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Introdução à Sociolingüística

Disciplina: Teorias Lingüísticas II


Professor: Márcio Leitão - UFPB
Concepção Social da Língua
Saussure/Meillet: a origem do conflito
Calvet (2002)
• Apesar de Saussure dizer que a língua é
um fato social, construída a partir da
comunidade que a fala, a escolha por
estudar a langue (o sistema em si) e não a
parole, faz com que ele se afaste da
interface linguagem e sociedade, e
busque descrever os fatos estruturais que
organizam o sistema lingüístico sem levar
em consideração, de fato, o social.
Concepção Social da Língua
Saussure/Meillet: a origem do conflito
Calvet (2002)
• Por conta disso, Meillet, apresentado como
discípulo de Saussure, se afasta das idéias do
mestre após o lançamento do Curso de
Lingüística Geral.
• Se opõe a essa escolha, feita por Saussure, que
focaliza o estudo do sistema desvinculado da
sociedade, e também se opõe a dicotomia
“sincronia e diacronia”, pois, para ele, a
estrutura só pode ser explicada a partir da
história e da diacronia.
Concepção Social da Língua
Saussure/Meillet: a origem do conflito
Calvet (2002)
• Portanto pela insistência de Meillet por tentar dar conta
de que “a língua é, ao mesmo tempo, um fato social e
um sistema que tudo contém”, faz dele um precursor de
alguma forma do que é conhecido como
Sociolingüística.
• Meillet: “Por ser a língua um fato social resulta que a
lingüística é uma ciência social, e o único elemento
variável ao qual se pode recorrer para dar conta da
variação lingüística é a mudança social”
• Essa posição será muito semelhante ao que se
postulará no surgimento propriamente da
Sociolingüística.
Basil Berstein e as deficiências lingüísticas
Calvet (2002) e Soares (1996)
• “Berstein, especialista inglês em sociologia da
educação, será o primeiro a levar em
consideração, ao mesmo tempo, as produções
lingüísticas reais e a situação sociológica dos
falantes.”
• Focaliza o fracasso escolar das crianças da
classe operária em comparação com as
crianças da classe média americana.
• Baseia-se na produção lingüística das crianças
para propor dois códigos: código restrito e
código elaborado.
Basil Berstein e as deficiências lingüísticas
Calvet (2002) e Soares (1996)
• Características do léxico e da morfossintaxe dos dois
códigos:
• A) Código elaborado
• Estrutura gramatical complexa e precisa.
• Uso freqüente de orações subordinadas adverbiais, de
preposições, de verbos na voz passiva, de adjetivos e
advérbios.
• B) Código restrito
• Estrutura gramatical simples e, muitas vezes, incompleta.
• Uso freqüente de ordens e perguntas, de afirmações
categóricas, repetição de pronomes pessoais.
• Uso limitado e rígido de adjetivos e advérbios.
• Pouca freqüência de uso de orações subordinadas
adverbiais, de verbos na voz passiva e freqüente
substituição da expressão verbal por recursos não-verbais.
Basil Berstein e as deficiências lingüísticas
Calvet (2002) e Soares (1996)
• A forma de socialização em que as crianças estão imersas (contexto familiar), o
que teria como resultado os dois tipos de códigos.
• Exemplo:
• Primeiro diálogo:
• Mãe: Segure firme, querido.
• Criança: Por que?
• Mãe: Se você não segurar, vai ser jogado para a frente e vai cair.
• Criança: Por que?
• Mãe: Porque se o ônibus parar de repente, você vai ser jogado no banco da
frente.
• Criança: Por que?
• Mãe: Agora, querido, segure firma e não crie caso.
• Segundo diálogo:
• Mãe: Segure firme.
• Criança: Por que?
• Mãe: Segure firme.
• Criança: Por que?
• Mãe: Você vai cair.
• Criança: Por que?
• Mãe: Eu mandei você segurar firme, não mandei?
Basil Berstein e as deficiências lingüísticas
Calvet (2002) e Soares (1996)

• Estudo de Peter Hawkins, muito citado por


Berstein:
• Foi apresentada a cada criança uma
história em quadrinhos muda, composta
de quatro cenas: meninos jogando bola, a
bola atingindo a janela de uma casa, um
homem com gestos ameaçadores, uma
mulher olhando pela janela, enquanto os
meninos fugiam.
Basil Berstein e as deficiências lingüísticas
Calvet (2002) e Soares (1996)

• Produção oral das crianças da classe média (5 anos)


• “Três meninos estão jogando bola e um menino chuta a
bola e ela atravessa a janela a bola quebra o vidro e os
meninos olham para ela e sai um homem e grita com
eles porque eles quebraram o vidro então eles fogem e
depois essa senhora olha pela janela e ela diz aos
meninos para irem embora”.
• Produção das crianças da classe trabalhadora (5
anos)
• “Eles estão jogando bola e ele chuta ela e ela atravessa
ela quebra o vidro e eles olham para ela e ele sai e grita
com eles porque eles quebraram ela então eles fogem e
depois ela olha para fora e ela diz para eles irem
embora”.
Basil Berstein e as deficiências lingüísticas
Calvet (2002) e Soares (1996)

• “Berstein adverte que não se pode afirmar que a


criança da classe trabalhadora não seria capaz de
produzir uma linguagem semelhante à criança da
classe média; a diferença, na verdade, está na
maneira como cada uma relacionou linguagem e
contexto.”
• Esses estudos e essa análise de Berstein estão na
base da hipótese do déficit lingüístico que
pressupõe que o desenvolvimento da linguagem
tem uma relação direta com o desenvolvimento
cognitivo. O que explicaria o fracasso escolar das
crianças da classe trabalhadora!
• É uma tentativa de “patoligição da pobreza”.
Basil Berstein e as deficiências lingüísticas
Calvet (2002) e Soares (1996)

• A partir desses estudos na década de 60


e 70 o EUA investe na chamada
Educação Compensatória.
• Intervenção precoce na educação pré-
escolar, submetendo a criança a
atividades de “socialização”, que partem
do pressuposto de que a socialização que
ela vivencia em seu contexto familiar é
“pobre”.
Fracasso da Educação Compensatória
Soares(1996)
• “Nos Estados Unidos, verificou-se que
resultados positivos de programas de educação
compensatória eram inexistentes ou efêmeros,
isto é, crianças a eles submetidas, ao contrário
do esperado, não evidenciavam melhor
desempenho escolar ou, quando isso ocorria,
esse melhor desempenho era limitado, de pouca
duração.”
• O grave, para nós do Brasil, é que depois de
uma década do reconhecido fracasso nos EUA,
o Brasil estava reproduzindo esses modelos
compensatórios.
Várias explicações para o fracasso
• Sem discutir o pressuposto Pobreza –
deficiência lingüística, alguns explicam o
fracasso dizendo que a intervenção foi
executada tardiamente e que a “privação
cultural” já teria exercido efeitos tão profundos
que não se pode compensar as “deficiências”.
• Nessa linha teve pesquisadores comparando o
rendimento de negros e brancos nos EUA que
postularam uma hipótese genética, em uma
visão claramente racista.
Várias explicações para o fracasso
• Outras explicações se voltam para a postura dos
professores, ainda sem questionar o pressuposto básico
por trás da deficiência lingüística.
• A explicação se baseia na idéia de que os professores
criam expectativas negativas em relação aos alunos
considerados “deficientes” e o resultado seria o que foi
chamado de “a profecia que se autocumpre”. Ou seja, a
expectativa que uma pessoa tem sobre a outra acaba
influenciando, mesmo que sutil e sem intenção, o seu
aprendizado.
• Isso gera atitudes tanto por parte do professor, quanto
por parte dos alunos que acentua a descriminação. O
professor, por exemplo, reduz ou simplifica conteúdos, e
os alunos não se empenham por incorporarem uma
auto-imagem negativa e de incapacidade.
Várias explicações para o fracasso
• Outras explicações, finalmente, vão começar a
colocar em xeque os próprios pressupostos dos
programas compensatórios.
• “A causa do insucesso está no planejamento
baseado em falhas atribuídas às crianças,
quando, na verdade, as falhas estariam não
nela, mas na própria escola, que repudia os
estilos cognitivos e lingüísticos das crianças das
camadas populares, porque os julga,
erroneamente, em função de uma norma, que é
o comportamento das classes
socioeconomicamente privilegiadas.”
• O próprio Berstein é um desses críticos!!
Várias explicações para o fracasso
• Um outro grupo de explicações vão focalizar não só o
ideário da deficiência lingüística e cultural, mas aponta
como o ponto central, a própria sociedade e sua
estrutura discriminatória como causas desse insucesso.
• “O argumento é que a educação compensatória
fracassa porque atribui à escola um poder que ela não
tem: o de compensar as desigualdades sociais que
estão fora dela e que têm sua origem no antagonismo
das relações sociais e econômicas, de que a escola não
tem condições de fugir”
• A escola tem que compensar problemas de saúde,
nutrição, afetividade, lingüísticos (???) etc...
A decisiva contribuição
de William Labov
• Labov estuda as variedades do inglês não-
padrão, particularmente de porto-riquenhos e
negros da cidade de Nova Iorque.
• De forma contundente desmistifica a lógica que
atribuía à “privação e pobreza lingüística” a
causa para as dificuldades de aprendizagem
das classes trabalhadoras e minorias étnicas
socialmente desfavorecidas.
• Labov rejeita completamente o conceito de
deficiência lingüística, que considera um mito
sem nenhuma base na realidade social.
Contribuição de LABOV
• Ele mostra com a farta documentação de suas
pesquisas que, ao contrário do que a hipótese da
privação lingüística pregava, as crianças dos guetos
recebem muita estimulação verbal: “vivem banhadas em
estimulação verbal da manhã à noite”.
• Labov mostra ainda que as crianças dos guetos dispõem
de um vocabulário básico exatamente igual ao de
qualquer outra criança, dominam dialetos ou variedades
lingüísticas que são sistemas lingüísticos perfeitamente
estruturados, possuem a mesma capacidade para a
aprendizagem conceitual e para o pensamento lógico.
• Como explicar então o fracasso escolar, também
atestado e confirmado pelo próprio LABOV?
• Para Labov uma das mais sérias falácias da teoria da
privação lingüística é que ela se fundamenta em
resultados espúrios, que não passam de um artefato da
metodologia de pesquisa utilizada.
• O dialeto da criança era estudado em experimentos
controlados, em entrevistas e situações artificiais e
assimétricas. Situação comum para as crianças de
classe média e completamente estranha e ameaçadora
para a classe trabalhadora. Nessa situação não poderia
se esperar das crianças menos favorecidas socialmente
mais do que uma linguagem monossilábica,
fragmentada e defensiva.
• Há o pressuposto equivocado que essa situação de
teste seria neutra em termos socioculturais, mas na
verdade a causa está na própria situação gerada para
coletar os dados.
• Labov mostra que para avaliar a verdadeira
capacidade verbal da criança, é necessário
estudá-la no contexto cultural em que essa
capacidade se desenvolve, e em situações
naturais e distensas.
• E é isso que Labov faz usando várias técnicas
que deixam os falantes à vontade,
transformando entrevista em conversa informal,
em que o falante esquece até do gravador.
• Com isso, fica claro para Labov, que o fracasso
escolar não tem a causa na criança e na sua
capacidade lingüística e sim na inadequação e
na incapacidade da escola em incorporar o
dialeto não-padrão em sua realidade
pedagógica.
Labov e a sociolingüística
variacionista
• A sociolingüística se opõe ao estudo da
linguagem que focaliza apenas a forma (o
gerativismo).
• A variação e a diversidade lingüística é
inerente a linguagem humana, e não
ocorre de maneira aleatória, segue
regularidades de cunho estrutural ou
social.
Conceitos básicos da
sociolingüística variacionista
• Comunidade Lingüística diz respeito a um conjunto de falantes que
compartilham o mesmo ambiente de interação social, as mesmas
regras e características lingüísticas. (falantes de João Pessoa,
surfistas, latinos, negros americanos, moradores da comunidade São
José, etc.).
• Variável lingüística (ou fenômeno variável, ou variável dependente)
indica um conjunto de formas que tem a mesma função no uso real
da língua em determinada comunidade lingüística. (Forma
pronominal na primeira pessoal do plural: a gente ou nós,
Palatalização de consoantes alveolares, ocorrência ou não de
rotacismo, objeto direto anafórico).
• Variante é o termo referente a uma forma lingüística que faz parte de
um conjunto de alternativas que compõem um fenômeno variável. (a
gente/ nós, [r] [l], ele/SN repetido/objeto nulo).
• Variável independente (ou grupo de fatores) corresponde aos fatores
que podem influenciar a escolha de uma das variantes. (ataque
complexo, animacidade do antencedente, nível de escolaridade,
classe social, sexo/gênero).
• Tipos de Variação:
• Variação diatópica – depende do espaço
geográfico ou da região em que os
falantes vivem.(Portugal usa comboio, no
Brasil usa trem, Portugal usa [prémiu], no
Brasil usa [premiu])
• Variação diastrática – depende da classe
social da qual os falantes fazem parte.
• Variação diafásica – depende da situação
contextual em que o falante se encontra.
Teoria da Variação e mudança
lingüística
• Mudança em tempo aparente
45
40
35
30
25 [l]
20 Ele
15
10
5
0
40 - 50 20-40 10 . 20
• Mudança em tempo real

45
40
35
30
25 [l]
20 Ele
15
10
5
0
anos 80 2000
• Variáveis independentes
• Posição na sílaba
• Contexto Precedente
• Presença de outro segmento líquido na
palavra
• Sonoridade do segmento precedente
• Idade
• Sexo
• Escolaridade

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