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PROGRAMA Feridas e

Curativos na
DE EDUCAÇÃO
Atenção Primária
PERMANENTE à Saúde
EM SAÚDE
DA FAMÍLIA

UNIDADE 1
Avaliação de lesões
em usuários da
Atenção Básica

Luciane Paula Batista


Araújo de Oliveira
Avaliação de lesões em usuários
da Atenção Básica
Prezados cursistas, nesta unidade, trataremos sobre o processo de avaliação de lesões em
usuários da atenção básica. Para tanto, conheceremos sobre o processo de cicatrização teci-
dual e sobre a avaliação de pele e mucosa.

Você já passou pela experiência de cicatrização alguma vez? Percebeu o tempo e as diferen-
tes fases que esse processo percorre?

Vamos conhecer melhor sobre esse assunto?

Feridas e curativos na Atenção Primária à Saúde


Avaliação de lesões em usuários da Atenção Básica 2
Aula 1: Entendendo o processo
de cicatrização tecidual

O ponto de partida para entender como cuidar de feridas e curativos na Atenção Primária
à Saúde deve ser conhecer sobre o processo de cicatrização tecidual, não é mesmo?

Então, vamos conhecer um pouco sobre a cicatrização?

Cicatrização consiste na cura de uma ferida por reparação ou regeneração dos tecidos afe-
tados evoluindo em fases distintas. Por isso, podemos afirmar que se trata de um processo
sistêmico, complexo, dinâmico e interativo que ocorre em três fases (BLANCK; BARROZO,
2009; CAMPOS et al., 2007), a saber:

Fase inflamatória, exsudativa, reativa ou defensiva

Fase proliferativa, reconstrutiva ou fibroblástica

Fase reparadora, de maturação ou remodelação tecidual

Para um melhor entendimento, falaremos um pouco sobre cada uma delas.

Fase inflamatória ou exsudativa


Esta fase se inicia a partir do momento de formação da lesão e dura cerca de três a seis dias
(GUIMARÃES et al., 2016); nesta, o organismo lança meios para tentar limitar o dano tecidual,
por meio de hemostasia e inflamação. Um trauma tecidual implica em dano de vasos sanguíne-
os, com consequente exposição do colágeno e agregação plaquetária (SANTOS, J. et al., 2011).

A hemostasia requer a formação de um tampão de plaquetas e fibrina no local da lesão


vascular, bem como a permanência de substâncias procoagulantes ativadas nesse processo
no local da lesão. O entendimento que se tem atualmente sobre o processo hemostático
considera a inter-relação dos processos físicos, celulares e bioquímicos que atuam em uma
série de estágios ou fases, e não em duas vias (intrínseca e extrínseca) como antes, confor-
me mostra o quadro a seguir (FERREIRA et al., 2010).
Fases da coagulação

Iniciação Amplificação Propagação Finalização

Endotélio vascular e células Trombina ativa plaquetas, Produção de grande Processo de coagulação
sanguíneas circulantes são cofatores V e VIII, bem quantidade de trombina, é limitado para evitar
perturbados; e há interação como fator XI na superfí- formação de um tampão oclusão trombolítica ao
da FVIIa, derivada do plas- cie das plaquetas. estável no sítio da lesão redor das áreas íntegras
ma, com o FT. e interrupção da perda dos vasos.
sanguínea.

Quadro 1 – Resumo da atual teoria da coagulação baseada em superfícies celulares

Fonte: Ferreira et al. (2010).

No tecido traumatizado, ocorre então uma vasoconstrição inicial seguido de vasodilata-


ção e aumento da permeabilidade vascular. Desse modo, a região lesionada caracteriza-se
pelos sinais flogísticos de dor, calor, rubor e edema. O infográfico a seguir resume, de forma
esquemática, a fase inflamatória da cicatrização tecidual.

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Fase proliferativa, reconstrutiva ou fibroblástica
Esta fase se inicia ao final dos processos inflamatórios e dura aproximadamente três sema-
nas. Nesta etapa, ocorre a angiogênese, que nada mais é do que a formação de vasos
estimulada pelo fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), com consequente migração de célu-
las endoteliais e formação de capilares.

Também ocorre a migração dos fibroblastos para o local da lesão na qual se dividem e
produzem componentes da matriz extracelular, com a finalidade de promover a contração
da ferida, conforme você pode ver melhor na figura seguinte.

Figura 1 - Migração de fibroblastos na fase proliferativa da cicatrização tecidual

Fase reparadora, de maturação ou remodelação tecidual


A fase reparadora geralmente começa após a terceira semana de surgimento da lesão,
podendo durar de meses a anos. É caracterizada pela reorganização do colágeno e pelo
surgimento de maior força tensora na lesão. Nesta fase, fibroblastos e leucócitos presentes
na lesão secretam colagenases promovendo a organização da matriz, conforme demonstra
a Figura 2 a seguir:

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Figura 2 - Organização da matriz de colágeno na fase reparadora
do processo de cicatrização tecidual

Na Figura 3, é possível ver uma lesão cujo leito apresenta predominância de tecido de gra-
nulação e que indica que a ferida se encontra na fase proliferativa da cicatrização. Também
é possível observar uma contração da lesão de forma centrípeta com redução do seu leito,
evidenciado pela borda de cor clara, sem pelos.

Figura 3 - Ferida na fase proliferativa da cicatrização

Fonte: Autoria própria.

Assim, cursistas, as fases mencionadas fazem parte do que é esperado em um processo de


cicatrização de qualquer pessoa que tenha sua pele lesionada. No entanto, existem algumas
condições que podem acelerar ou retardar esse processo.

Que condições podem afetar um processo de cicatrização? E como devemos agir diante do
surgimento desses novos fatores?

Conhecer a influência desses fatores é importante para que sejam tomadas condutas ade-
quadas acerca das lesões apresentadas pelos usuários.
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Vejamos que fatores são esses:

Fatores locais: dimensão e profundidade da lesão; grau de contaminação,


corpo estranho, infecção local; presença de exsudato; ressecamento;
trauma e dor; edema; necrose tecidual; tratamento tópico inadequado.

Fatores sistêmicos: estado nutricional; medicamentos; doenças


crônicas (DM, HAS); tabagismo (nicotina causa vasoconstrição e,
consequentemente, reduz o suprimento de oxigênio no sangue);
idade avançada; uso de medicamentos.

Assim, percebem o quanto é importante o conhecimento acerca desses fatores destacados


anteriormente para a definição de condutas?

Agora, iremos discutir sobre os efeitos dos medicamentos sobre o processo de cicatrização
tecidual, conforme observamos no quadro a seguir:

Medicamentos Efeitos sobre a cicatrização tecidual


• Inibe a proliferação epitelial.

• Prejudica a resposta inflamatória.


Corticosteróides,
• Dificulta o crescimento do tecido de granulação.
Costisona, Hidrocortisona e Prednisona.
• Reduz a contração da ferida.

• Aumenta o risco de infecção.

• Diminui a força de tensão na ferida.


AINEs (em altas doses),
• Reduz a contração da ferida.
Ibuprofeno, Celecoxib.
• Atrasa a epitelização.

• Diminui a ativação e adesão plaquetária.


Antiagregantes plaquetários,
• Inibe a fase inflamatória da cicatrização.
Aspirina, Clopidogrel.
• Inibe a proliferação epitelial de queratinócitos.

Anticoagulantes,
• Inibe as ligações cruzadas do colágeno e acelera sua degradação.
Heparina.

Vasoconstritores,
• Hipóxia tissular devido à redução da microcirculação.
Nicotina, Cocaina, Adrenalina e Ergotamina.

• Atrasa a migração celular para a ferida.

• Menor produção de colágeno.


Agentes Antineoplásicos,
• Prejudica a proliferação de fibroblastos.
Quimioterápicos.
• Inibe a contração da ferida.

• Aumenta o risco de infecção.

Quadro 2 – Efeitos dos medicamentos sobre o processo de cicatrização tecidual

Fonte: Traduzido de NPUAP (2016).

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Por que precisamos prestar muita atenção à infecção? E que cuidados devemos tomar
diante dela?

A presença de infecção é um importante fator a ser considerado, pois nossa atuação no


cuidado desses usuários pode prevenir e tratar tal situação, porém, quando não são toma-
dos os devidos cuidados, a presença de microrganismos pode comprometer não somente a
completa cicatrização como prejudicar o estado de saúde do usuário de forma mais global.

Para tanto, precisamos conhecer melhor a terminologia relacionada às lesões e infecções


para usá-la de forma correta em nossa prática profissional. Então, vamos entender o signi-
ficado de cada um desses novos termos a partir do pressuposto de que todas as lesões são
expostas a microrganismos, lesões essas agudas ou crônicas. Senão, vejamos:

Colonização: significa presença de microrganismos sobre uma super-


fície, sem sinais ou sintomas infecção, de modo que enquanto o
ambiente estiver estável e a pessoa tiver uma boa imunidade, sua
pele poderá estar colonizada sem estar infectada.

Contaminação: acontece quando os microrganismos penetram em


tecidos e isso pode acontecer em feridas com solução de continuidade
por meio de contato direto.

Infecção: ocorre quando um tecido é invadido por bactérias que se


proliferam e lesionam o tecido; do ponto de vista quantitativo, define-
-se infecção como a presença de 100.000 microrganismos/grama
e, macroscopicamente, expressa-se pela presença de purulência.
O risco de infecção é aumentado pelo número de microrganismos, pela
virulência do microrganismo (probabilidade de causar infecção) e pela
imunidade do indivíduo (quanto menor, mais vulnerável ele estará).

Fonte: Irion (2012).

Perceberam o quanto é importante a diferenciação dos conceitos acima listados?

Você pode estar se perguntando: quem são esses micro-organismos e como eles agem nas
feridas? Vamos conhecer os mais famosos agora.

Os micro-organismos mais encontrados em feridas, segundo revisão realizada por


Pessanha et al. (2015), foram Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Enterobacter,
Klebsiella pneumoniae e Acinetobacter. Quando a lesão tem contato com material fecal –
como em pessoas com lesão sacral em uso de fraldas geriátricas – pode acontecer infecção
por bactérias como Proteus, Klebsiella e Escherichia coli.
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Ao considerar todas as implicações que uma infecção pode acarretar, você poderá enten-
der melhor a importância de que suas intervenções sejam voltadas a preservar o tecido de
granulação presente no leito da ferida e para fazer com que esta não esteja infectada. Sendo
assim, que tipo de precaução podemos tomar para prevenir uma infecção?

A higienização das mãos, é um exemplo prática de precaução padrão universal que deve ser
adotada sempre antes e depois de manipular lesões e curativos dos usuários, em qualquer local
em que se realize o cuidado – domicílio, unidades de saúde, entre outros. Cuidados com a lim-
peza da lesão e a escolha de produtos e coberturas serão abordados mais adiante na Unidade 4.

Assim, sabendo que tais fatores influenciam na recuperação do usuário e oclusão de sua
lesão, entendemos que quando algumas das alterações citadas se fazem presentes, a cica-
trização pode se tornar mais demorada e é por isso que é preciso conhecer os tipos de
cicatrização. São elas (BLANCK; BARROZO, 2009; SANTOS et al., 2011; TAZIMA et al., 2008):

Cicatrização primária ou por primeira intenção

É o tipo de cicatrização ideal que ocorre quando as bordas são


apostas ou aproximadas, havendo perda mínima de tecido, aus-
ência de infecção e mínimo edema. A formação de tecido de
granulação é visível e a lesão tem baixo potencial de infecção;
costuma deixar cicatriz mínima e discreta. Um exemplo simples
seriam os casos em que o usuário passa por uma cirurgia e a
incisão é ocluída por meio de sutura.

Cicatrização secundária ou por segunda intenção

Denominamos dessa maneira as situações em que ocorre perda


excessiva de tecido e a aproximação primária das bordas não é
possível, seja associada ou não a infecção. Esse tipo de cica-
trização está mais relacionado a ferimentos infectados e lesões
com perda acentuada de tecido; requer maior tempo para con-
tração e estilização; produz cicatriz protuberante; a cicatrização é
mais lenta do que nas de primeira intenção.

Cicatrização primária tardia, por terceira intenção ou mista

Designa a aproximação das margens da ferida (pele e subcutâ-


neo) após o tratamento aberto inicial. Isso ocorre principalmente
quando há presença de infecção na ferida, que deve ser tratada
primeiramente, para então ser suturada posteriormente, a fim
de que apresentem melhores resultados funcionais e estéticos.
Exemplo disso seria ferida extensa ou que esteja contaminada
ou com deiscência.

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Dessa forma, é preciso reconhecer o tipo de cicatrização em que a ferida se encontra a fim
de traçar as condutas necessárias, não é mesmo?

E agora, vamos refletir um pouco?

Imagine que você acaba de começar a atuar na ESF e identifica que no


grupo de idosos da unidade há usuários como a Sra. Ednelza, da nossa
situação problema, que apresenta lesões nos membros inferiores.

1. Como você abordaria a questão da influência dos fatores sistêmi-


cos sobre a cicatrização tecidual, considerando que esse público tem
uma baixa escolaridade?

2. É possível que, se a lesão da Sra Ednelza estivesse na segunda fase


do processo cicatricial, poderia retornar à fase inflamatória?

Após essa reflexão, para finalizar esta aula e verificar sua aprendizagem, observe a figura a
seguir em que se encontra um esquema resumido sobre o processo de cicatrização tecidual
(BRASIL, 2002):

Processo de Cicatrização

Reação imediata

Reação vascular Reação inflamatória

Proliferação Granulação

Epitelização

Maturação e remodelagem Contração

Figura 4 - Processo de cicatrização tecidual

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Aula 2: Avaliação de pele e mucosas

Cursistas, aqui iniciamos a nossa Aula 2 da Unidade 1. Esta aula disporá sobre a avaliação de
pele e mucosas. O profissional de saúde da APS precisa atuar na avaliação e tratamento das
alterações de integridade e na saúde da pele e mucosas, preservando e favorecendo todas
as suas funções: estética, protetora, barreira, termorregulação e sensorial.

Ao identificar qualquer alteração, é importante tomar condutas adequadas que envolvem o


cuidado direto e/ou encaminhamento para serviços mais especializados. Antes disso, vamos
revisar alguns aspectos da estrutura e função da pele?

A pele é constituída por três camadas: epiderme, derme e hipoderme ou tela subcutâ-
nea. Trata-se do maior órgão sensorial humano, pois reveste toda a superfície corporal e
possui diversas funções: termorreguladora; serve como barreira protetora contra agressões
externas e ainda confere as sensações térmicas, táteis (pressão, vibração) e dolorosas; é
ainda capaz de excretar água, eletrólitos e ureia, e tem a função de metabolização por ser
o sítio de ativação da vitamina D, mediante exposição da pele aos raios UVB (GUIMARÃES
et al., 2016). As glândulas sebáceas presentes na pele secretam substâncias que agem como
lubrificante e emulsificante e formam o manto lipídico da superfície cutânea, conferindo
atividades antibacteriana e antifúngica (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2004).

A epiderme é a camada mais externa da pele e se constitui predominantemente por células


dispostas em camadas contendo ceratinócitos, melanócitos, células de Langerhans e célu-
las de Merckel. Na derme, encontram-se vários elementos de sustentação (fibras elásticas,
colágeno e fibras reticulares) que possibilitam a elasticidade da pele, além de fornecer uma
sustentação para os vasos e nervos que nutrem o epitélio escamoso.

Essas múltiplas funções do revestimento cutâneo, somadas à sua extensão, conferem à pele
uma condição de importante interface com o meio externo (TEBCHERANI, 2014). Inúme-
ras alterações – como pressão, traumas mecânico, químico, físico e isquêmico e cirurgias
– podem acometer a integridade da estrutura da pele, resultando em solução de continuida-
de, denominadas como feridas (DEALEY, 2008).
Caros cursistas, de modo geral, as alterações da pele podem ser classificadas como lesões
primárias e secundárias, em que as primárias são as que causam mudanças na estrutura
da pele, enquanto as secundárias são derivadas da evolução de algum comprometimento
já existente. Com o exposto, percebemos a importância de colher um histórico detalhado
do usuário para conhecermos seus antecedentes pessoais e familiares, sua ocupação, pro-
cedimentos e cirurgias anteriores entre outras questões que podem ajudar o profissional a
entender a queixa atual e relacioná-la ao estado de saúde global do indivíduo.

E o que é avaliação dermatológica? A avaliação dermatológica consiste em buscar informa-


ções por meio da anamnese e exame físico, sendo essencial, nesse último, a aplicação dos
métodos propedêuticos da inspeção e palpação (compressão, digitopressão e vitropres-
são) (GUIMARÃES et al., 2016).

Para realizar o exame físico com qualidade e segurança, algumas


condições básicas devem ser garantidas: proceder a avaliação em
um local claro, de preferência, com iluminação natural – se usar luz
artificial, lembrar que determinadas fontes de luz podem alterar a
percepção de cor da lesão; usuário e profissional devem estar em
posição confortável para ambos, sendo que o usuário deve estar
protegido do frio e correntes de ar e, para manter sua privacidade,
somente a área examinada deve ficar descoberta; essa área, por sua
vez, deverá ser totalmente exposta para que possamos visualizar a
lesão como um todo bem como os tecidos adjacentes; pode também
ser utilizada uma lente de aumento para melhor visualização de
detalhes, especialmente em lesões profundas; por fim, é importante
conhecer os marcos anatômicos de referência para facilitar a locali-
zação e registro correto das alterações encontradas. A figura a seguir
apresenta as denominações mais adequadas.

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Figura 5 - Localização anatômica – visão anterior do corpo humano.

Fonte: Adaptado de Guimarães (2016).

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Figura 6 - Localização anatômica – visão posterior do corpo humano.

Fonte: Adaptado de Guimarães (2016)

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Depois de proceder com a entrevista e exame físico geral do usuário, quando identificada algu-
ma ferida, deve ser realizada uma avaliação verificando cinco aspectos críticos: cor, odor,
drenagem, extensão e pele circundante, que em inglês, formam o acrônimo CODES.
A seguir, falaremos um pouco sobre cada um desses aspectos.

A coloração do leito da ferida é um importante quesito a ser analisado. Para que você se
lembre sempre dessa informação, observe o infográfico a seguir, baseado em Irion (2012):

Pode significar três coisas: exsudato purulento (pus com textura espessa e
odor, sinalizando infecção); fibrina (produto final da cascata de coagulação
sanguínea que, junto com as plaquetas, forma trombos. Cria uma camada
endurecida de difícil remoção); crosta (tecido necrótico parcialmente solu-
bilizado com cor que varia de acinzentada até castanho-amarelada).

Essa coloração é observada no tecido de granulação, local que deve


estar sempre limpo, hidratado e livre de agressões. Quando esse tecido
se torna mais claro (rosado) há indicativo de má circulação arterial;
quando se torna um vermelho escuro indica necrose iminente com pos-
sível infecção nesse tecido. Um tecido de granulação saudável é aquele
de cor vermelho vivo e aspecto úmido.

Representa tecido necrótico ressecado. Com exceção da gangrena seca


(causada por isquemia intensa e, geralmente, está indicada a amputação),
esse tecido deve ser removido (desbridado) para permitir que novas
células preencham o local.

O odor é outra importante característica a ser avaliada. Embora as feridas saudáveis não
costumem apresentar odor, sua ausência não exclui a chance de ali existir infecção. Feridas
que abrigam grande quantidade de tecido necrótico por muito tempo apresentam um odor
pútrido associado a presença de tecido em decomposição. Um odor de frutas/doce associa-
do ao exsudato esverdeado costuma aparecer em infecções por Pseudomonas aeruginosa
(IRION, 2012).

A drenagem deve ser descrita em termos de volume e característica. Uma ferida cujo
leito encontra-se ressecado requer intervenções para aumentar sua umidade e, assim,
proporcionar a cicatrização tecidual. Dizemos que uma ferida apresenta secreção máxima
ou copiosa quando, ao removermos as coberturas, percebemos que as gazes estão
completamente molhadas pelo exsudato. Determinadas coberturas auxiliam na remoção do
excesso de exsudato e outros permitem que o meio esteja sempre úmido. Essas informações
você terá na Unidade 4. Algumas pessoas adotam o termo secreção e outras exsudato,
portanto, iremos esclarecer: por definição, transudato consiste em um líquido límpido
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consistindo em água e pequenas partículas. Já o exsudato contém elementos maiores, como
células e proteínas (IRION, 2012).

A extensão e a forma de uma ferida também precisam ser avaliadas e registradas. Em


feridas mais superficiais pode ser feita apenas a medição de sua área de superfície, como
demonstrado no desenho a seguir.

Agora, vamos conhecer as técnicas para medição de ferida, de forma regular e de


forma irregular.

Figura 7 - (a) Técnica para medir feridas de forma regular;


(b) Técnica para medir feridas de forma irregular

Fonte: Oliveira et al. (2005).

Na figura do lado direito (segunda figura), o profissional mede a lesão posicionando uma
folha de acetato e, nessa, desenha o contorno da lesão. No desenho resultado, você deverá
traçar uma linha vertical e outra horizontal, tomando como referência os pontos mais exten-
sos do comprimento e da largura da ferida; com esses valores em centímetros calcula-se a
área da ferida (SAAR; LIMA, 2008).

E como podemos avaliar a extensão da lesão? Em feridas muito irregulares pode haver uma
estimativa exagerada da área verdadeira, por isso o profissional pode apenas reproduzir
esse desenho no prontuário para registrar e, assim, acompanhar a evolução do usuário. Já
existem hoje dispositivos transparentes com círculos ou elipses concêntricos, com núme-
ros impressos, indicando o raio ou diâmetro que fornecem uma noção da área da lesão.
Lembramos que dispositivos plásticos não estéreis podem ser colocados sobre a ferida para
medição, mas nunca em contato direto com ela pelo risco de infecção (IRION, 2012).

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Ainda para ter noção da extensão de uma lesão, é importante medir sua profundidade e,
entre as técnicas possíveis, está a avaliação do volume introduzindo solução salina estéril
por meio de uma seringa. Não se esqueça de anotar o volume inicial introduzido, pois
dele será subtraído o volume final aspirado da lesão, e a diferença do valor representará
o volume da lesão. Certifique-se que o usuário esteja posicionado de modo que a super-
fície da ferida fique paralela ao assoalho do leito. Se existir dificuldades em posicionar o
usuário para medição, o soro fisiológico pode ser substituído pelo hidrogel, cuja consis-
tência é mais viscosa e, portanto, não será derramado na hora da medição. Essa avaliação
pode ser feita tranquilamente no ambiente domiciliar desde que tomados os cuidados já
mencionados (IRION, 2012).

E a avaliação da pele circunvizinha é importante? A avaliação da pele circunvizinha também


merece atenção, pois quando não saudável, retardará a cicatrização mesmo nos casos em
que o leito da ferida está preenchido por tecido de granulação. Assim, devemos observar se
há presença de maceração, inflamação, hidratação, nutrição, calosidade ou hiperqueratose,
endurecimento e sua coloração (IRION, 2012).

Características da pele circunvizinha Significado

Coloração

Esbranquiçada Falta de fluxo sanguíneo ou insuficiência arterial.

Cianose. Falta intensa de oxigênio devido à insuficiên-


Azulada
cia arterial, cardíaca ou doença respiratória.

Enegrecida Necrose em decorrência de doença arterial grave.

Pele seca e delgada Atrofia cutânea devido à falta de nutrição da pele.

Sinais de inflamação, podendo estar acompanhada


Eritema, edema e endurecimento anormal da pele.
ou não de infecção.

Podem estar diminuídos na pele de idosos e deve ser


Hidratação e turgor avaliada pela técnica de palpação em pinça, observan-
do seu tempo de retorno à posição inicial.

Pele de aspecto intumescida e mais clara que surge


Maceração
devido à exposição prolongada da pele à umidade.

Também denominado de xerose, o ressecamento


excessivo associado à diabetes e doença arterial pode
Ressecamento cutâneo excessivo
resultar na formação de fissuras da pele, acarretando
risco de infecção.

A escama representa queratinização anormal e pode


Descamação
aparecer acompanhada por sinais de inflamação.

Quadro 1 – Alterações a serem avaliadas na pele circunvizinha.

Fonte: adaptado de Irion (2012).

Já que falamos sobre a pele circunvizinha, não podemos esquecer que avaliar suas bordas
é igualmente importante. Essas precisam ser analisadas quanto a sua hidratação, sinais de
lesão e aderência da margem ao leito da ferida. A falta de aderência pode ser caracterizada
pela formação de túneis ou trajetos fistulosos, bordas solapadas ou formação de bolsões.
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Outro dado semiológico importante de ser investigado é a presença de dor, a qual pode
ser medida por meio de escalas. Quando a dor aumenta de intensidade de modo súbito e
acompanhada por odor e secreção, há indicativo de infecção.

Saiba mais sobre escalas de dor em:


<http://revista.hupe.uerj.br/detalhe_artigo.asp?id=426>.

E quais as condutas para as lesões nos membros inferiores? Quando as lesões aparecem nos
membros inferiores, devemos realizar algumas avaliações adicionais capazes de identificar
alterações arteriais, venosas ou linfáticas. Alguns desses exames requerem instrumentos
mais sofisticados enquanto outros podem ser realizados nos serviços de atenção primária,
os quais serão apresentados a seguir.

Um exame simples consiste em palpar as artérias dorsal do pé e tibial posterior para veri-
ficar se o pulso está presente nesses locais. Se houver disponibilidade de um estetoscópio
Doppler, esse pode ser utilizado para melhorar a sensibilidade do teste. Outra possibilidade
é a verificação do Índice Tornozelo Braquial (ITB) de cada membro a partir da verificação
da Pressão Arterial com auxílio de esfigmomanômetro e estetoscópio Doppler. Os valores
obtidos devem então ser aplicados na fórmula: ITB = (PASt / PASb), em que PASt repre-
senta a pressão arterial sistólica do tornozelo e PASb pressão arterial sistólica do braço
(KAWAMURA, 2008). Veja na imagem a seguir:

Figura 8 - Realização do exame para verificação do ITB.

Fonte: Irion (2012, p. 63).

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O ITB pode então ser adotado como uma ferramenta simples e efetiva para o rastreamento
de doença arterial periférica. É considerado alterado quando apresenta índice menor que
0,90, sendo relacionado a um pior prognóstico cardiovascular e ao aumento de mortalidade
de todas as causas (SABEDOTTI et al., 2014). Para Irion (2012), ITB que varia de 1,05 e 1,10 é
encontrado em pessoas saudáveis; entre 0,75 e 0,90 indica arteriopatia moderada e, alguns
especialistas no assunto, afirmam que terapia por compressão não deve ser empregada
nesses casos. O ITB de 0,5 a 0,75 indica arteriopatia grave e, ao identificar tal achado, o
profissional deverá preencher uma ficha de referência encaminhando o usuário ao serviço
disponível na rede que disponha de um cirurgião vascular. Valores elevados também são
preocupantes, pois quando estão acima de 1,10 podem indicar calcificação arterial.

Os exames mencionados acima são importantes para avaliar alterações arteriais, mas tam-
bém faz necessário avaliar o risco ou a existência de insuficiência venosa. Ao realizar o exame
físico, o profissional deve ficar atento para a dilatação de vasos superficiais nos membros
inferiores e se esses apresentam trajetos tortuosos, pois podem indicar insuficiência venosa.

Vamos compreender melhor acerca da insuficiência venosa? A insuficiência venosa pode


ser causada por oclusão de vasos – internamente, o fluxo pode estar interrompido devido
a trombos e, externamente, devido à obesidade, gravidez, neoplasias ou dispositivos de
compressão aplicados erroneamente –, por incompetência das válvulas venosas ou por
problemas no mecanismo de bombeamento existente na panturrilha, que podem acome-
ter, por exemplo, pessoas que passem um tempo com imobilização de um membro devido
a uma fatura (IRION, 2012).

A avaliação sensorial também é fundamental e uma maneira simples de realizá-la durante


atendimentos na UBS ou no domicílio, é o de tocar a pele do usuário com a ponta de algo-
dão ou objeto com ponta enquanto esse se encontra com os olhos fechados, solicitando
que ele informe quando sentir o estímulo e/ou observando suas expressões e movimen-
tos nesse momento.

Como o profissional da saúde pode se prevenir de uma suposta contaminação na realização


de todos esses exames? Não podemos esquecer que durante o exame físico é imprescindível
o uso adequado dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), tais como luvas,
máscara, gorro, jaleco e sapatos fechados, especialmente quando em contato com usuários
cujas lesões se encontram com solução de continuidade exposta. Embora em alguns
serviços na APS os profissionais tenham maior flexibilidade na adoção de fardamentos e
padronização, não se pode esquecer que no momento de realizar determinados cuidados
em que exista possível contato com material biológico, os EPIs mencionados são importantes
para manter barreiras que evitem também a contaminação do profissional.

Finalizamos, assim, nossa Unidade 1 com abordagem de conceitos relevantes acerca do


processo de cicatrização tecidual e da avaliação de pele e mucosas. Salientamos que tais
conceitos se tornam indispensáveis aos profissionais da atenção básica, pois eles norteiam
os procedimentos para as feridas e os curativos.

Feridas e curativos na Atenção Primária à Saúde


Avaliação de lesões em usuários da Atenção Básica 19

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