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UNIVERSIDADE ESTACIO DE SÁ

LARISSA DE SEABRA PEREIRA BIANCHI

DO LIVRO AO FILME: UMA TRANSPOSIÇÃO DE MEIO


Jane Austen para cinema: o romantismo e o realismo como inspiração

Rio de Janeiro – Rio de Janeiro


2019
LARISSA DE SEABRA PEREIRA BIANCHI
2

DO LIVRO AO FILME: UMA TRANSPOSIÇÃO DE MEIO


Jane Austen para cinema: romantismo e o realismo como inspiração

Monografia apresentada a Universidade


Estácio de Sá, como parte das exigências
para a obtenção do título de Bacharel em
Cinema e Audiovisual.

Local, ____ de _____________ de 2019.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Miranda

________________________________________
Prof. (Nome do professor avaliador)
Afiliações

________________________________________
Prof. (Nome do professor avaliador)
Afiliações

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................................7
CAPÍTULO 1 – O ROMANCE INGLÊS E JANE AUSTEN....................................................9
3

1.1 – A influência da individualidade na sociedade moderna do século XIX................................9


1.2 – Romantismo, realismo e Emma: a atemporalidade de Jane Austen.....................................13
1.3 – Importância cinematográfica em trabalhar Jane Austen.......................................................17
CAPÍTULO 2 – A RELAÇÃO ENTRE CINEMA E LITERATURA....................................20
2.1 – A literatura, o cinema e suas adaptações..............................................................................20
2.2 – O papel da adaptação para a indústria do filme e sua influência na literatura......................23
2.3 – Tipos de adaptação................................................................................................................26
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DAS ADAPTAÇÕES DO LIVRO DE JANE AUSTEN,
“EMMA” PARA CINEMA ATRAVÉS DOS FILMES “EMMA” (1996) E “AS
PATRICINHAS DE BEVERLY HILLS”
(1995).......................................................................29
3.1 – O personagem Emma Woodhouse criado por Jane Austen e sua trama...............................29
3.2 – Literatura para cinema: Emma (1996) e As patricinhas de Beverly Hills (1995).................33
3.3 – O processo criativo dos roteiristas-diretores de Emma (1996) e As Patricinhas de Beverly
Hills (1995)....................................................................................................................................36
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................40
FONTES DE CONSULTA ...........................................................................................................42
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“The person, be it a gentleman or a lady, who has


not pleasure in a good novel, must be intolerably
stupid”
Jane Austen

RESUMO
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Este trabalho dedica-se a analisar o processo de adaptação de literatura para cinema a partir da
obra Emma de Jane Austen e os filmes Emma (1996) de Douglas McGarth e As Patricinhas de
Beverly Hills (1995) de Amy Heckerling. E para um melhor entendimento do universo dessa
autora, é necessária uma imersão em sua época e nos movimentos por ela trabalhados: o romance
inglês e o realismo que eclodiram na Europa no século XIX. Explicando como uma sensibilidade
atemporal da autora inspira cineastas a trabalharem suas obras para filmes. Ademais, são
explicadas as teorias acerca do processo de adaptação de um livro para cinema. São citados
estudiosos como Teixeira Coelho, Robert Stam e Sergei Eisenstein como caminho para
compreender o processo de adaptação do livro de Jane Austen.
Palavras-chave: Jane Austen, “Emma”, adaptação, romantismo, realismo, literatura, cinema.

ABSTRACT
This thesis is dedicated to analyzing the process behind adapting literature to film taking into
consideration the work of Jane Austen with the book Emma and the feature films Emma (1996)
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written and directed by Douglas McGrath and Clueless (1995) written and directed by Amy
Heckerling. For a better understanding of this author’s universe it is necessary to immerse
oneself onto her time and the artistic movements of which inspired her works such as English
romance and realism, movements that were established during the 19 th century. Explaining how
Jane Austen’s timeless sensibility inspires filmmakers on transforming literature to film. In
addition it is briefly explained the theory behind the process of book adaptation to film. Are cited
scholars such as Teixeira Coelho, Robert Stam and Sergei Eisenstein as ways to understand the
process of adapting the world of Jane Austen to film.
Keywords: Jane Austen, “Emma”, adaptation, English romance, realism, literature, film.
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Introdução
Jane Austen (1775-1817) é uma autora de alto renome, podendo ser classificada como um
dos autores mais influentes da Literatura Inglesa, seus romances costumam tratar de realismo
doméstico possuindo mulheres como personagens principais e abordam a realidade do
matrimonio de sua época relacionado com amor. Para melhor entendimento de suas obras e
sua atemporalidade que as fazem tão atraentes ainda nos dias de hoje, é necessário entender a
forma como Austen escrevia, seu estilo literário. Jane Austen começou a escrever livros ao
mesmo momento que surgia o gênero Romance como conhecemos hoje, apesar disso, seus
livros são capazes de apresentar dois movimentos importantes da Literatura – Romantismo e
Realismo – Neste trabalho busco apresentar um pouco sobre o processo de adaptação do livro
Emma para o cinema assim.

As obras de Austen apesar de terem sido escritas e publicadas a cerca de dois séculos
atrás ainda hoje fazem grande sucesso, a atemporalidade da autora é um tópico discutido por
diversos estudiosos inclusive Lúcio Cardoso (1982, p.6) que diz “[...] a verdade é que apesar
de tudo, os livros de Jane Austen atravessam os anos, dotados de uma assombrosa vitalidade.
É preciso acrescentar que não o fazem como geladas relíquias de uma época desaparecida,
como o desejam tantos – mas ao contrário, pelo sabor de sua indestrutível atualidade.”. A
autora foi capaz de criar personagens e enredos nos quais os leitores são capazes de se
identificar o que torna inevitável que suas obras sejam lidas e adaptadas ainda nos dias de
hoje, suas obras apresentam e exemplificam o preconceito entre classes, o patriarcado e ainda
expõe características humanas como “[...] a mediocridade das pessoas, hábitos ridículos, a
vaidade e a tolice dos nobres e burgueses que permitiam por meio do preconceito a separação
entre as classes”(CARDOSO, 1982, p.5) o que mostra o cuidadoso cuidado da autora na
criação dos personagens.

Além disso, Jane Austen foi influenciada por dois movimentos artísticos de sua época o
romantismo e o realismo e os inclui a seu estilo de prosa em conjunto com outros fatores,
_________________
COELHO, Teixeira. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo: Comunique, 2010 (Coleção Masp). p. 13
FARATH, Mariana Melo Cunha. Análise do romance “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen: a autora, o
gênero e as personagens EIE - nº 02, vol 01, 2018. Dissertação, UNIFATEA. Lorena, São Paulo, 2018. .45
JOHNSON, Claudia L.. Jane Austen – Women, Politics, and the novel. Chicago, Estados Unidos da America,
1988. p.24
[1] “with rich and unapologetic senses of self-confidence, Austen defies every dictum about female propriety and
deference propounded in the sermons and conduct books which have been thought to shape her opinions on all
important matters”
[2] “the device of centering her novels in the consciousness of unempowered characters – that is, women. […]
enables Austen to expose and explore those aspects of traditional institutions.”
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como “[...] a crítica social, a ironia, as personagens femininas, as descrições minuciosas, o


abundante uso dos diálogos e a utilização de cartas.”(MARIANA FARATH, 2018, p.45)
sobre as personagens femininas é interessante lembrar que duas se destacam, Elizabeth
Bennet e Emma Woodhouse respectivamente de “Orgulho e Preconceito” e “Emma”
inclusive é pontuado por Claudia Johnson que essas duas personagens “[...] com forte
sentidos e sem desculpas pela sua autoconfiança, Austen desafia todos os ditames sobre
propriedade e deferência femininas apresentadas nos sermões e livros de conduta que foram
usados para moldar suas opiniões sobre todos os assuntos importantes” (Introduction, 1988,
p.22, tradução nossa)[1] Austen apresenta personagens femininas orgulhosas e confiantes que
era o contrário do esperado pelas mulheres de sua época, ainda citando Johnson “[...] o
dispositivo de centralizar seus romances na consciência de personagens sem poder - isto é,
mulheres. [...] permite que Austen exponha e explore esses aspectos das instituições
tradicionais.” (Introduction, 1988, p.24, tradução nossa) [2] para Johnson, Austen era capaz
de, com seus livros, expor o víeis tradicional da sociedade inglesa da sua época.

A justificativa do trabalho se dá pela atemporalidade de Jane Austen que faz com que
ainda hoje sejam produzidas diversas adaptações de seus livros, exemplificando, portanto, a
obra literária “Emma” e suas versões cinematográficas sendo estas moderna como é o caso
de “Patricinhas de Beverly Hills” (1995) ou tradicional como em “Emma” (1996). A escolha
da autora se deu pelo víeis de importância à literatura inglesa e como pontuado por Virginia
Woolf (WOOLF apud NEUMANN, 2011, quarta capa): “Jane Austen é a mais perfeita
artista entre as mulheres, a escritora cujos livros são imortais”.

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COELHO, Teixeira. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo: Comunique, 2010 (Coleção Masp). p. 13
FARATH, Mariana Melo Cunha. Análise do romance “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen: a autora, o
gênero e as personagens EIE - nº 02, vol 01, 2018. Dissertação, UNIFATEA. Lorena, São Paulo, 2018. .45
JOHNSON, Claudia L.. Jane Austen – Women, Politics, and the novel. Chicago, Estados Unidos da America,
1988. p.24
[1] “with rich and unapologetic senses of self-confidence, Austen defies every dictum about female propriety and
deference propounded in the sermons and conduct books which have been thought to shape her opinions on all
important matters”
[2] “the device of centering her novels in the consciousness of unempowered characters – that is, women. […]
enables Austen to expose and explore those aspects of traditional institutions.”
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Capitulo 1 – O Romance Inglês, Jane Austen e o Cinema


Este capitulo dedica-se à exemplificação e explicação dos movimentos conhecidos como
romantismo e realismo, assim como o contexto histórico anterior a eles tendo em vista a vida em
sociedade e o que levou Jane Austen à criação de sua heroína em Emma.

Posteriormente, trato do personagem principal Emma Woodhouse como um ser incluído


na era romântica e também sobre a atemporalidade do próprio movimento titulado de
romantismo e como ele torna a própria obra e autora, bens atemporais.

Concluo o capitulo analisando a importância em trabalhar Jane Austen e entender o que


leva seus livros a serem adaptados para o cinema.

1.1 A influência da individualidade na sociedade moderna do século XIX.

O grande choque revolucionário chamado de romantismo é o movimento artístico que


circulou por grande parte do século XIX. Esse movimento atingiu grandes artistas como Jane
Austen, Eugène Delacroix, William Blake, entre outros. O interessante da palavra “movimento”
no sentido específico do romantismo é por não apenas mover artistas a trabalharem em seu estilo,
mas por estar em constante mudança.

O romantismo veio após duas grandes correntes artísticas, o antigo


neoclassicismo/racionalismo e iluminismo, tais eras focavam especificadamente na razão e no
conhecimento, na ciência na queda do culto religioso e no aumento do conhecimento como bem
inatingível. O conhecimento era livremente oferecido a quem interessasse e as elites passaram a
se interessar pelo saber não religioso ou tradicional e a educação deixa de ser superficial. O
romantismo choca quando volta às origens do conhecimento humano, ele tira o homem como
objeto de fascínio e muda o foco de ciência para o presente. O aqui-e-agora se torna objeto de
grande fascínio dos artistas e filósofos românticos.

O Romantismo mudou a ideia de que há verdades eternas, sejam quais forem. E junto
com elas, que existiam instituições eternas, valores eternos, válidos para todos e em toda
parte. Era preciso ser mais flexível, enxergar mais as diferenças do que as semelhanças.
(TEIXEIRA COELHO,2010, p.7)

O deslumbre pelo hoje marca a preocupação do indivíduo, então moderno, em reivindicar


seu espaço, na ideia de que o agora é inevitavelmente mais importante do ontem ou o amanhã. O
hoje é capaz de tudo, o ontem já foi capaz e o amanhã é aquilo que o hoje pode gerar.

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COELHO, Teixeira. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo: Comunique, 2010 (Coleção Masp) p.13
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O romantismo então se tornou uma força de reforma e revolução gerada em grande parte pela
população jovem e artística. É interessante citar, como reforçado por Coelho que o romantismo
promoveu a descoberta da individualidade, e esse falar incansavelmente de si mesmo. É a era da
criação dos “alter-egos” da literatura e as famosas releituras de Rembrandt e seus auto-retratos.
O “eu” é objeto de fascínio sob a visão do presente.

O romantismo de acordo com Arnoud Hauser, faz parte da ideologia de uma nova
sociedade, de uma geração que deixara de acreditar em valores absolutos, que não podia
continuar acreditando nesses valores sem pensar em sua relatividade e limitações históricas. É
sumamente interessante observar os movimentos artísticos que precederam o Romantismo. Esses
movimentos como dito anteriormente baseavam-se na razão e no conhecimento. Conhecimento
gera dúvida, desafio, hipóteses, testes e comprovações. O Romantismo é atraente pois chega
seguido da era do conhecimento para repensar a ideia de sociedade anteriormente contemplada e
entendida. Ele desafia as regras sociais e procura a individualidade que cabe a cada um de nós.
Busca diferenciar cada indivíduo em sociedade, encontrar em cada jovem a sua importância, o
que faz cada um ser o que é.

Romantismo é então o moderno e interessante e o classicismo é o antigo e o tedioso,


como diz Teixeira Coelho: “o espirito romântico é o próprio espirito da aventura” é o espirito
jovem que aventura-se no presente sem medo do que o futuro o reserva, é a filosofia de viver
hoje e sofrer as consequências amanhã, é o viver um amor proibido enquanto desafia as regras de
etiqueta impostas por gerações. É encontrar no hoje um modo diferente de ver as coisas, um hoje
que está a todo tempo em mudança. Em alguns casos, o ‘desafio às regras sociais’ é sutil. Em
Emma, de Jane Austen, a personagem principal se recusa em tomar a matrimônio por entender
como uma ocasião não merecedora para uma moça de seu status social, pois ao se casar, ela
apenas perderia poder de fala e importância para seu marido. Emma é uma mulher rica e de suma
importância para seu pequeno vilarejo, o hoje dela é mais importante do que regras sociais. Ela
diferentemente de seus antepassados não vê problema em uma moça seguir sem esposo, desde
que essa moça seja individualmente importante para a sociedade.

A beleza do ‘ser eu’ é contemplada neste vigoroso movimento que até hoje deixa rastros
na arte e na vida em sociedade. Em Os Sofrimentos do jovem Werther, Goethe escreve: “volto-
me para dentro de mim mesmo e encontro um mundo! Mais de pressentimentos e desejos que

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COELHO, Teixeira. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo: Comunique, 2010 (Coleção Masp). p. 13
GOETHE, Johann Wolfgang. Os Sofrimentos do Jovem Werther, 2001. p.20.
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raciocínios e forças vitais. E então, tudo flutua ante meus olhos, sorrio e sonhando penetro ainda
mais neste mundo.”

A citação acima é uma grande súmula ao movimento romântico do século XIX. Nele o
indivíduo torna-se objeto de estudo compatível em profundidade com qualquer outro tema a ser
discutido. O “eu” é tão importante quanto a física. Em si é possível encontrar tudo.

Ao tratar de romantismo é inevitável tratar da ideia de natureza que se tinha nessa era.
Uma famosa citação de J. M. W. Turner ao ser questionado sobre o que o levou a pintar uma tela
respondeu: “Não a pintei para que fosse compreendida, desejei apenas mostrar o aspecto de uma
determinada cena”. O artista trata a natureza e a vida sob a visão que se tem do agora ou seja, a
ideia do que foi entendido por agora pelo artista no momento em que colocou tinta em tela. A
comunicabilidade entre artista e natureza se torna tangível. C.D. Friedrich expressou em palavras
que se rende ao que o cerca, une-se às nuvens e às rochas a fim de ser o que é, precisa da solidão
para comunicar-se com a natureza. Fechando-se, o artista é capaz de focar na natureza sob o
próprio ponto de vista. A natureza, o presente e o artista se tornam um só. Este diálogo entre ser
e natureza se da a partir da ideia de que ao pintar uma tela romancista, o artista deve criar uma
ponte entre individualidade e natureza, ele deve entender a natureza para então pintá-la, não mais
representando a vista ou a veracidade das pinceladas em tela, mas sim o que o levou a escolher
tal paisagem, a importância do eu. Cada artista possui experiências de vida diferentes, cada um é
um indivíduo completo e com isso a representação da natureza passa por influências do artista
em suas particularidades.

A natureza romântica se torna um personagem. É influenciada pelo artista e pelo


presente, a individualidade de cada tela, o romantismo reforça a capacidade na qual dois artistas
pintam a mesma natureza de duas maneiras completamente diferentes. Essa curiosa
expressividade é o que torna o romantismo um movimento até hoje discutido.

Teixeira Coelho diz que esse fenômeno reflete a sensibilidade romântica em que a
matéria é mais determinante do que o conteúdo e a forma. A partir de uma ideia se tem uma
expressão artística, tal arte é traduzida em papel, como pontuado pelo autor, a obra é o que sobra
desta relação.

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COELHO, Teixeira. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo: Comunique, 2010 (Coleção Masp). p. 20 e 21.
MOLINO, Denis. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo: Comunique, 2010 (coleção Masp). p. 26.
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Entre o pensar e sua forma medeia um universo que a sensibilidade romântica quer
preencher não com o significado, mas com aquilo em que outros tempos já se chamou
de algo que então se entendia melhor que hoje: o espírito. O significado, duro, palpável,
esta sempre ali para ser elaborado e apreendido. O espírito em contraste, corresponde a
um Eu que continuamente escapa de si mesmo. (TEIXEIRA COELHO,2010, p.20)

Nesta citação vemos que o Eu, o espírito, está em constante evolução, ou seja, o artista
não cria arte para ser entendido e sim para mostrar a visão que teve deste exato momento
presente sendo possível haver mudanças no futuro. É um eu que escapa de si mesmo, está em
constante mudança e estudo. O romantismo acreditava existir um Eu das coisas, o que é
interessante levar em consideração ao citar Turner esse artista comenta ter pintado uma cena
apenas para mostrar como ela é. Coelho, comenta que o romantismo não muda quando muda o
conteúdo, a pintura de paisagem é a natureza contemplando a si mesma, “arte, assim, é a vida
contemplando a si mesma e formando a si mesma por imitação”(p.21).

Com isso, somos capazes de concluir que os artísticas românticos ao pintar a natureza
levavam em consideração a individualidade desta e tentavam mostrar esta como se apresentava
ao artista e sob seus olhos, tratavam de representar fielmente como ela era. A natureza, assim
como os seres humanos era provida de espírito e possuía uma individualidade própria. Schlegel
citado por Coelho diz que o tipo romântico de arte está ainda em devir; ela eternamente só pode
tornar-se e nunca ser, de modo perfeito e acabado. O romantismo em consequência nunca poderá
ser todo e completamente representado em um modo específico de arte pois esta sempre em
mudança e depende infinitamente do artista ao fazer sua representatividade. Em conclusão
Teixeira coelho comenta que “a arte ocidental em todo caso, é essencialmente romântica como
gesto e como presença no mundo”, ou seja, o movimento é ainda hoje presente e influência obras
em diversos níveis, “criado” no século XIX ainda contemplado, a individualidade não perde
importância, e o hoje continua como a grande incógnita da sociedade.

A natureza é tema, por excelência, dos romantismos: substância ou sensação,


protagonista ou coadjuvante, de muitos modos ela atravessa o artista moderno,
apresentando-se como lugar ora de acolhimento e evasão contra o ambiente urbano.”
(DENIS MOLINO,2010, p26.)

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COELHO, Teixeira. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo: Comunique, 2010 (Coleção Masp). p. 20 e 21.
MOLINO, Denis. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo: Comunique, 2010 (coleção Masp). p. 26.
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Para os românticos, portanto, a natureza se torna um objeto de fascínio por vezes


personagem principal e por vezes coadjuvante, mas sempre presente. Nas obras de Jane Austen
isto está presente quando a autora trata da descrição de uma cena ou do vilarejo onde suas
personagens habitam.

1.2 – Romantismo, realismo e Emma: A atemporalidade de Jane Austen.

O romantismo não é o único movimento que influenciou as obras de Jane Austen que na
verdade são a bela junção do romantismo e o realismo. Wellec (1963, p.221) acredita que, na
Inglaterra, o realismo foi uma continuidade do romance inglês surgido do século XVIII. É
interessante levantar esse ponto porque no romance o passado representava uma época mais
calma e feliz onde em “Emma”, Jane Austen não faz referências ao passado sua estória é
contemporânea o que contradiz com o tema tratado no romantismo. Todavia, o herói romântico,
de acordo com Orione (2000, p. 41) apresenta beleza e força moral e espiritual como é o caso da
protagonista Emma Woodhouse, no romance também podemos ver o apego a tradição o que
pode ser exemplificado com a personagem principal e sua ideia de classes sociais, onde uma
pessoa não pode casar com outra apenas por amor e deve se acostumar a ideia de um amor dentro
de sua “casta”.

As histórias românticas são de amor, as realistas de desamor; os desfechos das narrativas


no romantismo são felizes, no realismo são infelizes; as personagens femininas
românticas encontram no casamento a felicidade, já as realistas fogem do casamento e
vivem situações adversas até culminar em sua morte (EDUINO JOSÉ ORIONE, 2000, p.
98)

Ao incluir essas ideias à “Emma”, sua história está totalmente inserida no romantismo,
contudo, Blackwell (2009, p. 41) afirma que o realismo austeniano é uma de suas principais
características técnicas e completa adjetivando-o de realismo psicológico.

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MOLINO, Denis. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo: Comunique, 2010 (coleção Masp). p. 26.
ORIONE, Eduino José. Relações dialógicas entre o Romantismo e o Naturalismo. Lorena: Olga de Sá, 2000.
P.98
BLACKWELL, Bonnie. Jane Austen: The critical Reception. Pasadena: Salem Press, 2009. p.41
WELLEK, René. Conceitos da crítica. Tradução de Oscar Mendes. São Paulo: Cultrix, 1963. p. 221
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Watt divide o realismo do romance inglês em dois: de avaliação e de apresentação.


Schwarz (1986, p 113-115) classifica o realismo de avaliação: ele trabalha a intensidade e
seriedade moral; busca por uma sabedoria responsável nas relações de seus personagens; enfatiza
a verdadeira compreensão da realidade humana, sem enganos; opera não somente através dos
comentários diretos, mas realiza avaliações em sequencias organizadas dentro de um significante
contraponto de cenas que geralmente refletem ironicamente sobre outras; implica em avaliação
de julgamento moral dos participantes; é aplicado a todas as formas de literatura; está ligado ao
discurso; apresenta menor preocupação com o texto e a formação da resposta emocional e
julgamentos do leitor do que ao valor detalhado dentro do mundo imaginado. Schwarz (1986, p
113-115) explica também o realismo de apresentação: refere-se a problemas mais restritos e
técnicos; está especificamente relacionado ao romance; esta ligado ao conteúdo, matéria prima
da narrativa, assim como ao enredo; apresenta um aspecto de possibilidades de elaboração do
enredo. Entretanto, para Schwarz (1986, p 113-115) as duas facetas do realismo andam de mãos
dadas e não tem como separar esses conceitos, pois eles ocorrem praticamente de forma
simultânea. Assim entendemos a o que Watt (2010, p. 318) se refere quando diz que “Austen
conseguiu conjurar numa unidade harmoniosa as vantagens do realismo de apresentação e do
realismo de avaliação”. Portanto vemos que muito do que é passado em “Emma” faz parte da
realidade vivida na sociedade inglesa do século XVIII, posições sociais, família, herança,
problemas femininos, etc.

É interessante tratar de Emma ao falar de literatura na era do romantismo. Uma famosa


frase dita por Jane Austen ao tratar de seu livro foi o comentário de que Emma é o tipo de
heroína “whom no one but myself will much like” em tradução livre, na opinião de Jane Austen,
ninguém além dela realmente gostaria da heroína. A personagem Emma é, em essência, o
significado de romantismo relacionado com a vida cotidiana de Austen. Emma é uma menina
rica que passa seus dias cuidando de seu pai, Emma nunca se interessou por matrimonio e até
esse ponto tanto personagem como autora não se diferenciam. Em contrapartida, Emma é
arrogante, ignorante, metida e controladora o que cria o ambiente perfeito para uma história
fundamentada na evolução

___________________________
SCHWARZ, Daniel R. The humanistic heritage: Critical theories of the English Novel from James to Hillis
Miller. Philadelphia 1986. p.113-115
WATT, Ian. A ascenção do Romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fieding. Tradução de Hilgegard Feist.
São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p.318
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pessoal e notavelmente escrita na era do romantismo. Emma desafia as regras sociais impostas a
uma moça de seu nível socioeconômico, e por ser um Eu completo é teimosa e inevitavelmente
irritante. Emma é a personificação dessa era, tudo gira ao seu redor em sua pequena trama, o
presente é o que importa.

Sua o romantismo é atemporal e com isso as próprias obras de Jane Austen se tornam
atemporais. O realismo é o que “limita” a obra em sua época apesar de que isso apenas cria um
desejo maior para viajar no tempo e mergulhar em suas obras. Em um trecho em seu texto
Romantismo: a arte do entusiasmo Teixeira coelho cita:

Mas, e um retrato de Rembrandt? Ele me fala intensamente, a mim que o observo séculos depois,
de um momento presente insuperável aquele momento em que Rembrandt pintava a si mesmo – e
um momento que resta permanentemente presente (TEIXEIRA COELHO,2010, p.15)

As obras de Rembrandt como citadas anteriormente, representam a visão do artista sobre


seu eu presente. E cada uma é inevitavelmente diferente da seguinte, por representarem o
presente, estão classificadas como obras atemporais, elas representam a ideia do presente a
lembrança no hoje. Jane Austen em suas obras tem o mesmo critério. Uma artista fatalmente
influenciada pelo romantismo que tende a representar uma estória sob uma visão atemporal e
pertinente. Indiferente da época em que é lida seus livros serão entendidos sob a visão do
presente o que os tornam tão atemporais quanto os quadros de Rembrandt.

Tal atemporalidade faz com que não importando a época em que é lido, as obras de
Austen vão continuar intransigentes, o presente está tão presente em seus livros hoje do que
esteve na data em que foram lançados.

A importância de representar a vida real sempre fez parte dos romances de Jane Austen,
Emma não é diferente. A trama é passada em uma pequena cidade na Inglaterra, não em
desertos, em navios piratas ou em um idealizado mundos medievais como comenta Monica
Cohen em uma de suas introduções ao livro Emma, Jane Austen prova que uma boa estória não
precisa ser encaixada em um mundo mágico, logo na primeira página de “Emma” de Jane Austen
escreveu “Os verdadeiros males da situação de emma eram o poder de ter muito de sua própria
maneira e a disposição de pensar um pouco demais sobre si mesma” (AUSTEN, 2012, p.1,
tradução nossa)[3],
__________________
AUSTEN, Jane. Emma. Introduction and Notes by Monica Cohen. Estados Unidos da América: Sterling Publishing
Co., Inc, 2012.
COELHO, Teixeira. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo: Comunique, 2010 (Coleção Masp). p. 13
[3] “The real evils indeed of emma’s situation were the power of having too much of her own way, and a disposition
to think a little too well of herself”
16

a Austen continua a comentar que a heroína sabia desses seus pontos fracos e não se importava.
não achava nenhum de seus traços infortúnios.

C. S. Lewis, em seu artigo “A note on Jane Austen” (1986, p. 25-34) levanta pontos em
comum entre quatro heroínas de Austen: Elizabeth Bennet de “Orgulho e Preconceito”, Emma
Woodhouse de “Emma”, Marianne Dashwood de “Razao e Sensibilidade” e Catherine Morland
de “A Abadia de Northanger”. Todas as quatro moças passam pelo que o teórico chama de
desilusão ou despertar, que nas narrativas torna-se um divisor de águas no enredo e no
comportamento das heroínas. Cada toque na personalidade de Emma foi cuidadosamente
escolhido para criar a jornada do herói. Emma incialmente não enxerga defeitos em si mesma,
estes não eram vistos como coisas ruins e sim traços que a diferenciava dos demais.

Charles Baudelaire em seu texto Qu’est-ce que le romantisme? Citado por Denis Molino
(2010, p.28) define quatro características que constituem o romantismo na arte, sendo estas, a
intimidade, a espiritualidade, a cor e a aspiração ao infinito. Ao tentar entender as quatro
características podemos tentar encaixa-las à literatura e ao cinema exemplificando-as como:
intimidade sendo no sentido afetivo, eventos que influenciam a vida dos personagens
transformando-as; espiritualidade a que implica uma alma ou seja, de acordo com Denis Molinho
“Artista é, por definição, um gênio criador que, tomado por entusiasmo, infunde energia ou vida
a sua obra para faze-la eclodir no espectador” (2010, p.29) , ou seja, uma estória que dialogue
com a realidade dos leitores ou espectadores; cor como um efeito geral harmonioso, uma obra
que em suma combine com si própria; aspiração ao infinito poderia ser entendida como o que
está escrito nas entrelinhas da obra, de acordo com Molino “arte é expressão do espirito infinito
tal como se revela no finito” (2010, p.29) seriam as correspondências entre obra e vida real.

Facilmente podemos encaixar os quatro fundamentos do romantismo, de acordo com


Charles Baudelaire, em literatura e cinema. Especificadamente, ao tratar de Jane Austen essas
quatro características casam com sua estilística literária baseada na vida cotidiana, que ao invés
de ter como objetivo o choque, temos o habitual, o que o espectador está acostumado a vivenciar.
Uma estória com viés realista capaz de fazer com que o público veja em suas páginas, a sua
própria vida.

__________________
LEWIS, Clive Staples. A note on Jane Austen. In: WATT, Ian (ed.). Jane Austen: a collection of critical essays.
London: Prentice Hall International, 1986. P. 25-34.
COELHO, Teixeira com curador adjunto Denis Molino. Romantismo: a Arte do Entusiasmo. São Paulo:
Comunique, 2010 (Coleção Masp). p. 28.
17

É interessante comentar sobre a adequação do público aos romances de Jane Austen ao


levar em conta que seu livro Emma foi dedicado ao Príncipe Regente da época, o futuro George
IV, após vir a conhecimento da autora que o Príncipe era grande fã de suas obras. Como cortesia,
foi indicado pela sua editora, dedicar o livro, apesar de Austen inicialmente ter recusado o
pedido. Monica Cohen em sua introdução no livro “Emma” diz:

Enquanto o romance começa com uma dedicação a um mulherengo, ele se preocupa


principalmente com o exercício do poder feminino no que foi chamado pelos estudiosos da
literatura de "o reinado correto" de Emma; o que parece respeitoso pode de fato ser
insubordinação atrevida. (AUSTEN, 2012, p.18, Introdução de Monica Cohen, tradução nossa)
[4].

A partir desta citação podemos ver a importância de Jane Austen não apenas na Literatura
como também na luta política da época, apesar de taxada como anti-jacobina, a autora também
não se deixava levar por boas maneiras, o príncipe regente não era muito bem-visto pelos seus
súditos por ser um “gerente” corrupto que oferecia cargos á pessoas próximas a ele em vez de
indicar os melhores para o trabalho, um gastador libertino apesar da Inglaterra se encontrar em
guerra e pelo fato de não conseguir se divorciar e mantinha diversas amantes e filhos bastardos.
Jane Austen, como seu público, não concordava com o modo de vida do príncipe regente, mas
por boas maneiras, dedicou Emma à ele.

Emma, após seu lançamento foi nomeado de “Austen’s most skillfully crafted novel”, em
tradução livre, o livro de Jane Austen mais habilmente trabalhado, de acordo com Monica Cohen
(AUSTEN, 2012, p. 13, Introdução de Monica Cohen), contando com uma estória de
crescimento emocional onde o conhecimento pessoal, sentimento e o poder cru da heroína em
sua pequena cidade atuam em uníssono.

1.3 – Importância cinematográfica em trabalhar Jane Austen.

Jane Austen escreveu sobre o cotidiano da sociedade inglesa “abordando de forma irônica
os padrões morais que deviam ser seguidos pelas pessoas” (LOURENÇO, p. 9) o que fez com
que suas obras se tornassem clássicos da literatura inglesa. Seus leitores eram induzidos a
repensar

__________________
AUSTEN, Jane. Emma. Introduction and Notes by Monica Cohen. Estados Unidos da América: Sterling Publishing
Co., Inc, 2012. p. 13-18.
LOURENÇO, Daiane da Silva. Reflexões sobre a influência da Industria cultural em adaptações
cinematográficas de Orgulho e Preconceito. Afluente, UFMA/Campus III, v.3, n. 7, p. 254-274, jan./abr. 2018. p.
9.
[4] “Whereas the novel begins with a dedication to a womanizer, it concerns itself primarily with the exercise of
female power in what has been called by literary scholars Emma’s “right rule”; what appears respectful might in
fact be cheeky insubordination”
18

sobre suas ações e também sobre a sociedade em que vivia e seus costumes. O curioso ao estudar
Austen é a capacidade que a autora teve de criar obras que, ainda hoje, são lidas por prazer.

Em 2003, a BBC fez uma votação para descobrir qual era o livro preferido dos britânicos e
Orgulho e Preconceito ficou em segundo lugar. Em 2007, a World Book Day
(www.worldbookday.com), realizou uma pesquisa na qual a narrativa de Austen ficou em
primeiro lugar entre os livros que as pessoas não vivem sem. E o livro continua presente nas listas
dos mais vendidos, mesmo tendo sido publicado há dois séculos. (DAIANE DA SILVA
LOURENÇO, 2018, p.10)

Com isso o sucesso literário de Jane Austen e a paixão das pessoas por suas obras fez
com que diversas adaptações surgissem ao longo dos anos, contudo, a obra cinematográfica não
deve ser categorizada como uma cópia fiel ou não fiel de um livro. Robert Stan exemplifica esta
ideia quando diz que “adaptações são vistas como parasitárias na literatura; elas se enterram no
corpo do texto original e roubam sua vitalidade” (2005, p. 7, tradução nossa) [5] ironizando
críticos que comparam a literatura com o filme adaptado e conclui que o filme é
automaticamente diferente e original se levado em conta apenas a mudança do “meio”(2005, p
17) Stam ainda traz a ideia de que o livro é feito por um indivíduo onde o filme é
inevitavelmente um trabalho colaborativo “mobilizando no mínimo uma equipe de quatro ou
cinco pessoas e no máximo um elenco, equipe e equipe de apoio de centenas” (2005 p.17,
tradução nossa) [6] ou seja, mobilizar e colocar em pauta a ideia de uma só pessoa é
essencialmente diferente do que fazer o mesmo com ideias de várias pessoas e em suma ser
capaz de criar uma obra.

Sobre a adaptação dos livros de Jane Austen para o cinema alguns comentários feitos por
Solender em seu texto Recreating Jane Austen’s world on film (2002, p. 103) são pertinentes, ela
diz que o mundo de Austen como o mundo de Shakespeare não é limitado a um tempo ou lugar o
que faz com que suas obras possam ser adaptadas para épocas diferentes como é o caso de As
Patricinhas de Beverly Hills como adaptação de Emma. Solender comenta que leitores de
__________________
LOURENÇO, Daiane da Silva. Reflexões sobre a influência da Industria cultural em adaptações
cinematográficas de Orgulho e Preconceito. Afluente, UFMA/Campus III, v.3, n. 7, p. 254-274, jan./abr. 2018. p.
10.
STAM, Robert. Literature and film: A Guide to the Theory and Practice of Film Adaptatio. Estados Unidos da
America: Blackwell Publishing Ltd 2005. p.7 e 17.
SOLENDER, Elsa. Recreating Jane Austen’s World on Film. In: Persuasions 24. 2002. p.103
[5] “adaptations are seen as parasitical on literature; they burrow into the body of the source text and steal its
vitality”
[6] “mobilizing at minimum a crew of four or five people and at a maximum a cast and crew and support staff of
hundreds”
[7] “[...] create “individual resymbolizations” of the books we read.”
19

qualquer livro que seja “[...] criam ressimbolizações individuais dos livros que leem” (2005,
p.103, tradução nossa)[7]

__________________
LOURENÇO, Daiane da Silva. Reflexões sobre a influência da Industria cultural em adaptações
cinematográficas de Orgulho e Preconceito. Afluente, UFMA/Campus III, v.3, n. 7, p. 254-274, jan./abr. 2018. p.
10.
STAM, Robert. Literature and film: A Guide to the Theory and Practice of Film Adaptatio. Estados Unidos da
America: Blackwell Publishing Ltd 2005. p.7 e 17.
SOLENDER, Elsa. Recreating Jane Austen’s World on Film. In: Persuasions 24. 2002. p.103
[5] “adaptations are seen as parasitical on literature; they burrow into the body of the source text and steal its
vitality”
[6] “mobilizing at minimum a crew of four or five people and at a maximum a cast and crew and support staff of
hundreds”
[7] “[...] create “individual resymbolizations” of the books we read.”
20

então no quesito de adaptação, leitores vão ao cinema com diversos preconceitos e pressupostos
do que esperam assistir. No caso de Jane Austen, Solender diz que a autora não limita ou
direciona o que devemos “ver” ao ler seus livros e sim, liberta a nossa criatividade e que “Eles –
os livros – criam amplas possibilidades de visualização por um leitor e, por extensão, um
cineasta”. (p.105, tradução nossa) [8] o que facilita a criação de um roteiro adaptado, o roteirista
tem liberdade criativa para introduzir detalhes deixados de fora pela autora assim como moldar a
história para que se encaixe ao cinema.

Os romances de Austen funcionam tão bem quanto os filmes porque “ela é, acima de tudo, a
romancista de superfícies, superfícies sutis e reveladoras, com certeza, com grandes porções de
ironia delicada, mas em mãos capazes pode ser - e foi - capturada na tela. ” (ELSA SOLENDER,
2002, p. 105, tradução nossa) [9]

Solender acredita que o mundo criado por Austen pode ser e já foi muito bem adaptado
para o cinema e que a criação de adaptações “fiéis” não é o que leva cineastas a se interessarem
por seus livros e sim a grande gama de possibilidades criadas por Jane Austen em suas histórias,
seus personagens cativantes e detalhadamente esculpidos, o amor e a crítica a sociedade da época
é o que gera esse interesse.

Curiosamente, a adaptação mais bem-sucedida comercialmente e popular de um livro de


Jane Austen foi As Patricinhas de Beverly Hills de 1995. Solender (2005, p.113) comenta que a
roteirista Heckerling escondeu a informação que se tratava de uma adaptação de Emma, mas por
ter deixado diversas pistas em seu filme, foi inevitavelmente descoberta e “ela alegremente
admitiu sua fonte quando foi “descoberta””. (tradução nossa) [10]

Clueless não é um movimento revolucionário contra as garotas da Califórnia, assim como um


romance de Austen (mesmo que alguns críticos poderiam desejar) não é contra esta Inglaterra que
ela viu com clareza, mas também com amor. A sátira é subversiva por natureza, mas Austen e
Heckerling lançam seus ataques como críticas sutis e oblíquas aos valores de seus personagens.
(ELSA SOLENDER, 2005 p.114, tradução nossa) [11]

As Patricinhas de Beverly Hills de acordo com Solender, se trata de uma adaptação


satírica do mundo de Austen aos dias de hoje. Como a crítica a sociedade foi muito bem
adaptada a
__________________
SOLENDER, Elsa. Recreating Jane Austen’s World on Film. In: Persuasions 24. 2002. p.105, p.113-114
[8] “They open wide-ranging possibilities for visualization by a reader and, by extension, a filmmaker”
[9] “Austen’s novels work so well as films because “she is above all the novelist of surfaces, subtle and telling
surfaces to be sure, with great heaping portions of delicate irony added, but in capable hands it can be – and has
been – captured on the screen”
[10] “She cheerfully admitted her source once she was “found out””
[11] ““Clueless” is not a revolutionary broadside against California girls any more than an Austen novel is a
revolutionary broadside (much as some critics might wish it would be) against the England that she saw with
clarity, but also with love. Satire is by nature subversive, but Austen and Heckerling launch their attacks as subtle,
oblique critiques of their characters’ values.”
21

realidade da Califórnia, era fatal que seu filme se tornasse um grande sucesso assim como os
livros de Jane Austen.

Capitulo 2 – A RELAÇÃO ENTRE CINEMA E LITERATURA

Este capitulo é dedicado a exemplificar a relação e o dialogismo entre as duas artes


tratadas no trabalho assim como teorizar o processo de adaptar uma arte de um meio a outro.
Primeiramente apresentarei as duas artes de forma geral e suas similaridades e posteriormente
tratei da teoria da adaptação.

O subcapitulo 2.1 irá explicar a relação entre a literatura moderna e cinema, a seguir, o
subcapitulo 2.2 irá mostrar o motivo pelo qual se tem interesse em adaptar obras literárias para o
cinema e a influência do cinema na literatura moderna.

E finalizará então no capitulo 2.3 com um estudo sobre a teoria da adaptação remissiva e
digressiva e a relação de intertextualidade do filme e do livro adaptado.

2.1 – A literatura, o cinema e suas adaptações.

“A literatura moderna está saturada de cinema. Reciprocamente, esta arte misteriosa


muito assimilou da literatura.” (JEAN EPSTEIN, ISMAIL XAVIER, 2018, p 217) A literatura,
assim como o cinema, tem como objetivo a reprodução de uma estória para um certo nicho que,
por ora, age auxiliando a formação de um cidadão crítico, ideais de sociedade e sua capacidade
de refletir sobre a sua própria vida.

No âmbito da literatura, Sodré (1988) faz distinção entre livros “cultos” e “de massa”: os
livros “cultos”, segundo ele, se tratam dos quais são aclamados pela academia, e os “de massa”
são inferiorizados e não possuem “suporte escolar ou acadêmico: seus estímulos de produção e
consumo partem do jogo econômico da oferta e procura”. Seguindo desse pressuposto, o mesmo
pode ser dito do cinema que por sua vez, possui os filmes cultos vencedores de Oscars e filmes
de massa como é o caso dos atuais filmes de herói.

Contudo, a literatura e o cinema “de massa” pode ajudar o leitor/espectador a se


interessar pelo “culto” de cada arte. Ainda usando a literatura como exemplo:

__________________
CASARIN, Rodrigo. Livros transformados em filmes rendem bilhões à indústria cinematográfica. Blog Pagina
5, 2015
UCI Cinemas, Filmes em exibição.
A sintonia entre Literatura e Cinema Matéria publicada na revista Vila Cultural 163 novembro/2017.
22

A literatura de massa pode ser estimuladora do gosto e do hábito da leitura. De acordo com Paes
(1990), no século XX, a literatura de massa (também considerada por ele como de entretenimento)
fez aumentar “vertiginosamente” o seu público consumidor. Ela estimula o gosto e o hábito da
leitura e “adquire o sentido de degrau de acesso a um patamar mais alto, em que o entretenimento
não se esgota em si, mas traz consigo um alargamento da percepção e um aprofundamento da
compreensão das coisas do mundo” (PAES, 1990, p. 28). Paes ressalta, ainda, que da massa de
leitores da literatura de entretenimento é que surge a elite dos leitores da literatura “culta” e que
esta não pode dispensar ter ao seu lado aquela que seria o primeiro passo na formação do leitor
(TAVELA, 2013, p. 31)

É o valor que a obra tem de entreter que faz com que o leitor/espectador se interesse mais
profundamente pela arte em questão, e o que o leva a gostar de ler e assistir obras mais
complexas. Portanto, ao tratar de adaptação de literatura para cinema, neste caso “Emma” que é
hoje classificado como uma obra culta, mas já foi uma obra de massa de sua época, o roteirista
deve atentar-se ao público que deseja atingir assim como o tipo de estória que deseja contar.

As duas adaptações referenciadas nesse trabalho As Patricinhas de Beverly Hills (1995) e


Emma (1996) se tratam de filmes de massa feitos a partir da literatura “culta”. Benjamin,
entretanto, em seu texto “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”, critica a
reprodutibilidade de obras e diz que ao fazê-lo, a obra perde seu valor de “aura” explicado por
ele como “uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais” (BENJAMIN,
1994, p. 170) Lourenço (2018) completa este comentário quando afirma que:

A obra de arte tem uma existência única (unicidade) e está em um lugar específico com uma
história própria (autenticidade). A reprodução de uma obra não carrega a história do original e
provoca a perda de sua autoridade e de sua tradição, assim, a autenticidade desaparece. (DIANE
DA SILVA LOURENÇO, 2018, p.3)

Em outras palavras, a adaptação e o livro não devem ser comparados por terem níveis de
autenticidade e unidade diferentes. Heckerling nunca será Jane Austen e vice e versa. Lourenço
continua dizendo que “Nem a reprodução mais perfeita seria capaz de reproduzir os elementos
constituintes da aura.” (2018, p.3) em outras palavras, a adaptação peca em valor quando
comparado ao original.

Podemos ver um outro exemplo de reprodução da literatura para cinema com Eisenstein,
ao falar do processo de adaptação de “Uma Tragédia Americana” (um filme nunca gravado) ele
levanta um ponto interessante quando diz que “Não seria possível resumir aqui toda a intriga do
romance. Não há como narrar em cinco linhas o que exigiu dois grossos volumes.” (2018, p.167)
o que nos leva a pensar sobre o processo de adaptação de obras longas e como a seleção entre o
__________________
CASARIN, Rodrigo. Livros transformados em filmes rendem bilhões à indústria cinematográfica. Blog Pagina
5, 2015
UCI Cinemas, Filmes em exibição.
A sintonia entre Literatura e Cinema Matéria publicada na revista Vila Cultural 163 novembro/2017.
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que é pertinente e o que não é para o andamento da estória pode ser um grande empecilho,
Eisenstein, neste caso, optou: “Limitar-me-ei apenas ao núcleo central mais explicito dos
episódios da tragédia”(p.167) e a partir desse pressuposto conseguiu ater um campo de trabalho
menor para compactar dois volumes de livros em um filme.

O cinema e a literatura, portanto, são duas formas de arte distintas de contar uma estória
“Afinal, a “necessidade narrativa” parece uma pulsão humana que remonta aos primórdios da
espécie quando as pessoas se reuniam em volta da fogueira para que alguém lhes contasse uma
história” (LUIZ ZANIN ORICCHIO, 2011), o potencial narrativo dos livros e o processo de
adapta-los para o cinema foi uma ponte natural criada entre as duas artes. O fato de existirem
estórias escritas seguindo a estética narrativa cinematográfica que já são amadas pelo público
literário influenciou a criação de adaptações. Entretando, Oricchio diz que a literatura e o cinema
apesar de parecidos são muito distintos tento em vista que a estória perde valor quando levado
em conta o estilo literário do autor.

Isto é, quais as metáforas, o tipo de narração, em primeira pessoa ou terceira, em estilo indireto
livre, o uso pessoal do vocabulário, etc. Isto é, o estilo pessoal que modifica, a seu modo, os
recursos da língua. (LUIZ ZANIN ORICCHIO, 2011)

Ou seja, o modo que a estória é escrita passa a ser mais importante do que a estória em si.
Oricchio compara então, a estilística narrativa com a estilística cinematográfica:

“No cinema, esses estilemas são de ordem audiovisual – fotografia, movimento de câmera, uso da
música e da trilha sonora, direção de atores, etc., os elementos de construção que conformam um
estilo.” (LUIZ ZANIN ORICCHIO, 2011)

Ao adaptar uma obra literária para cinema, além de ter a preocupação com a estória a ser
contada também é feita uma transposição de “meio” papel-filme já que a estilística literária não
pode ser traduzida para cinematográfica. Para Oricchio a recriação do “espirito” do livro para o
filme é o que fazem grandes adaptações. Em outras palavras, o filme adaptado deve expressar a
ideia que o autor queria em seu livro sem se preocupar em transpô-lo palavra por palavra e sim
em representar em suma, sua essência.

2.2 – O papel da adaptação para a indústria do filme e sua influência na literatura.


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CASARIN, Rodrigo. Livros transformados em filmes rendem bilhões à indústria cinematográfica. Blog Pagina
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UCI Cinemas, Filmes em exibição.
A sintonia entre Literatura e Cinema Matéria publicada na revista Vila Cultural 163 novembro/2017.
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O interesse em adaptar livros para cinema vai além da vontade de recontar uma estória
boa, adaptar um best-seller não é tão arriscado quanto produzir um filme original. A literatura já
publicada possui seu público portanto, best-sellers por já terem sido obras bem-sucedidas, geram
interesse de investidores. De acordo com Casarin “A tendência de transformar em filme histórias
contadas primeiro em livros parece ser cada vez mais forte e, pelos números, que chegam a
alcançar os bilhões de dólares, deverá continuar como uma grande aposta da indústria
cinematográfica.” Hoje dos 18 filmes em cartaz dos cinemas UCI 6 são adaptações ou releituras
de histórias originalmente literárias como “Malévola – Dona do Mal” uma releitura da bruxa em
Rapunzel, “Ela disse, ele disse” um livro de Thalita Rebouças ou “Coringa” originalmente um
graphic novel. É interessante também o fato de existir hoje peças brasileiras adaptadas para o
cinema que estão em cartaz como “Maria do Caritó”, “Minha Mãe é Uma Peça” e “Vai Que
Cola” o que comprova a tendência de produtores em escolher produzir obras já conhecidas pelo
público.

Casarin aponta Stephen King como o escritor vivo que mais viu adaptações de seus
livros, um total de 37 títulos adaptados para o cinema, entretanto estas não são feitas apenas de
“livros do momento” como nomeia o autor mas também de clássicos, William Shakespeare teve
suas historias adaptadas mais de 400 vezes para o cinema, além de outros autores como Austen,
Dickens, Homero, etc.

Livros servem de inspiração ás pessoas e como dito por AUTOR? no texto A Sintonia
entre Literatura e Cinema apesar de ter quem julgue a adaptação de livros e a criação de filmes
“não originais” a situação gerada “é a melhor demonstração de que cinema e literatura
estabeleceram uma relação de tamanha simbiose que passou a ser um vínculo intrínseco, uma
sintonia finíssima que, desde sempre, revela harmonia ora em palavras, ora em imagens.”
(autor?, 2017) em outras palavras, o cinema e a literatura dialogam. A literatura moderna é
influenciada por filmes e os filmes desde os primórdios foram influenciados pela literatura e o
interesse dos cineastas em contar

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CASARIN, Rodrigo. Livros transformados em filmes rendem bilhões à indústria cinematográfica. Blog Pagina
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A sintonia entre Literatura e Cinema Matéria publicada na revista Vila Cultural 163 novembro/2017.
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uma estória. “Existe realmente entre esta literatura e o cinema um natural intercambio que
evidencia algo que vai além de um parentesco.”(JEAN EPISTEIN, ISMAIL XAVIER, 2018, p.
217) a literatura moderna e o cinema tem uma relação de troca.

Jean Epstein comenta que a literatura difere do cinema quando comparada a sentidos
humanos tendo em vista que “O texto só fala aos sentimentos através do filtro da razão”(p.237) e
que o filme atinge o espirito por meio de imagens. Isso faz com que historias boas que cativaram
leitores quando são “traduzidas” de um meio a outro (literário-cinematográfico) se tornem
adaptações ainda mais encantadoras que seus originais literarios.

Em comparação com a literatura que desenvolve na alma o poder de abstrair, classificar e


deduzir, o cinema atua no âmbito da emoção e da indução, ou seja, nossas capacidades mais
primitivas (Jean Epstein, 2018). Portanto existe a crença de que a literatura é uma arte culta e o
cinema é o entretenimento das massas.

O espetáculo cinematográfico é seguramente capaz de suplanta-la – a literatura - em influência.


Ele se dirige a uma plateia que pode ser mais numerosa e diversificada do que um publico de
leitores, pois não exclui nem os semiletrados nem os analfabetos: não se limita aos usuários de
certos idiomas e dialetos; compreende até mesmo os mudos e os surdos; dispensa tradutores e não
precisa temer seus contrassensos; e, finalmente, porque esta plateia sente-se respeitada na fraqueza
ou na preguiça intelectual de sua imensa maioria. ( JEAN EPSTEIN, ISMAIL XAVIER, p. 239,
2018)

Adaptar uma obra literária ao cinema a torna mais acessível ás massas, Benicá em seu
texto publicado na revista Praticas de Linguagem traz a tona que “adaptações são, muitas vezes,
responsáveis pelo crescimento da venda de livros.”(p.72) Comprovando o comentário com uma
pesquisa da Revista veja onde “diversas vezes, muitos dos livros mais vendidos foram (ou serão)
adaptados para o cinema” (p. 72). Seguindo este exemplo, uma pesquisa feita semanalmente pela
revista Veja, de 30 de outubro até 6 de novembro de 2019 mostra que alguns dos livros mais
vendidos desta semana se tratam do mesmo caso. Como por exemplo: “O conto da Aia” e
“Pequenas grandes mentiras” que se tornaram series televisivas famosas; “A revolução dos
bichos”

__________________
XAVIER, Ismail. A experiencia do cinema (antologia). Organizaçao Ismail Xavier. 4. ed. São Paulo: Editora Paz e
Terra, 2018. p.163-175 p.217-222
BENICÁ, Mariana M. Adaptaçoes de Livros para o Cinema e sua Influencia na Formaçao de Leitores. Revista
Práticas de Linguagem. v. 6, n. 1, jan./jun. 2016.
Os livros de ficção mais vendidos, pesquisa da revista veja. De 30 de outubro á 6 de novembro de 2019.
26

e “1984” dois livros de George Orwell que já foram adaptados para cinema; “Fahrenheit 451” de
Ray Bradbury que também se tornou filme, entre outros.

Assis Brasil, em 1967 publicou um livro titulado de Literatura e Cinema: Choques de


Linguagem, nele, o autor defende a tese de que o cinema prejudica-se ao fazer uso da literatura,
porque vai contra sua linguagem particular. Como já visto anteriormente a partir das ideias de
Epstein em A experiencia do Cinema e Robert Stam em Literature and Film, a literatura quando
adaptada deve passar por um longo processo de “tradução” de um meio ao outro. O cinema se
aproxima da literatura pela narratividade mas os dois são artes distintas. Assis Brasil alega que
“um romance não vive de ideias filosóficas ou moralizantes, assim como um filme não vive de
ideias literárias que a imagem não possa absorver e transmitir”. (BRASIL, 1967, p. 12). Então
para a indústria do filme é importante que o livro adaptado seja cuidadosamente “traduzido”
sofrendo o risco de se tornar uma criação medíocre.

Entretanto, Assis Brasil acredita que cineastas prezam a autonomia criativa de suas obras
que em consequência, transforma o processo da adaptação. Visto isso podemos ver o exemplo do
filme “Malévola – Dona do Mal” da Disney que apesar de ser uma estória que trata de um
personagem inserido no conto da Rapunzel, é na verdade um universo estendido de autonomia
própria e funciona como uma obra inspirada em outra.

Porém, para adicionar ao que foi pontuado anteriormente por Casarin que a indústria
cinematográfica também se interessa pelo lucro, Thais Maria Gonçalves da Silva ao citar Assis
Brasil diz que:

Nenhuma arte conseguiu escapar totalmente da comercialização, mas o cinema nesse ponto tem
sido o mais sacrificado por ser consumido por um grande número de pessoas, tanto que alguns
críticos chegam ao extremo de dizer que ele é apenas indústria. Para atingir cada dia um público
maior, alguns filmes fazem concessões para agradar a esse público, que normalmente não tem
acesso à cultura ou à arte.(SILVA, 2012, p.187)

Os filmes por serem consumidos em massa, tendem a visar o lucro contrapondo o real
ideal artístico por trás de uma obra. Tendo como objetivo agradar ao público ao invés de passar
uma mensagem reflexiva a ele.

__________________
Os livros de ficção mais vendidos, pesquisa da revista veja. De 30 de outubro á 6 de novembro de 2019.
SILVA,Thais Maria Gonçalves da. Reflexões Sobre Adaptação Cinematográfica de Uma Obra Literaria.
Anuário da literatura, Florianópolis v.17, n. 2 p. 187, 2012.
BRASIL, Assis. Cinema e literatura: choques de linguagem. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1967, p.12
27

2.3 – Tipos de Adaptação

Charlie Kaufman, um roteirista americano em seu processo de adaptar o livro O


Ladrão de Orquídeas de Susan Orlean, Sofreu o que chamamos de bloqueio criativo. O escritor
então conseguiu escapar do bloqueio ao escrever um roteiro sobre a sua situação, chamando-o de
Adaptação um filme de 2002 dirigido por Spike Jonze com atores como Meryl Streep no papel
de Susan Orlean e Nicolas Cage como Charlie Kaufman. O filme representa o processo criativo
de escrever um filme adaptado. Robert Stam Pontua que Adaptação neste caso é
simultaneamente uma adaptação e um roteiro original que transforma um livro de não-ficção em
uma aventura fictícia.(2005, p.1). Robert Stam conclui sua reflexão sobre o filme dizendo que
“The portrayal of Charlie’s work suggests that adaptation consists of the reading of a book […]
and the writing of the scenario of a film”(2005, p.2) criando uma ponte entre as duas artes.

Adaptação traz uma releitura do processo de adaptar um livro á filme quando faz alusão á
Darwin e seu estudo sobre a origem das espécies, a palavra adaptação nesse caso se torna um
processo evolutivo necessário para a sobrevivência de uma espécie, Robert Stam sobre essa
referencia diz que “we can also see filmic adaptations as “mutations” that help their source novel
“survive” ”(2005, p.3) em outras palavras, adaptações ajudam a literatura a “sobreviver”.

A literatura e o cinema possuem cada um, uma linguagem especifica. Apesar de serem
interligados ao tratar de adaptações, os dois são artes distintas. Brunilda Reichmann em seu texto
Adaptação Remissia e Digressiva: Transposição de Metaficção Para o Cinema trata do leitor
que compreende a mudança de meio entre filme e livro e classifica adaptações de duas maneiras.

O leitor do século XXI não espera que exista uma correspondência plena entre um texto de partida
(hipotexto) e um texto de chegada (hipertexto) em linguagens midiáticas diferentes, assim como
não existe uma correspondência plena na tradução interlingual livre e nem tampouco na tradução
interlingual literal. A adaptação poderia, portanto, ser classificada como: remissiva e digressiva.
(Brunilda Reichmann, 2013, p.131)

A adaptação remissiva como apontado por Reichmann se trata do processo no qual não é
implicado “subversão, desconstrução, desmonte, transculturação etc., do hipotexto.”(2013,
p.131), ou seja, os acontecimentos do livro são mantidos no filme assim como seus personagens,
lugar e tempo. Como é o caso do no filme Emma (1996) analisado neste trabalho. Reichmann
traz

__________________
STAM, Robert. Literature and film: A Guide to the Theory and Practice of Film Adaptation. Estados Unidos
da America: Blackwell Publishing Ltd 2005. p.1-3.
REICHMANN, Brunilda. Adaptaçao Remissiva e Digressiva: Trasposicão de Metaficção Para o Cinema.
Itinerarios – Revista de Literatura, Araraquara, n. 36, jan./jun. 2013. p. 131-132
28

exemplos onde para ela, fizeram uso do que chama de adaptação remissiva, sendo estes: Tess, Os
vivos e os mortos e Desejo e reparação (2013, p.132).

A adaptação digressiva para Reichmann é “quando, além das diferenças provenientes das
linguagens empregadas pelas mídias, há subversão, desconstrução, desmonte, transculturação,
interpolações, eliminação de elementos importantes do texto narrativo, entre outros.”(2013,
p.132), em outras palavras, se trata do processo pelo qual a historia do livro quando adaptada
para cinema é transmutada, mudando elementos-chaves de sua organização literária. O texto é
portanto “ponto de partida para uma nova criação”(2013,p.132). Para exemplificar podemos
referir a As Patricinhas de Beverly Hills na qual a história de Jane Austen sofre além mutações
de tempo e espaço seus personagens também são transformados para atender a nova trama.
Reichmann traz outros exemplos que nos ajudam a entender seu conceito, sendo estes:
Adaptação, Apocalypse Now e A mulher do tenente francês (2013, p.132).

A autora, entretanto, diz que é difícil classificar algumas adaptações como digressiva ou
remissiva por estarem presentes no que ela chama de “zona nebulosa”, ou seja, um meio-termo
entre os dois. Concluindo sua afirmação dizendo que “essa indefinição serve como excelente
argumento para que “leituras” de adaptações sejam ricas, controversas e suscitem um debate
profícuo sobre o processo.” (Reichmann, 2013, p.132).

Além do mais, a adaptação pode ser ao mesmo tempo remissiva e digressiva, como no caso do
filme A mulher do tenente francês. A moldura interna – história do século XIX – é uma adaptação
remissiva, enquanto a moldura externa, romance entre os atores no século XX, é uma adaptação
digressiva. Essa contém falas da narrativa autoral do século passado e comentários sobre a
sociedade vitoriana encontrados no romance, mas os atores vivem uma situação típica do século
XX.(Reichmann, 2013, p.132)

Obras adaptadas deste modo, podem ser classificadas como remissiva em alguns sentidos
e digressiva em outros, analisando por ora As Patricinhas de Beverly Hills (1995) vemos que se
trata de uma obra digressiva quanto ao tempo e espaço, na qual Emma se passa no início séc.
XIX em um vilarejo fictício na Inglaterra e As Patricinhas de Beverly Hills se passa no final do
séc. XX na Califórnia, EUA. Porém o filme apresenta um viés remissivo quando faz uso de
eventos originários do livro, como o baile, apenas transpondo a cena de uma época a outra
mantendo a trama principal.

__________________
REICHMANN, Brunilda. Adaptaçao Remissiva e Digressiva: Trasposicão de Metaficção Para o Cinema.
Itinerarios – Revista de Literatura, Araraquara, n. 36, jan./jun. 2013. p.132
29

O fenômeno da adaptação para Robert Stam faz uso de métodos textuais já estudados por
Bakhtin, Kristeva e Genette, métodos estes que comprovam a ideia de que um texto serve de
inspiração a outro. São estas teorias:

The intertextuality theory of Kristeva (rooted in and literally translating Bakhtin’s “dialogism”)
and the “transtextuality” theory of Genette, similarly, stressed the endless permutation of
textualities rather than the “fidelity” of a later text to an earlier model, and thus, also impact on our
thinking about adaptation.(STAM, 2005, p.8)

Para Stam, a adaptação segue estas teorias, ela possui uma relação de intertextualidade
com o livro mas não se trata do próprio livro na tela. Dando continuidade a esta ideia ao falar de
livros, Stam comenta que “The “original” always turns out to be partially “copied” from
something earlier”(2005, p.8) e traz exemplos como Don Quixote que faz referencia a romances
de cavalaria e Robinson Crusoe que alude á diários de viagem, entre outros. Combinando as
teorias de Stam e Reichmann a adaptação digressiva neste caso se trata então de uma estória
original que faz uso da intertextualidade.

Stam conclui seu pensamento com a teoria da construção hibrida de Bakhtin:

[…]the artistic utterance always mingles one’s own word with the other’s word. Adaptation too, in
this view, can be seen as an orchestration of discourses, talents, and tracks, a “hybrid” construction
mingling different media and discourses and collaborations.(Stam, 2005, p.9)

Em outras palavras, a adaptação não é uma “copia” do “original” e sim uma construção
nova de ideias, autor e filmaker em um só produto, uma estória hibrida.

__________________
REICHMANN, Brunilda. Adaptaçao Remissiva e Digressiva: Trasposicão de Metaficção Para o Cinema.
Itinerarios – Revista de Literatura, Araraquara, n. 36, jan./jun. 2013. p.132
STAM, Robert. Literature and film: A Guide to the Theory and Practice of Film Adaptation. Estados Unidos
da America: Blackwell Publishing Ltd 2005. p.1-70.
30

Capitulo 3 – Análise das adaptações do livro de Jane Austen, “Emma” para cinema através
dos filmes “Emma”(1996) e “As Patricinhas de Beverly Hills”(1995).
O capítulo final pretende analisar os dois filmes adaptados da obra literária Emma de Jane
Austen para cinema do período de 1995 a 1996.
No subcapitulo 3.1 apresento a personagem criada por Jane Austen chamada de Emma
Woodhouse e sua descrição seguindo as próprias palavras da autora. Apresento também a trama
na qual ela está inserida e personagens de apoio presentes no livro.
No próximo subcapitulo comparo o livro de Austen com as adaptações Emma de
McGrath e As Patricinhas de Beverly Hills de Heckerling apresentando convergências e
divergências entre as estórias e o livro.
Em conclusão, no subcapitulo 3.3 explicito o processo criativo dos próprios
roteiristas/diretores por tras das obras criadas utilizando entrevistas e críticas cinematográficas da
época em que os filmes foram lançados.
3.1 – O personagem Emma Woodhouse criado por Jane Austen e sua trama.

Emma Woodhouse é a personagem principal do livro Emma escrito por Jane Austen
originalmente publicado em 1815, a autora a descreve como “handsome, clever and rich, with a
comfortable home and a happy disposition, seemed to unite some of the best blessings of
existence”(Austen, 2012, p.1) Emma, de vinte e um anos, viveu uma vida sem preocupações mas
apesar desta descrição, ela era também órfã e sua mãe “had died too long ago for her to have
more than an indistinct remembrance of her caresses” (Austen, 2012, p.1). Não ter uma figura
materna para apoiar e educar levou seu pai a contratar uma governanta, Miss Taylor que no
início do livro, nos é informado que serviu a família por dezesseis anos. A irmã de Emma
(Isabella Knightley) se casou cedo deixando-a sozinha com seu pai (Henry Woodhouse) que era
hipocondríaco e incrivelmente dependente de Emma, que ,de acordo com Wendy Moffat um
estudiosa so tema, ele age mais como uma criança do que como um pai (1991, p. 46) Essas
informaçoes nos ajuda a entender um pouco sobre a predisposição de Emma a ser uma pessoa
orgulhosa e incrivelmente independente.

__________________
MOFFAT, Wendy. Identifying with Emma: Some Problems for the Feminist Reader. College English, volume
53, number 1, January 1991, p. 45-58. National Council of Teachers of English. Disponivel em: <
https://www.jstor.org/stable/377968?seq=1#metadata_info_tab_contents > Acesso em 7 de novembro de 2019.
AUSTEN, Jane. Emma. Introduction and Notes by Monica Cohen. Estados Unidos da América: Sterling Publishing
Co., Inc, 2012.
31

Como pontuado por Moffat que compara Emma a outras heroínas de Austen que não
possuem a mesma independência podemos ver que a personagem é uma figura feminina forte.

Living in Hartfield, a mansion of her own, and free from the social and economic constraints
which press other Austen heroines into dependence on men (sympathetic and otherwise) or
pathetic, isolated poverty, Emma seems to be the character mst equipped to contemplate and to act
upon the fullness of her feminine identity.( Wendy Moffat, 1991, p.46)

Claudia Johnson complementa esse argumento quando diz que “female authority itself is
the subject of Emma”(1988, p.122) e ainda diz que todas as figuras respeitadas e no controle da
trama são mulheres com exceção de George Knightley (1988, p.126), cunhado de Emma. Destas
personagens podemos exemplificar: Mrs. Churchill que apesar de nunca ter aparecido na trama é
referenciada diversas vezes e seus desejos são atendidos a cidades de distância pelo seu filho
adotivo; Mrs. Goddard que preside a escola interna; Mrs. Bates uma viúva respeitada a qual
Emma faz visitas apesar de sua condição econômica; Emma Woodhouse senhora de Hartfield e a
figura de maior influência de Highbury. Todavia, críticos tendem a julgar Emma por conta da
sua consciência de que é “[...] considered “first” in consequence at Highbury” (Johnson, 1988,
p.126) e dizem que isso a torna esnobe mas este fato “does not faze her neighbors, and no one
questions her right to preeminence”(Johnson, 1988, p.126). Emma não faz uso de sua influência
e classe social de maneira pejorativa em nenhum momento do livro, o que faz com que seus
vizinhos não se importem muito com seu status social. Emma quando é questionada por sua
amiga Harriet Smith se conhece um jovem fazendeiro chamado Mr. Martin responde de maneira
simples:

A young farmer, whether on horseback or on foot, is the very last sort of person to raise my
cusiosity. The yeomanry are precisely the order of people with whom I feel I can have nothing to
do. A degree or two lower, and a creditable appearance might interest me; I might hope to be
useful to their families in some way or other. But a farmer can need none of my help, and is
therefore in one sense as much above my notice as in every other he is below it. (Austen, 2012,
p.21)

Em outras palavras, a heroína nessa passagem pontua que não conhece Mr. Martin
porque um fazendeiro não faz parte de seu círculo social e muito menos precisa de sua
solidariedade pois nada lhe falta no momento. E conclui dizendo que ele está por vezes acima ou

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MOFFAT, Wendy. Identifying with Emma: Some Problems for the Feminist Reader. College English, volume
53, number 1, January 1991, p. 45-58. National Council of Teachers of English. Disponivel em: <
https://www.jstor.org/stable/377968?seq=1#metadata_info_tab_contents > Acesso em 7 de novembro de 2019.
AUSTEN, Jane. Emma. Introduction and Notes by Monica Cohen. Estados Unidos da América: Sterling Publishing
Co., Inc, 2012.
JOHNSON, Claudia L.. Jane Austen – Women, Politics, and the Novel. Chicago, Estados Unidos da America,
1988. 183 p.
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abaixo de seu alcance tendo em vista que Emma não teria motivos político-econômicos para
tratar com um fazendeiro.

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MOFFAT, Wendy. Identifying with Emma: Some Problems for the Feminist Reader. College English, volume
53, number 1, January 1991, p. 45-58. National Council of Teachers of English. Disponivel em: <
https://www.jstor.org/stable/377968?seq=1#metadata_info_tab_contents > Acesso em 7 de novembro de 2019.
AUSTEN, Jane. Emma. Introduction and Notes by Monica Cohen. Estados Unidos da América: Sterling Publishing
Co., Inc, 2012.
JOHNSON, Claudia L.. Jane Austen – Women, Politics, and the Novel. Chicago, Estados Unidos da America,
1988. 183 p.
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Emma entende seu lugar em sociedade estando em uma “esfera” – nomenclatura da


personagem – acima de outras pessoas e por isso considera seu dever exercer sua influência da
melhor maneira possível, fazendo visitas aos menos afortunados e tratando todos os moradores
de Highbury de maneira justa e respeitosa. Uma faceta curiosa do romance é que Emma aparenta
ser uma moça educada e sem preconceitos do ponto de vista dos moradores da cidade mas o
espirito da personagem transparece em suas conversas com Mr. Knightley. Por exemplo, ela se
sente no direito de falar coisas como “I pity you. I thought you creverer” (Austen, 2012, p.7) e “I
always desserve the best treatment, because I never put up with any other” (Austen, 2012, p.371)
a partir desse tipo de comportamento Claudia Johnson diz que Emma é criticada como “arrogant,
self-important, and controlling [...] narcissistic and perfectionist”(1988, p.122).

As tramas dos livros de Austen circundam a noção que a sociedade tem sobre casamento
no século XIX. Em Emma a heroína classifica seu próprio matrimônio como escolha já que ela
está em uma situação financeira agradável como senhora de Hartfield e não “precisa” de um
marido para manter seu estilo de vida. Sobre o casamento de terceiros, Emma os considera como
negócios e em consequência como pontuado por Claudia Johnson os outros personagens do livro
seguem a mesma didática: “from the lowly Harriet to the mighty Churchills, whose possession or
lack of “fortune”, “employment” and “consequence” bears on their matrimonial decisions”(1988,
p.125) casamentos “por amor” como ocorre em Orgulho e Preconceito não é tão representado
em Emma.

Ao decorrer do romance nos é apresentado três casais dos quais os personagens estavam
apaixonados: Mr. Weston e sua ex-mulher, que no início do livro já havia falecido, a estória
inclusive se inicia com o casamento entre Miss Taylor e ele; o casal Emma Woodhouse e George
Knightley; Jane Fairfax neta da Mrs. Bates e Frank Churchill que é filho adotivo e sobrinho dos
Churchill e filho biológico de Mr.Weston, casal este que causou muita discórdia na trama por
não serem de classes sociais compatíveis.

O casamento entre Miss Taylor e Mr.Weston como explicado posteriormente no romance


foi um projeto da heroína que de pouco em pouco os aproximou. Emma considerou a
combinação economicamente favorável para Miss Taylor, Claudia Johnson pontua que além de
Emma, George
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AUSTEN, Jane. Emma. Introduction and Notes by Monica Cohen. Estados Unidos da América: Sterling Publishing
Co., Inc, 2012.
JOHNSON, Claudia L.. Jane Austen – Women, Politics, and the Novel. Chicago, Estados Unidos da America,
1988. 183 p.
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Kightley aprova o casamento “precisely because it enables her “to be secure of a confortable
provision””(1988, p.125) o que nos leva a questionar porque Mr. Weston casaria com uma
governanta já que no romance existe a visão de casamentos como negócios e Claudia Johnson
aponta que é exatamente por conta de Mr. Weston ter casado com uma moça de família rica no
primeiro casamento que considera a ausência de dinheiro de Miss Taylor uma benção “the social
and economic superiority of his first wife put him at a sentimental disadvantage”(1988, p. 125) e
Mr. Weston não tinha interesse em se relacionar com uma mulher que o fizesse sentir inferior.

Emma serviu de ponte entre o relacionamento bem-sucedido de Miss Taylor e Mr.


Weston e ela ainda confirma em uma conversa com George Knightley e Mr. Woddhouse: “I
made the match, you know, four years ago; and to have it take place, and be proved in the right,
when so many people said Mr. Weston would never marry again, may comfort me for
anything”(Austen,2 012, p.6) a partir desta conversa Emma decide não servir de “matchmaker”
para mais nenhum casal além de “poor Mr. Elton”(Austen, 2012, p.7) um jovem de vinte e seis
anos que na opinião de Emma “there is nobody in Highbury who desserves him”(Austen,2012,
p.7). Por conta disso, Emma faz amizade com uma menina chamada Harriet Smith e logo a
considera a melhor esposa para Mr. Elton.

Por causa da influência que Emma exerce na vida dos moradores de Highbury ela é
criticada “it never occurs to her to apologize for the control she takes over the destinies of
others”(Claudia Johnson, 1988, p.122) e podemos ver isto muito bem em seu livro, a heroína é
capaz de entusiasmar de maneira delicada para que as pessoas façam o que ela acha correto. No
livro, Mr. Martin, o jovem fazendeiro, pede a mão de sua amiga Harriet Smith em casamento que
originalmente cogita aceitar mas que por curtos comentários de sua amiga decide por fim a
escrever uma carta recusando a proposta.

Suzane Ferris em seu texo “Emma becomes clueless” resume o arco da estoria do livro
em poucas palavras: “a misguided matchmaker, overconfident in her abilities, learns the error of
her perceptions and discovers love in the process” (2001, p.122) afirmando que ao final da trama
Emma percebe seus erros e aprende com eles.

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AUSTEN, Jane. Emma. Introduction and Notes by Monica Cohen. Estados Unidos da América: Sterling Publishing
Co., Inc, 2012.
JOHNSON, Claudia L.. Jane Austen – Women, Politics, and the Novel. Chicago, Estados Unidos da America,
1988. 183 p.
FERRISS, Suzanne. Emma Becomes Clueless In: Troost, Linda, and Sayre Greenfield, editors. “Front
Matter.” Jane Austen in Hollywood, University Press of Kentucky, 2001, p. 122-129
35

Em conclusão, Emma é uma estória de uma jovem adulta bonita e rica que coordena a
vida de sua mansão e de seu vilarejo com a sutileza de uma dama, ao seu lado temos seu cunhado
George Knightley que tenta racionalizar seus atos em conversas longas com a heroína. Os outros
personagens que aparecem na trama que merecem ser citados são: Mr. Elton o solteiro de
Highbury que se recusa a cogitar Harriet Smith como sua companheira por ser inferior em classe;
Mr. Woodhouse uma figura simples e reclusa do vilarejo; Harriet Smith uma moça da escola
interna que não possui nenhum registro de familiares; Jane Fairfax a única pessoa pela qual
Emma sente inveja hábil no piano e no canto e que recebeu uma educação de qualidade; Frank
Churchill um jovem educado secretamente noivo de Jane Fairfax mas que teme que sua mãe
adotiva não aprove o casamento por serem de classes sociais diferentes; Robert Martin um
fazendeiro que após Harriet Smith passar o verão em sua casa a vê como uma boa companheira
pede a mão da jovem duas vezes no romance apenas para ser aceito na segunda; Mrs. Weston
(Miss Taylor) governanta de Hartfield e figura materna de Emma.

O romance é finalizado com o casamento “proveitoso” de diversos personagens: Emma


Woodhouse com George Knightley; Harriet Smith com Robert Martin; Mr. Elton e Augusta
Hawkins (uma moça que trouxe de outra cidade e até então não incluída no romance); E ainda o
noivado secreto entre Miss Fairfax e Frank Churchill.

Nora Nachumi em contrapartida comenta que o livro Emma não é uma estória de
romance mas sim “A story about how a girl learns to be kind” (2001, p.133) e continua falando
“Throughout the novel, Emma gradually learns that she is like everyone else” (2001, p.134),
sendo portanto uma estória de crescimento pessoal ao invés de uma estória de amor.

3.2 – Literatura para cinema: Emma (1996) e As patricinhas de Beverly Hills (1995).

Emma foi adaptado pela primeira vez de literatura para imagens em movimento em 1948
se tratou de um “filme” ao vivo. A partir de então ele foi adaptado diversas vezes para cinema,
televisão, web e teatro. O livro inclusive serviu de inspiração para a criação de outros livros
como por exemplo Jane Fairfax: The Secret Story of the Second Heroine in Jane Austen's Emma
ou Emma: A Modern Retelling, Emma ainda virou um graphic novel em 2015.

Curiosamente, William Galperin sobre Emma e obras em geral de Jane Austen diz que o
prazer esta em reler as estórias.

__________________
NACHUMI, Nora. ‘As If!’: Translating Austen’s Ironic Narrator to Film. In: Troost, Linda, and Sayre
Greenfield, editors. “Front Matter.” Jane Austen in Hollywood, University Press of Kentucky, 2001, p. 130-139
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Emma was written not to be read just once for story (as it were); it was written, as I’ve argued
elsewhere, to be reread, particularly for what was missed or overlooked the first time around.
Austen’s novels are obviously unique in the capacity to reward rereading. However in Emma, as
opposed to, say, Pride and Prejudice, rereading is a protocol imposed by the novel directly[…]
there is always something new and different to be discovered and to reflect upon. (Galperin, 2011,
p.189)

Por conta desta afirmação as diversas adaptações de Emma são prazerosas por poder dar
ao leitor a oportunidade de reviver as estórias e a analisar os personagens da trama com atenção
diferenciada. Desta maneira, cada releitura do livro assim como cada adaptação permite ao
leitor-espectador de ter conhecimento de uma nova informação que adveio de maneira
despercebida.

Os filmes As Patricinhas de Beverly Hills e Emma foram lançados com apenas um ano
de diferença respectivamente em julho de 1995 e junho de 1996. O primeiro se trata de uma
adaptação moderna de Emma situada no final do século XX na Califórnia e o segundo uma
adaptação no mesmo tempo/espaço do livro Inglaterra do início do século XIX.

As patricinhas de Beverly hills, de acordo om Galperin é uma das poucas adaptações que
foi capaz de representar o espirito da releitura do romance e, de acordo com ele, efetivamente
traspõe em vez da estória propriamente dita a soma dos detalhes presentes na obra (2011, p.190),
em outras palavras a adaptação foi capaz de traduzir a ironia de Austen e encaixar o padrão de
vida levado por Emma nesse caso “Cher Horowitz” de uma maneira que os espectadores
pudessem aproveitar.

Comparando o mundo adaptado de Heckerling para o romance de Austen vemos diversas


mudanças como por exemplo ao invés da trama se passar com moradores de uma pequena
cidade, seu médium é no caso uma escola “Beverly Hills High School” os personagens estão
presentes neste pequeno mundo ou relacionados a família de Cher Horowitz. Usasndo o texto de
Elsa Solender Recreating Jane Austen’s World on Film (p.114) , o livro Emma e o elenco de As
Patricinhas de Beverly Hills podemos comparar os personagens do livro e do filme: Mr.
Knightley agora Josh Lucas que de cunhado se torna filho de uma ex-esposa do pai de Cher;
Frank Churchill se torna Christian Stovitz que é um aluno novo na escola e ao invés de ter um
noivado escondido é na verdade gay; Miss Taylor é dividida em dois personagens uma

__________________
Galperin, William. Adapting Jane Austen: The Surprising Fidelity of ‘Clueless’. The Wordsworth Circle, vol.
42, no. 3, 2011, pp. 187–193. Disponivel em: < https://english.rutgers.edu/images/adapting_Jane_Austen_2850c.pdf
> Acesso em 8 de novembro de 2019
SOLENDER, Elsa. Recreating Jane Austen’s World on Film. In: Persuasions 24, 2002. Disponivel em: <
http://www.jasna.org/publications/persuasions/no24/solender/ > . Acesso em 26 de julho de 2019.
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professora da escola para cumprir o papel de Cher como matchmaker, e Dionne Davenport que
representa a amiga e

__________________
Galperin, William. Adapting Jane Austen: The Surprising Fidelity of ‘Clueless’. The Wordsworth Circle, vol.
42, no. 3, 2011, pp. 187–193. Disponivel em: < https://english.rutgers.edu/images/adapting_Jane_Austen_2850c.pdf
> Acesso em 8 de novembro de 2019
SOLENDER, Elsa. Recreating Jane Austen’s World on Film. In: Persuasions 24, 2002. Disponivel em: <
http://www.jasna.org/publications/persuasions/no24/solender/ > . Acesso em 26 de julho de 2019.
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confidente; Mr. Woodhouse agora Melvin Horowitz, um advogado viciado em trabalho; Harriet
Smith como Tai Frasier uma menina transferida de outra escola; Mr. Martin se torna Travis
Birkenstock um skatista; Mr. Elton como Elton Tiscia um menino do mesmo circulo de amigos
de Cher.

Elsa Solender compara Emma e Cher e comenta que “She behaves with the sublime
confidence and blissful ineptitude of the young when they are shamefully indulged and
prematurely elevated to positions of power. Cher is as certain of her own cleverness as Emma.”
(2002, 114) Apontando as similaridades entre as duas jovens apesar de serem de épocas
diferentes. As Patricinhas de Beverly Hills consegue captar a ideia que Jane Austen tenta
passar ao escrever Emma como pontuado por Nora Nachumi em seu texto As If citando Terry
Castle “we enjoy Emma because she is smart and she is good; but we positively dote on her
mistakes because they allow us to feel superior” e conclui dizendo que não somos tão superiores
e que os “erros” de Emma nos ajudam a refletir sobre as nossas próprias vidas (2001, p.136). Ao
adaptar Emma para os dias de hoje tornamos seus erros contemporâneos conseguindo por
consequência dialogar com o espectador com maior facilidade.

O filme Emma de McGrath é uma versão mais parecida com a estoria original, mantendo
os mesmos personagens, trama, tempo e espaço apesar do que Suzanne Ferriss chama de “Austen
purists”(2001, p.127) ainda rejeitarem a adaptação. Na versão de McGrath podemos ver uma
Emma que pratica arco e flecha e dirige sua própria carruagem que apesar de refletirem a ideia
de feminismo da época são eventos que não estão presentes no livro. Ferriss diz que “The image
of Emma engaging simultaneously in athletic and verbal competition with Knightley has a
particular resonance for contemporary women” (2001, p.127), ou seja o objetivo da inclusão
dessas ações foi para que a mulher moderna consiga enxergar o feminismo praticado por Emma
e se sentir representada.

Outro ponto interessante de ser levantado quanto a adaptação de McGrath é sobre a


escolha da atriz que fez o papel de Emma, Gwineth Paltrow e do ator que fez o papel de George
Knightley, Jeremy Northam. Nora Nachumi comenta que os dois são extremamente bonitos e
que a diferença
__________________
SOLENDER, Elsa. Recreating Jane Austen’s World on Film. In: Persuasions 24, 2002. Disponivel em: <
http://www.jasna.org/publications/persuasions/no24/solender/ > . Acesso em 26 de julho de 2019.
FERRISS, Suzanne. Emma Becomes Clueless In: Troost, Linda, and Sayre Greenfield, editors. “Front
Matter.” Jane Austen in Hollywood, University Press of Kentucky, 2001, p. 122-129
NACHUMI, Nora. ‘As If!’: Translating Austen’s Ironic Narrator to Film. In: Troost, Linda, and Sayre
Greenfield, editors. “Front Matter.” Jane Austen in Hollywood, University Press of Kentucky, 2001, p. 130-139
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de idade entre os personagens (dezesseis anos) não é representada fazendo com que a união dos
personagens seja “aesthetically pleasing”(2001, p.134), no livro vemos George Knightley como
cunhado e irmão de Emma mas no filme somos capazes de enxergar o casal George e Emma
desde o princípio por conta da química entre os atores e pela escolha do diretor de movimentação
de câmera.

The câmera insists that the two be viwed as a pair. Whenever the two share a scene, the camera
either frames them within a single shot or shows us that they are aware of each other. We see Mr.
Knightley watch Emma with more than brotherly interest at a piano recital. Later, at a ball, we
observe Mr. knightley rescue Harriet Smith from Emma’s point of view. When their eyes meet,
Emma and Mr. Knightley are inevitably drawn to each other. (Nora Nachumi, 2001, p. 134)

Por conta disso, mudança de meio de livro para filme nesse caso, tornou a relação do
casal principal menos sutil. Espectadores esperam que Emma e George fiquem juntos no final
porque McGrath cuida para que os dois sejam apresentados como uma dupla.
Em comparação As Patricinhas de Beverly Hills (1995) consegue captar o espirito da
trama, e o desfecho de Cher com Josh não é tão esperado assim como no livro e a estória é
transformada de um século ao outro. Já em Emma (1996) somos apresentados a mesma
personagem e a mesma trama que no livro mas em contrapartida apesar de Emma continuar com
o mesmo pressuposto quando ao quesito casamento, espectadores esperam que Emma termine o
filme com Mr. Knightley.

3.3 – O processo criativo dos roteiristas-diretores de Emma (1996) e As Patricinhas


de Beverly Hills (1995).

Amy Heckerling estudou cinema em NYU e se mudou para Los Angeles para
tentar uma carreira, em entrevista com a Interview Magazine ela explica o motivo pelo qual
escreveu e escreve alguns de seus longas tendo em vista que anteriormente trabalhava apenas
como diretora, Heckerling conta que ser uma mulher e fazer cinema na época em que ela
começou (final da década de 70) era um desafio porque as pessoas não sentiam confiança no
trabalho dela e muito menos no de uma mulher “People would show me stuff they thought I
could handle because it’s similar enough to what I have done. You don’t trust women with many
things, and the only person that would give me their best script is me”(The Iterview Magazine,
2016, Amy Heckerling).

__________________
NACHUMI, Nora. ‘As If!’: Translating Austen’s Ironic Narrator to Film. In: Troost, Linda, and Sayre
Greenfield, editors. “Front Matter.” Jane Austen in Hollywood, University Press of Kentucky, 2001, p. 130-139
KELSEY, Colleen. This is Amy Heckerling. Publicado em 11 de maio de 2016 em The Interview Magazine.
Disponível em: < https://www.interviewmagazine.com/film/amy-herckerling > Acesso em 8 de novembro de 2019
40

Por conta disso a criação da personagem Cher Horowitz partiu de uma ideia da própria
autora, Amy Heckerling, que em entrevista com a Interview Magazine disse que se interessou na
ideia de uma pessoa estranhamente otimista, que completa dizendo “a character that was the
opposite of me.” (The Interview Magazine, 2016, Amy Heckerling)

Instead of thinking about how hard something will be, think “I can do whatever I want.” You get
dressed. You think everything looks crappy, just assume it all looks great. Go places and think
people like you. If your father yells at you, you think it’s kind of funny that he talks that way. It
just was so easy. ( The Interview Magazine, 2016, Amy Heckerling)

Após decidir criar esse personagem, ela passa a tentar encaixa-la no mundo real e foi ai
que lembrou de Emma e sua estoria, ainda comenta que “I actually remember when I was in
college reading Emma and thinking, “Say, I’ve seen this before.” It was a Gidget episode. I
thought, “Hey, wait a minute, did Jane Austen steal this from Sally Field?”(The Interview
Magazine, 2016, Amy Heckerling) ou seja, outras pessoas ja haviam usado Austen como
inspiração para outras criaçoes cinematograficas. A partir disso ela releu o livro de Austen e
decidiu incorporar a estoria no mundo moderno.

Como lido na revista Vanity Fair em um artigo escrito por Jen Chaney, o inicio do
processo criativo de As Patricinhas de Beverly Hills se deu em 1993 quando a roteirista começou
a escrever um programa de TV para a Fox: uma estória sobre um grupo de adolescentes
populares de uma escola. Chaney pontua que “In its formative stages, the Project eventually
known as Clueless went from potential Fox TV show to potential Fox feature film”(Jen Chaney,
2015). O Filme entretanto chegou ao cinema como um projeto da Paramount e nesse meio termo
entre Fox e Paramount o filme quase não saiu do papel.

Em entrevista com Vanity Fair, Amy Heckerling comenta sobre o processo de escrever
filmes e fazer cinema dizendo “sometimes you’re working on things and you think, Oh, I have to
write this, or I’d better look at my notes. And other times you just want to. That was how I felt
with Cher.”(Vanity Fair, 2015, Amy Heckerling) Trabalhar esta personagem, para a autora, não
era uma obrigação era algo que ela queria fazer e sentia necessidade. Heckerling ainda comenta
que após Fox TV ter vendido os direitos do filme para Fox Films houve uma conversa na qual
queriam que ela mudasse um pouco a trama do filme colocando Josh com um papel maior e não

__________________
KELSEY, Colleen. This is Amy Heckerling. Publicado em 11 de maio de 2016 em The Interview Magazine.
Disponível em: < https://www.interviewmagazine.com/film/amy-herckerling > Acesso em 8 de novembro de 2019
CHANEY, Jen. The Definitive Oral History of How Clueless Became an Iconic 90s Classic. Publicado em julho
de 2015 na revista Vanity Fair. Disponivel em: < https://www.vanityfair.com/hollywood/2015/06/clueless-oral-
history-20-anniversary > Acesso em 8 de novembro de 2019
41

apresenta-lo como ex-enteado, a partir disso, Amy e seu agente, Ken Stovitz começaram a
procurar outras produtoras. Stovitz na entrevista fala que “We got rejected so many times it was
a joke.” e continua falando “rejection can either be the thing that kills you or the thing that
inspires you to say “I’m not going to take no for na answer”(Vanity Fair, 2015, Ken Stovitz).”
Amy e Stovitz continuaram sua procura até que Scott Rudin se interessou pelo filme e por ser um
produtor conhecido, As Patricinhas de Beverly Hills começou a gerar interesse de produtoras de
filme e assim foi finalmente gravado pela Paramount gerando uma receita de aproximadamente
$56.6 milhões de dólares apenas nos Estados Unidos e Canada.

O filme Emma de Douglas McGrath foi inicialmente pensado em ser uma adaptação, seu
processo criativo veio a partir do livro diferentemente de As Patricinhas de Beverly Hills que
veio a partir de uma ideia de personagem.

De acordo com The Jane Austen Centre em um post informativo sobre as adaptações de
Emma é comentado que McGrath originalmente planejou uma atualização da estória para os anos
90 mas após ter conhecimento das gravações de As Patricinhas de Beverly Hills mudou seu
roteiro e decidiu criar sua adaptação mais parecida com o livro. Sobre o processo criativo que o
levou a escrever Emma, ele diz que “it was draining work, but for Austen’s Emma, I was willing
to sacrifice my comfort. After all, it is a classic”(Douglas McGrath, 2001). De acordo com o site,
ele leu o livro algumas vezes fazendo anotações, escreveu e reescreveu o roteiro para então ao
final, apresentar a estória para os executivos da Miramax.

Assim como Amy Heckerling, Douglas McGrath dirigiu seu filme, Emma foi o primeiro
filme dirigido por ele e de acordo com a crítica de Marilene Felinto publicada na Folha de São
Paulo da época do lançamento brasileiro do filme, “O estreante diretor Douglas McGrath acertou
em privilegiar e pôr sempre em primeiro plano os personagens mais fortes ou caricatos do
romance.”(Marilene Felinto,1997) Ou seja, apesar de nunca ter dirigido um filme desta
magnitude, Douglas McGrath fez um bom trabalho, Felinto conclui a crítica pontuando que o
diretor soube manter por meio da movimentação dos personagens secundários, “as tantas pistas
falsas do
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CHANEY, Jen. The Definitive Oral History of How Clueless Became an Iconic 90s Classic. Publicado em julho
de 2015 na revista Vanity Fair. Disponivel em: < https://www.vanityfair.com/hollywood/2015/06/clueless-oral-
history-20-anniversary > Acesso em 8 de novembro de 2019
Emma(2):1996. 4 de janeiro de 2001 publicado no The Jane Austen Centre. Disponivel em: <
https://www.janeausten.co.uk/emma2-1996/ > Acesso em 10 de novembro de 2019.
FELINTO, Marilene. “Emma” e Paltrow encantam. Crítica do filme Emma em 10 de fevereiro de 1997, Folha de
São Paulo, São Paulo. Disponivel em: < https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq100224.htm > Acesso em 10
de novembro de 2019.
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enredo”(Marilene Felinto, 1997) como é o caso do romance entre Emma Woodhouse e Frank
Churchill, para uma pessoa que desconhece a estória e a assiste pela primeira vez, a relação entre
Frank e Jane Fairfax não é obvia em comparação com a química exposta tanto no livro quanto no
filme entre a heroína e ele.

Outro ponto interessante de comentar ao falar de McGrath é que o autor costumava


escrever comedias e portanto Emma é uma comedia romântica Janet Maslin para o The New
York Times escreve que a junção entre a capacidade literária de Jane Austen em Emma é
confortavelmente combinada com os aspectos cômicos que McGrath introduz a trama (Janet
Maslin, 1996) e continua a elogiar a obra:

Grasping the screwball possibilities of ''Emma'' and the humorous aspects of an exaggeratedly
stately pace, Mr. McGrath (who both adapted and directed ''Emma'') displays dependably good
humor. If this ''Emma'' is finally less poignant than the similarly ornate ''Sense and Sensibility,'' it
is more apt to deliver an unexpected sight gag or brashly contemporary touch. (Janet Maslin,
1996)

Como visto, a crítica foi favorável quando a adaptação de McGrath e classifica que
possui um toque contemporâneo e cômico não apresentado no livro. Como visto anteriormente,
adaptações não precisam e não devem ser exatamente como visto no livro, o autor deve adaptar a
obra de um meio a outro e para McGrath esta adaptação se deu ao incorporar a comedia em um
romance austeniano.

__________________
MASLIN, Janet. So Genteel, So Scheming, So Austen. The New York Times, August 2, 1996, Section C Page 1.
Disponivel em: < https://www.nytimes.com/1996/08/02/movies/so-genteel-so-scheming-so-austen.html > Acesso
em 10 de novembro de 2019.
FELINTO, Marilene. “Emma” e Paltrow encantam. Crítica do filme Emma em 10 de fevereiro de 1997, Folha de
São Paulo, São Paulo. Disponivel em: < https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq100224.htm > Acesso em 10
de novembro de 2019.
43

CONSIDERAÇOES FINAIS

Esta pesquisa buscou reunir elementos que pudessem elucidar a adaptação de livro para
cinema e exemplificar com dois filmes duas maneiras diferentes que foi feita a adaptação de
Emma de Jane Austen, Emma (1996) do diretor/roteirista McGrath e As Patricinhas de Beverly
Hills (1995) da também diretora/roteirista Amy Heckerling.

Para este completo entendimento, a pesquisa apresentou compreensões desde a influência


do movimento romântico Europeu e do movimento realista Europeu e da ideia de
individualidade que foi apresentada na obra Emma de Jane austen assim como a importância
cinematográfica de ainda hoje trabalhar esta autora e sua atemporalidade.

O primeiro capitulo iniciou apresentando a influência da individualidade na sociedade em


que Austen vivia e por consequência também serviu de inspiração para a autora assim como os
dois movimentos que estavam sendo representados no século XIX o realismo e o romantismo. A
partir das compreensões de Teixeira Coelho, Johann Wolfgang Goethe, Denis Molino entre
outros, acerca da era literária explicitada nas obras da autora. A primeira parte da pesquisa
analisou estes movimentos artísticos e pontuou a importância cinematográfica em trabalhar Jane
Austen de acordo com estudiosos como Daiane da Silva Lourenço e Robert Stam que estuda
adaptações literarias e já publicou três livros sobre o tema.

Através de um olhar ainda mais aproximado, o segundo capitulo buscou analisar a


adaptaçao da literatura para cinema exemplificando e desmistificando estigmas como adaptação
“fiel” ao livro. Continuando neste capitulo analisei o papel da adaptação na indústria moderna de
filmes e por coincidência o papel que as adaptações exercem no aumento do interesse da
população pela própria literatura. Apresento também, a partir da classificação de Brunilda
Reichmann os conceitos de adaptação digressiva e remissiva e as exemplifico usando os dois
filmes analisados no terceiro capitulo.

Após todas as contextualizações e o conhecimento do trabalho feito pelos cineastas em


adaptar no sentido de traduzir uma obra literária ao contexto de imagem e som, o terceiro e
ultimo capitulo apresenta por vez as duas obras analisadas no trabalho: Emma de McGrath e As
Patricinhas de Beverly Hills de heckerling. O capitulo concluiu averiguando o que pode ser
encontrado sobre o próprio processo criativo dos diretores/roteiristas de cada adaptação.
44

Concluo por entender que este trabalho serviu para que meu próprio preconceito com
obras literárias mal adaptadas fosse desfeito e compreendi que para um filme servir como uma
boa adaptação é importante que a equipe que entenda o espirito do livro e a ideia que ele passou
ao público literário para enfim reafirmar esta ideia com o filme não necessitando, portanto, que
seja “fiel” a obra.
45

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Vídeo:
Adaptation. Filme. Direção de Spike Jonze. Roteiro de Charlie Kaufman. Vagamente baseado
em O Ladrão de Orquídeas de Susan Orlean. Estados Unidos, 2002. 114 min. son. color.
As Patricinhas de Beverly Hills. Filme. Direção de Amy Heckerling. Roteiro de Amy
Heckerling. Vagamente Baseado em Emma de Jane Austen. Estados Unidos, 1995. 97 min. son.
Color
Emma. Filme. Direção de Douglas McGrath. Roteiro de Douglas McGrath. Baseado em Emma
de Jane Austen. Reino Unido, 1996. 120 min. son. color.
Programa Charlie Rose. Entrevista com Amy Heckerling de 1996. Disponivel em: <
https://www.youtube.com/watch?v=t9kTv00yF50 > Acesso em 8 de novembro de 2019

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