São Paulo-SP Processo nº: 0026083-42.2017.8.26.0007
Registro: 2019.0000021211
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado Cível nº
0026083-42.2017.8.26.0007, da Comarca de São Paulo, em que é recorrente ELETROPAULO METROPOLITANA ELETRICIDADE DE SÃO PAULO S/A, é recorrida ROSANA DUQUE DA SILVA BELMIRO.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 7ª Turma Recursal Cível e Criminal
do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:Negaram provimento ao recurso, por V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Juizes LUIZ RENATO BARIANI PÉREZ
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Colégio Recursal - Penha de França São Paulo-SP Processo nº: 0026083-42.2017.8.26.0007
Processo Nº 0026083- 42.2017.8.26.0007
Fórum Regional de São Miguel Paulista Recorrente: Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A Recorrido: Rosana Duque da Silva Belmiro
Voto nº 122
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE
DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FRAUDE. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE – FATO DE TERCEIRO afastado. Não comprovação de que a autora efetivamente celebrou o contrato junto à ré e que originou as cobranças e a negativação. Reconhecida a fraude na contratação. Responsabilidade objetiva da ré. Súmula nº 479 do STJ. Dano moral configurado. Indenização fixada em montante proporcional e razoável, (R$ 4.000,00 – Quatro Mil Reais) e que se mostra adequada ao caso concreto, sem configurar enriquecimento ilícito. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Vistos.
Cuida-se de Recurso Inominado (fls. 136/153)
contra sentença de fls. 131/132, a qual julgou procedente os pedidos da autora para declarar nulo o contrato descrito na inicial e inexigíveis os valores e débitos dele decorrentes, determinando que a ré, ora recorrente, retire o nome da Requerente dos órgãos de proteção ao crédito no prazo de 20 (vinte) dias, e bem como para condenar a ré ao pagamento de R$ 1.813,39, corridos desde cada desembolso, além do pagamento da quantia de R$ 4.000,00, a título de indenização por danos morais, corrigidos desde prolação da sentença, com juros de mora de 1% ao mês da citação.
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Pretende a empresa recorrente a modificação da
sentença para afastar a condenação, um vez que a restrição e os protestos são legais e legítimos. A autora pagou algumas faturas, concordando com a cobrança e por ter ficado inadimplente seu nome foi negativado. Nada deve ser restituído. Não praticou ato ilícito. Agiu em exercício regular de direito. Sustentou, ainda, como excludente de sua responsabilidade a ocorrência de fato de terceiro. Não há prova do dano moral e por isso deve ser afastado. Subsidiariamente, requereu seja o valor indenizatório arbitrado no montante não superior à R$ 1.500,00 (Mil e Quinhentos Reais),
Recurso tempestivo e devidamente preparado
(certidão de fls. 157).
Não houve apresentação de contrarrazões (certidão
de fls. 162).
É o relatório.
A bem elaborada sentença deve ser mantida por seus
próprios e jurídicos fundamentos.
Sustentou a autora recorrido não ter contratado com a
recorrente, sendo as restrições de fls. 07/10 ilegais e ilegítimas.
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A situação fática é suficiente para afirmar a
responsabilidade da requerida pela restrição, aliás, fato incontroverso, pois admitida a negativação e o protesto em nome da autora pela própria ré, em especial, pela falta de cautela com que agiu e procedeu a seus prepostos, ao liberar crédito em nome da requerente, sem se certificar, de fato e com zelo, de que a pessoa que se apresentava como a autora era realmente ela, violando-se, desta feita, o dever de cuidado objetivo, que é inerente à essência da culpa.
Pelo apurado pela prova coligida, em conformidade
com a r. sentença, conclui-se que " (...) Não há demonstração da efetivação da avença, razão pela qual indevida a inserção e necessária a declaração de nulidade do contrato descrito na inicial".
Com efeito, a recorrente, em suas razões recursais
ansiando pela reforma da r. sentença, afirmou que “ (...) Conclui-se que o Recorrido realmente contratou os serviços da Recorrente na unidade consumidora de energia elétrica, e que em caso negativo, não houve dano, até porque o fato foi praticado por terceiros estranhos a lide." (fls. 142)
Observe-se, outrossim, que a alegação da
recorrente, para se eximir da responsabilidade que lhe é imputada, sustentando ter o ocorrido fato de terceiro não encontra guarida.
Infere-se dos autos que a ré não trouxe com a
defesa documentos aptos para demonstrar que se trate de contrato válido e legítimo, o que lhe incumbia diante da alegação da inicial sobre a inexistência do débito e da contratação regular vinculando as partes.
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Pelo contrário, acabou admitindo, implicitamente, no
decorrer da defesa, a possibilidade de fraude, limitando-se a imputar ao terceiro o dever de indenizar.
E mais, se a consumidora autora impugnou a
existência do contrato/contratação, deve ser exigido do fornecedor de serviços que traga algum elemento, ainda que mínimo, a comprovar a existência da dívida e a sua origem, o que não se verificou na espécie, devendo o débito ser declarado inexigível, como acertadamente decidiu a MMª Juíza sentenciante.
Lembre-se, ainda, que a ré responde na forma do
art. 14 da Lei 8.078/90, ou seja, independentemente de culpa e somente não será responsabilizado nas hipóteses do seu § 3º.
Anote-se que deve ser exigido dos seus prepostos a
cautela necessária no exame dos documentos apresentados antes de fornecer um crédito. Como o recorrente não fez prova a respeito dessas providências por parte de seus prepostos, não há que se falar, no caso, em culpa exclusiva de terceiro.
De mais a mais, aplica-se “in casu” a
responsabilidade do requerido pela teoria do risco profissional, segundo a qual todos aqueles que se dediquem a atividade comercial e empresarial devem responsabilizar-se efetivamente pelos danos causados, só podendo ser elidida mediante a comprovação de culpa da vítima, de caso fortuito ou força maior, o que não se verificou.
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Logo, uma empresa do porte da recorrente deve
assumir o risco dos danos que vier a causar por si ou por seus prepostos, uma vez que tem melhores condições de arcar com os prejuízos resultantes da ação de falsários, como no caso em apreço, não havendo nos autos qualquer prova de culpa exclusiva da vítima, ora autora e consumidora, e nem tampouco de ocorrência de caso fortuito ou força maior.
Acrescente-se, ainda, ser inadmissível que a
instituição requerida não tome as devidas providências para se precaver de tais golpes, cercando-se das necessárias cautelas para evitar situações como a dos autos e sem observar o dever objetivo de cuidado.
Diante disso, a ré deve assumir os riscos a que está
exposto no mercado de consumo, em especial, ao agir com tamanho descaso, devendo arcar exclusivamente com as consequências pelo evento danoso, nos termos dos art. 186, do Código Civil e art. 14, do Código de Defesa do Consumidor.
Desta feita, contrariamente ao alegado pela
recorrente, o fato do dano ter ocorrido a partir da ação de terceiro não afasta o dever de indenizar. A ação dos falsários não pode ser equiparada à ocorrência de caso fortuito ou força maior.
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E mais, após a edição da Súmula 479 do Egrégio
Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade do réu pelos danos suportados pela autora relativo a fraude praticada por terceiro já não comporta maiores divagações (“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”).
Nesse cenário, assim como bem decidido pela MMª.
Juíza sentenciante (fls. 73/76): "A relação é de consumo, verossímeis os fatos narrados na inicial e hipossuficiente a parte autora para a demonstração da não celebração do contrato narrado. Por outro lado, poderia a ré, facilmente demonstrar o contato feito com a autora para a contratação de fornecimento de energia elétrica, em local diverso daquele da residência da autora que mora no endereço fornecido na inicial há dez anos. Assim, impõe-se a inversão do ônus da prova. É fato incontroverso que o requerente teve o nome inserido pelo réu nos órgãos de proteção ao crédito em relação ao contrato que afirma não ter celebrado. Não há demonstração da efetivação da avença, razão pela qual indevida a inserção e necessária a declaração de nulidade do contrato descrito na inicial. A facilitação colocada à disposição do consumidor para a celebração de contratos não pode gerar ao cliente, quando objeto de fraude, dissabores como os experimentados. É dever da empresa fiscalizar as contratações impedindo que terceiros utilizem dados falsos para a celebração de contratos em nome de outros consumidores, como no caso concreto, o que é inclusive lançado na contestação, não acolhida a tese de culpa exclusiva de terceiros, considerando que cabe à ré a fiscalização para a celebração dos contratos. Assim, considerando que a requerente não celebrou o contrato, impõe-se a declaração da nulidade da avença e a consequente declaração de inexigibilidade dos valores daí decorrentes."
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A responsabilidade da recorrente ELETROPAULO é
objetiva, pois não prestou serviço eficiente na coleta de dados do consumidor quando lhe cabia averiguar quem estava contratando o seu serviço e quais os documentos que essa pessoa teria que apresentar no ato para obter o deferimento da ligação de energia elétrica. E isso deu causa à contratação espúria e, consequentemente, à negativação abusiva, tudo a realçar a negligência da ré.
Em relação ao dano moral, segundo entendimento
jurisprudencial já sedimentado, não se exige sua comprovação de forma efetiva quando ele resulta de consequências evidentes do ato culposo praticado pela parte ofensora, como no presente caso.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já
consolidou entendimento neste sentido:
"Nos termos da jurisprudência da Turma, em se
tratando de indenização decorrente da inscrição irregular no cadastro de inadimplentes, 'a exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular' nesse cadastro" (Ag. Reg. em Ag. Inst. nº 203613/SP, 4ª Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 08/05/2000, p. 98).
Ainda sobre o tema, a doutrina de Yussef Said
Cahali (Dano Moral, 2ª ed., São Paulo: R. dos Tribunais, 2000, p. 367) dispõe que: "(...) a jurisprudência está se consolidando no sentido de que o abalo de crédito, na sua versão atual, independentemente de eventuais prejuízos econômicos que resultariam do protesto indevido de título, comporta igualmente ser reparado como ofensa aos valores extrapatrimoniais que integram a personalidade das pessoas ao seu patrimônio moral.
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(...); o abalo de crédito, no caso, se representa
na diminuição ou supressão do conceito que alguém goza e que aproveita ao bom resultado de suas atividades profissionais, especialmente se se desenvolvem no comércio".
É devida a indenização pleiteada, tendo em vista
que, caracterizada a inscrição e protestos equivocados, resulta inevitável o dano moral.
No caso em testilha, a requerente teve violada sua
reputação na sociedade. Houve um descrédito na sua reputação, porquanto ao ter o seu nome mantido indevidamente cadastro dos serviços de proteção ao crédito e protestado, sendo considerada erroneamente mal pagadora, teve infringido o lado social de seu patrimônio moral. Sofreu constrangimentos, ficando exposta a situações de vergonha e vexame perante terceiros, fazendo, portanto, jus à indenização por danos morais.
Vale lembrar, ainda, que o dano moral pode ser
presumido do ato, quando este é ordinariamente bastante para provocar determinada repercussão negativa à parte não patrimonial da esfera jurídica de alguém. Especificamente em relação à inclusão do nome em cadastros de proteção ao crédito de forma indevida, como no caso em apreço, a repercussão negativa é indiscutível.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que
não há necessidade de prova do dano moral, em se tratando de inclusão do nome nos órgãos de proteção ao crédito, sendo suficiente a prova da inscrição irregular.
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Segundo bem ressaltou o eminente Desembargador
Ênio Santarelli Zuliani, “o fenômeno do dano moral (...) é, acima de tudo, mais pedagógico do que punitivo. A reprimenda pecuniária funciona como uma lição de vida, um exemplo marcante para o despertar do respeito aos dons da individualidade do semelhante” (TJSP, RT 747/267).
A indenização, ainda, deve ser apta a proporcionar ao
autor a satisfação de suas necessidades, visando compensá-lo pelo abalo moral sofrido, de modo que a ele deve ser proporcional, notadamente diante do lapso temporal em que permaneceu a indevida restrição.
Como cediço, a indenização por danos morais deve
ser fixada em importância que, dentro de um critério de prudência e razoabilidade, considere a sua natureza penal e compensatória. A primeira, como uma sanção imposta ao ofensor, por meio da diminuição de seu patrimônio. A segunda, para que o ressarcimento traga uma satisfação que atenue o dano havido. Consoante assentado na jurisprudência, a reparação pecuniária não deve ser fonte de enriquecimento e tampouco inexpressiva (RT: 742/320; RJTJESP-LEX: 137/187; JTJ-LEX: 174/49).
No caso em tela o valor indenizatório do dano moral,
fixado em R$ 4.000,00 (Quatro Mil Reais), é proporcional e razoável e tem por escopo servir de punição à recorrente e de repressão à atitude semelhante no futuro, bem como para compensar a Recorrida, sem configurar enriquecimento sem causa, uma vez que teve o nome inserido indevidamente nos cadastros de inadimplentes, e o abalo ao crédito foi evidente no caso no caso concreto.
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Pela prova amealhada resultou comprovado nos
autos ter a autora, ora recorrida, efetuado o pagamento dos valores cobrados pelo fornecimento de energia no endereço objeto da fraude, conforme documentos de fls. 10/18, devendo, por ser indevida a cobrança ser ressarcida na quantia de R$ 1.813,39, devidamente corrigida, na forma do decidido pela MMª Juíza "a quo".
Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO
PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo-se incólume a sentença.
Em razão do decidido, CONDENO a ré
RECORRENTE ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte contrária, estes arbitrados em R$ 1.500,00 (art. 55, caput, 2ª parte, Lei nº 9.099/95 c.C. artigo 85 §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil).