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Ditadura civil-militar
O contexto da instauração das ditaduras
As décadas de 1950 e 1960 foram marcadas, em alguns países da América Latina, por muitos sonhos e mudanças.
Para o setor industrial, a modernização econômica e a atração de capitais estrangeiros criaram uma oportunidade
de aumentar a produtividade e os lucros. Para a classe média, foi um período de acesso facilitado aos bens de
consumo imediatos e duráveis. O operariado, por sua vez, viu a possibilidade de novas formas de atuação social e
política com a ampliação e a sistematização da legislação trabalhista.
Além disso, em alguns países latino-americanos existiam pessoas que sonhavam com a transformação profunda
da sociedade em que viviam. Elas foram incentivadas pelo sucesso da Revolução Cubana, em 1959. Muitas
acreditaram que a vitória dos guerrilheiros cubanos seria o marco inicial de um tempo de novas experiências
sociais no continente americano.
O panorama internacional, no entanto, era pouco propício a mudanças drásticas: naquele período, o mundo
dividia se em áreas de influência das duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética, que procuraram
assegurar a predominância política, econômica e cultural nos países alinhados.
Em muitos países latino americanos, alinhados com o governo estadunidense, os setores sociais hegemônicos
temiam as mobilizações populares, pois viam nelas o possível germe para uma revolução socialista. Ou seja,
enquanto alguns desejavam mudanças e lutavam por elas, outros buscavam formas de impedi las.
Diante de todos os embates internos e externos por que passavam essas sociedades, grupos militares definiram
alianças com setores civis e desenharam projetos políticos próprios que permitiram a constituição de ditaduras
em vários países latino-americanos, apesar dos protestos de alguns grupos sociais contra a instituição desses
regimes.
O governo democrático do Brasil, por exemplo, sofreu um golpe em 1964. Na Argentina, ocorreram diversos
golpes militares a partir de 1930, e o período ditatorial mais violento durou de 1976 a 1983. O governo do Chile,
por sua vez, passou dezessete anos (1973 1990) nas mãos do general Augusto Pinochet.
Por que os militares entraram na política e assumiram o controle desses e de muitos outros Estados latino
americanos? O que ocorreu nesses países durante os períodos de governos ditatoriais? Desde o fim dessas
ditaduras, tenta se entender os anos difíceis que tais governos impuseram a várias nações da América Latina.
Compreender o passado, afinal, é também uma forma de lidar com as marcas e os traumas que ainda estão vivos
nessas sociedades.
Antecedentes do golpe no Brasil
O golpe de 1964 no Brasil não ocorreu de repente. Os militares brasileiros, apoiados por instituições civis, já
planejavam sua entrada na cena política há algum tempo. Para alguns historiadores, desde 1954 já havia indícios
claros da insatisfação dos militares com a política nacional e da mobilização nos quartéis.
Após o suicídio de Getúlio Vargas (1954) e a tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek (1955), certos
segmentos das forças armadas avaliaram a possibilidade de intervenção direta na política. A reação de grupos
legalistas do exército e o sucesso das negociações políticas conseguiram evitar o golpe nesse período e assegurar o
respeito à Constituição.
Com a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, a resistência de setores conservadores à posse do
vice-presidente, João Goulart, como presidente da república, provocou uma grave crise no país. Novamente foi
possível evitar o golpe: a implantação do parlamentarismo acalmou os ânimos de grupos civis e militares que
temiam o governo de Jango, considerado, por eles, comunista.
No entanto, o apoio recebido pelo presidente, especialmente de organizações e movimentos sociais que lutavam
a favor, por exemplo, da reforma agrária, ameaçou os interesses dos setores conservadores da sociedade
brasileira, criando condições favoráveis a uma intervenção militar.
Golpe no Brasil
O golpe não contou apenas com a iniciativa militar. Setores da sociedade civil e partidos políticos também
participaram da ação. Parte importante do empresariado brasileiro, da imprensa e da política temia uma guinada
à esquerda de Jango e rejeitavam as reformas nacionalistas e estatizantes que o presidente defendia em seus
discursos. A classe média reagia negativamente à proximidade de Jango com os sindicatos e os movimentos
sociais.
A União Democrática Nacional (UDN), adversária da política trabalhista de Getúlio Vargas e Jango, negociou nos
quartéis os caminhos para a formação de um novo governo, enquanto setores conservadores da sociedade
organizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, para se manifestar contra as reformas de base.
Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo (SP). Foto de 19 de março de 1964. Esse movimento foi
organizado por setores conservadores em resposta ao comício, realizado na cidade do Rio de Janeiro, no qual
Jango anunciou as reformas de base. Marchas como a de São Paulo congregaram segmentos das classes alta e
média da sociedade brasileira, que temiam o “perigo comunista” e eram favoráveis à deposição do presidente.
Fora do Brasil, o golpe também era tema de debates e negociações. Os representantes da diplomacia
estadunidense no país, por exemplo, acompanharam o desenrolar da crise política, oferecendo suporte ideológico
e político aos golpistas. Documentos oficiais da CIA e da Casa Branca revelaram que os Estados Unidos teriam
começado a financiar campanhas contra o governo de João Goulart em 1962. É importante lembrar que o mundo
vivia a Guerra Fria e, naquele contexto, os Estados Unidos temiam que o Brasil se aproximasse da União Soviética,
como havia acontecido com Cuba.
O golpe ocorreu na madrugada do dia 31 de março para o dia 1o de abril de 1964. Tropas militares partiram de
Minas Gerais em direção à cidade do Rio de Janeiro para depor João Goulart. No dia 2 de abril, com a presidência
declarada vaga pelo Congresso Nacional, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzili, assumiu temporariamente o
Poder Executivo do país.
Apenas no Sul do Brasil houve uma tentativa efetiva de resistência à ação dos militares: Leonel Brizola, então
governador do Rio Grande do Sul e aliado político de João Goulart, conclamou a população a resistir e insistiu para
que o próprio Jango liderasse o movimento. Porém, o presidente rejeitou a proposta, convicto de que não
conseguiria aglutinar apoio suficiente para defender se, e uma reação poderia levar o país a uma guerra civil.
Jango acabou seguindo para o exílio no Uruguai. Muitos de seus partidários fizeram o mesmo. O governo
brasileiro, assim, caía nas mãos dos militares.
Para os defensores da intervenção militar, o que houve em 1964 foi uma revolução redentora que afastou o Brasil
dos tortuosos caminhos em que teria enveredado nos anos do governo de João Goulart. Para os oposicionistas, foi
um golpe. Mais do que uma disputa em torno de palavras, revolução e golpe são conceitos distintos. Revolução
sugere um movimento amplo, com apoio popular e capacidade de transformação profunda da sociedade. Golpe
alude a uma ação de poucos, preocupados em defender interesses específicos e destituídos de propostas
efetivamente renovadoras.
Anos de chumbo
Em março de 1967, Arthur da Costa e Silva, representante da chamada “linha dura”, grupo das forças armadas que
defendia o endurecimento do regime, sucedeu a Castello Branco na presidência da república.
Costa e Silva enfrentou os protestos de trabalhadores que estavam insatisfeitos com a redução dos salários por
causa da política deflacionária do governo anterior. Para conter as manifestações, o governo realizou intervenções
nos sindicatos urbanos e rurais, buscando eliminar as influências do trabalhismo e da esquerda. Novos dirigentes,
afinados com o regime, passaram a dirigir as associações sindicais.
Nem todos os sindicatos, porém, silenciaram diante da repressão. Em abril de 1968, milhares de operários de
Contagem (MG) cruzaram os braços e reivindicaram 25% de reajuste salarial e liberdade política e civil. Em julho
do mesmo ano, o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco (SP) liderou a paralisação dos trabalhadores da região e a
ocupação de três fábricas. De imediato, a ação repressiva respondeu: os grevistas foram expulsos das fábricas e os
líderes do movimento, presos.
Os estudantes também realizaram diversos protestos para exigir o retorno da democracia ao país, a criação de
mais vagas nas universidades públicas e a melhora na qualidade do ensino. Em uma dessas manifestações, a
polícia militar reprimiu violentamente os estudantes e matou o jovem Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos. O
fato abalou a opinião pública, e as passeatas multiplicaram se em todas as capitais. A mais conhecida delas, a
Passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro, em junho de 1968, reuniu artistas, intelectuais, trabalhadores,
parlamentares e religiosos, entre outros.
Para agravar a situação, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, convocou a população a boicotar as
comemorações da Independência do Brasil no dia 7 de setembro de 1968. Os militares, indignados, alegaram que
Moreira Alves havia abusado dos direitos individuais e políticos, praticando um “atentado à ordem democrática”.
Temendo a ação do governo, o deputado decidiu exilar se.
Em dezembro do mesmo ano, o governo fechou o Congresso Nacional e decretou o AI-5, que reforçou o Poder
Executivo e, entre outras medidas, recrudesceu a censura prévia à imprensa, permitiu a suspensão dos direitos
constitucionais de qualquer cidadão, cassou os direitos políticos de todos os que fossem considerados ameaça à
ordem nacional e autorizou a decretação do estado de sítio e o confisco de bens como punição por corrupção.
Ruas silenciadas
As manifestações públicas e o movimento estudantil não tinham mais lugar no Brasil do AI 5. A voz das ruas foi
silenciada e o espaço institucional de resistência ao regime praticamente deixou de existir.
Políticos do MDB, como o paulista Ulysses Guimarães e o mineiro Tancredo Neves, tentaram contestar algumas
medidas governamentais, mas tiveram pouco sucesso. Outros preferiram buscar o exílio ou agir na
clandestinidade. Diversos grupos recorreram à luta armada, nas cidades e no campo, como forma de combater o
regime. Entre as principais guerrilhas estavam a Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos
Marighella, a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR Palmares), a Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR), liderada por Carlos Lamarca, e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR 8).
A repressão política, no entanto, era cada vez mais severa e impiedosa. O Departamento de Ordem Política e
Social (Dops) e a Operação Bandeirante (Oban), ligada ao exército e financiada por empresários, recorriam
amplamente à tortura de prisioneiros políticos para obter informações e realizar capturas.
O auge da repressão ocorreu no governo de Emílio Garrastazu Médici, eleito pelo Congresso Nacional em outubro
de 1969, após Costa e Silva ser afastado do poder por motivos de saúde.
No governo de Médici, a repressão política agravou se com a criação do Destacamento de Operações de
Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em 1970, que, com a Oban e outros órgãos, foi
responsável pelo desaparecimento, pela tortura e pela morte de milhares de cidadãos brasileiros.