MÁRCIO SILVA Dedico este conto à todas as pessoas que precisam repensar o modo como estão conduzindo suas vidas. Se eu morresse hoje?
Hesitante, o homem inclina o corpo e olha para baixo segurando firmemente no
parapeito daquele edifício, sob a luz do sol de final de tarde, e diz: - Carros e pessoas movimentam-se como formigas em vai-e-vem, parecem ter objetivos bem definidos e vidas tão insignificantes. O que levamos da vida e o que deixamos dela? Naquele instante, um pensamento recorrente e insistente vem a cabeça do jovem senhor de quarenta e dois anos: - E se você morresse hoje? - diz seus pensamentos, parecendo conversar com ele. - Morrer hoje? Mas, o que aprendi sobre a vida? O que deixaria como legado às pessoas que um dia passaram por mim? - diz o homem com voz turva e ressecada, olhando para baixo do alto do edifício. Novamente os pensamentos voltam a falar como um homem, num diálogo entre duas pessoas e responde: - Você se lembra do que disse Antoine de Saint-Exupéry “Aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”, é isso que levamos da vida e deixamos para ela. - Mas não é assim! – afirma energicamente o homem. - Alguém disse um dia que “a vida é uma escola e é nela onde aprendemos que nada acaba sem termos aprendido a lição”. Minha vida foi uma enorme escola. Suspira o homem, agarrado ao parapeito do prédio. Uma pausa entre pensamentos e os argumentos do homem é estabelecida por alguns segundos e o som do vento de final de tarde toma conta do ambiente. Mas logo o silencio é interrompido por pensamentos que parecem acompanhar aquele homem: - Se a vida foi “enorme escola” pra você, o que aprendeu dela? Questiona a voz num tom de desafio e provocação. - Ah! Aprendi muita coisa da vida... - suspira o homem como se estivesse iniciando uma reflexão do que “aprendeu da vida” e continua: - Aprendi que a vida pode ser mais simples, mais leve, se deixarmos de tentar mostrar aos outros seres humanos que somos mais fortes, mais jovens, mais belos, mais inteligentes e mais poderosos. - Mas não é essa a graça da vida? Demonstrar ao outro que somos bem-sucedidos? Questiona os pensamentos como uma reprovação. - Nesta luta para demonstrar ao outro que somos “superiores” gastamos até aquilo que não temos. Enfrentamos horas e mais horas em academias, não por uma vida saudável, mas sim para obter um corpo perfeito, capaz de chamar a atenção do outro para nossa suposta “superioridade”. Nos sacrificamos para comprar as mais novas e modernas máquinas de transporte e nos trancamos em nosso pequeno mundo de quatro rodas, aumentamos os congestionamentos das cidades e esquecemos que a vida é muito mais que isso - desabafa o homem. Mais uma pausa é estabelecida neste momento, como se os neurônios estivessem se conectando para fornecer uma resposta “à altura” ou mesmo uma provocação: - Mas olha para você, aqui sozinho e isolado daquele mundo de incansável busca por dinheiro e sucesso, contemplando seus semelhantes lá embaixo, mas veja você - desafia mais uma vez aqueles pensamentos. Parecendo ignorar aqueles pensamentos o homem continua: - Também aprendi que, embora escassa, a verdadeira amizade deve ser preservada e cultivada como um verdadeiro patrimônio. - Amizade? Olhe para eles – diz seus pensamentos – veja como correm de um lado para outro, presos aos seus objetivos individualistas, sem tempo entretecidos com seus modernos celulares. E olhe você, aqui sozinho. – retruca seus pensamentos. O homem olha para baixo, como se estivesse ponderando sobre aquilo e diz: - É triste pensar que transformamos nossa sociedade num mundo egoísta onde a posse, seja ela material, financeira ou intelectual, atrai muito mais “amigos”. – diz o homem enquanto sobe no parapeito do enorme edifício e continua: - Andamos numa cegueira humana como máquinas projetados para o alcance de nossos objetivos e esquecemos de nós mesmos - completa o homem andando lentamente de braços abertos como um equilibrista sobre aquela estrutura de concreto firme. A noite já despontava, enquanto o homem parecia diminuir seu caminhar perigoso, o vento era tão forte naquela altura que movimentava sua gravata azul para o lado esquerdo como uma bandeira trêmula sob o alto de um monte. Naquele instante novamente seus pensamentos voltam a conflitar: - O que deixa para sua família? O que pensam as pessoas com as quais tivera relacionamento? Qual o seu legado? – confronta seus pensamentos. - Parado aqui refletindo sobre o modo como conduzimos nossas vidas – falou o homem como se estivesse dialogando com outra pessoa – vejo que aprendi que o tempo dedicado aos nossos filhos e família são tão preciosos e não voltam mais. Lembro-me de quanto tempo desperdicei, preso às modernas parafernálias tecnológicas, sempre questionando a escassez de tempo e na busca por algo quem nem eu mesmo sabia o que era, apesar de ter objetivos tão bem definidos. Agora vejo claramente que não cuidei, não amei e até desprezei aqueles que estavam ao meu lado. – desabafa o homem com lágrimas nos olhos sobre o parapeito daquele edifício. Num instante mágico de metanoia, resolvido, homem começa a descer do parapeito do edifício num movimento lento e perigoso, sob a afronta de seus pensamentos e daquele vento forte. Mas, de repente ele se desequilibra e grita: - Ai meu Deus! - exclama o pobre homem angustiado. Temendo cair, o homem volta a se equilibrar e desce rapidamente daquele local perigoso. Agora aqueles pensamentos conflitantes parecem abandoná-lo e ele desabafa: - Se eu morresse hoje não poderia colocar em prática todo este aprendizado adquirido com a vida. Agora eu vou ali viver uma vida mais simples, amar mais as pessoas, cultivar amizades, cuidar de mim e de minha família. – suspira o homem aliviado e finaliza: - É isso que levamos da vida... Ainda bem que não morri hoje! QUAL A FINALIDADE DO TEXTO? - Levar o leitor a refletir sobre o modo como conduzimos nossa vida e o que podemos aprender com ela para torná-la melhor.
PARA QUEM SE DESTINA?
A todas as pessoas que precisam repensar o modo como estão conduzindo suas vidas.
O QUE TORNA ESTE DIÁLOGO FORA DO COMUM?
- O fato do homem dialogar consigo mesmo através de seus pensamentos, refletindo e questionando a si mesmo. Ele tem a resposta dentro si, mas não pratica.
IDENTIFIQUE OS ELEMENTOS QUE COMPÕE A NARRATIVA
A) PERSONAGENS: o homem e seus pensamentos. B) TEMPO E O LUGAR: no presente, do alto de um edifício. C) NARRADOR: 3ª pessoa.
O QUE O TEXTO DISCUTE?
- Sobre a forma como os homens conduzem suas vidas, o que aprenderam ao longo dos anos e o que podem fazer para torna-la melhor.
O DESFECHO DO CONTO SURPREENDE?
- Sim, pois o homem percebe que se ele morresse hoje não teria oportunidade de colocar em prática tudo aquilo que aprendeu da vida, sua grande escola.