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marcadores-temporais-na-producao-de-textos
Publicado em NOVA ESCOLA Edição 253, 01 de Junho | 2012

Prática Pedagógica

Como ensinar o uso de


marcadores temporais na
produção de textos
Ajude os alunos a identificar e compreender a ordem dos
acontecimentos em uma história e produzir textos com
indicações de passado, presente e futuro
Noêmia Lopes

"Ontem, eu era pequenina, diz Marina. Ontem,


nós éramos crianças, diz Mariana." Os versos
fazem parte da poesia As Duas Velhinhas, de
Cecília Meireles (1901-1964) (Ou Isto ou Aquilo,
96 págs., Ed. Nova Fronteira, tel. 21/3882-8200,
edição esgotada). Nela, as amigas Marina e
Mariana conversam sentadas na varanda de uma
casa e, enquanto comentam sobre como a tarde
é linda, relembram o passado.

Para quem já domina a língua, pode parecer simples situar os acontecimentos


no tempo, como fazem as protagonistas do texto acima citando o "ontem" e
utilizando o tempo verbal no passado. Mas trata-se de uma competência a ser
adquirida e aprimorada nos primeiros anos do Ensino Fundamental.

Pensando na importância desse conteúdo, Rosiane Ribeiro Justino e Gabriela


Maia Fischer, professoras de 2º e 3º anos na EM Prefeito Wittich Freitag, em
Joinville, a 177 quilômetros de Florianópolis, propuseram a análise dos termos
que remetem ao passado utilizados em diversos contos de fada. Depois, a
turma escreveu sua própria versão de Branca de Neve. O passo a passo dessa
atividade você conhece no quadro à esquerda. Outro trabalho sobre o tema,
realizado pelos estudantes do 5º ano da EMEF Professor Rosalvito Cobra, em
São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, está descrito no quadro das páginas
seguintes. A turma aprendeu com a professora Daniella Crocce a organizar
informações sobre o Egito antigo. O produto final foi a elaboração de uma
minienciclopédia.

Nos dois casos, textos de diferentes gêneros - informativos e literários - foram


usados para estudar o assunto e renderam experiências interessantes. Jaime
Baratz, docente da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), sugere que nas
séries iniciais o trabalho envolva o uso de advérbios como "hoje", "amanhã" e
"ontem". Mais adiante, no 4º e no 5º ano, é esperado que os alunos já tenham
domínio dessas expressões e possam usar outras mais elaboradas, que
indiquem sucessão, duração e simultaneidade, como "depois disso", "durante" e
"enquanto isso".

Os termos citados por Baratz são alguns dos chamados marcadores temporais,
palavras de diversas classes e funções sintáticas, como as descritas a seguir.

- Advérbios "Ontem", "hoje", "amanhã", "já", "agora", "logo", "cedo", "tarde",


"outrora", "breve", "nunca", "sempre", "jamais".

- Locuções adverbiais Duas ou mais palavras com valor de advérbio, como "às
vezes", "em breve", "à noite", "à tarde", "de manhã", "de quando em quando".

- Conjunções Aquelas que dão a ideia de progressão na história que está sendo
contada, como "enquanto isso", "depois disso", "logo que", "assim que".

- Preposições "Durante", "após" etc.

Ao lado das datas e dos tempos verbais, eles dão pistas sobre quando
aconteceram os eventos relatados na composição. Na sala de aula, a análise
dessas expressões costuma erroneamente ficar restrita aos momentos de
revisão da escrita da criança, quando o texto está sendo finalizado. Porém,
quando essa atividade faz parte de etapas anteriores - do planejamento, dos
momentos de reescrita e de escrita de autoria, e ainda é objeto de reflexão
durante a leitura de produções de outros autores -, os textos ficam mais coesos
e recheados de termos apropriados para transmitir informações sobre o tempo
das coisas. "Abordar o tema dos marcadores temporais em diferentes etapas
do trabalho ajuda a organizar o discurso e colabora para o aperfeiçoamento da
escrita, evitando que ocorra uma série de equívocos", explica Ana Flávia Alonço,
assessora da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. "Muitas fábulas,
por exemplo, se passam no decorrer de um dia. Já os contos de fadas, em geral,
requerem uma duração maior e contam com termos como 'era uma vez' e 'há
muito, muito tempo'", exemplifica Claudia Tondato, professora da EMEF
Professor Rosalvito Cobra, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo.
Leitura coletiva e organização das informações colhidas

Ao ler obras de autores experientes, é interessante discutir com os estudantes a


maneira pela qual são utilizados os marcadores temporais. Nesse momento,
você pode lançar questões para estimular a identificação das características
temporais do texto e a reflexão sobre elas, tais como: "O que aconteceu
primeiro e que sequência de fatos veio depois?", "Quais palavras ou expressões
mostram que o tempo está passando?", "A história acontece somente ao longo
de um dia? Se sim, como podemos saber?" e "Se não, que período ela abrange e
como descobrimos essa informação?".

Também é importante ficar claro que nem sempre o tempo aparece com
precisão de datas - mas os termos mostram que os acontecimentos passam,
têm uma sequência. "O professor pode propor a confecção de um quadro com
os marcadores encontrados ou o registro de um pequeno roteiro com os
principais eventos apresentados no texto", sugere Érica de Faria, formadora de
professores da rede municipal de São Caetano do Sul. "Eles podem ser
retomados e ajudarão no momento da reescrita."

Outras boas estratégias para destacar os marcadores temporais são grifar


trechos que revelam informações sobre a passagem do tempo; colocar em
ordem parágrafos recortados de uma história; preencher lacunas de um texto
com marcadores temporais com base em um banco de palavras organizadas
anteriormente pela turma; e comparar como diferentes autores abordam o
passado, o presente e o futuro. "Há escritores que contam fatos da infância",
exemplifica Ana Flávia. "É interessante conhecer essas produções, discutir como
eles fazem os relatos e de que forma mostram ao leitor que certos eventos
pertencem ao passado."

Boas atividades em sequência: planejamento, escrita e revisão

Uma etapa anterior à produção escrita é a do planejamento das informações e


de como será a evolução dos acontecimentos. "A organização é importante para
a criança não se perder na hora da escrita ou da reescrita e, com isso, acabar
frustrada, sem saber qual a melhor maneira de terminar o texto", diz Ana Flávia.

Nesse momento, você deve ajudar a turma a pensar não apenas no que irá
escrever e em quais serão os personagens e lugares da história mas também no
tempo em que ela se desdobrará. Nesse sentido, é possível discutir alguns
pontos: "Qual será o fato marcante em torno do qual vamos organizar a
narrativa?", "O que pode acontecer depois dele? Como deixamos isso claro?",
"Como os eventos vão se suceder até o fim da história?", "Tudo vai acontecer no
mesmo dia ou serão vários dias ou meses?", "Retomamos fatos do passado dos
personagens para dar sentido às ações?" e "Que palavras dão a ideia de que as
coisas não acontecem na mesma hora?".

"Nesse momento, mostramos aos alunos que as histórias são feitas por
descontinuidades e sincronias e que nem tudo precisa ser mostrado
exatamente em sequência", afirma Baratz, da Uneb. Ou seja, além de serem
contados de maneira linear, os eventos podem ser descritos em diversas
ordens - quando o fim da história é contada no começo da narrativa, quando
novos elementos surgem em diversos momentos do texto ou ainda quando
começa em um ponto e ganha uma série de ramificações.

Uma vez que o planejamento é feito com cuidado, o momento das escritas ou
reescritas merece atenção. É importante indicar que os estudantes retomem
listas, esquemas e até mesmo linhas do tempo sempre que necessário.

Por fim, é necessário amarrar o trabalho com uma revisão caprichada. Nessa
etapa, cabem questionamentos como: "Conseguimos demonstrar que o tempo
passou nessa história?", "A ordem dos acontecimentos faz sentido para todos?
Que palavras usadas deram esse efeito?" e "Se não, como melhorar o resultado
final? Que termos não podem ficar de fora?". Atividades como essas fazem a
diferença nas produções da turma - ontem, hoje e amanhã.
Primeiro a mãe morre, depois o pai se casa...

Confira como o 2º ano de Rosiane e Gabriela analisou os marcadores temporais


em contos de fadas e reescreveu Branca de Neve
Texto de Gabriela Cordeiro e Sara Hemilly Vieira Silva Lima, alunas do 2º ano

1. Leitura de textos Com a análise de contos de fadas, a turma reconheceu


que "num instante" indicava algo que ocorria depressa e que "depois de um
tempo" apontava uma sucessão de eventos.

2. Seleção de termos As palavras que indicam a ordem dos fatos foram


organizadas - primeiro coletivamente e depois em duplas - em forma de listas.
Os termos inspiraram as produções dos alunos.

3. Planejamento da escrita Antes de escrever, Sara e Gabriela, autoras do


texto, elegeram as informações que deveriam aparecer e em que ordem. Essa
organização ajudou a contar a história.

4. Produção de textos "Ao analisar os marcadores temporais, os alunos


compreenderam melhor as histórias contadas, o que refletiu em produções
mais ricas", diz a professora Gabriela.

5. Revisão final O que não tinha sido modificado até então foi alterado. As
palavras "aí" e "daí", usadas na linguagem oral, deram lugar a expressões como
"depois disso", "enfim" e "finalmente".

Há mais de 2 mil anos, os alimentos...

Os alunos de 5º ano da professora Daniella organizaram informações sobre o


Egito e elaboraram uma enciclopédia para explicar o assunto

Texto de Brenda Nicholl Costa e Christian Spitzer Rezende Martins, alunos do 5º ano

1. Leitura de textos A análise de enciclopédias e livros que contavam a história


do Egito antigo foi essencial para a turma compreender que a história estudada
é muito anterior ao momento atual.

2. Seleção de termos "Os alunos destacaram informações dos textos lidos:


anotaram quais expressões eram usadas no texto, o tipo de alimento
consumido e como ele era preparado", conta Daniella.

3. Planejamento da escrita Christian e Brenda, autores deste texto, acharam


importante falar sobre os tipos de alimentos consumidos e ressaltar as
diferenças entre eles e os de hoje em dia.

4. Produção de textos O novo vocabulário foi incorporado pela turma - o que


se vê em termos não usados nas produções anteriores, como "naquele tempo"
- e os verbos foram usados no passado.

5. Revisão final Depois de rever as produções feitas ao longo da sequência -


primeiro pequenos trechos e depois verbetes completos -, as crianças
elaboraram a última versão do texto.

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