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aulo Markun: Boa noite!

Ele ficou conhecido nas revoltas estudantis de 1968 na Europa,


tornou-se um dos principais teóricos da esquerda radical, foi acusado de ligação com a luta
armada e o terrorismo nos anos 70 na Itália e tornou-se também um dos mais conhecidos presos
políticos europeus. O Roda Viva entrevista esta noite Antonio Negri, filósofo italiano envolvido
no debate sobre o novo papel da esquerda no mundo globalizado.

Valéria Grillo [comentarista]: Já são quase cinqüenta anos na militância de esquerda. Filho
de um comunista morto pelos fascistas nos anos 30, Antonio Negri aos 22 anos de idade já era
professor de filosofia política e secretário do Partido Socialista da cidade italiana de Pádua, onde
nasceu. Nos anos 60, participou de movimentos operários e estudantis. Fundou com outros
intelectuais o movimento conhecido na Itália como Autonomia Operária [movimento que
organizava manifestações políticas e sociais consideradas violentas e subversivas na Itália da
década de 70]. Tanta militância custou a Toni Negri, em 79, a acusação de envolvimento com as
Brigadas Vermelhas [Brigate Rosse], grupo armado responsável por dezenas de atentados
terroristas na Itália nos anos 70. Inclusive o seqüestro e morte do deputado Aldo Moro [em
1978], presidente da Democracia Cristã Italiana na época. Acusado de ser um dos líderes das
Brigadas, Toni Negri foi preso. Quatro anos depois, conseguiu se eleger deputado dentro da
cadeia. Libertado por conta da imunidade parlamentar, que logo foi cassada, exilou-se em Paris
durante 14 anos, onde trabalhou como professor universitário. Resolveu retornar a Roma em
1997, sabendo que seria preso de novo, apesar de nunca ter sido provada nos tribunais sua
ligação com a luta armada. Ele voltou à prisão num episódio que, como ele queria, reabriu a
discussão sobre presos políticos e anistia na Itália. Libertado definitivamente em abril último, o
professor Toni Negri veio ao Brasil em sua primeira viagem fora da Europa nos últimos 25 anos.
Participou, no Rio de Janeiro, do lançamento da edição brasileira da revista Global [considerada
um espaço de aproximação transnacional que conecta ativistas, artistas, professores,
intelectuais, empresários, trabalhadores, novos movimentos sociais e estudantes com uma outra
visão das dinâmicas da globalização] e fez uma conferência, “As multidões e o império”, tema
presente em seus últimos livros, onde coloca suas idéias e críticas sobre globalização da guerra e
universalização dos direitos.

Paulo Markun: Para entrevistar o cientista e filósofo Antonio Negri convidamos: Vicente
Adorno, editor internacional da TV Cultura; Ivana Bentes, professora do curso de pós-graduação
em comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Demétrio Magnoli, doutor em
geografia humana pela Universidade de São Paulo e editor do jornal Mundo, Geografia e
Política Internacional; Giuseppe Cocco, professor titular da escola de serviço social da UFRJ,
Universidade Federal do Rio de Janeiro; Rodolfo Konder, jornalista, escritor e diretor cultural
da UNIFMU, Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas; e Peter Pál Pelbart,
professor de filosofia da PUC, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. [Programa
gravado, que não permitiu a participação de telespectadores] Boa noite.

Toni Negri: Boa noite.

Paulo Markun: O livro que o senhor escreveu, Império, termina... foi concluído na Guerra do
Golfo [conflito que vinha se desenvolvendo e que culminou em agosto de 1990 com a invasão do
Kuwait pelo Iraque. Em fevereiro de 1991, forças coligadas de 28 países liderados pelos Estados
Unidos iniciaram o bombardeio aéreo de Bagdá, conhecido como "tempestade no deserto",
levando o Iraque à rendição]. A sensação que eu tenho - e não sei se estou errado - é que, depois
disso, a atuação do governo norte-americano, principalmente depois do chamado 11 de
setembro [2001, ataque às torres gêmeas do World Trade Center (WTC), símbolo do poderio
econômico norte-americano e ataque ao Pentágono, Washington, sede do Ministério da Defesa e
do Comando das Forças Armadas dos Estados Unidos] parece contrariar essa idéia de que existe
um império e não mais o imperialismo, de que existe uma ação global e não mais um Estado
forte que impõe o seu desejo e a sua intenção em todo planeta, que são os Estados Unidos. Não
houve uma mudança no panorama mundial depois do 11 de setembro?

Toni Negri: Acho que houve uma grande mudança no panorama mundial depois do 11 de
setembro, mas isso não significa que o esquema, a tendência de estabelecimento do império
tenha sido freada. A administração de George W. Bush [presidente dos estados Unidos entre
2001 a 2004, reeleito em 2005 para governar até 2009, filho do ex-presidente George Herbert
Walker Bush que governou de 1989 a 1993] tentou um golpe de Estado contra o império.
Quando havíamos escrito O império, dissemos: “Aqui existe um mercado mundial unificado,
globalizado, há o problema de construir sobre esse globo unificado um sistema de regras. Um
mercado sozinho não pode funcionar. Alguém deve impor regras a esse mercado". Nós previmos
que o conjunto das potências capitalistas, o conjunto dos agentes do desenvolvimento capitalista
criasse - de maneira plural, mas sólida e forte - uma ordem, uma produção de regras e normas,
uma formação de direito novo sobre esse mercado unificado. Claro que isso não agradava a
certas frações do capitalismo mundial, em particular a Bush. E eles conseguiram, com uma
provocação incrivelmente forte, extremamente dura... [sendo interrompido]

Paulo Markun: Que cada dia parece mais absurda! 

Toni Negri: Os Estados Unidos são uma potência insular, nunca tinham sofrido um ataque. Foi
a primeira vez que enfrentaram uma coisa do gênero em seu próprio território, conseqüência,
talvez, como aconteceu com muitas outras potências imperialistas, européias ou não, de
políticas imperialistas passadas. Sem dúvida, foi completamente inesperado, foi completamente
terrível do ponto de vista psicológico. A resposta foi adequada à provocação, mas foi exasperada.
Provavelmente de uma resposta que, de fato, não tem capacidade de sucesso. Acho que, hoje,
que já se passaram dois anos daquele 11 de setembro, podemos começar a dizer que o golpe de
Estado não está dando certo. Os Estados Unidos são uma grande potência militar, podem vencer
a guerra, mas não conseguem vencer a paz. Quando falamos de império, falamos de um governo
misto, no qual uma monarquia se unia a uma aristocracia e também a estímulos democráticos.
Retomávamos, em termos modernos, ou melhor, pós-modernos, a tipologia criada
por Políbio para o Império Romano. Os Estados Unidos se arrogaram o direito monárquico, mas
provavelmente outros elementos importantes, sobretudo as multinacionais capitalistas, que
criaram uma rede de controle real do mercado, não permitem isso. Os Estados Unidos não têm
dinheiro para pagar a guerra. É um paradoxo. Fomos educados para achar que o deus dólar
podia tudo. Na verdade, o deus euro é um rebento, um deus malditamente jovem, que pode
iniciar grandes guerras comerciais. E os pequenos, pequeníssimos deuses asiáticos, o iuane
[moeda chinesa] e o iene [moeda japonesa], são moedas que... Agora, o presidente Bush pediu
uma reavaliação, para poder sustentar o dólar. A situação mundial é irreversível, assim como o
mecanismo para estabelecer o império. A resposta à sua pergunta inicial é não.

Paulo Markun: Certo.

Vicente Adorno: Professor, o senhor mencionou um golpe de Estado que o governo de George
W. Bush teria dado. Que golpe de Estado teria sido esse?

Toni Negri: O tipo de golpe de Estado é muito claro. Foi subversão da ordem jurídica
internacional. A guerra foi colocada como elemento de fundamento do direito, com relação à
legislação internacional vestfaliana [respeito aos princípios da soberania estatal e do Estado
nação]. A Vestfália [Tratado de Paz de Vestfália, 1648, que pôs fim à Guerra dos 30 anos
envolvendo a Alemanha, França e Suécia] se refere à fundação de um direito internacional
contratual entre as nações. Impor o direito à guerra, o direito à antecipação da guerra, contra
qualquer outro tipo de intervenção permitido significa, evidentemente, uma ação definível em
termos próprios como golpe de Estado. É um golpe de Estado em termos específicos. Claro,
aceitando a fantasia de que o governo do império tenha uma dimensão unitária. Acho que, de
fato, a ação americana tenha sido uma ação na qual... Alguns amigos me disseram que era o 18
Brumário de George W. Bush, numa alusão ao 18 Brumário [golpe de Estado articulado pelos
girondinos, representantes de setores da alta burguesia, junto ao exército, e que
colocou Napoleão Bonaparte no comando da França revolucionária], quando Napoleão chegou
ao poder no segundo império francês, que Marx, por um lado, analisou bem e, por outro,
ridicularizou [referência ao texto O 18 Brumário de Luís Bonaparte, em que Marx
afirma: "Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande
importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de
acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa." Luís Bonaparte era sobrinho
de Napoleão e articulou também um golpe de Estado]. Acho que há algo de sábio por trás de
uma coisa assim, porque não se trata apenas de desrespeitar o direito. Trata-se de uma escolha
estranha dos dirigentes americanos com relação às multinacionais, à aristocracia mundial. Vale
dizer, um apoio a forças corporativas internas, à siderurgia, às grandes empresas da área militar,
do bloco... Eram coisas que pareciam, nos governos anteriores, a partir de governos
republicanos como o de Reagan [Ronald Wilson Reagan, presidente dos Estados Unidos, 1981-
1989], absolutamente superadas diante da nova tessitura das relações políticas mundiais e das
relações industriais em escala mundial. Desse ponto de vista, respeitados os limites que toda
comparação tem, há algo de verdadeiro nisso. O que me interessa é entender o que vai acontecer
depois. Tenho impressão que a resistência a confrontar essa política americana está passando. E
note bem: não estou falando ainda da resistência que as massas, a democracia, as pessoas que
querem a paz interpõem a essa política. Estou falando simplesmente das contradições internas
do sistema capitalista.

Demétrio Magnoli: Professor, eu queria transferir a discussão nesse momento para trinta
anos atrás. Eu falo dos anos 70, os anos de chumbo ["anni di piombi", período caracterizado por
conflitos sociais e os atos terroristas atribuídos à direita e à esquerda radicais] na Itália, quando
o governo da Democracia Cristã [DC] reprimia com violência o movimento de operários, jovens
estudantes que tinham começado no fundo dos anos 60, e o Partido Comunista Italiano [PCI]
apoiava essa repressão e se propunha a governar junto com a democracia cristã através do
compromisso histórico. O senhor muitas vezes aponta a responsabilidade histórica da
Democracia Cristã e do Partido Comunista Italiano por essa repressão que conduziu a Itália a
uma verdadeira tragédia, como nação e há tragédias particulares dos estudantes, dos jovens, os
operários que arruinaram a sua vida na prisão, a partir da luta armada naquela época. Eu acho
que é muito justo apontar a responsabilidade da Democracia Cristã e do Partido Comunista
Italiano, os dois grandes partidos da Itália. Mas o senhor é menos claro quando se refere às
responsabilidades políticas da oposição, em particular, das Brigadas Vermelhas. O senhor foi
falsamente acusado e preso sobre essa falsa acusação de ter sido das Brigadas Vermelhas. A
acusação falsa da polícia italiana não elimina, entretanto o debate político atual. O senhor
classificava, pelo que vi em entrevistas classifica até hoje, as Brigadas Vermelhas como um
movimento proletário [classe social que vendem sua força de trabalho para os donos dos meios
de produção, os burgueses]. Eu queria que o senhor justificasse isso, porque as Brigadas
Vermelhas vão lançar uma campanha de violência e terrorismo individual contra políticos,
líderes conservadores, policiais... que vai ser uma parte grande dessa tragédia. Então, eu queria
discutir o que foram as Brigadas Vermelhas, qual a responsabilidades delas nessa tragédia? E ao
mesmo tempo, uma segunda pergunta, discutir a sua responsabilidade como intelectual e como
líder político naquela época. Naquela época o senhor escrevia “hoje apenas a luta armada fala
pelo comunismo”. Isso aparece num texto do senhor que se chama “Partido operário contra il
lavoro”. Isso quando as paredes das faculdades estavam pichadas com frases como “a
metralhadora é linda”. Então eu queria discutir a sua responsabilidade histórica, política e moral
naquele processo. Porque eu acho que fazer um balanço dos anos 60 e 70 na Itália, particular
dos anos 70 implica não apenas discutir o Partido Comunista Italiano e a Democracia Cristã,
claro que implica isso, mas implica discutir a responsabilidade dos líderes políticos e
intelectuais do movimento de oposição.
Toni Negri: Acho que sua pergunta é correta e abrange o quadro completo da situação italiana
na época, provavelmente esquecendo uma coisa. Sua pergunta não considera que, no início dos
anos 1970, em nível mundial, foi decidido que a democracia deveria ter limites. Vou citar o título
de um texto de Samuel Huntington [polêmico cientista norte-americano ligado à direit
conservadora, destacando-se entre suas obras O choque das civilizações], grande conselheiro,
inclusive hoje, no governo Bush. O texto foi escrito com um estudioso japonês, Joji Watanuki, e
com um estudioso francês, Michel Crozier [Huntington, Watanuki e Crozier representavam a
elite política e econômica internacional e eram membros da Comissão Trilateral, 1973, órgão
privado de consulta e orientação para a política internacional dos países da tríade: Estados
Unidos, Europa Ocidental e Japão]. É o inicio do neoliberalismo em nível mundial. Em 1973
tivemos o Chile, em 1969, 69 [gesto seis nove], um ano depois da insurreição de Paris [maio de
1968, o movimento dos estudantes dava início à maior revolta popular ocorrida na capital
francesa desde os tempos da Comuna de 1871] e um ano depois da retomada das lutas operárias
na Itália, tivemos a primeira bomba colocada num banco, ato da polícia italiana apoiado pela
CIA [Central Intelligence Agency - Agência Central de Inteligência]. Isso continuou por 10 anos,
porque o 68 na Itália se prolongou por 10 anos. Dez anos belíssimos, que não foram anos apenas
de violência, foram anos de construção de uma vida diferente, foram anos nos quais a alma das
pessoas, das pessoas pobres, mudou. Entre outras coisas, isso aumentou a produtividade,
aumentou a riqueza. Ela não diminuiu. Nesses anos foi inventado o milagre econômico do
nordeste italiano [final da década de 1960 a 1980], uma empreitada difundida pelo território. Os
operários que eram demitidos por ser considerados comunistas inventavam uma produção.
Punham para trabalhar filhos, esposas, tias e avós, irmãos também, e criaram esse milagre
econômico incrível, que foi classificado como o terceiro modelo mundial, que os tigres asiáticos
retomaram. Eles tinham a incrível capacidade de defender interesses próprios, como classe
operária, como gente trabalhadora, de fazer isso com alegria e dizer: “Não precisamos que
ninguém nos comande”. Esse foi o período de 10 anos após 1968 na Itália. Garanto que contra
esse modelo italiano aconteceu de tudo. Foram colocadas bombas. O Partido Comunista
Italiano, ligado à classe operária, não conseguia entender isso. A classe operária estava lá, e era
preciso explicar a ela que as coisas estavam mudando. Eu me lembro, por exemplo, de ir com
meus companheiros para a Alfa Romeo [indústria automobilística], uma grande fábrica perto de
Milão. Nós íamos com os companheiros e levávamos estudantes, com jovens desempregados e
em frente à fábrica dizíamos: “Eles querem trabalhar”. Sabe o que nos respondiam? “Nós
operários vamos trabalhar até aos sábados para conseguir superar a crise do capitalismo”. Em
vez de abrir, de receber as pessoas, de dar emprego a elas. Nós vimos que estávamos contra
todos. Sim, a esse ponto eu disse frases como: “Sem dúvida, só a violência”... E por quê? Por
quê?  Posso falar sobre isso, porque fui até condenado por isso. No primeiro sábado, claro, os
sindicatos fizeram a fábrica operar, mas no segundo sábado não conseguiram, porque causamos
o blecaute na fábrica. É um erro? Sem dúvida. Uma delinqüência? Sem dúvida. No entanto, a
situação era tal acabava legitimando isso. Eu reivindico essas coisas, sempre reivindiquei,
sempre reivindiquei uma ação de justiça. Quanto às Brigadas Vermelhas, não há dúvida que
eram proletárias. Elas não eram a expressão da CIA, eram a expressão do proletariado italiano, e
esse proletariado italiano errava. Eles resolveram agir, resolveram apelar para o terrorismo, e
não era possível, porque as relações de forças na Itália não permitiam isso, e não só as relações
de forças mas também as relações morais, éticas e culturais não permitiam. Quando me refiro ao
proletariado dou a definição sociológica, não expresso um valor. Portanto, os anos 70
seguramente, na Itália, foram muito pesados, eu paguei por isso com 17 anos de prisão. Cumpri
a pena tranqüilamente, não pedi nada ao Estado, não dei nada ao Estado, acredito que eu tinha
razão e que as idéias que defendíamos eram justas. Justas porque revolução e reforma, reforma
e revolução são coisas extremamente ligadas. Não há ideologia nisso, mas simplesmente a
transformação do homem, uma capacidade maior de desejos, de alegria, uma coisa inata, que
está ali no meio. Foi isso que aconteceu nos anos 1970. Certamente os bairros ocupados de
Milão, onde a polícia não podia entrar, não eram como as favelas que vi aqui, eram lugares onde
se tinha prazer.

Demétrio Magnoli: Só para completar. Hoje foram abertos os arquivos da Stasi, a polícia
política da Alemanha Oriental e hoje está comprovado que através da pesquisa histórica nesses
arquivos da Stasi que a polícia política da Alemanha Oriental financiava as Brigadas
Vermelhas...

Toni Negri: É mentira, é mentira, é mentira... [falando simultaneamente com Magnoli]

Demétrio Magnoli: Isso hoje há uma comprovação documental disso.

Toni Negri: É mentira. Dá para provar? Foi provado que eles financiavam a RAF (Fração do
Exército Vermelho, grupo terrorista alemão dos anos 1970], mas não foi provado. As Brigadas
Vermelhas são movimentos proletários italianos. Ninguém... Houve dezenas e dezenas de
comissões...

Demétrio Magnoli: Não, isso é documento.

Toni Negri: Eles são malucos! Eram italianas e só. Os italianos são muito malucos às vezes
[risos].

Giuseppe Cocco: Para voltar à Itália exatamente. Uma perspectiva que, digamos, retome essa
periodização, mas digamos abrindo essa periodização dos anos 70, não apenas um balanço
policialesco, mas como uma perspectiva diferente com relação à luta política e luta social que
iam juntas naqueles anos. Eu lembro exatamente que naqueles anos, naquela década em
particular, a partir da segunda metade dos anos 70, o debate se fazia em torno às questões
ligadas à reestruturação produtiva e à defesa do emprego industrial. E que exatamente, o que
era já o embrião de formas, de movimentos diferentes [que] apontavam para uma
transformação mais importante, que não era uma mera reorganização do trabalho industrial,
mas um deslocamento, digamos, que implicava não apenas a crise do emprego, mas uma
reconfiguração do trabalho. Vinte ou trinta anos depois, o que você acha com relação a esse
debate sobre reestruturação e crise do emprego, na relação salarial, novas formas de trabalho? O
que é possível dizer?

Toni Negri: No fundo, são coisas sobre as quais escrevi bastante e que agora retomo. Acho
efetivamente que os operários que trabalhavam nas fábricas - para dar uma perspectiva
genealógica - os operários que trabalhavam nas fábricas não queriam que os filhos trabalhassem
nas fábricas também. Eles queriam que os filhos fossem à escola, à universidade. Queriam
transformar as fábricas e o trabalho em alguma coisa menos pesada, alguma coisa mais
produtiva, algum coisa mais satisfatória para suas vidas. Acho que as lutas dos anos 1970, não
apenas na Itália, mas praticamente em todo o mundo capitalista desenvolvido, impuseram a
passagem da produção fordista clássica [referente a Henry Ford], ou seja, da produção feita de
maneira disciplinar, nas linhas de montagem em locais definidos, nos quais a classe operária se
constituía como tal, com todo um mundo ao redor, que era condicionado por essa forma de
cooperação. Depois veio uma outra fase, dominada pela “nova economia”, uma nova
organização do trabalho, a organização pós-fordista [caracterizada por um novo modelo de
produção, utilizando novas tecnologias na automação, mais flexíveis e informatizados], que é
totalmente implantada sobre trabalhos imateriais intelectuais, isto é, sobre o fato de que os
filhos dos operários conseguiram passar a outra fase, a outro momento de produção. Eles
conseguiram, com muitas dificuldades, mudar as condições gerais da reprodução da sociedade.
Esse é o problema que temos hoje, claro. O que posso dizer, a não ser que essa passagem é
irreversível acima de tudo? Em segundo lugar, é uma passagem que criou uma situação
absolutamente crítica. Nenhum de nós, na realidade, sabe quais serão os modelos segundo os
quais essa sociedade poderá se organizar definitiva e plenamente, de modo contínuo, mas todos
sabemos que, por exemplo, a liberdade é fundamental nesses processos. É fundamental porque,
sem liberdade, não há capacidade de raciocinar, de colocar a própria força criativa, que integra e
substitui a força de trabalho pura e simples dentro dessas novas redes de produção. Sabemos
que a cooperação é fundamental, porque uma pessoa não pode sozinha produzir valor, mas,
singularmente, agrega um elemento precioso à produção. É assim que nasce o conceito de
massa, diante do conceito de classe operária, o velho conceito de classe operária. A massa é uma
multiplicidade de singularidades criativas, inseridas no processo produtivo, na medida em que
são criativas e cooperativas. Acho que isso é muito bonito e que foi imposto pelas lutas. É
verdade, como foi dito aqui, que as lutas foram violentas, foram terríveis em certos momentos,
mas também é verdade que o capital perdeu com isso. Nos anos 1970, apesar da repressão, o
patronato perdeu, o capital perdeu. O capital estava muito bem com seu sistema disciplinar,
assim como estava bem com seu sistema nacional. O capital e a nação, o capital e a disciplina, o
capital e seus distritos de trabalho [gesticula com os braços e com as mãos], que eram
controlados pela polícia por fora, os padres por dentro e um certo tipo de cultura. Perfeito. Eles
tiveram de abandonar isso e se aventurar com o novo. Eu gosto disso. E viva a luta operária! 

Paulo Markun: Tem certos momentos em que na verdade nesse programa eu me sinto mais
ou menos como aquele cientista da anedota a quem foi pedido para que explicasse a teoria da
relatividade, diante de um lago com um cisne. O cientista disse: “É como explicar para um cego
o que é um lago e o que é um cisne, é extremamente complicado”. Ou seja, não há como escapar
das simplificações. E eu vou partir para mais uma delas. A sensação que me deu o seu
livro Império, é que na verdade há uma clara descrição do que é o processo econômico e social
que a gente vive, as transformações desse processo, mas ao mesmo tempo passa, a mim, a
sensação de que fica um pouco nebuloso quem é esse novo militante, que forma é essa de luta
que é possível transformar o império em alguma coisa do bem, como se diz aqui. E na
revista Global America Latina que o senhor veio lançar aqui no Brasil há uma reportagem ou
um texto que menciona o protesto acontecido em Salvador, na Bahia, um protesto de estudantes
contra os preços das passagens de ônibus e que eu tive a oportunidade, por eu estar em Salvador
na ocasião, de presenciar. E a sensação que eu tive lá em Salvador foi exatamente a mesma que
me passou a leitura do seu livro. É difícil compreender que aquele grupo de estudantes
anárquicos, aparentemente sem comando nenhum, e que pararam uma cidade, muitos deles,
boa parte deles dos melhores colégios de Salvador, dos colégios mais ricos de Salvador, que
esses estudantes representassem a vanguarda da revolução, para usar um termo desgastado
também. Então o que eu queria que o senhor explicasse é isso, quer dizer, como que é que diante
de um poder tão gigantesco, que nem se quer tem endereço fixo mais, que domina o mundo no
jogo de computadores e de dinheiro que circula mundialmente, é possível pensar na revolta e na
rebelião de grupos como estudantes de Salvador ou talvez, agora, os estudantes da Bolívia que
protestam contra a venda de gás para os Estados Unidos ou algo assim. Não é uma disparidade
gigantesca de forças que faz parecer com que esses grupos sejam na verdade brincadeira de
criança?

Toni Negri: Freqüentemente, você nem imagina quantas vezes compartilho da sua ironia. O
que eu não permitiria seria ver essa ironia transformada em cinismo, ou seja, na capacidade de
deixar tudo igual. Em qualquer uma dessas coisas sempre existe uma centelha de vida. Pense
nos anos 1990, por exemplo. Vimos uma série de revoltas no mundo, até mais importantes do
que as que estão documentadas na revista Global, ou talvez tão importante quanto o que
acontece na Bolívia, mas que hoje parecem não ter sentido. Eles eram, depois da queda do Muro
de Berlim... [1989, foi destruído o muro, barreira construída em 1961 e que separava a cidade de
Berlim, capital da Alemanha, em dois setores: um setor capitalista e outro comunista. A queda
do muro marca simbolicamente o fim da Guerra Fria, que polarizou os dois sistemas
econômicos] O muro de Berlim não sofreu uma queda, uma coisa quase objetiva. O que houve
foi uma luta. Ele foi cercado. A população saía da Alemanha Oriental, passava pela Hungria,
entrava pelo outro lado. O muro foi cercado. Depois veio a Praça da Paz Celestial [Praça
Tiananmen, no centro da cidade de Pequim, capital da China, usada para desfiles do governo da
China, conhecida pelo protesto de estudantes pró-democracia em 1989], então a Revolta de
Chiapas [1994, rebelião indígena e camponesa na cidade mexicana de Chiapas], a Revolta de Los
Angeles [1992, revolta generalizada derivada de agressão policial a jovem negro], do gueto, e
dezenas de outras lutas, até, por exemplo, a luta de 1995-1996 em Paris, que era uma luta contra
a privatização dos transportes públicos parisienses. Todas essas lutas pareciam separadas e
insensatas, impotentes diante de um poder que impedia sua comunicação. Ninguém teria sido
tão burro naquele momento para falar de um ciclo de lutas. Eu, por exemplo, sou comunista, sou
marxista, estou acostumado a falar, ainda que de modo renovado. São poucos marxistas que
reconheceriam em mim essa qualidade, de um modo renovado pelas experiências recentes, mas
continuo preso à idéia do ciclo de lutas. O que é um ciclo de lutas? Por exemplo, depois de 1905
houve um ciclo de lutas que começou na Rússia, com a constituição dos sovietes [conselhos de
fábricas e de aldeias que elegiam os representantes para os conselhos regionais, que, por sua
vez, se organizam nacionalmente no Congresso dos Sovietes de Operários, Soldados e
Camponeses], que atravessou a Europa com lutas absolutamente ferozes. Em todo lugar houve
tentativas de insurreição, mortes, lutas sindicais, coisas assim. E, sobretudo, a ampliação de
uma idéia: a idéia de que os operários qualificados, skilled workers, poderiam gerir a fábrica por
conhecê-la melhor que os donos. Essa luta chegou inclusive aos Estados Unidos, por meio dos
artistas da IWW [Industrial Workers of the World, organização sindicalista norte-americana,
fundada em 1905], Trabalhadores Industriais do Mundo, que atravessavam os Estados Unidos e
instituíam luta nas estações de trem nas quais desembarcavam. Eram imigrantes europeus que
estavam lá. Em 1917, houve outra pequena luta que começou na Rússia, que havia sido vitoriosa
em Petrogrado [originalmente São Petesburgo e, mais tarde, Leningrado] e Moscou e que se
estendeu pelo mundo. Em Turim, houve conselhos de fábrica, assim como na Baviera e em
outros lugares. Nos anos 1930, igualmente, houve outros ciclos de lutas. Em 1917, a luta tinha
chegado até a fábrica Pullman, em Seattle [maior cidade do estado de Washington, Estados
Unidos, centro da indústria aeroespacial, onde aconteceram muitos protestos antiglobalização
em 1999]. Tudo indo nesse passo, foi indo nesse passo... Houve lutas nos anos 1930, nos anos
1940, luta contra o fascismo... Depois do fascismo, as lutas no Vietnã até 1968. Depois dos anos
1970, já não reconhecíamos nenhuma luta. Víamos todas separadas. E por quê? Porque não
havia mais a URSS para reuni-las, não havia a Internacional Comunista [organização
internacional, fundada em 1919, reunia os partidos comunistas de diversos países]. Não. Dessa
vez foi Seattle e pronto. Todas as lutas dos anos 1990 nós pudemos compreender de novo dentro
de um ciclo unitário, que dá valor inclusive às lutas de Salvador, que dá um enorme valor às
lutas bolivianas, que recompõe todas elas num ciclo geral, e esse ciclo nos diz o quê? As massas
hoje são intelectuais, não há diferença entre o operário e o estudante, porque o trabalho está se
tornando intelectual e elas têm a capacidade de recompor uma potência e, portanto, de colocar
em crise os mecanismos de valorização capitalista, que são os mecanismos que restam, que são
velhos. Hoje a modernização não é trazida pelo capital. O capital envelheceu, não é mais capaz.
O capital quer se fazer representar por Bush, pelas bolsas. Isso já não é possível. Como é possível
vir ao Brasil e ver uma convivência perfeita de um Primeiro Mundo, repleto de arranha-céus,
força e inteligência, com uma miséria espantosa? Como é possível? É a primeira vez que venho
ao Brasil, mas estou completamente... Eu fico assim. Encontro aqui o mundo inteiro, aquilo que
vi estudando, eu encontro concentrado aqui, no Rio de Janeiro, não sei. Como é possível viver
assim? Um capital, um comando que mantém essa situação... Isso está fora da graças de Deus.
Não posso... Os meus desejos, minhas sensações normais de um homem que vive pedindo
apenas o bom senso, não pode aceitar essas coisas.

Peter Pál Pelbart: Uma vez você reclamou que as pessoas se acercavam de você com
expectativa de ouvir palavras de esperança. E você fez questão de explicitar que você não é um
sacerdote spinozista [referente à filosofia de Spinoza, que concebe o mundo como uma
emanação da divindade: Deus e todo o universo são uma única coisa].
Toni Negri: [Riso]

Peter Pál Pelbart: Você dizia que não cabe a vocês exprimir retóricas de alegria e super
abundância e que a função da teoria não é reconfortar ninguém, nem se quer dar a mão a quem
quer que seja. Por vezes, aliás, você parece tirar partido de um certo desencanto, de um certo
esvaziamento, não para deleitar-se numa volúpia, como faz parte do pensamento pós-moderno,
mas para assinalar que algo de fato se esgotou. Uma época, um ciclo, um paradigma  e que o
pior seria se entrincheirar naquilo que está caducando. Seria preciso admitir um vazio, diz você,
não é uma palavra muito freqüente do discurso político, mas o vazio que você indica
diferentemente do vazio depressivo, parece ser uma espécie de indeterminação, a idéia de que
está tudo em aberto. Desutopia diz você, quer dizer, é um vazio que permite um princípio novo,
um desejo autônomo, um procedimento absoluto como você diz. Então, você tenta pensar a
partir deste vazio e dessa abertura uma potência que não seja, diz você, nem subordinada à
necessidade, nem ao ressentimento, nem à compaixão. É um desafio extraordinário esse. Em
todo caso tem uma recusa de princípio de preencher de maneira voluntarista ou nostálgica esse
vazio e essa abertura. E por outro lado também, tem uma insistência clara em afirmar a pulsão
ética, a sua paixão construtiva. Eu acho que isso tudo confunde o baralho pós-moderno, essa sua
posição. Então eu acho que você não é nenhum lírico leopardiano [referente ao poeta
italiano Giacomo Leopardi], nem sacerdote spinozista, mas o seu comunismo parece mover-se
entre esses dois extremos. Então eu queria te perguntar, a partir desse horizonte, do vazio e da
desutopia e dessa pulsão ética, qual é a sua idéia de comunismo?

Toni Negri: Tenho uma idéia muito elementar do comunismo. Acho que o comunismo é um
pressuposto. É como a linguagem. Se não tivéssemos a linguagem, alguma coisa em comum,
uma base, não conseguiríamos nos expressar. Quando penso, por exemplo, na Economia, penso
numa coisa baseada fundamentalmente no nosso trabalho, que reproduz continuamente bens e
serviços, produz novas mercadorias, introduz conhecimento e inovação no mecanismo, no
processo econômico. Na verdade é um processo que se baseia na comunhão. Uma cooperação e
uma solidariedade preventivas. O fato de alguém se dizer dono de alguma coisa não dá para
entender por quê. Se simplesmente conseguíssemos exprimir esse comunismo, faríamos desse
comunismo... Um elemento fundamental do discurso comunista hoje é a discussão do faro de
que estamos produzindo... Pense neste exemplo. Um exemplo que eu considero clássico. A
comuna composta pela comunidade informática. Foi criada essa comuna informática, um
enorme tecido de possibilidades, expressivas que nos foram dadas. É uma comuna, certo? É a
condição de toda a nossa capacidade expressiva hoje, e isso vai se acentuar sempre mais, da
nossa cooperação. É uma base material, ainda que etérea, mas é uma base material da nossa
expressão. Hoje estamos diante disso. Ainda bem que em Cancún [referÇencia sobre a reunião
da Organização Mundial do Comércio] a briga foi sobre agricultura, senão eles teriam se metido
nesse assunto. Era o projeto. Eles teriam privatizado ou, como eu costumo dizer, “refeudalizado”
esse elemento comum que nós construímos. Não se trata simplesmente... Isto é... Quando
falamos dos elementos naturais, socráticos, ar, água, terra e fogo, falamos de quatro coisas
naturais que nós reconstruímos por meio da atividade humana e de séculos de civilização,
devemos ter domínio sobre isso. Isso é o comunismo. Naturalmente, tudo isso feito com alegria.
A alegria é a ausência de..., é a interiorização da capacidade de conviver, a alegria é como o
amor. Desse ponto de vista, eu sou muito spinozista. Segundo Spinoza, a alegria é a forma de
expressão do amor. O amor não é o meu amor por Maria, Giovanna e Michela, nem pelas três
juntas. É um amor que constrói, porque é um amor de conhecimento e, portanto, de cooperação,
de construção. A alegria é isso, é conhecer, construir etc. Voltando um pouco, estamos vivendo e
por isso é difícil definir o comunismo. Antigamente podíamos dizer: “O comunismo é...”, e eu
me disponho a repetir isso. Note bem, o comunismo é o fato de constituir um governo que seja
um governo da propriedade comum, conduzido por conselhos de trabalhadores, que podem ser
argüidos e controlados por serem transparentes, mas capazes de tomar decisões. Da Comuna de
Paris ao Estado de Lênin o comunismo foi... Por trás de todas as coisas feias, das violências e dos
absurdos que houve, sempre houve uma utopia. Hoje é muito difícil dizer isso, porque estamos
numa mudança enorme de época. Passamos do moderno ao pós-moderno. Todas as categorias
do moderno estão acabando. Hoje falar de Estado, nação, povo e até de capital não faz mais
sentido, ou faz pouco sentido. E falar de partidos, de massas, de militância, de certa forma, faz
pouco sentido. Precisamos começar a criar termos novos. Não vamos fazer isso apenas
pensando, mas atuando, construindo, revolucionando o mundo que nos cerca. Uma coisa
formidável hoje é que as pessoas que pensam, falam, fazem demagogia e posam de profetas não
importam nem um pouco. Junto com isso é preciso fazer, é preciso haver ação e provas, a
realidade. Não precisamos de partidos que digam como será o mundo daqui a uns 100 anos.
Não. Pouca coisa basta, mas que seja logo.

Ivana Bentes: Eu acho que há vários temas bastante perturbadores e fascinantes no Império.
Um deles ele acabou de falar agora, quer dizer, na verdade não existe um fora do império, eu
acho que isso é bastante perturbador para todo um discurso justamente de transcendência de
um belo futuro que viria depois da revolução. Dentro dessas definições há um elemento,
também muito caro ao próprio comunismo, ao discurso marxista, que é a sua visão do pobre e
da pobreza no Império, que o senhor coloca como portadora de uma potência radical de
invenção de transformação, exatamente porque quem não tem nada a perder pode tudo. O
senhor visitou no Rio de Janeiro a favela da Maré, antes de vir para São Paulo, e levantou esse
tema perturbador, de países como o Brasil com milhões de pobres, favelados, com contingentes
de pessoas fora do sistema formal da produção. Que seria uma espécie de reserva, de energia
gigantesca para a produção. Então há toda uma visão realmente de uma força vital que viria
dessa pobreza. Ao mesmo tempo, a gente está hoje vivendo um momento no próprio Brasil,
importante, de um discurso sobre a pobreza e sobre o pobre - e que são inclusive objetos de
disputas diversas entre a igreja, os políticos, nos discursos publicitários, das ONGs, no assédio a
essa massa, a esse contingente. Enfim, discursos que são variados, distintos, que muitas vezes
produzem, entram em práticas conformistas, assistencialistas, destituem, digamos assim, essa
força vital e radical de transformação que viria desses grupos. Eu queria que você falasse um
pouco mais disso. Primeiro essa idéia da pobreza como força vital, para além da idéia da pobreza
como ligada, associada geralmente ao crime, à violência, ao improdutivo, mas portadora não só
do negativo, mas dessa linha de fundo.

Toni Negri: Parece-me que uma coisa que nos permitiria retomar um discurso seria a
insistência quanto à concessão, quanto à experiência da pobreza. Naturalmente eu não gostaria
que minhas impressões sobre esta breve experiência que tive no Brasil sejam mal interpretadas.
Alguns elementos do nosso pensamento, da nossa vida, são apenas de compaixão, às vezes é
assim. Algumas vezes se trata da incapacidade de suportar alguns espetáculos ou experiências.
Dependendo da sua formação, isso tudo não pode se tornar um elemento teórico ou de
consideração geral. O fato é que a pobreza no mundo é terrível, mas não apenas isso. Sempre me
comovi muito com os grandes fluxos de imigração que vivi. Primeiro na Itália, do sul para o
norte. Hoje vejo isso de novo na Europa. Gente do mundo inteiro vai para a Europa, numa
tentativa de penetração no continente. Sem dúvida o capital se aproveita desses fluxos
migratórios, explora isso. Por um lado exerce atração, por outro controla e restringe. É uma
postura escravocrata normal. Essas pessoas são levadas em barcos, que atravessam o Atlântico,
o Mediterrâneo e o Pacífico e, quando chegam, são submetidas a uma disciplina férrea. [Isso] Os
que chegam. Porque o Mediterrâneo, por exemplo, é um mar fundamentalmente bastante
liberado para a imigração e se tornou um cemitério de imigrantes. Essa pobreza sempre traz
riqueza, e isso acontece porque ela nasce no capital, como dizem os economistas, ou porque
existe, porque tem em si uma capacidade de produção sempre mais clara e evidente. Acho que a
economia contemporânea, na medida em que está se tornando biopolítica, ao insistir na
reprodução social vital, deve considerar cada vez mais uma série de elementos fundamentais nas
populações, ou seja, a capacidade de reprodução e geração, a capacidade de cuidar, a capacidade
e a imaginação diversas quanto à natureza, à biodiversidade e a todos esses elementos, como
momentos produtivos fundamentais. Esses imigrantes não são... Sabemos muito bem que eles
não chegam à Alemanha, à Inglaterra ou aos Estados Unidos para trabalhar em fábricas
[gesticulando muito com as mãos]. Não. Poucos vão montar automóveis nas fábricas, eles vão
cuidar de crianças, vão ajudar em hospitais, vão reproduzir a vida. Essa é a questão que não se
quer entender, não se quer entender que nessa pobreza há uma capacidade de amor que é
enorme. Ela não é compreendida, evidentemente, porque todos os valores são reduzidos, salvo
quando se pergunta sobre a criança, porque os burgueses às vezes tem essa curiosidade [risos].
Fora isso, só interessam o lucro, o dinheiro, a bolsa [de valores]. Fora isso, depois se descobre
que esses imigrantes são uma incrível força de trabalho intelectual. Gente da Índia, do Magreb
[região do norte de África, composta por Marrocos, Saara ocidental, Argélia e Tunísia, localizada
ao norte do deserto de Saara e a oeste do rio Nilo], das Ilhas Maurício [localizadas no oceano
Índico] e da África do Sul são os melhores técnicos em informática do mundo. Em Paris
aconteceu uma coisa engraçada, queríamos traduzir a nossa revista em algum idioma e a
mandávamos para as Ilhas Maurício, porque lá havia tipógrafos que faziam tudo por
computador e em 25 línguas. Precisamos entender isso. Hoje a economia explora a vida.
[Gesticula muito e usa um tom de voz muito enfático] A indústria, a velha indústria acabou. O
velho capitalista, o construtor, o patrão isso acabou. Ele é tão antigo quanto a sua própria
fábrica. Temos cemitérios de indústrias no mundo todo. A força de trabalho intelectual também
é afetiva, afetiva. [Gesticula colocando o dedo indicador na sua fronte] Hoje, acima de tudo
temos de pensar que a afetividade não é importante apenas para educar as crianças, mas para
operar um computador. Você não consegue a cooperação no computador se não tiver
capacidade afetiva suficiente no trato com seu interlocutor. Costumamos dizer que o trabalho
está virando mulher, o trabalho como mulher é um conceito fundamental, mas não como
conceito poético, como conceito econômico.

Rodolfo Konder: O senhor comemorou a queda do muro de Berlim e disse que o socialismo
real, o sistema do socialismo real era monstruoso, a palavra que o senhor usou foi essa. Eu
pergunto o seguinte: no atual estágio de desenvolvimento humano o senhor acha possível a
construção de uma sociedade justa apoiada na comunhão? Acrescento: o senhor ainda acredita
na bondade intrínseca da natureza humana? E faço ainda uma provocação, uma respeitosa
provocação: será que este otimismo político não é um filho ilegítimo da nossa indignação e da
nossa necessidade religiosa de acreditar numa vida futura melhor?

Toni Negri: Não sei bem. Na filosofia moderna há uma série de correntes pessimistas no que
diz respeito à natureza do homem, e há uma série de correntes otimistas. Do ponto de vista
teórico, acho que não há muita possibilidade de decidir se a natureza humana é boa ou má. Eu,
evidentemente, opto pelo fato de que o homem pode ser bom ou mau, mas produz, é ativo. O
fato de produzir e ser ativo me parece bom. Não quero falar sobre isso. Quero falar sobre outra
questão. O que sempre me chamou a atenção é que as teorias que afirmam que o homem é mau
são más. Eles usam a repressão, usam a autoridade, usam eventualmente a ditadura para fazer o
homem entender que é mau. Isso eu não aceito. Isso é um pouco história do moderno, o
moderno acabou depois que, de modo conflituoso, quem dizia que o homem era bom e quem
dizia que ele era mau, brigaram por muitos séculos, o que gerou as mais monstruosas ditaduras.
Quem achava que o homem era mau colocou esse processo em andamento. Processos de
ditaduras que se chamaram nazismo e stalinismo. São coisas que espero não ver no pós-
moderno.

Demétrio Magnoli: O senhor falou de autoridade, ditadura e também se falou de religião. Eu


queria tentar fazer uma relação dessas coisas, porque em 1977 o senhor escreveu o ensaio
intitulado "Dominação e sabotagem" sobre o método marxista de transformação social. E nesse
ensaio há uma tentativa de definição do que são os comunistas. Ali o senhor escreve que os
comunistas... O senhor compara os comunistas, vou citar entre aspas: “uma ordem religiosa
combatente”, os comunistas seriam “uma outra raça”, nascida de uma “mãe virgem” e dedicada
“a batalha entre a verdade e a falsidade”. Essa é a linguagem de um milenarismo [fanatismo,
utopia religiosa], eu chamo a isso de um milenarismo técnico, vamos dizer assim, um
milenarismo pós-moderno, é uma linguagem, uma cultura apocalíptica. A linguagem é
importante na política, grande parte da política é linguagem. Então eu me pergunto o que há por
traz dessa linguagem, quer dizer, ao se ver os comunistas como uma outra raça, filhos de uma
mãe virgem, essa vanguarda separada da humanidade e portadora da verdade, dedicada à
batalha entre a verdade e a falsidade eu pergunto: esses comunistas no poder, eles fuzilariam os
inimigos da verdade?

Toni Negri: Veja, eu não apenas acho que essas frases são exageradas, mas também acho que
por trás desse conceito há alguma coisa certa, correta. Hoje, por exemplo, eu acho que a
resistência contra o capitalismo deve se transformar em êxodo. O que isso quer dizer? Quer
dizer que essas instituições da democracia provavelmente não são mais utilizáveis para
construir uma sociedade livre. As instituições da democracia, que conhecemos desde o séc.
XVIII, são instituições que já tiveram seu momento, digo isso sem nenhuma arrogância, sem
vulgaridade. Digo isso porque acredito que sejam instituições construídas sob condições
sociológicas e produtivas muito diferentes das nossas. Hoje, por exemplo, sem dúvida a
representação democrática, assim como a entendemos, não é simplesmente difícil, ela é
praticamente impossível. Surgiram poderes que vão desde a onipotência capitalista, que antes se
referia ao poder da mídia e da intermediação social, que são tão diferentes e novos com relação à
época em que foi concebida a democracia, que esta acaba ficando, deste ponto de vista, difícil de
imaginar a democracia constitucional, tradicional.

Paulo Markun: Mas há uma alternativa, existe uma alternativa?

Toni Negri: Essa é a questão. Eu queria dizer outra coisa a mais. Em nível mundial, visto que
hoje estamos diante de uma condição global, há um problema de democracia global. Você sabe
perfeitamente que o único órgão de democracia global que havia era a ONU [Organização das
Nações Unidas]. Pois bem, não sou eu que estou questionando a ONU, é Bush, é o poder
mundial, real e capitalista. Nesse momento entra a sua pergunta. Existe uma alternativa? Eu
não vejo, ou melhor, vejo uma só alternativa: é Bush comandando o mundo.

Vicente Adorno: Parece mais ou menos a mesma alternativa de quando Stálin perguntou
quantas divisões tem o Papa. [Isso] Quando disseram a ele que o Papa ia desaprovar o que ele
estava fazendo.

Toni Negri: Perfeito [riso].

Vicente Adorno: Talvez a fraqueza das Nações Unidas seja exatamente essa. Ela não tem
como impor uma ordem seja ela qual for, se ela é justa ou se ela é exagerada, ou se ela é errada.
Simplesmente mesmo com o arcabouço do Tribunal Penal Internacional [vinculado à
Organização das Nações Unidas (ONU), compreende uma corte internacional permanente,
sediada em Haia, na Holanda, e tem poderes para julgar políticos, chefes militares e mesmo
pessoas comuns pela prática de violação do direito internacional humanitário: crimes de guerra,
crimes contra a humanidade, de genocídio e de agressão] ao qual os Estados Unidos não querem
aderir nunca, mesmo com todas essas tentativas acho que não é possível se chegar a esse ponto
enquanto a ONU não for, digamos, uma instituição que se sustenta sozinha, porque a maior
parte do orçamento da ONU é coberta por quem? Pelos Estados Unidos. E a alternativa é a gente
voltar...

Toni Negri: Concordo plenamente com você, concordo plenamente, mas temos que resolver
isso. Como será uma nova democracia com força de sustentação? Uno nova democracia com
força para ser, para impor, por exemplo, o Tribunal Penal Internacional. Eu concordo, na
Europa eu concordei quando o ministro do Exterior alemão Joschka Fischer [Joseph Martin
"Joschka" Fischer, político muito popular, trabalhou como taxista, apoiou protestos de esquerda
em 1968, criou o Partido Verde Alemão no qual desempenhou importante papel; foi Ministro
das Relações Exteriores da Alemanha e vice-chanceler no governo de Gerhard Schröder 1998 a
2005] se dirigiu aos poloneses, ou a todos que os americanos haviam literalmente comprado,
para que não aderissem ao Tribunal Penal Internacional: “Na Europa vocês não entram”. Eu
concordo. Mas isso não soluciona a questão da democracia no mundo, entende? E o problema é
muito simples. Como já foi dito por um célebre analista político americano, a democracia
mundial seria pensada como? Se imaginarmos a democracia baseada em princípios como um
homem igual um voto então os chineses vão dominar o mundo. São diversos paradoxos que não
tem, que não dão o sentido da democracia. Em resumo: estamos numa situação em que os
Estados-nações têm naturalmente seu papel e seu desenvolvimento. É claro que a força armada
mundial, ou seja, a polícia mundial, a moeda, ou seja, o sistema de valores, incluindo trabalho,
troca e tudo mais, e a comunicação, a linguagem, a cultura isso não é de ninguém, é de todos.
Como podemos redeterminar um sistema no qual cada um de nós seja livre com relação a essas
dimensões do problema? Há um outro pequeno problema também. Existem os ricos e os pobres.
Hoje, no mínimo... Um velho filósofo judeu chamado Lévinas, uma pessoa muito simpática,
sempre dizia em voz baixa: “Se você falar de liberdade sem falar de igualdade, não vai conseguir
jamais”. 

Rodolfo Konder: Mas professor isto tem sido um argumento para acabar com a liberdade e
não com a desigualdade. O senhor fala dos males da democracia com muita competência e nós
todos estamos de acordo. A democracia é uma porcaria, mas não inventaram nada melhor.
Então, o problema é saber como preservar aquilo que a democracia nos garante, isto é, o
mínimo de liberdade, porque os que têm combatido a democracia não tem oferecido alternativa.

Toni Negri: Veja bem, os que criticaram a democracia ofereceram várias alternativas.
Ofereceram, por exemplo, educação para todos, a possibilidade de se reproduzir sem morrer de
fome, o fato de não haver guerras, de não se investir na indústria da guerra. Aqueles que não
defendem a democracia fizeram outras coisas igualmente boas. O problema é saber como
recuperar a confiança numa organização das relações entre nós. O que eu quis dizer
com Império é que as condições de raciocínio político moderno acabaram. Todas. E é inútil,
quem quiser ser liberal aberto nesse modelo é um reacionário. Sinto muito, mas é assim. 
[Risos]

Rodolfo Konder: O senhor falou educação para todos, eu pergunto: quem dá essa educação?
Em Cuba, por exemplo, eles dão educação para todos, mas é uma educação que não está a
serviço da liberdade, está a serviço de um governo ditatorial para todos. Todo mundo enche a
boca que Cuba não tem uma criança fora da escola.

Toni Negri: Acho que, por exemplo, a União Soviética era um país de muitíssima cultura, uma
cultura difusa, todos liam e escreviam, estudavam até os 18 anos. Isso acontecia por um motivo
muito simples. Não era possível, em termos de liberdade dar a ninguém o computador pessoal.
Eu acho que a União Soviética... Eu escrevi isso, não estou falando para responder a uma
provocação, eu escrevi. A liberdade, o computador pessoal, tudo é importante, mas como
hoje Stalin não é necessário, também os patrões não são. Entende? Porque a liberdade é igual
para todo mundo. Não simplesmente quando me é útil para poder comandar.

Ivana Bentes: Continuando então ainda na polêmica, que eu acho um dos pontos mais
polêmicos no tema, quer dizer, em termos de pensamento latino americano de esquerda é
justamente a sua radical negação e condenação do Estado nacional em todas as suas formas, que
o senhor coloca na origem mesmo de massacres, xenofobias [aversão às pessoas e coisas
estrangeiras] e guerras. E a gente mesmo no Brasil hoje está em plena vigência de um discurso
nacional forte, de identidade nacional, de cultura nacional, enfim, até de um imaginário
nacional muito forte. Eu queria voltar exatamente então a lhe ouvir sobre essa impossibilidade
do Estado nacional talvez enfrentar essa constituição de uma cidadania global, de uma
democracia global.

Toni Negri: Devo dizer que nas conversas com colegas brasileiros, essa questão da nação me
causa uma certa inveja dos amigos brasileiros. [Risos] Este é um país de vitalidade enorme, um
país muito grande, um país que, com uma série de processos terrivelmente contraditórios,
mesmo assim segue adiante. Parece-me que se abriu uma série de possibilidades com novos
governos de esquerda. Quando falo de Estado-nação, porém, eu me lembro do que era o Estado-
nação na Europa. O Estado-nação na Europa era um vestido que havia sido feito sobre o
capitalismo nacional, um Estado que escravizou os operários e, quando não os escravizava
mandava-os para morrer nas trincheiras, lutando um contra o outro. Na minha família seis
pessoas morreram nas últimas guerras mundiais. Foi isso que aconteceu, foram milhões de
mortos em nome não se sabe do que. [esboça um riso insinuando indignação] Da nação, do quê?
Da nação alemã ou de Krupp? [Família alemã da região de Ruhr que fez fortuna na indústria do
aço e com a venda de armamentos para quatro guerras, adquirindo grande poder de
manipulação econômica e política em diversas partes do mundo.] Como diziam os poetas. Da
nação francesa ou de Rothschild [família de judeus alemães cujo patriarca mandou os filhos
para cidades diferente da europa e montou um império financeiro]? Como diziam outros poetas.
Os grandes filósofos europeus, Bergson contra Husserl [Edmund Husserl (1859-1938) filósofo
alemão, considerado o fundador da fenomenologia, apresenta a “intencionalidade da
consciência” como idéia fundamental, desenvolvendo conceitos como o da intuição eidética
eepoché], ambos de origem judaica, que se insultavam tranqüilamente falando da grande nação
que seria representada. A nação para um europeu é o pior que se possa imaginar ou recordar. A
nação não é apenas uma lembrança triste, é, sobretudo, um pesadelo futuro. Os Estados Unidos
como nação... Esses Estados Unidos que são a mistura mais formidável, há uma poesia
belíssima de Melville [escritor norte-americano, 1819 – 1891, Moby Dick é o seu livro mais
conhecido] que diz que os Estados Unidos são um país de Melquisedeques [estrangeiros,
personagem bíblico misterioso cuja origem era desconhecida, não tinha ascendentes e nem
descendentes], onde não há eslavo ou latino que não possa dizer que é americano. Devemos
mesmo abrir essa nação de Melquisedeques à liberdade de todos. A nação deve ser uma fachada
por trás da qual se esconde a capacidade que cada um tem de desenvolver o próprio trabalho, a
própria energia, de trazer filhos ao mundo, de construir uma vida, de ter bom senso e alegria.

Giuseppe Cocco: Queria perguntar uma coisa deslocando o debate um pouco. Mas na relação
entre as dinâmicas sociais e dinâmicas políticas. Pensando no fato que nessa cadeira alguns
tempos sentou um amigo teu, Oliviero Toscani [1942, fotógrafo italiano que, nos anos de 1990,
criou campanhas para a marca Benetton, destaca-se por inventar campanhas polêmicas] que
trabalhou com Benetton [empresa italiana transnacional de moda fundada em 1965] e que você
escreveu um artigo que eu publiquei aqui no Brasil sobre o conceito de empresário político. Esse
artigo, ele tem uma grande capacidade de dar conta desse fenômeno aonde a dinâmica de
liberdade e a dinâmica da produção ela, digamos, tende a poder a convergir, pode ser, digamos,
uma qualificação dessa nova época. Mas como é que você qualificaria esse conceito de
empresário político, inclusive com relação aos desafios que esses territórios produtivos
encontram na globalização?

Paulo Markun: Quando você menciona empresário político você não está...

Giuseppe Cocco: É o próprio Benetton.

Paulo Markun: Não está pensando no Berlusconi? [Silvio Berlusconi, fundador e líder do
partido Força Itália, foi presidente do Conselho de Ministros no período de 2001 a 2006,
considerado o homem mais rico da Itália e o 15º do mundo, é empresário de comunicações,
bancos e entretenimento]

Giuseppe Cocco: Até, até, ele vai falar disso.

Toni Negri: Vejo muita diferença entre a Benetton e Berlusconi. A Benetton é produto... Acho
que já falamos disso, se eu não me engano. É um produto dessa estranha revolta... Note bem:
Berlusconi tem 250 mil pessoas trabalhando para ele, e são no máximo 10 mil contratadas
legalmente. As outras mais de 200 mil mantêm uma relação comercial aberta, uma relação
contratual aberta. Assim se joga com a abertura do mercado, com a contínua expansão do
mercado, baseada em condições sociais de reprodução. Claro que o modelo Benetton antecipa o
modelo da comunicação, da organização comunicativa e o modelo de relações comerciais que
intervém. Berlusconi transferiu esse modelo para a política. Ele fez isso, fazendo disso um
modelo, uma máquina seguramente autoritária e populista. Resta saber se estudar o modelo do
empreendedor político seria útil do ponto de vista de novas organizações da massa. Estou
convencido que só com formas produtivas novas e alternativas serão possíveis as coisas que se
pregam na globalização: os instrumentos de controle, o uso cada vez maior de ONGs, mas
capazes de intervir positivamente nos negócios e controlá-los, instrumentos de educação e
formação de opinião pública. Tudo isso, evidentemente, vai além das capacidades do movimento
operário tradicional para construir estruturas organizativas assim. O ideal é tentar fazer isso.
Acho que seria extremamente útil.

Paulo Markun: Eu tenho uma última pergunta, nosso tempo está acabando e eu queria pedir
que o senhor fosse realmente sintético na pergunta e eu sei que é um pergunta que certamente já
lhe foi feita dezenas e dezenas de vezes, até por experiência própria, mas sei que é aquele dever
do oficio de quem está perguntando. Queria saber o que mudou na sua vida o fato de ter passado
17 anos na prisão?

Toni Negri: Não mudou nada.

Paulo Markun: [Sorrindo] Queria agradecer a sua entrevista, aos nossos entrevistadores e a
você que está em casa. E nós voltaremos na próxima semana com mais um Roda Viva. Uma
ótima semana e até lá. Obrigado.

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