPIO POÉTICO
O Princípio Poético
111
Sem dúvida que muitos encontraram dificuldades
em reconciliar a máxima dos críticos, de que O Paraíso
Perdido é para ser devotamente admirado de uma ponta
a outra, com a impossibilidade absoluta de manter relati-
vamente a ele, durante uma leitura atenta, a quantidade
de entusiasmo que essa máxima da crítica exigiria. Esta
grande obra, de facto, só pode ser considerada poética
quando, perdendo de vista esse requisito vital para todas
as obras de Arte, que é a Unidade, a encaramos apenas
como uma série de pequenos poemas. Se, para preser-
varmos a sua Unidade - a totalidade do seu efeito ou
impressão -, o lermos (como seria necessário) de uma
única assentada, o resultado será uma alternância cons-
tante entre a excitação e a depressão. Depois de uma
passagem do que sentimos ser verdadeira poesia, segue-
-se, inevitavelmente, um momento de insipidez, o qual,
nenhum julgamento crítico prévio nos consegue obrigar
a admirar; mas se, depois de termos chegado ao fim da
obra, a lermos de novo - omitindo o primeiro livro, ou
seja, começando pelo segundo -, ficaremos surpreendi-
dos por agora acharmos admirável o que anteriormente
havíamos condenado - e detestável o que antes tanto tí-
nhamos admirado. Segue-se de tudo isto que o efeito úl-
timo, de conjunto, ou absoluto, mesmo da melhor obra
épica debaixo do sol, é uma nulidade: e é este precisa-
mente o caso.
No que respeita à Ilíada, temos, se não prova con-
creta, pelo menos motivos muito sólidos para acreditar
que se pretendia uma série de poema líricos; mas,
outorgando-lhe a intenção épica, só posso dizer que
142
a obra se baseia numa noção imperfeita do que é a
Arte. Relativamente ao seu espúrio modelo antigo, a
épica moderna é apenas uma imitação irreflectida e
cega. Mas o tempo destas anomalias artísticas acabou.
Se, em qualquer altura, algum poema muito longo foi
de facto popular, o que duvido, pelo menos fica claro
que nenhum poema muito longo poderá vir a ser po-
pular outra vez.
Que a extensão de uma obra poética seja ceteris pari-
bus, a medida do seu mérito, quando assim a expomos,
parece indubitavelmente uma proposta bastante absurda
- no entanto, devemo-la às Quaterly Reviews. Segura-
mente, não existirá nada apenas no tamanho considerado
de modo abstracto - não pode existir nada no mero ta-
manho, no que respeita apenas ao volume, que tenha tão
continuamente suscitado a admiração desses panfletos sa-
turninos! Decerto que, pelo simples sentimento da mag-
nitude tisica que transmite, uma montanha impressiona-nos
com o sentimento do sublime - mas nenhum homem se
impressiona desse modo com a grandeza material nem da
própria Columbíada 137 • Nem sequer os Quaterlies nos
condicionaram para que ficássemos assim tão impressio-
nados com ela. Até agora, ainda não insistiram para que
143
apreciássemos Lamartine 138 pelo pé cúbico, ou Pollock 139
pelo peso da libra - mas que mais podemos inferir da sua
habitual tagarelice acerca do esforço sustentado? Se, com es-
forço sustentado, qualquer pequeno cavalheiro conseguiu
produzir uma epopeia, louvemo-lo francamente pelo es-
forço - se isto for, de facto uma coisa louvável -, mas dei-
xem que nos abstenhamos de louvar a epopeia por causa
do esforço. Espera-se que, em tempos futuros, o senso
comum prefira decidir-se quanto a uma obra de arte
mais pela impressão que ela causa, pelo efeito que suscita,
do que pelo tempo que levou a imprimir esse efeito, ou
pela quantidade de esforço sustentado que se entendeu
ser necessário para causar tal impressão. O facto é que a
perseverança é uma coisa e o génio outra completamente
diferente - nem todos os Quaterlies da cristandade podem
confundi-los. A pouco e pouco, esta proposta, junto com
muitas outras que tenho vindo insistentemente a apre-
sentar, será aceite como evidente. Entretanto, mesmo
sendo condenadas no geral como falsas, não serão afecta-
das na sua essência enquanto verdades.
Por outro lado, é claro que um poema pode ser des-
propositadamente breve. A brevidade indevida degenera
no mero epigramatismo. Um poema muito curto, en-
quanto produz um efeito brilhante, vívido, aqui e ali,
144
nunca produz um efeito profundo ou duradouro. Deve
exercer a pressão segura do selo sobre a cera. De Béran-
ger 140 fmjou coisas inumeráveis, pungentes e que agitam
o espírito; mas, em geral, têm sido demasiado imponde-
ráveis para se gravarem profundamente na atenção do
público; e assim, como tantas plumas da fantasia, foram
sopradas para o alto apenas, para logo se perderem leva-
das pelo vento.
Um exemplo notável do efeito da brevidade despro-
positada que reprime o poema - que o mantém longe
das vistas populares - é oferecido pela delicada e pequena
Serenata que se segue:
145
As I must die on thine,
O, beloved as thou art!
146
Oh, levanta-me da relva!
Eu morro, desmaio, desfaleço!
Deixa teu amor chover em beijos
Sobre meus lábios e pálpebras pálidos.
A minha face está fria e branca, infeliz!
O meu coração bate alto e depressa;
Oh, aperta-o contra o teu outra vez,
Onde por fim se quebrará!
141
Percy Bysshe Shelley (1792-1822) -poeta romântico in-
glês, autor de, entre outros, Queen Mab: A Philosophical Poem
(1813), The Revolt of Islam (1818) e Prometheus Unbound: A
Lyrical Drama, (1820).
142 Veja nota 104.
147
Alone walk'd she; but, viewlessly,
Walk'd spirits at her side.
148
[As sombras caíam ao longo da Broadway
Estava perto a maré do crepúsculo ...
Por ali lentamente uma bela senhora
Ia andando no seu esplendor.
Caminhava só; mas invisíveis
Espíritos caminhavam a seu lado.
149
Pois, como as loucas preces do amor se dissolvem no ar,
O seu coração de mulher cedeu!. ..
E o pecado perdoado por Cristo no Céu
Pelo homem é sempre amaldiçoado!]
150
simplesmente pelo amor ao poema em si, e reconhecer
que foi apenas este o nosso objectivo, seria confessarmo-
-nos radicalmente falhos da verdadeira dignidade e força
poéticas: - mas o simples facto é que, caso nos permitís-
semos olhar bem dentro das nossas próprias almas, aí
descobriríamos imediatamente que, debaixo do sol, nem
existe, nem pode existir, um trabalho mais inteiramente
digno - mais superiormente nobre que este mesmo
poema - este poema per se - este poema que é um poema
e nada mais - este poema escrito apenas por amor ao
poema.
Apesar de tudo, e com uma reverência pela Verdade
tão profunda como nunca outra inspirou peito humano,
eu, no entanto, limitaria, em alguma medida, os seus
modos de inculcação. Limitá-los-ia para os fazer cumprir.
Não os enfraqueceria por dissipação. As exigências da
Verdade são severas. Ela não tem compaixão para com as
murtas 143 • Tudo aquilo que é tão indispensável numa
Canção, é precisamente tudo aquilo com o qual ela não
tem nada a ver. Não é mais que torná-la num paradoxo
ostentatório, engrinaldá-la em pedras preciosas e flores.
Para impor uma verdade, precisamos mais de severidade
do que de eflorescências da linguagem. Temos que ser
simples, precisos, concisos. Necessitamos de ser fi-ios, cal-
mos, desapaixonados. Numa palavra, devemos estar nessa
disposição que, tanto quanto possível, seja o exacto
oposto da poética. Com certeza que deve ser cego aquele
143
Na antiguidade greco-romana, a murta era a planta dedi-
cada a Vénus e era usada como emblema do amor nas grinaldas e
outras decorações.
151
que não percebe as diferenças radicais e abissais entre os
modos de inculcação da verdade e da poesia. Deve ser
um louco pela teoria e sem redenção possível aquele que,
apesar destas diferenças, persiste ainda na tentativa de
reconciliar os obstinados azeites e águas da Poesia e da
Verdade.
Dividindo o mundo da mente nas suas três distin-
ções mais imediatas e óbvias, encontramos o Puro Inte-
lecto, o Gosto e o Sentido Moral 144 • Coloco o Gosto no
meio porque é apenas essa a posição que ele ocupa na
mente. Mantém conexões íntimas com os dois extremos;
mas está separado do Sentido Moral por uma diferença
tão ténue que Aristóteles não hesitou em situar algumas
das suas operações por entre as próprias virtudes. No en-
tanto, encontramos os ofícios do trio marcados de modo
suficientemente distinto. Da mesma maneira que o Inte-
lecto se preocupa com a Verdade, assim o Gosto nos
informa sobre o Belo, enquanto o Sentido Moral se res-
ponsabiliza pelo Dever. Deste último, enquanto a Cons-
ciência ensina a obrigação, e a Razão o expediente, o
Gosto contenta-se com o exibir das suas seduções: - apos-
tando na guerra contra o Vício, tendo como fundamento
apenas a sua deformidade - a sua desproporção - a sua
animosidade ao decoro, ao apropriado, ao harmonioso -
numa palavra, à Beleza.
144
N. Ed.: O paradigma tripartido da Introdução à Crítica da
Faculdade do Juízo de Imanuel Kant.
152
Um instinto imortal, profundamente arreigado no
espírito do homem, é assim, e claramente, o sentido do
Belo. É este quem administra, de acordo com o seu pra-
zer, as mais variadas formas, e sons, e odores, e sentimen-
tos, por entre os quais existe. E da mesma maneira que o
lírio se repete no lago, ou os olhos de Amarilis no espe-
lho, assim a mera repetição oral ou escrita dessas formas,
e sons, e cores, e cheiros, e sentimentos, é uma duplica-
ção, fonte de deleite. Mas esta mera repetição não é poe-
sia. Aquele que deva simplesmente cantar, por maior que
seja o seu incandescente entusiasmo, ou por mais vívida
que seja a verdade da descrição das visões, e sons, e odo-
res, e cores, e sentimentos, que o saúdam em comunhão
com toda a humanidade - esse, digo eu, continua ainda
sem poder provar o seu título divino. Existe ainda uma
pequena coisa na distância que ele não foi capaz de atin-
gir. Nós temos ainda uma sede insaciável, e para a aliviar
ele não nos mostrou ainda as fontes de cristal. Esta sede
pertence à imortalidade do Homem. É simultaneamente
uma consequência e a indicação da sua existência perene.
É o anseio da borboleta pela estrela. Não é uma mera
apreciação da Beleza em frente de nós -, mas um esforço
selvagem para alcançar a Beleza superior.
Inspirados por uma presciência extática das glórias
existentes além-túmulo, lutamos para, através de combi-
nações multiformes por entre as coisas e os pensamentos
do Tempo, atingir uma porção dessa Beleza cujos elemen-
tos verdadeiros talvez só pertençam à própria eternidade.
E assim, quando através da Poesia - ou pela Música, o
mais arrebatador dos modos poéticos - nos encontramos
153
desfeitos em lágrimas - choramos então - não, como o
supõe o Abade Gravina 145, por um excesso de prazer, mas
por uma certa dor, petulante, impaciente, face à nossa
inabilidade de agarrar, agora, totahnente, aqui, na terra, de
uma vez para sempre, essas alegrias divinas e extasiantes,
das quais conseguimos alcançar através do poema, ou atra-
vés da música, apenas breves e indeterminados vislumbres.
O esforço para apreender a Beleza sobrenatural -
esta luta da parte das almas apropriadamente constituídas
- deu ao mundo tudo isso que ele (o mundo) sempre
foi capaz de, simultaneamente, entender e sentir como
poético.
É evidente que o Sentimento Poético se pode desen-
volver por meios variados - na Pintura, na Escultura, na
Arquitectura, na Dança - muito especialmente na Mú-
sica - e muito peculiarmente, e com um campo alargado,
na composição do Jardim de Paisagem. No entanto, o
nosso tema actual refere-se apenas à sua manifestação por
palavras. E aqui, permiti-me que fale brevemente na
questão do ritmo. Contentando-me com a certeza de que
a Música, nos seus variados modos de metro, ritmo e
rima, é de tão vasto peso na Poesia que sabiamente nunca
poderá ser rejeitada - é um adjuvante tão vitahnente im-
portante que é simplesmente tolo aquele que declina o
145
Giovanni Gianvincenzo Gravina (1664-1718) -jurista e
literato, um dos fundadores da «Academia degli Arcadi» de Roma,
dedicada à poesia. Escreve livros jurídicos, e sobre literatura: Delle
antiche favole (1696); Della Ragione Poetica libri due (1709;
1716); Tragedie cinque (1712); Orationes et Opuscula (1712;
1713); Della tragedia libro uno (1715).
154
seu apoio, e nem sequer farei agora uma pausa para rea-
firmar a sua absoluta essencialidade. É talvez na Música
que a alma mais de perto atinge o grande objectivo pelo
qual luta, quando inspirada pelo Sentimento Poético - a
criação da Beleza supernatural. Pode ser que, de facto,
este objectivo sublime seja, aqui, de vez em quando, con-
cretamente alcançado. Muitas vezes nos fazem sentir,
com um arrepio de prazer, que de uma harpa terrena são
tiradas as notas que devem ser familiares aos anjos. E assim
ficam poucas dúvidas que na união da Poesia com a Mú-
sica, no seu sentido popular, encontramos o campo mais
vasto para o desenvolvimento Poético. Os antigos Bardos
e Menestréis tinham vantagens que nós não possuímos -
e Thomas Moore 146, ao cantar as suas próprias composi-
ções, estava, da maneira mais legítima, a aperfeiçoá-las
enquanto poemas.
Recapitulemos, então. De modo breve, definiria a
Poesia de palavras como A Criação Rítmica da Beleza. O
seu único árbitro é o Gosto. O qual só terá relações cola-
terais com o Intelecto, ou a com a Consciência. A não ser
incidentalmente, não tem qualquer relação com o Dever,
ou com a Verdade.
146
Thomas Moore (1779-1852) - poeta irlandês, satirista,
compositor e músico. Amigo e Shelley e Byron, autor de The Poe-
tical Works of Thomas Little (1801); Lalla Rookh: An Oriental
Romance (1817); e The Loves of the Angels (1823) entre outros;
Poe refere-se ainda a A Selection of Irish Melodies (1808) e Irish
Melodies (1808-1834) em dez volumes. É criticado por Poe: Al-
ciphron, a Poem, no B 11 rton's Gentleman's Magazine, em Janeiro de
1840, pp. 53-56.
155
No entanto, algumas palavras exploratórias. Esse pra-
zer que é, ao mesmo tempo, o mais puro, o mais exal-
tante e o mais intenso deriva, afirmo-o, da contemplação
do Belo. Só e apenas na contemplação do Belo achamos
que seja possível atingir essa deleitável elevação, ou exci-
tação da alma, a qual reconhecemos como o Sentimento
Poético, e que é tão facilmente distinguível da Verdade, a
qual é a satisfação da Razão, ou da Paixão, que é a excita-
ção do coração. Assim, faço da Beleza - usando a palavra
como incluindo o sublime -, eu faço da Beleza a provín-
cia do poema, simplesmente porque é uma regra óbvia
da Arte que os efeitos devam nascer o mais directamente
possível da causa: - ninguém terá sido até agora suficien-
temente fraco para negar que a peculiar elevação em
causa é, pelo menos, o mais prontamente possível atin-
gida no poema. No entanto, não se segue, de maneira
nenhuma, que os incitamentos da Paixão, ou os preceitos
do Dever, ou mesmo as lições da Verdade, não possam
ser introduzidos num poema, e com vantagens; porque
eles podem, acidentalmente, ser úteis, de vários modos,
aos propósitos gerais da obra: - mas o verdadeiro artista
procurará sempre fmjar o modo de as atenuar numa ade-
quada sujeição à Beleza, que é a atmosfera e verdadeira
essência do poema.
Não poderia introduzir melhor os poucos poemas
que vou apresentar à vossa consideração, do que pela ci-
tação do proémio de «Waif» [Abandonado) do senhor
Longfellow:
156
The day is done, and the darkness
Falis from the wings of Night,
As a feather is wafted downward
From an Eagle in his flight.
157
Read from some humbler poet,
Whose songs gushed frqm his heart,
As showers from the clouds of summer,
Or tears from the eyelids start;
158
Vejo as luzes da aldeia cintilar
Por entre a chuva e a neblina
E invade-me um sentimento de tristeza
Ao qual minha alma não resiste;
159
Um que, após longos dias de labor,
E noites despojadas de paz,
Ainda tenha ouvido na sua ahna
A música de maravilhosas melodias.
160
A ideia da última quadra também produz um bom
efeito. No entanto, no seu todo, o poema deverá ser
principalmente admirado pela graciosa insouciance 147 dos
seus metros, tão de acordo com o carácter dos sentimen-
tos e, especiahnente, pela facilidade do seu tom geral. Há
muito que é moda considerar a facilidade, ou naturalidade,
num estilo literário, como apenas aparente - como um
ponto muito difícil de atingir. Mas não é assim: - um
modo natural é difícil só para aquele que nunca deveria
ter-se metido com ele - o afectado. É apenas o resultado
de escrever com a compreensão, ou com o instinto, de
que, numa composição, o tom deveria ser sempre aquele
que a maioria dos homens adoptaria - o qual, é evidente,
deve variar sempre com a ocasião. O autor que, de
acordo com a moda de The Northern American Review, de-
veria estar em todas as ocasiões, apenas silencioso, deverá
necessariamente, em muitas ocasiões, ser meramente tolo
ou estúpido; e tem tanto o direito de ser considerado fá-
cil, ou natural, quanto um peralvilho Cockney 148 ou a
Bela Adormecida no Museu da Cera.
Por entre os poemas menores de Bryant 149, nenhum
me impressionou mais do que aquele que ele intitula
«]une» [Junho]. Cito apenas parte:
161
There, through the long, long surnmer hours,
The golden light should lie,
And thick young herbs and groups of flowers
Stand in their beauty by.
The oriole should build and tell
His lave-tale, dose beside my cell;
The idle butterfly
Should rest him there, and there be heard
The housewife-bee and hurnming bird.
162
These to their soften'd hearts should bear
The thoughts of what has been,
And speak of one who cannot share
The gladness of the scene;
Whose part in all the pomp that fi.lls
The circuit of the summer hills,
Is- that his grave is green;
And deeply would their hearts rejoice
To h e ar again his living voice.
163
Eu sei, eu sei que não poderia ver
A exibição da gloriosa estação
Nem a sua luz iria brilhar para mim,
Nem a sua silvestre música fluir;
Mas se,junto ao sítio do meu sono,
Os amigos que amo viessem carpir,
Poderiam não ter pressa em partir.
Ares doces e as canções, a luz e as flores
Fá-los-iam demorar-se junto à minha campa.
164
semelhante, deixai-me recordar-vos que (como, ou por-
quê, não o sabemos) este seguro toque de tristeza está in-
separavelmente ligado a todas as manifestações da verda-
deira Beleza. É, no entanto:
165
Her every tone is musics own,
Like those of morning birds,
And something more than melody
Dwells ever in her words;
The coinage of her heart are they,
And from her lips each flows
As one may see the burden'd be
Forth issue from the rase.
166
The seeming paragon-
Her health! and would on earth there stood,
Some more of such a frame,
That life might be all poetry,
And weariness a name.
167
Sucessivamente nas suas imagens ...
O ídolo de tempos passados!
168
as suas hipérboles por causa da evidente sinceridade com
que foram proferidas.
No entanto, não é de modo algum intenção minha
expandir-me sobre os méritos do que vos deverei ler. Es-
tes necessariamente falarão por si. Boccalini 151 , nos seus
Conselhos do Parnaso, diz-nos que Zoilus uma vez apre-
sentou a Zeus uma crítica muito cáustica sobre um livro
admirável - após o que o deus lhe pediu que enumerasse
as belezas do trabalho. Ele respondeu que apenas se
preocupara com os erros. Ouvindo isto, Apolo, dando-
-lhe um saco de trigo não peneirado, disse-lhe que reco-
lhesse toda a palha como pagamento.
Assim, esta fábula funciona muito bem como uma
censura aos críticos - mas, de qualquer modo, não tenho
a certeza de que o deus estivesse certo. Não posso ter a
certeza de que os verdadeiros limites do dever do crítico
não tenham sido grosseiramente mal interpretados. A ex-
celência, especialmente num poema, pode ser conside-
rada à luz de um axioma, que necessita apenas de ser cor-
rectamente apresentado para se tornar auto-evidente. Não
é excelente se precisa de ser demonstrado enquanto tal: -
e assim, apontar com excessiva minúcia os méritos de
uma obra de Arte é admitir que não são de facto méritos.
Por entre as Melodias 152 de Thomas Moore, há uma
cujo carácter distinto de poema enquanto tal parece ter
151
Traiano Boccalini (1556-1613) -prosador satirista e escri-
tor politico anti-castelhano. Escreveu Ragguagli di Parnaso
(1612-13) uma sátira fantástica, de 291 cartas irónicas, de homens
sábios de todos os tempos, sobre arte, literarura, e política; têm
continuação póstuma em Pierra del paragone politico (1614).
152 Veja nota 146.
169
sido singularmente deixado fora da vista. Refiro-me aos
versos que começam «Come, rest in this bosom ... »
(Vem, descansa neste peito .. .]. A energia intensa da sua
expressão não é ultrapassada por nada em Byron. Há dois
versos em que se transmite um sentimento que encarna
o tudo em tudo da divina paixão do amor - um senti-
mento que, talvez, tenha encontrado o seu eco em mais,
e mais apaixonados corações humanos do que qualquer
outro único sentimento jamais incarnado por palavras:
Oh! what was love made for, if 'tis not the sarne
Throughjoy and through torment, through glory and shame?
I know not, I ask not, if guilt's in that heart,
I but know that I love thee, whatever thou art.
170
Oh! Para que serve o amor se não se mantém igual
Na alegria e no tormento, na glória e na vergonha?
Não sei, nem pergunto se há culpas no teu coração,
Mas sei que te amo, o que quer que tu sejas.
171
foi Thomas Hood 153 • O seu poema «Fair Ines» [Bela
Inês] teve sempre, para mim, um encanto inexplicável:
153
Thomas Hood (1799-1845) - poeta inglês que inspira
uma escola de protesto social - por causa do poema «The Song of
the Shirt)).
172
That he should cross the seas to win
The dearest of the dear?
173
[Oh! Não viram aí a bela Inês?
Ela partiu para o Oeste,
Para deslumbrar após o sol-pôr,
E roubar o descanso ao mundo;
Levou consigo a luz do dia,
Os sorrisos que mais amamos,
As rosetas matinais da sua face,
E as pérolas sobre o seu peito.
174
E pendões esvoaçando adiante;
E jovens gentis e donzelas alegres,
E plumas de neve usavam todos:
Teria sido um sonho bem lindo
Se não tivesse sido mais que isso.
175
não seja adequado para os objectivos desta conferência.
Em seu lugar, permiti-me que vos ofereça o universal-
mente apreciado «Bridge ofSighs» [Ponte dos Suspiros]:
176
Rash and undutiful;
Past ali dishonor,
Death has lefi: on her
Only the beautiful.
177
Sisterly, brotherly,
Fatherly, motherly,
Feelings had changed:
Love, by harsh evidence,
Thrown from its erninence,
Seeming estranged.
178
Picture it,- think of it,
Dissolute Man!
Lave in it, drink of it
Then, if you can!
Dreadfully staring
Through muddy impurity,
As when with the daring
Last look of despairing
Fixed on futurity.
Perishing gloomily,
Spurred by contumely,
Cold inhumanity,
Burning insanity,
Into her rest,-
Cross her hands humbly,
As if praying dumbly,
Over her breast!
179
Owning her weakness,
Her evil behaviour,
And leaving, with meekness,
Her sins to her Saviour!
Peguem-lhe ternamente
Levantem-na com cuidado;
É tão elegante
Tão jovem e bela!
180
Precipitada e indevida:
Para lá de toda a desonra,
A morte deixou nela
Apenas a beleza.
181
De Irmão, irmãmente,
Paternal, maternalmente,
Os sentimentos mudaram:
O amor, por provas rudes
Foi destituído da sua eminência
E até a Divina providência
Parecia indiferente.
182
Por cima da borda dele,
Imagina-o - pensa nisso,
Homem dissoluto!
Lava-te nele, bebe dele
Depois, se puderes!
Peguem-lhe ternamente
Levantem-na com cuidado;
É tão elegante
Tão jovem e bela!
Horrivelmente a olhar
Pela impureza enlameada
Igual ao último e ousado
Olhar de desespero
Fixo da futuridade.
Perecendo sombrios,
Espicaçados pelo insulto,
Pela fria desumanidade
E ardente loucura
Adentro do seu descanso.
Cruzem-lhe as mãos humildemente
183
Como se rezando em silêncio,
Sobre o peito dela!
154
Veja nota 117.
184
I do not believe it beguiling,
Because it rerninds me of thine,
And when winds are at war with the ocean,
As the breasts I believed in with me,
If their billows excite an emotion,
lt is that they bear me from thee.
185
And more than I once could foresee,
I have found that whatever it lost me,
lt could not deprive me of thee.
186
Apesar de a rocha da minha última esperança estar quebrada
E os seus fragmentos se terem afundado nas vagas,
Apesar de eu sentir que a minha alma foi entregue
À mágoa - não será a sua escrava.
Há aqui muitas dores para me perseguirem:
Podem esmagar-me, mas não me diminuirão;
Podem torturar-me, mas não me subjugarão;
É em ti que eu penso, e não nelas.
187
No deserto uma fonte está a nascer
Na vasta aridez ainda existe uma árvore
E um pássaro na solidão a cantar
Que fala ao meu espírito de ti.]
155
Alfred Tennyson, 1.0 Barão Aldworth and Freshwater
(1809-1892) -poeta inglês considerado como o grande represen-
tante do período vitmiano.
188
Rise in the heart, and gather to the eyes,
ln looking on the happy Autumn fields,
And thinking of the days that are no more.
189
a afundar-se com tudo o que amamos abaixo da margem;
Tão tristes, tão frescos, os dias que não voltam mais.
190
atingir da Verdade, somos levados a perceber uma har-
monia onde nenhuma até ali era aparente, experimenta-
mos imediatamente o verdadeiro efeito poético - mas
este efeito está relacionado apenas com a harmonia, e
não, nem num grau mínimo, com a Verdade, a qual ser-
viu apenas para tornar manifesta essa harmonia.
No entanto, poderemos atingir mais imediatamente
uma concepção do que é a verdadeira Poesia pela simples
referência a alguns dos simples elementos que induzem
no próprio poeta o verdadeiro efeito poético. Ele reco-
nhece a ambrósia que lhe alimenta a alma nas órbitas bri-
lhantes que cintilam no céu - nas volutas da flor - no
chocalhar dos pequenos arbustos - no agitar dos campos
de cearas - no oscilar suave das grandes árvores do Este -
na distância azul das montanhas - no agrupamento das
nuvens - no reluzir de riachos meio-escondidos - no bri-
lho dos rios prateados - no repouso dos lagos sequestra-
dos - na profundeza dos poços espelhando as estrelas. Ele
apercebe-o no canto dos pássaros - na harpa de Éolo -
no soluçar do vento nocturno - na voz lamentosa da flo-
resta - na onda que se queixa à praia - no fresco hálito
dos bosques - no aroma da violeta - no perfume volup-
tuoso do jacinto - no odor sugestivo que lhe chega, ao
crepúsculo, de ilhas distantes e por descobrir, por cima de
oceanos opacos, ilimitados e por explorar. Ele possui-o
em todos os pensamentos nobres - em todos os motivos
que não são deste mundo, em todos os impulsos santos -
em todos os feitos cavaleirescos, generosos e auto-sacrifí-
cios. Sente-o na beleza da mulher - na graça do andar
dela - no brilho dos seus olhos - na melodia da sua voz -
191
no seu riso doce - no seu suspirar - na harmonia do res-
tolhar dos seus vestidos. Ele sente-o profundamente nas
sedutoras carícias dela - nos seus entusiasmos ardentes -
nas suas mansas caridades - nas suas resistências brandas
e devotas - mas sobretudo, ah, sobretudo - e ele ~oelha
-se diante disso - ele adora-o na fé, na pureza, na força,
na majestade inteiramente divina - do amor dela.
Deixai-me concluir - com o recitar de ainda outro
breve poema - um de tipo muito diferente de todos os
outros que até agora citei. É de Motherwell 156, e chama-
-se «The Song of the Cavalien> [A Canção do Cavaleiro].
Com as nossas ideias modernas e completamente racio-
nais sobre o absurdo e impiedade da guerra, não estamos
exactamente no estado de espírito mais apropriado para
entrar em empatia com aqueles sentimentos, e assim
apreciar a verdadeira excelência do poema. Para o apre-
ciarmos completamente deveríamos identificar-nos, pela
fantasia, com a alma do velho cavaleiro:
156
William Motherwell_(1797-1835)- jornalista, poeta esco-
cês, coleccionador de baladas, que publica com o título The Harp
ofRenfi-ewshire (1819). Segue-se-lhe um segundo volume, Mins-
trelsy Ancient and Modem (1827). De sua autoria tem Poems,
narratíve and lyrical, by William Motherwe!L (3.• ed.) W. O.
Ticknor & company, Boston, 1844.
192
No shrewish teares shall fill your eye
When the sword-hilt's in our hand,-
Heart-whole we'll part, and no whit sighe
For the fayrest of the land;
193
Índice
Introdução
Esboços Biográficos v
Heranças Literárias XIV
Preocupações Teóricas XXII
Bibliografia XXXIX
Cronologia XLII
Textos Teóricos
Carta aB- 3
A Filosofia da Composição 29
Os Fundamentos Racionais dos Versos 53
O Princípio Poético 139
Esta 2." edição de
Pot nCA (Textos Teóricos)
foi impressa c encadernada para
a Fundaçüo Calouste Gu/henkian,
na Gráfica ACD Print, S.A.
www.acdprint.pt
Abril de 20 16