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(organizador)
1ª edição
LiberArs
São Paulo – 2021
Ciências Criminais: estudos sobre o direito penal moçambicano
© 2021, Editora LiberArs Ltda.
ISBN 978-65-5953-015-1
Editores
Fransmar Costa Lima
Lauro Fabiano de Souza Carvalho
Revisão técnica
Cesar Lima
CDD 342
CDU 347
Todos os direitos reservados. A reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio,
das páginas que compõem este livro, para uso não individual, mesmo para fins didáticos,
sem autorização escrita do editor, é ilícita e constitui uma contrafação danosa à cultura.
Foi feito o depósito legal.
APRESENTAÇÃO ....................................................................................... 7
INTRODUÇÃO
*
Mestre em Direito Civil pela Universidade Católica de Moçambique – Faculdade de Direito; Advogado;
Email: jmussirica@gmail.com.
**
Mestre em Direito Civil pela Universidade Católica de Moçambique – Faculdade de Direito, Juíza de
Direito “B”, afecta no Tribunal Judicial da Província de Cabo Delgado, 5ª Secção, Email: judyabdul20
@gmail.com.
13
dos detidos em regime preventivo e se são efectivamente respeitados os
prazos de prisão preventiva.
Deste modo, o artigo em apreço, tem como objectivo geral: analisar
a actuação dos órgãos da administração de justiça estadual na aplicação das
medidas de privação de liberdade em regime preventivo e como objectivo
específico, analisar os pressupostos da prisão preventiva e seu impacto na
preservação das garantias dos direitos e liberdades fundamentais e da
dignidade dos detidos.
Com o fim de compreender e atingir os objectivos acima, para a
presente pesquisa, privilegiou-se a metodologia qualitativa, baseada na
pesquisa documental e hermenêutica jurídica e nas vivências do dia-a-dia, e,
a seguir se desenvolve em três capítulos:
O primeiro capítulo é referente a contextualização teórica a luz dos
princípios internacionais dos direitos humanos. O segundo capitula,
proceder-se-á com o estudo do quadro jurídico vigente da prisão preventiva
na República de Moçambique e por último, far-se-á a discussão dos
resultados do estudo, conclusões e recomendações.
Aspectos Metodológicos
14
prisão preventiva deve tomar em conta a natureza e a gravidade da
infracção, a personalidade e os antecedentes do agente e a protecção da
sociedade, devendo para o efeito, a administração da justiça dispor de
medidas alternativas não privativas de liberdade.
Para efeitos do presente artigo, o conceito da prisão preventiva, atende
uma concepção universal do respeito pelos direitos e liberdades
fundamentais da pessoa humana, que se traduz nos seguintes princípios:
15
Portanto, enquanto princípio, e atento ao tema em apreço, isto é, a
prisão preventiva, o princípio da dignidade da pessoa humana é uma
garantia contra uma possível arbitrariedade da prisão pelos órgãos da
administração da justiça, tendo em vista a protecção da liberdade pessoal,
apesar de ser um direito de natureza condicionado.
16
restantes casos se reporta a prisão preventiva fora de flagrante delito (art.
286 CPP).
17
prazos de prisão preventiva (art. 308 em conjugação com o artigo 337
ambos do CPP).
Por exclusão de partes, nas situações em que a moldura penal
aplicável é a pena de prisão até um ano, que correm sob forma de processo
sumário, a prisão preventiva só é aplicável quando o arguido for detido em
flagrante delito.
18
junho. O exercício de tais funções não se compagina com a validação
ou manutenção da captura a todo o custo sob pena de violação de um
dos direitos fundamentais do arguido que é a liberdade como regra e
a sua privação, excepção. Donde, uma vez apresentados os arguidos
presos ‘a autoridade judicial se este entender que não estão reunidos
os requisitos legais para a sua validação ou manutenção deve ordenar
a sua imediata soltura e não embarcar em diligências destinadas a
recolher elementos que possam fundamentar, a posterior, a
manutenção da captura, o que se traduz no sancionamento da prisão
com objectivo de obter elementos de indiciação que é nestes casos
ilegal, conforme determina o parágrafo 1º, do nº 2º, do artigo 291, do
C.P. Penal. (TRIBUNAL SUPREMO, Acórdão nº 07/07 – A, 2008)
19
arguido goza da presunção de inocência, a sua duração não deve ir para além
do estritamente estabelecido no CPP e alguma legislação penal avulsa, não
obstante, estes instrumentos legais preverem diferentes prazos de prisão
preventiva (art. 308 do CPP).
Fora dos prazos de prisão preventiva estabelecidos nos
instrumentos legais acima mencionados, se depreende que não existem
normas no ordenamento jurídico moçambicano que fixam os prazos de
prisão preventiva depois da pronúncia. Essa omissão viola o princípio de
presunção de inocência e da dignidade humana princípios esses,
consagrados na CRM, entanto que Estado de Direito Democrático.
Importa porém referir que a lei estabelece 48 horas (nº 33 do art.
21 do DL 35007 de 13 de outubro de 1945), para o arguido ser presente ao
juiz de instrução criminal para efeitos de legalização da prisão e/ou
aplicação de medidas de coação. Porém, a decretação da prisão preventiva,
sendo um poder jurisdicional a sua aplicação, enfrenta desafios tendo em
conta a exiguidade de magistrados judiciais e falta de tribunais em algumas
regiões do País.
A título de exemplo, em Moçambique existem 133 distritos, no
entanto, parte destes distritos não tem tribunal, ou se tem, não tem juiz
efectivo. Nesses casos, para garantir a presença de magistrado judicial deve
deslocar se o juiz da jurisdição mais próxima para proceder com
julgamentos e legalizações, e mais não havendo juízes de turno, atendendo
o prazo de 48 horas, os prazos para que um arguido seja presente ao Juiz são
extrapolados, pondo-se em causa os direitos e liberdades fundamentais do
detido.
Aliado a este facto, é que com o deficiente número de juízes de
instrução criminal, os juízes da causa é que fazem a legalização das prisões,
tendo em conta o preceituado legal, em que “onde não for ainda possível
criar as secções referidas no número anterior, serão as competências dos
juízes de instrução criminal assumidas pelo juiz da causa ou do lugar da
prisão” (nº 2, art. 2, Lei º 2/93 de 24 de junho).
Deste modo, questiona-se a imparcialidade do juiz e a
constitucionalidade da norma. Atendendo o direito comparado, o Tribunal
Constitucional da República de Portugal, considerou inconstitucional a
norma constante do artigo 40 do Código do. Processo penal. Português, na
parte em que permite a intervenção no julgamento do juiz que, na fase de
inquérito, decretou e posteriormente manteve a prisão preventiva do
arguido, por violação do nº 5 do art. 32 da Constituição da República
Portuguesa. O peticionário (Ministério Público) alega para o efeito que a
norma em causa viola o preceituado acima, uma vez que o juiz que mantém
20
a prisão não procederá um julgamento independente e imparcial. O acórdão
esclarece que
Conclusões e Recomendações
21
facto notório no regime processual penal que fixa expressamente os casos e
os pressupostos, quer da detenção quer da prisão preventiva. Porém, os
pressupostos da detenção e prisão preventiva, fixados no regime processual
penal são genéricas o que propicia a restrição dos direitos fundamentais e
abusos contra o direito a liberdade.
Dúvidas não existem de que os princípios da dignidade da pessoa
humana e a presunção de inocência, são garantias constitucionais que
limitam os excessos de recurso a prisão preventiva.
Constata-se que, apesar da lei garantir o respeito pelas normas, e
consagrar a prisão preventiva como uma medida excepcional ou cautelar de
pré - resposta do Estado á criminalidade, na realidade verifica-se o atropelo
dos pressupostos para a prisão preventiva que em alguns casos é vista como
uma punição antecipada aliado á inobservância dos prazos, motivado pelo
deficiente sistema judiciário, isto é, juízes insuficientes, pois juízes que tem
que sair de uma jurisdição para outra, ou juízes que validam e mantém a
prisão é o mesmo que julga; o fiscal da legalidade (O Ministério Público) que
mesmo fazendo as visitas de rotina as esquadras e penitenciárias não impõe
o cumprimento da Lei. É necessário que se capacite o judiciário para que em
cada tribunal haja juízes permanentes para garantir a observância de prazos
de prisão preventiva.
As disposições do CPP que fixam pressupostos da detenção e prisão
preventiva não devem usar conceitos indeterminados, tais como
“imediatamente logo após a prática do crime”, “quando haja perigo de fuga”,
“perigo de perturbação da investigação: É necessário que a lei indique os
factos concretos que integram esses conceitos na base de factos concretos
que o arguido tenha praticado e que revelem de forma concreta esse perigo.
Ao estabelecer que a prisão preventiva é obrigatória nos casos que
o arguido é suspeito de prática de crime de prisão maior, o CPP viola o
princípio da presunção de inocência, a medida em que permite a prisão do
indivíduo na base de critério abstracto de perigosidade criminal.
Para o efeito, recomenda-se a necessidade de criação de capacidade
institucional no judiciário que disponha de magistrados permanentes para
garantir o controlo da legalidade da prisão preventiva.
Por último deve o regime processual fixar o prazo máximo de prisão
preventiva depois da pronúncia até ao julgamento, para que uma vez
extravasado possa o detido aguardar em liberdade o julgamento.
O uso de prisão preventiva deve ser excepção e não regra, no sentido
de que a prisão preventiva deve tomar em conta a natureza e a gravidade da
infracção, a personalidade e os antecedentes do agente e a protecção da
sociedade, devendo para o efeito, a administração da justiça dispor de
22
medidas alternativas não privativas de liberdade, salvaguardando-se assim
o respeito pelos dos direitos, liberdades fundamentais e a dignidade da
pessoa humana em prisão preventiva.
REFERÊNCIAS
23
DIFERENTES ABORDAGENS DOS CRIMES
MILITARES EM MOÇAMBIQUE:
UM OLHAR AO NOVO PARADIGMA COM O
RESSURGIMENTO DOS CONFLITOS ARMADOS.
INTRODUÇÃO
25
culminou com fuzilamento de muitos compatriotas acusados de desertores,
sabotadores e reacionários.
A Constituição da República, de Moçambique democrático elenca no
artigo 223, as espécies dos tribunais no ordenamento jurídico pátrio, a
destacar: o tribunal supremo, tribunal administrativo e tribunais judiciais,
mormente, sem ignorar a previsão do artigo 224, que prevê a existência dos
tribunais militares a funcionar na vigência do estado de guerra.
Mormente, há de fato a necessidade de analisar estas acções,
atendendo e considerando que o País não se encontra em estado de guerra,
porquanto condição necessária para reativação dos tribunais militares.
Desta feita, estes crimes em alusão deixam a sociedade civil desgastada, ao
ponto de exigir a intervenção de organizações humanitárias, a clamar pela
responsabilização criminal dos militares infractores.
O código penal vigente em Moçambique, à luz do artigo 18, nº. 1
define o que se pode considerar de crimes militares, e partindo deste
respaldo legal pode-se concluir que a "execução" de civis por suspeita de
apoio aos insurgentes ou outro motivo a margem de ataques é um crime
militar, todavia, o silêncio das instituições de direito, constitui uma grande
preocupação para o pesquisador.
26
tipificação daquele acto a ser tipificada em primeiro lugar, como crime
militar, em tese, esta enunciação começou a ganhar espaço e atenção dos
diversos setores da academia.
27
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão
de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à
administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
28
política criminal definida pelos órgãos de soberania, enquanto guardião da
legalidade de um Estado de direito democrático, tem o poder e o dever de
exercer a ação penal (ANA PAULA GUIMARÃES, 2014, p. 856).
É do interesse da comunidade que se reponha a paz jurídica que foi
violada, é em nome da sociedade que o Ministério Público, detentor do
monopólio da ação penal, logo que por qualquer meio tome conhecimento
de uma infração acione os respectivos mecanismos, a investigação e
acusação se recolhidos indícios suficiente da prática de um crime e dos seus
agentes no sentido de realização de justiça penal. É o que se verifica nos
crimes de natureza pública, segundo Jorge Figueiredo Dias (1984,120).
Não admitir a intervenção do Ministério Público a certas e
determinadas infrações é perfeitamente compreensível e desejável num
quadro normativo em que se promovem soluções de compromisso, pois de
um lado, a defesa da sociedade na luta contra o crime, de outro, a
preservação dos direitos dos cidadãos, mormente, daqueles que são
directamente atingidos com o facto criminoso.
Ideia que vai de resto, ao encontro do princípio de intervenção
mínima e subsidiária da ordem normativa penal. É neste prisma que nos
indaga ao ver o silêncio do Ministério Público em atos maquiavélicos dos
crimes militares praticados por elementos de forças de defesa e segurança
que tem causado preocupação na sociedade civil moçambicana em todas as
esferas, dada a sua "inoperância" no cumprimento da sua missão.
Esta inércia ou inoperância do guardião da legalidade vem levantando
questões, sobre a necessidade de criação de uma entidade especifica para
assuntos militares, isto é, de um tribunal militar, mesmo a aprovação de um
código penal militar, que muitos estudiosos moçambicanos vêm como solução
para suprir o deficit de competência técnica ou intervenção do Ministério
Público em assuntos de infração militar contra civis.
Não se justifica que os crimes militares ora registados não tenham
até a data esclarecimentos plausíveis, o que pode pôr em causa a
integridade, a confiança daquele órgão para com os cidadãos, pois
transmite-se a ideia de que os militares são impunes, pelo facto de se
encontrar na linha da frente de combate e defesa da soberania, oque de certo
modo abre espaço para alguns questionamentos que ainda podem ser objeto
de acesa polêmica doutrinária e jurisprudencial.
29
algumas insinuações sobre a impunidades dos agentes criminosos, gozando
da sua situação estatutária "especial". O princípio de legalidade constitui um
dos fundamentais de direito penal. Como refere Pedro Miguel Silva (2019),
numa frase significa o seguinte: não crime nem pena sem lei.
Se o crime tem de estar previsto na lei, o nosso legislador, para punir
também as omissões, teve de criar uma norma na parte geral a dizer que,
quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o fato
abrange quer a ação, quer a omissão.
Segundo Ana Barbosa Brito (2018/9;12) citado por Pedro Miguel
Silva, advoga que a intervenção penal é necessária para haver coexistência
pacifica entre os indivíduos numa sociedade. O princípio da necessidade da
pena, ou o princípio da subsidiariedade do direito penal onde se alude que
as sanções penais são a mais grave intromissão do Estado na vida das
pessoas.
30
militar contra civil, mas apenas no âmbito disciplinar pode ser sancionado
quando o ato suceder entre os militares. Esta é a realidade que se exterioriza
até ao atual momento na ordem jurídica moçambicana.
À primeira vista, e como referido no item anterior, a lógica do sistema,
em relação aos crimes dolosos contra a vida de civil praticado por militar
estadual da ativa, permanece inalterada desde 1996, competindo ao
Tribunal do Júri o seu processo e julgamento.
31
que conquistou avanços significativos nesta matéria, visto reunir toda
estrutura para o funcionamento de uma justiça militar, com legislação
especifica (código penal militar) e a respetiva máquina judicial militar,
sendo que de quando em vez julgando em forma de tribunal de júri.
32
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
33
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral: Tomo I. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007.
SOUZA, Artur de Brito Gueiros & JAPIASSU, Carlos Eduardo Adriano. Curso de direito
penal: parte geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
TAIPA DE CARVALHO, Américo Alexandrino. Direito penal: parte geral: questões
fundamentais: teoria geral do crime. 2ª ed. Coimbra: Coimbra, 2008.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1994.
AMÉRICO, Americo Taipa de, Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, Teoria
Geral do Crime. Coimbra: Coimbra Editora, 3ª edição, 2016, p. 204-209.
SILVA, Germano Marques da. Direito Penal Português I – Parte Geral - Introdução e
Teoria da Lei Penal. Lisboa: Verbo, 3ª edição, 2010, p. 29-114.
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.
23.
LOBÃO, Célio. Direito Processual Penal Militar. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.
449.
ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Tribunal do Júri na Justiça Militar – Impossibilidade
Jurídica. Disponível em http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/3573213
Acesso em: 16 out. 2020.
LAGES, José Dias. Extinção de tribunais militares: consequências para o exército.
Lisboa, 2004.
LOBÃO, Célio. Direito Processual Penal Militar. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
ROSSETTO, Enio Luiz. Código Penal Militar comentado. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015, p. 74.
34
O FURTO DE USO FACE AO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA JURÍDICO – PENAL NO
ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO
INTRODUÇÃO
*
Licenciado em Direito, Mestre em Direito Administrativo, Advogado, Docente Universitário e
Doutorando em Direito Publico.
**
Licenciada em Direito, Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável, Advogada, Docente
Universitária e Doutoranda em Direito Publico.
35
(tipicidade formal) a consagração do artigo acima citado. Porém, não
obstante, correspondente literalmente, resta perceber, se tal conduta de
facto viola materialmente (tipicidade material) o conteúdo da mesma
norma.
Ora, dúvidas não restam que se desta subtracção momentânea,
resultarem danos a coisa subtraída, ou então ao proprietário, se chamaria,
no entanto, o princípio da responsabilidade civil, cuja finalidade é repor a
situação anteriormente existente, como se o dano não se tivesse verificado.
Se uma vez subtraído o uso momentâneo do bem, seguidamente
devolvido no mesmo lugar, nas mesmas condições a que o bem se
encontrava, não tendo sido, no entanto, causado dano algum ao proprietário,
tampouco a coisa subtraída, consubstanciando (esta ausência de dano), a
ausência da tipicidade material em tal conduta, questionamos, portanto: não
poderá para efeitos criminais, ser invocado o princípio da insignificância
jurídico-penal ao artigo 276° do Código Penal?
Nesta abordagem usa-se de princípio pesquisa bibliográfica, uma
vez que, com ela se procede investigação e análise de posições doutrinárias,
a partir de artigos científicos, livros, e revistas científicas; com método
sistemático, porque procede uma interpretação que busca correlacionar aos
artigos 270° e 276° ambos do Código Penal referentes ao crime de furto, pois
não se pode interpretar o sistema jurídico-penal em tiras; e a abordagem
qualitativa (enfoque qualitativo), na medida em que procede uma análise
crítica do regime jurídico do crime de furto de uso previsto nos termos do
artigo 276° do Código Penal.
Justifica-se a escolha do presente tema, pelo facto de quando se olha
em lato senso o elemento tipicidade no crime de furto de uso, verifica-se
somente uma vertente do mesmo princípio “a tipicidade formal”, ou seja, a
correspondência que se faz do comportamento a redacção trazida pelo
Código Penal.
1
PIZARRO, Teresa Beleza, Direito Penal, Vol. I, 2ª ed., AAFDL Editor, 1984, p. 61.
36
A legislação do Hoandi, data de 35 séculos A.C., é a legislação escrita
mais antiga, em que assegurava o direito de propriedade e punia
severamente o atentado contra o patrimônio individual.2
Penas extremamente severas também foram encontradas na velha
China, para reprimir os atentados contra o património, como o
enforcamento, o enterramento vivo, e outras formas.3
A Lei das XII Tábuas, em Roma, disciplinava a punição do furto. O
Direito Romano distinguia duas formas de furto: o manifesto (furtum
manifestum) e o não manifesto (furtum nec manifestum). Pelo primeiro, o
agente era surpreendido executando a acção e as sanções eram corporais; já
para o segundo, as sanções eram pecuniárias4. O furto manifesto, portanto,
era punido com penas mais severas, por provocar desagravo entre a vítima
e o agente.
Na idade média, distinguia-se o furto de pequeno valor e de grande
valor. No primeiro, aplicava-se a pena nos cabelos e na pele e, no segundo,
era aplicada nas mãos e no pescoço. A pena de morte também era muito
aplicada.5
Passou-se a reprimir o furto de maneira mais humana com o
movimento filosófico do século XVIII, em que se aplicava a pena de morte
apenas ao furto acompanhado de homicídios.6 No Código Imperial, ao furto
era imposta a pena de prisão com trabalho e no Código de 1890 era
cominada de acordo com o valor da coisa furtada, regime vigente até então
no direito positivo.
2
PIZARRO, Teresa Beleza, Direito Penal, Vol. I, 2ª ed., AAFDL Editor, 1984, p. 62.
3
Ibidem, p. 62.
4
Ibidem, p. 63.
5
Ibidem, p. 63.
6
Código Francês de 1810, in PIZARRO, op. cit., p. 61.
37
há de se compreender, também, que a objectividade jurídica imediata do
furto é a tutela da posse; de forma secundária, o estatuto penal protege a
propriedade. Esta é o conjunto dos direitos inerentes ao uso, gozo e
disposição dos bens.7
O Código Penal vigente em Moçambique, prevê três subtipos do
crime de furto: o furto simples8, o qualificado9 e o de uso10. E sobre este
último que nos sugerimos a tratar como objecto da nossa reflexão.
7
PIZARRO, Teresa Beleza, Direito Penal, vol. 1, 2ª ed., AAFDL Editor, 1984.
8
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Código Penal, aprovado pela lei nº 35/2014 de 31 de dezembro,
2015, art. 270.
9
Ibidem, art. 274.
10
Ibidem, art. 276.
11
BARREIROS, João, Crimes Contra O Património, Universidade Lusíada, 1996, p. 261.
12
DIAS, Figueiredo, Direito Penal, Parte Geral, I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2012, p. 280.
38
Este embora não explicitamente normatizado ou positivado no
ordenamento jurídico-legal, constitui um instituto cada vês mais aplicado
pelos operadores de direito, visto hoje como uma nova adequação ou
correspondência da aplicação do Direito Penal enquanto ciência
essencialmente social.
Para nós, a tipicidade penal exige um mínimo de lesividade penal ao
bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado
inserir em um certo tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes
de lesar os interesses protegidos. Ou seja, se a finalidade do tipo penal é tutelar
um bem jurídico, sempre que a conduta for insignificante, ao ponto de se
tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica,
esta conduta será para todos efeitos criminais, atípica.
Para que uma sanção penal seja imputada a um indivíduo pela
prática de uma infracção criminal, deve haver proporcionalidade entre a
ofensividade efectiva da conduta, e a punição a ser imposta.
Quando, analisando-se todo o sistema jurídico-penal, a lesividade for
inexistente ou ínfima, a tipicidade deverá ser afastada, pois o bem jurídico que
ela pretende tutelar não foi atingido. Tornando assim, impossível punir-se
penalmente um indivíduo por ter cometido o furto de uso.13
13
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Código Penal, aprovado pela lei nº 35/2014 de 31 de dezembro,
art. 276°.
39
A vertente que delimita o proibido, por seu turno, possui dois aspectos:
14
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Constituição da República, in Boletim da República, I série nº 20
de 24 de dezembro, 2004. Atento as alterações introduzidas pela lei 1/2018 de 12 de junho.
15
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Código Penal, aprovado pela lei nº 35/2014 de 31 de dezembro,
art. 3º.
40
indispensável. Ou seja, este elemento caracteriza a intenção e vontade do
agente na prática da infracção.
É furto, a conduta que com intenção de apropriação subtrair
fraudulentamente coisa alheia que lhe não pertence.16 Vejamos aqui o
chamamento da vertente subjectiva (a intenção de se apropriar da coisa), e
o elemento objectivo, (a remoção da coisa da esfera de vigilância do
proprietário).
Atentos aos elementos que o legislador penal moçambicano usa para
configurar o crime de furto em geral, percebemos que ele acaba sendo
discrepante aquando da consagração do furto de uso17, aqui o legislador
inobserva os elementos do facto típico, negando-se de pautar pelo elemento
subjectivo da questão.
Este elemento subjectivo que nos referimos no parágrafo anterior,
conduziria ao alcance da tipicidade material, com o qual tornaria possível
falar-se de facto, da violação do conteúdo da norma que consagra o crime de
furto de uso segundo o legislador. Não se percebe, no entanto, a consciência
do legislador nem a razão da norma contida no artigo 276° do Código Penal,
uma vez que, é impossível sancionar penalmente uma conduta que se
reveste de carácter insignificante.
Como hoje não é possível materializar somente a tipicidade formal,
é necessário que adjacente se consagre como fruto de uma interpretação a
tipicidade material, ou seja, a verdadeira violação do conteúdo daquela
norma, e consequente penalização da conduta. Não o fazendo, intervêm
então o princípio da insignificância de forma inegável, no sentido de retirar
a consequência jurídico-penal, daquela consagração, porque vemos
incompletos os elementos caracterizadores do crime.
Veja-se porventura, após a subtracção de tal coisa alheia móvel sem
intenção de apropriação, conduta a qual o legislador penal, o designa do
crime de furto de uso, que depois de restituída, nota-se um dano na coisa
furtada, o instituto que seria chamado para fazer face a este dano, seria o da
responsabilidade. O princípio da responsabilidade civil não está consagrado
no âmbito penal, mas sim civil, o que nos induz a crer que ao invés de uma
sanção jurídico-penal, seria aplicada uma sanção civil, a de reparação do
dano como se mesmo não fosse verificado.18
Da própria definição do crime ressalta à evidência quão diferente é
esse delito do “Subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel”. Sem
16
Ibidem, art. 270.
17
Ibidem, art. 276.
18
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Código Civil, aprovado pelo Decreto-lei nº 48 344, de 25 de
novembro, I SERIE, nº 274, 1966
41
dúvida, o furto de uso tem a mesma objectividade jurídica do furto comum
(posse) como também a mesma acção física desse delito, contudo dele se
distingue por características próprias e determinadas, como por exemplo, a
falta de intenção de apropriação.19
CONSIDERAÇÕES FINAIS
19
DIAS, Figueiredo, Direito Penal, Parte Geral, I, p. 281.
20
MAIA, GONÇALVES, Código Penal Português Anotado, 2ª ed., Almedina, 1984, p. 291.
21
Ibidem, p. 292.
22
Ibidem, p. 192.
42
configura nem com o arrependimento activo, e nem quer com a desistência
voluntária.
A questão do artigo 276°, esta remissa para a sua materialização, ao
preceituado no artigo 270°, ambos do Código Penal, isto é, para efeito de
aplicação de uma pena. Onde se prevê, que o furto de uso será aplicado a
mesma pena correspondente ao valor da coisa furtada quando consumado
o delito, mas de forma atenuada, entretanto, aqui não se deve diminuir a
pena, mas sim deve considerar-se insignificante a conduta.
Pois a conduta de quem pratica um furto de uso segundo a nossa
perspetiva, é insignificante, pois tal comportamento não viola o conteúdo da
norma do artigo supracitado. Outrossim, a descaracterização do delito,
deriva do facto de não se verem preenchidos os elementos formadores do
conceito de crime. Isto é, não há completa verificação do requisito tipicidade.
Outro aspecto não menos importante que fundamenta a posição de
que o furto de uso é sim uma conduta insignificante para efeitos criminais é
a seguinte: admitindo-se que a subtracção para uso momentâneo resultou
prejuízos a coisa ou ao proprietário, olhando a nossa realidade fáctica,
depreende-se que as condutas danosas levadas a cabo são aplicadas sanções
civis, quer dizer, quando eventualmente se causa danos a esfera jurídica de
outrem, o indivíduo que os causou é simplesmente chamado a repor o dano.
Esta reposição do dano, consubstancia uma valoração aos interesses
do proprietário, diferente de aplicação da uma pena de prisão, que visa não
a valoração de tais interesses pessoais do proprietário, mas sim interesses
estaduais. Portanto, vale mais diante de algum dano causado pela
subtracção para uso de coisa alheia, a reposição deste dano, que aplicação
de uma sanção criminal, pois não é sanção criminal que vai ressarcir os
danos que o proprietário sofreu. Portanto, se for analisado o crime de furto
sob aplicação de uma sanção jurídico-penal, não há, na nossa opinião, esta
possibilidade, visto que, como dito, tal conduta esta inserida no campo de
tutela civil.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
43
CARVALHO, Lopez, Curso de Direito penal, 2ª ed., Porto Novo, Escolar editora, 2005.
COSTA, Paulo, José, Código Penal Comentado, Vol. II, 10ª ed., cabo verde, 2010.
CORREIA, Eduardo, Direito Penal, vol. I, Lisboa, Almedina Editora, 2010.
FERREIRA, de Cavaleiro, Lições de Direito Penal, Vol. I e II, Portugal, 2ª ed., Coimbra
Editora, 1989.
Figueiredo, Jorge Dias de, Direito Penal, Parte Geral, I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2012.
Figueiredo, Jorge Dias de, Direito Penal: Questões Fundamentais Da Doutrina Do
Crime, 2ª ed., Coimbra, 2011.
GOMES, Mariângela Gama de Magalhães, O Princípio Da Proporcionalidade No Direito
Penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
HELENO, Cláudio, Fragoso, Lições de Direito Penal: Parte Especial, 7ª ed., Forense,
Coimbra, 2013.
MAIA, GONÇALVES, Código Penal Português Anotado, 2ª ed., Almedina, 1984.
PIZARRO, Beleza, Direito Penal, vol. I, 2ª ed., AAFDL Editor, 1984.
PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal Brasileiro, 5ª ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.
SILVA, da Marques, Gustavo, Direito Penal Português: Teoria do crime, Lisboa,
Universidade Católica Editora, 2012.
SILVA, Germano Marques, Curso de Processo Penal, 3ª ed., Vol. I, Coimbra 1996.
SOUSA, de Elísio, Direito Penal Moçambicano, Escolar Editora, Maputo, 2012.
44
FURTO E CONSUMO FRAUDULENTO DE
ENERGIA ELÉCTRICA – UMA REFLEXÃO E
PERSPECTIVA JURÍDICA MOÇAMBICANA
ABÍLIO PAULINO*
INTRODUÇÃO
*
Mestrado em Direito Administrativo pela UCM; Doutorando em Direito Público; Advogado de Profissão.
Universidade Católica de Moçambique, FADIR – Nampula - Curso de Doutoramento em Direito Público.
45
fraudulento de energia eléctrica, com objectivo de contribuirmos com uma
proposta teórica e metodológica sobre a necessidade de uma maior
divulgação da legislação para refutar as práticas de consumo fraudulento de
energia eléctrica. Por outro, o estudo verificou se na EDM não existem
trabalhadores que contribuem no cometimento do crime de consumo
fraudulento de energia eléctrica.
Segundo explica CORREIA1, o crime estabelece por forma geral e
abstracta, quais os factos que devem ser considerados crimes e quais as
penas que lhes correspondem. Saber, porém, se, num dado caso, um certo
agente praticou um facto, e qual a pena que lhe corresponde importa uma
actividade concreta que de nenhum modo pode ser arbitrária, antes exige
garantias que defendem o indivíduo de árbitros e permitam uma verdadeira
realização da justiça criminal. Em outro entendimento, a responsabilização
pelo crime, na posição do autor, dita o conjunto de regras que fixam os
termos e o processo de averiguação de factos previstos na lei criminal e qual
a pena que lhe compete, constituindo deste modo, o processo criminal.
Isto implica, em geral, o estudo das condições e dos termos do
movimento processual destinados a averiguar se um certo agente praticou
um certo facto, pelo qual, a sua reacção correspondente.
Portanto, mediante este cenário, o estudo tem por questão a
reflectir: Quais são os factores que motivam alguns cidadãos ao
cometimento do crime de Furto e Consumo Fraudulento de energia eléctrica
em Moçambique? Através desta questão pretendia-se levantar as possíveis
causas que explicam o cometimento do crime, as circunstâncias que o
favorecem e quais as que o impedem para o efeito, mediante o uso dos
pressupostos metodológicos próprios da ciência jurídica a fim de trazer
respostas legais sobre o problema em estudo.
Para responder à questão acima, o artigo tinha como objectivo
analisar a legislação sobre o Furto e Consumo Fraudulento de Energia
Eléctrica. O foco deste objectivo era de levantar-se os requisitos e
procedimentos legais que conduzem a redução ou mesmo eliminação de
furto e consumo fraudulento de energia eléctrica e apurar se um dos
requisitos têm relação com a exigência de uma política institucional.
Em termos metodológicos, o estudo, baseou-se numa pesquisa
bibliográfica e documental. Conforme CARMO e FERREIRA2, uma pesquisa é
bibliográfica, quando for baseada nos materiais já elaborados constituídos
principalmente de livros e artigos científicos. Este tipo de pesquisa consiste
1
CORREIA Eduardo, Direito Criminal. I, Almedina, Coimbra 2008, p. 194.
2
Carmo, H. & Ferreira, M. M. Metodologia de investigação. Guia para autoaprendizagem. Lisboa:
Universidade Aberta. 2008, 2ª ed., p. 177.
46
na revisão de diversa documentação sobre matéria estudada. Para BARROS,
a pesquisa bibliográfica como toda aquela que tem por objectivo conhecer
as diferentes opiniões teóricas de vários investigadores sobre uma
determinada temática3.
Já para a pesquisa documental segundo SELLTIZ e WRIGHTMAN4, é
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído, principalmente
de leis, acórdãos, decretos, artigos científicos e, este tipo de pesquisa é muito
importante pelo facto de facilitar o levantamento de informações básicas,
legais sobre o tema.
Em outro contexto, GIL5 refere que, a pesquisa documental, consiste
em desenvolver uma investigação baseando principalmente em fontes como,
cartas, pareceres, fotografias, actas, relatórios, leis, decretos, Acórdãos entre
outros materiais.
Entendemos que que a pesquisa documental, pode ser dado como
sendo uma investigação elaborada através da colecta e análise de
informações contidas em documentos tais como leis, decretos e acórdãos, ou
seja, da literatura e a legislação moçambicana disponíveis em relação ao
furto e consumo fraudulento de energia eléctrica e, na componente de
indemnização à EDM pelos danos resultantes de vandalização de cabos
eléctricos, contadores (credelec), na sequência do cometimento do crime.
Enquanto a pesquisa bibliográfica, é aquela que é elaborada a partir de
livros, artigos, ensaios, materiais que já foram merecidas o tratamento
científico.
Em termos estruturais, o artigo foi organizado em 4 partes
importantes sendo a primeira parte que responde pela introdução, a
segunda pela análise teórica e empírica sobre a matéria, a terceira parte da
pesquisa, faz uma discussão triangulada entre a doutrina, a legislação e o
argumento jurídico do pesquisador, a quarta e última, traz conclusões e
sugestões.
REVISÃO TEÓRICA
3
BARROS, A. de Jesus P. Projectos de Pesquisa. Propostas Metodológicas. Rio de Janeiro, Brasil: Vozes
Editora. 2010, p. 34.
4
Selltiz, C.; Wrightsman, L. S. Métodos de pesquisa das relações sociais. São Paulo, Brasil: Herder. 2000,
p. 95.
5
Gil, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. (5ª ed.). São Paulo, Brasil: Atlas. 2002, p. 84.
47
palavra furto é bastante amplo pois se aplica a vários objectos ou coisas. Com
efeito, furtar é subtrair fraudulentamente e, ao nível penal o crime de furto
consiste em subtrair fraudulentamente uma coisa que não lhe pertence
(artigo 270 do Código Penal) 6.
Em outro contexto, COSTA7 a expressão furto de energia eléctrica
refere-se quando há conexões clandestinas, auto-reconexões (ligação
directa) e desvios de energia antes da medição.
Na Legislação Moçambicana, nos dizeres da Lei nº 21/97, de 1 de
outubro, Lei de Electricidade, define na alínea a) do nº 1 do artigo 35, que "o
furto de energia eléctrica é subtrair fraudulentamente a energia eléctrica ou
dolosamente desviar circuitos eléctricos"; b) "empregar qualquer meio
fraudulento que possa influir no funcionamento do contador ou que permita
utilizar energia sem que esta seja devidamente contada".
Assim, são considerados encobridores do crime de furto previsto na
alínea a) do nº 2 deste artigo " os que, por compra, penhora, dadiva ou por
qualquer outro meio adquiram, recebam ou ocultem em proveito próprio ou
alheio, coisa que sabem ser produto do crime, ou auxiliam o criminoso a
aproveitar-se do mesmo produto, ou influam para que terceiros de boa-fé a
adquiram, recebam ou ocultem".
Nos casos referenciados nos nºs 2 e 3 do artigo 35 da mesma Lei de
Electricidade, as penas de prisão aplicadas não poderão ser suspensas na
sua execução, nem substituir por multa. Consumir energia eléctrica de forma
honesta é um exemplo e marco que permite assegurar possibilidades
continuadas tanto para a adaptação quanto ao uso futuro por alguns. Para a
detecção da fraude, torna-se importante a fiscalização ou inspeção,
entendida como a vistoria técnica realizada no padrão de entrada da
unidade consumidora visando detectar a precisão e possíveis defeitos dos
equipamentos de medição, detectar fraudes e/ou desvios de energia
eléctrica e verificar erros de ligação.
Isto mostra que, o comprometimento do resultado e indicadores da
concessionária, o impacto do furto e consumo fraudulento de energia
elétrica, faz com que as perdas de energia eléctrica sejam uma preocupação
da EDM, uma vez que a concessionária terá que deixar de aplicar recursos
na melhoria das actividades para direccioná-los ao combate as perdas.
6
Artigo 155, III do Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.ceut.com.br.expresso
dasilhas.sapo.cv/. Acessado em: 10 jan. 2015.
7
COSTA, J. de F. O uno, o múltiplo e os crimes negligentes. Maputo, Moçambique: Revista de
Electricidade. 2011, p. 88.
48
Entretanto, por consumo ilegal de energia eléctrica entende-se a
situação em que o titular da instalação, tendo reunido os requisitos para
obtenção de energia eléctrica proceda atropelo de procedimentos de
consumir energia de forma honesta, ou quando o consumidor procede a
ligação do tipo by-pass por a energia não ser contabilizada pelo contador.
As consequências do furto e consumo fraudulento de energia
eléctrica na cultura jurídica moçambicana são claras. Isto mostra que, a
nossa ordem jurídica não tolera comportamentos que aumentem o risco,
uma vez que a norma de cuidado exige observância, ainda quando o seu
incumprimento só provavelmente intensifica o risco.
Os encobridores do crime de furto previstos na alínea a) do nº 2 do
presente artigo e do crime descrito no nº 3 do artigo 35 do mesmo diploma
legal, as penas de prisão aplicadas aos prevaricadores não poderão ser
suspensas na sua execução, nem substituídas por multa, o que significa que
o cumprimento da pena é efectiva".
Dos autos, a Lei nº 21/97, de 1 de outubro, considera:
49
comercialização, incluindo a importação e exportação de energia
eléctrica.
g) Instalação eléctrica: equipamento e infraestruturas destinadas ao
fornecimento de energia eléctrica até ao contador do consumidor.
8
CARVALHO, A. T. (2008). Direito Penal: Parte Geral: Questões Fundamentais: Teoria Geral do Crime,
Coimbra Editora. 2008, p. 393.
9
ANTUNES, M. J. Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra. 2010, p. 160.
10
CORREIA Eduardo, Direito Criminal. I, Almedina, Coimbra 2008, p. 203.
50
delinquente, de tal maneira que em primeira linha interessa é a actuação
directa da execução da sanção da personalidade do criminoso. A pena tem a
função única de defender a sociedade de elementos que perturbam a sua
orgânica e entende-se, materialmente, como meio de segregar ou eliminar
indivíduos socialmente perigosos e incorrigíveis, ou de tratar e corrigir.
Descreve COSTA11 que, o impacto negativo, para com a EDM e os
cidadãos resultante de furto e consumo fraudulento de energia eléctrica,
destacamos os seguintes:
11
COSTA, J. de F. O uno, o múltiplo e os crimes negligentes. Maputo, Moçambique: Revista de
Electricidade. 2011, p. 204.
51
eléctrica, consequentemente o volume de facturação de energia eléctrica,
porque a energia consumida ilegalmente não passa no sistema de contagem
(contador), obviamente, baixa a facturação e o montante a entregar ao
Estado automaticamente reduz.
52
conformidade com a lei. Com este instrumento, facilmente evitar-se-ia o
furto e consumo fraudulento de energia eléctrica. Os crimes de consumo
fraudulento de energia eléctrica é dispensada a indicação de testemunhas.
Estes autos farão fé em juízo, quer na instrução quer no julgamento, até
prova em contrário seja qual for a forma de processo aplicável, atento o
artigo 37 da Lei 21/97, de 1 de outubro.
Com efeito, entendemos que, a fraude de energia eléctrica é
caracterizada pela manipulação dos equipamentos de medição, alterando o
valor correcto da sua precisão para valores inferiores aos reais ou melhor
estabelecer qualquer ligação de energia eléctrica sem passar pelo contador,
viciar o funcionamento dos aparelhos, alterar ou viciar os dispositivos de
segurança, modificar a instalação de energia eléctrica sem prévia
autorização ou modificar os equipamentos eléctricos, vender ou ceder a
terceiros parcela da energia eléctrica recebida, utilizar energia eléctrica não
registada nos contadores, furar ou prejudicar o isolamento da linha de
ligação entre o contador e a rede da concessionária, utilizar a energia
eléctrica para fins não previsto no contrato de fornecimento de energia
eléctrica.
O Departamento Central de Prevenção e Combate ao Vandalismo e
roubo nas infraestruturas eléctricas, na Direcção de Eficiência Energética, da
EDM, traçou algumas estratégias visando a redução de práticas de consumo
ilegal de energia eléctrica tais como: os pedidos de ligação de energia
eléctrica, apresentados pelos cidadãos não podem levar muito tempo sem
que a EDM atenda as solicitações; os agentes da concessionária devem
inspeccionar constantemente e com regularidade as instalações de clientes
e a divulgação da lei de electricidade, sensibilização das comunidades sobre
o perigo da matéria de furto de energia eléctrica.
Nos últimos anos, a EDM vem implementando novas tecnologias de
sistemas de contagem, isto é, contadores do tipo “spilt meterʺ, que consiste
em montar contadores nos postes de energia e a partir deste contador
alimentar a residência do cliente. Na residência do cliente seria montada
apenas uma caixa para controle do contador montado no poste, pois este em
caso de tentativa de furto de energia eléctrica a partir do poste, seria
controlado, pois, pouco se verificariam os casos de furto.
Da análise da situação de furto e consumo fraudulento de energia
eléctrica na EDM, encontramos evidências que a Concessionária elabora
denúncias e submete à Procuradoria para procedimento criminal
terminando com a condenação dos furtadores de energia eléctrica e a sua
responsabilização em matéria indemnizatόria à EDM, como resultado do
53
consumo ilegal da energia eléctrica, o que se conclui houver obediência às
normas plasmadas na legislação moçambicana.
No entanto, a EDM possui leis, decretos normativos para o seu
funcionamento, sua gestão e controlo, mas porém, a sua operacionalização e
cumprimento destes dispositivos, ainda carece da rigorosidade. Pois, uma
das causas que motiva problemas de furto e consumo fraudulento de energia
eléctrica é o envolvimento de agentes da concessionária que exigem valores
aos requerentes de energia eléctrica nas suas residências, alegadamente de
estes flexibilizarem o processo de ligação de energia eléctrica.
CONCLUSÃO E SUGESTÕES
54
formados em direito, estes, ocupar-se-iam no seguimento de sentenças
condenatórias aos prevaricadores que junto das autoridades de justiça, fazer
com que os furtadores cumpram com as suas obrigações indemnizatórias.
Entretanto, a alínea a) do artigo 46 do código do processo civil (CPC)
esclarece que" as sentenças condenatórias servem de base para a acção
executiva", em caso de incumprimento por parte do réu. Dadas as condições
socioeconómicas em que se encontram muitas das vezes os furtadores de
energia eléctrica, apenas pagam a conversão da pena por multa em sentença
proferida pelo Tribunal Judicial, para não cumprirem a pena de prisão,
deixando de lado a indemnização para com a EDM, pela energia eléctrica
consumida fraudulentamente.
Após a condenação, segue-se na prática, o princípio indemnizatório,
de responsabilidade civil ao basear-se no princípio geral de
responsabilidade, consagrado no artigo 483 Código Civil, segundo o qual,
aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem
ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica
obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação ou seja
na constituição da situação anterior lesão, isto é, na situação que existiria se
não se tivesse verificado o evento danoso, art. 552 CC.
Trata-se de um processo ideal conforme o previsto no artigo 566 CC,
nos casos em que a reconstituição natural seja possível (caso de perda total),
ou quando a reconstituição natural não repare integralmente os danos, nos
casos em que a reparação, apesar de possível, não reconstitui exactamente
o estado em que o objecto se encontrava antes do furto ou quando a
reconstituição natural seja excessivamente onerosa para aquele que tem
obrigação de indemnizar, pois ˝ aquele que com dolo ou mera culpa, violar
ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a
proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes da violação˝, art. 483, nº 1 do CC.
Isto significa que, o furto e consumo fraudulento de energia eléctrica
na EDM em algum momento é com o envolvimento de trabalhadores da
EDM, através de atitudes como ligações clandestinas de energia eléctrica, em
troca de valores monetários, fazendo demorar processos de ligação de
energia eléctrica aos cidadãos, como forma de os trabalhadores exigirem aos
cidadãos o pagamento de uma certa quantia para estes flexibilizarem
processos de ligação.
Para além da condenação, uma outra forma de mitigar este
fenómeno, segundo prevê a própria lei, é a divulgação da legislação relativa
ao furto e consumo fraudulento de energia eléctrica às entidades privadas,
aos clientes da EDM e aos cidadãos em geral das regras e procedimentos que
55
devem nortear quando de consumo de energia eléctrica, visando a redução
de furto e consumo fraudulento de energia eléctrica.
Em conformidade com o problema do artigo, que visava saber quais
são os factores que motivam alguns cidadãos ao cometimento do crime de
Furto e Consumo Fraudulento de energia eléctrica em Moçambique, o
estudo concluiu que, o maior factor é a fraca divulgação da legislação sobre
o perigo da matéria de furto e uso fraudulento da corrente eléctrica.
Entretanto, em consequência desta demora na resposta do pedido
de ligação de energia eléctrica ao cidadão, este recorre a indivíduos não
autorizados para ligação de energia eléctrica, com todos os riscos que daí
podem advir sob responsabilidade do titular da instalação, nomeadamente;
falta de contrato de fornecimento de energia eléctrica, ligação clandestina
cuja energia eléctrica não passa pelo contador, não permitindo deste modo
a contagem da energia ali consumida ilegalmente e consequentemente não
cobrada pela EDM, criando enormes prejuízos na economia da
concessionária em particular e ao Estado Moçambicano, em geral.
SUGESTÕES
Ao Governo
▪ Divulgar as leis existentes, incluindo a lei nº 21/97, de 1 de outubro
- Lei de Electricidade, sobre a matéria de furto e consumo
fraudulento de energia eléctrica.
Ao Legislador
▪ Na esperada reforma legal, achamos que a elaboração duma nova lei
deve conformar-se com a realidade sociocultural dos cidadãos,
integrando as boas práticas de consumo de energia eléctrica.
▪ O infractor que seja reincidente a pena de prisão seja efectiva, como
forma de desencorajar a prática de furto e consumo fraudulento de
energia eléctrica no seio das comunidades.
Aos cultores da ciência
▪ Que se realizem mais estudos aprofundados sobre o fenómeno de
furto e consumo de energia eléctrica, em todo o País.
A Concessionária EDM
▪ Que realize inspecções permanentes às instalações eléctricas de
clientes, visando a desencorajar a prática de furto e consumo
fraudulento de energia eléctrica.
▪ Os agentes da concessionária devem distanciar-se das cobranças
ilícitas aos requerentes de energia eléctrica, para flexibilizar o
processo de ligação de energia eléctrica.
56
▪ A EDM deve promover encontros regulares com as comunidades
onde se deve aprimorar a importância de energia eléctrica tem para
o desenvolvimento de uma sociedade e das implicações negativas de
furto de energia eléctrica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Legislação Nacional
Doutrina
CARVALHO, A. T. (2008). Direito Penal: Parte Geral: Questões Fundamentais: Teoria Geral
do Crime, Coimbra Editora. 2008, p. 393.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. (5ª ed.). São Paulo, Brasil: Atlas. 2002, p.
84.
57
Brasil: Herder. 2000, p. 95.
Legislação Estrangeira
58
MEIOS PROBATÓRIOS DOS CRIMES
CIBERNÉTICOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
MOÇAMBICANO
INTRODUÇÃO
*
Licenciada em Direito e Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Ciências Sociais e Políticas,
doutoranda em Direito Público na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique, jurista
e docente em Direitos reais, ambiente e agrário na Faculdade de Ciências Sociais e políticas da
Universidade Católica de Moçambique, e-mail: boazynhabras@gmail.com/ njorge@ucm.ac.mz
59
Os sistemas de informação é um instrumento que elevou muito a
vida da humanidade em quase todos os campos do mundo desde a ciência, a
história e a cultura, surgindo assim, a globalização. No seio desta inovação
surgem muitos problemas, onde as pessoas de ma fé entram nos sistemas
alheios e tem acesso a dados onde vazem várias movimentações, e também
usam aplicativos de difícil reconhecimento, criando contas secretas mais
conhecido por secret publicando imagens íntimas de um outro indivíduo,
difamando – o, e sujando a sua imagem, reputação e o infrator nunca é
responsabilizado, isto é, não se sabe o paradeiro do mesmo porque o que se
verifica é a falta de meios suficientes para chegar ate o perpetuador, e muitos
desses casos não são expostos a justiça por causa desse motivo e o
responsável fica ileso e mais motivado para agir novamente. Neste contexto,
levanta – se a seguinte pergunta de pesquisa: Em que medida o ordenamento
jurídico moçambicano apresenta provas eficazes para a punibilidade dos
crimes cibernéticos?
Foram traçados para a presente pesquisa, objectivos como forma
direcionar a pesquisa. Nestes termos, o objectivo geral tem em vista analisar
os elementos de provas nos crimes cibernéticos e sua eficácia. Nos
específicos, pretende se definir os crimes cibernéticos e da conduta
criminosa virtual, identificar os meios de provas usadas para comprovar os
crimes cibernéticos e por fim, descrever os procedimentos usados pelo
Estado para punir este tipo legal de crime.
É pertinente explicitar as razões que presidiram a escolha deste tema,
para o propósito acima indicado. Pesaram para o efeito três razões de interesse
geral, nomeadamente: a actualidade do tema, aliada à necessidade da sua
divulgação junto da comunidade académica e da sociedade civil, bem como o
seu interesse prático, revelado no dia-a-dia pela sua frequente prática.
Adiante, a Metodologia para a elaboração deste artigo, iremos em
primeiro lugar fazer a pesquisa bibliográfica, documental e hermenêutica
jurídica, o que consistirá na recolha de obras relativas ao tema, nomeadamente,
manuais, monografias, revistas jurídicas, dissertações, teses e outros textos
jurídicos que tratam directa ou indirectamente do tema e a interpretação legal.
A pesquisa será qualitativa com enfoque exploratório.
O trabalho tem como estrutura introdução, desenvolvimento,
conclusão e sugestões.
60
CONTEXTUALIZAÇÃO E DISCUSSÃO
1
DAOAUN, Alexandre Jean; LIMA, Gisele Truzzi: crimes informáticos: O direito penal na era da
informação.
2
FERREIRA, Ivette Senise: A criminalidade informática, LUCCA, Newton, SIMÃO, Adalberto: Direito
e internet: aspectos jurídicos relevantes, 2 ed São Paulo, 2005, p. 339.
3
BELEZA, Maria Teresa Pizarro: Direito Penal, 2 vol., Coimbra, 1985
4
CHAVES, António, SILVA, Rita de Cassia: Direito penal e sistemas informáticos, p. 19.
5
ROSA, Fabrizio: Crimes de Informática. Campinas: Bookseller, 2002, p. 53.
6
CASTRO, Carla Rodrigues: Crimes informáticos e seus aspectos processuais, 2ª ed., Lumenjuris, Rio de
Janeiro, 2003, p. 9.
7
ROSSINI, Augusto Eduardo: Informática, telemática e direito penal, Memoria jurídica, São Paulo, 2004.
8
FELICIANO, Guilherme Guimarães: Informática e criminalidade: parte I: Lineamento e definições,
Boletim do Instituto Manoel Pedro Pimentel, São Paulo, vol. 13, 2000, p. 42.
61
1.1 - Classificação dos Crimes Cibernéticos
Estes Crimes podem ser classificados emː
a) Crimes puros, são aquelas condutas que ainda não foram tipificadas
juridicamente, carecem de lei que crie tipos penais específicos para
a punibilidade das mesmas. Qualquer conduta ilícita que tenha por
objetivos exclusivo o sistema de computador, seja pelo atentado
físico ou técnico do equipamento e seus componentes inclusive os
dados e sistemas (SILVA9).
Da Acção/Omissão
9
SILVA, Rita Cassia: Direito penal e Sistema informático, Revista dos Tribunais: São Paulo, vol. 4, 2003,
p. 60.
10
ALBUQUERQUE, Roberto Chacon: A criminalidade Informática, Editora Suarez de Oliveira, São
Paulo, 2006, p. 264.
11
BELEZA, Maria Teresa Pizarro: Direito Penal, vol. 2, Coimbra, 1985.
62
por CP, o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou
ou, no caso de omissão, devia ter actuado, independentemente do momento
em que o resultado típico se tenha produzido. Salvo se outra for a intenção
da lei, o crime prevê não só a punição da acção adequada a produzir o
resultado típico, mas também da omissão da acção adequada a evitá-lo.
A Ilicitude
A ilicitude para a clássica é vista numa óptica meramente formal, ou
seja, como contrariedade a ordem jurídica na sua globalidade. Um facto
ilícito é um facto contrário a lei (DIAS12).
A Culpa e a Punibilidade
Para além do facto ter consistido numa ação típica, ilícita e culposa,
é ainda preciso que seja punido (BELEZA13), a responsabilidade jurídico-
legal de alguém, é de se analisar detalhadamente todas estas categorias. Os
tipos legais de crime, a não ser quando a lei expressamente o diga, são
sempre dolosos.
12
DIAS, Jorge Figueiredo: Direito Penal – parte geral, Tomo I – Questões fundamentais: A doutrina geral
do Crime, Coimbra, 2012.
13
BELEZA, op. cit.
14
DIAS, Jean Carlos: o problema dos limites da prova e sua valoração.
15
PRATA, Ana; VIEGA, Catarina e VILALONGA, José: Dicionário Jurídico: Direito Penal e Direito
Processual Penal, Vol. II, 2 ed, Almedina. Coimbra.
16
Ibidem.
63
dezembro, (que aprova o Código do Processo Penal, adiante designado por
CPP), constituem objecto de prova, todos os actos juridicamente relevância
para existência ou inexistência do Crime, a punibilidade ou não punibilidade
do arguido, e a determinação da pena ou das medidas de segurança
aplicáveis.
Segundo PAPADAKIS17 o fim da prova é a demonstração da verdade dos
factos, alicerce da convicção sobre a sua existência, as quais por sua vez, são
o pressuposto da aplicação da lei. Portanto a prova tem por finalidade
convencer o juiz quanto a existência ou inexistência dos factos sobre que
versa a lide, neste sentido temos o que define o seu objeto.
17
PAPADAKIS, Vitalina do Carmo. A prova: fim da prova, prova probabilidade suspeita e espécie de
prova, centro de formação jurídica e judiciária, Maputo, 2007.
18
PRATA, Ana; VIEGA, Catarina; VILALONGA, José. Dicionário Jurídico: Direito Penal e Direito
Processual Penal, Vol. II, 2ª ed, Almedina. Coimbra.
19
BALDUCI, Filipe: disponível: https//andradense.jusbrasil.com.br/artigos/29685003/aprova-
testemunhal-novo-cpc.
20
MAZINI.
21
PRATA, Ana; VIEGA, Catarina; VILALONGA, José. Op. cit.
64
os caminhos, passos, estratégias e mecanismos usados para a comprovação
de um certo ato, tudo o que for necessário para conduzir-nos a uma verdade.
Relativamente aos crimes informáticos, um capítulo foi dedicado e
vários tipos legais de crimes foram tipificados no anterior Código Penal22, no
qual farei a citação do essencial para melhor compreensão, dos quais
destaco: o art. 316, que preconiza a intromissão através da informática, na
medida em que aquele que criar, mantiver ou utilizar ilicitamente ou sem
autorização ficheiro automatizado de dados individualmente identificáveis
e referentes a convicções politicas, religiosas, filosóficas, a filiação partidária
ou sindical, a vida privada ou a origem étnica, será punido com pena de
prisão maior de 2 a 8 anos e multa até um ano.
E não só, conforme aflora o art. 317, quem por meio informático
incitar menor de 12 anos de idade para a prática de actos ilícitos, tipificados
na lei criminal, será punido com pena de prisão. O legislador também
plasmou nos artigos 318, 319 até 323, os furtos informáticos de moedas ou
valores, burla por meios informáticos nas comunicações, violação dos
direitos de autor com recurso a meios informáticos, escutas não autorizadas
de mensagens, a violação do segredo do Estado por meios informáticos e por
fim a instigação pública a um crime com uso de meios informáticos.
O Código Penal, aprovado pela Lei n.º 35/2014, de 31 de dezembro,
trouxe grandes inovações ao introduzir novos tipos legais de crime,
alterações na redacção e nas molduras penais e incorporação de matérias
que constavam de legislação avulsa ou inexistentes. Sobretudo, adoptou um
título especialmente que tratava sobre os crimes informáticos.
Entretanto, razões de fundo, traduzidas na limitação à abordagem
dos seus valores axiológicos e a necessidade de tratamento jurídico
particular, nomeadamente em sede de articulação entre normas
substantivas e processuais específicas, passaram a justificar a afectação
sistemática dos lapsos e omissões por uma vicissitude legal destes crimes no
Código penal23 actual, uma vez que o nosso legislador trouxe nos apenas o
crime sobre a fraude relativa aos instrumentos e canais de pagamento
eletrónico e o crime de abuso de meios de pagamento eletrónico nos seus
artigos 294 e 295, e também, o crime sobre falsidade informática,
interferência de dados, interferência de sistemas e uso abusivo de
dispositivos, conforme afloram os artigos 336, 337, 338 e 339 do CP. Porém,
nota se no actual código novos tipos legais de crimes informáticos diferentes
22
Lei nº 35/2014 de 31 de dezembro (que aprovou o Código penal anteriormente em vigor).
23
Lei nº 24/2019 de 24 de dezembro (que aprova o Código penal actual, doravante designado por CP).
65
do código anterior e ainda assim nenhum meio de prova relativamente a
punibilidade destes tipos legais de crime foi tipificado.
Ademais, foi aprovado a lei nº 3/2017 de 9 de janeiro (adiante
designada por Lei das Transações eletrónicas), que regula as actividades
efectuadas por via das plataformas digitais, com o objectivo de aumentar a
segurança dos provedores de serviços electrónicos no país. Esta lei,
estabelece um quadro legal que define princípios e normas para regular e
disciplinar as transações electrónicas, comércio e governos electrónicos no
país.
Mas, ainda assim muita dificuldade se verifica na criação de meios
probatórios para se punir os crimes cibernéticos. Foram criadas instituições
para a regulamentação das comunicações eletrónicas e ainda não são
notáveis, porque nos últimos tempos acontecem variados crimes desta
natureza e pouco solucionados. De referir que, essas instituições estão mais
para a regulamentação das comunicações eletrónicas e não para produção
de provas de um crime.
Importa frisar que, os perpetuadores muitas das vezes têm
conhecimentos incríveis de informática são chamados de hacker (hacker é
um individuo que domina a informática e é muito inteligente, adora invadir
sites, mas na maioria das vezes não com a finalidade de cometer crimes,
costuma a se desafiar entre si, para ver quem consegue invadir tal sistema
ou página na internet, isto apenas para nos mostrar como estamos
vulneráveis no mundo virtual (NOGUEIRA24).
Os doutrinários assim como os profissionais ligados a informática,
preferem chamar de criminosos de hackers, pois, possuem um
conhecimento vasto de informática, acessam com facilidade qualquer
brecha de segurança nos sistemas, porém não alteram nem danificam nada,
são chamados de hacker de chapéu branco ou whitehat. E os blackhat, os
hackers do mal ou de chapéu preto, esses usam os seus conhecimentos para
roubar senhas, documentos, causar danos ou mesmo realizar espionagem
(ASSUNÇÃO25), esses são verdadeiros mestres do mundo informático,
entram, manipulam os dados alheios com muita facilidade e não são
encontrados com muita facilidade. E fundamentalmente, nos termos do art.
1 da CP, plasma o princípio da legalidade que preconiza que, todos os
procedimentos para a identificação do criminoso devem ser com base na lei.
No entanto os meios usados para a prática desses crimes sãoː
24
NOGUEIRA, Sandro: Crimes de informática. BH editor, São Paulo, 2008, p. 61.
25
ASSUNÇÃO, Marco Flávio: segredos do Hacker Ético, 2º ed, Visual Books, Florianópolis, 2008, p. 13.
66
– O computador (a internet);
– Os telefones (WhatsApp, facebook, mensagens);
– As caixas bancárias, (ATM, transferências de dados por via do
computador). E nota se a falta de um regime e instituto jurídico
próprio, agentes específicos, formados e qualificados e ainda, uma
instituição específica capaz de lhe dar com a prevenção, detenção,
investigação criminal relativamente a estes tipos legais de crime, tal
como sucede em Portugal.
26
PRATA, Ana, VIEGA, Catarina e VILALONGA, José: Dicionário Jurídico: Direito Penal e Direito
Processual Penal, Vol. II, 2 ed, Almedina. Coimbra.
67
3.1. Compartilhamento de uma informação de um acto criminal e
serem considerados cúmplices
68
No contexto do nosso posicionamento, há que concordar
com o INCM, uma instituição de comunicação e transações
eletrónicas devem obedecer esses 3 princípios para que mantenham
os seus clientes seguros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
69
Para isso, importa dizer que existem meios de provas, porém,
ineficazes, pois esses crimes são perpetuados no espaço virtual onde há
ausência da presença física do autor, e os meios para os provar são dados,
dados esses que não se pode ter com facilidade. Moçambique não apresenta
mecanismos suficientes capazes de desvendar esses crimes, não sendo
problema apenas deste país, mas também de vários.
Sugestões
70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Doutrina
ASSUNÇÃO, Marco Flávio: segredos do Hacker Ético, 2ª ed., Visual Books, Florianópolis,
2008.
CHAVES, António, SILVA, Rita de Cassia: Direito penal e sistemas informáticos, p. 19.
DAOAUN, Alexandre Jean; LIMA, Gisele Truzzi: crimes informáticos: O direito penal na
era da informação, Vol. II, São Paulo, 1999.
DIAS, Jean Carlos: o problema dos limites da prova e sua valoração, Vol. II, 2 ed,
Almedina. Coimbra.
DIAS, Jorge Figueiredo: Direito Penal – parte geral, Tomo I – Questões fundamentais: A
doutrina geral do Crime, Coimbra, 2012
PRATA, Ana, VIEGA, Catarina e VILALONGA, José: Dicionário Jurídico: Direito Penal e
Direito Processual Penal, Vol. II, 2 ed, Almedina. Coimbra.
ROSA, Fabrizio: Crimes de Informática. Campinas: Bookseller, p. 53, 2002.
SILVA, Rita Cassia: Direito penal e Sistema informático, Revista dos Tribunais: São
Paulo, Vol. 4, 2003.
71
Metodologia
CERVO, Amado; BERVIAN, Pedro A. Metodologia Científica, 5ª ed. Editora Afiliada, São
Paulo, 2002.
Normas nacionais
72
O PEDIDO CIVIL NO DIREITO PENAL
INTRODUÇÃO
1
Graduado em Direito pela Universidade Eduardo Mondlane, Mestre pela Universidade São Tomás de
Moçambique, Doutorando em Direito Público pela Universidade Católica de Moçambique, Advogado.
2
SILVA, Manuel Dias da, Estudo sobre a responsabilidade civil conexa com a criminal, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1887, p. 3.
73
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
2. RESPONSABILIDADE CIVIL
Para todos os efeitos, o que vem prescrito no art. 483 n.º 1 do C. Civil
é que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de
outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios
fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”,
assim deve se averiguar em cada caso, se estão preenchidos os pressupostos
da responsabilidade civil.
São assim requisitos da responsabilidade civil extracontratual:
a) O facto ilícito
b) A imputação do facto ao agente
c) A culpa
d) O dano
e) Nexo de causalidade entre o facto e o dano.
3
“O pedido de indemnização por perdas e danos resultantes de um facto punível, por que sejam
responsáveis os seus agentes, deve fazer-se no processo que correr a acção penal...”.
4
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Obrigações, 1.ª ed., A. A. F. D. L., Lisboa, 1994, 2º vol., p.
258.
5
Brito, José Sousa de – Para fundamentação do Direito Criminal. In ROXIN, Claus [et al.] - Textos de
Apoio de Direito Penal. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, 1983/84. T. 1, p. 143.
74
Em relação ao facto ilícito:
Na senda da responsabilidade civil subjectiva, deve existir um
comportamento humano dominável pela vontade que configure um juízo de
desvalor atribuído pelo direito.
Em face de responsabilidade civil delitual, cabe ao lesado provar a
ilicitude da acção do lesante, conforme estabelece o art. 487 do C. Civil. Não
qualquer ilicitude que se configure na violação das normas de protecção,
nem dos direitos subjectivos.
Em relação à Culpa
Conforme ensina Menezes Leitão, a culpa é definida como o juízo de
censura ao agente por ter adoptado a conduta que adoptou, quando de acordo
com o comando legal estaria obrigado a adoptar conduta diferente6.
O juízo de culpa representa um desvalor atribuído pela ordem jurídica
ao facto voluntário do agente, que é visto como axiologicamente reprovável.7
Em relação ao Dano
Em termos gerais, dano é a supressão de uma vantagem de que o sujeito
beneficiava ou ainda deixou de beneficiar.
6
Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações: introdução da constituição das
obrigações, vol. 1, Ed. Almedina, 2.ª ed., Coimbra, 2002, p. 295.
7
Ibidem, p. 296.
75
3. RESPONSABILIDADE PENAL
3.1 Do facto
3.2 Da tipicidade
O conceito do tipo abrange os elementos constitutivos do crime, isto é, as
circunstâncias de que depende o resultado final. Desde logo, a averiguação
em face da norma da existência de que depende a aplicação da pena estamos
perante o tipo.
3.3 Ilicitude
No que tange a este pressuposto da responsabilidade criminal, podemos
caracterizá-la como uma actuação contrária ao Direito, em que se ofendem
bens jurídicos protegidos.
3.4 Culpa
A culpa se reporta a atitude interna do agente, entender e querer o crime.
8
VARELA, Antunes. Das Obrigações em Geral, op. cit., p. 527 et seq.
76
Este pressuposto fica preenchido quando a atuação do agente lhe pode ser
pessoalmente censurada, verificando-se a existência de uma “atitude
interna juridicamente desaprovada”.
O princípio da culpa dita que “não há pena sem culpa e a medida da pena não
pode ultrapassar a medida da culpa”.
3.5 Punibilidade
O Estado tem o monopólio da tarefa da punição, e são três dos fins das
penas: a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial9.
4. DO PEDIDO CÍVEL
Os crimes pela sua natureza e consequências acarretam perdas e
danos que merecem a tutela do Direito sob a forma de ressarcimento,
permitindo que se reconstitua a situação que existiria se não tivesse
ocorrido o facto punível.
É nesta senda que dispõe o Código de Processo Penal (CPP) em
vigor , tendo reconhecido e aderido ao princípio de adesão.
10
5. DO ESTUDO DO CASO
9
Brito, José Sousa de – Para fundamentação do Direito Criminal. In ROXIN, Claus [et al.],. 111, p. 199.
10
Art. 29⁰ “O pedido de indemnização por perdas e danos resultantes de um facto punível, por que sejam
responsáveis os seus agentes, deve fazer –se no processo em que correr a acção penal e só poderá ser feito
separadamente em acção intentada nos tribunais civis nos casos previstos neste Código”.
77
acidente de viação", ou seja, se não estivermos diante de danos que sejam
consequência de acidentes de viação, se não estivermos abordando esta
questão, mas sim encontrarmo-nos diante da violação ou falta de
observância das providências policiais e administrativas, contidas nas leis e
regulamentos, e sem intenção maléfica, alguém causar incêndio ou qualquer
dano em propriedade alheia, móvel ou imóvel, será punido com pena de
multa até três meses, sem prejuízo das penas decretadas nas mesmas leis ou
regulamentos, pela contravenção.". É neste mesmo entendimento que o
número 4 do artigo 348 do Código Penal estabelece que na falta de queixa
pela contravenção cometida apenas haverá procedimento judicial pela
contravenção cometida, nestes últimos crimes previstos, aos quais o
legislador estabeleceu o respectivo tratamento.
Dito de outo modo, o legislador neste artigo, apenas estabeleceu o
tratamento para os seguintes casos: "pela de violação ou falta de
observância das providências policiais e administrativas, contidas nas leis e
regulamentos, e sem intenção maléfica, alguém causar incêndio ou qualquer
dano em propriedade alheia, móvel ou imóvel"
Ora, quando o legislador estabelece a questão: " se fora dos casos de
danos consequências de acidentes de viação" é suposto e necessário que de
seguida, o mesmo, estabeleça na mesma lei alguma cláusula que clarifique
qual é o tratamento para os danos resultantes de acidente de viação.
Importa salientar que, o artigo 156º do Código de Estrada já existia e
mesmo com a existência daquele, não era usado para remeter a questão dos
danos resultantes de acidente de viação a um processo Próprio. É claro que
o artigo ora revogado 482º do Código Penal estabelecia procedimentos para
que tal não acontecesse, mas a revisão efectuada em relação a esta matéria
não é explícita, e nenhum dispositivo legal estabelece de forma clara que:
"deixa de existir o crime de dano resultante de acidente de viação", pelo que
não podem as partes envolvidas serem prejudicadas nos autos por questões
desta natureza.
Mais ainda, o artigo 156º do Código de Estrada, estabelece que "As
acções destinadas a exigir a responsabilidade cível, quando não devam ser
exercidas em processo penal…". Ora, no nosso entendimento, o processo
penal não pode ser olhado apenas ao abrigo do número 1 do artigo 348 do
Código Penal, mas sim como um todo pois o Código de Processo Penal ainda
está em vigor e não fora revogado. Ainda, conforme dissera, aquele
dispositivo legal não estabeleceu que os danos resultantes de acidentes de
viação não devem correr em processo penal, limitando-se apenas a clarificar
o tratamento da "violação ou falta de observância das providências policiais
e…", conforme artigo 3º da presente peça processual.
78
É ponto assente que, o número 1 do artigo 156 do Código de Estrada
estabelece que existem acções que não podem ser exercidas em processo
penal, como nos casos em que há um despacho de arquivamento proferido
pelo Ministério Público, não podendo exercer a acção penal.
Conquanto, conforme despacho que refere que o pedido de
indemnização cível deve correr em processo próprio, proferido pelo
Tribunal a que se recorre, existirão dois processos correndo em instâncias
diferentes, de onde notamos que, cada juiz possui um livre-arbítrio, de onde
podem surgir duas decisões diferentes.
Questionamos nós qual seria o tratamento numa situação em que o
recorrente possui duas decisões diferentes, sendo uma favorável e outra não
favorável. Ainda, quem efectuaria o ressarcimento dos danos, se na área civil
houvesse sentença favorável ao recorrente ao ressarcimento de danos
enquanto o processo-crime estivesse ainda em curso, em particular em sede
de recurso.
CONCLUSÃO
11
“O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal
respectivo, só o podendo ser em separado, em acção cível, nos casos previstos na lei”.
79
Conquanto, não se alcança os alicerces do despacho do tribunal, senão
uma flagrante má interpretação da lei.
BIBLIOGRAFIA
BRITO, José Sousa de – Para fundamentação do Direito Criminal. In ROXIN, Claus [et al.] -
Textos de Apoio de Direito Penal. Lisboa: AAFDL Editora, 1983/84. T. 1.
CORDEIRO, António Menezes, Direito das Obrigações, 1ª ed., AAFDL Editora, Lisboa,
1994, 2º vol.
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações: introdução da
constituição das obrigações, vol. 1, Ed. Almedina, 2ª ed., Coimbra, 2002.
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, Vol. I, 8ª ed., Edições
Almedina, Coimbra, 2009.
NETO, Abílio, Código Civil Anotado, 16ª ed. Ediforum – Edições Jurídicas, Lisboa, 2009.
SILVA, Manuel Dias da, Estudo sobre a responsabilidade civil conexa com a criminal,
Imprensa da Universidade, Coimbra, 1887.
VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Ed. Almedina, 2ª ed., Coimbra, 2017.
Legislação:
Código Civil de Moçambique;
Código Penal de Moçambique;
Código de Processo Penal de Moçambique;
80
A TUTELA JURÍDICO PENAL DA PROPRIEDADE
NOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE
EM GERAL E NOS CRIMES DE DANO
FACE AOS EFEITOS DAS PENAS A LUZ DO
CÓDIGO PENAL DE 2014
INTRODUÇÃO
81
socialista” caracterizado por uma subordinação do interesse individual ao
interesse geral, característica esta completamente antagónica e
incompatível com o actual modele como fiz menção anteriormente, urge a
necessidade da aprovação de um código penal exequível a protecção do
direito de propriedade dos cidadãos contra os criminosos, o que na minha
opinião vai para além da simples punição e relocalização do criminoso com
efeitos preventivos e retributivos de acordo com as teorias clássicas sobre
os fins das penas, o que suscita a seguinte questão de pesquisa: ate que ponto
o direito penal moçambicano é funcional na protecção do direito de
propriedade em geral atentos ao artigo… da CRM?
1
BELEZA, Teresa Pizarro, Direito Penal, Vol. I, 2ª ed. Revista e Actualizada, AAFDL Editora, Lisboa,
1991, p. 32.
2
Ibidem.
82
política social (como na maioria dos casos acontece). Por outro lado é
necessário, também, que essa incriminação seja eficaz.3
Ora, da interpretação deste princípio não há dúvidas que não basta a
aplicação das penas mais ou menos grave em resposta a um facto ou ato
criminal, mas é necessário que tal medida seja eficaz, sendo na nossa opinião
um dos requisitos de tal eficácia a responsabilização efetiva e pontual do
criminoso, o que passaria necessariamente pela garantia da satisfação das
vítimas nos crimes contra a propriedade no geral.
3
BELEZA, Teresa Pizarro, Direito Penal, Vol. I, 2ª Edição Revista e Actualizada, AAFDL Editora, Lisboa,
1991, p. 32.
4
Ibidem, p. 35.
5
Ibidem.
83
pagarem as multas, e havendo um pedido cível de indeminização, colocar-se
em segundo plano o pagamento das mesmas, pois na nossa opinião essa
solução não é eficaz sob ponto de vista da satisfação das vítimas.
6
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, Vol. I, Edições Almedina, Coimbra, 2008, p. 39.
7
BELEZA, Teresa Pizarro, Direito Penal, Vol. I, 2ª Edição Revista e Actualizada, AAFDL Editora, Lisboa,
p. 270.
8
Esses fins do Estado são a Justiça, Segurança e bem-estar comum.
9
BELEZA, Teresa Pizarro, op. cit., p. 271.
10
Idem p. 272.
84
constitucional segundo o qual o Estado reconhece e garante aos cidadãos o
direito de propriedade privada.
Nesta ordem de ideias, a doutrina dominante tem discutido algumas
teorias que efectivamente tendem a procurar respondem os fins imediatos
das penas.
Assim, podem distinguir-se as teorias absolutas e relativas.
11
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, Vol. I, Edições Almedina, Coimbra, 2008, p. 40.
12
Ibidem.
13
Ibidem.
14
BELEZA, Teresa Pizarro, Direito Penal, Vol. I, 2ª Edição Revista e Actualizada, AAFDL Editora,
Lisboa, 1991, p. 272.
85
que, quem procede mal deve pagar esse mal como é justo, e é justo que sofra
um mal igual ao crime que praticou15.
3. PENA DE MULTA
15
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, Vol. I, Edições Almedina, Coimbra, 2008, p. 41.
16
Ibidem.
17
BELEZA, Teresa Pizarro, Direito Penal, Vol. I, 2ª Edição Revista e Actualizada, AAFDL, Lisboa, 1991,
p. 272.
18
Ibidem.
19
Cfr. no 1, art. 59 do CP.
86
praticados por cupidez, já que ele atinge o núcleo da motivação do ato
criminoso.
A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da
quantia fixada na sentença e calculada por quantia determinada ou fixada
entre um mínimo e um máximo20.
3.1 Conversão
20
Cfr. Artigo 63 et seq. do CP.
21
Cfr. Artigo 72 do CP.
22
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato, Manual de Direito Penal, volume I, 27ª edição,
Editora Atlas S. A. São Paulo, 2011, p. 272.
87
No nosso entendimento, tal tutela parece mais favorável ao Estado
titular do poder punitivo, bastando que reparemos pela ordem dos
pagamentos, estatuída no artigo 64423 do CPP que passo a citar:
Pelo produto dos bens executados ao devedor os pagamentos são
feitos pela ordem seguinte:
1º As multas
2º Os impostos
3º As custas líquidas a favor do Estado, dos cofres e dos serviços sociais do
Ministério da justiça
4º As restantes custas proporcionalmente e por último, as indeminizações.
23
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Decreto no 19271/1931 de 24 de janeiro, (declara em vigor o
Código de Processo Penal) in BR.
24
Prado, Luiz Régis, Teoria dos fins da pena: Breves Reflexões, in revista dos Tribunais online, p. 8.
88
adstrita à culpabilidade (princípio e categoria dogmática) do autor do fato
punível.
Ainda que necessária para justificar a pena, não é bastante a ideia de
prevenção geral para limitá-la no contexto de um direito penal mínimo e
garantista.
O que resta claramente evidenciado numa análise sobre a teoria da
pena é que sua essência não pode ser reduzida a um único ponto de vista,
com exclusão pura e simples dos outros, ou seja, seu fundamento contém
realidade altamente complexa25.
Em jeito de conclusão, concluímos que o direito penal vai para alem
da efetivação dos fins das penas tradicionalmente estatuídos, devendo ser
compreendido de forma mais ampla de modo a garantir os fis imediatos do
Estado, nos casos em que se verifiquem actos que atentem contra o direito
de propriedade devendo se colocar em primeiro plano o ressarcimento das
vitimas de tal conduta, e em segundo plano o pagamento das multas e outros
encargos judiciais que beneficiam unicamente ao estado, não se devendo
preterir com isso o bem estar das pessoas ao aceder a justiça penal, através
da reposição igual ou equiparada dos seus bens perecidos com a ocorrência
do acto criminal.
BIBLIOGRAFIA
25
Prado, Luiz Régis, Teoria dos fins da pena: Breves Reflexões, in revista dos Tribunais online, p. 8.
89
O CRIME E AS TECNOLÓGIAS DE INFORMAÇÃO
E COMUNICAÇÃO: CRIMES INFORMÁTICOS
GABRIEL DESEJADO
GABRIEL MEPINA*
INTRODUÇÃO
*
Doutorando em Direito Público e Docente Universitário, Advogados e Consultor.
91
utilização dos sistemas da informática. A partir dai, pretendemos fazer uma
análise para compreender em que medida o ordenamento jurídico-penal
moçambicano regula, de forma a disciplinar condutas antijurídicas,
resultantes do uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação. Por
outro lado, a pretensão é também de verificar que instrumentos específicos
o legislador penal moçambicano optou como meios de prevenção e sanção,
nos casos em que haja lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico
determinado. Sabendo que o bem jurídico protegido ou tutelado pelo direito
penal é a inviabilidade das informações armazenadas processadas em
computadores – os dados – de forma a se garantir a privacidade e a
integridades dos dados informáticos.
Para a concretização desta abordagem foi pertinente a base
bibliográfica e no uso dos métodos documentais e jurídicos. Como estrutura
deste artigo, partimos de uma revisão bibliográfica, começando pela
apresentação de conceitos sobre o direito penal, uma vez que objectivo
principal do direito penal é a proteção de bens jurídicos, através da
cominação, aplicação e execução da pena. Dai abordar a questão do crime e
criminalidade; as Novas Tecnologias e Informação e Comunicação e
relacionar aos crimes cibernéticos. Na segunda parte reserva-se a discussão
prática sobre os crimes cibernéticos/informáticos face a ordem jurídico-
penal moçambicana.
1. CRIME E CRIMINALIDADE
a) Crime
1
FERREIRA, Manuel Cavaleiro de. Lições de Direito Penal. Parte geral. Edições Almedina, AS, Coimbra,
2010.
92
diferentes espécies de consequências jurídicas de um crime2, que se se
circunscrevem fundamentalmente sobre as reacções ou sanções que ao
crime se encontram juridicamente ligadas3.
Segundo os dizeres do CARVALHO4, “a teorização dos elementos
constitutivos da infracção que se traduz numa desconstrução-construção
analítico-conceitual e sistemática do comportamento criminal, deve ser
orientada e dinamizada pelos princípios da política criminal e apoiada nos
resultados empíricos da investigação criminológica. Daqui podemos
concluir que este ensinamento é resultado da correcção da actual
consideração do direito penal ou dogmática penal como “sistema penal
aberto”.
Em consonância com TERESA BELEZA, há que distinguir a definição
formal e material do crime. Por isso, a autora nos ensina que, o crime “é uma
acção típica, ilícita e culposa5. Aqui constatamos que estamos diante a
definição de crime de carácter formal, donde se pode ilidir que para se
definir crime, formalmente, é condição que o agente realiza a conduta
descrita na lei. A definição formal de crime está vinculada ao princípio da
legalidade “nullum crimen nulla poena”. Decerto, o Crime é uma conduta, seja
ela acção ou omissão, desde que seja contrária ao Direito e que a lei atribui
uma pena.
Ainda, na tentativa de trazer a definição substancial do crime, avança
na perspectiva de que “o direito penal funcionará para impedir que as
pessoas façam alguma coisa que é considerada nociva a uma certa
sociedade”6. Partindo desta premissa, por um lado, acentua o crime como
resultado do facto ofensivo a bens jurídicos relevantes dentro de uma
sociedade. Por outro lado, pode-se entender que o crime, na definição
material ou substancial realça seu aspecto danoso e o descreve como lesão
ou perigo de lesão ao bem jurídico. Nesta senda, o crime é uma conduta
resultante de uma lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido pelo
direito.
2
CARVALHO, Américo Taipa de. Direito Penal -Parte Gera. Questões Fundamentais. Teoria geral do
Crime. 2ª ed., reimpressão. Coimbra Editora, Lisboa. 2011, p. 11.
3
DIAS (2011). Jorge de Figueiredo. Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do crime. 3ª
Reimpressão. Coimbra Editora, Lisboa. p. 39.
4
DIAS, Jorge Figueiredo, op. cit., p. 14.
5
BELEZA (1998), Teresa Pizarro. Direito Penal. 1º Volume. 2ª ed. Revista e Actualizada. AAFDL.
Lisboa. p.p. 36-37.
6
BELEZA (1998), Teresa Pizarro, op. cit., p. 37.
93
No entender do CIRINO DOS SANTOS7, o discurso jurídico sobre
crime, construído com base na legislação penal do Estado, tem por objectivo
imputar penas (ou medidas de segurança) aos autores de factos definidos
como crime, conforme princípios de interpretação e de aplicação concreta
da lei penal (legalidade, culpabilidade, proporcionalidade etc.)
Ainda na senda do seu artigo, avança mais na perspectiva de que o
discurso da teoria do crime é representado pela definição analítica (ou
operacional) de facto punível, configurada nas categorias elementares de
tipo de injusto e de culpabilidade. Na primeira categoria, diz que “o tipo de
injusto define o objecto de imputação do discurso jurídico do crime,
demonstrando que imputamos ao autor como crime doloso ou como crime
imprudente, realizado por acção ou por omissão de acção”8. Nesse sentido,
o autor, supra referenciado o, argumenta que o tipo de injusto é formado por
uma acção típica e antijurídica concreta, estruturada pela dimensão
objectiva (causa e imputação do resultado) e pela dimensão subjectiva (dolo
ou imprudência) dos comportamentos humanos típicos, realizados ou
omitidos sem justificação pelo autor; em posição excludente aparecem as
justificações (a legítima defesa, o estado de necessidade etc.), cuja presença
desfaz o tipo de injusto.
Na segunda categoria elementar, na óptica do mesmo autor que temos
vindo a citar, temos a culpabilidade que define o fundamento da imputação
do discurso jurídico, indicando por que imputamos ao autor o tipo de
injusto, demonstrado pelas categorias (a) da imputabilidade (o sujeito é
capaz de saber e de controlar o que faz), excluída ou reduzida em situações
de menoridade ou de doença mental, (b) da consciência do injusto (o sujeito
sabe, realmente, o que faz), excluída ou reduzida em situações de erro de
proibição e (c) da inexigibilidade de comportamento diverso (o sujeito tem
o poder de não fazer o que faz), excluída ou reduzida em situações de
exclusão legais e supralegais9.
Buscando ainda os ensinamentos do CIRINO, aferimos que o crime é
toda conduta típica, antijurídica ou ilícita e culpável, praticada por um ser
humano. A partir do conceito material, podemos sustentar que crime é uma
acção ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena,
porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem jurídico que pode ser
individual ou colectivo.
7
CIRINO DOS SANTOS, Juarez. OS DISCURSOS SOBRE CRIME E CRIMINALIDADE, p. 2-3.
Disponível em: http://icpc.org.br/wp-content/uploads/2012/05/os_discursos_sobre_crime_e_criminali
dade .pdf. Acessado em: 16 jul. 2017.
8
CIRINO DOS SANTOS, Juarez, op. cit., p. 22.
9
Ibidem, p. 3.
94
Contudo, podemos ilidir que a teoria finalística do crime é a mais
aceitável pela maioria dos doutrinários. Assim sendo, não há dúvidas que a
culpabilidade faz parte do conceito de crime, por ser apenas pressuposto
para aplicação da pena. Isto ocorre pelo de facto de que a culpabilidade não
irá afectar a existência ou não de um crime e sim apenas influir na integração
de uma pena.
b) Criminalidade
10
MUBARAK. Rizuane. Direito Penal e Criminalística: Da Teoria Universal ã Realidade Nacional.
Escolar Editora. 2015, pp. 49-50, 416.
11
Ibidem, op. cit., p. 49.
12
Ibidem, op. cit., p. 50.
13
Ibidem, op. cit., p. 50.
95
CIRINO DOS SANTOS, diz que “o discurso da explicação da
criminalidade foi construído pelo método positivista das ciências naturais,
nas variantes biológica (LOMBROSO) e sociológica (FERRI), que pretende
substituir o Direito Penal como discurso oficial de imputação de factos
antissociais. Após o célebre confronto histórico das chamadas Escolas
Penais na virada para o século XX, a Criminologia positivista assume uma
posição subalterna de ciência auxiliar do Direito Penal” – por exemplo, como
propõe14 na Moderna Escola do Direito Penal orientada pelo fim: “intimidar
o autor ocasional, corrigir o corrigível e neutralizar o incorrigível”.
Ainda CIRINO DOS SANTOS avança com alegações de que a sociedade
é sempre mais rica do que supõem os discursos oficiais de controlo social: a
pesquisa histórica mostra a construção paralela de dois discursos
criminológicos antagônicos, com teorias sociais opostas, com objectos de
estudo diferentes e diversos métodos de estudo do objecto, assim definíveis:
a) a Criminologia tradicional, com um discurso etiológico sobre
criminalidade, sempre no papel de ciência auxiliar do Direito Penal; b) a
Criminologia crítica, com um discurso político sobre criminalização, no
papel de ciência crítica do Direito Penal, do Sistema de Justiça Criminal e das
desigualdades sociais da relação capital/trabalho assalariado.
14
CIRINO DOS SANTOS, Juarez, op. cit., p. 8.
15
SOUSA, Sérgio. Tecnologias de Informação. O que são? Para que servem? 6ª ed. Actualizada. Editora
de Informática, p. 1-2.
96
Programação, as Bases de Dados, as diferentes aplicações (software) e
tecnologias similares. Enquanto o autor avança explanando que
as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) são um conjunto de
recursos tecnológicos integrados entre si, que proporcionam, por meio das
funções tecnológicas, a simplificação da comunicação nos processos de
negócios, da pesquisa científica, de ensino e aprendizagem. Correspondem a
todas as tecnologias que interferem e medeiam os processos informacionais
e comunicativos dos seres. Como tal, estas podem ser ou não baseadas em
computadores ou em tecnologias actuais16.
Desta feita as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
(NTIC) são “as tecnologias e métodos para comunicar surgidas no contexto
da Revolução Informacional, Revolução Telemática ou Terceira Revolução
Industrial, desenvolvidas gradativamente desde a segunda metade da
década de 1970 e, principalmente, a partir de 1990”17. Em conformidade
com o autor, as NTIC caracterizam-se por agilizar, horizontalizar e tornar
menos palpável (fisicamente manipulável) o conteúdo da comunicação, por
meio da digitalização e da comunicação em redes de telecomunicações e
similares, para a captação, transmissão e distribuição de informação
multimédia (texto, imagem, vídeo e som). Considera-se que o advento destas
novas tecnologias possibilitou a emergência da sociedade da informação18.
Neste contexto, concluímos que as TIC´s existem desde a origem da
humanidade, que foi inventada a escrita e se organizou e espalhou-se a
informação permitindo o contacto entre as diversas civilizações. Assim, as
NTIC são baseadas em computadores e similares, não podendo de bom tom
denominá-las de TIC, pois estas tecnologias são Novas e inovadoras e têm
poucas semelhanças com as anteriores.
1.4. INFORMÁTICOS
16
CRISPIM (2013), José JR, Conceitos Fundamentais - TIC vs NTIC – artigos, disponível no http://www.
jose-crispim.pt/artigos/conceitos/conc_art/01_tic_ntic.html.
17
Ibidem.
18
Ibidem.
19
MUBARAK. Rizuane. Direito Penal e Criminalística: Da Teoria Universal à Realidade Nacional.
Escolar Editora. 2015, p. 416.
97
conter evidências de outros crimes além daqueles cometidos no espaço
cibernético20. A partir daqui fica claro que o computador deixou de ser
utilizado como recurso tecnológico que proporcionar, por meio das funções
tecnológicas, a simplificação da comunicação nos processos de negócios, da
pesquisa científica, de ensino e aprendizagem, mas servindo-se dele como
instrumento do referido crime. O computador é utilizado como arma fácil do
crime devido a maior dependência hoje das pessoas com relação às
tecnologias de informação e comunicação.
E neste raciocínio que “no cenário dos avanços tecnológicos na área
da informática, surgiram os denominados crimes cibernéticos, que também
são designados de informática, crimes tecnológicos, crimes virtuais, crimes
informáticos, delitos computacionais, crimes digitais, crimes virtuais, crimes
cometidos por meio eletrónico, entre outros. Os crimes cibernéticos
correspondem a todas as condutas cometidas com o uso de tecnologia”.21
Os autores afirmam ainda que o crime de informática é aquele
praticado contra o sistema de informática ou através deste, compreendendo
os crimes praticados contra o computador e seus acessórios e os
perpetrados através do computador. Inclui-se neste conceito os delitos
praticados através da internet, pois pressuposto para a cessar a rede é a
utilização do computador22.
ROSA, define o crime de informática traz um como senso “a conduta
atente contra o estado natural dos dados e recursos oferecidos por um
sistema de processamento de dados e, seja pela compilação, armazenamento
ou transmissão de dados, na sua forma, compreendida pelos elementos que
compõem um sistema de tratamento, transmissão ou armazenagem de
dados, ou seja, ainda, na forma mais rudimentar”23.Na mesma senda ROSA
(2002), argumenta que nos crimes de informática, a acção típica se realiza
contra ou pela utilização de processamento automático de dados ou a sua
transmissão, ou seja a utilização de um sistema de informática para atentar
contra um bem ou interesse juridicamente protegido, pertença ele à ordem
económica, à integridade corporal, à privacidade, à honra, ao património
público ou privado, à administração pública24, etc.
20
Ibidem.
21
MENDES, Maria Eugenia Gonçalves e VIEIRA, Natália Borges, Os crimes Cibernéticos no
Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Necessidade de Legislação Específica, disponível no
http://www.gcpadvogados.com.br/artigos/os-crimes-ciberneticos-no-ordenamento-juridico-brasileiro-e-
a-necessidade-de-legislacao-especifica-2.
22
Ibidem, p. 417.
23
SCHMIDT, Guilherme, Crimes CIBERNÉTICOS, disponível no file https://gschmidtadv.jusbrasil.com
.br/artigos/149726370/crimes-ciberneticos.
24
Ibidem, p. 54.
98
Para o professor ROQUE, os crimes cibernéticos são “toda conduta,
definida em lei como crime, em que o computador tiver sido utilizado como
instrumento de sua perpetração ou consistir em seu objecto material”25. Na
ideia baseada na Convenção sobre o Cibercrime de Budapeste (2001),
CASTRO, Carla Rodrigues ensina que “os crimes de informática são aqueles
perpetrados através dos computadores, contra os mesmos, ou através
dele. A maioria dos crimes são praticados através da internet, e o meio
usualmente utilizado é o computador”26.
Portanto, partindo dos conceitos abordados, podemos concluir que os
crimes cibernéticos são todas as condutas típicas, antijurídicas e culpáveis
contra ou praticadas com a utilização dos sistemas da informática. E para a
prática desses crimes, o computador é o principal meio. Contudo, há uma
necessidade de compreender, tendo em atenção a ocorrência desses ilícitos
no âmbito cibernético, como as evidências de um crime podem ser obtidas
através de um computador.
25
Ibidem, p. 9.
26
SCHMIDT, Guilherme, Crimes CIBERNÉTICOS, disponível no file https://gschmidtadv.jusbrasil.com
.br/artigos/149726370/crimes-ciberneticos.
27
Ibidem, p. 123.
28
Ibidem.
99
são pessoas com amplo conhecimento informático, utilizado para invadir
ou prejudicar servidores e sistemas. Muitas vezes sem nenhuma razão
aparente.
Já os crimes cibernéticos mistos “são aqueles em que o uso da
internet ou sistema informático é condition sine qua non para a efectivação
da conduta, embora o bem jurídico visado seja diverso ao informático” 29.
O agente não visa o sistema de informática e seus componentes, mas a
informática é instrumento indispensável para consumação da acção
criminosa. Ocorre, por exemplo, segundo o autor, nas transferências
ilícitas de valores em uma home banking.
Os crimes cibernéticos comuns, portanto, são aqueles que utilizam
a Internet apenas como instrumento para a realização de um delito já
tipificado pela lei penal. A Rede Mundial de Computadores, acaba por ser
apenas mais um meio para a realização de uma conduta delituosa. Se antes,
por exemplo, a pornografia infantil era instrumentalizada através de
vídeos e fotografias, hodiernamente, se dá através das home-pages.
Mudou-se a forma, mas a essência do crime permanece a mesma.
29
PINHEIRO, Reginaldo César. Os cybercrimes na esfera jurídica brasileira. In: Revista Eletrônica Jus
Navigandi. Disponível no Site: http://jus.com.br/revista/texto/1830/os-cybercrimes-na-esfera-juridica
-brasileira.
30
SCHMIDT, Guilherme, Crimes CIBERNÉTICOS, disponível no file https://gschmidtadv.jusbrasil.com
.br/artigos/149726370/crimes-ciberneticos, p. 13-26.
100
imaterial, insuscetível de apreensão como objecto. Entretanto, conforme
explica SILVA:
101
mas é possível identificar o endereço da máquina que envia as informações
à rede. Ou seja, o IP da máquina. É Nessa perspectiva que:
31
ZACCARIAS (2009), Inellas Gabriel Cesar de. Crimes na Internet. 2ª edição, p. 117. Disponível em
https://www.estantevirtual.com.br/gabrielcesar-zaccaria-de-inellas/crimes-na internet/1750000007
102
busca e a preensão de seu computador e quaisquer Mídias que possam
conter indícios da materialização será procedido o exame de corpo de delito,
que é “o conjunto de diligências destinadas à instrução do processo, com a
excepção da instrução contraditória”. (art. 170º do CPP).
De acordo com o professor COSTA, “as evidências dos crimes
cibernéticos, em um computador, podem ser classificadas como evidências
do usuário e evidências do sistema”. O autor esclarece que as evidências do
usuário são aquelas produzidas pelo próprio sujeito activo, em arquivos de
texto, imagem ou qualquer outro tipo. Já as evidências do sistema são as
produzidas pelo sistema operacional, em função da acção do sujeito activo32.
Contudo, podemos aferir que a prática de crimes cibernéticos não é
sinónimo de impunidade, uma vez que os dois elementos que compõem o
crime, a autoria e a materialização, são passíveis de comprovação por meio
de investigação criminal. A questão central será de olhar pela capacidade
que a esfera penal moçambicana, com os impactos dos avanços tecnológicos,
pode fazer face a esses crimes, isto é, a capacidade de investigar esses crimes
que se mostram cada vez mais frequentes, para assim reduzi-los.
32
COSTA, Marcelo António Sampaio Lemos. Computação Forense, p. 26, disponível em
www.estantevirtual.com.br/b/marcelo-sampaio-lemos-costa/computação-forense/593469987
103
electrónicos pessoais, fiscalização e estabelece o sistema de certificação
digital e criptografia.
A criptografia é um “conjunto de técnicas que transformam
informação inteligível em algo que um agente externo seja incapaz de
compreender. Funciona como código que impede que um criminoso consiga
interceptar”. (art. 57º da Lei nº 3/2017 de 9 de janeiro – Glossário).
Relativamente a mesma matéria, está prevista a Lei nº 4/2016 de 3 de
junho (Lei das Telecomunicações), que define as bases gerais do sector das
telecomunicações, por forma a manter o mercado liberalizado num
ambiente de concorrência e de convergência de redes e serviços. Ainda
regula matérias relativas ao sigilo, Fraudes, Sistemas de Interceptação Legal
e Gateway.
Um outro Regime Jurídico, no quadro da prevenção às invasões
cibernéticas, é o decreto nº 18/2015, de 28 de agosto (Regulamento de
Registo de Activação dos Módulos de Identificação dos Subscritor de
Telefonia Móvel (cartões SIM).
Portanto, apesar de já existir algumas dessas normas que tratem da
matéria e da aplicação da legislação existente, o ordenamento jurídico
moçambicano ainda não se mostra eficaz para proteger as pessoas que
utilizam os meios tecnológicos, como computadores, internet, etc., por faltar
uma lei específica que regule a matéria. No mesmo raciocínio o Estado não
apresenta meios para punir todas as condutas criminosas que ocorrem no
cenário virtual. Portanto, Moçambique continua sendo um território próprio
para a prática dos mais variados crimes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
104
são suficientes, olhando pela natureza dos ilícitos, o que poderá pôr em
causa a impunidade pela prática dos crimes cibernéticos.
Apesar das tomadas algumas medidas, como a criação de normas que
regulam algumas dessas condutas criminosas que ocorrem no meio virtual,
apesar, também, da aplicação do Código Penal para alguns crimes
cibernéticos, é necessária uma legislação específica que englobe com
eficiência todas essas condutas, até porque não temos um procedimento
processual específico, previsto no nosso Código Processo Penal relativo a
este tipo de crimes,
Mais do que uma legislação específica pertinente, é necessário a
adesão em tratados internacionais que disciplinam a matéria, uma vez que
os crimes cibernéticos ocorrem em todo planeta e pelo facto de não
respeitarem fronteiras - são crimes de carácter transfronteiriço.
BIBLIOGRAFIA
LEGISLAÇÃO
Código Penal, aprovado pela Lei nº 35/2014, de 31 de dezembro (Lei de Revisão do Código
Penal).
Lei nº 4/2016 de 3 de junho (Lei das Telecomunicações), que define as bases gerais do
sector das telecomunicações.
DOUTRINA
BELEZA (1998), Teresa Pizarro. Direito Penal. 1º Volume. 2ª ed. Revista e Actualizada.
AAFDL. Lisboa, p. 36-37.
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Fundamentais. Teoria Geral do Crime. 2ª Edição. Reimpressão. Coimbra Editora, Lisboa,
p. 11-14.
105
FERREIRA (2010). Manuel Cavaleiro de. Lições de Direito Penal. Parte Geral. Edições
Almedina, SA. Coimbra.
SOUSA, Sérgio. Tecnologias de Informação. O que são? Para que servem? 6ª ed. Actualizada.
Editora de Informática, p. 1-2.
COSTA, Marcelo António Sampaio Lemos. Computação Forense. p. 26, disponível em:
www.estantevirtual.com.br/b/marcelo-sampaio-lemos-costa/computação-
forense/593469987 Acessado em: 20 jul. 2017.
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15 jul. 2017.
106
ZACCARIAS (2209), Inellas Gabriel Cesar de. Crimes na Internet. 2ª edição, p. 25.
Disponível em: https://www.estantevirtual.com.br/gabrielcesar-zaccaria-de-
inellas/crimes-na internet/1750000007 Acessado em: 19 jul. 2017.
107
PRISÃO PREVENTIVA COMO MECANISMO DE
RESPOSTA À CRIMINALIDADE E SUA
AFRONTA AOS DIREITOS E LIBERDADE
CONSTITUCIONAL
INTRODUÇÃO
109
variam de 3 a 6 meses prorrogáveis desde que não excedam 7 meses. Porém,
estudos feitos indicam que em Moçambique arguidos podem estar nos
estabelecimentos prisionais em regime de prisão preventiva acima dos
prazos preconizados por lei. Tal facto conflitua em larga medida com os
valores da dignidade humana. Ademais, sujeita ao arguido a situações de
carácter social e de saúde pública inadmissíveis. Basta lembrar que a
superlotação dos estabelecimentos penitenciários e falta de rastreio regular
de doenças infecciosas representam um perigo para o arguido, sem descurar
da estigmatização social e dos efeitos que possam representar na relação
laboral, tendo em conta o período da ausência e preconceitos de ordem
profissional. Por isso, tendo em conta aos padrões internacionais dos
direitos humanos o uso de prisão preventiva quer em termos objectivos
quer termos de prática jurisdicional obedece ao critério de ultima ratio,
devendo o seu uso ser uma excepção e não regra.
Objectivo geral do presente artigo tem em vista analisar os contornos
legais e subjetivos da prisão preventiva tendo em conta o dever de Estadual
de tutela aos direitos de liberdades individuais. Objectivo específico, ilustrar
os preceitos constitucionais que norteiam a prisão preventiva, correlacionar
os pressupostos da legitimidade estadual que determinam a prisão
preventiva e o dever estadual de tutela aos direitos de liberdades
individuais, discutir a constitucionalidade dos actos normativos processuais
penais.
Os pressupostos da prisão preventiva constam ab initio do nº 1 do
artigo 64 da constituição da República de Moçambique, ao estabelecer que a
prisão preventiva só é permitida nos casos previstos na lei que fixa os
respectivos prazos. Ainda a luz do nº 2 do mesmo dispositivo o cidadão deve
ser apresentado nos prazos fixados na lei a autoridade judicial para
validação e a manutenção da prisão. Como se pode mensurar esta norma
constitucional outorga o poder legislativo ordinário a estabelecer prazos da
prisão preventiva e ao poder judicial, poderes exclusivos para decisão sobre
a validação e manutenção da prisão preventiva. Ademais é mister concluir
que o legislador constituinte se escusa de definir o prazo da prisão
preventiva, confiando por conseguinte ao poder ordinário a faculdade de o
fazer. Neste termos o legislador ordinário estabelece a luz do art. 308 do
código processo penal que os prazos da prisão preventiva sem culpa
formada vão até vinte dias tratando-se de crimes dolosos que caibam pena
correcional de prisão superior a um ano, quarenta dias a que caiba a pena de
prisão maior e noventa dias para crimes cuja instrução preparatória seja da
competência da serviço nacional de investigação criminal ou a ela deferida,
contados desde a captura até a notificação do arguido da acusação ou do
110
pedido da instrução contraditória pelo ministério público. Por outro lado,
apraz analisar a inovação que lei de revisão processual penal nº 25/2019 de
26 de dezembro faz nos seus artigos 233 nº 2 e ao preconizar que nenhuma
medida de coacção ou de garantia patrimonial possa ser aplicada quando
houver fundado motivo para crer na existência de causa de isenção de
responsabilidade ou de extinção de procedimento criminal. O outro aspecto
positivo que o código processo penal faz de positivo é reconhecimento do
princípio de adequação e proporcionalidade de forma expressa no artigo
234. Propomo-nos analisar necessariamente estes aspectos de âmbito
constitucional e legal que conflituam com os direitos humanos tais como a
honra e especificamente as liberdades individuais. A carta dos direitos
humanos, a carta africana dos direitos humanos e dos povos, e o pacto
internacional dos direitos civis e políticos preceituam o respeito ao dever de
decisão justa e célere e não submissão a penas desumanas. A constituição é
consentânea aos pressupostos das normas supra aludidas, porém, o regime
ordinário penal é que é desajustado aos desígnios da carta dos direitos
humanos e do direito constitucional moderno especificamente no que
concerne aos largos prazos da prisão preventiva. Face a esses fenómenos
colocamo-nos a seguinte questão de pesquisa: Em que medida a aplicação
da prisão preventiva coloca em causa o direito a liberdades individuais e aos
desígnios do poder constituinte?
1
UACHE, 2011, p. 70.
111
artigo 22 do decreto nº 35007 conjugado ao artigo 290 e 311, ambos do
código processo penal ora vigente na República de Moçambique.
Os períodos máximos definidos pelo código do processo penal para
efeitos de prisão preventiva variam em função do tipo de processo, assim,
para os crimes que seguem o processo de polícia correcional que são aqueles
cujos crimes são puníveis com a pena de prisão mais de um ano até dois
anos, a prisão preventiva não pode exceder 20,40 dias. Aos processos de
querela cuja moldura penal caibam a pena de prisão com mais de 2 anos, o
prazo de prisão preventiva vai até 90 dias podendo ser prorrogado até 7
meses2.
Compreende-se assim, que a medida de prisão antes de julgamento só
é legitimada em primeira instância quando se destina a pessoa física que por
razões circunstâncias do crime, seja indiciada de cometimento de um tipo
legal de crime. Assim, dado o receio devidamente comprovado de que o
arguido se furte da justiça ou perturbe o decurso processual ou ainda
continue a cometer crime, justifica-se que seja aplicada a prisão preventiva.
Na aplicação da medida de coação, o juiz deve ponderar a existência
dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos alicerçando a sua
decisão em três princípios fundamentais a saber: o princípio da presunção
de inocência, o princípio da legalidade, o princípio da adequação ou
proporcionalidade3.
De facto, reza o artigo 59 da Constituição da República de
Moçambique que “os arguidos gozam da presunção de inocência, até decisão
final definitiva’’. É sobre essa Máxima constitucional que o processo penal
deve orientar-se, e não no sentido inverso, que propugna pela presunção da
culpa. O código processo penal então vigente em larga medida enferma de
vícios de inconstitucionalidade, a prova disso, são as sucessivas declarações
de inconstitucionalidade proferidas pelo Concelho Constitucional
moçambicano.
Um exemplo infeliz é o corpus do artigo 169 do código processo penal
pelo facto de estabelecer que os autos de notícia fazem fé em juízo, quer na
instrução quer no julgamento até prova em contrário. Ora, aqui estamos
flagrantemente duma norma processual penal que preconiza o princípio da
presunção da culpa, contrariando obviamente o Princípio da presunção de
inocência.
Ainda a luz da al. b do nº 1 do artigo 7 da Carta Africana dos direitos
humanos e dos povos é reconhecido o direito de presunção de inocência, até
2
UACHE, 2011, p. 76-80.
3
Ibidem.
112
que sua culpabilidade seja estabelecida por um tribunal competente. Como
se pode ilidir, a norma constitucional assim como a norma do direito
internacional público postula o dever do respeito as liberdades
fundamentais do indivíduo.
O princípio da legalidade preconiza que a limitação dos direitos e
liberdades fundamentais só devem decorrer nos casos expressamente
previstos não lei, artigo Constituição da república de Moçambique. Ademais,
a restrição decorrente das necessidades decorrente do processo penal só é
legitimada quando decorre da lei, artigo da Constituição da república de
Moçambique. Neste, contexto encontra-se na luz da lei processual penal,
especificamente nos artigos 269, 270, 271 e 286, os ditames de aplicação das
medidas de coação.
Ora além dos pressupostos objectivos, aqueles que decorrem
explicitamente da lei, é importante ter em conta o elemento subjetivo de
caracter empírico que chama a necessidade de ponderação da aplicação das
medidas cautelares. O princípio da adequação significa que a medida a
aplicar ao arguido deve ser idónea, ponderada as circunstâncias subjetivas
e a sua finalidade4.
Em bom rigor a aplicação de medida de cautelar ou em particular a de
coação deve resultar da ponderação entre o meio e o fim que se pretende,
garantindo compatibilidade entre as razoes factuais e a necessidade
processual em homenagem a salvaguarda dos direitos fundamentais que
muitas vezes quando por agentes do Estado em exercício do poder
jurisdicional violados dificilmente o Estado responsabiliza-se.
4
UACHE, 2011, p. 70-80.
113
A medida da liberdade provisória passa a considera insuficiente,
quando haja receio comprovado de fuga, quando haja comprovado perigo de
perturbação da instrução do processo mantendo-se o arguido em liberdade,
quando em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade
do delinquente, haja receio fundado de perturbação da ordem pública ou da
continuação da actividade criminosa nº 3 do artigo 291 do CPP.
É mister concluir que aplicação da prisão preventiva passa
necessariamente pela ponderação desses aspectos legais mais também
circunstanciais. Para se determinar que haverá receio de fuga, perturbação
do processo, ou contínua prática do crime revelam todos aspectos materiais
em análise processual. Assim, na aplicação da providência não basta que se
invoque a norma processual em causa, convém fundamentar com razoes de
facto, desencorajando-se decisões fundadas em presunções5
5
UACHE, 2011, p. 70-80.
114
4. CONTEXTUALIZAÇÃO DA PRÁTICA MOÇAMBICANA
6
O princípio de julgamento em prazo razoável foi consagrado na carta africana dos direitos do homem e
dos povos no seu artigo 7.
7
NAHE et al, 2014.
115
pessoa humana. O preso antes do julgamento é um presumível inocente e
por isso não deve estar sujeito a factos desumanos. Infelizmente a prática
revela o contrário.
Relativamente ao tratamento dos deficientes, os estabelecimentos de
reclusão não estão dotados de estruturas decentes para acolher os
deficientes. Aponta-se por exemplo a falta de rampas e celas preparadas
para reclusos deficientes. Quanto a garantia de saúde, higiene saneamento
dados indicam estarem aquém de responder as demandas da população do
estabelecimento prisional, principalmente no que concerne ao número de
técnicos e médicos afectos para responder as necessidades destes.
Os estabelecimentos prisionais são superlotados e da leitura que se
faz tendo em conta os anos 2012 a 2014 a população prisional chega ao
dobro da capacidade normal e dentre os quais 35% encontra-se em regime
de prisão preventiva. Tendo em conta a situação jurídico-processual a
população em reclusão chega a fasquia dos trinta e cinco por cento contra
65% dos condenados, graças a intervenção de técnicos jurídicos e
defensores públicos afectos no instituto de patrocínio e assistência jurídico
os carenciados gozam de acompanhamento.
Um outro estudo feito em 2016 revela que a fasquia media de
ocupação foi de 206,3%,. A situação vária de estabelecimento prisionais
sendo apontados alguns mais críticos como o estabelecimento penitenciário
de Gaza na cidade de Xai-Xai onde se constatou 406 numa cela preparada
para receber 50 pessoas8.
Um dos males mais gritantes desta população tem a ver com o
orçamento canalisado para fazer face as despesas correntes. Dados indicam
que o Estado gasta pelo menos 5.500.000,00 SD para alimentação diária só
para população em regime de prisão preventiva. É garantida três refeições
por dia mas essencialmente pobre em proteína quer animal assim como
vegetal o que demonstra qualidade alimentar baixa. Em alguns
estabelecimentos prisionais por forma a garantir a segurança alimentar
desenvolvem actividades agropecuária de baixo custo, e obviamente face
aos constrangimentos climatéricos do país, a produção fica ameaçada9.
8
REFORMAR-RESEARCH for Mozambique, 2018, p. 22.
9
NAHE et al, 2014, p. 22.
116
cerca de 4.286 o equivalente a 78% estavam em dentro prazo, portanto a
fasquia de presos aguardando julgamento não deixa de ser preocupante10.
Dados estatísticos comprovam que os casos de prisão preventiva
seguida de absolvição por insuficiência de provas continuam altos, isto por
sua vez denuncia que de facto a medida prisão preventiva não é não deve ser
regra mas também revela falhas comprometedoras na administração dessa
medida. Um outro dado relevante por analisar, o qual muitas vezes é usado
para justificar a morosidade processual e por conseguinte a frequente
extrapolação dos prazos diz respeito a insuficiência dos magistrados
judiciais e do ministério publico para responder as demandas processuais.
Os padrões internacionais recomendam 20 magistrados por cada
100.000 habitantes no entanto Moçambique dispõe cerca de 300
magistrados para cerca de 30 milhos de habitantes. Associado ao défice dos
magistrados também se aponta insuficiente de meio de técnicos usados em
pesquisa forense, fraco nível de compliance entre órgão da administração da
justiça e as empresas de telefonia móvel com vista a produção de provas.
Enfim, o que sucede é que os órgãos da administração judiciária prendem
para investigar e não investigam, deixando os arguidos a critério da sorte
até que em sede do julgamento o arguido por si só prove a sua inocência.
Está mais do que claro que a medida de prisão preventiva traz mais
problemas que soluções. Pior, sucede quando a prisão preventiva é
prolongada, na medida em que tem impactos socioeconómicos. Estima-se
que um dos impactos sociais com a família do arguido e principalmente o do
sexo feminino tem implicações nefastas para os filhos11.
10
NAHE et al, 2014, p. 22.
11
REFORMAR-RESEARCH for Mozambique, 2018.
117
fundamentais, nº 1 do artigo 58 da Constituição da República de
Moçambique.
A nível do código processo penal consta dos artigos 312 e 315 duas
modalidades de habeas corpus e a doutrina classifica-se em habeas corpus
ordinária e habeas corpus extraordinária. O habeas corpus ordinário rege-
se pelo artigo 312 e consiste em se atribuir a faculdade detidos à ordem de
autoridade cuja competência não exceda a área do tribunal distrital,
poderem recorrer ao juiz presidente do tribunal onde se encontrem, que
ordene apresentação ao juiz sob o fundamento de estar excedido o prazo
para entrega ao poder judicial.
A providência extraordinária do habeas corpus, está patente no artigo
315 do código processo penal e este atribui a faculdade de os indivíduos
detidos ilegalmente e aos quais não seja aplicável os pressupostos do artigo
312 do Código processo penal por não ser da competência dos tribunais
judiciais distritais e provinciais, ou haver sido ordenada por autoridade
judicial não suscetível de recursos, poderem reagir contra essa detenção.
Este pedido deve ser dirigido ao juiz presidente do tribunal supremo e pode
ter como fundamento incumprimento dos prazos da prisão preventiva.
As medidas de reação a detenções ilegais são claras, todavia, a prática
revê-la falta de celeridade processual relativamente a decisão sobre os
pedidos de habeas corpus extraordinários tal como para os ordinários.
Recomenda-se por isso, a instituição da figura do juiz da paz, a quem caberia
estar de prontidão para tender as demandas processuais. O outro meio
processual mais simples e que se recomenda que se a primeira reação face a
prisão ilegal é necessariamente a faculdade de comunicar ao ministério
público, cabendo a este como garante da legalidade, reparar o direito violado.
7. METODOLOGIA
118
amostragem significativa e buscar uns focos elucidativos do problema. O
método de abordagem usado foi a hermenêutica. A presente pesquisa
essencialmente alicerça-se no decreto no 19271, de 24 de janeiro 1931, que
aprova Código Processo Penal e não na lei nº 25/2019 de 26 de dezembro,
por conta daquela ainda se encontrar em vigor no ordenamento jurídico
moçambicano.
8. CONCLUSÃO
119
constitucional da presunção da inocência postulado no nº 2 do artigo 59 da
Constituição da República de Moçambique. O artigo 169 orienta a actividade
processual para descalabro da presunção da culpa uma vez que determina
que os autos de notícias fazem fé juízo até a prova em contrário isto dito por
outras palavras, ou seja face aos autos os arguidos são considerados
culpados até que se prove o contrário. É obviamente por essa forma de
pensar que custa muito aos magistrados judiciais a administrar medidas de
liberdade provisoria mesmo em situações claras que orientam para efeito.
Por outro lado, o artigo 291 do código processo penal estabelece a
inadmissibilidade da aplicação da liberdade provisória, ora, face a isso o
acórdão do concelho constitucional nº 4/CC/2013 de 17 de setembro
considerou-o manifestamente inconstitucional.
Relativamente aos prazos, constatou-se que o aumento considerável
tendo em conta aos relatórios dos anos 2013/2014 realizado pelo centro
dos direitos humanos e o relatório de 2016 realizados pela research for
Mozambique. E este aspecto processual tem consequência nefasta para o
arguido e para a credibilidade da justiça. Com relação ao arguido dado aos
constrangimentos sociais posteriores a prisão preventiva e aponta-se a
estigmatização social, perca de emprego e difícil integração no mercado
laboral, etc. Outrossim, os relatórios revelam altos índice de absolvição de
indivíduos que passam longo prazo em prisão preventiva e chegado ao
julgamento constate-se que inocência ou insuficiência de provas. Isto revela
que as autoridades prendem para investigar contudo nada fazem. Neste
aspecto é evidente o descrédito.
Pode-se notar alguma melhoria com relação a patrocínio e assistência
jurídica aos carenciados que esteja em regime de prisão preventiva. Esta
melhoria deveu-se ao trabalho aturado dos técnicos e defensores públicos
do instituto de patrocínio e assistência jurídica. Todavia, há necessidade de
abranger alguns distritos por forma a concretizar o primado no artigo 62 da
Constituição da República de Moçambique.
No cômputo geral, é conclusivo que a prisão preventiva deve ser
aplicada em ultima ratio, nas situações comprovadas de real perigosidade
do suspeito, em crimes que caibam penas de prisão, e comprovada influência
processual do infractor nos trâmites processuais. Pelo contrário enveredar-
se-ia pela dignação da justiça que conflitua com o dever de celeridade
processual e justa decisão.
120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
121
GARANTIAS JURÍDICAS DOS SISTEMAS
CRIMINAIS DE MOÇAMBIQUE E DO BRASIL:
UMA REFLEXÃO EM BUSCA DAS CAUSAS DAS
PRISÕES ILEGAIS.
INTRODUÇÃO
*
Doutorando em Direito Público, pela Universidade Católica de Moçambique, Mestre em Direito e
Negócios Internacionais, pela Uneatlântico – Universidade Europeia de Atlântico – Espanha, Mestre em
Administração e Gestão de Empresas – MBA - pelo ISCTAC – Instituto Superior de Ciências e Tecnologia
Alberto Chipande, Jurista e docente universitário.
123
é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização
política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades
fundamentais do homem”. Conforme o art. 11 da CRM, o Estado
moçambicano tem como objectivos fundamentais: a defesa e a promoção
dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei. Brasil,
também é um Estado de Direito Democrático. Este princípio se encontra
consagrado ou plasmado no art. 1 da Constituição Federativa do Brasil
(CF/88), ao dispor que, “A República Federativa do Brasil é um Estado de
Direito Democrático e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a
cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; V – O pluralismo político”. De acordo com
Canotilho e Moreira (2007, p. 478), o direito a liberdade significa “direito a
liberdade física, a liberdade de movimento, ou seja, direito de não ser detido,
aprisionado ou de qualquer modo fisicamente confinado à um determinado
espaço, ou impedido de se movimentar”. Contudo, Bizatte (2005, p. 15),
defende que, embora o direito à liberdade seja uma garantia
constitucionalmente assegurada para todo o cidadão, excepcionalmente ela
pode ser restringida, no âmbito da aplicação do instituto da “Prisão
Preventiva”, ou no cumprimento da pena efectiva. Em Moçambique, tal
restrição está consagrada no art. 56, n 2 da CRM, no qual “o exercício dos
direitos e liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros
direitos ou interesses protegidos pela Constituição”. No entanto, só a lei
pode limitar os direitos, as liberdades e garantias nos casos expressamente
previstos na Constituição (art. 56, n° 3 da CRM). As restrições legais destes
direitos e liberdades devem revestir carácter geral e abstrato e não podem
ter efeito retroactivo (art. 56, n° 4 da CRM). No caso de Brasil, a restrição à
liberdade está prevista no art. 5 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 (CF/88), ao dispor no inciso XLVI que a lei regula a
individualização da pena e adopta, entre outras medidas, a privação ou
restrição da liberdade.
Neste aspecto, Lopes Júnior (2011, p. 59), entende que: “qualquer que
seja o fundamento da prisão, é imprescindível a existência de prova razoável
do alegado periculum libertais, ou seja, não bastam presunções ou ilações
para a decretação da prisão preventiva”. A CF/88, no inciso LVII, prevê que,
“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória”. A CRM, também estabelece o mesmo entendimento, ao
dispor no art. 59 que: “Na República de Moçambique, todos têm direito à
segurança, e ninguém pode ser preso e ser submetido a julgamento a
margem da lei, isto é, só pode ser preso e submetido a julgamento nos
termos legais (n° 1 do art. 59). Os arguidos gozam da presunção de inocência
124
até decisão judicial definitiva (n° 2 do ar. 59)”. Estes princípios devem ser
respeitados no âmbito da decretação de qualquer medida restritiva à
liberdade. Segundo o Relatório da Liga dos Direitos Humanos de (2011, p. 2)
e da Amnistia Internacional (2012, p. 16 e seguintes), em Moçambique nos
últimos anos tem se registado níveis altos de pessoas privadas à liberdade,
uns em prisão preventiva e outros cumprindo penas de prisão efectiva, de
que tem como consequência a superlotação das cadeias moçambicanas. A
Presidente da Liga dos Direitos Humanos, Alice Mabota, falando numa
entrevista concedida ao Canalmoz, no dia 04 de abril de 2013, em Maputo,
afirmou que a maior parte dos detidos nas cadeias moçambicanas são
indivíduos que cometeram infracções de menor gravidade, colocando em
causa o princípio da insignificância, cuja sanção dos mesmos não pode
chegar até a 1 (um) ano de prisão. Mas a maioria está em prisão preventiva
há mais de 2 (dois) anos aguardando pelo julgamento. Isso demonstra que
as pessoas, primeiro são detidas e, depois são investigadas e julgadas, ao
invés de proceder se o contrário.
Conforme Mabota, há dois exemplos que podem elucidar este
problema: na cidade de Maputo, um cidadão já ficou preso três anos por ter
roubado um saquinho de cebola. Um outro jovem na cidade da Matola,
concretamente no bairro suburbano da Machava, ficou detido durante cinco
anos por ter roubado três galinhas num aviário onde trabalhava. Estas
práticas, constituem clara violação dos direitos humanos (prisão arbitrária
ou ilegal). Em todos os Estados de direito e democráticos, “habeas corpus” é
remédio judicial que tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou
coação à liberdade de locomoção, decorrente de ilegalidade ou abuso de
poder.
125
Estabelecia aquele Decreto que, a partir de então, nenhuma pessoa livre no
Brasil poderia ser presa sem escrita do Juiz do território a não ser em caso
de flagrante delito, quando qualquer do povo poderia prender o
delinquente; e que nenhum Juiz poderia expedir ordem de prisão sem que
houvesse culpa formada, por inquirição de três testemunhas e sem que o
facto fosse declarado em lei como delito.
O decreto foi implícito na Constituição de 1824, a qual proibia as
prisões arbitrárias e mais tarde, foi regulamentado pelo Código de Processo
Criminal – CPP – de 24 de novembro de 1832, nos artigos 340 a 355 e
estabelecia que, qualquer Juiz poderia passar uma ordem de habeas corpus
de ofício, sempre que no curso do processo chegasse ao seu conhecimento
que alguém estivesse detido ou preso. Com o advento da República, o
Decreto de 11 de outubro de 1890 determinava que todo cidadão nacional
ou estrangeiro poderia solicitar ordem de habeas corpus, sempre que
ocorresse ou estivesse em vias de se consumar um constrangimento ilegal.
Era o aparecimento, entre nós, do habeas corpus preventivo. A Constituição
Federal de 1988 prevê em seu art. 5º, inciso LXVIII que conceder-se-á habeas
corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência
ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder. O sentido da palavra alguém no habeas corpus refere-se tão somente
a pessoa física. Ressalte-se que a Constituição Federal, expressamente, prevê
a liberdade de locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa nos termos da lei, nele entrar permanecer ou dele sair com
seus bens (CF, art. 5º, XV). O habeas corpus não poderá ser utilizado para a
correcção inidônea que não implique coacção a liberdade de ir, permanecer
e vir. Na defesa da liberdade de locomoção, cabe ao Poder Judiciário
considerar acto de constrangimento que não tenha sido apontado em
petição inicial. Da mesma forma, pode actuar no tocante à extensão da
ordem, deferindo-a aquém ou além do que pleiteado.
Em Moçambique, existe a figura de “Habeas Corpus”. Esta e uma
garantia constitucional, que vem consagrada no art. 66 da CRM, e nos arts.
que vão de 312 a 325 do CPP/Moçambicano (CPP/Mz), a qual e interposta
perante Tribunais Judiciais, numa situação ilegal de privação da liberdade. E
assim, há providencia inominada (anônima) de “Habeas Corpus” (art. 312
do CPP/Mz) e a providencia de “Habeas Corpus” propriamente dita ou
extraordinária (art. 315 do CPP/Mz). O requerimento para a providencia
inominada prevista no art. 312 do CPP/moçambicano, e dirigido ao Tribunal
Judicial da Província e tem lugar, quando alguém detido por qualquer
autoridade, requeira a sua imediata apresentação judicial, com algum dos
seguintes fundamentos: estar excedido o prazo para a entrega ao poder
126
judicial; manter se o detido fora dos locais legalmente permitidos; e ter sido
detido por autoridade incompetente ou por factos que a lei não permite.
A providência de “Habeas Corpus” , propriamente dita ou
extraordinária, prevista no art. 315 do CPP/Mz, surge quando se trata de
uma prisão efetiva atual, ferida de ilegalidades, pelos motivos como: não ser
da competência dos Tribunais Judiciais da Província, conhecer os motivos
da detenção; ter sido a detenção ordenada autoridade cuja competência
excede a área da província; ser a detenção efetuada ou mantida por ordem
de autoridade judicial insusceptível de recurso; a detenção ter sido efetuada
e ordenada por quem para tanto, não tenha competência legal; ser movida
por um facto em que a lei não autoriza a prisão; manter se o detido além dos
prazos legais para a apresentação em juízo ou para a formação da culpa; e se
a detenção prolongar se para além do tempo fixado judicialmente, param a
duração da pena, medida de segurança ou da sua prorrogação. Esta
providencia só tem lugar quando não haja lugar a providência inominada do
“Habeas Corpus”, e o seu requerimento é dirigido ao Tribunal Supremo.
127
salvo conduto ao paciente, concedendo-lhe livre-trânsito, de forma a
impedir sua prisão ou detenção pelo mesmo motivo que ensejou o habeas
corpus. Outrossim, temos o habeas corpus repressivo - quando alguém
estiver sofrendo violência ou coacção em sua liberdade de locomoção por
ilegalidade ou abuso de poder. Pretende fazer cessar o desrespeito à
liberdade de locomoção. Portanto, em ambas espécies haverá possibilidade
de concessão de medida de liminar, para se evitar possível constrangimento
à liberdade de locomoção irreparável. Segundo Mirabete (1996), “embora
desconhecida na legislação referente ao habeas corpus, foi introduzida
nesse remédio jurídico, pela Jurisprudência, a figura da ‘liminar’, que visa
atender casos em que a cassação da coacção ilegal exige pronta intervenção
do judiciário”. Concluindo que, “como medida cautelar excepcional, a liminar
em habeas corpus, exige requisitos: o periculum in mora ou perigo na
demora, quando há probabilidade de dano irreparável e o fumus boni iuris
ou fumaça do bom direito, quando os elementos da impetração, indiquem a
existência de ilegalidade”.
128
CRM e o Tribunal Administrativo – art. 228 da CRM), a Procuradoria Geral
da República (PGR) ou Ministério Público – M.P – art. 234 da CRM, o
Ministério do Interior (MINT), o Conselho Constitucional – C.C (art. 241 da
CRM), os Tribunais Comunitários e a Ordem dos Advogados de Moçambique
(OAM). E quanto a investigação criminal, Vidal (2004, p. 47 e seguintes), a
investigação criminal é uma actividade essencialmente técnica atribuída ou
servida por meios técnicos e científicos diversificados. O mesmo autor,
acrescenta ainda que, para alguns, os mais dotados e talentosos, poderá
constituir uma arte feita de instinto, conhecimentos científicos e
experiência.
De acordo com Abreu (2006, p. 151 – 152), a investigação criminal
compreende ao conjunto de diligências, legalmente admissíveis que visam:
averiguar a existência de um crime, determinar quem foram os autores do
mesmo, qual o grau de responsabilidade de cada um e descobrir as provas
no âmbito do processo. No entanto, a investigação criminal é uma espécie de
garantia constitucional dos direitos fundamentais dos indivíduos com vista
a evitar prisões ilegais ou arbitrárias. Nestes termos, em Moçambique, a
investigação criminal dá lugar ao processo-crime, que inicia com o
procedimento criminal pelo M.P. Ao abrigo dos arts. 5 e 165, ambos do CPP
de Moçambique e o art. 6 do DL n° 35007, a acção penal é pública,
competindo o M.P o seu exercício, salvo as seguintes restrições: as
autoridades administrativas, quanto a transgressões de postura,
regulamentos e editais; a PRM e a Polícia Municipal quanto as infracções que
devem ser julgadas em processo sumário e a todas as contravenções; os
organismos do Estado com competência para a fiscalização de certas
actividades ou de execução de regulamentos especiais, quanto as
contravenções verificadas no exercício destas actividades ou contra estes
regulamentos. O exercício da acção penal depende da denúncia ao M.P, nos
casos em que a lei exige queixa, denúncia ou participação do ofendido ou de
outras pessoas; de acusação particular quando a lei exige a forma de
processo querela, acusação ou requerimento do ofendido ou de outras
pessoas. O M.P só pode acusar pelos factos de que tenha havido acusação
particular quando desta dependa o exercício da acção penal. Nestes casos, a
intervenção do M.P cessa com perdão ou desistência do assistente acusador
particular (art. 3 do DL n° 35007).
Para praticar o acto, ou seja, para o M.P dar o impulso processual
necessita de ter informação de que foi ou está para ser cometido um crime.
Contudo, basta a ocorrência do crime e o conhecimento pelo M.P para que
haja início da investigação criminal ou dar início á um processo–crime. A
notícia do criem pode chegar ao M.P, nos termos dos arts. seguintes: 160,
129
164, 163, 166, 167 todos do CPP/Mz, conjugado com o art. 9 do DL nº 35.007.
A denúncia feita às entidades diversas do M.P é transmitida a este art. 163
CPP/Mz e art. 8 do DL n° 35.007. Assim que os órgãos da PIC, actualmente
SERNIC – Serviço Nacional de Investigação Criminal forem detentores da
notícia do crime transmitem – na, ao M.P no prazo máximo de cinco dias, nos
termos do art. 167 CPP/Mz. A denúncia ao M.P é obrigatória para as
autoridades policiais, em relação a todas as infracções de que tenham tido
conhecimento e para os funcionários públicos em relação as infracções de
que tomem conhecimento no exercício ou por causa do exercício das suas
funções.
A notícia do crime sempre dá lugar a abertura do processo-crime e
consequentemente à investigação criminal, salvo quando os autos de notícia
levantados façam fé em juízo (art. 19 do DL nº 35.007). A investigação é
dirigida pelo M.P e coadjuvado pelos agentes do SERNIC, os quais actuam
sob orientação directa e na dependência funcional daquele órgão. Cabe ao
M.P, o domínio exclusivo da acção penal, pois o direito de punir, é um direito
exclusivo do Estado e, por isso, os particulares podem, nos que a lei
determina colaborar no exercício da acção penal pelo M.P, mas não o exercer
como direito privado (Corpo do DL n° 35 007). O processo penal
moçambicano divide se em duas fases de actividades de natureza distintas:
a fase de acusação, também chamada de fase da instrução (art. 10 do DL
35 007) e a fase de julgamento. A fase da instrução compreende a instrução
preparatória e instrução contraditória, em que a instrução preparatória
abrange todo o conjunto de provas que formam o corpo de delito e, tem por
fim reunir elementos de indiciamento necessários para fundamentar a
acusação (art. 10 do DL nº 35.007). A direcção da instrução preparatória
cabe ao M.P, a quem será prestado pelas autoridades e agentes da
autoridade todo o auxílio que para este fim necessitar (art. 14 do DL nº
35.007). A instrução contraditória constitui uma garantia constitucional e é
uma das fases do processo penal, na qual a decisão de acusar e não acusar é
feita na presença do Juíz (art. 37 do DL n º 35.007), devido a complexidade
da causa, exija uma investigação mais completa ou esclarecimento mais
amplo. A instrução contraditória é obrigatória nos processos de querela, e
facultativa (art. 327 CPP/Mz) nas restantes formas de processo em que é
admitida (processo de polícia correcional e processo sumário).
Portanto, em todas as formas de processo, com excepção dos
processos sumário e de transgressão, à requerimento do arguido, para a
realização de diligências por ele requeridas e destinadas a elidir ou
enfraquecer aquela prova e preparar ou corroborar a defesa, e a pedido do
assistente da decisão do M.P de abster se da acusação ou arquivamento, o
130
que é realizado através do despacho de pronúncia do Juíz de instrução. A
instrução contraditória é sempre presidida pelo Juíz (art. 330 CPP/Mz). As
diligências de instrução contraditória, havendo arguidos presos, são
realizadas dentro de três meses, se a infracção couber pena a que
corresponda processo de querela; e um mês se for pena a que corresponder
processo de polícia correcional.
131
internacionais. Neste artigo, dentre os direitos, liberdades e garantias
consagrados na CRM, foi dedicada a atenção especial ao direito à liberdade
e a segurança consagrados no art. 59 nºs 1 e 2, onde se lê: “Na República de
Moçambique, todo tem direito a segurança, e ninguém pode ser preso e
submetido a julgamento se não nos termos da lei. Os arguidos gozam da
presunção de inocência até decisão judicial definitiva”. Assim a CRM, remete
para as leis ordinárias a determinação dos casos em que pode ocorrer a
prisão, seus prazos e as condições em que a mesma terá lugar. No entanto,
sendo a liberdade a regra e a privação da liberdade a exceção. Observa se a
seguir, o regime em que pode ter lugar a privação da liberdade do cidadão
em Moçambique.
132
pode distinguir se, em prisão para a execução da sentença ou cumprimento
da pena e prisão preventiva. A prisão antes de julgamento chama se prisão
preventiva e é esta que interessa para efeitos deste artigo, para se
compreender até que ponto se respeita os direitos fundamentais dos
indivíduos. A prisão preventiva de um presumível infrator tem um fim de
natureza processual (parágrafo 3º do art. 291 do CPP/Mz), que é a garantia
de uma eficiente elaboração do processo e da execução da decisão final, a
saber: assegurar a prova (instrução do processo), prevenir a continuidade e
extensão da atividade criminal e garantir a exequibilidade da sentença. De
acordo com o preambulo do DL n° 185/72, de 31 de maio, “a prisão
preventiva é uma medida cautelar que se destina a assegurar o
cumprimento das obrigações a que o arguido, como tal, se encontra sujeito.
A CRM consagra princípios filosóficos e normativos que informam
expressamente que, o objetivo do Estado moçambicano, é a defesa e
proteção dos direitos e liberdades das pessoas. A CRM, CPP/Mz e as demais
legislações, proporcionam aos indivíduos os meios jurídicos necessários
para a proteção dos seus direitos. Vide artigos, 59, 60, 64 e 66, todos da CRM
e 312 e seguintes do CPP/Mz. De salientar que o art. 66 da CRM e 312 e
seguintes do CPP, retratam do Habeas Corpus. A matéria sobre prisão
preventiva esta consagrada também no capítulo III, entre os arts. 286 e 291
do CPP/Mz, e só pode ser autorizada nos termos de prisão em flagrante
delito e prisão fora de flagrante delito, nos termos arts. 287, 288 e 290, todos
do CPP/Mz.
133
máximo permitido antes que a pessoa capturada seja entregue a um Juiz ou
entidade similar é limitado a 48 horas e este período é chamado de custodia
policial. E o período subsequente é chamado de prisão preventiva. Nesta
fase, a pessoa goza de presunção de inocência, até a sentença final. Ela aplica
se a todas as pessoas detidas e as que se encontram a aguardar os tramites
em liberdade, e deve também refletir se no tratamento delas. A pessoa
privada da sua liberdade, deve também ter oportunidade de ser ouvida por
uma autoridade judicial ou uma outra autoridade; receber comunicação
pronta e completa de qualquer ordem de detenção, juntamente com as
razoes para tal. Deve ainda permitir se que a pessoa detida, comunicar com
os seus representantes litigiosos e, ter tempo e condições para consulta em
sigilo absoluto, sem censura e sem demora. Tais comunicações serão
inadmissíveis como prova contra a pessoa detida, a menos que estejam
conectadas com um crime em andamento ou em planeamento.
Após a captura e a constituição do capturado em arguido, ele passa a
gozar dos seguintes direitos: o direito de presença nos actos processuais que
lhe digam respeito; ser ouvido previamente pelo Juiz de Instrução Criminal,
da causa ou do lugar da prisão, no caso de arguido preso – alínea a) do n° 2
do art. 1º e art. 2º da Lei n° 2/93, de 24 de junho. Também tem o direito de
escolher defensor ou pedir ao Tribunal que lhe nomeie, ou de constituir
advogado em qualquer fase do processo, a ser assistido por ele em todos os
actos e a comunicar mesmo em privado (art. 62 n° 2, da CRM). Porém,
enquanto o arguido pode constituir defensor em qualquer fase do processo,
o Juiz é obrigado a nomeá-lo nos casos em que a lei determina a
obrigatoriedade de assistência do defensor (art. 49 do DL n° 35 007). O
arguido ainda tem o direito de intervir na instrução oferecendo provas e
requerendo diligencias (instrução contraditória, parágrafo 1º, art. 352
CPP/Mz); o direito de ser informado dos direitos que lhe assistem (Exemplo:
n° 3, art. 253 e 255, ambos do CPP/Mz); o direito de não responder as
perguntas feitas relativamente a factos que lhe são imputados (art. 255 do
CPP/Mz); e o direito de recorrer das decisões que lhe forem desfavoráveis
(art. 647 n° 2, do CPP/Mz). Assim, para a efetivação destes direitos que ao
arguido está vinculado, a luz do processo penal moçambicano, adiciona se o
direito de um defensor ou advogado. A função do defensor ou advogado, é
conjuntamente com o Tribunal ou M.P, trazer provar que possam afastar a
imputabilidade, ou minorar a pena a aplicar se ao arguido, como também
dar realce a estas situações. O defensor, seja ou não advogado, é um órgão
autônomo da administração da justiça moçambicana, cabendo lhe colaborar
com o Tribunal e o M.P para a descoberta da verdade material e a realização
de direitos.
134
Para além dos mecanismos e garantias arroladas neste trabalho, em
Moçambique, existe a figura de “Habeas Corpus”. Esta e uma garantia
constitucional, que vem consagrada no art. 66 da CRM, e nos arts. que vão de
312 a 325 do CPP/Mz, a qual e interposta perante Tribunais Judiciais, numa
situação ilegal de privação da liberdade. E assim, há providencia inominada
(anônima) de “Habeas Corpus” (art. 312 do CPP/ Mz) e a providencia de
“Habeas Corpus” propriamente dita ou extraordinária (art. 315 do CPP/Mz).
O requerimento para a providencia inominada prevista no art. 312 do
CPP/Mz, e dirigido ao Tribunal Judicial da Província e tem lugar, quando
alguém detido por qualquer autoridade, requeira a sua imediata
apresentação judicial, com algum dos seguintes fundamentos: estar
excedido o prazo para a entrega ao poder judicial; manter se o detido fora
dos locais legalmente permitidos; e ter sido detido por autoridade
incompetente ou por factos que a lei não permite. A providencia de “Habeas
Corpus” , propriamente dita ou extraordinária, prevista no art. 315 do
CPP/Mz, surge quando se trata de uma prisão efetiva atual, ferida de
ilegalidades, pelos motivos como: não ser da competência dos Tribunais
Judiciais da Província, conhecer os motivos da detenção; ter sido a detenção
ordenada autoridade cuja competência excede a área da província; ser a
detenção efetuada ou mantida por ordem de autoridade judicial
insusceptível de recurso; a detenção ter sido efetuada e ordenada por quem
para tanto, não tenha competência legal; ser movida por um facto em que a
lei não autoriza a prisão; manter se o detido além dos prazos legais para a
apresentação em juízo ou para a formação da culpa; e se a detenção
prolongar se para além do tempo fixado judicialmente, param a duração da
pena, medida de segurança ou da sua prorrogação. Esta providencia só tem
lugar quando não haja lugar a providencia inominada do “Habeas Corpus”, e
o seu requerimento e dirigido ao Tribunal Supremo.
Estas providências permitem que, os trâmites processuais e o
mecanismo normal de funcionamento da administração da justiça sejam
salvaguardados suficientemente, para evitar a contingência de prisões
ilegais. Sendo que, a providencia do “Habeas Corpus” é interposta perante
Tribunal, cabendo a si mesmo, a tomada de decisão final, se a polícia for
avisada sobre o pedido destas providencias, terá de esperar pela decisão do
Tribunal. Nestes termos, o “Habeas Corpus”, aparece neste âmbito como
uma figura jurídica muito importante para a diminuição e combate as
prisões arbitrarias em Moçambique, partindo do pressuposto de que bem
conhecido e executado, apenas poucas pessoas estariam privadas das suas
liberdades individuais, tendo em conta os crimes praticados.
135
6. A PRISÃO PREVENTIVA NO BRASIL
136
enganoso, correndo o risco de liberar um criminoso procurado pela prática
de diversos crimes”. Perante esta situação aparece a necessidade de sempre
que não for possível a identificação civil de uma pessoa ou ela não fornecer
elementos suficientes para o seu esclarecimento, o M.P ou autoridade
policial requerer ao Juiz a decretação da prisão preventiva para assegurar a
aplicação da lei penal ou conveniência da instrução criminal, nos termos dos
arts. 311, 312, 313 e 315, todos do CPP/Br.
Nos termos do art. 313 do mesmo código, apenas é admissível a prisão
preventiva, nos crimes dolosos punidos com a pena privativa de liberdade
máxima superior a quatro (4) anos; se tiver sido condenado por outro crime
doloso, em sentença transitada em julgado; se o crime envolver violência
doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo
ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas
de urgência. Contudo, a prisão preventiva não cabe para transgressões ou
contravenções e para os crimes culposos (art. 313 do CPP/Br). Também é
inadmissível a prisão preventiva nos crimes com pena igual ou inferior a
quatro (4) anos, exceto nos crimes de ameaça. Igualmente, não se permite a
prisão preventiva nas situações em, que o sujeito, tenha praticado a infração
penal ao abrigo da legitima defesa ou do estado de necessidade.
137
polícia do Brasil mostra se ter maior autonomia e independência em termos
de prevenção e investigação de crimes, admitindo a hipótese de possível
existência de certa incompatibilidade funcional entre as duas principais
funções (Administrativa e Judiciaria) estarem concentradas numa única
instituição policial. Se nota ainda que, no Brasil há uma clara separação de
funções policiais (Preventiva e Investigativa), sem hipótese nenhuma de
interferência na investigação, e nem de incompatibilidades de funções.
Todavia, o sistema brasileiro apresenta algumas particularidades, como por
exemplo, a existência duma carreira diversificada na mesma instituição e na
existência de duas policias (Federal e Civil) com quase mesmas atribuições
– Investigação de Crimes. Portanto, o sistema de carreira única na Polícia
Federal e muito prejudicial porque não permite a evolução dos agentes com
cargos inferiores.
Assim sendo, a partir duma análise crítica, defende se que no Brasil
deveria se unificar as carreiras no seio das instituições de segurança pública,
com vista a proporcionar mesmas oportunidades para os agentes internos,
garantindo deste modo uma motivação dos funcionários. Neste ponto de
vista, Chiavenato (1999, p. 54), explica que, uma instituição que valoriza o
recrutamento interno, para preencher uma vaga, aproveita o potencial
humano existente na própria instituição ou organização. A razão deste
aproveitamento prende se, amiúde, com promoções, programas de
desenvolvimento pessoal, planos de carreiras e transferência. Mas o atual
modelo de carreiras adoptado na Polícia Civil e Federal não permite a
evolução aos agentes internos, ao contrário, valoriza o pessoal externo –
recrutamento externo para os cargos de chefia, isto torna se desgastante e
cria um ambiente de descontentamento no seio dos funcionários de
segurança pública. Em Moçambique, a polícia segue uma carreira única, em
que os trabalhos ostensivos, preventivos e investigativos são desenvolvidos
conforme a experiência, perfil, competência e força de vontade de cada
agente de polícia, que consoante as características arroladas, são afetos,
promovidos e transferidos para cada área especifica, que pode ser uma
Direção, um ramo ou Departamento da PRM. Este modelo permite o
desenvolvimento do pessoal interno, pois para além de qualquer agente da
polícia poder alcançar as chefias que nela existe, dependendo de bom
desempenho e boas condições de promoção do policial, como também pelo
aumento do salário de que o policial vai adquirindo com a mudança de
carreira. O que não se verifica na Polícia Civil e Federal brasileiras. Quanto a
estrutura da Polícia da República de Moçambique (PRM), ela deveria ser
ramificada em duas policias. Polícia Administrativa (Preventiva e
Admirativa) e Polícia Judiciaria, tal como está organizada no Brasil, a fim de
138
garantir a melhor prossecução do interesse público (a segurança pública) e
das garantias da opinião pública, consolidando assim um Estado de
Democrático. O modelo atual moçambicano mostra se ineficiente, há vezes
que próprios agentes da investigação criminal tem sido pôr a farda e alinhar
com agentes da polícia ostensiva, principalmente nas quadras festivas e nos
eventos de grande consideração, abandonando desta forma a função
investigativa por um certo período, o que condiciona certa morosidade de
elucidação dos processos-crimes e consequentes prisões preventivas fora
do prazo. Este facto leva-nos a crer que o modelo brasileiro é melhor que o
de Moçambique, principalmente neste aspecto de separação da polícia
ostensiva da investigativa.
139
– Grau académico de pelo menos 12ª Classe para ingressar na
corporação da PRM;
– Dilatar a duração de cursos dos atuais seis (6) meses para um
mínimo de dez (10) meses, podendo alargar se até um (1) ano;
– Revisão dos currículos de formação, de forma a introduzir no
programa de formação, matérias relacionadas com direitos
humanos, Direito, Sociologia, Sistema Jurídico, Assembleia da
República, Procuradoria da República, Presidente da República,
Poder executivo e respectivas competências de cada um destes
órgãos de poder.
140
7.4. Factores que influenciam a ocorrência das prisões ilegais
(arbitrárias)
141
da notificação ao arguido da acusação que sobre si impende ou
do pedido da instrução contraditória.
8. CONCLUSÃO
142
ordenamentos jurídicos; contudo, os procedimentos são semelhantes no
que se refere a investigação criminal. Compreende se que as instituições
responsáveis pela investigação criminal têm estruturas aparentemente
equivalentes, o que muda são apenas os nomes. Exemplo, Moçambique
existe SERNIC – Serviço Nacional de Investigação Criminal, enquanto no
Brasil tem se a Polícia Civil.
As dessemelhanças negativas e positivas são evidentemente maiores
nos dois sistemas criminais. Neste contexto, pode se dizer que nos dois
sistemas criminais moçambicano e brasileiro tem uma estrutura obsoleta, e
carecem de algumas reformas ao nível institucional e penal. Estas reformas
devem ser feitas no regime jurídico da prisão processual, na liberdade
provisória, na defensória pública, no modelo de carreira dos agentes e ainda
nas medidas cautelares diversas à prisão, com vista a salvaguardar os
direitos fundamentais das pessoas. Relativamente aos fatores que
concorrem para as prisões ilegais, no âmbito da investigação dos crimes e
na aplicação das medidas cautelares, verificou se que várias são as
incongruências existentes no sistema criminal moçambicano e brasileiro.
Por exemplo, o SERNIC, carece de uma reforma profunda, partindo da sua
estrutura funcional, passando pela reformulação dos programas de
formação dos agentes até a sua organização. O modelo de carreira policial
no Brasil não é dos melhores, o que provoca a falta de motivação por parte
da corporação, mas concretamente da área de investigação e consequente
baixo nível de elucidação dos processos-crimes instaurados, factos que
propiciam a existência de muitas prisões provisórias fora do prazo.
Outrossim, em Moçambique, o que ainda contribui para a existência de
muitas prisões ilegais e pelo desconhecimento da lei penal em matéria das
prisões provisórias ou ainda, desconhecimento em matéria dos prazos das
prisões preventivas e a sua aplicabilidade, associado ao desconhecimento da
função do instituto de habeas corpus.
Portanto, para que não haja prisões ilegais em Moçambique e no
Brasil, primeiro deve haver uma reforma profunda nos dois sistemas,
começando pelo Moçambique. Neste pais, precisa se duma reforma no
tocante ao nível académico dos agentes da polícia, campanha de
sensibilização em matéria penal de forma contínua para os agentes da lei e
ordem, dilatar a duração de cursos dos actuais seis (6) meses para um
mínimo de dez (10) meses, podendo alargar se até um (1) ano e revisão dos
currículos de formação, de forma a introduzir no programa de formação,
matérias relacionadas com prazos das prisões preventivas, direitos
humanos, Direito, Sociologia, Sistema Jurídico, Assembleia da República,
Procuradoria da República, Presidente da República, Poder executivo e
respectivas competências de cada um destes órgãos de poder; e quanto ao
Brasil, necessita se duma reforma profunda sobre a política de carreiras dos
agentes da polícia e deve também o respeito pela lei penal e constitucional,
143
no que diz respeito aos prazos de prisões provisórias, visto que o
incumprimento do procedimento penal fere com aquilo que são os direitos
fundamentais dos cidadãos (direito à liberdade).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
144
FALTA DE NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE EM
PROCESSO PENAL
INTRODUÇÃO
*
Hugo do Rosário Conceição Albino Mapilele, Juiz de Direito “A” do Tribunal Administrativo Provincial
de Niassa, Mestre em Direito Administrativo pela UCM – FAGREEF, Docente Universitário desde o ano
de 2013, nas disciplinas de Introdução ao Estudo do Direito, Direito Administrativo I e II e Contencioso
Administrativo. E-mail: hugomapilele@gmail.com. Contacto: +258 87 82 32 889.
145
Hoje em dia, vivemos na era da globalização em que a interacção entre
países de diversas partes do globo se intensificou, devendo-se,
especialmente este fenómeno as relações comerciais que buscam novos
mercados para colocação e venda de produtos pelos países fabricantes de
bens enquanto os países adquirentes possuem matéria-prima de interesse
para aqueles países. É digno de nota frisar que o ideal dessas relações
travadas na seara económica, era que ocorressem nas mais perfeitas
condições, mas a vida em sociedade não se resume ao comércio, há vários
aspectos da conduta homem inserido no meio social que lesam bens
jurídicos fundamentais, os quais requerem intervenção do Direito Penal e
Processo Penal. Em tais casos, o estrangeiro que é imputado a
responsabilidade pelo cometimento de um ilícito criminal e não tenha
conhecimentos bastantes para se pronunciar devidamente em torno das
acusações que sobre si impendem, prevê a norma contida na alínea “c” do
n.º 2 do artigo 136 do Código de Processo Penal, aprovado pela Lei n.º
25/2019, de 25 de dezembro, que a decisão judicial final recaída sobre o
processo penal é válida, porém, é notório o prejuízo resultante da falta de
intérprete para exercício cabal da defesa.
2. OBJECTIVO
146
3. METODOLOGIA
1
OLIVEIRA, Maxwell Ferreira de, Metodologia científica: um manual para a realização de pesquisas em
Administração / Maxwell Ferreira de Oliveira. Catalão: UFG, 2011, p. 8.
2
NADER, Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, www.processtext.com/abclit.html, p. 129.
147
Feitas as considerações pertinentes, cumpre notar que a nossa pesquisa
consubstancia uma abordagem qualitativa da temática em análise, na exacta
medida em que procura compreender de forma profunda as razões
subjacentes ao regime de nulidade dependente da arguição quando à luz da
legislação nacional e da doutrina maioritária é consentâneo o entendimento
de que não carece o acto nulo de arguição, é conhecida a nulidade
oficiosamente pelo Tribunal em qualquer fase do processo, por conseguinte,
o que se pretende demonstrar com a indagação jurídico-legal das demais
normas existentes em nosso ordenamento e da pesquisa doutrinária, é a
nossa tese de que o regime de nulidade tem um regime jurídico próprio que
o legislador processual penal dele não pode afastar-se sob pena de
desvirtuar os mandamentos nucleares do sistema vigente.
4. REFERENCIAL TEÓRICO
3
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Direitos Fundamentais, Tomo IV. Coimbra:
Coimbra Editora, 2012, p. 9-10.
148
Conforme o magistério de António Enrique Pérez Luno apud
Lourivaldo da Conceição4, os direitos fundamentais são definidos como:
4
CONCEIÇÃO, Lourivaldo da, Curso de Direitos Fundamentais, Eduepb, Campina Grande – PB, 2016,
p. 27-28.
149
dos Serviços de Administração Pública, aprovadas pelo Decreto n.º 30/2001,
de 15 de Outubro, e o acto torna-se ineficaz quando não é dado ciência ao
destinatário, nos termos do n.º 2 do artigo 127 da Lei n.º 14/2011, de 10 de
Agosto. Analisemos agora o acto nulo.
Segundo o escólio de Aurora Tomazini de Carvalho5:
“São considerados actos nulos aqueles que, por não terem sido
produzidos de acordo com preceitos legais, possuem vício insanável.
Os vícios que geram a nulidade são: a) agente absolutamente incapaz;
b) objecto ilícito; c) desrespeito a forma prescrita em lei; d) quando a
lei taxativamente o proíbe. Os actos nulos não produzem qualquer
efeito porque quando nulo algo, impossível de se produzir efeitos, ao
contrário do acto anulável que produz efeitos até ser anulado (…) a
nulidade pode ser arguida não só pelo interessado, como também pelo
Ministério Público, ou decretada pelo juiz de ofício. Os actos nulos são
imprescritíveis.”
5
CARVALHO, Aurora Tomazini de, Teoria Geral do Direito, o Construtivismo Lógico-Semântico,
PUC/SP, 2009, p. 516.
6
FIÚZA, César, Direito Civil, Curso Completo, 2ª Edição, Revista, Actualizada e Ampliada, Belo
Horizonte - 1999, p. 70.
150
reproduzir esta bela passagem da lavra de Beatriz de Freitas de Sousa
Campos7:
7
CAMPS, Beatriz de Freitas de Sousa, Relatório de estágio em tradução: reflexão sobre tradução jurídica
e questões práticas de tradução, elaborado para obtenção do grau de Mestre em Tradução, Universidade
de Lisboa, Faculdade de Letras, 2019, p. 20-22.
8
DURÃO, Maria do Rosário Frade, Tradução Científica e Técnica: Proposta para Formação de Tradutores
Pluricompetentes Especializados na Produção de Documentação Científica e Técnica do Inglês para
Português, Tese de Doutoramento em Estudos Portugueses, Volume I, Universidade Aberta, 2007, p. 57-
58.
151
vê, que a tradução jurídica fidedigna exerce um papel de capital importância
para quem não domine a língua oficial e esteja envolvido em processo penal.
152
Desde logo, importa ter-se presente o plasmado no artigo 286 do
Código Civil, que é o mandamento básico nesta matéria. Por este preceito,
ressalta claramente a vista que nos casos em que determinado acto jurídico
se encontra eivado em sua estrutura de defeito determinante de nulidade,
não é necessário que os intervenientes no processo judicial invoquem a
nulidade do acto, cabe ao Tribunal no exercício da função que lhe é cometida,
decretar a nulidade ex officio, quer isto dizer que nas circunstâncias em que
seja possível descortinar a nulidade por virtude de se demonstrar evidente
perante os elementos carreados aos autos, é tarefa do órgão jurisdicional
decretar esta forma de invalidade. Para além do preceito citado, é possível
verificar que existe na legislação pátria uma marcada tendência do
legislador em assim consagrar o regime jurídico da nulidade, isto mesmo é
abundantemente confirmado por vários preceitos, quais sejam, o artigo 130
da Lei n.º 14/2011, de 10 de agosto, o artigo 135 Código de Processo Penal,
aprovado pela Lei n.º 25/2019, de 25 de dezembro, o n.º 4 do artigo 125 da
Lei n.º 2/2006, de 22 de março, o n.º 3 do artigo 134 do Estatuto Geral dos
Funcionários e Agentes do Estado, aprovado pela Lei n.º 10/2017, de 1º de
agosto.
Analisando o regime jurídico da nulidade em sua globalidade, fácil é
depreender que das mais das vezes, quando o legislador emprega a palavra
nulidade, tal facto significa que se trata de vício patente no acto que não
carece de arguição, é em bom rigor, de conhecimento oficioso do Tribunal.
Em vista dessa compreensão, e levando em conta que as palavras empregues
na lei se encontram em acepção técnico-jurídica, inclinamo-nos em crer que
o regime jurídico previsto para a nulidade decorrente da falta de intérprete
em processo-penal não carece de invocação de qualquer das partes
intervenientes no processo em concreto, cabe ao juiz no seu prudente
critério proceder a aferição da nulidade.
Quando se estabelece que constitui nulidade cuja arguição se acha na
disponibilidade da parte, tal consagração não se compadece com os valores
encarecidos pela lei ao determinar que em certos casos, deve prever-se a
nulidade como desvalor jurídico para certos actos. Na verdade, torna-se
imperioso esclarecer que nas circunstâncias em lei estabelecidas para se
decretar a nulidade como traço marcante pela invalidade do acto, o que se
pretende é salvaguardar o interesse público por detrás da prática do acto,
por isso não é ousado afirmar que no caso em tela, houve lapso quando se
afirma “nulidade dependente de arguição”. Olhando mais de perto, as
distinções dos vícios do acto jurídico, é manifesto que os defeitos patentes
nos actos anuláveis é que carecem de arguição para que seja decretada a sua
anulação, dentro de um determinado lapso de tempo, findo o qual sem que
153
seja suscitada a anulação do acto, o mesmo torna-se plenamente válido à luz
do direito positivo nacional, por causa disso, quando esteja em causa vício
conducente a nulidade, não se aplica o mesmo raciocínio, para este
entendimento, encontramos arrimo, no artigo 287 do Código Civil, no n.º 1
do artigo 85 da Lei n.º 16/2012, de 14 de Agosto, no n.º 2 do artigo 164 da
Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto, e no n.º 2 do artigo 37 da Lei n.º 7/2014,
de 28 de fevereiro.
Sublinhe-se ainda que as palavras usadas em lei em virtude da sua
significação jurídica e corrente possuem várias acepções, porém, quando a
palavra tenha um sentido jurídico específico largamente arraigado na
consciência jurídica resultante de aprofundado estudo e tenha respaldo
legal, dúvidas não se nos colocam que outro entendimento não se pode
extrair, para além daquele sentido comum e unívoco decorrente dos textos
normativos. Dessa forma, podemos afirmar, sem receio de errar, que a
nulidade assente na falta de intérprete não carece de arguição, trata-se, em
boa lógica jurídica, de uma obrigação legal dos órgãos jurisdicionais
conforme expendemos. Em coerência com o que escrevemos, sobre
significação jurídica específica de determinados termos, se encontra o
professor Galvão Telles9, ao dizer que:
9
TELLES, Inocêncio Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, Volume I, 11.ª Reimpressão, Editor:
Wolters Kluwer sob a marca Coimbra Editora, 2010, p. 245.
10
MACHADO, João Baptista, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 19ª Reimpressão,
Almedina, 2011, p. 182.
154
“O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe
desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que
não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer
correspondência ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe
igualmente uma função positiva, nos seguintes termos. Primeiro, se o
texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a
ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a
redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador. Ora, na falta
de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos
imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele
sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado
natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu
significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que
o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.”
11
MAZZA, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, 2ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 125.
155
Examinando detidamente este princípio, constata-se que o mesmo
propugna a ideia de que não é de todo possível que um determinado
instituto jurídico esteja desligado das normas jurídicas vigentes que lhe
sejam directamente aplicáveis. Dessa forma, se as demais normas existentes
num dado ordenamento jurídico, como o nosso, determinam que a nulidade
é de conhecimento oficioso e não carece de invocação, cabendo ao juiz
descortinar o defeito patente no acto jurídico que conduz a nulidade do acto
final, não se pode considerar como válida a disposição que coloque em
choque os valores unitários do sistema jurídico em sua globalidade, é o que
resulta do dever de interpretar as leis atendendo a unidade do sistema
plasmado no n.º 1 do artigo 9 do Código Civil e em vista dessa compreensão,
resta claro que o termo nulidade empregue pelo legislador se encontra
estabelecido em acepção técnica-jurídica sendo certo que em decorrência
disso, não é necessário a arguição pelos intervenientes processuais, cabe ao
magistrado judicial apurar o vício constante no acto que leva à nulidade.
Uma vez considerado o regime jurídico da nulidade em nossa ordem
jurídica, cabe agora entrar na apreciação da ausência de intérprete na
perspectiva de direito fundamental. Conforme ficou saliente no referencial
teórico, os direitos e liberdades fundamentais vinculam todos entes públicos
e privados por determinação do n.º 1 do artigo 56 da lei suprema e quando
se refere aos entes públicos, queremos, sobretudo, destacar os três poderes
integrantes da estrutura superior do Estado, quais sejam, o legislativo, o
executivo e o judiciário. Todo o direito é constituído por causa do homem,
por isso não é ousado afirmar que os direitos básicos do homem constituem
o limite, o fundamento e o critério para o exercício da actividade
constitucionalmente atribuída aos órgãos supremos do Estado.
O Direito em sua qualidade de norma regente da vida em sociedade se
encontra expresso, entre nós, no idioma luso, facto que pressupõe o
conhecimento prévio dessa língua por aqueles que travem relações jurídicas
em Moçambique e em decorrência de tal facto, estejam sujeitas ao ius
puniendi do Estado. A língua portuguesa como o veículo que transmite a
informação para o estabelecimento de comunicação entre os diversos
actores do processo penal é de capital importância. Como observa Vilson
Santos12:
12
SANTOS, Vilson. Marketing Pessoal: falando em público. Vilson Santos. – Imperatriz, MA: Ética, 2008,
p. 13-14.
156
perspicácia, ampliamos nossos conhecimentos, habilidades e atitudes.
Se observarmos bem, a maioria dos erros, sejam eles pessoais ou
profissionais, têm suas origens nas falhas de comunicação. Estas
falhas estão directamente relacionadas com a falta de sintonia e má
interpretação das mensagens emitidas e recebidas. Afinal, a
comunicação foi e ainda é fundamental para a socialização
humana. Cada momento, evento ou contexto requerem formas
diferenciadas de mensagem.” (Grifos nossos)
157
Gênesis13: “E Deus disse: Quem te disse que estavas nu? Comeste tu da
árvore de que te ordenei que não comesses?” Levando em conta que o
arguido não teve oportunidade de se defender de forma condigna, plena e
eficaz por virtude da falta de intérprete para lhe explicar claramente o teor
dos ilícitos que lhe são imputados, inclinamo-nos em crer que foi cerceado o
direito de defesa e por virtude de tal circunstância, não se pode ter como
plenamente válida uma decisão judicial que postergou um direito
fundamental do cidadão, haja vista que os direitos fundamentais conforme
clássica e precisa lição de Gomes Canotilho14:
13
BÍBLIA SAGRADA, Genesis, Capítulo 3, versículo 11, Publicada por: A Igreja de Jesus Cristo dos
Santos dos Últimos Dias, Salt Lake City, Utah, EUA, 2015, p. 13.
14
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional, 6.ª Edição revista, Livraria Almedina
Coimbra, 1993, p. 566.
158
estabelecido no n.º 1 do artigo 56 da Constituição. Sobre o tema, cabe trazer
a lição de Sven Peterke15 et al:
15
PETERKE, Sven, et al, Manual Prático de Direitos Humanos Internacionais, Brasília: Escola Superior
do Ministério Público da União, 2009, p. 155-156.
159
regime de protecção de direitos nele contido for mais favorável ao cidadão,
é de directa aplicação por força do disposto na parte final do n. º 3 do artigo
7 do Código Civil. Não falta quem pense de igual modo16:
CONCLUSÃO
16
BOBBIO, Norberto, A Era dos Direitos, Tradução de Carlos Nelson Coutinho, 7ª Reimpressão, Nova
Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 92.
160
respeite a posição jurídica activa do cidadão, tal e qual sucede no caso de
falta de intérprete para exercer de modo razoável o direito de defesa,
depreende-se facilmente que há violação frontal do conteúdo essencial de
um direito fundamental cuja cominação legal deve, impreterivelmente, ser a
nulidade da decisão judicial nesses moldes expedida. O exemplo extraído da
obra de Júlio Barbosa e Silva17, reforça a nossa convicção:
Cremos não ser difícil compreender a técnica que propomos: para que
o processo seja tido por equitativo, justo e corra seus termos normalmente
até a decisão final do órgão jurisdicional, com respeito pelos direitos
fundamentais do cidadão, é necessário que este tenha sido outorgado a
possibilidade de se defender condignamente mediante compreensão
razoável dos actos e das formalidades concernentes ao processo penal e se
resultar cristalino da análise integral que não foi dada ao cidadão a
oportunidade de evidenciar a sua versão dos factos por virtude da falta de
conhecimento da língua usada na tramitação processual, resta claro que
houve cerceamento do direito fundamental à defesa e em consequência da
falta de intérprete, a decisão final é nula de pleno direito, na exacta medida
em que foi denegado ao indivíduo a faculdade de ter uma intervenção activa
no processo e contribuir decisivamente para o convencimento do juiz, por
isso não repugna extrair a ilação de que a ausência de intérprete conduz a
expedição de uma decisão judicial prematura, porquanto, não se
desenvolveu o processo com participação activa do acusado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA SAGRADA. Genesis, Capítulo 3, versículo 11, Publicada por: A Igreja de Jesus
Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Salt Lake City, Utah, EUA, 2015.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho, 7ª
Reimpressão, Nova Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
17
SILVA, Júlio Barbosa e, A Directiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de
outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal, Julgar Online, março de
2018, p. 29.
161
CAMPS, Beatriz de Freitas de Sousa. Relatório de estágio em tradução: reflexão sobre
tradução jurídica e questões práticas de tradução, elaborado para obtenção do grau de
Mestre em Tradução, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2019.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6.ª Edição revista, Livraria
Almedina Coimbra, 1993.
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Semântico. PUC/SP, 2009.
CONCEIÇÃO, Lourivaldo da. Curso de Direitos Fundamentais. Eduepb, Campina Grande
– PB, 2016.
DURÃO, Maria do Rosário Frade. Tradução Científica e Técnica: Proposta para
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Documentação Científica e Técnica do Inglês para Português. Tese de Doutoramento em
Estudos Portugueses, Volume I, Universidade Aberta, 2007.
FIÚZA, César. Direito Civil, Curso Completo. 2ª Edição, Revista, Actualizada e Ampliada,
Belo Horizonte – 1999.
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Coimbra Editora, fevereiro de 2012.
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Pontual da Constituição da República de Moçambique.
Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Moçambique, Lei n.º 25/2019, de 26 de dezembro, BR n.º 249, 1ª Série, aprova a Lei
de revisão do Código de Processo Penal.
162
Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, Diário do Governo, n.º 274, 1ª
Série, aprova o Código Civil e regula a sua aplicação – Revoga, a partir da data da entrada
em vigor do novo Código Civil, toda a legislação civil relativa as matérias que o mesmo
abrange.
Moçambique, Lei n.º 24/2007, de 20 de agosto, BR n.º 33, 1ª Série, aprova a Lei de
Organização Judiciária, e revoga a Lei n.º 10/92, de 6 de maio.
Moçambique, Decreto n.º 30/2001, de 15 de outubro, BR n.º 41, 1ª Série, aprova as
Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública e revoga o Decreto n.º
36/89, de 27 de novembro.
Moçambique, Lei n.º 14/2011, de 10 de agosto, BR n.º 32, 1ª Série, Regula a formação
da vontade da Administração Pública, estabelece as normas de defesa dos direitos e
interesses dos particulares, e revoga a Reforma Administrativa Ultramarina (RAU) e o
Decreto-Lei n.º 23229, de 15 de novembro de 1933.
Moçambique, Lei n.º 10/2017, de 1 de agosto, BR n.º 119, 1ª Série, aprova o Estatuto
Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, abreviadamente designado por EGFAE.
Moçambique, Lei n.º 2/2006, de 22 de março, BR n.º 12, 1ª Série, estabelece os
princípios e normas gerais do ordenamento jurídico tributário moçambicano e aplica-se
a todos os tributos nacionais e autárquicos.
Moçambique, Lei n.º 7/2014, de 28 de fevereiro, BR n.º 18, 1ª Série, regula os
procedimentos atinentes ao processo administrativo contencioso, revoga a Lei n.º
9/2001, de 7 de julho, e os artigos 106 e 107 da Lei n.º 2/97, de 18 de fevereiro.
Moçambique, Lei n.º 16/2012, de 14 de agosto, BR n.º 32, 1ª Série, aprova a Lei da
Probidade Pública;
Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de dezembro de
1961, tornado extensivo ao Ultramar pela Portaria n.º 19305, de 30 de julho de 1962, e
alterado pelo Decreto-Lei n.º 47690, de 11 de maio de 1967, Decreto-Lei n.º 323/70, de
11 de julho, Decreto-Lei n.º 1/2005, de 27 de dezembro, e Decreto-Lei n.º 1/2009, de 24
de abril.
163
JUSTIÇA RESTAURATIVA APLICADA À
EXECUÇÃO PENAL
INTRODUÇÃO
1
Júlio Ali Mussa, Mestrado em Direito Civil-UCM-Pemba-Cabo Delgado; Funcionário do Ministério da
Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos- Defensor Publico do Instituto do Patrocínio e Assistência
Jurídica (IPAJ) - Pemba-Cabo Delgado.alimussa64@yahoo.com.br; Telefones +258 826894680 /
844700086 e 861765453.
165
privativas de liberdades, bem como das penitenciárias. O que espera é a
constatação de que tais penas e formas de punição sejam reservadas aqueles
criminosos, para as quais não vislumbra outra forma de impedir que tragam
mais prejuízos a sociedade.
Para o entendimento exaustivo sobre o tema do Artigo, promove um
estudo mais detalhado sobre a pena e suas espécies, com o propósito
alavancar a justiça restaurativa aplicada à execução penal, olhando um
breve histórico sobre a pena na história da humanidade, a fim de esclarecer
como se deu o desenvolvimento deste instituto do direito penal, bem como
demonstrar a função das penas, e o objetivo a que elas as destinam. A
intenção de demonstrar os motivos a que se leva punir alguém, uma vez que
se não existissem objetivo por trás de tal ato, este não etária a menor razão
de existir, sempre em atenção aos objetivos fundamentais da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, proclamados pelas Nações Unidas que
serviu de veículo para Africa moldar as garantias e os direitos assegurados
pelo ordenamento jurídico universal de proteção e salvaguarda dos direitos
humanos estabelecidos pelas Nações Unidas, não só mas também a
finalidade ao respeitos pelos direitos fundamentais do cidadão, traduzidos
no âmbito da justiça restaurativa aplicada à execução penal digna,
modalidade da alternativa penal respeitante ao princípio da dignidade da
pessoa humana em vários aspetos. Alias, antes analisa o fracasso da pena de
prisão e medidas restaurativas, notoriamente a transação penal; a
suspensão provisoria do processo; a prestação de serviço socialmente útil; a
prestação pecuniária ou em espécie; perda de bens ou valores, a multa, a
interdição temporária de direitos.
A justiça restaurativa, vem sendo aplicada no âmbito da execução
penal. A justiça restaurativa enquanto paradigma de justiça se caracteriza
por ser um processo voluntario em que as partes se reúnem para resolução
de um conflito.
166
contraventor, em processo judicial por pratica de um crime ou
contravenção, com o fim de dar exemplos e evitar a prática de novas
infrações. A pena tem dupla função: de punir os criminosos e de prevenir a
prática de crime pela reeducação e pela intimidação coletiva (Faria, 2006).
Há, várias correntes doutrinarias que definem a Pena como sendo:
segundo (Faria, 2006) a pena deve ser definida como sanção imposta pelo
Estado, valendo-se do devido processo legal, ao autor da infração penal,
como retribuição ao delito perpetrado e prevenção de novos crimes.
Enquanto, (Lincon, 2012), afirma a Pena como resposta estadal, utilizando-
se do devido processo legal, contra o autor de determinada infração penal,
como forma de retribuir a este o delito praticado, e ainda, de prevenir que
este venha cometer novos delitos. Conforme se pode observar, nem sempre
foi função do Estado punir, sendo que algumas vezes a lei estava do lado
mais forte que não tinha limites em sua aplicação. Matava, escravizava,
bania o infrator e também levava as consequências às famílias do
condenado, ou mesmo a todo um povo.
Também observar-se que as vezes também estava o poder de punir
naquele que tinha ou detinha a divindade e em nome dos deuses
sacrificavam pessoas.2 Na idade Media, no decorrer de todo um histórico
criminal, foram utilizados os mais estranhos e os mais sofisticados
instrumentos de suplicio e tortura, alem de variados aparatos, até cómicos
para execução de penas contra o corpo e contra a vida. Demonstrando uma
natureza aflitiva, onde o corpo pagava através da dor pelo mal por ele
praticado3. Mascaras inflamáveis, cadeiras com pregos, armaduras de
medida que possuíam pregos e que eram fechadas com o condenado dentro.
Eram sociedades onde prevalecera o trabalho, a servidão, a divisão em
castas e vários outros tipos de diferenças, estas que faziam sobrepor os
direitos de alguns sobre o direito de outros sem nenhuma ideia de igualdade
perante a lei4. O poder de punir, estava centrado na mão do Estado, que
possuía outra alternativa a fim de buscar a pacificação de toda a sociedade.
Todo esforço em encontrar um bem comum só encontraria uma forma
de vingar, através de uma estrutura jurídico-administrativa que fosse capaz
de controlar os atos que afrontavam avida em comum. O pensamento de
Carvalho, afirma que a passagem do estado da natureza para estado civil
representaria a transferência do poder privado ao poder publico, designado
2
Gonçalves, M. L. M. Anotações do Código Penal Português, 2ª edição, Livraria Almedina. Coimbra,
1972.
3
Wolfgramm; K. T. S. A Eficácia a Prestação de Serviço à Comunidade ou Entidade Publica como Pena
ou Medida Alternativa na Comarca de São Gabriel da Palha, 2009.
4
Boshi, J. A. P. Das Penas e seus critérios de Aplicação, Porto Alegre, 2000.
167
a saída da barbárie e a opção pela civilidade. Do Direito natural passou-se a
um processo de positivação, que impondo regras e sanções abria caminho
para uma nova forma de vida coletiva, com sujeitos limitados, o racionalismo
e o contracto social, o direito acaba por se separar da moral, da mesma forma
que a igreja e o estado também se afastariam, separando-se espaços públicos
dos particulares e a fé da razão.
A pena surgiu na antiguidade, assim como a pena de morte e outras
penas corporais. As penas possuíam caracter de vingança, castigos, contra o
criminoso. Com passar de tempo, novos pensamentos foram surgindo e
estes tipos de pena foram sofrendo mudanças. a pena de prisão, chamada
também por pena privativa de liberdade veio a ser um meio de aplicar
sanções mais humanas, com a intenção de punir o criminoso e reeducá-lo
através do seu encarceramento.
Mas com o tempo, restou comprovado que a pena privativa de
liberdade não vinha atingindo a finalidade de ressocializar o criminoso para
seu ingresso na sociedade.
Na história das leis e suas penalidades, apareceu um marco
importante, o Código de Hamurabi, trouxe a lei de Talião, onde detenha a
penalidade de ser “olho por olho e dente por dente”. Se um prisioneiro morrer
na prisão por mau tratamento, o chefe da prisão deverá condenar o
marcador frente ao juiz5.
O surgindo e aplicação da Lei das XII tabuas, onde na Tabua segunda,
número 1, estabelece que “se alguém cometer furto à noite e for morto em
flagrante, o que matou não será punido”6.
5
Oliveira, B & Almeida, M. E. Sebenta de Apoio à Disciplina de Direitos Humanos, 2006, p. 24-25.
6
Ibidem, pág. 39.
7
DUDH. Artigo 1º “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão
e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
168
de respeitar e valorizar dos Direitos Humanos se consubstancia com o
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis que constitui fundamento
da liberdade, da justiça e da Paz no mundo.
Considerando que é essencial a proteção dos direitos do homem
através de um regime de direito, para que o homem não seja compelido, em
supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão8. Na República de
Moçambique, revela no artigo 43º da sua Constituição da República, o
respeito aos Direitos fundamentais que foram interpretados e integrados
em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Carta
Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, que são um exemplo
incontestável à luz da humanização, regeneração e reinserção social de
reclusos a quanto o cumprimento das suas penas.
Este sentido humanitário foi bem acolhido na lei ordinária inerente à
finalidade das penas, que consiste na (reabilitação, e reinserção social do
condenado e a reparação dos prejuízos causados com a conduta que
fundamentou a condenação e a defesa da sociedade, nos termos
estabelecidos pelo Artigo 2º da Lei n ͦ 26/2019, de 27 de dezembro, Lei que
aprova o Código de Execução das Penas. Tanto mais que, o atual Código de
Execução das Penas, a sua interpretação se inspira de acordo com e em
harmonia Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Carta Africana
dos Direitos do Homem e dos Povos e dos instrumentos de direito
internacional relativos à execução das penas e medidas de segurança.9.
E o respeito ao princípio da dignidade humana confrontado à
responsabilização do recluso ou condenado a pena alternativa à pena de
prisão, o dever de responsabilidade no sentido de participar no processo de
reabilitação e reinserção social para atingir os objetivos traçados10
8
Boshi, J. A. P. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. Porto Alegre, 2000.
9
Artigos 2º e 3º do Código de Execução das Penas, aprovado pela Lei nº. 26/2019, de 27 de dezembro.
10
Artigo 5º do Código de Execução das Penas.
169
qualificação e capacitação do pessoal penitenciário. Com base na Declaração
Universal dos Direitos do Homem, os Estados africanos membros da
Organização da Unidade Africana, inspirados nos princípios e direitos
consagrados na Declaração da ONU, foi aprovado pela Conferencia
Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA) atualmente, União
Africana (UA), em Banjul, Gambia, em Janeiro de 1981, e adotada pela XVIII
Assembleia dos Chefes de Estados e Governo em Nairobi, Quénia, em 27 de
Julho de 1981, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.
Este instrumento jurídico-legal, estatui no seu artigo 1º 11, sendo que
no artigo 2º da Carta, estabelece que, toda a pessoa tem direito ao gozo dos
direitos e liberdades reconhecidas e garantidos na presente Carta, sem
nenhuma distinção, de raça, de etnia, de cor, de sexo, de língua, de religião,
de opinião política ou de qualquer outra opinião, de origem nacional ou
social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Artigo 4º da
Carta, a pessoa humana é inviolável. Todo ser humano tem direito ao
respeito da sua vida e à integridade física e moral da sua pessoa. Ninguém
pode ser arbitrariamente privado desse direito.
Portanto, foi só para elucidar alguns artigos da Carta Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos que podem concorrer na reforma do sistema
penitenciário, no concernente a concessão do condenado a pena de
restaurativa como uma das formas para a reinserção social do condenado.
Esta teoria parte do fundamento do carácter retributivo, onde se pune
o agente porque cometeu crime. Consiste na retribuição jurídica, pois o mal
do crime impõe-se o mal da pena, do que resulta a igualdade e soe st
igualdade traz justiça. Portanto, o castigo compensa o mal da reparação e a
moral e ainda seria demonstrada através de vários fundamentos, onde havia
um caracter divino, moral e jurídico.
Entretanto, para essa teoria, a pena era tida como puramente
retributiva, não havendo qualquer preocupação com o individuo condenado,
mas sim uma forma de retribuir a altura, na medida, o mal que ele causou
com a infração penal. Essa tende de satisfazer a sociedade, dando uma
resposta, ou ainda pagamento, do contrário se a pena não for forma de o
condenado prestar suas contas, geraria um certo descontentamento, a pena
é um mecanismo atribuído ao Estado, o qual detém o poder de sua aplicação
aos indivíduos que infligem norma, ou seja, um facto típico, ilícito e culpável.
11
Os Estados membros da Organização da Unidade Africana, Partes na presente Carta, reconhecem os
direitos, deveres e liberdades enunciados nesta Carta e comprometem-se a adotar medidas legislativas ou
outras para os aplicar.
170
O Estado de direito Democrático, artigo 3º da Constituição da
República de Moçambique12 que garante o respeito dos direitos e liberdades
fundamentais do Homem, razão pela qual, tem órgãos que exercem a função
jurisdicional, que devem fazer valer seu “jus puniendi” , o Direito de punir,
carrega consigo toda tutela punitiva de aplicação das sanções que por si
trazem o papel de reprovação da conduta praticada pelo individuo, ainda o
caracter preventivo que demonstra a necessidade de que com a aplicação da
pena possa alem de reprovar também prevenir de praticas futuras, criando
a consciência no individuo condenado de que não será preciso infringir
novamente a lei, artigo 211º, n ͦ.1 e 2 da Constituição da Republica de
Moçambique13.
O artigo 60º, n ͦ.1 da CRM, diz que ninguém pode ser condenado por
ato não qualificado como crime no momento da sua prática “nullum crimem
sine lege” (não há crime sem lei). A definição material da pena consiste nas
penas descritas no artigo 61º do Código Penal, aprovado pela Lei n .ͦ
24/2019, de 24 de dezembro. Desta forma vale trazer três aspetos os quais
devem a pena a ser encarada: substancialmente, quando consiste na perda
ou preservação do exercício do direito relativo a um objeto jurídico;
formalmente quando está vinculada ao princípio da Reserva Legal, ou seja,
sendo somente aplicada pelo Poder Judiciário, respeitando o contraditório;
e o teleológico quando se mostra concomitante, castigo e defesa social.
Pode-se ainda, que alem do Poder de aplicar as penas está a
responsabilidade cada vez maior de aplicar a pena de forma correta. Desta
forma alguns princípios que regem a legislação penal devem ser levados a
superfície ou qualquer aplicação de pena, visando assim obedecer aos
princípios expressos ou implícitos consagrados na Constituição
moçambicana. Ela trouxe expressamente diretrizes para aplicação das
penas no país, bem como, veda as penas perpetuas, duração ilimitada ou
indefinida e de morte-artigo 61º, n .ͦ 1 da Constituição de Moçambique,
conjugado ao artigo 60º do Código Penal, aprovado pela Lei n ͦ.24/2019, de
24 de dezembro.
Conforme acima demonstrado, Moçambique está inserido em todo
um panorama legal, constitucional, com limites ao direito de punir existindo
assim uma preocupação com as garantias de preservar a dignidade da
pessoa humana. Deve-se vislumbrar também as características que devem
12
1. A República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na
organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem.
13
Os tribunais têm como objetivo garantir e reforçar a legalidade como fator da estabilidade jurídica,
garantir o respeito pelas leis, assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos, assim como os interesses
jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com existência legal. 2. Os tribunais penalizam as violações da
legalidade e decidem pleitos de acordo com o estabelecido na lei.
171
existir na aplicabilidade ou mesmo na própria pena conforme os princípios
direcionados no Código Penal, que se destacam nos seguintes:
14
BOSHI, J. A. P. Das Penas e seus critérios de Aplicação, 2000, op. cit.
172
porque o ser humano, que poderia ter aprendido valores morais, espirituais,
mais valiosos à sua sobrevivência entre seus semelhantes, não teve a
oportunidade de aprendê-los, melhorá-los ampliá-los ou mudá-los.
A ressocialização do condenado deve ser a sua reintegração social,
sobretudo por parte da sociedade, que muitas vezes, ou quase sempre, não
aceita essa reintegração, continuando a excluir aqueles que já foram
condenados e pagaram sua divida, e o priva de direitos, impondo a ele uma
segunda punição. Nessa reintegração social, a sociedade deveria recluir
aqueles que ela excluiu, por estratégias nas quais esses excluídos tenham
participação ativa como seres humanos, e não como meros objetos de
assistência.
173
estabelecimentos penitenciários privativos dos indígenas. Estabelecimentos
de detenção destinados ao cumprimento de penas nomeadamente: 1 -
Colonias Penais; 2 - Colonias Correcionais; 3 - Granjas Correcionais e 4 -
Estabelecimentos especiais.
No entanto, embora estalecido juridicamente, este Sistema Prisional
para as indígenas não chegou a funcionar nas colônias como fora definido.
Continuou a prática de deportação de Moçambique para as plantações de
cacau em São Tome e Príncipe para os condenados a penas mais longas e de
trabalho correcionais em plantações de algodão ou sisal para a restante
categoria de reclusos. No início dos anos 60, com o advento das Lutas de
Libertação Nacional nas colônias portuguesas e a consequente revogação do
Estatuto de Indigenato, o cidadão moçambicano passou a ser encarcerado
nos estabelecimentos prisionais reservados a não indígenas, ao mesmo
tempo que crescia o número de presos políticos15. O Decreto-Lei 26.643, de
28 de maio de 1936, classificava os estabelecimentos prisionais em espécies,
sendo Estabelecimentos de detenção; Estabelecimentos destinados ao
cumprimento de penas (Cadeias comarcas e centrais); Penitenciarias e
colónias penitenciarias e prisões especiais.
Com a independência, registou-se a saída do País todo o corpo da
guarda prisional que então existia. Ao mesmo tempo, Moçambique dispunha
nessa altura de escassos quadros com formação académica superior,
nomeadamente juristas. Nesta altura a Constituição da República Popular de
Moçambique de 1975, no seu artigo 36º, no segundo período previa uma
punição severa. Posteriormente, foi extinta a Polícia Judiciaria e criada a
Polícia de Investigação Criminal, colocada sob autoridade do Ministério
Interior. Com esta medida legislativa e por arrastamento, os
estabelecimentos de detenção passaram também a subordinar-se ao
Ministério do Interior..., permanecendo os restantes na dependência do
Ministério da Justiça pela via da Inspeção Prisional. Foi com estas
transformações que se dividiu a administração do Sistema Prisional do País,
até então unificado, e se consagrou o dualismo que permaneceu até hoje.
15
Amaral, A. O Sistema Prisional em Moçambique. Programa de Apoio ao Sector da Justiça, Maputo,
2000, p. 13.
174
Prisões16, órgão auxiliar da administração da justiça, com algumas das
atribuições nomeadamente: A reeducação dos reclusos; a promoção e gestão
de contractos de trabalho dos reclusos; a elaboração e implementação de
projetos de politicas e estratégias de reintegração social do delinquentes.
Decorridos seis anos, o país estando em vias de desenvolvimento, houve
necessidade de adequar a atuação dos serviços penitenciários à necessidade
de modernização estrutural e da segurança interna, o legislador
moçambicano, criou o Serviço Nacional Penitenciário, previamente
designado SERNAP17, tendo algumas das suas atribuições: garantir e velar
pelo respeito dos Direitos Humanos no tratamento da população
penitenciário e dos que cumprem a pena em regime de liberdade;
implementar e coordenar um sistema nacional de execução das penas
alternativas, em articulação com as autoridades judiciarias que as tenham
aplicado e com os parceiros da rede social; Incentivar a colaboração da
sociedade civil em matérias especificas da atividade penitenciaria, em
especial no âmbito da reabilitação e reinserção social.
Atualmente, em termos da lei de execução das penas, os
estabelecimentos penitenciários classificam-se em comuns e especiais,
conforme a área geográfica, sendo penitenciários regionais, provinciais,
distritais e penitenciários especiais.
Os estabelecimentos penitenciários especiais são de máxima
segurança, estabelecimentos para mulheres, estabelecimentos para jovens,
para reclusos preventivos, estabelecimentos de ensino, centros abertos,
hospitais penitenciários, hospitais psiquiátricos penitenciários, e
estabelecimentos que carecem protecção especial.18
16
SNAPRI (Serviços Nacional das Prisões -Aprovado pelo Decreto n .ͦ 7/2006, de 17 de maio.
17
SERNAP (Serviço Nacional Penitenciário) - Aprovado pela Lei n .ͦ 3/2013, de 16 de janeiro e do
respetivo Estatuto Orgânico do Serviço Nacional Penitenciário, por Decreto n ͦ.63/2013, de 6 de dezembro.
18
Artigo 21º da Lei n .ͦ 26/2019, de 27 de dezembro - Lei de execução das penas.
175
organização física adequada das penitenciarias, pois estes devem obedecer
a critérios que permitam nomeadamente a separação entre detidos e
condenados, entre homens e mulheres e a separação entre diferentes tipos
de condenados, em função do tipo de crime cometido, da perigosidade, etc.
Este é um problema evidente em relação às mulheres, que constituem
uma pequena minoria no sistema19. Finalmente, dado que a população
reclusaria é muito jovem, de idade que varia entre 16 aos 25 anos, e formada
maioritariamente por indivíduos ligados ao sector informal da economia, ou
em situação declarada de desemprego, é urgente o desenvolvimento de um
verdadeiro sistema de acesso dos condenados à educação, mas
particularmente à formação profissional, durante o período de reclusão,
como forma de contribuir para a sua reintegração social. Na maior parte das
penitenciarias não existe separação efetiva entre detidos e condenados. Na
maior parte desses casos, as separações que possam existir em termos de
celas não impedem o contacto quotidiano entre as diversas categorias de
reclusos.
19
Amaral, A. O Sistema Prisional em Moçambique, 2000, p. 36.
176
tende a refletir na sociedade como forma de intimidação para que as demais
pessoas reflitam antes de cometer algum crime.
3. Teoria Mista - essa teoria denota a pena conjugando a necessidade
de reprovar com a necessidade de prevenir as práticas de crimes. Portanto,
entende-se aqui que a pena por natureza é considerada retributiva, tem
aspeto moral, mas sua finalidade e não só a prevenção, mas também um
misto de educação e correção, pois alem de corrigir é necessário educar.
Desta forma, o artigo 59º do Código Penal adota essa teoria, quando em sua
redação conjuga a necessidade de reprovar e prevenir.
A CRM, regula no seu artigo 61º as penas permitidas em território
moçambicano, as quais são tipificadas na lei penal, nos artigos 61º, 62º, 63º
,67º e outros instrumentos jurídicos. Essas penas segundo o código
moçambicano, se dividem em penas maiores, penas correcionais e penas
para empregados públicos. As penas maiores são reguladas no artigo 61º, os
correcionais no artigo 62º e as especiais reguladas no artigo 82º do código
penal e as penas especiais reguladas no artigo 71º do mesmo diploma legal.
As penas maiores, são penas privativas de liberdades, e estão enunciadas no
artigo 69º do Código Penal.
O programa dos princípios orientadores para a execução das penas e
medidas privativas da liberdade integra a frequência de programas
específicos que permitam a aquisição ou o reforço de competências pessoais
e sociais, de modo a promover a convivência ordenada no estabelecimento
penitenciário e a favorecer a adopção de comportamentos socialmente
responsáveis, nela se incorpora o programa de justiça restaurativa, nos
termos do n ͦ.4 do artigo 60º do Código de Execução das Penas. Significa
haver no ordenamento jurídico moçambicano preocupação e interesse para
implementação da justiça restaurativa. Enquanto se projecta a
implementação da justiça restaurativa em Moçambique, por momento
vigora o respeito ao principio da dignidade humana, artigo 5º do Código de
Execução das Penas, da finalidade das execução das penas artigo 2º do
diploma atras referido, que consiste na execução das penas e das medidas
criminais visa a reabilitação e reinserção social do condenado, preparando-
o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, bem como a
protecção de bens jurídicos e a reparação dos prejuízos causados com a
conduta que fundamentou a condenação e a defesa da sociedade bem como
o principio da responsabilização do recluso ou condenado, artigo 6º do
diploma supracitado.
Ademais, vigora na ordem jurídica penal moçambicana, aplicação e
limites das penas conforme dispõem os artigos 135º a 146º, todos do Código
de Execução das Penas. Ainda na ordem jurídica interna, existe execução
das penas acessórias previstas pelos artigos 181º e 182º respectivamente,
como também a execução da pena relativamente indeterminada, artigo 183º
do diploma atras referido.
177
3.2 Da Execução da sentença
20
Carnelutti, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Escolar Editora. p. 68.
21
Artigos 71,72, 73, 75, 78, 79 e 80 do Código Penal revisto pela Lei n ͦ. 24/2019, de 24 de dezembro.
178
No seculo XII e XIII, formas de Organização do Estado- período
afonsino. Concentra-se nos reis os poderes, tendo o mesmo monopólio do
poder de punir. Há tentativas de organizar o poder- centralização do poder
real, limitar as questões de justiça privada. Atribuir exclusividade de
repressão publica. As penas eram marcadas por grande crueldade. Nos
livros das ordenações há uma lista idêntica na matéria de punição, estas
ordenações mantiveram-se até o seculo XIX (1852). As características das
ordenações: Casuísmo - direito casuísta evolui na aplicação concreta de
casos a caso; Arbitrariedade - o juiz tinha uma longa margem de
discricionariedade de fazer funcionar as penas daquele que estava perante
si, as penas eram transmissíveis; Desigualdade - as penas eram aplicadas em
conformidade com a posição social do acusado. Este período dura até ao
constitucionalismo liberal. Há uma tentativa de criação de um Código Penal
em 1779, inspirado pelos movimentos europeus de Direito Penal. No seculo
XIX – 1892 - com a constituição liberal, vem reorganizar o Estado português
-corte com o regime das ordenações contendo princípios de Direito Penal.
22
Artigo 79º do Código Penal atualizado pela Lei n ͦ.2/2019, de 24 de dezembro.
179
sua atividade de aplicação e execução, que geram consequências restritivas
de direitos23.
O princípio da dignidade da pessoa humana tem valor imaterial e
inerente a todo ser humano, sendo irrenunciável e criador de outros
princípios, sendo os princípios indivisíveis, integradores e formadores de
um democrático de direito, assumindo no constitucionalismo jurídico
moçambicano24, assente no respeito e garantia dos direitos e liberdades
fundamentais do homem.
A dignidade humana é pressuposta da determinação do direito, como
é também o seu limite, visto que introduz no ordenamento jurídico o
respeito recíproco, que restringe a esfera de ação de cada individuo.
Portanto, o direito somente irá intervir na ação do individuo na medida da
sua necessidade, para que seja, pois legitimamente restringida.
O Direito Penal, a proteção da dignidade serve de parâmetro ao
legislador na configuração dos tipos e aos operadores do direito na
interpretação dos mesmos. Dai é que em decorrência do princípio da
dignidade da pessoa humana surgem outros princípios, inclusive
especificamente penais, como é o caso do princípio da adequação social da
conduta. É importante perceber que existe uma diferença entre o princípio
da adequação social e o da insignificância é controversa, permite excluir logo
de plano de lesões, por representar algo diminuto ou desprezível, bem como
algo de nenhum valor a culpabilidade ou então a aplicação da pena
restaurativa à execução penal. O reconhecimento da inexistência da infração
penal, quando detetada a insignificância da ofensa ao bem jurídico tutelado
que poderá nos tribunais moçambicano. Apesar de ser um princípio
constitucional que assenta no respeito pelos direitos humanos, o valor da
dignidade da pessoa humana, a falta de previsão legal explicita não tem
impedindo aplicação do princípio de insignificância em Moçambique. Por
isso, não é ainda aplicável no ordenamento jurídico moçambicano.
O princípio da insignificância, assim como o princípio da adequação
social, também exclui a tipicidade material, porem “a teoria da adequação
social está prevalente regulada sobre o desvalor da ação, e o princípio da
insignificância sobre o desvalor do resultado. O princípio da adequação
social tem como foco a analise, já o princípio da insignificância analisa o
resultado da conduta, sua lesão e o bem jurídico protegido, se este foi ou não
gravemente afetado.
23
Eliane de Andrade Rodrigues, Princípio da Adequação Social, p. 42.
24
Artigo 3 da Constituição da República de Moçambique, 2004, actualizada.
180
Para facilitar a compreensão, pode-se dar como exemplo, o furto de
um pacote de fosforo em um supermercado não é uma conduta socialmente
aceite ou tolerada, no entanto, diante da pouca gravidade lesiva e não
afetação do bem jurídico protegido, será considerada insignificante. O
princípio da adequação social, mas, conforme alguns pontos divergentes.
25
Artigos 59º e 62º ambos do Código Penal Moçambicano-atualizado em 2019.
181
sociedade sobre o delito, ou seja, a sociedade não se pode limitar em sugerir
melhores tecnologias, mas sim buscar as causas e o significado da
transgressão para a sociedade. A sociedade passar a entender que o crime é
um dano decorrente da violação das relações interpessoais e, a partir dai,
procurar soluções para corrigir a causalidade sofrida.
Para tal, o objetivo da justiça restaurativa é recuperar a vítima,
restabelecendo o seu estado anterior à agressão, bem como transformar e
curar o agressor de modo que este mude seu comportamento, e
consequentemente se reconcilie, repare o dano bem como a restauração do
senso de segurança, tanto para quem sofreu a lesão como para a sociedade.
A ideia da justiça restaurativa não é de punir, mas, sim corrigir o mal
cometido, cabendo atuação terapêutica do Estado, que deve prover todos os
meios para criação de um ambiente saudável, ainda que não seja possível a
restauração plena do estado anterior à violação.
Buscar a relação vitima-infrator e o arrependimento do autor do
delito, sem coação das partes pelo Estado, visto que tanto o perdão como
arrependimento são processos emocionais e inatingíveis conforme a
materialidade dos fatos e a gravidade da ofensa. Ao Estado cabe fornecer
oportunidades tanto para a vítima como ao infrator uma situação de
irmandade.
Ao infrator deve ter o reconhecimento do seu erro, o arrependimento
e a busca para consertar o mal feito. A justiça restaurativa condensa sua
atenção em reparação das violações decorrentes do crime, contrariamente
da justiça retributiva, a qual se volta, principalmente, para a culpa e a
imputação da pena.
O operador da justiça não significa que devem fazer um trabalho
voluntario, a iniciativa pode partir das partes, podendo ser chamados
mediadores vulgo facilitadores para marcar a viabilidade do processo
restaurativo.
182
em geral e conter a expansão do direito penal na sua vertente repressiva.
Basta resgatar o histórico de ideias como as penas alternativas reformistas.
A justiça restaurativa não se deve entender como uma crise do
sistema de justiça, um como mero instrumento de alívio aos tribunais, de
extensão burocrática judiciaria, mas sim deve ser implementada a partir de
um debate profundo, que considere as particularidades do sistema jurídico
moçambicano.
Identifique os pontos em que o novo modelo pode ser testado e
principalmente reconheça os obstáculos existentes, construindo, a partir
desse reconhecimento, um discurso legitimador de justiça restaurativa
consoante a realidade político institucional do país? O paradigma da justiça
restaurativa desafia resistências, concretamente aos operadores da
administração da justiça que consideram afronta das garantias
constitucionais e produz lesão no Direito Penal codificado.
A justiça restaurativa prioriza o papel da vítima e do infractor no
encontro, sendo que o acordo restaurativo só terá validade e eficácia quando
homologado judicialmente, com anuência do Ministério Publico na
qualidade de titular da acção penal, mas não impede que a vítima e o
infractor tenham acesso a advogados para efeitos de consulta.
O processo restaurativo é constitucional e legalmente sustentável,
embora no ordenamento jurídico moçambicano ainda não esteja em prática,
mas não é uma alternativa extralegal, por ela corresponde à um
procedimento de mediação, conciliação e transação, que deverá estar
prevista na legislação com uma metodologia restaurativa, admitindo a
participação de vítima e do infractor no processo decisório, quando possível
e for essa a vontade das partes.
Há correntes críticas em relação a eficácia da justiça restaurativa, que
a justiça restaurativa seria como estar a servir, beneficiar e promover
impunidade do infractor. É possível perceber que essa é uma das principais
críticas a justiça restaurativa, ainda mais do clamor social contra a
impunidade e a benevolência do sistema formal vigente. Por outro lado, a
prisão, por sua impropriedade e ineficácia, alem dos seus melíficos só é
reservada para crimes graves.
A justiça restaurativa não tem o condão de restaurar a ordem jurídica
lesada pelo crime é nem mesmo pode reparar a vítima. No entanto, como um
procedimento complementar do sistema, a justiça restaurativa estará
também recompondo a ordem jurídica, na medida em que estará
trabalhando o crime, com outra metodologia, mas que leva a resultados
melhores para a vitima, que recupera segurança, autoestima, dignidade e
controle da situação, e também para o infractor na medida que ao mesmo
183
tempo em que o convoca na sua responsabilidade pelo mal causado lhe
oportuna meios para refazer-se, inclusive participando de programas da
rede social de assistências.
De facto, a reparação emocional não acontece em todos os casos,
contudo, ocorre mais frequentemente na justiça restaurativa do que em
processos da justiça criminal tradicional. Quanto aos infractores já havia se
estabelecido que restaurar corresponde a uma efetiva responsabilização
efectiva dos infractores e a reparação, por parte deles, das vítimas. Mas é
razoável argumentar que, se um determinado processo utiliza os
mecanismos restaurativos e alcança seus objectivos, então é possível obter
redução da reincidência consequentemente.
Há críticas diante da justiça restaurativa não produzir reais
mudanças. No entanto, o objectivo da restaurativa não seria de facto a
redução da reincidência, mas sim a responsabilização efectiva dos
infractores e a reparação, por parte deles, das vítimas. Mas é razoável
argumentar que, se um determinado processo utiliza os mecanismos
restaurativos e alcança seus objectivos, então é possível obter uma redução
da reincidência consequentemente.
Percebe-se que esse hábito corresponde à necessidade político
institucional, que anteriormente estava ligada ao processo de apropriação
da justiça e que agora está na instrumentalização do direito penal para
manter o distanciamento e o isolamento de determinadas pessoas,
rotulando-os “inimigos” da sociedade. A justiça restaurativa pretende abater
sentimento punitivo, ao reconhecer esse meio de solução de conflitos como
uma etapa fundamental para a evolução da vida comunitária, cuja harmonia
é mais ameaçada queque preservada nas tendências irracionais calcadas na
punição. A mediação, por no estar vincula pelos rigores das normas
processuais e substanciais, acaba por consentir aos indivíduos a
reapropriação concreta de seus conflitos, tornando-os os sujeitos principais.
A mediação não representa em espaço privado da lei, nem privatizado em
relação àquela, uma vez que a mediação revela sua total compatibilidade
com o direito penal. No tocante às garantias do devido processo penal, como
o contraditório e a ampla defesa, de nada adianta a observância formal
desses princípios, se só contribuírem para levar o acusado certo e seguro da
punição severa.
CONCLUSÃO
184
da aplicação da pena privativa de liberdade em que Moçambique é menos
aplicável senão mesmo inexistente. Para tal, esse processo assume o
caracter ainda mais desumano em virtude de o passado da sociedade
moçambicana ser colonizada e escravizada. Pois a pena privativa de
liberdade fracassou quando os fins propostos de evitar a reincidência e
ressocialização do infrator. A função retributiva em algum momento poderá
fracassar, se por um lado deixa de punir em virtude, dentre outros fatores,
das inúmeras fugas, por outro lado, quando o faz, pune mal, posto que o
castigo ultrapassa a privação de liberdade e atinge outros direitos
fundamentais que não foram suspensos pela imposição da pena, tais como o
direito e da mente, à integridade física. Enfim, viola, demasiadamente, o
princípio da dignidade da pessoa humana e até mesmo o direito à vida.
O processo de colonização em Moçambique forjou uma sociedade
marcadamente desigual, construindo uma pobreza marginal estigmatizada
e criminalizada. Em face do fracasso da pena privativa de liberdade, passou-
se a mitigar a sua aplicação, abrindo espaço jurídico para a adoção de um
novo tipo de sistema sancionatório, que permite o cumprimento da pena em
meio livre, como a pena da prestação de serviços à comunidade. Assim, o
sistema punitivo em Moçambique não realiza adequadamente nenhuma das
funções próprias de pena criminal: não previne, não ressocializa nem prevê
a retribuição na medida certa. Portanto, é um modelo adequado com a
sociedade excludente. A legislação moçambicana está marchando para
alcançar a aplicabilidade das penas alternativas à pena propriamente dita na
legislação do Serviço Penitenciário em vigor, a Lei n ͦ.3/2013 de 16 de
janeiro, que vai desaguar na Lei n .ͦ 26/2019 de 27 de dezembro que aprova
o Código de Execução das Penas e da Lei n ͦ. 25/2019 de 26 de dezembro, Lei
de revisão do Código do Processo Penal, respetivamente.
A superlotação não é o único problema enfrentado pelas pessoas
privadas de liberdade. No entanto, a solução para este problema não resume
a construção de mais penitenciarias. A aposta deve ser para o modelo de
justiça restaurativa como uma necessidade permanente, pois não é possível
continuar apostando em um modelo punitivo incompatível com o Estado de
Direito Democrático plasmado no artigo 3º da Constituição da República de
Moçambique.
Constata-se que a justiça restaurativa à execução penal em geral é
bem aceite pela sociedade. A penitenciaria por sua utilização baseia-se em
suas inúmeras vantagens, dentre eles, a participação efetiva do infrator com
a sociedade para reintegração na sociedade.
A grande questão a ser enfrentada pela justiça restaurativa em
Moçambique está no facto de sociedade acreditar que a imposição do castigo
185
e de dar representam o conceito da justiça e que o diálogo e compreensão
não podem fazer parte deste. Por isso, que para compreensão do presente
Artigo, é necessário que se exerça a mudança na forma de se perceber o
crime e a justiça. Dai que, a Justiça Restaurativa propõe exatamente isso,
uma verdadeira troca de visão, substituindo a retribuição pela construção
duma resposta para cada caso, para cada envolvido. Não existem limites
padronizados e imediatas, estas são resultado da participação consensual da
vítima e do infrator com vista à criação de novas soluções mais humanas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Lei n ͦ. 26/2019 de 27 de dezembro, Lei que aprova o Código de Execução das Penas.
186
ANTIPATIA SOCIAL DAS PENAS
ALTERNATIVAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
MOÇAMBICANO
INTRODUÇÃO
*
Docente da Universidade Católica de Moçambique Extensão de Gurué, Cargo: Directora Adjunta
Pedagógico da UCM-Extensão de Gurué merciafranciscojoaoa@gmail.com
**
Docente da Universidade Católica de Moçambique – Faculdade de Mineralogia-
deolindalurdesinacio@yahoo.com.br
187
O pensamento social, a acção social e o próprio funcionamento do
sistema de aquisição de conhecimento, a sociedade pode ser considerada um
sistema económico, um sistema político, religioso e legislativo, também
pode ser considerada um sistema pensante. Quer dizer, um espaço de
interacção social onde as pessoas se interrogam e procuram encontrar
respostas para questões que, em conjunto com outras, se colocam. Uma
situação que gira em torno da questão do conhecimento social sobre o crime,
o criminoso e a modalidade de crime. Então, qual seria o ideal da
aceitabilidade social das penas alternativas no ordenamento jurídico
moçambicano?
Este é um estudo que irá impulsionar o entendimento da importância
das penas alternativas no ordenamento jurídico moçambicano na face social,
alternar cuidados aos magistrados e juristas na aplicabilidade das penas
alternativas, de forma a aperceber no estado real da sociedade, a ignorância
social sobre as penas/medidas alternativas ora vigentes.
Como objectivo geral, A pesquisa proposta busca identificar e analisar
a aceitabilidade social das penas alternativas no ordenamento jurídico
moçambicano, que tangem a sim da sociedade em torno das alternativas
penais e pela sua eficácia educativa e socializadora, fazendo uma análise da
questão do ponto de vista da sociedade, dos condenados e dos aplicadores
de direito, os juízes, procurados e juristas.
Como objectivos específico temos: a) abordar em torno da face
jurídica das penas alternativas no ordenamento jurídico moçambicano; b)
Avaliar a aceitabilidade das penas alternativas. c) Estudar qual a
participação da sociedade no processo da consolidação das penas
alternativas.
Visão Jurídica
188
e a ampla defesa. A principal sanção, bem assim o paradigma de aplicação de
pena é a pena privativa de liberdade.
No âmbito processual criminal, a criminalização, a pena passa por três
fases de individualização: decreto, aplicação e execução. O legislador decreta
(prevê a moldura penal), o juiz aplica (dentro dessa escala e segundo os
critérios de dosimetria) e a administração penitenciária, sob o controle do
judiciário, executa a decisão do tribunal.
Seria esgotante envolvermos na história penal moçambicana o
sistema colonial, que já era positivado. Mesmo a partir dos anos de 1500, o
colonizador não via a sociedade a colonizar como sujeito de direitos.
Mas de ponto histórico, prevalece na sociedade moçambicana, um
direito penal típico moçambicano e original. Permanecem algumas
comunidades moçambicanas a ideia de que a pena deve ser moral, a simples
censura moral.
Em sentido histórico se analisa o que as diversas sociedades ao longo
do tempo entenderam como pena, os meios de sua aplicação e como
serviram à legitimação do poder do Estado e às formas de dominação social.
A origem da pena pública é marcada pela formação dos Estados nacionais e
pelo confisco do conflito, ou seja, da intervenção estatal nos conflitos entre
indivíduos sob sua jurisdição. A passagem à contemporaneidade
(revoluções do século XVIII) é marcada pela substituição das penas
corporais pela pena de prisão, consolidada no século XIX com a revolução
industrial.
No Moçambique independente conjugou-se liberalismo e escravidão,
as penas corporais (açoites) para os escravos conviveram com as penas de
prisão para as pessoas durante o século XX (Código Criminal de 1886).
A centralização e publicitação definitiva do poder punitivo ocorreram
somente no século XX, primeiro com o Código Penal de 1886 e,
posteriormente, consolidada pelo Código Penal de 2004.
De salientar que a visão social tem um pacto com os direitos humanos,
pois considera pena todas as medidas que de uma ou outra fere os direitos
da pessoa humana.
No sentido social, a pena ‘bastante abrangente, pois engloba até as
penas não formais. A pena juridicamente definida é a punição estatal. Mas
no âmbito social, outras formas de punição por parte do Estado também
podem ser consideradas penas, ainda que não o sejam tipificadas na lei penal
ou não sejam legais. Elas podem ser: a) legais, mas sem as garantias próprias
do direito penal (ex. medida de segurança de restrição de doentes mentais;
medida socioeducativa de restrição de menores infractores); b) ilegais, na
189
actuação concreta das agências do sistema penal (ex. morte pela causada
pela polícia; maus-tratos e tortura aos prisioneiros).
ZAFFARONI entende que essas situações devem ser abrangidas pelo
direito penal como forma de garantir o respeito aos direitos humanos no
marco do Estado democrático de direito, ou seja, a abrangência da definição
de pena deve abarcar essas situações como forma de controlo da tendência
autoritária das práticas punitivas estatais.
Segundo TEIXEIRA MENDES, no sentido filosófico, a pena é um
fundamento e uma função atribuída à sanção criminal, o próprio significado
de sua existência como forma de coerção social. Dissuasão, retribuição,
neutralização, reeducação, são normalmente os sentidos atribuídos à pena.
Elas são dívidas em absolutas (retribuição), que possuem um valor em si, ou
relativas (preventivas), que buscam uma determinada funcionalidade,
utilidade social.
a) Privativa de liberdade;
b) Medidas alternativas;
c) Medidas de segurança.
190
medidas alternativas com a Lei n.º 7.210/84, que surgiu pela falha no
ressocializar do elemento prisioneiro.
As Medidas alternativas são formas alternativas de sanção criminal,
que substituem a pena privativa de liberdade e são previstas de forma
autónoma, independente de cominação na parte especial. O seu
cumprimento extingue a pena privativa substituída e em caso de
incumprimento pode admitir, como garantia de eficácia da restrição
imposta, a reconversão em privação de liberdade.
Vários debates aconteceram em Moçambique com o intuito de
justificar a ineficácia das penas privativas de liberdade. Mas uma questão
curiosa, a implementação desses espécimes de pena no nosso ordenamento
jurídico, não foi pela necessidade de melhor forma ressocializadora, mas
pelo facto de o Sistema Penitenciário moçambicano não ter condições de
responder com a demanda que é maior, nas suas instalações. Elas foram
incluídas na reforma da Parte Geral de 2014.
O surgimento desses espécimes penais, a nível mundial (menos
Moçambique), abriu a falência da pena privativa de liberdade ou seja a pena
prisional, uma falência que justificada por Fragoso (apud LUZ, p. 72):
191
Diversos países como Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Itália, Suécia,
entre outros, adoptaram uma série de Medidas alternativas. O trabalho
comunitário, adoptado na Inglaterra desde 1972, é tido como o exemplo
mais bem-sucedido nesta modalidade. Neste sistema, o condenado dedica
parte de seu tempo de descanso a um trabalho não remunerado em favor de
urna causa de interesse comum. Com seu sucesso, foi adoptado em diversos
outros países: Austrália (1972), Luxemburgo (1976), Canadá (1977),
Dinamarca e Portugal (1982), França (1983), entre outros.
Jesus (1998), relata o crescente interesse nacional e estrangeiro sobre
as modernas tendências de resposta estatal no sentido da imposição das
chamadas Medidas e penas alternativas em relação aos delitos de menor
potencial ofensivo.
Realmente, a evolução do pensamento penal, desde o Iluminismo,
conduz à observância do Princípio da Humanidade, isto é, à obediência à
regra da proibição de penas desnecessárias, desumanas, cruéis, ou
degradantes. A pena de prisão, hoje francamente desacreditada em sua
função de ressocialização do delinquente, deve guardar a natureza de
"ultima ratio", limitando-se aos crimes de maior gravidade objectiva
cometidos por delinquentes perigosos. A função preventiva e
ressocializadora da resposta penal pode ser alcançada, com extraordinárias
vantagens, como vêm demonstrando incontáveis experiências estrangeiras,
por vias alternativas menos custosas e mais racionais, como é o caso da
sanção restritiva de direitos na modalidade de prestação de serviços à
comunidade. (JESUS, 1998, p. 131)
Em consonância com os objectivos de humanização das penas e a
necessidade de se reavaliar a eficácia das penas privativas de liberdade é
que surgem em 1990 as Regras Mínimas das Nações Unidas (Regras de
Tóquio), lançadas pela ONU, que, segundo Jesus (1998, p. 133), "constituem
fonte inesgotável de recomendações, sugestões e orientação sobre a
aplicação e execução das alternativas penais, especialmente as penas
alternativas".
Condições
Os requisitos para aplicação das penas alternativas de direitos são:
192
c) Crimes dolosos com violência ou grave ameaça cuja pena seja
inferiora 1 (um) ano (art. 88 e 89 conjugado com a art. 102 ambos
do CP).
Prestação pecuniária
É uma quantia fixada pelo juiz, a ser paga em dinheiro à vítima, seus
dependentes, entidades públicas ou privadas de destinação social. Havendo
aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode ser de outra natureza
(art. 98 et seq. do CP);
193
ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do
poder público; c — suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir
veículo; d— proibição de frequentar determinados lugares;
Pena de Multa
A multa como pena é o pagamento feito pelo condenado ao Estado
(art. 72º do CP), num mínimo de 3 dias a 2 anos. Vem expressamente
prevista no tipo penal de forma alternativa. Exemplos: Dano. Art. 338.
Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia; Exemplo: Apropriação
indébita. Art. 270º, 271º e 271º ambos do CP. Apropriar-se de coisa alheia
móvel de que tenha a posse ou a detenção: Pena reclusão, de 1 (um) a 12
(doze) anos, e multa).
Essas são as medidas alternativas que, depois de investidas tentativas
de “esvaziar” os “calabouços” o legislador moçambicano implementou no
seu sistema penal. O que traz, um profundo debate é, “que estudo foi feito
para ou que medidas formaram tomados para a aceitabilidade dessas
modalidades penais pela sociedade?”. Esta em uma questão que, em
resultado de um estudo profundo em torno do tema em questão (Antipatia
sócia das penas alternativas no ordenamento jurídico moçambicano) se
responderá.
194
“Enquanto a medida não é implementada, uma vez estar dependente
da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, Eduardo
Mussanhane, director-geral do SERNAP, diz estar em curso o processo
de capacitação institucional, da elaboração de regulamentos, como o
código de execução das penas preventivas e a realização de palestras
envolvendo diferentes segmentos da sociedade, tudo com vista à
socialização desses instrumentos no sentido de se esclarecer o papel
de cada um na sua implementação.”
195
esquadra, apenas ficaria 2 dias nas celas e o veríamos a deambular nas
ruas”.
196
Nesse pequeno texto se analisará dois contextos relacionados com o
papel imposto à comunidade para que a pena obtenha sucesso na sua
execução e alcance o fim proposto pela teoria da prevenção especial positiva.
A comunidade como elemento de vantagem e receptora do trabalho
apenado
Em primeiro lugar, os discursos e planeamentos em torno das
medidas alternativas em benefício da comunidade, apresentam a
colectividade como beneficiária dos serviços prestados pelos condenados.
Em algumas ocasiões se mencionou que mediante o trabalho dos
condenados se está reparando simbolicamente o dano causado pelo delito à
sociedade.
Em Moçambique, o Estado e a sociedade/comunidade, na própria
definição da pena, beneficiária do trabalho a ser prestado pelos condenados
(art. 90º do Código penal espanhol). O mesmo sucedeu em Inglaterra e Gales
com a denominação inicial da pena community service orders. O termo
sociedade reflecte aqui uma questão (utópica) que transcende às próprias
aspirações sociais, económicas e penais. Dessa forma, se legitima a proposta
introdutória do community service orders formulada a priori pelo Informe
Wooton, que destinou a pena a um sistema penal com ênfase na reparação à
comunidade, aproximando, sobretudo, o delinquente daqueles cidadãos que
necessitam de maior apoio. Nunes Apolinário (2009).
A comunidade figura como ambiente em que tem lugar a execução da
pena: de facto as alternativas penais como instrumentos substitutos da
prisão em geral, são definidas como consequências jurídicas cuja execução
se dá na comunidade em contraposição a uma execução em instituição
fechada.
As penas socialmente úteis, como aquelas que comportam a
permanência do delinquente na comunidade e implicam alguma restrição a
sua liberdade mediante a imposição de obrigações, e cujo cumprimento é
supervisionado por responsáveis designados pela Lei penal para tal efeito.
Esta definição, portanto, corrobora com a ideia de que está destinado à
comunidade o papel de recepcionar o delinquente para que ele preste os
serviços no seu espaço e repare a sociedade pelo delito causado.
Assim, como salienta (NUNES APOLINÁRIO; 2009), a comunidade
passa a ter uma clara importância para além da esfera de compreensão da
justiça formal até a realização da justiça material. O indivíduo
reconhecendo-se como parte integrante do corpo social realiza o controlo
externo do Estado exercido pela sociedade civil. Assim, os diversos grupos
sociais são chamados a participar de forma actuante, buscando contrariar a
197
passividade diante da responsabilidade pelo crime presente na cultura
repressiva clássica.
O trabalho em benefício da sociedade nessa configuração rompe,
justamente, com a perspectiva simplista de responsabilidade do individuo
para com a colectividade, pois impõe a contrapartida, vale dizer, chama a
sociedade civil a participar na execução da pena, atendendo, dessa forma, a
ética da solidariedade, levando a sociedade a entender a sua
responsabilidade, procurando dar respostas inclusivas ao homem que
delinquiu. Papel importante da sociedade no fim ressocializador
Segundo NUNES APOLINÁRIO (2009), O conjunto de actuações,
medidas e atitudes que objectivam a ressocialização do condenado,
conforme o moderno Direito penal, não deve ser tarefa exclusiva do Estado,
constituindo a participação da comunidade, uma das pedras angulares do
sistema punitivo. O moderno Estado democrático deve reconhecer a
existência das forças sociais organizadas que expressam com legitimidade,
o pensamento e a vontade popular, opondo-se a um centralismo político,
monolítico e opressor.
Se for necessária a ressocialização do apenado para a reintegração ao
convívio social, também se faz necessária a educação da sociedade para
recebê-lo. A tarefa nesse sentido passa a ser dupla: recuperar o prestador
dos serviços e preparar o ambiente social para seu convívio, especialmente
o familiar, que sofre durante e depois da execução da pena os mesmos
ressentimentos insuperáveis daquele que recebeu a punição.
A este respeito, menciona BENEDICTO DE SOUZA que:
198
princípio da responsabilidade, como um dos valores fundamentais, a
chamada solidariedade social.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
199
família, não tenha que abdicar de seu trabalho e preserve os vínculos do
convívio comunitário.
Além da possibilidade de obtenção de tais benefícios, a prestação de
serviços à comunidade ou às entidades públicas tem custo zero para o
estado, porém, sabemos que o êxito destas alternativas depende muito do
apoio da sociedade civil para o alcance de efeitos positivos ao cidadão, o que,
consequentemente, se reflectirá na sociedade.
O serviço social tem contribuído com um pequeno e importante passo
para o alcance dos ideais humanitários da pena e a busca do exercício pleno
da cidadania.
RECOMENDAÇÕES
Aos magistrados
Que sejam eficazes no âmbito da aplicação das normas penais, não só
no âmbito das sanções alternativas, mas sim em todos casos de moldura
penal, de modo a mostrar a sociedade que a justiça é confiável e viável.
Sociedade
Que aceite as medidas de alternativas, pois dum jeito prático, essa
moldura penal é eficaz no âmbito ressocializador. Que realizem actividades
no sector de serviço social, como forma também de tornar evidente que a
categoria profissional do delinquente, através dos seus conhecimentos
teórico-metodológicos, possui todos os recursos necessários para atender
também a esta nova demanda.
REFERÊNCIAS
200
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. 4. ed. rev., ampl. E
atual. pelas Leis 9.099/95, Ediar, 2002.
JESUS, Damásio E. de. Temas de direito criminal, I A série. São Paulo: Saraiva, 1998.
LUZ, Orandyr Teixeira. Aplicação de penas alternativas. Goiânia: AB, 2000.
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Penas Alternativas. Curitiba: Juruá, 1999.
Nunes Apolinário, M.: O papel da comunidade na execução das penas de trabalhos
em benefício da comunidade, en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Noviembre
2009, www.eumed.net/rev/cccss/06/mna.htm
ROSA, Antônio José Miguel Feu. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
SZNICK, Valdir, Penas Alternativas: Perda De Bens, Prestação De Serviços À
Comunidade, Fim De Semana, Interdição De Direitos. Leud. São Paulo, 2000.
TEIXEIRA MENDES, ANDRÉ P.: Penas e Medidas Alternativas. Fundação Getulio Vargas.
2014.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal: Parte General. Buenos Aires.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Código Penal. Boletim da República. I SERIE NÚMERO 53.
201
A VIOLAÇÃO DO DIREITO DE LIBERDADE NO
ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO
POR INEFICIÊNCIA DA IDENTIDADE DE
RESIDÊNCIA
INTRODUÇÃO
*
Licenciado em Direito na Universidade Mussa Bin Bique, Mestrado em Direito Civil pela Universidade
Católica de Moçambique e actualmente Doutorando em Direito Público, docente de Deontologia e Ética
Profissional no INSPOM e Colégio Politécnico de Moçambique em Nampula, autor de alguns artigos
científicos publicados na Revista Jus do Brasil, docente de História e Filosofia no CCIAM, Gestor de
Recursos Humanos no COPMOZ e INSPOM, Gestor de Monitoria e avaliação na Organização para a
promoção da paz e ajuda humanitária. Formador em matérias de eleições e paz. Correio electrónico
abumarioussene@gmail.com
**
Licenciado em ciências policiais e segurança interna no Instituto Superior de ciências policiais e
Segurança interna de Lisboa, Mestrado em Direito e Segurança pela Universidade Nova de Lisboa e
actualmente Doutorando em Direito Público pela Universidade Católica de Moçambique, desempenhou
várias funções como chefe do Gabinete do Comandante Geral da Republica de Moçambique, Comandante
Provincial da PRM e actualmente é Director da Inspecção do Comando Geral da República de
Moçambique, leccionou a cadeira de Ética e Deontologia policial na academia de ciências policiais
(ACIPOL –MAPUTO), autor da obra didáctica intitulada Delinquência e menoridade em Moçambique.
Correio electrónico kaguevanhane@gmail.com
203
de punir, mas não significa que seja o belo prazer desta prática. Este tem a
sua missão educativa, nesta ordem, propomos em levantar debate sobre a
aplicação das medidas de coacção, muito particularmente do “Termo de
Identidade e Residência” em Moçambique tendo em consideração que
muitas residências das cidades moçambicanas não estão numeradas, as ruas
não estão nominadas e muitas vias de acesso nem sequer estão em
condições de garantir uma transitabilidade condigna, os bairros são
compostos por casas de construção precária ou guetos, facto que, de alguma
forma, entorpece a decisão judiciária quando a ideia é optar-se pela
aplicação do “Termo de Identidade e Residência”.
Esta realidade pode levar à entidade da Administração da Justiça
optar por uma medida que não é a mais adequada para uma situação
concreta que envolve o arguido, por exemplo, a aplicação de outra medida
de coacção, como a caução ou mesmo privação da liberdade, mas aqui surge
um outro problema, o da falta de recursos por parte do arguido para o
pagamento da tal caução, restando como medida a aplicar a da privação da
liberdade ao cidadão, levando a que o nosso sistema de justiça seja
empurrado para uma realidade não condizente com a decisão que seria
tomada se as condições de identificação da residência fossem as mais
apuradas.
É claro que estamos cientes com a disposição do Código de Processo
Penal quando diz:
1
Vide Segundo parágrafo, do nº 5 do artigo 269 do CPP.
204
critérios usados para a materialização do Termo de Identidade de
Residência se adequam à realidade moçambicana?
1. CONTEXTUALIZAÇÃO E CONCEITUALIZAÇÕES
- Os Estados soberanos3;
- Os Estados semi-soberanos; e
- Os Estados não soberanos.
2
GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 4ª Edição, Editora Almedina,
Coimbra, 2013, p. 483.
3
Ibidem, p. 484.
205
dever de os não praticar, dever esse em face dele Estado, dotado de
autoridade e, portanto, dever4 de carácter público (não privado). O Estado
sanciona esses actos com uma pena criminal.
Esses actos chamam-se crimes, no sentido lato deste termo. Uma
definição formal de crime, assente fundamentalmente na última
característica atrás expressa, resulta do artigo 1 do Código Penal, que
considera crime “o facto descrito e declarado passível de pena por lei
anterior ao momento da sua prática5. A prática do crime sujeita o autor a
responsabilidade penal-responsabilidade de ser imposta uma pena.
4
MENDES, João Castro, Introdução ao estudo do Direito, 3ª Edição, Editora Pedro Ferreira, Lisboa, 2010,
p. 239.
5
Ibidem, p. 240.
6
Vide artigo 1 do CP.
7
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal parte geral, 17ª Edição, Revista ampliada e
actualizada, Editora Saraiva, Brasil, 2012, p. 21.
206
Direito Penal — como ensinava WELZEL citado pelo BITENCOURT —
“é aquela parte do ordenamento jurídico que fixa as características da acção
criminosa, vinculando-lhe penas ou medidas de segurança.
O Cuello Calón, também citado pelo BITENCOURT diz que o “Direito
Penal é o conjunto de normas estabelecidas pelo Estado que definem os
delitos, as penas e as medidas de correcção e de segurança com as quais são
sancionados”. Direito Penal, é indispensável que nele se compreendam todas
as relações jurídicas que as normas penais disciplinam, inclusive as que
derivam dessa sistematização ordenadora do delito e da pena8.
8
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal parte geral, 17ª Edição, Revista ampliada e
actualizada, Editora Saraiva, Brasil, 2012.
9
Vide o artigo 269 do CPP.
10
FORTES, Henrique Eiras; Guilhermina, Dicionário de Direito Penal e Processo Penal, 2010, p. 484.
11
Vide artigo 3 da CRM.
207
pertencentes a uma determinada sociedade, e da forma como exerce o seu
poder sobre eles.
Nesse sentido, o Direito Penal pode ser estruturado a partir de uma
concepção autoritária ou totalitária de Estado, como instrumento de
persecução aos inimigos do sistema jurídico imposto, ou a partir de uma
concepção Democrática de Estado, como instrumento de controlo social
limitado e legitimado por meio do consenso alcançado entre os cidadãos de
uma determinada sociedade. Esse tipo de proposta apoia-se na
compreensão do delito como infracção do dever, desobediência ou rebeldia
da vontade individual contra a vontade colectiva personificada na vontade
do Estado12. Desta feita, a razão que leva o Direito penal na ordem jurídica
moçambicana é de forma inequívoca a sua comunicação com Estado
democrático de Direito pela existência de uma previsão constitucional de
garantia de direito a liberdade e segurança constantes nos artigos 59 e
seguintes da Constituição da República de Moçambique13.
12
Ibidem, p. 24.
13
Vide artigo 59 et seq. da CRM.
14
LOPES, José Mouraz, Garantia Judiciária no Processo Penal – do juiz de instrução, Coimbra editora,
2000, p. 21.
208
modo a constituir livremente as bases da decisão que as entender mais
justas perante os factos, de modo a não sancionar indevidamente aos
cidadãos, invertendo o objectivo da aplicação da sanção que é (re)educar o
infractor, para adesão voluntária às regras de convivência social.
Numa perspectiva inserida na busca da verdade material sobre o que
realmente aconteceu, o Juiz de instrução, no âmbito do processo penal,
assume-se como autoridade judiciária competente para desencadear actos
instrutórios por forma a decidir quanto à pronúncia e exercer as funções
jurisdicionais relativas ao inquérito. Devemos estar cientes que todo o
quadro normativo que se exerce, em democracia, pretende salvaguardar a
liberdade do homem, pois, segundo CRUZ15. O Homem é, simultaneamente,
um Ser livre é um ser sociável. Livre, pela sua própria natureza; sociável, por
uma inata necessidade de conviver.
Pois, a inobservância da conduta que traduz na natureza sociável do
homem implica o accionamento das normas jurídicas em busca do ponto de
equilíbrio entre o comportamento lesivo e a reposição do bem jurídico
lesado, para restaurar a harmonia social entre os homens. Citando Cruz,
adverte que:
15
CRUZ, Sebastião, Direito Romano, 4ª. Edição, Coimbra, 1984, p. 8.
16
Ibidem, p. 11.
209
a incutir a ideia de que não se pode abusar dos direitos e liberdades de
outrem, o uso dum direito próprio tem de coexistir com os direitos dos
outros, porque quando ofende alguém, automaticamente fere a lei e esta vai
reagir para combater o erro cometido.
O Juiz deve traduzir a ideia de que aplicou a lei no sentido de garantir
que se proteja o que pertence a cada um e as suas decisões devem
repercutir-se para a convivência pacífica, para se atribuir o valor real da lei
que é de permitir que não haja coisas a clamar pelo seu dono, nem das
pessoas a reclamar pelas suas coisas, gerando assim a tranquilidade e ordem
social no seio dos homens.
17
RAMIÃO, Ruben Miguel Pereira, Justiça, Constituição & Direito, Quidi Juris, Sociedade editora,
Lisboa, 2013, pg. 45.
210
os governantes exercem para organizar os munícipes, se ainda não puderem
garantir o ordenamento dos espaços habitacionais dificilmente o Juiz sentir-
se-á livre de tomar as suas decisões conforme o desejável, de acordo com a
lei, de modo a salvaguardá-la.
Para uma justiça serena, a aplicação da liberdade provisória prevista
no artigo 305 do Código de Processo Penal moçambicano deve ser de
execução natural e não forçada por qualquer tipo de circunstancialismo
relacionado ao não ordenamento da zona onde mora o sujeito processual, o
arguido.
Pois, como podemos todos verificar, o Juiz, avaliando todas as outras
condições do arguido pode decretar a liberdade provisória bastando para
tal:
18
Vide o artigo 305 do CPP.
211
Mesmo sabendo da existência da estrutura do bairro, os dirigentes
dos bairros ainda não possuem uma base de dados que lhes possa assegurar
o controlo efectivo dos elementos que residem na sua área de jurisdição,
pois, o controlo do pessoal não é ainda institucionalizado, cada um faz a
gestão de cada residente do seu bairro sem critério claro que lhe ajude a ter
conhecimento efectivo dos nomes, características físicas, local de trabalho e
o apuramento da idoneidade de cada residente, dificultando o conhecimento
real e factual de cada residente do seu bairro.
Esta falta de domínio factual das pessoas da sua área residencial por
parte dos elementos que compõem a estrutura de base fica a dever-se no
facto de a maior parte dos dirigentes locais dos bairros residenciais serem
trabalhadores, exigindo-lhes que ao amanhecer se preocupem com o seu
ganha-pão, relegando ao plano secundário a organização e estruturação dos
seus bairros. O outro factor não menos importante é de muitos residentes
serem também trabalhadores, o que dificulta a sua disponibilidade
permanente para certos encontros que, porventura, forem programados
pelos chefes dos bairros, chegando ao ponto de mesmo o chefe de dez casas,
que tem um número bastante reduzido de pessoas sob seu controlo, não
conhecer todos os residentes do bairro e vice-versa.
Infelizmente, esta situação acaba enquadrando-se no pensamento de
ZALFFARONI quando analisa o comportamento do mundo europeu perante
as adversidades decorrentes da adopção de certas leis, em determinados
países, com uma aplicação prática deficitária, por não se fazer a avaliação
das condições locais da realidade do país para onde migram tais leis. Assim,
ZALFFARONI defende que:
19
ZAFFARONI, Eugénio Raúl, in Novos Rumos do Direito Penal Contemporâneo – Livro em
Homenagem ao Prof. Dr. Cezar Roberto Bittencourt, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 49.
212
Para uma aplicação do Direito puro, sem interferências de quaisquer
aspectos, seja de que natureza, exige-se um rigor na implantação das
condições infraestruturais e normativas que assegurem a materialização
dos preceitos legais, de forma natural, sem forçar nenhuma decisão por falta
de uma coisa ou de outra no sistema judicial.
Portanto, basta aceitar-se o uso do poder discricionário condicionado
por falta de um rigor legal para a tomada de uma decisão puramente fundada
na lei, isto é, basta condescender-se a falta de firmeza e a maleabilidade para
cobrir um vazio normativo, o Juiz resvalar para comportamentos
semelhantes aos que levam algumas sociedades a recorrerem à aplicação do
Direito Penal do Inimigo, o que em democracia não é desejável. Pois, assim
defende JAKOBS ao retractar barbaridades que se cometem no Mundo em
nome da aplicação da Lei nos seguintes termos:
“En estos últimos cinco años y sobre todo desde los atentados terro-
ristas del 11 de septiembre del 2001 en Nueva York y Washington, se
observa, no sólo en los Estados Unidos de Norte américa, sino también
en otros muchos países, una tendencia creciente hacia lo que el pena-
lista alemán Gunther Jakobs denomina un Derecho penal del enemigo.
Con él, dice el citado penalista, el legislador no dialoga con sus ciuda-
danos, sino que amenaza a sus enemigos, conminando sus delitos con
penas draconianas más allá de la idea de proporcionalidad, recor-
tando las garantías procesales, y ampliando las posibilidades de san-
cionar conductas muy alejadas de la lesión de un bien jurídico. Un pa-
norama sin duda duro y desolador, pero, según dice el citado autor,
contradice la equivalencia entre racionalidad y personalidad 20”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
20
JAKOBS, Gunther citado por CONDE, Francisco Munoz, De Nuevo sobre el Derecho Penal del
Enemigo, in Novos Rumos do Direito Penal Contemporâneo, Livro em Homenagem ao Prof. Dr. Cezar
Roberto Bittencourt, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 61.
213
realidade pura dentro do respeito dos princípios que norteiam a condução
da democracia.
Aqui queremos referir-nos muito particularmente da necessidade da
observância da liberdade individual como vector da condução dos princípios
democráticos, mas sem com isso apartamos que o cidadão seja sujeito à
aplicação da lei que a tiver violado, se for o caso.
Assim, com a observância da lei e dos princípios enformadores das
regras democráticas, tanto o Polícia, o magistrado do Ministério Público e o
Juiz, todos os responsáveis pela aplicação da lei deixarão de ser reféns de
condutas que lhes possam colocar em risco de serem mal vistos na
sociedade, pelos cidadãos que juraram servir, por falta de clareza na tomada
das suas decisões.
Perante a defesa da lei baseada em princípios claros, todos os
intervenientes processuais sentir-se-ão representados no quadro das
garantias normativas, pois, apesar do conhecimento comum de que as leis
se destinam à limitação do poder punitivo em defesa das liberdades
individuais, quando forem aplicadas respeitando a legalidade de forma clara
e transparente, mesmo quando for para aplicar uma sanção restritiva da
liberdade o arguido rever-se-á na decisão do julgador, por considerar ter
respeitado o conjunto de princípios absolutamente indiscutíveis.
De acordo com GILISSEN, quando define a lei, defende o seguinte:
214
em conta que a liberdade é regra e a prisão é excepção, mas por outro lado,
por não ser possível uma identificação clara da residência do arguido acaba
sendo compelido a tomar uma medida cautelar que vai contra a moral e
contra senso e contrária à liberdade individual do sujeito, por ser compelido
por uma realidade não propriamente de natureza processual ou dogmática
jurídica, mas do âmbito estruturalmente social.
Atentos à natureza conceptual de Estado, conforme RAMIÃO:
21
RAMIÃO, Ruben Miguel Pereira, Justiça, Constituição & Direito, Quidi Juris, Sociedade editora,
Lisboa, 2013, pg. 53.
215
do seu perfil, elementos que o ajudariam a ter conhecimento real e domínio
sobre o comportamento de residentes no seu bairro.
Ainda este trabalho levou-nos a percepcionarmos a complexa tarefa
que o Juiz tem na aplicação da justiça numa lógica em que há falta de algumas
ferramentas de natureza estrutural, pela deficiente interoperabilidade entre
as várias áreas e sectores de organização social.
BIBLIOGRAFIA
1. Legislação
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Assembleia da República, Constituição da República de
Moçambique, (alterada pela Lei nº 1/2018 de 12 junho) in Boletim da República, I Série
Número 115, de 12 de junho.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Assembleia da República, Lei 24/2019, (a Lei que aprova
o Código penal) in Boletim da República, I Série Número 248, de 24 de dezembro, 2019.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Assembleia da República, Lei 25/2019, (a Lei que aprova
o Código do processo penal) in Boletim da República, I Série Número 249, de 26 de
dezembro, 2019.
2. Doutrina
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal parte geral. 17ª Edição, Revista
ampliada e actualizada, Editora Saraiva, Brasil, 2012.
CRUZ, Sebastião. Direito Romano. 4ª edição, 1984, Revista e Actualidade, Coimbra.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Clássicos Jurídicos – Direito Processual Penal. 17.ᵃ edição,
Almedina, Portugal, 2009.
ESPADA, João Carlos. Direitos Sociais de Cidadania - Uma Crítica a F. A. Hayek e
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GILISSEN, John. Introdução histórica ao Direito. 4ª edição, Fundação Calouste
Gulbenkian, Lisboa, 1979.
GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público. 4ª Edição, Editora
Almedina, Coimbra, 2013.
HENRIQUES, Manuel de Oliveira Leal; SANTOS, Manuel José Carrilho de Simas. Código
Penal Anotado. 3ª edição, 1º Volume, editora Rei dos Livros, 2002.
LOPES, Mouraz Lopes. Garantia Jurídica no Processo Penal. Coimbra Editora, 2000.
MARTÍNEZ, Soares. Filosofia do Direito. 2ᵃ edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1995.
MELO, Humberto José. Trâmites e Fórmulas Processuais (anotados). Almedina, 5.ᵃ
reformulada e actualizada, Portugal, 2003.
MENDES, João Castro. Introdução ao estudo do Direito. 3ª Edição, Editora Pedro
Ferreira- Artes Gráficas, Lisboa, 2010.
216
MUBARAK, Rizuane. Direito Penal e Criminalística, da teoria universal à realidade
nacional. Escolar editora, Moçambique, 2016.
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, 6ª, edição, 1997, editor sucessor, Coimbra.
RAMIÃO, Rúben Miguel Pereira. Justiça, Constituição & Direito. Quid Juris Sociedade
Editora, 2013.
SANTOS, M. Simas; HENRIQUES, M. Leal. Noções Elementares de Direito Penal. 2ᵃ
edição, editores Rui dos Livros, 2003.
SCHMIDT, Andrei Zenkner. Novos rumos do Direito Penal Contemporâneo, livro em
Homenagem ao Prof. Dr. Cezar Roberto Bitencourt. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro,
2006.
217
VENDA DE TERRA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO MOÇAMBICANO: UMA ANÁLISE
CRÍTICA DO NOVO CÓDIGO PENAL
AMÉLIA MAGAIA1
SILIMA CHITATO2
INTRODUÇÃO
1
Docente na Faculdade de Ciências Socias e Políticas de Universidade Católica de Moçambique,
Doutoranda em direito público pela Universidade Católica de Moçambique.
2
Funcionário Publico, Doutorando em direito público pela Universidade Católica de Moçambique.
219
Artigo 269
(Venda da terra)
Artigo 288
Agravação
a) …
220
tipos legais de crime. Quanto aos objectivos específicos, o estudo procurou
identificar o regime jurídico referente à proibição da venda de terra no
ordenamento jurídico moçambicano; comparar a abordagem do legislador
no concernente à tutela penal sobre a terra.
A relevância do estudo reside no facto de abordar um tema sempre
actual e sujeito a opiniões contraditórias em Moçambique, desde logo por se
observar que nas relações do dia-a-dia das pessoas, estas comercializam a
terra mesmo diante da proibição imposta pelo Estado. Portanto, trata-se de
um estudo com impacto directo na vida dos cidadãos, muito em particular
no que se pretende como procedimento a adoptarem perante as instituições
que representam o Estado. Do ponto de vista jurídico-penal, o estudo revela-
se importante pelo facto de trazer uma discussão sobre a tutela de um bem
jurídico que encarna um direito fundamental, posto que o direito de acesso
à terra para prossecução de diferentes fins inerentes a vida das pessoas foi
consagrada na Constituição da República de Moçambique (CRM) – neste
caso o direito de uso e aproveitamento de terra – o chamado DUAT. Assim,
estudar a questão da criminalização ou não da venda de terra cruza-se com
outros campos da ciência do Direito, quer público quer o ramo privado, pelos
efeitos directos decorrentes das relações jurídicas entre os sujeitos
(singulares) envolvidos bem como o próprio Estado (como pessoa
colectiva).
Relativamente às hipóteses levantadas como possíveis respostas ao
problema, foram suscitadas as seguintes:
Hipótese 1: não faz sentido punir a venda de terra como crime, pois o
Estado não tem um controlo efectivo da questão, sendo que os cidadãos
vendem a terra como uma prática social, mesmo com a criminalização;
221
efeito, sabe-se que a técnica da interpretação é a hermenêutica3. Para o
efeito, optou-se pelo recurso aos elementos de interpretação da Lei.
“Os elementos de interpretação auxiliam o intérprete, pois
estabelecem quais as prioridades que devem ser observadas quando for
desenvolver uma actividade de interpretação. São eles: elemento gramatical,
lógico, sistemático, histórico, teleológico4”.
O elemento gramatical também é designado por outros autores, neste
caso o Professor João Castro Mendes como elemento literal.
Fazendo o esclarecimento dos elementos, o referido Professor coloca:
3
MENDES, João Castro, Introdução ao estudo do Direito, 2004, p. 217.
4
https://www.jurisway.org.br/v2/pergunta.asp?idmodelo=6394 Acesso em: 18 nov. 2020.
5
MENDES, João Castro, Introdução ao estudo do Direito, 2004, p. 222.
6
Ibidem, p. 224-225.
7
Ibidem, p. 228.
8
Ibidem, p. 229.
222
normas constitucionais estimulam outro género de raciocínio
jurídico9”.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
9
MOREIRA, Eduardo Ribeiro, Neoconstitucionalismo e teoria da interpretação, 2008, p. 255.
10
Por efeito do artigo 294 do CC conjugado com o artigo 3 da LT e 109 da CRM.
11
Aprovado pelo Decreto n⁰ 66/98, de 8 de dezembro.
12
Conferir (Cfr) nº 2 do artigo 15 do Decreto n⁰ 66/98, de 8 de dezembro.
13
DIAS, Figueiredo citado por BRAVO, Jorge Reis, Manual sobre corrupção, criminalidade organizada e
económico-financeira, 2010, p. 37.
223
Não há crime sem bem jurídico... Para o estudo de qualquer tipo de
crime, é essencial a identificação do bem jurídico que este visa tutelar14.
Conceito de crime
Circunstâncias agravantes
14
BRAVO, Jorge Reis, op. cit., p. 37.
15
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 17.
16
Cfr artigo 1 da Lei nº 35/2014, de 31 de dezembro (Código Penal revogado).
17
BELEZA, Teresa Pizarro, Direito penal, p. 12.
18
BELEZA, Teresa Pizarro, op. cit., p. 15.
19
In SOUSA, Elísio de, Direito penal moçambicano, 2012, p. 26.
20
FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, Lições de Direito penal, 2010, p. 108.
224
Sendo as circunstâncias elementos acidentais do crime, distinguem-
se, como regra, em função dos seus efeitos na graduação da pena; e esses
efeitos ou são agravação da responsabilidade penal, ou a atenuação da
responsabilidade penal21.
Constituição da República
“A terra não deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada,
nem hipotecada ou penhorada”22.
O preceito legal acima transcrito claramente denota a proibição da
venda da terra em Moçambique. Sabe-se que que a Constituição da
República está no topo da hierarquia das leis. Nisto, as normas
infraconstitucionais devem ser entendidas no espírito da Constituição.
Assim entende-se da própria Constituição da República23
Lei de terras
Discussão
21
FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, op. cit., p. 112.
22
Número 2 do artigo 109 da Lei n⁰ 1/2018, de 12 de junho (Constituição da República de Moçambique).
23
Cfr número 4 do artigo 2 da Constituição da República de Moçambique.
24
Artigo 3 da Lei n⁰ 19/97, de 01 de outubro (Lei de Terras).
225
Constituição da República. Tal situação, seria uma forma de prevenir as
várias intenções de prosseguir com a venda de terrenos, tal como se elucida,
à título de exemplo no anúncio abaixo:
25
DAVID, Deoclécio Ricardo, Venda de terra: problemática da sua elevação à categoria de crime, in
https://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/opiniao-analise/55330-venda-de-terra-problematica-da-sua-
elevacao-a-categoria-de-crime-1, Publicado em: 30 mai. 2016. Acesso em: 10 nov. 2020.
26
Cfr artigo 874 do CC.
27
DAVID, Deoclécio Ricardo, op. cit.
226
propriedade do Estado, princípio consagrado na Constituição da
República28” como uma das directrizes que norteava o Estado moçambicano
em relação ao titular do direito de propriedade da terra.
Visão sobre a venda de terra à luz do sistema de leis em Moçambique –
alusão ao elemento sistemático na interpretação da Lei em conjugação
com o elemento histórico
28
CHIZIANE, Eduardo, Implicações jurídicas do debate sobre a implementação da legislação de terras,
2007, p. 12.
29
Artigo 8⁰ da Constituição da República Popular de Moçambique.
227
estado a ser lesado ou colocado em perigo de lesão no sentido em que o
titular vê o que lhe pertence a ser atacado, então consideramos que existe
matéria suficiente para se criminalizar a venda da terra e faz sentido o titular
se proteja.
Ora, o Estado é uma pessoa colectiva e por si só, em termos físicos,
não tem essa capacidade de ver. Deve haver alguém que o representa, sendo
neste caso o Ministério Público, como se denota do artigo que se segue:
CONCLUSÃO
30
Artigo 235 da Constituição da República de Moçambique.
228
Existe lógica e fundamento da criminalização da venda de terra e,
apesar da não congruência taxativa com o negócio jurídico da compra e
venda, logicamente que na venda de terra existe um sujeito comprador.
Dizer ou chamar o argumento de que a conduta em si deveria ser igual ou
literalmente estar escrita algo referente a figura do “comprador” é um
argumento que apesar de formalmente aceite, não é materialmente
aceitável, enquanto na prática estiver a ser observado a lesão do bem em
discussão e o Estado sofrer prejuízo da referida lesão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Legislação
Lei nº 1/2018, de 12 de junho – Constituição da República de Moçambique
Lei nº 19/97, de 01 de outubro – Lei de terras
Lei nº 35/2014, de 31 de dezembro – Código penal moçambicano (revogado)
Lei nº 24/2019, de 24 de dezembro – Código penal moçambicano (actual)
Decreto nº 66/98, de 8 de dezembro – Regulamento da lei de terras
Doutrina
BRAVO, Jorge dos Reis. Manual sobre corrupção, criminalidade organizada e
económico-financeira. Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Maputo, 2010.
MENDES, João Castro. Introdução ao estudo do Direito. PF, Lisboa, 2004.
CHIZIANE, Eduardo. Implicações jurídicas do debate sobre a implementação da
legislação de terras. 2007, p. 12.
DAVID, Deoclécio Ricardo. Venda de terra: problemática da sua elevação à categoria
de crime. in https://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/opiniao-analise/55330-
venda-de-terra-problematica-da-sua-elevacao-a-categoria-de-crime-1, Publicado a 30
de maio de 2016, Acesso em: 10 nov. 2020.
FERREIRA, Manuel Cavaleiro de. Lições de Direito penal. Edições Almedina, Coimbra,
2010.
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1996.
229
OS CRIMES OMISSIVOS IMPUROS: DOS
FUNDAMENTOS PARA A EXTENSÃO DO DEVER
JURÍDICO DE GARANTE PREVISTO NO Nº 2 DO
ARTIGO 10 DO CÓDIGO PENAL
MOÇAMBICANO
SEZINHO MUACHANA*
MUSSAAGY HASSANE MUSSAGY**
INTRODUÇÃO
*
Advogado Profissional e Docente Universitário - Faculdade de Direito da Universidade Católica de
Moçambique.
**
Consultor Jurídico e Docente universitário- Faculdade de Direito da Universidade Católica de
Moçambique.
231
pesquisa foca-se no método hermenêutico e sistemático, e como técnica de
recolha de dados, privilegiamos a observação indirecta.
Como estrutura do presente artigo nos propusemos a discutir no
primeiro momento, alguns aspectos gerais e relevantes ligados aos crimes
por omissão, a posição de garante, a legítima defesa bem como da
cumplicidade; no segundo momento fazemos menção de forma profunda a
respeito dos fundamentos para a extensão do dever jurídico de garante
previsto no nº 2 do artigo 10 do Código Penal e, por fim, tecemos algumas
considerações finais do Estudo.
1
DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Questões fundamentais a doutrina geral do crime.
TOMO I, 2ª ed., Coimbra Editora. Coimbra, 2012, p. 905.
2
BELEZA, Teresa Pizarro. Direito Penal. II° Volume. Lisboa, 1985, p. 115.
3
Ibidem, p. 452.
3
DIAS, Jorge Figueiredo. Op. cit., p. 913.
232
acção imposta e esperada4. Assim, se torna de extrema importância
determinar o círculo dos autores possíveis de um crime de omissão5.
Acresce ainda o mesmo autor que serão crimes omissivos puros ou próprios
aqueles em que a parte especial do código penal referencia expressamente
a omissão como forma de integração típica, descrevendo os pressupostos
fácticos donde deriva o dever jurídico de actuar ou, em todo o caso, referindo
aquele dever e tornando o agente garante do seu cumprimento6.
Os crimes por omissão impura ou imprópria de omissão, seriam os
não especificamente descritos na lei como tais, mas que a tipicidade
resultaria de uma cláusula geral de equiparação da omissão à acção, como
tal, legalmente prevista e punível na parte geral do Código Penal7.
4
CORREIA, Andreia Gomes. Omissão. Seminário de investigação em Direito Penal. Lisboa, 2016, p. 16.
5
DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Questões fundamentais da doutrina geral do crime.
TOMO I. Coimbra: Coimbra Editora, 2ª ed., 2012, p. 913-914.
6
CORREIA, Andreia Gomes. Op. cit., p. 7.
7
DIAS, Jorge Figueiredo. Op. cit., p. 914.
8
CORREA, Andreia Gomes. Op. cit., p. 10.
9
DIAS, Jorge Figueiredo. Op. cit., p. 918.
10
Cfr nº 2 artigo 10 CP.
11
DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Questões fundamentais a doutrina geral do crime.
TOMO I. Coimbra: Coimbra Editora, 2ª ed., 2012, p. 933.
233
2. BREVE REFERÊNCIA A LEGÍTIMA DEFESA E DA CUMPLICIDADE
2.1 Da Legítima defesa
Pode suceder que uma acção, apesar de ser típica, não seja criminosa,
na medida em que, em certas condições, pode ser permitido ofender
corporalmente ou matar alguém. A ilicitude é uma qualidade de um
comportamento que tem de ser vista face ao conjunto da ordem jurídica e
não apenas em relação a lei penal. Por isso, vão existir tantas causas de
exclusão de ilicitude na lei penal assim como em outras leis que tem
relevância em direito penal. Por isso, a esse respeito, fala-se do princípio da
unidade do direito penal12.
Das várias causas de exclusão de ilicitude que podemos encontrar
descritas no artigo 51 e seguintes do CP, assim como em outras leis
extravagantes, a que nos interessa desde já é a legítima defesa. Constitui
legitima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a
agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou
de terceiro13. O fundamento justificador desta situação foi durante muito
tempo pacificamente encontrado e formulado por BERNER na esteira da
posição de HEGEL na afirmação de que o direito não deve nunca ceder
perante o ilícito14.
O fundamento da legítima defesa no momento actual é visto com a
função exclusiva, na defesa necessária, e consequentemente preservação do
bem jurídico agredido, deste modo se considerando esta causa justificativa
um instrumento socialmente imprescindível de prevenção15 e
consequentemente de defesa da ordem jurídica16.
2.2 Da Cumplicidade
Indo ao código penal, cúmplices vão ser os indivíduos que vão dar um
apoio não decisivo ao agente do crime antes do cometimento da infracção
criminal. Esse apoio pode ser moral ou poder ser material nascendo desta
feita a cumplicidade moral e material respectivamente conforme se pode
retirar do artigo 25 do Código Penal Moçambicano.
12
BELEZA, Teresa Pizarro. Direito Penal. II° Volume. Lisboa, 1985, p. 231.
13
Cfr. b n° 1 artigo 51 e artigo 53 ambos CP.
14
BERNER apud DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Questões fundamentais a doutrina
geral do crime. TOMO I, 2ª ed., Coimbra Editora. Coimbra, 2012, p. 404.
15
ROXIN, apud DIAS, Jorge Figueiredo. Ibidem, p. 405.
16
LUZON, apud DIAS, Jorge Figueiredo. Ibidem, p. 405.
234
3. DOS FUNDAMENTOS PARA A EXTENSÃO DO DEVER JURÍDICO DE
GARANTE PREVISTO NO Nº 2 DO ARTIGO 10 DO CÓDIGO PENAL
MOÇAMBICANO
235
A posição de garante pode resultar também de um contrato seja qual
for o tipo de contrato seja ele válido ou inválido. O que oferece fundamento
ao dever e a posição de garante não é a existência de uma relação contratual
válida, mas sim a assunção fáctica de uma função de protecção
materialmente baseada numa relação de confiança17.
A posição de garante pode resultar também de ingerência que vai
abranger qualquer situação em que uma pessoa criou uma situação de
perigo e por isso mesmo tem depois a obrigação de evitar que esse perigo se
transforme numa verdadeira lesão de direitos.
Não nos importa discutir a legitimidade de tais fontes, o que está em
causa é o facto de, nas situações de relações familiares que nos referimos
acima, haver clara intenção da lei, no sentido de se impor a determinados
indivíduos que se encontrem nas situações de casado ou então de
parentesco, de não deixarem que determinado resultado aconteça e, como
tal vão se encontrar na posição de garante.
Faz sentido que os indivíduos que se encontrem nessas situações
sejam também tidos como garante porque os mesmos vão se submeter, ou
então criar situações jurídicas que, automaticamente, vão se encontrar
numa situação forçosa de evitar que determinado resultado aconteça. Pelo
que, somos do entendimento segundo o qual, a ideia de se buscar a posição
de garante de não verificação de um determinado resultado tem de ser vista
face ao conjunto da ordem jurídica e não apenas em relação a lei penal.
Não menos importante, são os aspectos ligados aos fundamentos ou
razões de punição dos crimes por omissão impura. Como no capítulo acima
nos referimos, EDUARDO CORREIA tenta buscar o fundamento de uma tal
equiparação na ideia segundo a qual, quando um tipo de crime proíbe a
produção de um resultado tanto lhe interessam as acções que o produzem,
como as omissões que o deixam ter lugar, ou seja, da norma que pretende
evitar um resultado nasce para todos não só a proibição de actividades que
o produzam, como também o comando de levar a cabo todas as actividades
que obstem a sua produção18.
Importa deixar ficar que, este fundamento do EDUARDO CORREIA,
analisado a partir do artigo 10 do Código Penal Moçambicano, pode nos
levar a uma impossibilidade de o colocar em prática na medida em que, o
referido dispositivo faz uma limitação dos indivíduos que se encontram
cobertos ou que podem se encontrar na posição de garante. Por isso mesmo,
FIGUEIREDO DIAS diz que, a questão básica é, pois, a de determinar o modo
17
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Questões fundamentais a doutrina geral do
crime. TOMO I. Coimbra: Coimbra Editora, 2ª ed., 2012, p. 941-942.
18
CORREIA, Eduardo. Direito Criminal I. Coimbra: Livraria Almedina, 1971, p. 271.
236
de se delimitar os deveres de garantia jurídico-penalmente relevantes com
a clareza e determinabilidade suficientes para responder as exigências
jurídico-constitucionais do nullum crimen sine lege19.
Tendo-se em atenção o Código Penal Moçambicano e, em concreto, a
limitação das pessoas face a posição de garante previsto no ° 2 do artigo 10
do código penal, o posicionamento do FIGUEIREDO DIAS tem toda razão de
ser face ao princípio da legalidade nullum crimen sine lege20. Mas, somos da
opinião que, há uma necessidade de se ampliar a posição de garante para
qualquer indivíduo que possa, nas situações em concreto, evitar que
determinado resultado se verifique. Sendo assim, entendemos que há uma
razoabilidade na posição de EDUARDO CORREIA ao defender que quando
um tipo de crime proíbe a produção de um resultado tanto lhe interessam
as acções que o produzem, como as omissões que o deixam ter lugar, ou seja,
da norma que pretende evitar um resultado nasce para todos não só a
proibição de actividades que o produzam, como também o comando de levar
a cabo todas as actividades que obstem a sua produção.
Ora vejamos: escolhemos de princípio fundamentar a nossa posição a
partir da figura da legítima defesa alheia cfr. b) n° 1 artigos 51 e artigo 53,
ambos do CP. Constitui legítima defesa o facto praticado como meio
necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente
protegidos do agente ou de terceiro21. O primeiro fundamento norteador da
legítima defesa, como nos referimos acima, gira em torno da afirmação de
que o direito não deve nunca ceder perante o ilícito22.
O fundamento da legítima defesa actualmente é visto com a função
exclusiva, da defesa necessária e, consequentemente, da preservação do bem
jurídico agredido, considerando-se, esta causa justificativa, um instrumento
socialmente imprescindível de prevenção23 e consequentemente de defesa da
ordem jurídica24.
Além dos fundamentos da legítima defesa, importa chamar a colação,
alguns aspectos ligados aos requisitos da legítima defesa. O primeiro
requisito é, na verdade, a existência de uma agressão. Essa agressão pode
ser a bens pessoais ou a bens patrimoniais. Ainda pode ser feita no próprio
sujeito que se defende ou num terceiro. Às vezes, a legítima defesa alheia
aparece sob o nome de auxílio necessário. Ou seja, pode se excluir a ilicitude
de uma determinada conduta criminosa, aquele que der auxílio a outrem, e
19
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Questões fundamentais da doutrina geral do
crime. TOMO I. Coimbra Editora. Coimbra, 2ª ed., 2012, p. 933.
20
Cfr artigo 59/3 CRM, Artigo 1 CP.
21
Cfr b nº 1 artigo 51 e artigo 53 ambos CP.
22
BERNER apud DIAS, Jorge Figueiredo. Op. cit., p. 404.
23
ROXIN, apud DIAS, Jorge Figueiredo. Ibidem, p. 405.
24
LUZON, apud DIAS, Jorge Figueiredo. Ibidem, p. 405.
237
em função desse auxílio viole um bem jurídico-penal desde que essa violação
seja feita de acordo com os requisitos constantes do artigo 53 do CP.
Tendo o próprio Direito Penal consagrado a legítima defesa alheia,
sendo que, em relação a esta não há uma limitação do circuito de
determinadas pessoas que se encontrem em posição de garante,
defendemos que, na situação em apreço, o Direito não está a ceder perante
o ilícito, permitindo que qualquer indivíduo nas situações em concreto possa
violar um bem jurídico penalmente protegido, mas que tal conduta possa ser
justificada.
Ademais, permitindo-se a legítima defesa alheia, somos também
claramente do entendimento que, a mesma, deve ser vista com a função
exclusiva, na defesa necessária, e consequentemente preservação do bem
jurídico agredido. Deste modo, se considerando, esta causa justificativa, um
instrumento socialmente imprescindível de prevenção, e consequentemente
de defesa da ordem jurídica, mas também, se chamando à colação a questão
ligada a finalidade do Direito penal ou então da finalidade das penas, a qui nos
referimos a da prevenção geral onde o denominador comum dessas teorias
radica na concepção da pena como instrumento político-criminal destinado a
actuar sobre a generalidade dos membros da comunidade, afastando-os da
prática de crimes através da ameaça penal estatuída pela lei.
Na prevenção especial nos referimos acima que a pena se dirigi de
forma individual ao agente com a finalidade de actuar sobre o condenado de
forma intimidatório, no grau suficiente para o afastar da prática de novas
infracções, quer pela correcção ou emenda se o delinquente se mostrar
carecido de ressocialização ou readaptação social, quer pela eliminação, se
o mesmo se mostrar ineficaz todo o esforço de readaptação social. Nos
referimos também às teorias absolutas. Estas teorias concebem a pena como
fim em sim mesmo, como castigo, compensação, reparação ou retribuição do
mal do crime, justificada pelo seu valor axiológico intrínseco,
independentemente da utilidade que pode resultar da punição.
Não se querendo discutir em profundo se podemos falar de uma
finalidade das penas ou então do Direito Penal, importa desde já apontar
que, mesmo se nos referirmos a finalidade do Direito Penal, essa finalidade
no fundo e, em termos mediatos, vai se reconduzir às finalidades do Direito
no Geral, que são a segurança justiça e algo mais. Se as finalidades do Direito
Penal, ainda que seja a título mediato, é a da segurança, justiça e algo mais,
então, estas finalidades normalmente devem ser alcançadas com um
conjunto de normas que de princípio não devam ser contraditórias, na
medida em que as mesmas devam compadecer-se uma com a outra no
sentido de se complementarem entre si e não cederem perante qualquer
238
ilícito. Acreditamos que, perante uma consagração da legítima defesa alheia
com os fundamentos da defesa da ordem jurídica, esses fundamentos devem ser
também aplicáveis aos casos de omissões impuras, no sentido de alargar o
âmbito da obrigatoriedade de evitar que um determinado resultado se verifique
para qualquer indivíduo independentemente de qualquer fonte de criação da
posição de garante porque se assim for, somos do entendimento que também
estaremos a criar condições e mecanismos da defesa da ordem jurídica e como
tal prosseguindo o fim de segurança que o direito visa atingir, até porque o
Direito vai atingir os seus fins por via ou meio dos cidadãos.
Se tentarmos chamar a colação a questão dos fins imediatos das penas
ou então do Direito Penal, conseguimos reter algumas teorias em torno de
tal discussão. Na verdade, não iremos discorrer no sentido de perceber em
concreto qual seja a finalidade das penas no Direito Penal Moçambicano,
mas desde já importa deixar ficar que, a questão das finalidades das penas
pelo menos no ordenamento jurídico moçambicano não vai se reconduzir a
uma teoria isolada, mas sim numa unificação das várias teorias. Se formos à
teoria da prevenção geral positiva, mesmo admitindo que ela só funcione na
fase da ameaça penal e não propriamente na finalidade da pena, somos do
entendimento de que as figuras da legítima defesa alheia assim como da
punição das omissões impuras vão ter, sem dúvida, a finalidade de ameaçar
e, consequentemente, prevenir que todos os indivíduos cometam crimes. Há
uma razão de ser. Não se justifica que a posição de garante se limite, de
forma específica, a determinadas pessoas que se encontrem na tal situação
de garante enquanto na situação em concreto poderiam ter feito alguma
coisa e evitassem que se verificasse determinado resultado. Ademais, o
Direito no geral e o Direito Penal em concreto, não deve esperar que os
indivíduos cometam crimes e só depois lance mão das normas para
salvaguardar o bem jurídico violado. Na verdade, o Direito deve ao máximo
encontrar estatuições e previsões no sentido dos indivíduos face a tais
situações não pensem em cometer infracções e em última instância, e de
forma subsidiária, ou seja, em último ratio punir os indivíduos em caso de
violação das mesmas.
Entretanto, se admitirmos que a finalidade da pena no momento da
sua execução seja a de retribuição ou então a ressocialização, podemos não
encontrar fundamento da não extensão da posição de garante a todos
indivíduos. Esta situação decorre do facto de a prevenção especial positiva,
por exemplo, poder vir a ter uma finalidade principal de ressocialização do
indivíduo por o considerar incapaz de viver em sociedade. Se um indivíduo
assiste o outro a ser agredido, e nada faz para evitar que um determinado
resultado aconteça, então, tanto o indivíduo que agride, assim como o
239
omitente que assiste o ilícito a ser praticado, são ambos incapazes de viver
em sociedade, por isso há uma clara necessidade de ressocialização dos dois
indivíduos.
Ora, mesmo se baseando nas teorias retributivas em que se
fundamentam na retribuição do mal pelo mal, podemos não encontrar
fundamento de uma não extensão de punição nos crimes por omissão
impura a qualquer indivíduo. Se um indivíduo deixa que outro seja agredido
enquanto poderia fazer algo para evitar tal resultado, mesmo não estando
na posição de garante, este indivíduo está a deixar que um determinado mal
aconteça, se deixa que um determinado mal aconteça, deve ser castigado por
isso ainda que seja de forma moderada em detrimento do castigo que vai ser
aplicado ao autor imediato da infracção.
A questão da necessidade de se ampliar a posição de garante pode
também ser justificada tendo em atenção a figura da cumplicidade. A
cumplicidade na verdade em termos gerais, verifica-se quando um
determinado indivíduo dá um apoio tanto moral assim como material, apoio
este não decisivo na medida em que, mesmo sem esse apoio o crime teria
sido verificado.
No entanto, se podemos incriminar um determinado indivíduo,
independentemente da qualidade do mesmo, na cumplicidade, que
contribuiu de uma forma não decisiva no cometimento de um crime,
acreditamos que não se encontram razões para não se lançar mão a
criminalização de um indivíduo que deixou de forma dolosa que um
determinado resultado acontecesse quando podia na situação em apreço
fazer qualquer coisa para evitar o mesmo. Quer dizer, não seria de todo
estranho a responsabilização criminal desses indivíduos que mesmo que
não tenham participado de forma directa na execução na medida em que o
próprio código penal, com a intenção de prevenir o cometimento de crimes,
pune também os cúmplices que não tenham participado de forma directa e
muito menos decisiva no cometimento da infracção.
Segundo CARVALHO, a lei simplesmente diz “quando existe um dever,
mas o preenchimento dele, a adequação típica genérica, fica
inexoravelmente a cargo do juiz. Ele é quem define, diante do caso em
concreto, se o tipo A ou B podem ter suas tipicidades preenchidas mediante
uma conduta omissiva”25
Tendo em atenção a ideia acima exposta, considerando que a omissão
só é punível quando recair sobre o omitente um dever jurídico que
25
CARVALHO, Edward Rocha de. Estudo Sistemático dos Crimes Omissivos: Dissertação do Mestrado
apresentada ao programa de pós-graduação em Direito, da Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2007.
P. 21. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp037603.pdf
240
pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado, acreditamos que a locução
“…o dever jurídico que pessoalmente…”, deveria ser entendido não no
sentido de se buscar na lei, no contrato ou também numa situação de
ingerência, o dever jurídico que pessoalmente obrigue o omitente. Deveria, no
entanto, aferir-se na situação em que um determinado agente se encontra,
poder ter uma acção e, em função da tal acção, poder evitar um determinado
resultado independentemente de qualquer fonte. Ou seja, se numa situação em
concreto, um determinado indivíduo, tem capacidade de agir no sentido de
evitar que um determinado resultado aconteça, então esse indivíduo se
encontra pessoalmente obrigado a fazer qualquer coisa para que o resultado
não aconteça independentemente da lei, contrato ou ingerência. Esse indivíduo
é garante da não verificação de qualquer resultado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
241
capacidade de agir no sentido de evitar que um determinado resultado
aconteça, então, esse indivíduo se encontra pessoalmente obrigado a fazer
qualquer coisa para que o resultado não aconteça independentemente da lei,
contrato ou ingerência, esse indivíduo é garante da não verificação de
qualquer resultado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
242
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL NO
DIREITO PENAL MOÇAMBICANO. ANÁLISE DA
CULTURA MACUA EM RELAÇÃO AO Nº 2 DO
ARTIGO 203 DO CÓDIGO PENAL, APROVADO
PELA LEI Nº 24/19, DE 24 DE DEZEMBRO
INTRODUÇÃO
*
Doutorando em Direito Público, 3 edição, pela Universidade Católica de Moçambique; Licenciado em
Direito pela Universidade Eduardo Mondlane em 2006; Pós graduação em Direito de Transportes em 2012
pela Universidade Zambeze; Pós graduação em Ciências Políticas, Governação e Relações Internacionais
em 2013 pela Universidade Católica de Moçambique; Pós graduação em Direito Administrativo em 2014
pela Universidade Católica de Moçambique; Mestre em Direito Administrativo pela Universidade Católica
em 2016.
243
Para o estudo, escolher-se-á a cultura do povo macua por ser a maior
do país, pois ocupa quase parte da região centro e quase toda da região norte
e possui uma cultura mais notável e conhecida pelos seus ritos de iniciação.
Estrutura
Metodologia
244
Do ponto de vista da ordem jurídico-penal, são adequadas aquelas
condutas que uma determinada sociedade as tolera, mas consideradas
intoleráveis e sancionáveis pela lei penal.
Essas condutas constituem um modo de vida da sociedade e
enquadram-se nos seus costumes.
Obviamente, considerando a dinâmica de qualquer sociedade que
provoca a modificação dos seus costumes, essas condutas devem ser
encaradas num determinado tempo e espaço. Isto é, as mesmas podem ser
aceitas num certo momento e local e nos outros não aceitas.
O termo adequação deve ser interpretado numa perspectiva
comparativa, na medida em que a mesma conduta é vista na ordem social
como normal e aceite, mas na ordem jurídica como maliciosa.
Significa que os membros da sociedade praticam a conduta
convencidos e conscientes de estarem a agir dentro da normalidade na vida
social e dos seus costumes, sem, no entanto, temerem as possíveis
consequências da mesma conduta na ordem jurídico-penal ou até ignorá-las.
1
DOS SANTOS, Juliana Zanuzzo, O Que se Entende Por Princípio de Adequação Social, artigo
disponível em https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121928188/o-que-se-entende-por-principio-
da-adequacao-social. Acessado em: 21 nov. 2020.
245
contraditória, uma vez que o Direito Penal fará a censura de uma conduta
que a sociedade pondera e incentiva, porque é adequada.2
Tal como qualquer princípio, que é o espírito de qualquer ordem
jurídica e situa-se no plano supra ordenacional, diga-se acima da ordem
jurídico-constitucional, serve de orientação, tanto para o legislador, como
para o aplicador da norma no exercício da sua interpretação.
Como diz DEIGLYSSON, Jimmy citando Greco, a primeira utilidade do
princípio seria a de reduzir o campo de abrangência do tipo legal de crime,
limitando a hermenêutica, e daqui suprimir as condutas toleradas pela
comunidade. A segunda, orientada para o criador das leis, que o conduz a
seleccionar as condutas que pretende impedir a sua prática, tendo em conta
a protecção dos bens jurídicos qualificados como importantes. Certamente,
resulta que a conduta que for determinada como adequada na sociedade, o
legislador não deve valer-se do Direito Penal para a proibir.3
Conforme foi dito acima, considerando que a sociedade não é estática,
tal como os valores de qualquer sociedade transmutam no tempo e no
espaço, o princípio em análise, a cada momento, ilumina o direito penal,
obrigando-o que reveja as condutas da sociedade em função da adequação
social. Isto é, verificar se as condutas subsumidas como tipos legais de crime
ainda são intoleradas ou que aquelas que ainda não são consideradas crime
se ainda gozam de aceitação na sociedade.
Temos vários exemplos, como é o caso da poligamia que actualmente
discute-se bastante se é ou não tolerada pela sociedade, podendo ser
criminalizada ou não, considerando que em muitas culturas moçambicanas
é uma prática normal e aceite.
Mais adiante, e como um dos exemplos, será objecto de análise no
presente trabalho, a questão do coito com menores de 16 (dezasseis) anos,
tendo como base a cultura macua, escolhida para o estudo por ser a maior
tribo a nível nacional. Mas, na verdade, é uma prática generalizada em quase
todas comunidades do país.
Temos também o exemplo da pena de morte que é tolerada em
algumas sociedades, mas intolerada em outras.
No espírito deste princípio, como se diz na gíria popular do mundo
jurídico-penal, trazido por DOS SANTOS, Zanuzzo Juliana apud PUIG,
2
DEYGLISSON, Jimmy, Considerações Sobre Teoria da Adequação Social. Artigo disponível no
http://www.jimmyadvocacia.com.br/considerações-sobre-a-teoria-da-adequação-social/. Acessado em:
21 nov. 2020.
3
DEYGLISSON, Jimmy, Considerações Sobre Teoria da Adequação Social. Artigo disponível em:
http://www.jimmyadvocacia.com.br/considerações-sobre-a-teoria-da-adequação-social/. Acessado em: 21
nov. 2020.
246
Santiago Mir, que “não se pode castigar aquilo que a sociedade considera
correcto”.4
Como CABETTE, Eduardo Luíz Santos apud WELZEL, Hans, o pai do
princípio da adequação social, diz que este princípio é de certo modo uma
espécie de pauta para os tipos legais de crime. Por isso, ficam excluídas dos
tipos legais de crime as acções socialmente adequadas.5
É certo reconhecer que o princípio não é de todo absoluto, pois
apresenta suas limitações e imprecisões na aplicação prática, requerendo,
obviamente, outras teorias que o possam auxiliar.
Alguns doutrinários, discutem se o princípio é útil na esteira da
ilicitude ou tipicidade ou interpretação.
A maioria entende que direcciona-se mais no campo da
hermenêutica.
No entanto, há que ampliar o horizonte da aplicabilidade do princípio,
de modo a não ser visto, apenas, no momento da interpretação de alguma
norma já vigente, mas também no momento da análise das condutas alvos
de criminalização.
Como exemplo, na fase dos trabalhos preparatórios, o princípio deve
ser chamado como condutor para avaliar se uma certa conduta é reprovável
ou se perdeu a sua aprovação na sociedade. Ou seja, se na ordem social é
considerada ilícita ou não. Obtido o resultado da avaliação, alcança-se a
conclusão se, de facto, a conduta em avaliação deve ser tipificada como crime
ou não.
Entretanto, a discussão sobre esta matéria, reserva-se para um
trabalho específico.
4
DOS SANTOS, Juliana Zanuzzo, O Que se Entende Por Princípio de Adequação Social, artigo
disponível em: https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121928188/o-que-se-entende-por-principio-
da-adequacao-social. Acessado em: 21 nov. 2020.
5
CABETTE, Eduardo Luiz Santos, Imputação Objectiva e Teoria da Adequação Social. Artigo disponível
em: https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121938010/imputacao-objetiva-e-teoria-da-adequaca
o-social. Acessado em: 22 nov. 2020.
247
Na verdade, este princípio deriva e está em consonância com várias
disposições constitucionais.
O nº 3 do artigo 2 da Constituição da República de Moçambique
(CRM) dispõe que o Estado se subordina à Constituição e funda-se na
legalidade.
Considerando que o poder e a justiça penal residem no Estado, impõe-
se a este que exerça o poder tendo como fundamento, critério e limite a lei.
É crucial recordar e trazer em destaque que a justiça penal está ligada
aos direitos essenciais intimamente ligados a pessoa humana de alto valor.
Deste modo, não se pode deixar a bel-prazer do Estado o exercício da justiça
penal.
Nesta esteira, em harmonia, o artigo 3 da mesma CRM reforça a ideia
das garantias, imperando que “a República de Moçambique é um Estado de
Direito, (…) baseado no respeito e garantia dos direitos e liberdades
fundamentais do Homem.”
As disposições do capítulo III da CRM, em geral e na sua maioria,
versam sobre matéria reguladora da área penal.
Mas, em particular, o nº 3 do artigo 59 da mesma constituição, obriga
que nenhum cidadão deva ser punido com pena não prevista na lei.
O nº 1 do artigo 60 também do mesmo instrumento legal fundamental
veda que alguém seja condenado por conduta não qualificada como crime
no momento da sua prática.
Portanto, como se pode concluir, o preceito legal que consagra o
princípio da legalidade encontra cobertura na CRM.
Não só, fora do ordenamento jurídico nacional, tal como nas
convenções internacionais, encontra-se amparo do princípio da legalidade
patente na lei penal, criados para orientar e impor aos poderes públicos o
respeito pela dignidade humana e pelos direitos, liberdades e garantias
fundamentais.
Aliás, também o respeitado brocardo jurídico, até considerado um
princípio supraconstitucional, nullum crimen nulla poena sine lege, constitui
um capote do artigo 1 do C.P.
Portanto o princípio da legalidade previsto na lei penal encontra
suporte em vários cantos.
Ora, do exercício hermenêutico do artigo 1, resulta que neste
princípio da legalidade subjaz outro essencial que é o princípio da tipicidade.
Ora de forma simples e prático, entenda-se que é incumbido ao Estado
o poder de administrar a justiça penal, fazendo leis onde prevê toda a sua
actuação, incluindo definir quais são as condutas que as considera
reprovadas socialmente para que as enquadre como crimes através da
248
tipificação. Depois da tipificação, define a pena a aplicar a quem cometer
uma conduta que se enquadra no tipo legal de crime.
Definido o quadro legal, por observância do princípio da legalidade, é
cumprido escrupulosamente por todos, principalmente pelo aplicador da lei,
no caso o julgador.
Em face deste entendimento e da rigorosidade do princípio da
legalidade a qual assenta o Direito penal, a questão que se levanta é a de
saber se o princípio da adequação social encontra espaço de manobra para
a sua aplicação efectiva neste direito?
Impõe-se, certamente, a adopção de uma posição fundando-se no
facto de que, como se disse antes, o princípio da adequação social não pode
ser visto apenas no prisma da interpretação, mas deve ser chamado também
na fase da construção ou da reforma de uma norma ou da lei no seu todo.
Nesta fase, possibilita ao legislador estudar as condutas praticadas na
sociedade, verificando e avaliando o grau do valor ou o desvalor das
mesmas. Com este exercício, sem dúvida, o legislador encontra fundamentos
para seleccionar as condutas que entende serem nocivas à sociedade. Sendo
nocivas e reprovadas, há lugar a criminalização. Assim, não corre o risco de
estabelecer castigos às condutas valoradas e fomentadas pela sociedade.
Com este exercício alimenta fundamentos para justificar a tipicidade das
condutas.
A dificuldade surge na aplicação de uma norma em sede de
julgamento, onde o julgador, fazendo a subsunção de uma conduta à um tipo
legal de crime, concluindo que preenche, em observância ao princípio da
legalidade, é lhe imposto a condenar.
No entanto, o julgador pode se deparar com um conflito, na medida
em que a conduta desvalorada pelo Direito Penal é valorada e fomentada
pela sociedade, facto que deixaria a sociedade confusa quanto a condenação
do autor. Neste caso, o único espaço que se pode encontrar é na avaliação da
pena, podendo relaxar em função do poder discricionário que o julgador tem
dentro da moldura penal.
O certo é que o julgador é obrigado a cumprir rigorosamente a lei,
resultando daí que o princípio da adequação social não tenha espaço para a
sua aplicabilidade efectiva.
Uma certa conduta pode ser ilícita na ordem jurídica-penal e ser lícita
na ordem social. Por isso, é tipificada como delito na ordem jurídica-penal,
mas não tipificada como desvio na sociedade.
Daqui, pode-se concluir que a aplicação do princípio da adequação
social encontra realmente obstáculo diante da aplicação do princípio da
legalidade.
249
2. CULTURA MACUA
2.1 Definição de Cultura
6
DIAS, Reinaldo, Introdução a Sociologia, 2 edição, Pearson, São Paulo, 2010, pg. 66. Apud TYLOR,
Eduard (1871).
250
milhões) de habitantes, correspondentes a mais ou menos 40% da
população do país que se estima em 30.000.000 (trinta milhões) de
habitantes.
A tribo macua divide-se em três grupos: Grupo macua do interior
(Emakhuwa) predominantes da Província de Nampula e parte da Província
do Niassa e constituem a maioria; grupo macua emeetto que predomina na
Província de Cabo Delgado; e grupo macua-lomwe (Elomwe), predominante
na Província de Zambézia.
Trata-se de uma tribo com uma cultura bastante influente em
Moçambique.
251
consciência da própria identidade e o lugar que lhe compete na comunidade.
Depois da iniciação, o jovem pode tomar parte de plenos direitos em todas as
actividades da sociedade: pode casar-se, participar nos sacrifícios tradicionais,
sentar-se no meio dos adultos, falar publicamente nas reuniões, tomar parte
activa nas festas e ir aos funerais. Todas estas actividades pertencem só aos
iniciados, só eles as fazem, pois somente eles nasceram para o povo.7
Como se pode ver, trata-se, efectivamente, de um nascimento social.
Nestas cerimónias, os jovens iniciados recebem dos mestres todo tipo
de instruções ou ensinamentos através de expressões linguísticas, gestos e
todo tipo de sinais capazes de transmitirem e provocarem reacções ao
corpo, inteligência e ao coração da pessoa, atraindo também os mestres de
iniciação nos seus mais variados aspectos, desde a parte íntima até o mais
superficial. Nestas cerimónias, tudo o que é considerado de ser humano não
fica de fora no tratamento. A pessoa do iniciado é submetida a todas
situações que constituam uma preparação para a vida, incluindo a vida
sexual e casamento na sua plenitude e sem tabus.8
Portanto, o iniciado sai da cerimónia certificado pela sociedade como
adulto. E, por esta via, recebe a licença para a prática de condutas que, de um
modo geral, podem ser condenáveis, mas que na sociedade onde está
inserido são plenamente aceites e exigíveis.
A questão que se coloca ligada ao presente estudo está relacionada
com a idade que o iniciado passa a ser considerado pela sociedade como
adulto?
Na verdade, não existe uma idade certa para a iniciação. No caso dos
rapazes, como diz MARTINEZ, Francisco Lerma,
7
MARTINEZ, Francisco Lerma, O povo Macua e sua Cultura, 3ª ed., Ed. Paulinas, Maputo, 2009, p. 93.
8
Ibidem, p. 94.
9
Ibidem, p. 96.
252
Portanto, deste enunciado textual fica claro e evidente que após o
tempo da cerimónia, o rapaz sai com o título de adulto. Tanto é que, um dos
momentos da cerimónia é a realização da circuncisão deles e outros
ensinamentos que os prepara para a vida sexual activa.
Resulta daqui que a idade adulta considerada na sociedade macua,
para o caso dos rapazes, é de mais ou menos a partir dos 12 anos. De todo
modo, como se disse, para esta cultura macua e muitas outras, não é
concretamente a idade que determina a puberdade social, mas a partir dos
ritos de iniciação.
10
MARTINEZ, Francisco Lerma, O povo Macua e sua Cultura, 3ª ed., Ed. Paulinas, Maputo, 2009, p. 123.
253
3. DO CRIME E DAS PENAS EM GERAL
3.1 Definição de crime
Ainda que não seja objecto deste estudo falar do crime em geral ou de
aspectos genéricos de Direito Penal, mas porque pretende-se analisar a
adequação de uma conduta que é considerada crime, há necessidade de fazer
compreender de que figura legal se trata, do mesmo modo que se teve que
trazer a noção do que é cultura só para enquadrar o leitor.
Tal como qualquer outra definição, é filosoficamente questionável, mas
porque aproxima-se à realidade, há que optar pela definição do BELEZA, Teresa
que entende que “o crime é uma conduta ilícita, típica e culposa”11.
Para MUBARAK, Rizuane, embora faz, apenas, um acréscimo, o crime
equivale “a um comportamento humano que consiste numa acção penalmente
relevante, acção essa que é típica, ilícita, culposa e punível.”12
Considera-se ilícita quando a conduta é reprovada pela lei, ou seja
quando a lei penal não admite a sua prática.
É típica quando a lei faz a descrição da conduta e determina como ilegal.
É culposo quando a conduta é praticada movida por um sentimento
intencional (dolo) ou por falta do devido zelo (negligência).
Significa que o Estado, para a protecção de determinados bens jurídicos
e considerando que outras áreas não são suficientes para prevenir e repreender
a prática, como Direito Administrativo ou civil, dentro do Direito Penal, define-
as como crime.
Para melhor compreensão do que o Direito Penal pretende proteger,
MUBARAK, Rizuane numera como bens jurídicos “a vida, integridade física,
honra, liberdade, propriedade, património em geral, liberdade de
movimentação, liberdade de decisão, etc.” 13
No entanto, a prática de determinada conduta descrita como crime é
passível de alguma sanção, como a privação de liberdade do agente infractor,
decisão exclusiva do Direito Penal, ou outras medidas acessórias, como multa
que são praticadas em outras áreas.
Essas sanções são penas.
11
BELEZA, Teresa, Direito Penal, 2ª Edição, Revista Ampliada e Actualizada, Lisboa, 1984, p. 22.
12
MUBARAK, Rizuane, Direito Penal e Criminalística, da teoria universal à realidade nacional, Escolar
Editora, 2016, p. 62.
13
MUBARAK, Rizuane, Direito Penal e Criminalística, da teoria universal à realidade nacional, Escolar
Editora, 2016, p. 40.
254
3.2 Elementos do crime
14
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Código Penal, aprovado pela Lei nº 24/2019, in Boletim da
República, Iª Série, nº 248, de 24 de dezembro.
15
Ibidem.
255
O consentimento manifesta-se pela livre acção, voluntariedade,
aceitação ou querer da suposta vítima.
Ora, o consentimento da menor é onde reside a razão do presente
estudo.
16
MARTINEZ, Francisco Lerma, O povo Macua e sua Cultura, 3ª ed., Editora Paulinas, Maputo, 2009, p.
131.
17
Ibidem, p. 136.
256
No que concerne a tipificação, conforme o artigo 203 do Código Penal,
adoptou-se a conduta como crime. Mas, no código de conduta (não escrita)
da sociedade macua e outras de Moçambique, a conduta não está tipificada
como infracção ou desvio.
Quanto a culpa, considerado como juízo de censura, para a lei penal,
age com dolo, entendido como uma acção intencional e com consciência de
provocar dano, aquele que pratica o acto sexual com menor de dezasseis
anos, tendo conhecimento pleno da sua idade biológica.
No entanto, no campo da vida social comunitária macua, como se
disse, a idade biológica não é tida em conta, mas sim a idade social, atingida
pela maturidade determinada pela passagem dos ritos de iniciação.
Nesta óptica, basta o homem perceber que a mulher já foi iniciada,
considera-a adulta, o que condiciona para que a procure e aborde-a.
Havendo consentimento, está aberto o trilho para um relaccionamento
legítimo. Nesta perspectiva, pelo facto de o indivíduo ter a consciência de
estar a agir dentro da normalidade social, não há juízo de censura a ser
levantado.
Na verdade, o indivíduo age dentro de uma certa realidade, distinta
da realidade jurídico-penal e na sua consciência tudo quanto faz
corresponde a sua vida normal na sociedade. Razão pela qual, quando os
indivíduos são abordados para responderem à um processo-crime,
naturalmente, cria uma enorme confusão.
O artigo 11 do Código Penal, referente a imputação subjectiva,
estabelece que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos
especialmente previsto na lei, com negligência.”18
O artigo 12 do mesmo código, preconiza que “age com dolo quem,
representando um facto que preenche um tipo legal de crime, actuar com
intenção de o realizar.”19
De facto, o dolo manifesta-se pela intenção que o agente tem de
realizar ou praticar uma conduta que preenche o tipo legal de crime.
No caso em estudo, há que questionar se, efectivamente, há dolo no
caso do coito praticado na sociedade macua com uma menor de dezasseis
anos, considerada socialmente adulta.
Esta dúvida surge porque, no fundo, o agente relacciona-se com uma
menor convencido de estar a observar as normas tanto legais como
costumeiras, pois na realidade em que se encontra, tanto ele como toda
sociedade, veem a conduta (o casamento tradicional com a menor) como
18
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Código Penal, aprovado pela Lei nº 24/2019, in Boletim da
República, Iª Série, nº 248, de 24 de dezembro.
19
Idem.
257
normal e necessária, até constitui uma alegria e um facto já esperado e
preparado pela própria sociedade.
Portanto, submeter esse agente e colocá-lo diante de um juiz e julgá-
lo por ter mantido relações sexuais com uma menor de dezasseis anos, que
até pode ser sua esposa, certamente, isso constituirá um espanto para ele e
não alcançará a razão do julgamento. Significa que o indivíduo não terá a
capacidade de entender e consciencializar-se de que cometeu um crime, pois
na sua óptica a conduta praticada faz parte da vida da sociedade e fá-lo na
convicção plena de que está de acordo com a ética do seu meio social e a
suposta vítima é sua esposa obtida em cumprimento de todo ritual
necessário para o efeito.
De facto, se entendermos que o dolo consiste na prática de uma
conduta voluntária, movida pelo querer fazer ou deixar de fazer, podemos
concluir que há dolo. Mas, se aliarmos ao factor intenção consciente de criar
o dano ou prejuízo, certamente que não teremos o mesmo resultado.
Ora, o suposto agente age com a intenção e consciência de casar ou
até de praticar cópula com a menor, mas não tem a intenção e consciência
de fazer mal ou provocar dano. Pelo contrário, age com consciência de que
está de boa-fé, a fazer o bem, a cumprir os desígnios de qualquer ser humano
que quer constituir família.
Se se entender que há crime, então preenchem também o tipo legal de
crime como cúmplices as respectivas famílias, nos termos do nº 1 e podendo
serem punidos, ao abrigo do nº 2, ambos números do artigo 12 do mesmo
código.
É verdade que o princípio de que o desconhecimento da lei não exime
o agente da responsabilidade penal é extensivo a todos. Mas, no caso, não é
só o facto do desconhecimento da lei que está em causa, também o facto de
o agente estar consciente de que está em observância de uma ética da sua
sociedade.
Portanto, olhando para o tipo legal de crime nota-se claramente que
está desajustado com o costume em causa.
258
costumeiras não sejam fontes e não tenham a potência necessária para
derrogar as normas do Direito Penal, nos casos de crimes como estes em
alusão, que se adequam a sociedade, coloca-o, certamente, em conflito
permanente.
O juiz só deve basear-se numa lei jurídica escrita para proceder o
julgamento em sede de um processo-crime, o que lhe retira a mínima
possibilidade de julgar, tendo em conta a aceitação, convicção e adequação
social generalizado de um comportamento ou facto.
Alguns tratadistas do Direito Penal entendem que o Juiz pode usar o
seu próprio critério na ausência de norma própria para julgar, podendo daí
buscar alguma regra costumeira para julgar. No entanto, é uma matéria cuja
profundidade do estudo e discussão pode ser feito em outra oportunidade.
Resulta daqui que o princípio da adequação social não encontra
espaço para a sua aplicação pelo julgador, exactamente pelo facto de o juiz
estar agarrado a lei e não poder invocar o facto de a conduta criminosa ser
adequada.
20
MUBARAK, Rizuane, Direito Penal e Criminalística, da teoria universal à realidade nacional, Escolar,
p. 41.
259
Desta forma, resulta que o papel do legislador deve ser cauteloso na
análise das condutas sociais no âmbito da qualificação quanto a inadequação
social.
Por isso, nos trabalhos preparatórios para a tipificação de condutas
como crime, o legislador pode usar do princípio da adequação social para a
avaliação.
CONCLUSÃO
260
RECOMENDAÇÃO
BIBLIOGRAFIA
BELEZA, Teresa. Direito Penal. 2ª Edição, Revista Ampliada e Actualizada, Lisboa, 1984.
MUBARAK, Rizuane. Direito Penal e Criminalística, da teoria universal à realidade
nacional. Escolar Editora, 2016.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Imputação Objectiva e Teoria da Adequação Social.
Disponível em:
https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121938010/imputacao-objetiva-e-
teoria-da-adequacao-social. Acessado em: 22 nov. 2020.
DIAS, Reinaldo. Introdução a Sociologia. 2ª edição, Pearson, São Paulo, 2010, pg. 66.
Citando Edward Tylor.
DEYGLISSON, Jimmy. Considerações Sobre Teoria da Adequação Social. Artigo
disponível em: http://www.jimmyadvocacia.com.br/considerações-sobre-a-teoria-da-
adequação-social/. Acessado em: 21 nov. 2020.
DOS SANTOS, Juliana Zanuzzo. O Que se Entende Por Princípio de Adequação Social.
artigo disponível em https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121928188/o-que-
se-entende-por-principio-da-adequacao-social. Acessado em: 21 nov. 2020.
MARTINEZ, Francisco Lerma. O povo Macua e sua Cultura. 3ª Edição, Editora Paulinas,
Maputo, 2009.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Constituição da República de Moçambique. (2004) in
Boletim da República, Iª Série, nº 20, de 24 de dezembro.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Código Penal, aprovado pela Lei nº 24/2019, in Boletim
da República, 1ª Série, nº 248, de 24 de dezembro.
261
A PRISÃO PREVENTIVA NO DIREITO
MOÇAMBICANO E A LIMITAÇÃO DOS
PODERES DE DETENÇÃO
INTRODUÇÃO
*
**
É doutorando em Direito Público pela Faculdade de Direito da UCM, Mestrado em Direito
Administrativo e Licenciado em Direito (2002). Com sucesso fez especialização em Desenvolvimento
Económico Local, pelo Centro da OIT, em Turim, enquanto ocupava (2004-2007) a posição de Director
da Agência de Desenvolvimento Económico Local de Nampula - ADELNA; Tem mais de dez anos de
experiencia como advogado e consultor institucional, tendo ocupado a primeira posição de Presidente do
Conselho Provincial de Nampula da Ordem dos Advogados de Moçambique (2014-2020); deu aulas de
direito na Faculdade de Direito da UCM, Academia Militar Marechal Samora Machel e na UniRovuma,
onde exerce a posição de Chefe de Departamento Académico no Curso de Direito, da Faculdade de Direito
da Universidade Rovuma.
263
Penal aprovado pela Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro, trazendo
novos tipos legais de crime, definindo nova redacção e introduzindo
novas molduras penais, e ainda, incorporou matérias que estavam em
legislação avulsa, adoptando o movimento de descriminalização com à
preferência por penas não privativas de liberdade a pena de prisão.
O referido Código sobreviveu um lapso de tempo muito curto, de
6 anos apenas, pois mais recentemente, em 2019, foi revisto pela Lei nº
24/2019, de 24 de dezembro. Esta nova revisão do Código Penal trouxe
um novo leque de valores axiológicos e a necessidade de tratamento
jurídico particular, conformando-o ao núcleo primário de direitos,
liberdades e garantias fundamentais como verdadeiros bens jurídicos a
serem tutelados.
Por outro, o Código Processual Penal em vigor, que foi aprovado
pelo Decreto n. 16489, de 15 de fevereiro de 1929 e mandado vigorar
em Moçambique, enquanto então colónia de Portugal, pela Portaria nº
19.271, de 24 de janeiro de 1931, no entanto, tem algumas operações
cósmicas de que foi sofrendo ao longo do tempo e, porém, manteve no
essencial o seu traçado e espírito que o caracteriza pela prevalência de
princípios estruturantes do tipo inquisitório1, facto que o coloca em
confronto com os princípios jurídico-filosóficos e valores adoptados
pela sociedade moçambicana após a independência nacional – em 25 de
junho de 1975.
Os tais princípios jurídico-filosóficos assentam no Estado de
Direito Democrático e no respeito pelos direitos de cidadania na
sociedade democrática e plural que Moçambique está seguindo e
consolidando, tanto no que concerne a direitos fundamentais
individuais como nos deveres do cidadão para com a comunidade,
devendo constituir a bússola de orientação pretendida para o novo
Código Processual Penal.
Nesse sentido, justificou-se pois a necessidade de reforço neste
Código Processual Penal na medida em que se pretendeu garantir a
efectivação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos
cidadãos como verdadeiros valores de bem jurídico, por um lado, e, por
outro, dar conformação com as concepções da dogmática penal da
actualidade.
É importar aqui trazer à colação o impacto produzido pela
jurisprudência do Acórdão nº 4/CC/ 2013, de 17 de setembro2, em que
1
Cfr. O preâmbulo da Lei nº 25/2019, de 26 de dezembro, publicada no Boletim da República, I Série, nº
249, de 26 de dezembro de 2019 e que aprova a revisão do Código Processual Penal Moçambicano.
2
O Acórdão nº 4/CC/2013, de 17 de setembro, publicado no BR n. I Série, Suplemento.
264
o Conselho Constitucional restringe o poder de ordenar a prisão
preventiva fora do flagrante delito apenas aos juízes. Antes dessa
decisão, a prisão preventiva podia ser decretada por juízes,
procuradores, oficiais do serviço de investigação criminal, como sejam,
policiais, directores, inspectores, subinspectores e até administradores
de distritos se necessário.
Em termos metodológicos, a pesquisa é descritiva do tipo
documental tendo como suporte os instrumentos normativos e
bibliográficos disponíveis sobre o tema, que se alcança em especial a
partir das disposições normativas da Constituição da República e do
Código Penal, incluindo alguma jurisprudência constitucional relativas
ao direito à liberdade do cidadão enquanto garantia fundamental,
enquadrando-o nos conceitos de Estado de Direito Democrático.
Daqui em diante, far-se-á referência da prisão preventiva e a
razão de limitação dos poderes de detenção de acordo com a previsão
do Código Penal.
3
SILVA, Ivan Luiz da. O bem jurídico-penal como limite material à intervenção criminal in Revista de
informação legislativa, Brasil, s/d; p. 66.
265
de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia
dos direitos e liberdades fundamentais do Homem”.
Os direitos e liberdades fundamentais do Homem, consagrados no
artigo 3 da Constituição moçambicana, são traduzidos em bens jurídicos
como valores da sociedade, que são dotados de relevância e significado
suficientes para ser objecto de protecção pelo direito penal, criminalizando-
se aqueles que desrespeitam e violam.
Neste sentido, avança da Silva, no seu escrito sobre o bem jurídico-
material como limite material à intervenção criminal, que:
4
SILVA, Ivan Luiz da. O bem jurídico-penal como limite material à intervenção criminal in Revista de
informação legislativa, Brasil, s/d; p. 66.
5
MANUEL, Henriques – A investigação Criminal no Estado de Direito Democrático: autonomia e
dependência da Polícia de Investigação Criminal em Moçambique. In Dissertação Final de Mestrado
Integrado em Ciências Policiais, XXVII Curso de Formação de Oficiais de Polícia, p. 13.
6
FERRO, Mónica, A Ética parlamentar – Contributo para um debate sobre um melhor Estado. In Eduardo
Pereira Correia, (Coord.) liberdades e Segurança, Lisboa, ISCPSI-ICPOL, 2015, p. 45-53.
266
Estado protector com a maior exigência de autonomia individual com a
polícia a oferecer a máxima liberdade aos concidadãos7. Em termos
concretos, em Moçambique, assim como noutras partes do mundo, existe a
Polícia da República a qual foi lhe atribuída a missão de garantir a lei, ordem,
a salvaguarda da segurança de pessoas e bens, a tranquilidade pública, o
respeito pelo Estado de Direito Democrático e a observância estrita dos
direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
Em geral a polícia no exercício das suas funções, deve obedecer a lei e
servir com isenção e imparcialidade os cidadãos e as instituições públicas e
privadas8. Como tal, a polícia é símbolo dos mais visíveis do poder do Estado
e, por isso, é essencial que o povo tenha confiança na sua integridade, sendo
esta confiança que, em grande parte, mantém a ordem e estabilidade social
e constituição condição da legitimação sociológica da polícia9.
Assim, a privação da liberdade deve ser aplicada como medida da
última ratio, como última alternativa a se recorrer quando as demais não se
mostrem adequadas e suficientes para acautelar ou reprimir determinada
conduta. Portanto, a privação da liberdade é uma intervenção séria na vida
das pessoas e a autoridade competente não deve usar inadequadamente,
seja para assustar, intimidar ou punir.
Aliás, Cláudio Brandão, em sua obra sobre a Tipicidade Penal, defende
que:
7
MANUEL, Henriques – A investigação Criminal no Estado de Direito Democrático: autonomia e
dependência da Polícia de Investigação Criminal em Moçambique. In Dissertação Final de Mestrado
Integrado em Ciências Policiais, XXVII Curso de Formação de Oficiais de Polícia, p. 5-6.
8
Cfr.: Art. 253º da Constituição da República de Moçambique e a lei nº 16/2013, de 12 de agosto – Lei da
Polícia da República de Moçambique, publicada no BR, 7º Suplemento, Imprensa Nacional de
Moçambique, I-Série, nº 64.
9
MANUEL, Henriques, Op. cit.
10
BRANDÃO, Cláudio – Tipicidade penal, dos elementos da dogmática ao giro conceitual do método
entimemático. Edições Almedina, S.A. Coimbra, julho, 2012, p. 230.
11
SUXBERGER, António Henrique Graciano – A intervenção penal como reflexo do modelo de Estado:
a busca por uma intervenção penal legitima no Estado Democrático de Direito. Brasília, 2005, p. 11.
267
se legitima é informado por valores extraídos de um programa de política
criminal, que segue orientado, por sua vez, pelas finalidades a serem
buscadas pelo direito penal. As finalidades de intervenção penal reflectem
justamente a opção estatal pela realização da formalização dessa instância
de controlo social.
12
Vide o art. 232º do CPP.
13
Cfr.: as disposições legais constantes dos art. 65º e 66º do CPC.
268
controlo rigoroso sobre a sua legalidade, legitimidade e necessidade ou
adequação.
Processualmente, a detenção de acordo com o 297º do CPP, uma vez
efectuada, tem a finalidade de apresentação, no prazo máximo de 48 horas,
o detido ao julgamento sob a forma sumária ou ser presente ao juiz da
instrução criminal para o primeiro interrogatório judicial ou ainda para
aplicação ou execução de uma medida de coacção ou então para o detido ser
apresentado, num prazo não superior a 24 horas, perante a autoridade
judiciária em acto processual.
Quanto a classificação da detenção esta pode ser detenção em
flagrante delito14 ou detenção fora do flagrante delito15.
- Detenção em Flagrante delito, como estatui o art. 298º do CPP, só
pode ocorrer algum crime punível com pena de prisão, neste caso podendo
qualquer autoridade judiciária ou entidade policial levará a sua efectivação
ou, ainda, pode qualquer pessoa proceder a detenção quando não estiver
presente e não haja possibilidade de chamar a autoridade judiciária ou
entidade policial.
É importante referir que, a pessoa que tiver procedido a detenção,
entregará de imediato o detido a autoridade judiciária ou entidade policial
sendo estas obrigadas a levantar um auto sumário da entrega e comunicará
ou ao juiz para passar um mandato de detenção, se se enquadrar para a
finalidade de assegurar a presença imediata do detido perante a autoridade
judiciaria em acto processual ou então apresentará ao Ministério Público
para efeitos de apresentação ao primeiro interrogatório judicial.
O conceito legal de flagrante delito vem consagrado no art. 299º do
CPP e estabelecem-se em três dimensões ou hipóteses para a sua verificação:
na primeira, será flagrante delito a todo crime que está se cometendo ou se
acabou de cometer; na segunda, tem-se também por flagrante delito o caso
em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou
encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de
cometer ou ele ter participado no crime; E por fim, a terceira, ocorre nas
situações de crime permanente, e aqui o estado de flagrante delito só
persiste enquanto se mantiverem sinais que mostrem claramente que o
crime está a ser cometido e o agente está a perpetrar.
- A detenção fora do flagrante delito só pode ocorrer com base em um
mandado de juiz, o juiz da instrução criminal, se se tratar de caso em que é
admissível a prisão preventiva e existindo elementos que tornem fundado o
receio de fuga.
14
A detenção em flagrante delito está prevista no art. 298º do CPP, aprovado pela Lei nº 25/2019, de 26
de dezembro.
15
A detenção fora do flagrante delito está prevista no art. 300º do CPP, aprovado pela Lei nº 25/2019, de
26 de dezembro.
269
Portanto, a detenção fora do flagrante delito trata-se de uma medida
cautelar processual de privar a liberdade do agente do crime, mediante auto
de noticia onde constem os factos que constituem o crime, o dia, a hora, o
local e as circunstâncias em que o crime foi cometido, e, ainda, tudo o que
poderem averiguar acerca da identificação do infractor e do ofendido, bem
como os meios de prova conhecidos, podendo ser testemunha que poderem
depor sobre os factos, estando prevista no art. 300º do CPP.
Com efeito, o mandado de detenção deverá ser passado em triplicado
e conter, sob pena de nulidade, a) da assinatura do juiz, b) da identificação
da pessoa a deter e c) a indicação do facto que motivou a detenção e das
circunstâncias que legalmente fundamentam.
Aliás, é possível haver urgência e perigo na demora de efectuar-se a
detenção, neste caso admite-se, nos termos do n.ͦ 2 do art. 301º do CPP, que
se faça a detenção fora do flagrante delito, sem mandato, mas devendo, uma
vez feita detenção, fazer-se a confirmação pelo respectivo mandato e ao
detido, que é lhe entregue uma das cópias para assinar.
Existindo inadequação ou insuficiência das medidas de coacção,
existe uma base da Constituição que determina que:
16
Cfr. Art. 64º da Constituição da República de Moçambique.
270
da CRM, ressalvando-se a prisão preventiva ilegal, situação que o próprio
Estado responde pelo acto praticado pelos seus agentes17.
A prisão preventiva pode ser constituída de duas modalidades: a
primeira, denominada por prisão preventiva sem culpa formada que
antecede a pronúncia do arguido; a segunda, denominada por prisão
preventiva com culpa formada que se segue à pronúncia do arguido. Para o
presente estudo aborda sobre a prisão preventiva sem culpa formada.
17
Determina o nº 2 do art. 58º da Constituição da República de Moçambique que o Estado é responsável
pelos danos causados por actos ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções, sem prejuízo do
direito de regresso nos termos da lei.
18
Acórdão n. 4/CC/2013, de 17 de setembro, publicado no BR, I Série n. 82, de 11 de outubro.
271
Constituição da República). Porém, está manteve a disposição que concedia
poderes para ordenar a prisão preventiva a outras autoridades para além
dos tribunais.
Portanto, a decisão do Conselho Constitucional concretizou e fincou a
ideia do legislador ordinário consagrado na Lei citada ao determinar que a
detenção e prisão preventiva fora do flagrante delito só podem ser
executadas mediante mandado assinado por um juiz.
E mais, no referido Acórdão, o Conselho Constitucional cuidou de
declarar inconstitucional a norma do Código de Processo Penal, que atribuía
poderes as outras autoridades para ordenar a prisão preventiva fora do
flagrante delito com fundamento em violação do princípio de separação de
poderes consagrado no artigo 134 da Lei Fundamental, um princípio
estruturante num Estado de Direito Democrático (artigo 3 da Constituição).
É crucial ter em conta que fora ao Ministério Público, todas as outras
autoridades elencadas na norma fulminada por inconstitucionalidade
pertenciam ao foro administrativo, o que colidiam frontalmente com o
judiciário e, por maioria de razão, com o princípio de separação de poderes.
Em relação ao Ministério Público, a Constituição configura este órgão
como dos pilares da administração da justiça, atribuindo-lhe o poder de
representar o Estado junto dos tribunais e de defender os interesses que a
lei determinar (artigo 235 da Constituição).
No entanto, considerou o Conselho Constitucional no seu Acórdão,
que não se pode deduzir da disposição constitucional citada a permissão do
exercício de competência própria dos tribunais pelo Ministério, no caso, a de
ordenar a prisão preventiva fora do flagrante delito.
O poder de ordenar a prisão preventiva fora dos casos de flagrante
delito é uma faculdade própria da função judicial, reservada aos tribunais
pela Constituição. De modo que a lei ordinária ao querer atribuir ao
Ministério Público competência para ordenar a prisão preventiva, fora dos
casos de flagrante delito, estaria a violar a Constituição, o que a princípio não
pode ser permitido.
19
Artigo 253, n. 1 da CRM.
272
Era inevitável que a polícia acatasse a decisão do Conselho
Constitucional, uma vez que, as decisões daquele órgão são de cumprimento
obrigatório para todas as instituições públicas e privadas.
Contudo, persistem alguns agentes da polícia que resistem ou tentam
ignorar a nova estrutura legal, fazendo detenções e prisões ilegais de casos
fora de flagrante delito, incluindo detenções sem mandado, alegadamente
para proteger o cidadão perante a falta de celeridade processual, ou mesmo
ausência de juízes.
273
Actualmente há percepção generalizada de que os procedimentos e
condições relacionadas com as detenções e prisões preventivas melhoraram
e as violações dos direitos humanos diminuíram.
274
particular e profissional com as vítimas e os perpetradores
dos crimes.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Legislação
REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE, Constituição da República Popular de
Moçambique (1975), in Boletim da República, I Série nº 1 de 25 de junho.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Constituição da República de Moçambique, (1990)
in Boletim da República, I Série nº 20 de 24 de dezembro.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Constituição da República de Moçambique (2004),
in Boletim da República, I Série nº 20 de 24 de dezembro.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n. 1/2018, de 12 de junho, in Boletim da
República, I Série, nº 115, 2º Suplemento, de 12 de junho – lei de revisão da
Constituição da República, 2004.
275
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n. 2/93, de 24 de junho, in Boletim da República,
I Série, nº - institucionaliza os juízes da instrução criminal.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 34/2014, de 31 de dezembro. In Boletim da
República, I Série, nº 105, de 31 de dezembro - Lei de revisão do Código Penal.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 24/2019, de 26 de dezembro. In Boletim da
República, I Série, nº 249, de 26 de dezembro - Lei de revisão do Código Penal.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 25/2019, de 26 de dezembro. In Boletim da
República, I Série, nº 249, de 26 de dezembro - Lei de revisão do Código de Processo
Penal.
Jurisprudência
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE - Conselho Constitucional - Acórdão nº 4/CC/2013, de
17 de setembro, in Boletim da República, I Série, nº 82, de 11 de outubro.
Doutrina
FERRO, Mónica. A Ética parlamentar – Contributo para um debate sobre um
melhor Estado. In Eduardo Pereira Correia, (Coord.) liberdades e Segurança, Lisboa,
ISCPSI-ICPOL, 2015.
BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade Penal. Dos elementos da Dogmática ao Giro
Conceitual do Método Entimemático. Edições Almedina, S.A. Coimbra, 2012.
MANUEL, Henriques – A investigação Criminal no Estado de Direito
Democrático: autonomia e dependência da Polícia de Investigação Criminal em
Moçambique. In Dissertação Final de Mestrado Integrado em Ciências Policiais,
XXVII Curso de Formação de Oficiais de Polícia, Portugal, 2014.
SILVA, Ivan Luiz Da. O bem jurídico-penal como limite material à intervenção
criminal. Cópias de apoio para Estudo, S/D.
SUXBERGER, António Henrique Graciano. A intervenção penal como reflexo do
modelo de Estado: a busca por uma intervenção penal legitima no Estado
Democrático de Direito. Brasília, 2005, intervenção penal legitima no Estado
Democrático de Direito. Brasília, 2005.
276
RESPOSTA PENAL À PEDOFILIA SOB A ÓPTICA
DAS CIÊNCIAS AUXILIARES DO DIREITO
PENAL: PSICOLOGIA, SOCIOLOGIA E
PSIQUIATRIA
INTRODUÇÃO
*
Mestre em Direito Civil pela Universidade Católica de Moçambique-Pemba. Docente Universitário da
Universidade Católica de Moçambique na unidade Básica de Pemba (Faculdade de Gestão de Turismo e
Informática), leciona as Cadeiras de Direito das Obrigações I, II e Teoria Geral do Direito Civil I, e II ao
nível das licenciaturas e Direito das Obrigações III no curso de Mestrado em direito Civil. Autor do artigo
da Citação e Notificações electrónicas como resposta ao princípio da celeridade processual no
ordenamento jurídico moçambicano.
277
crianças. Essa parafilia é também chamada pedossexualidade. No campo
jurídico, a pedofilia tem sido utilizada para indicar o abuso sexual cometido
contra criança.
Considerando o tema ser multidisciplinar e cada tem sua percepção,
é imperioso delimitar a resposta penal sob olhar das ciências auxiliares: da
sociologia, Psicologia e Psiquiatria.
Na verdade, pelo facto não haver padronização do limite que
diferencia entre o normal e o patológico e a dificuldade de identificar se o
pedófilo é um agente inimputável ou não dificulta ao direito penal dar
resposta acerca do assunto.
Dai que é necessário que a sociologia, psicologia, Psiquiatria como
direito penal uniformizem o limite diferenciador do agente normal e
patológico como também a fixação de um critério conciso identificador se o
agente pedófilo é inimputável como também a tipificação da pedofilia como
um tipo legal de crime.
Para tanto adotou-se o método dedutivo com revisão da literatura
jurídica que dispõe sobre a matéria.
1
SILVEIRA, R. M. J. Crimes sexuais: bases críticas para a reforma do direito penal sexual. São Paulo:
Quartier Latin, 2008, p. 347.
2
HISGAIL, Fani. Pedofilia: Aspectos Psicológicos e penais. 2010. Disponível em:
http://intermas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/view file/2462/1986. Acesso em: 09 nov.
2020.
3
Ibidem.
278
actualidade4. Pois, na antiguidade embora houvesse a utilização de crianças
como objectos sexuais, a conotação negativa do abuso sexual infantil não
esteve presente.
Sabe-se que foi na Grécia antiga que a prática sexual envolvendo
crianças era socialmente aceite tendo em conta que era uma prática
reiterada em que a própria sociedade estimulava o envolvimento sexual
entre homens adultos e adolescentes.
Na visão dos Gregos naquela época, o envolvimento entre um homem
adulto e adolescente constituía uma escola visto que a criança recebia
ensinamentos do homem mais velho a medida que o contrato se tornasse
mais íntimo. Não só, era uma forma de preparar moralmente e politicamente
na participação da vida política5.
Autores relatam que tanto Petrónio quanto Tibério, possuíam
registos de abuso sexual de crianças que eram vendidas com finalidade de
escravidão sexual, pois essas crianças eram vistas como possuidoras do mal,
por isso apanhavam e eram mantidas emocionalmente distantes dos pais,
abandonadas ou vendidas para escravidão no período do século IV ao XII6.
Com o fim da época de antiguidade clássica e o início da idade média,
regista-se uma nova onda de mudanças no âmbito social de encarar a
pedofilia. Pois, o envolvimento de pessoas mais velhas com crianças
sexualmente já era considerado um acto condenável, reprovável com
conotação socialmente. A primeira demonstração de desaprovação da
pedofilia acontece no século IV a XIII conforme cita Azambuja7:
4
CESTARI, Carolina. Pedofilia: Uma reconstrução sócio-histórica. Rev. A empreendedora nº 2. Curitiba,
2018. Disponível em https://aempreendedora.com.br/pedofilia-uma reconstrucao-socio-historica. Acesso
em 17 out. 2020
5
CESTARI, Carolina. Pedofilia: Uma reconstrução Sócio histórica. Rev. A empreendedora nº 2. Curitiba,
2018. Disponível em https://aempreendedora.com.br/pedofilia-uma reconstruãao-socio-historica. Acesso
em 17 out. 2020.
6
HISGAIL, Fani. Pedofilia: Aspectos Psicológicos e penais. Disponível em:
http://intermas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/view file/2462/1986. Acesso em: 09 nov.
2020.
7
AZAMBUJA, Maria Regina Fay de; FERREIRA, Mariante. Violência Sexual contra crianças e
adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 6-7.
279
cometerem estupro- prática que desapareceu no final do século XVIII,
que presenciou a primeira desaprovação da Pedofilia8.
Foi nessa fase ou idade com a apoio da doutrina cristã, que surgiram
leis proibindo o sexo com crianças e tipificando os crimes desta natureza,
visto que se percebeu que os indivíduos com tais atitudes, eram
considerados inaptos a formar juízos correctos em relação a vida sexual9.
Após essa fase de idade média, o tema da pedofilia não teve grande
avanços e impacto na sociedade no geral até o seculo XIX. Só a partir do
século XX com a expansão dos meios de comunicação que o tema reiniciou a
ganhar grande atenção e impacto. Pois, foi nessa fase que se nota por
algumas pesquisas nas várias áreas do saber como a jurídica, medicina,
psiquiatria, psicologia. Merece lembrar que, apesar da frequente exposição
do tema de pedofilia através dos meios de comunicação, carece de um
estudo interdisciplinar aprofundado para responder criminal o fenómeno.
2. PEDOFILIA
2.1 Etimologia
8
Ibidem.
9
CESTARI, Carolina. Pedofilia: Uma reconstrução Sócio histórica. Rev. A empreendedora, nº 2, Curitiba,
2018. Disponível em https://aempreendedora.com.br/pedofilia-uma reconstrucao-socio-historica. Acesso
em 17.10.2020.
10
TRINDADE, Jorge. BREIER, Ricardo. Pedofilia: Aspectos Psicológicos e penais. 3. Ed. rev. actual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.16
280
(...) anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e
intensos que envolvem objectos, actividades ou situações incomuns e
causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes
da vida do individuo11.
11
BALLONGE, G. J Site Psiweb-Psiquiatria Geral GJ Ballone. Disponível em: http://virtuallpsy.locweb.
com .br/dsm-janela.php?cod=143. Acesso em: 10 out. 2020.
12
MEYER, J. Parafilias. In: KAPLAN, H.; SADOCK, B. Tratado de Psiquiatria. Porto Alegre: Artmed,
1999 apud SERAFIM, A. P. Pedofilia: da Fantasia ao comportamento sexual violento.in I Congresso
Brasileiro sobre Ofensas sexuais, São Paulo, 2007. Disponível em: http://www.visumconsultoria.com.br/
docs/antonio_de_padua_serafim.pdf. Acesso em 27 out. 2020.
281
A CID-10 define a pedofilia como “preferência sexual por crianças,
quer se trate de meninos, quer de meninas ou crianças de um ou outro sexo,
geralmente pré-púberes ou início da puberdade”.14O DSM-IV, define uma
pessoa pedofila caso ela cumpra três requisitos a saber:
14
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças
e Problemas Relacionados à saúde. 10. Rev. 1993.
15
MAGALHÃES, M.L.C.et al. Pedofilia: Informações Médico-Legais para o profissional da Saúde.
Revista Feminina, V. 39, nº 2, fev. 2011. Disponível em: http://files.bvs.br/upload/0100-7254/2011/v39n2/
a2451.pdf. Acesso em: 03 dez. 2020.
16
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças
e Problemas Relacionados à saúde. 10. Rev. 1993. Disponível em: http://cid.datasus.gov.br/. Acesso em:
20 out. 2020.
282
No campo jurídico, a pedofilia tem sido utilizada para indicar o abuso
sexual cometido contra criança. Não há, entretanto, nenhum crime na
legislação moçambicana cujo nomem juris.
Importa salientar que a pedofilia decorre de um contexto histórico e
psíquico individual. Para tal, atribui-se a dificuldade em traçar um perfil
único do pedófilo, dai que é de sumo importância conhecer suas diversas
nuances a fim de buscar o mais adequado tratamento.
18
TRINDADE, Jorge. BREIER, Ricardo. Pedofilia: Aspectos Psicológicos e penais. 3. Ed. Ver. actual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.45.
283
pornografia infantil. Em relação a esta nova actuação não vamos detalhar. Mas
entendemos que será pertinente quando estivermos a fazer a dissertação.
19
TRINDADE, Jorge. BREIER, Ricardo. Pedofilia: Aspectos Psicológicos e penais. 3. Ed. ver. actual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p. 45.
20
CASOY, Ilana. Serial Killers: Louco ou cruel? Rio de Janeiro Ed. Darkside Books, 2014
21
Idem.
284
distinção. Ela só define a faixa etária sobre quem deve ser considerado
criança ou menor. O outro ponto tem a ver sobre o individuo que deve ser
considerado de criança ou menor em Moçambique22.
De acordo o no. 1 do art. 3 da Lei 7/2008, “considera criança toda a
pessoa menor de dezoito anos de idade”. Outrossim, o nº 2 do artigo 3 da
mesma lei estabelece que “nos casos expressamente previstos, a presente
Lei aplica-se também aos menores com mais de dezoito e menos de vinte e
um anos de idade.
Em relação ao conceito da criança aqui descrita, merece salientar que
a lei acima decidiu acolher a regra estabelecida no Direito Internacional, que
considera criança, todo o menor de 18 anos e estendeu-se aos maiores de 18
e menores de 21 anos, sempre que tal justifique.
Desta feita, aponta-se que foi a partir da década de 90 que
Moçambique efectuou grandes mudanças acerca dos direitos das crianças e
adolescentes, protegendo as especialmente, dos abusos sexuais.23 A título de
exemplo Moçambique fez em 1979, pela Resolução no. 23/79 de 28 de
dezembro, a Declaração dos Direitos da Criança Moçambicana, uma resposta
do governo e das Assembleias Legislativas ao facto de ano de 1979 ter sido
declarado pelas Nações Unidas o ano Internacional da Criança24.
Em 1990 através da Constituição da República de Moçambique do
mesmo ano e que foi a segunda após Moçambique independente,
representou uma viragem no tratamento das questões relativas aos
menores em Moçambique ao estabelecer que a família, a sociedade e o
Estado são responsáveis pela educação, pelo desenvolvimento harmonioso
e pela protecção da criança: e que a criança não pode ser discriminada,
designadamente, em razão do seu nascimento, nem sujeição a maus-tratos25.
Merece ressaltar a primeira constituição não fazia alusão nenhum dos
artigos acerca dos direitos da criança.
Aliado a isso, com advento da Constituição da República de
Moçambique de 2004 consolidam-se os aspectos atinentes a proteção dos
direitos das crianças. Esta constatação confirma-se no seu artigo 47 onde
estatui: “As crianças têm direito a protecção e aos cuidados necessários ao
seu bem-estar. Todos os actos relativos as crianças, quer praticados por
22
FRANCISCO, Tomas Xavier José. História dos Direitos da Criança no mundo e em Moçambique: um
estudo sobre a sua evolução. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 50, nº 1, p. 64-84, jan.-jun.
2016. Disponível em http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2016v50n1p64. Acesso em: 03 dez. 2020.
23
Ibidem.
285
entidades públicas, quer por instituições privadas, tem principalmente em
conta o interesse superior da criança”.
Cumpre notar que o país alcança a independência em 1975, só no ano
de 2008 é que foram aprovadas uma série de leis, com finalidade a promoção
e protecção dos direitos da criança com conteúdo mais abrangentes.
Destacam-se as Leis:
26
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Constituição da República de Moçambique. 1990.
27
FRANCISCO, Tomas Xavier José. História dos Direitos da Criança no mundo e em Moçambique: um
estudo sobre a sua evolução. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 50, nº 1, p. 64-84, jan.-jun.
2016. Disponível em http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2016v50n1p64. Acesso em: 03 dez 2020.
286
mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratados ou exploração,
inclusive abuso sexual.28
Importa sublinhar que apesar de todo amparo a criança e ao
adolescente nos instrumentos que acima fizemos menção, nos mostra que
apenas combatem a pornografia infantil, entretanto, o combate a violência
sexual decorrentes de outros actos fica ao Código penal (CP) a
responsabilidade de punir, surgindo assim a primeira falha, uma vez que o
Código Penal mesmo abarcando muitas actuações pedofilas, não possui em
seu conteúdo a realidade do bem jurídico tutelado quando se trata de uma
criança ou adolescente, isto e, não possui o tipo penal pedofilia.
Desta feita o seu enquadramento no Código Penal atento as suas
alterações são feitas com base na analogia dos crimes previsto no capítulo
VII do C. P. e da Lei nº 24/2019 de 24 de dezembro que são os crimes contra
a liberdade sexual nos casos específicos os crimes de estupro e atentado
violento ao pudor previsto nos artigos 219 e 221. O que reafirma mais uma
vez a não existência de previsão especifica legal no ordenamento jurídico
moçambicano a pedofilia.
28
RODRIGUES, Willian Thiago de Souza. A Pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira.
2008. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n-link=revista-artigos-leituras e
artigos-id=5071. Acesso em: 10 out. 2020.
29
RODRIGUES, Willian Thiago de Souza. A Pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira.
2008. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n-link=revista-artigos-leituras e
artigos-id=5071. Acesso em: 10.10.2020
287
casos será determinada mediante um laudo psiquiátrico, o qual confirmará se o
pedófilo será destinado ao tratamento psiquiátrico por tempo indeterminado.
E nesse âmbito que surgem controvérsias quanto a imputabilidade do
pedófilo, uma vez que a linha que separa o normal do patológico grande deve
ser analisada com cautela.
Como base o exposto acima, fica claro que o ordenamento jurídico
moçambicano como Português e Brasileiro adoptam o critério biopsicológico na
definição de inimputabilidade e requer um olhar interdisciplinar, visto que
transcende as categorias fechadas como as tradicionalmente concebidas no
direito31.
31
RODRIGUES, Willian Thiago de Souza. A Pedofilia como tipo específico na legislação penal brasileira.
2008. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n-link=revista-artigos-leituras e
artigos-id=5071. Acesso em: 10 out. 2020.
32
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 11. Ed. rev. e actual. São Paulo: Saraiva, 2007.
33
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei nº 35/2014, de 31 de dezembro, Código Penal de Moçambique,
I Série, n˚ 239, Maputo, 2015. Atento as alterações da Lei 24-2019 de 24 de dezembro.
34
CP.
288
pedofilia é uma parafilia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) como doença responsável por desenvolver desejos sexuais por
menores pré-púberes. E que não tem previsão legal no nosso ordenamento
jurídico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
289
jurídico tutelado que, além de causarem discussões sobre a forma de
interpretá-las, poderão acarretar prejuízos aos acusados.
As omissões legislativas são: a) ausência de normas especificas sobre
o bem jurídico tutelado (Pedofilia) dentro do Código Penal; b) a dificuldade
em traçar um perfil único e seguro do pedófilo, dai que é de suma
importância conhecer suas diversas nuances a fim de buscar o mais
adequado tratamento. c) dificuldade de identificar se o pedófilo e um agente
inimputável ou não).
Sobre o assunto, conclui-se que: a) seria legitimo e oportuno o actual
Código Penal atento as suas alterações havidas em 2019, no seu capítulo VII
tipificar pedofilia como um tipo legal de crime no nosso ordenamento
jurídico, para dar resposta ao fenómeno; b) O direito Penal, Sociologia,
Psicologia e Psiquiatria padronizarem os limites normais e patológico do
agente de maneira que se possa seja responsabilizado ou não
criminalmente.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
AZAMBUJA, Maria Regina Fay de; FERREIRA, Mariante. Violência Sexual contra
crianças e adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2011.
BALLONGE, G. J. Site Psiweb-Psiquiatria Geral G. J. Ballonge. Disponível em:
http://virtuallpsy.locweb.com.br/dsm-janela.php?cod=143. Acesso em: 10 out. 2020.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 11. Ed. rev. e actual. São Paulo: Saraiva,
2007.
CASOY, Ilana. Serial Killers: Louco ou cruel? Rio de Janeiro Ed. Darkside Books, 2014.
CESTARI, Carolina. Pedofilia: Uma reconstrução Sócio histórica. Rev. A empreendedora
n. 2. Curitiba 2018.
HISGAIL, Fani. Pedofilia: Aspectos Psicológicos e penais. S/l. 20210.
MAGALHÃES, M.L.C.et al. Pedofilia: Informações Médico-Legais para o profissional da
Saúde. Revista Feminina, V. 39, nº 2, fev. 2011.
MEYER, J. Parafilias. In: KAPLAN, H.; SADOCK, B. Tratado de Psiquiatria. Porto Alegre:
Artmed, 1999 apud SERAFIM, A. P. Pedofilia: da Fantasia ao comportamento sexual
violento in I Congresso Brasileiro sobre Ofensas sexuais, São Paulo, 2007.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID-10 Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à saúde. 10. Rev. 1993.
SILVEIRA, R. M. J. Crimes sexuais: bases críticas para a reforma do direito penal sexual.
São Paulo: Quartier Latin, 2008.
TRINDADE, Jorge; BREIER, Ricardo. Pedofilia: Aspectos Psicológicos e penais. 3. Ed. Ver.
actual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n˚ 35/2014, de 31 de dezembro, Código Penal de
Moçambique, I Série, n˚ 239, Maputo, 2015.
290
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Lei no. 24-2019 de 24 de dezembro
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Constituição da República, (2018) in Boletim da
República, de 12 de junho.
RODRIGUES, Willian Thiago de Souza. A Pedofilia como tipo específico na legislação
penal brasileira. 2008.
291
PRISÃO PREVENTIVA: SUA APLICABILIDADE
NO ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO
INTRODUÇÃO
*
Licenciada em Direito pelo Instituto Superior de Comunicação e Imagem de Moçambique, Mestre em
Direito do Trabalho pela Universidade Técnica de Moçambique e Doutoranda em Direito Público pela
Universidade Católica de Moçambique.
**
Licenciado em Direito pelo Instituto Superior de Comunicação e Imagem de Moçambique, Mestre em
Direito do Trabalho pela Universidade Técnica de Moçambique e Doutorando em Direito Público pela
Universidade Católica de Moçambique. vgdafonseca@gmail.com
293
Haja vista que Moçambique têm a obrigação de assegurar que não
ocorram prisões e detenções arbitrárias na sua esfera territorial, ou seja, sob
a sua jurisdição.
Contrariamente, deverá haver responsabilização e compensação às
vítimas. Entretanto, este não é o cerne do nosso trabalho, mas sim, a análise
da aplicabilidade da prisão preventiva no direito moçambicano.
Para tal, por via do destacado método indutivo, sufragamo-nos do
relatório produzido pela Amnistia Internacional, associada à liga
moçambicana dos direitos humanos, bem como a Community Legal Center -
Organizações não governamentais que no ano de 2011 a 2012, realizaram
uma pesquisa nas instituições do sistema de justiça criminal no país.
Através dos casos concretos apresentados por estas organizações,
face aos destaques legais, designadamente, a Constituição, o Código de
Processo Penal e o Acórdão do Conselho Constitucional, foi-nos possível
concluir que a prisão preventiva decorre da lei, a sua prossecução carece de
observância dos requisitos legais. Entretanto, o que peca são algumas
instituições do sistema de justiça criminal – estas que sob certas atribuições
e competências, erroneamente interpretadas, traduzem em abuso de poder,
acabando por ferir alguns direitos do autuado.
294
i. O Ministério do Interior através da Polícia da República de
Moçambique (PRM), de acordo com a Lei n˚ 19/92, de 31 de
dezembro, a Polícia da República de Moçambique rege-se, entre
outros, pelo princípio do respeito pela Constituição, leis e demais
normas, do respeito pelas instituições democraticamente
estabelecidas, legalidade, imparcialidade, isenção, objectividade,
igualdade de tratamento e sobre tudo, o respeito pelos direitos
humanos.
ii. O Ministério Público1 - de acordo com o artigo 5˚ do Código de
Processo Penal e do artigo 1˚ do Decreto –Lei n˚ 35.007, de 13 de
outubro de 1945, o Ministério Público é o titular da acção penal,
incumbindo-lhe a atribuição de acusação criminal em nome do
Estado, no âmbito da instrução preparatória, assim como controlar
a legalidade das detenções e a observância dos respectivos prazos.
iii. Os Tribunais – têm a responsabilidade de determinar a culpa ou
inocência dos indivíduos acusados de crimes e presentes a tribunal
para julgamento. (Os tribunais são regulados pela Constituição e
pela Lei da Organização Judiciária – Lei n˚ 24/2007, de 20 de
agosto); O Juiz de instrução criminal - prende-se essencialmente
em realizar as funções judiciais que são necessárias na fase inicial
de um processo. Tais funções incluem determinar se a detenção está
em conformidade com a lei e decidir se deve continuar ou se deve
ser concedida a liberdade provisória (Lei n˚ 2/93, de 24 de junho de
1993).
iv. O Patrocínio Judiciário - O Estado garante o acesso dos cidadãos
aos tribunais e garante aos arguidos o direito de defesa e o direito à
assistência jurídica e patrocínio judiciário (artigo 62˚, n˚ 1 da
Constituição), com a faculdade de o arguido em processo-crime,
escolher livremente o seu defensor para o assistir em todos os actos
do processo e aos arguidos que não puderem dispor de advogado, é-
lhes assegurada a assistência jurídica e patrocínio judicial através
do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), através da
Lei n˚ 6/94, de 13 de Setembro. Os Advogados em Moçambique
pertencem à Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM),
instituição regulada pelo Estatuto da Ordem dos Advogados através
da Lei n˚ 28/2009, de 29 de setembro.
1
Sobre este tema, vide Cuna, Ribeiro. O Ministério Público de Moçambique. Editora Escolar, Maputo,
2013.
295
v. O Serviço Nacional da Prisões – tem sob a sua égide normativa as
várias prisões do país, quer as prisões para os reclusos que
aguardam julgamento, quer para os que já tenham sido condenados.
(Regulado pelo Decreto n˚ 7/2006, de 17 de maio), que criou o
Serviço Nacional das Prisões e está inserido no Ministério da Justiça.
296
certo crime, o agente que o cometeu e a pena que lhe cabe. Fixa as garantias
que defendam o indivíduo de árbitros e permitam uma verdadeira
realização da justiça criminal (CORREIA, Eduardo, 2001, p. 13).
Urge salientar, que o Código de Processo Penal vigente em
Moçambique foi aprovado em 1929, período colonial, tendo entrado em
vigor em Moçambique com algumas alterações em 1931, por via do Decreto
n˚ 19.271, de 24 de janeiro de 1931. O Decreto-Lei n˚ 35007, de 13 de
outubro de 1945, introduziu novas alterações ao Código de 1929,
consagrando portanto, o modelo processual acusatório, em que o Ministério
Público passou a dirigir a instrução penal em substituição do modelo
inquisitório até aí em vigor.
Na mesma senda que o novo Código Penal, encontra-se o novo Código
De Processo Penal cuja entrada em vigor vislumbra-se para o presente mês.
Entretanto, é no Código de Processo Penal que se encontram
estabelecidos os pressupostos legais para a decretação de uma detenção ou
aplicação da prisão preventiva.
2
Pesquisa realizada conjuntamente com a Community Legal Center da universidade de Wester Cape e a
liga moçambicana dos Direitos Humanos (2014), resulta de uma parceria estratégica com a Open Society
initiative for Southern Africa (OSISA).
297
2. PRISÃO PREVENTIVA
298
4/2013, de 16 de setembro, o Conselho Constitucional decidiu declarar
inconstitucional a norma constante do parágrafo 2˚ do artigo 291˚ do Código
de Processo Penal, um dos elementos que consubstancia pressuposto para a
prisão preventiva no ordenamento jurídico moçambicano, cerne do
presente trabalho.
A aludida inconstitucionalidade, foi declarada com fundamento na
violação do princípio constitucional da proibição do excesso, inerente ao
Estado de Direito consagrado no artigo 3˚ da Constituição nas suas
dimensões da necessidade e adequação.
Tendo declarado também inconstitucional, as normas constantes do
corpo e parágrafo único, nos n 1˚, 2˚ e 3˚, do artigo 293˚ do Código de
Processo Penal, na parte em que essas disposições se referem a várias
autoridades administrativas como autoridades de polícia de investigação
criminal, atribuindo-lhes a competência para ordenar prisão preventiva fora
dos casos de flagrante delito, por violação da regra da exclusividade da
competência da autoridade judicial plasmadas nos termos das disposições
conjugadas dos artigos 64º, nºs 2 e 4, e artigo 212º, nºs 1 e 2, ambos da
Constituição, e ainda, por transgressão do princípio da separação de poderes
consagrado no artigo 134º, todos da Constituição.
E, não só, declarou ainda inconstitucional, a norma constante do
corpo e número 1 do parágrafo único do artigo 293˚ do Código de Processo
Penal, na parte em que atribui ao Ministério Público a competência para
ordenar prisão preventiva nos casos fora de flagrante delito, bem como da
alínea f) do número 1 do artigo 43˚ da Lei n˚ 22/2007, de 01 de Agosto, Lei
Orgânica do Ministério Público, com a nova redacção introduzida pela Lei n˚
14/2012, de 08 de fevereiro por violação da regra da exclusividade de
competência da autoridade judicial, consagrados nos termos das
disposições conjugadas dos artigos 64º, nºs 2 e 4, e artigo 212º, nºs 1 e 2,
ambos da Constituição.
Declarou ainda, inconstitucional, a norma constante do parágrafo 3˚
do artigo 308˚ do Código de Processo Penal, por violação do comando
normativo que resulta da interpretação conjugada do disposto no nº 1 do
artigo 64º, in fine, e no nº 1 do artigo 61º, ambos da Constituição, nos termos
do qual a lei não deve fixar prazos de prisão preventiva de duração
indefinida.
Pelo aqui exposto resulta que algumas das situações lesantes e que de
forma abusiva, violavam os direitos do indivíduo, no que se refere a figura
jurídica em comento, o Conselho Constitucional por via do referido Acórdão,
tratou de repor a legalidade jurídica no país.
299
2.1 Prisões Arbitrárias
3
Reportando ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
300
Sucede porém que, a Amnistia Internacional documentou casos em que a
polícia efectuou detenções e prisões nas quais os procedimentos
simplesmente não estavam em conformidade com a legislação nacional e/ou
internacional, porque não informou os que estavam a ser detidos ou presos
dos seus direitos. Neste contexto, observa-se que foi violado o direito do
arguido de consultar um advogado (n˚ 4 do artigo 63˚ da Constituição).
De acordo com o Comité dos Direitos Humanos das Nações unidas, a
mesma declarou que “a prisão preventiva deve constituir uma exceção e ser
o mais breve possível”. Este requisito decore da presunção de inocência e do
direito à liberdade pessoal na medida em que, o direito ao julgamento dentro
de um prazo razoável aplica-se a qualquer pessoa acusada de uma infracção,
quer ou não a pessoa esteja detida.
Do ponto de vista pragmático e lógico, quanto mais tempo o arguido
for mantido em prisão preventiva, mais provável será que o Estado esteja a
violar o seu direito.
Indubitavelmente, qualquer captura, detenção ou mesmo prisão,
independentemente do termo empregue, desde que se esteja a privar a
liberdade de uma pessoa, deve a mesma cingir-se no plasmado na lei.
Estabelece o artigo 251˚ do Código de Processo Penal que, é arguido
aquele sobre quem recaia forte suspeita de ter perpetrado uma infracção,
cuja existência esteja suficientemente comprovada.
Explicitamente, uma pessoa não pode ser presa a não ser que exista
uma forte suspeita de que a pessoa cometeu um crime e existam provas
suficientes de que a pessoa cometeu tal crime.
No entanto, realidade diversa tem vindo a acontecer no país.
De acordo com o relatório produzido pela Amnistia Internacional em
2012, Advogados e membros da sociedade civil disseram àquela
organização não governamental que, na prática, a polícia prende
frequentemente indivíduos sem ter provas suficientes, e investiga mais
tarde.
Sobre este aspecto não menos importante mas deveras pertinente,
indaga-se o papel do Ministério Público! Porquanto, nos termos do
consagrado no artigo 235˚ da Constituição, ao Ministério Público compete ...
controlar a legalidade, os prazos das detenções, dirigir a instrução
preparatória dos processos-crime, exercer a acção penal e assegurar a
defesa jurídica dos menores, ausentes e incapazes.
Portanto, usando da assertiva da Amnistia Internacional, é dever do
Ministério Público assegurar a inexistência de casos de detenção prolongada
que ultrapasse os limites fixados na lei. O Ministério Público é legalmente
obrigado a efectuar inspecções regulares a instalações de detenção e,
301
durante este processo, a verificar que as detenções e/ou prisões, se
enquadram nos requisitos legais.
Ainda no âmbito do papel do Ministério Público, por conta da sua
falta, vários problemas são apontados pela Amnistia Internacional como é o
caso do direito de acesso a um advogado “constitui uma importante
salvaguarda contra a tortura, os maus-tratos, as confissões sob coação e
outros abusos”.
O acesso a um advogado deve ser imediatamente concedido após a
detenção ou prisão porquanto trata-se de um direito constitucionalmente
consagrado (artigo 62˚, 63˚ da Constituição).
Paralelamente a este direito, um detido tem o direito à assistência
jurídica em todas as etapas do processo penal. Contudo, a delegação da
Amnistia Internacional falou com vários detidos que tinham ido à tribunal
sem terem nunca falado com um advogado antes da sua comparência ao
tribunal.
A Ministra da Justiça disse às delegadas da Amnistia Internacional,
durante a reunião que teve lugar em outubro de 2011, que é impossível
alguém ser julgado sem representação legal, pois é proporcionado a todos
os indivíduos um representante legal ad hoc, se aparecer no tribunal sem
advogado.
Contudo, essa não é a questão de fundo, porquanto, por mais que se
indique um representante ad hoc, é necessário que o mesmo, previamente,
tenha consultado o processo bem como, que tenha articulado com o arguido
antes mesmo da audiência de discussão e julgamento.
Contrariamente, não se poderá dizer que o arguido, efectivamente,
teve um patrocínio judiciário tal como deve corresponder o exercício de
defesa do arguido em tribunal. Entende-se que, este direito traz consigo
também, o dever do advogado, oportunamente, escutar, consultar o
processo, se for caso disso, requerer diligências que auxiliem na descoberta
da verdade. Pois, de contrário, teremos uma justiça cega, apenas preocupada
com números do que com a qualidade do trabalho desempenhado pelos
agentes da administração da Justiça.
Associada a questão do patrocínio judiciário, constata-se a fraca
capacitação dos profissionais a quem o tribunal nomeia como defensor
oficioso ou mesmo, que o Estado dispõe como meio de garantia que haja o
direito ao patrocínio judiciário, nomeadamente, os técnicos jurídicos do
Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ).
Durante uma reunião em Maputo (capital do país), no dia 27 de
setembro de 2011, representantes nacionais do IPAJ disseram às delegadas
da Amnistia Internacional que o IPAJ enfrenta diversas dificuldades no que
302
respeita aos seus recursos humanos e financeiros. Eles indicaram que existia
uma necessidade de pessoal mais qualificado, pois nem todos os advogados
que trabalhavam para o IPAJ tinham as devidas qualificações. Os
representantes afirmaram que alguns dos defensores eram estudantes ou
recém-graduados com contratos de formação. Afirmaram ainda que existia
a necessidade de ter advogados qualificados naquelas áreas.
Importa esclarecer que os profissionais que o IPAJ conta, não são
necessariamente “Advogados”, são técnicos ou assistentes jurídicos. Para
ser Advogado como tal, o país conta com a Ordem dos advogados de
Moçambique (OAM). É preciso prestar um exame a nível nacional, para que
então possa ser admitido/aprovado a exercer a profissão.
Outra questão paralela aos direitos constitucionais do arguido detido
ou preso em prisão preventiva, é o direito de acesso a um Advogado.
Conforme nos referimos anteriormente, o direito de acesso a um advogado
“constitui” uma importante salvaguarda contra a tortura, maus-tratos, etc.
Entretanto, os advogados têm por vezes dificuldades em obter acesso aos
seus clientes.
Por exemplo, Advogados da Liga dos Direitos Humanos sentiram
muitas vezes estas dificuldades nas esquadras da Polícia e chegaram mesmo
a ser ameaçados por agentes.
Durante uma missão a Moçambique em julho 2007, delegadas da
Amnistia internacional falaram com um Advogado que tinha sido espancado
e baleado pela Polícia quando visitou o seu cliente na esquadra da Polícia da
Machava (um dos municípios da Matola – Província de Maputo).
Agentes da Polícia em várias esquadras em Maputo ameaçaram várias
vezes, Advogados da Liga dos Direitos Humanos de um destino semelhante.
Os agentes da Polícia da 12ª esquadra de Maputo contaram à
delegação que os Advogados não estão autorizados a falar com os detidos na
esquadra porque não é esse o seu local de trabalho. Os agentes deixaram
bem claro que pensavam que o local de trabalho dos Advogados é nos
tribunais e não na esquadra da Polícia.
Outra questão não menos importante mas digna de apreciação para o
presente trabalho, por efectivamente, considerarmos que também está
sobre a alçada do Ministério Público no que tange ao controle dos prazos das
detenções, ainda na fase da prisão preventiva, é o facto de estarem presos
cidadãos que por causa de insuficiência financeira não conseguem sequer
ter o direito a uma assistência jurídica proporcionada pelo IPAJ. Isso porque,
alguns do seus assistentes e técnicos jurídicos tem cobrado honorários para
a realização da sua defesa em tribunal.
303
O que inequivocamente, contraria com os preceitos daquela
Instituição Estatal, pois, fora criada para assistir cidadãos economicamente
carenciados.
Para além disso, conta o relatório da Amnistia Internacional que
alguns detidos contaram à delegação que os funcionários tentaram fazer
com que assinassem um documento sem os informar do respectivo
conteúdo ou obrigaram-nos a fazê-lo. Esta é uma preocupação especial, pois
a maioria dos detidos são analfabetos ou não compreendem suficientemente
o português ou, por outras razões, não conseguem entender os documentos
oficiais. Sendo que, a norma jurídica moçambicana preconiza no seu n˚ 3
artigo 65˚ da Constituição, que são nulas todas as provas obtidas mediante
coação, tortura ou ameaça de as infringir.
Neste sentido, mais uma vez, se vislumbra a crucial presença do
Advogado durante o interrogatório, constituindo uma salvaguarda chave
para a protecção dos detidos, presos em prisão preventiva.
Porque para todos os efeitos legais, o arguido goza do princípio da
presunção de inocência até decisão judicial transitada em julgado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
304
respeito a limitação da liberdade humana e, portanto, merecedor de um
melhor tratamento do nosso ordenamento jurídico.
Anima-nos pois, a decisão do Conselho Constitucional, em repor a
legalidade no ordenamento jurídico moçambicano.
Entretanto, e em bom rigor, face ao exposto no presente trabalho,
relativamente aos factos aludidos em sede do relatório da Amnistia
Internacional, dúvidas não restam quanto a necessidade de efectiva
actuação do sistema institucional de justiça criminal, de ser este -
correspondente aos diplomas legais.
Contrariamente, por um lado, conforme relatório da Amnistia
Internacional, um sistema de justiça penal a funcionar adequadamente
asseguraria que as prisões e detenções arbitrárias não acontecessem e, se,
acontecesse fosse imediatamente reposta a legalidade e, desse modo evitar-
se-ia a prisão preventiva à margem da lei.
Por outro lado, tal como ensina-nos o professor Reis Júnior (2020), a
prisão preventiva tem por finalidade assegurar o regular desenvolvimento
da investigação criminal ou do processo penal por meio do afastamento de
um perigo concreto e efectivo decorrente do estado de liberdade do
investigado ou acusado quando as medidas cautelares alternativas à prisão
se revelarem insuficientes para o afastamento do risco e inadequadas à
gravidade do delito, às circunstâncias do facto e às condições pessoais do
autuado.
Por outro lado ainda, urge reter que, a finalidade processual da prisão
preventiva é distinta da prisão para execução de pena após sentença
condenatória, pois, há que ter-se em conta que o arguido preso em prisão
preventiva impende sobre si, o princípio da presunção de inocência, que
aliás, trata-se de uma garantia individual e fundamentalmente consagrada
pela mater legis.
Face ao acima exposto, resulta evidente concluir que, não obstante, a
prisão preventiva ser uma medida cautelar constitucionalmente
consagrada, ainda assim, para sua aplicabilidade, imperioso se torna o
cumprimento dos requisitos legais, sob pena de ferir um outro direito
fundamental consagrado nos termos do nº 2 do artigo 59˚ da Constituição -
que é o direito à liberdade e à segurança, visto que, os arguidos gozam da
presunção de inocência até decisão judicial definitiva.
REFERÊNCIAS:
305
AMNESTY INTERNATIONAL LTD. Aprisionando os meus direitos, Prisão e Detenção
Arbitrária e Tratamento dos Reclusos em Moçambique. Novembro 2012. LONDON,
REINO UNIDO. Liga Moçambicana dos Direitos Humanos. UNICEF MOZAMBIQUE 2012.
CONSTITUIÇÃO da República de Moçambique, Lei nº 1/2018, Lei da Revisão Pontual da
Constituição da República de Moçambique, edição 2018, Imprensa Nacional de
Moçambique, E. P. Maputo – 2018.
COMMUNITY LEGAL CENTER da Universidade de Western Cape e LIGA MOÇAMBICANA
DOS DIREITOS HUMANOS. Privação da Liberdade antes do Julgamento no Ordenamento
Jurídico Moçambicano: Avaliação do Regime Legal e das Práticas por Referência aos
Padrões Internacionais. Disponível em: https://acjr.org.za/resource-centre/privacao-
da-liberdade-antes-do-julgamento-no-ordenamento-juridico-mocambicano Acesso em:
05 dez. 2020.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL e LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR DE MOÇAMBIQUE,
decreto n˚ 19.271, de 24 de janeiro de 1931, EDITORA: Minerva, 2013.
CÓDIGO PENAL. Lei n˚ 34/2014, de 31 de dezembro. 2015, 1ª edição, Imprensa Nacional
de Moçambique, Maputo.
CORREIA, Eduardo. Direito Criminal I, Livraria Almedina Coimbra, 2001.
CARTA AFRICANA DOS DIREITOS DO HOMEM E DOS POVOS. Disponível em:
https://www.ophenta.org.mz/wp-content/oploads/2019/02/Carta-Africana-Direitos-
Humanos.pdf Acesso em: 10 dez. 2020.
DECRETO N˚ 7/2006, de 17 de maio – Criou o Serviço Nacional da Prisões.
LEI N˚ 19/92, de 31 de dezembro – Cria o Estatuto Orgânico da Polícia da República de
Moçambique.
LEI N˚ 24/2007, de 20 de agosto – Lei que Aprova d Lei de Organização Judiciária e
Revoga a Lei nº 10/92, de 06 de maio.
LEI N˚ 6/94, de 13 de setembro – criou o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica
(IPAJ).
LEI N˚ 28/2009, de 29 de setembro – Criou o Estatuto da Ordem dos Advogados de
Moçambique (OAM).
LEI N˚ 3/2013, de 16 de janeiro – Criou o Serviço Nacional Penitenciário (SERNAP).
LEI N˚ 22/2007, de 01 de agosto – Cria a Lei Orgânica do Ministério Público.
MUBARAK, Rizuane. A criminologia e a Criminalística Contemporâneas. Beira, 2016.
“Desafios do Jurista na Justiça Criminal: TEORIAS UNIVERSAIS E PRÁTICAS
MOÇAMBICANAS. Coeditora ISCTAC.
PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS. Disponível em:
https://www.oas.org/dil/port/1966PACTOINTERNACIONALSOBREDIRE
ITOSCIVISEPOLITICOSPDF Acesso em: 10 dez. 2020.
JUSTIÇA CRIMINAL EM MOÇAMBIQUE – Notas essenciais. 2017. EDIÇÃO: Centro de
Estudos Judiciários Formação Inicial.
306
POSTULADOS CONSTITUCIONAIS PENAIS DAS
MEDIDAS DE SEGURANÇA NO BRASIL
INTRODUÇÃO
*
Doutor em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor
adjunto dos cursos de Direito da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUC/PR). Professor convidado do curso de Doutorado em Direito Público, da
Universidade Católica de Moçambique. Atuou como coordenador dos cursos de especialização em
Ciências Criminais e Perícias Criminais, ofertados pela PUC/PR, campus Maringá. Membro do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais. Membro do Conselho Editorial da Editora Juruá (Brasil e Portugal).
Parecerista do Conselho Internacional de Estudos Contemporâneos em Pós-Graduação (CONSINTER).
Presidente da Comissão de Advogados Criminalistas da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de
Maringá. Advogado militante na área de Direito Penal, no Estado do Paraná. (almir.crime@gmail.com)
307
1988, olvidou a matéria quando envolve doente mental em conflito com a lei
penal. Não obstante, sua atenção aos princípios ligados à pena deve ser
aplicada, no que couber, aos inimputáveis em razão da doença mental que
conflitam com a lei penal.
Com acerto afirma Guilherme de Souza Nucci (2013), sobre a
aplicação extensiva dos princípios penais às medidas de segurança, que
“Assim, onde se lê crime, leia-se, igualmente, injusto penal (fato típico e
antijurídico); onde se lê pena leia-se medida de segurança”.
Sebástian Borges de Albuquerque Mello (2007, p. 193), afirma que:
308
com a funcionalidade do sistema jurídico, sua função coadunará com a
prevenção geral das infrações penais (JUNQUEIRA, 2013).
Em um Estado Democrático de Direito, como o brasileiro, alicerça na
submissão às leis, divisão de poderes e declaração de direitos. O princípio da
legalidade tem a função de fazer o Estado alcançar este chão sólido. Não há
Estado sem que todos, inclusive o próprio Estado, estejam ancorados em um
sistema jurídico-normativo (ROBERTI, 2001).
O princípio da legalidade induz o operador do direito a uma imersão
nas fontes do direito. A origem do direito dá-se, materialmente, por força da
vontade do povo, emanada por meio de seus representantes, os legisladores.
O Estado deve, por intermédio do devido processo legislativo externar as
fontes formais diretas, por meio de leis ordinárias. A função da
jurisprudência, dos costumes e dos enunciados dos juristas é,
exclusivamente, para auxiliar o poder punitivo estatal.
O artigo 22, inciso I, da Carta da República, dispõe que a competência
para criação de lei penal é exclusiva da União, por meio do devido processo
legislativo, o que afasta, desde logo, leis estaduais e municipais que possam
tratar de qualquer matéria penal, desde crimes à penas e medidas de
segurança. No mesmo sentido, assegura que medida provisória não possa
dispor sobre lei penal. Estas restrições veem de encontro com o princípio da
legalidade.
Não obstante, Leonardo Luiz de Figueiredo Costa (2007) defende a
possibilidade da elaboração de normas penais por meio de lei
complementar, posto que esta é uma das fontes que a lei pode tomar,
embora a incriminação não seja matéria sujeita à reserva de lei
complementar e, por isso, materialmente ela será ordinária.
Para Luciano Santos Lopes (2006, p. 84),
309
instrumento de integração da lei, disposta no artigo 4º, da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro só pode ser aplicado, em caso de omissão
legal, se for para favorecer o réu, pois o contrário seria violação ao princípio
da legalidade. Da mesma forma, o costume, como fonte indireta ou mediata
da lei penal, só pode ser aplicado se for in bomam partem.
Isso não quer dizer que o Direito Penal não possa valer de outros
mecanismos para aplicação da lei penal. É perfeitamente coerente ao
princípio da legalidade o uso da interpretação analógica, ainda que venha a
tipificar determinada conduta, assim como, é perfeitamente lícito o uso da
jurisprudência, com muito mais assento no direito positivo codificado, como
o brasileiro, no qual a jurisprudência exerce papel importante na exegese da
norma penal.
Uma reação que surge na abordagem deste princípio e suas relações
com as medidas de segurança é a de que não há previsão legal, expressa, para
aplicação deste postulado às medidas de segurança, pois a lei somente
garante sua aplicação aos casos de crimes e penas, o que provoca uma lacuna
em relação à segurança jurídica das medidas de segurança, embora,
acredita-se que, em submissão a proporcionalidade, o princípio da
legalidade deva ser aplicado, na íntegra, às medidas de segurança.
Na Constituição espanhola, no artigo 25.1, há previsão expressa ao
princípio da legalidade, contudo, com maior extensão que a brasileira, visto
que a proibição legal é para que não seja aplicada pena ou qualquer espécie
de sanção que não esteja previamente prevista em lei.
As medidas de segurança devem submissão à legalidade. Por esta
razão, o artigo 97, parágrafo 1º, do Código Penal, que regula o tempo da
medida de segurança como indeterminado não foi recepcionado pelo artigo
5º, inciso XXXIX, da Carta da República, pois o exercício punitivo penal não
pode ser perene.
Nem mesmo sob o pretexto de realizar tratamento médico. A
legalidade deve ser verificada também, nas medidas de segurança, com
objetivo de determinar o tempo máximo de privação de liberdade do agente
que se ache internado. O internado deve ter o direito de saber qual a medida
de segurança aplicada e qual o tempo de tratamento. Ninguém pode perder
a liberdade por tempo indeterminado; as medidas de segurança por tempo
indeterminado infringem a legalidade (LOPES, 2006). É imprescindível que
seja fixado um tempo de duração da internação ou tratamento ambulatorial.
Para Jorge Severiano Ribeiro (s.d., p. 56),
310
a pena, não é necessário que esteja prevista em lei anterior ao fato, e
não se distingue entre a lex mitior e a lex gravior, no sentido da
retroatividade: regem-se as medidas de segurança pela lei vigente ao
tempo da sentença.
1
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Trad. Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. V. 2. São
Paulo: RT, 1971, p. 37-38. Para BETTIOL As condições sociais são determinantes para o prognóstico da
periculosidade. Para ele a periculosidade é uma qualidade pessoal do indivíduo enquanto causa provável
de crimes e a providência que se deve aplicar para eliminá-la é a medida de segurança.
311
Direito Civil, no qual a responsabilidade civil pode passar da pessoa do
violador, conforme extrai-se do artigo 1.997, do Código Civil.
Em que pese esta distinção é importante registar o inegável reflexo
que a resposta penal pode causar aos familiares do condenado ou sujeito, a
medida de segurança. Um pai de família preso pode privar sua família de seu
convívio, de seu afeto e de seus recursos, quando arrimo dela. A mãe
gestante que ingressa no sistema carcerário dará luz ao seu filho em um
hospital de custódia e poderá amamentá-lo e criá-lo, em ambiente fechado,
até a idade escolar da criança. Então, a pena e medida de segurança não
passam da pessoa do condenado?
A resposta é negativa. O que passa da pessoa do condenado não é a
pena ou medida de segurança, mas sim, alguns de seus efeitos. A Carta da
República veda, apenas, que a pena passe da pessoa do condenado. Admitir
o oposto seria premiar a impunidade. A prova mais real de que seus efeitos
podem passar a terceiros, é a ação civil ex delicto, que pode ser proposta
contra o representante legal do acusado, nas hipóteses autorizadas pela
legislação civil.
Este princípio deve ser aplicado, também, às hipóteses de tratamento
do doente mental, por meio do internamento, pois o tratamento do agente é
de natureza personalíssima.
A responsabilidade de natureza civil pode passar da pessoa que violou
preceito civil. Por esta razão, a absolvição do doente mental, por força da
inimputabilidade pelo transtorno mental não obsta a propositura de ação de
conhecimento, no juízo cível, contra curador ou tutor do doente. De toda
sorte, se o juiz reconhecer a inimputabilidade e absolver o réu não poderá
ser proposta ação de execução, pois a natureza da sentença penal será
sempre absolutória, conforme será estudado à frente, desta pesquisa.
312
jurídico-penal é que o legislador deve seguir à fase seguinte, na criação do
tipo penal, individualizando-o.
A segunda etapa é verificada por meio da prestação jurisdicional na
qual a acusação deve, na peça vestibular, individualizar a ação do réu e, ao
final do processo, caberá ao julgador, se entender procedente o pedido do
autor, no processo penal, passar à dosimetria da pena, conforme determina
o artigo 68, do Código Penal.
Esta regra torna-se exceção nos crimes multitudinários, já que por
sua natureza pode não ser possível descrever, claramente, na peça
vestibular do processo penal, a ação praticada por cada um dos agentes
envolvidos. Isso, entretanto, não deve ser motivo de rejeição da inicial, sob
o fundamento de que a petição é inepta, na forma do artigo 395, I, do Código
de Processo Penal, pois, nestes crimes, pode não ser possível descrever a
conduta individualizada, mas sim, a conduta e o resultado coletivos.
A terceira e última etapa é a execução da pena aplicada na sentença
penal condenatória na forma fixada na sentença.
Para Luiz Luise (2003, p. 55),
313
Hoje as experiências realizadas, mormente no Rio Grande do Sul e em
São Paulo, em Franco da Rocha, com anuência da Justiça, indicam
serem totalmente recomendáveis as saídas temporárias, bem como a
progressão da internação para o tratamento ambulatorial, sistema
este ora proposto no projeto modificativo da parte geral em curso no
Congresso Nacional.
314
restrições, a relativizações e a conflitos com outros interesses em
determinados casos concretos”2.
A preocupação do legislador constituinte em afastar qualquer pena
degradante foi avalizada, ainda, pelo mandado constitucional explícito de
criminalização da tortura, disposto no artigo 5º, inciso XLIII, da Carta
Constitucional.
O projeto de lei, nº 5698/2013, de autoria do deputado Jair
Bolsonaro, propôs que fosse condicionada a concessão do livramento
condicional, aos condenados por crimes de estupro e estupro de vulnerável
o tratamento químico para cessar a libido do condenado.
Este projeto fere, sensivelmente, a Carta da República, de 1988, em
seu artigo 5º, XLI, que assegura aos presos o respeito à integridade física e
moral, bem como o inciso III, do mesmo dispositivo, ajusta que ninguém será
submetido a tratamento degradante. Além disso, iria ferir princípios básicos
da Carta da República, como, por exemplo: da dignidade da pessoa humana
e da proporcionalidade.
Outro projeto de lei sobre esta matéria, de autoria do deputado
Marco Feliciano, que propõe nova redação a pena, do artigo 213, do Código
Penal. A redação proposta seria que a castração química dependeria da
vontade do criminoso. Em que pese a existência de várias discussões sobre
este tema é inegável a evolução do discurso, pois antes cogitava-se a
positivação de lei que determinasse a castração química, independente da
anuência do condenado. Isso seria uma verdadeira violação aos direitos e
garantias individuais. Hoje a discussão é sobre a possibilidade de castração
química quando há anuência do condenado. Entende-se que a autorização
do condenado para ser submetido a castração química, tem o mesmo valor
da anuência do preso que permite a entrada de policiais para fazerem busca
domiciliar, sem mandado judicial, ou seja, NENHUMA.
Neste caso, seria absolutamente inválida a autorização do
condenado para ser submetido à castração química, dada sua posição de
vulnerabilidade no sistema carcerário brasileiro.
2
MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. A individualização da pena e a progressividade de regimes
prisionais. In: COSTA, José de Faria; SILVA, Marco Antonio Marques da. Direito Penal Especial,
Processo Penal e Direitos Fundamentais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 366. Para Cláudio José
Langroiva Pereira, “[...] a dignidade da pessoa humana assimila o conteúdo de todos os denominados
direitos fundamentais de ordem pessoal, física e moral, social e, inclusive, econômica, definindo-se por
características de autonomia e especificidade inerentes ao próprio homem em razão de sua simples
pessoalidade. Cf.: PEREIRA, Cláudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e Direitos Fundamentais.
São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 43.
315
A preocupação é que estes projetos sejam transformados em leis e
respinguem nos doentes mentais, não obstante, sejam considerados, pelo
Direito Penal, como inocentes.
O Estado deve adotar outras medidas de res(socialização) do
condenado nos crimes desta natureza, como, por exemplo, a inserção no
ambiente familiar, educação e profissionalização. Por esta razão, pelos
mesmos motivos que não pode ser aplicada à imputáveis é, também,
inadmissível aos inimputáveis, com maior rigor, pois não dispõem de
capacidade de consentimento válido.
É inevitável a aplicação do princípio da humanidade às medidas de
segurança, principalmente, as que impõem o internamento do doente
mental. Tecnicamente, as medidas de segurança não são penas, mas é
inegável, sob o aspecto ontológico, sua semelhança com a pena, haja vista o
constrangimento à liberdade que elas provocam, passível, inclusive do writ,
como remédio constitucional para verificar sua legalidade.
Por esta razão, todos os institutos ligados ao princípio da
humanidade, como, por exemplo, a criminalização da tortura, a vedação de
provas produzidas por meio ilícito, o respeito à integridade física e moral
dos presos, devem ser estendidos, com muito mais acerto aos inimputáveis
sujeitos a medida de segurança.
O artigo 79, parágrafo 2º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência,
assegura aos sofredores da medida de segurança restritiva de liberdade
todos os direitos assegurados aos imputáveis.
Com acerto, a medida de segurança, em submissão ao princípio da
humanidade, espécie do princípio da dignidade da pessoa humana, que
fundamenta o Estado Democrático e Social de Direito, não pode ser
perpétua. Há que ter um termo inicial e final.
Além disso, este princípio deve ter a função de obrigar o Estado a
garantir condições dignas aos internos do estabelecimento hospitalar, ou
seja, é imprescindível que o ambiente seja dotado de características
hospitalares e não de cárcere, com salubridade e profissionais com boa
formação humanística, ligados ao Sistema Único de Saúde e não agentes
carcerários, cuja formação técnica é voltada a ressocialização de imputáveis
e não ao tratamento de inimputáveis. A ausência de condições mínimas de
higiene e salubridade devem ser obstadas pelo remédio constitucional do
habeas corpus.
Os agentes que atuam com os inimputáveis, em todas as esferas
(Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e órgãos dos
sistemas de segurança e penitenciário) devem ter contínua capacitação,
conforme o comando do artigo 79, parágrafo 1º, do Estatuto do Deficiente.
316
A manutenção dos doentes da mente em ambientes insalubres, com
condições de higiene precárias, sem atendimento médico especializado, sem
sistema de aquecimento de água para banho, sem projeto pedagógico ligado
ao desenvolvimento de habilidades e competências dos doentes, sem a
assistência familiar e de equipe multidisciplinar são empecilhos que
entravam a busca pela humanização.
Para evitar estas ações deletérias, o Ministério Público deve intervir
na fiscalização sobre as condições mínimas do cumprimento da medida de
segurança, e, observando irregularidades não pode, como garantidor,
abster-se de promover ação penal e civil pública contra os gestores do
sistema.
317
Não há pena sem que haja exigibilidade e conhecimento da
proibição. Este nível do princípio pressupõe uma pessoa dotada de
capacidade para decidir conforme regras e axiomas, ou seja, um ser
autodeterminável, quiçá, uma pessoa capaz3.
Por ele extrai-se que só é possível aplicar pena a alguém se tiver
agido com dolo ou culpa, em sua conduta comissiva ou omissiva,
distanciando da responsabilidade penal objetiva. Além disso, a sanção penal
não pode passar da pessoa de seu autor ou partícipe (art. 5, inciso XLV,
CF/88), na medida de sua cooperação na prática delituosa, conforme dispõe
o artigo 29, caput, do Código Penal.
A compatibilidade entre a medida de segurança e o princípio da
culpabilidade é o maior desafio enfrentado pelo princípio, já que a medida
de segurança é imposta por meio da análise da periculosidade do autor e não
sua culpabilidade. Por este motivo, a medida de segurança deve ser aplicada
subsidiariamente, quando não for possível a aplicação da pena. Ou seja, é
melhor optar pela pena que trata o homem como ser motivável e conta com
os limites da culpabilidade4.
Mas, o princípio da culpabilidade deve exercer o papel limitador da
intervenção estatal nas medidas de segurança, com objetivo de impedir a
perpetuação da medida de segurança, limitando a imposição da restrição à
liberdade. Neste caso, a medida de segurança não pode ter maior duração do
que a pena, pois aceitar o oposto significa ferir, ainda, o princípio da
razoabilidade.
Conclui-se, destarte, que a função do princípio da culpabilidade em
medidas de segurança é, por meio da razoabilidade e isonomia, garantir que
a medida de segurança não seja mais penosa que a própria pena, impedindo,
assim, a duração ilimitada da medida de segurança.
3
ZAFFARONI, Raúl E. et al. Direito Penal brasileiro: teoria geral do Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2003, 248. Sobre este princípio “O fato de as medidas (diferentemente das penas) serem impostas
mesmo sem culpa, ou seja, além da medida da culpa, necessita de justificação especial. É que nelas o
indivíduo é limitado por causa de um comportamento pelo qual ele não tem que responder ou, pelo menos,
não na medida correspondente à sanção”. In: ROXIN, Claus; ARZT, Gunther; TIEDEMANN, Klaus.
Introdução ao Direito Penal e ao Direito Processual. Coord. Luiz Moreira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007,
P. 61.
4
GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Direito Penal: introdução e princípios fundamentais. V. 1. São Paulo:
RT, 2007, p. 539. Sobre o princípio da culpabilidade, André Estefam leciona que não é possível afirmar
que a medida de segurança deverá observar o princípio da culpabilidade, justamente porque sua imposição,
de regra, prescinde desta categoria sistemática. In: ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 424.
318
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
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Franco. V. 2. São Paulo: RT, 1971.
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Janeiro: Lumen Juris, 2007.
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 424.
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319
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ZAFFARONI, Raúl E. et al. Direito Penal brasileiro: teoria geral do Direito Penal. 2. ed.
Rio de Janeiro: Revan, 2003, In: ROXIN, Claus; ARZT, Gunther; TIEDEMANN, Klaus.
Introdução ao Direito Penal e ao Direito Processual. Coord. Luiz Moreira. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007.
320
RESPOSTA PENAL AO LOUCO INFRACTOR SOB
A VISÃO HUMANITÁRIA DOS MOVIMENTOS
DE LUTA ANTIMANICOMIAIS E SUA
INCIDÊNCIA DA SOCIEDADE MOÇAMBICANA.
Introdução
1
Licenciado em Direito pela Escola Superior da Economia e Gestão de Pemba, Mestrado em Direito
Administrativo pela Universidade Católica de Moçambique, Faculdade de Gestão Turismo e Informática
de Pemba; Doutorando em Direito Público pela Universidade Católica de Moçambique, Faculdade de
Direito - Nampula FADIR, funcionário da Procuradoria Provincial da República – Cabo Delgado,
Representante de Assistentes dos Oficiais de Justiça no Conselho Superior da Magistratura do Ministério
Público, Docente na Escola Superior de Economia e Gestão ESEG - Pemba
2
JORNAL DO FEDERAL. Manicómio Judiciário... o pior, Brasília, Conselho Federal de Psicologia,
2000, p. 4
321
a poucas mãos, nem em pouco tempo”. É preciso estar aberto às
contribuições conceituais, clínicas, políticas e sociais de diversos sectores e
actores, para que o programa siga, em constante movimento, orientado
quanto à promoção da ampliação dos laços de sociabilidade dos loucos
infractores nos interstícios e nas vias principais do mundo público das suas
relações de convivência.
Este trabalho predente trazer a resposta penal ao louco infractor, de
modo geral e no cenario nacional moçambicano, com especial destaque para
aquela pequena experiência inovadora que se desenvolveu em Moçambique.
Desde o início, deixou-se ao lado do movimento maior feito por muitos,
como parceira na busca de indicadores para o redesenho de uma política de
atenção aos loucos infractores.
Contudo, para acontecer de facto um processo de discussão para
revisão do antigo modelo, não basta apenas a produção de novas referências,
é necessário introduzí-las no debate público acerca deste tema.
322
internação, ou mesmo quando se sabe de que algum dele teve fuga nas
cadeias ou nos hospitais.
O tratamento psiquiátrico é determinado, fiscalizado e
acompanhado pelo juíz de execução. A condição para o encerramento da
sanção penal está legalmente condicionada ao atestado psiquiátrico de
cessação da presumida condição perigosa do indivíduo. Mesmo assim, será
apenas decretada a sua liberdade condicional; a custódia judicial somente
cessará definitivamente se, após esse prazo, não ocorrer nenhum incidente
que possa indicar a permanência da presunção da periculosidade do
indivíduo.
A indeterminação da sanção penal está relacionada à presunção de
periculosidade e a consequência imediata dessa presunção é correlação
entre a doença mental e a probabilidade de cometimento de novos crimes,
motivados pela patologia psíquica. A indeterminação da sanção penal é
sustentada juridicalmente pelo pressuposto de que o “doente mental” é um
sujeito patologicamente incapaz de reconhecer o carácter ilícito de seus
actos e, portanto, um irresponsável, incapaz de determinar-se
racionalmente, o que indica a probabilidade de cometer crimes futuros.
Parece ser esse o sentido do perigo de vir a realizar novos crimes.
Contudo, nos intersticios dessas determinações normativas, subjaz
uma concepção do sujeito incapaz o irresponsável em casos em que o
indivíduo for portador de sofrimento mental. Admite-se o sofrimento
mental como uma condição deficitária do ser humano; está implicito que o
portador de sofrimento mental é “menos”humano que os demais, pois a sua
condição humana, sua capacidade de agir e sua responsabilidade para com
sua acção estão diminuidas em razão do seu estado psíquico. Pode-se
entender também que, muito além do perigo de realizar novos crimes, está
em questão o perigo que a loucura significa para um determinado idea de
ser humano.
O Conceito de “periculosidade”, desde seu surgimento, promoveu e
ainda promove, de modo que parece natural , a construção de práticas
sociais e discursos orientados a partir dele, como se presumir
periculosidade a alguem fosse um facto dado como incontestável. Assim,
actualmente, designar alguém como intrinsecamente perigoso parece algo
banal, tendo em vista a circulacao e a apropriação desse conceito pelas
diversas redes sociais: no entanto as consequências dessa banalização na
atribuição da periculosidade aos loucos infractores são catastroficas para o
destino desses indivíduos. Por causa da presunção de sua periculosidade,
eles são, de modo geral, lançados para fora da orbita da humanidade e, na
maioria das vozes, sem passagem de vida.
323
Essa situação é globalmente apresentada dessa forma: ha inúmeros
casos de pessoas que receberam uma medida de seguranca e encontram-se
encerradas em manicómios judiciários por tempo indeterminado ou
trancafiadas em cadeias e presídios, na ausência de vagas nos
estabelecimentos penitenciários destinados e esse fim.
Verifica-se, de modo geral, nos casos em que se apresentam indícios
de transtorno mental, o direito recorrerá ao laudo de especialista para
atestar as evidências que virão a subsidiar o entendimento penal do autor
do crime. Se o laudo afirmar a doença mental como elemento que deu causa
ao acto, será decretada a não responsabilidade penal e a consequência dessa
condição será o estabelecimento da presunção de periculosidade, que
exigirá medidas de contenção do agente, tendo em vista a protecção social,
seja como for, todo tipo de arbitrariedade é registado nesses casos, e o que
agrava mais o quadro é a dificuldade dos indivíduos, vitímas das mais
variadas injustiças, de terem suas queixas consideradas, registadas e
encaminhadas para o devido esclarecimento e estabelecimento das medidas
cabíveis.
Nada de acessibilidade às soluções instituidas na civilização como
garantias mínimas que edificariam um sentido compartilhado para as
condições pactuadas de humanidade. Aos loucos infractores restou como
manifestação da humanidade, apenas o seu pior... apenas o silêncio, o
isolamento, o massacre cotidiano da sua condição subjectiva e o sequestro
institucional dos direitos fundamentais consagrados na CRM válidos para
qualquer pessoa humana.
324
violações de direitos dos loucos infractores no Estado Brasileiro,
descortinando o cenário político que a campanha teria que enfrentar.
Em seguida, o Professor Virgílio Mattos apresentou as conclusões do
seu livro recem-lançado. Trem de doido, em que discorre sobre a realidade
jurídica e institucional dos loucos infractores, lançando pertinentes
reflexões sobre essa complexa questão. Orientado pelas pesquisas da sua
dissertação de mestrado, dedicada ao estudo das medidas de segurança no
Brasil. Pode visitar os acervos do Manicómio Judiciário Jorge Vaz e a própria
instituição e, a partir do que registou, fez um relato contundente de sua
indignação3.
3
MATTOS, Virgílio, Trem do doido. O Direito Penal e a Psiquiatria de mãos dadas. Belo Horizonte: UNA
Editoria
325
O isolamento desses casos era um dos grandes responsáveis por
reduzir as possibilidades de inventar respostas singulares, institucionais e
políticas, em condições de produzir novos instrumentos para tratar a
perturbação mental insuportaveis e conectar o portador de sofrimento
mental à rede social com a qual precisou romper por não encontrar nela
nenhum modo de sossegar seu sofrimento. De alguma forma, aposta-se que,
para além da solução do isolamento, haveria outras formas mais vivas de
contornar esse traumatismo4.
Uma vez que nao mais acredita-se nas práticas anteriores e ainda em
vigor em muitos lugares, tem diante de uma oportunidade única. A partir da
crise que ali se instalava, a dispensar as soluções anteriores e a busca de
novas saidas. Podia, por aquela brecha aberta, arriscar-se a construir uma
prática inédita em cada caso, a partir do saber do sujeito, acompanhado as
respostas que ele mesmo entregava em diversos momentos do seu
acompanhamento.
Logo de início, confirma-se que nao se avanca no acompanhamento
desses casos, sem um espaco de convivencia orientado. Para sustentar uma
pratica orientada pelo saber do sujeito sobre a resposta que trata seu
sofrimento, nao se pode isolar o paciente judiciario, precisa-se nos colocar
ali, ao seu lado, secretariando-o, recolhendo as pistas de sua solução singular
de tratamento e sociabilidade.
Presume-se que havia um sujeito entre o paciente e o judiciário,
entre o louco e o infractor. Seguir suas pistas nos levaria a algum lugar.
Aposta-se que o singular de cada sujeito nao poderia ser reduzido à
semantica dos vocábulos, paciente judiciário – louco infractor, tao
carregados dos sentidos construidos historicamente.
A experiência que se inventa presume-se que a solução se
apresentaria no espaço da convivência e nao no silêncio do isolamento
consentido pela presunção da periculosidade. A lógica é outra. Precisa-se
recolher da convivência o que ali poderia se apresentar como uma pista
sobre o que provocava o embaraço, o que despertava sua angústia, que
artifícios e soluções o acalmavam... são as respostas de sujeito que serviriam
de guia quanto a uma possível via de construção de um laço social razoável,
no tempo em que era acompanhado por muitos, antes e durante o
cumprimento da sentença.
Através da atenção dispensada ao percurso desses indivíduos,
observou-se a compreensao de que é fundamental atribuir consequência as
suas respostas. Começa-se a se perceber, ainda que de o acto-crime tem
4
BARROS. 1999, p. 9.
326
consequencias sobre cada um daqueles acompanhados pela pesquisa.
Responder pelo crime diante do juíz, demonstrar para sua cidade e sua
familia que tem pagado “direito” pelo que fez sao respostas que comecam a
se apresentar com certa regularidade nas falas e nos comportamentos
daquelas pessoas. Parece, enfim, cada um do seu modo, que está
verdadeiramente envolvidos num trabalho muito particular de construir
algum sentido de seu acto, ensejando encontrar um apoio para o que
emergiu estranho de si mesmo, inscrevendo essa esquisitice no mundo, e
isso significa consentir com solução jurídica que se inscreve no social,
dirigida a todos os que cometem crimes, no contexto sociológico e jurídico
de sua época.
Parece ser muito importante no tratamento de cada arrumar um
modo de alojar, na sua relação com os outros, uma resposta em relação ao
acto que prática, uma resposta reconhecida como socialmente válida,
principalmente.
A periculosidade está perdendo sua cor, apagando-se sem nos
assustar, à medida que foi ganhando cor uma responsabilidade inédita,
diferente, impensável. Em cada um daqueles casos, foi aparecendo aos
poucos, com a extensão do tempo de convivência entre nós, um sujeito novo,
vivo, capaz de, ao seu modo e na sua medida, surpreender com suas
respostas de sociabilidade.
Não tem retorno, agora será daqui em diante, apostando na
construção responsável de uma prática intersectorial, feita por muitos, que
pudesse sustentar, na trama de seu tecido, o que esses sujeitos e tantos
outros na busca de uma solução que fizesse cessar um sofrimento
insuportavel, poderia nos ensinar sobre o modo de tratamento jurídico,
clínico e social que desse suporte e ampliasse os seus recursos para
encontrar no mundo um lugar onde sua diferença tivesse cabimento.
327
deve ser uma liberdade vigiada, uma liberação condicional, para que o juíz
me acompanhe e possa chegar junto em caso de perigo5.
O que indica é que o retorno ao convívio social não é desprovido de
angústia, haja vista a situação dramática dos egressos de todo sistema
penitenciário. O sentido do desalojamento, o sentir-se isolado, excluido, fora
do lugar, um estranho no ninho na volta para casa sao alguns dos inúmeros
de egressos do sistema.
Cada vez mais, aprende-se as experiências da loucura, a considerar
sua palavra, seus avisos, suas respostas, ainda que pudesse parecer um tanto
quanto desprovido de razão. De facto, o que os sujeitos ensinam é que a vida
nem sempre é razoável ou se dirige precisa através de estrategias racionais.
Fernando Pessoa disse: “navegar é preciso, viver não é preciso”, portanto,
deve ser decidido, pelos resultados alcançados no acompanhamento dos
casos, a nos orientar pela bussola que cada paciente trazia em seu bolso.
A experiência da loucura ensina sobre a pluralidade razoável de
soluções de sociabilidade. Essas se alinhava entre os diversos actores
institucionais, que funciona como uma secretaria permanente na atenção ao
louco infractor.
Para realizar a tarefa da secretaria, numa rede intersectorial,
lançou-se mão da metodologia de atenção integral, através das rodas de
conversa, recolhendo, com essa ferramenta, os indicadores para
movimentar o acompanhamento atento e cotidiano do caso, numa prática
que, para se sustentar, necessitava se firmar num terreno francamente
intersectorial. O projecto funciona como um dispositivo conector, agregando
em torno do acompanhamento do paciente judiciário as acções da
autoridade judicial, do Ministério Público e da Rede Mental e Social de cada
caso.
O programa, em resumo, tem por funcao a oferta do
acompanhamento integral ao paciente judiciário portador de sofrimento
mental em todas as fases do processo criminal. Ocorre de modo
intersectorial, através da pareceria do Judiciário com o Executivo e com a
comunidade, de forma geral, promovendo o acesso à Rede Pública de Saúde
e à Rede de Assistência Social, de acordo com as políticas públicas vigentes,
na atenção integral ao portador de sofrimento mental.
O programa busca viabilizar a acessibilidade aos direitos
fundamentais e sociais previstos na Constituição da República, almejando
ampliar as respostas e a produção do laço social dessas pessoas. Auxílio a
5
A partir da solução apresentada por L. V., buscamos encontrar os subsídios para a regulação da sua saída.
Verificamos que o antigo Código de Processo Penal, no título V, que tratava da execução das medidas de
segurança, em seu artigo 767º, determinava que caberia a juiz fixar as normas que deveriam ser observadas
durante a liberdade vigiada, podendo, inclusive, entregar ao indivíduo sujeito a ela uma caderneta, da qual
constariam suas obrigações durante o tempo de cumprimento da medida. (Código Processo Penal, 1999,
p. 129)
328
autoridade judicial na individualização da aplicação e execução das medidas
de segurança, de acordo com o previsto na legislação penal vigente.
No acompanhamento dos casos, segue, orientado pela clínica das
psicoses do ensino de Lacan, privilegiando o acompanhamento cuidadoso de
cada sujeito paciente judiciário, para que a execução da sentença possa se
dar de forma a considerar os pacientes como sujeitos de direitos e capazes
de responder por seus actos.
Os casos sao encaminhados por meio de ofício dos juízes criminais,
determinando que sejam acompanhados pelo programa. Chegam, também,
encaminhados por familiares, estabelecimentos prisionais, instituições de
tratamento em saúde mental e outos parceiros. Se a pessoa encaminhada
nao possuir sentenca de medida de segurança, ou se nao houver o incidente
de sanidade mental instaurado no processo, realiza-se uma avaliação
jurídica, clínica e social do caso e solicita-se ao juíz criminal autorização para
o acompanhamento do caso. Sendo autorizado, este é encaminhado à Rede
Pública de Saúde Mental, se ainda estiver em tratamento. Junto com a rede,
construir-se-á o projecto terapeútico e social para o paciente, o qual sera
constantemente revisto e reconstruido, de acordo com as indicaçães do
próprio sujeito. O acompanhamento ocorre durante o processo criminal até
a finalização da execução penal.
A equipe intersectorial do programa é composta de psicólogos
judiciais, assistentes sociais judiciais, assistentes jurídicos e estagiarios em
psicologia. Os estagiários actuam como acompanhantes. Esse
acompanhamento é autorizado pelo juíz para os pacientes judiciários que
permaneceram durante longos anos internado pelo e perderam o laço social,
bem como a possibilidade de circular na cidade, encontrando dificuldades
em realizar tarefas simples, tais como pegar ônibus, fazer compras, ir ao
banco, lidar com dinheiro. Trata-se do que poderiamos chamar de um
äcompanhante de rua. Esse acompanhamento favorece as possibilidades de
circulacao pela cidade, ampliando os laços sociais como forma de tratar o
sofrimento.
6
Artigo 95º do código penal.
329
Nesse primeiro momento, a medida de segurança foi adoptada para os
inimputáveis em razão de doença mental, mas também àqueles que, embora
imputáveis, fossem considerados perigosos. O sistema do duplo binário, que
permitia a aplicação de pena seguida da execução de uma medida de
segurança.
No caso do indivíduo que por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da acção ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o carácter criminoso do facto ou de
determinar se de acordo com esse entendimento.
Entretanto, por influência da Escola Sociologia ou Politico-Criminal e da
Terceira Escola Italiana, a medida de segurança passou a ser adoptada como
reacção ao acto ilícito cometido pelo inimputável em razão de doença
mental7. O que deu ensejo à adopção do denominado sistema vicariante.
Isso implicou a restrição da aplicação da medida de segurança ao
inimputável que, em razão de doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da acção ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o carácter ilícito do facto ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento, o juíz decidisse ser mais
adequada a aplicação da medida de segurança, em substituição à pena8.
Mante-se inalterada a definição de quem pode ser considerado inimputável
em razão de doenca mental, bem como a aplicação compulsória da medida
de segurança. Embora não haja mais referência expressa à presunção de
periculosidade, esta não deixou de existir.
7
GRACIA, Martin, 2007, p. 42.
8
Alínea b, artigo 48º, Código Penal.
330
A demais, para além da construção formal de crime, proposta pela
Escola Clássica, a criminologia acentuava outros traços, “o homem com sua
carga hereditária e as suas deformações criadas pela vida, esse homem que
se extraviará da norma e em quem possivelmente existiam condições que o
levariam novamente a delinquir. A sua condição, que os tornava inimigos
potênciais da sociedades, foi chamada periculosidade criminal9.
A partir do desenvolvimento da ideia de periculosidade ou
perigosidade, o louco infractor pode também ser alcançado por medidas de
natureza penal, pois, ao praticar um ilícito penal, se revelaria perigoso e,
portanto, merecedor de um tratamento que prevenisse a prática de outros
delitos. A teoria do estado perigoso, portanto, serviu e ainda serve de base
para justificar a aplicação de medidas de segurança.
Entretanto, merece crítica o fundamento da periculosidade, que
legítima a imposição da medida de segurança. De forma resumida, o que se
entende por periculosidade é o risco que o indivíduo representa para a
sociedade, presumido pelo facto de ele não ter condições de entender o
carácter ilícito da conduta ou de se posicionar de acordo com esse
entendimento, uma vez que se encontra afectado por uma doença mental no
momento da acção – o que se comprova por meio de um exame pericial.
Segundo Gracia Martin (2007, pp. 52-53) esclarece que, se o
fundamento das medidas de segurança é exclusivamente a perigosidade
criminal, esta é que deve ser o conteúdo do “suposto de facto” que servirá
para determinar e proporcionar a consequência jurídica (a medida). A partir
dai atenta que o crime praticado pelo indivíduo deve ser considerado apenas
um “sintoma revelador”de sua perigosidade, mas que esta nao pode radicar
no facto prévio em si.
No entanto, destaca o referido autor que a exigência de anterior
cometimento de um facto típico e antijurídico é, como diz Romeo
Casabona10. “uma garantia para a segurança jurídica, ao contribuir para a
diminuição de factores de incerteza no prognóstico da perigosidade (nulla
periculositas sine crimen), e para o próprio indivíduo, que nao se verá
submetido a um processo se não cometeu um delito”.
O que ocorre actualmente é que o conceito de periculosidade nao
está definido no sistema normativo. A lei presume a periculosidade do
infractor acometido por doença mental e ao Poder Judiciário é dado,
9
BRUNO, 1977, p. 257.
10
Apud GRACIA Martin, 2007, p. 53.
331
mediante o exame medido-pericial, o atestado de que o indivíduo é perigoso
para o convívio social – afinal11,
O exame que verifica a integridade mental e, consequentemente, a
periculosidade do infractor se dá por meio de um incidente processual
conhecido como incidente de insanidade; é realizado por psiquiatras, e será
considerado pelo juíz para determinação da inimputabilidade do indivíduo
e consequente imposição da medida de segurança12.
Segundo a adopção do Gracia Martin (2007, p. 57):
11
Conforme criticam António Nery Filho e Maria Fernanda Tourinho Peres, 2002, pp. 352-353, a
periculosidade é um risco e, por isso, uma incerteza que se expressará, talvez, num futuro também incerto.
12
Nº 1 e 2 do artigo 50º do Código Penal.
13
Artigo 96º do Código Penal.
14
Artigo 104º do código penal, o infractor que for declarado inimputável em razão de anomalia psíquica
e não existir o perigo fundado de continuar a praticar factos ilícitos típicos da mesma espécie, o tribunal
sujeita-o a tratamento ambulatório pelo período de tempo julgado adequado mas nunca superior a metade
da pena máxima correspondente ao tipo de crime em causa.
332
podera determinar o tratamento extra-hospitalar apenas se o facto previsto
como crime for punível com detenção.
Na prática jurídica, a cultura do encarceramento para aqueles que
sofrem de transtornos mentais. Ao mesmo tempo, reforça a exclusão social
dessas pessoas, porque, assim como a pena privativa de liberdade, a
internação compulsória em instituições totais não favorece mudanças
positivas em relação ao indivíduo nem em relação ao contexto que o rodeia,
mas acarreta um processo de “desculturação” (BARRATTA, 2002, p. 183), de
perda da identidade, de “desadaptação às condições necessárias para a vida
em liberdade” (GOFFMAN, 1974, p. 11), por exemplo.
Percebe-se que o critério determinante para definir o tipo de medida
de segurança nunca foi a necessidade do doente mental, e sim a gravidade
do delito, seguindo a mesma proporcionalidade que deveria reger a previsão
e aplicação da pena. Assim, aproximam-se os dois institutos, ignorando a
necessidade de se verificar, no caso concreto, qual seria o tratamento
adequado para o controle do tratamento mental.
Já no outro extremo – extinção da medida de segurança -, encontra-
se o exame de cessação de periculosidade, que legítima a saída dos pacientes
do Hospital de Custódia, considerado, então, o contraponto ao exame
realizado no incidente de insanidade solicitado na fase de instrução
processual penal.
O exame de cessação, em regra, será realizado depois de
transcorrido o prazo que varia de um a três anos, de acordo com o que foi
fixado pelo juíz na sentença, sob a egide do argumento da periculosidade do
agente. Enquanto a periculosidade do agente nao cessa, mante-se a execução
da medida de segurança, o que pode resultar na permanência de pacientes
por décadas na instituição. Esse caracter restritivo da medida, sem falar na
falta de infraestrutura adequada e de pessoal nessas unidades, resulta na
privação de outros direitos durante longo periodo da vida do paciente.
333
A instituição que comumente custódia os infractores classificados
como inimputáveis em razão da doença mental é denominada Hospital
Psiquiátrico de Maputo, Beira e de Nampula. É nessa instituição que se
executa a medida de segurança de internação, pela qual são excluidas da
convivência social essas pessoas, sob a presunção de representarem perigo
à sociedade.
334
desses pacientes foram infrutiferos. Deles nao se conhece familiares, nem
parentes, nem amigos.
É interessante apontar que, entre os pacientes com vínculos
familiares conhecidos, todos os casos exibem periculosidade que reforçam o
carácter estigmatizante e segregador do instituto da medida de segurança
no ideário social.
A população carcerária nos Hospitais Psiquiátricos é composta
basicamente de pessoas com baixo poder aquisitivo, muitas delas
beneficiárias de programas sociais do governo ou de auxílios
previdenciários.
No entanto, é preciso considerar que a família também necessita de
assistência e acompanhamento para que possa lidar com a situação da
pessoa com transtorno mental. As estruturas hospitalares muitas vezes
dificultam essa aproximação, ao passo que a assistência extra-hospitalar
pode favorecer esse duplo acompanhamento (paciente/família), pois mais
próximo e acessível.
Maria Alice Ornellas Pereira atenta para as dificuldades vividas
pelas famílias, normalmente carentes de informações e recursos financeiros:
15
PEREIRA, 2003, pp. 72-73.
335
Portanto, a importância de investimento na estruturação e
manutenção dos centros de atendimento psicossocial, entre outros
dispositivos de assistência social e saúde mental, é de grande relevância
para assegurar o fortalecimento dos vínculos sociais e familiares da pessoa
com transtorno mental.
16
PANCHERI, 1997, p. 106-107.
17
COSTA, A. 2008, p. 10-15.
18
PANCHERI, op., cit., p. 106-107.
19
MARIA NETO, Cândido Furtado. Aplicação de medidas de segurança aos enfermos mentais. MPD
Dialógico: Revista do Movimento Ministério Público Democrático, São Paulo, v. 8, n. 36, p. 30-31, 2012.
20
JACOBINA, 2008, pp. 95-99.
336
2.8. Reforma Psiquiátrica
21
É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção
de acções de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da
família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou
unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
22
COSTA, A, 2008, pp. 15-18.
23
BARROS, 2011, pp. 214-215.
24
ARAÚJO, 2009, pp. 12-15.
337
Capítulo III – Princípio da humanidade das Penas
25
STEINER, Sylvia Helena. A prevenção do crime de tortura no cenário do direito internacional. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 99, pp. 305-311. 2012.
26
LIMA, Carolina, 2009, pp. 440-442.
27
STEINER, op. cit., pp. 301.
338
ordenamento jurídico, não podem ser consideradas um mero meio ou
objecto da actividade estatal.
No Brasil, a dignidade humana foi elevada à categoria de
fundamento da República, pelo inciso III, do artigo 1, da Constituição Federal
de 1988.
Por não ser um direito clássico, não apareceu nas constituições mais
antigas adoptadas no século XVIII, como a dos Estados Unidos e a da França.
A França. A primeira vez que foi citada em uma constituição foi em 1919, na
Constituição Alemã, em referência às condições de vida económica. Depois,
se seguiram as Constituições de Portugal (1933) e da Irlanda (1937)28. Após
a Segunda Guerra Mundial a protecção à dignidade humana passou a ser
mais intensa.
Este fundamento norteia o ordenamento jurídico e limita e orienta a
acção estatal29, reconhecendo um núcleo indestrutível de prerrogativas às
pessoas que o estado Democrático nao pode deixar de reconhecer e
respeitar30.
Além de ser um dos fundamentos do Estado brasileiro, a digniadade
da pessoa humana também é um princípio sistematizador, ao qual se
baseiam os demais princípios constitucionais e que serve de parametro a
todo o ordenamento jurídico, garantindo-lhe coerência interna. As leis
devem refletir este princípio, podendo ser consideradas inconstitucionais as
que o viola.
Desta forma, pode-se concluir que a dignidade humana delimita o
poder de actuação do Estado, sendo o respeito a este princípio condição para
a existência de um Estado Democrático e para a legitimidade do exercício do
poder estatal, pois este deve respeitar e garantir a primazia dos direitos
fundamentais, abstendo-se de práticas lesivas a estes.
Tendo em vista este direito, o Estado deve guiar suas acções para
preservar a dignidade de cada pessoa e para criar condições que
possibilitem o pleno desenvolvimento delas, além de tratar a todos
igualitariamente e garantir para cada pessoa um direito individual protetivo
em relação ao próprio Estado e aos demais indivíduos31.
28
VON MUNCH, Ingo. La dignidad del hombre en el derecho constitucional alemán. Foro, Madrid, n. 9,
p. 108-109, 2009.
29
MACHADO PELLONI, Fernando M. Argumentos contra la tortura y los tratos crueles, inhumanos y
degradantes. In: Fayet Jr., Ney; Maya, André Machado (Orgs.). Ciências penais: perspectivas e tendências
da contemporaneidade. Curitiba: Juruá, 2011. P. 15-20.
30
SANTOS, Nivaldo dos; GARCIA, Thais Aurélia. O tratamento Constitucional da tortura e a violação
da dignidade da pessoa humana. Revista da Faculdade de Direito da UFG, Goiânia, v. 32, n. 2, p. 75, jul.
/ dez. 2008.
31
SANTOS; GARCIA, 2008, p. 76-77.
339
Conclusão
340
possibilidade de sair dele a partir de respeito à complexidade que o
constitui. Está aí a chave da saída: a construcao singular de sua medida.
A lei nao éa regra, e que, por esta razão, ela comporta a função
daqueles que a fazem e é o que garante a sua autonomia. Nesse sentido, a lei
implica tanto o seu estabelecimento quanto uma avaliação dos casos
particulares que porventura estejam em posição de transgressão32.
O portador de sofrimento mental nao está enclausurado no espaço
da periculosidade, da deficiência. Ele pode e deve responder pela sua acção
no espaço público. Não existem razões válidas que sustentem a sua
segregação. A política deve reconhecê-lo antes de tudo como um “cidadão
sujeito”e um “sujeito cidadão”, o que exige considerar a tensão que existe
entre os dois, pois, se por um lado é portador de direitos e deveres para
todos, de outro, seu modo de vida se orienta subjectivamente, sem igual; a
tensão se desdobra quando a relação do que é universal esbarra na coisa
singular de cada um, num espaço comum33.
Qual argumentação sustenta essa segregada, impedindo esses
indivíduos de responderem por seus actos como um “cidadão o faz, dentro
das normas jurídicas, e de terem direito ao acompanhamento pelos serviços
de assistência à saúde mental, de acordo com o projecto de saúde mental do
seu município?
A sentença de inimputabilidade decretada a um cidadão e a
consequente presunção de periculosidade é a mais violenta violação dos
direitos humanos em vigor nestes tempos que correm. Esses cidadãos nao
nos deixam esquecer que predicar comportamento e agregar valores
absolutos foi uma prática muito usada para condenar pessoas nos tribunais.
Ao ser convocado pelo tribunal a responder pelo seu acto, assiste-
se, com base na experiência com esses casos, à construção do crime através
da resposta de sujeito suportada pela sua linguagem. Ao refazer o acto, a
palavra produz um sentido necessário la onde estava o sem sentido; localiza-
se o excesso pelo qual o sujeito se responsabiliza. Do seu jeito, cada um
responde pelo que faz. Assim, construindo a medida da sua
responsabilidade, o necessário valor do responder pelo que se fez e, a partir
dai, construir um projecto possível de convivência no social. Cada caso tera
a sua medida, a partir das contingências que atravessam a sua inscrição.
A experiência da loucura ensina ao Direito a vastidão das
possibilidades do ser humano, desde que seja tratado com respeito e
32
MANDIL, R. Discurso Jurídico e discurso analítico. In: CURINGA. A lei e o fora da lei. Belo Horizonte:
Escola Brasileira de Psicanalise, v. 18, 2002.
33
GARCIA, C. A clínica do social. Belo Horizonte: Editora Projecto, 2000, p. 23.
341
dignidade, possibilitando o exercício de seus direitos. Garantindo-lhe acesso
aos serviços básicos de saúde e assinstência social.
Talvez ainda seja tempo de repensar o projecto democrático,
enfrentando os impasses de um projecto edificado sob a égide da razão. Será
que pode trabalhar com a ideia de que a razão é uma forma discursiva, mas
que existem outras lógicas razoáveis de manifestação no laço social? Pode
se considerar que a loucura, ainda que não disponha do discurso racional
como modo exclusivo de sua expressão, pode demonstrar sua disposição
social através de outros modos razoáveis e válidos?
Segundo John Rawls, propõe o pluralismo razoável, adverte que
existem formas que não são racionais, mas que são razoáveis. A religião seria
um grande exemplo de que nem tudo se encerra na racionalidade. A
democracia devera ser o locus de produções razoáveis, de convivência de
todas as pessoas. São todas as pessoas potencialmente razoáveis, e “o
razoável, em contraste com o racional, leva em conta o mundo público dos
outros”34.
Se o Estado permitir a esses indivíduos o exercício de seus direitos
e deveres e a expressão no espaco público da sua singularidade como
cidadãos, alargar-se-a consideravelmente o entendimento de que a loucura
não se resume à expressão do mal e do perigo. Será no espaço aberto por
essa distância que se pode assistir humildemente, enquanto aprendizes, às
infinitas possibilidades da dimensão subjectiva. Estética, úteis ou poéticas
criações, louco ou não, inventando novos sentidos para a expressão da
verdadeira cidadania.
Referências Bibliográficas
Legislação
34
RAWLS, J. O liberalismo político. São Paulo: Ed. Ática, 2000, p. 106.
342
Doutrina
343
A CULPABILIDADE COMO FUNDAMENTO E
LIMITE DA IMPUTAÇÃO DO FACTO PUNÍVEL:
ANÁLISE DA ALÍNEA A) DO N.º 2 DO ARTIGO
48 DO CÓDIGO PENAL MOÇAMBICANO,
APROVADO PELA LEI N.º 35/2014, DE 31 DE
DEZEMBRO.
JOÃO F. MACHAVA
Introdução
345
função dos elementos que possam ser considerados como justificativos ou
excludentes da culpa) que lhe podem, eventualmente, caber.
O Homem e a Acção
1
Ordem pública no sentido de conjunto de princípios fundamentais que interessa à sociedade proteger e
que se encontram reflectidos em dispositivos legais subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a
sociedade estão fundamentalmente interessados em que predominem sobre as liberdades individuais.
Conforme Costa, M. J. de A., (2000). Direito das Obrigações. 3.ª Edição. Editora Almedina. Coimbra. p.
473, “As normas de ordem pública são normas de aplicação imperativa que visam directa e essencialmente
tutelar os interesses primordiais da colectividade”.. Não nos repugna usar este conceito com vista a uma
generalização do conceito de ordem pública que pode servir os interesses associados à protecção de bens
jurídicos fundamentais em sede do Direito Penal.
346
isso, que a compreensão da acção ou conduta encontra-se intimamente
associada à regra de tal sorte que, adoptar uma determinada atitude perante
um certo evento significa conformar-se, ou não, com a ordem estabelecida e
reguladora do grupo a que pertence.
Quando o homem age, diz Reale (2002, p. 386), “desloca-se em
relação a outros homens: toma uma posição nova perante os demais (...) no
plano social (...) e o faz sempre na dependência de suas circunstâncias”.
O princípio que governa o mundo dos indivíduos é o da causalidade,
desde logo, porque todo o acontecimento, ou tudo o que acontece pressupõe
uma causa. Contrariamente, quando se coloca o mesmo indivíduo perante
um certo evento ao qual deve mostrar conformidade, o princípio que deve
ser tido em conta, diz Miguel Reale (2002) é o do dever ser ao qual está
associado uma imputabilidade em virtude da qual se atribui uma
consequência em razão da prática de um acto desconforme.
Conforme atrás mencionado, apreciar a culpabilidade implica,
necessariamente, analisar os elementos através do quais se encontra seu
significado no sentido de fundamento e limite de responsabilização do
agente “culpado”, nomeadamente a imputabilidade, a potencial consciência
da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
347
crime assente numa perspectiva extratificativa e estrutural dos elementos
constitutivos de um corpo com vista a descer, na sua interpretação, do
elemento mais complexo para o mais simples, e aí, Correia (2014, p. 198)
afirma que “o crime como preceito de espécie que é, supõe uma série
hierarquizada de conceitos que de degrau a degrau, se vão obtendo pela
sucessiva abstracção dos seus diversos elementos”. Uma vez realizado este
exercício, que de certo modo vai desnudando o que diferencia
especificamente cada um dos vários conceitos hierarquizados, obter-se-á o
sustentáculo de todos eles, designadamente o conceito de crime. Neste
sentido
2
Conf. art.º 1.º do Código Penal, nos termos do qual “Crime ou delito é o facto voluntário declarado
punível pela lei penal”. Repara-se a forma confinante como o crime é declarado. É o facto e não um facto.
Isto quer dizer que o crime deve ser algo que seja concretamente definido e que contenha contornos que
permitam a sua delimitação num sentido tal que se evite a sua generalização que pode levar a equívocos
interpretativos e, quiçá, nocivos ao desiderato que se pretende atingir quando se pretenda estreitar e
compreender a essência do que seja crime e sua particular e consequente cominação.
348
comportamento desviante viola, gozam da protecção do Estado e constituem
bens jurídicos3 cuja essencialidade traduz-se no facto de servirem interesses
da comunidade e sobretudo porque o direito penal, como corpo de normas
de carácter criminal cuja essência é o controlo social e a protecção daqueles
bens jurídicos referidos é, apenas chamado quando outros instrumentos de
controlo social falham. É um direito subsidiário, é “suplente”.
Fernando Silva (2008, p. 9)) expende que “crime é tudo o que o
legislador legitimamente considera como tal”. É um princípio positivista ou
normativa. Ora, assim afirmado revela-se algo inócuo, pois não nos clarifica
o que seja, efectivamente, o crime. Tem-se, apenas, que o legislador, na sua
função de criar condições e mecanismos que permitam subsumir certas e
determinadas condutas como criminalmente censuráveis indicará
formalmente o que se deve ter por crime. Não basta por insuficiente e, para
acinzentar mais o “ambiente” acrescenta Fernando Silva (2015, p. 9) que “os
crimes incorporam os comportamentos que, por lesarem ou ameaçarem de
lesão bens jurídicos fundamentais, são considerados ilícitos e sujeitos a uma
sanção penal”. Julgamos ser importante e até pertinente que busquemos o
sentido que se pretendeu dar ao facto de tudo estar na mão do legislador.
Nesta operação,
3
Fernando Silva (2014, p. 10) ilustra-nos que bem jurídico constitui um factor limitador da acção do direito
penal, não devendo por isso mesmo, o direito penal, intervir em situações em que não ocorram dissídios
entre o que se pretende ser desconforme com a norma penal e os bens de cariz fundamental, isto é, direitos
fundamentais. Silva (op. cit., p. 23) reitera “que o dever de realizar a segurança dos cidadãos através dos
meios penais opera nas situações em que o direito penal seja instrumento adequado de protecção dos bens
jurídicos essenciais”. Não seria de outra maneira se atendermos que o Direito Penal se caracteriza como
de mínima intervenção e de última rácio, quer dizer, “suplente”.
349
do respectivo bem jurídico seja efectuado em sede do direito penal, o
que implica uma reflexão no sentido de apurar até que ponto os
restantes ramos do direito não apresentam uma eficácia suficiente
para concretizar essa protecção de forma eficaz. Ambos os critérios
têm natureza constitucional. (Silva, 2015, p. 9).
Nos parece que até aqui, a discussão é de cariz filosófica, pois ao não
definir o crime, remete-nos a um questionamento constante e contínuo: o
que é crime? No entanto, para dissipar os equívocos a que se pode prestar
ao apenas afirmar que crime é tudo o que o legislador quer que seja, conduz-
nos para uma bifurcação através da qual identifica o crime numa perspectiva
formal e outra material. Numa primeira abordagem conceitua o crime numa
perspectiva estrutural no sentido deste ser uma acção à qual estão
associados três elementos nomeadamente, uma acção típica, ilícita e culposa
e noutro sentido, portanto material, como comportamento que pela sua
natureza ponha em causa bens jurídicos fundamentais. Assim, tendo em
conta a primeira abordagem, resulta quase cristalino o conceito de crime,
pois permite que, uma vez estruturado pelos seus elementos constitutivos,
nomeadamente o facto de ser uma acção típica, ilícita e culposa possa ser
estudado e percebido como algo cuja essência assenta fundamentalmente
num facto expresso pela sua antijuricidade ou seja a desconformidade com
a ordem jurídica criminal e por consequência ponha em causa bens jurídicos
especialmente protegidos.
Fernando Silva (2008, p. 11) diz que “bem jurídico corresponde ao
bem vital reconhecido socialmente como valioso, como valor ou interesse
jurídico”. Procurando desenvolver mais a noção de bens jurídicos (Silva,
2015, p. 11) considera-os como “circunstâncias ou finalidades que são úteis
para o indivíduo e para o seu livre desenvolvimento no âmbito de um
sistema social global estruturado sobre a base dessa concepção dos fins ou
para o funcionamento do sistema”. Resulta óbvio que desta asserção, o livre
desenvolvimento do indivíduo não deve, sob circunstância alguma,
sobrepor-se ao da colectividade, pois, apesar de a sociedade ser uma
construção do homem, sua sociabilidade natural é que ditou aquela
construção, daí que, mais do que a satisfação individual, deve imperar o que
de mais importante sobressai da conformidade com a ordem jurídica: a paz
e harmonia sociais, instrumentos últimos da ordem pública.
Fernando Silva (2008, p. 11) expende que “bem jurídico expressa
um interesse da pessoa ou comunidade na manutenção ou integridade de
um certo estado, constituindo um objecto ou bem em si mesmo socialmente
relevante e por isso reconhecido como juridicamente valioso”.
350
Numa primeira abordagem levando-nos numa viagem conceitual,
sem definir nem transmitir qualquer ideia do que seja crime, tendo como
ponto de partida as concepções naturalística, legalista ou normativista,
Figueiredo Dias assume, quase nos mesmos termos em que o faz Silva
(2008), o conceito de crime como sendo algo da alçada do legislador. Diz,
Figueiredo Dias (2012, p. 106) que crime será “tudo aquilo que o legislador
considerar como tal”. E, acrescenta que
351
Com isto, revela que o crime para que assim seja considerado,
provindo de um comportamento do agente ou autor deve ser ou provocar,
no tecido social um dano a um bem jurídico com dignidade bastante para se
constituir como fundamental, quer dizer, um comportamento que
socialmente visto põe em causa a paz social, merecendo por isso mesmo,
uma valoração negativa daí a sua censurabilidade. Nestes termos está em
causa uma determinação material do que seja o crime. Ainda que se tenha
formalmente, ou numa perspectiva legalista positiva o conceito de crime
como algo a ser definido pelo legislador, importa ter em conta que numa
visão algo geral o conceito formal e material de crime complementam-se
porquanto um privilegia um factor objectivo pois dirigido a um facto
criminalmente censurável por ser negativamente valorado, o outro refere-
se a um comportamento, igualmente, censurável por colocar no centro da
discussão o factor humano ao qual se associa uma desconformidade
socialmente reprovável.
Ainda que se tenha de considerar como elementos a partir dos quais
se possa aferir alguma concretização definidora do conceito de crime,
entende Figueiredo Dias (2012, p. 110) que são inexpressivos por revelarem
“uma muito menor capacidade de rendimento na determinação do conceito
material de crime”.
Para justificar o facto da insuficiência das concepções legalista-
positiva e positiva-sociológica, expende que
352
elementares da consciência de carácter ético-social e só por inclusão na
protecção dos bens jurídicos particulares”.
Ainda que se não considere que da apreciação das três concepções
apresentadas não se encontre mediatamente o conceito de crime, numa
perspectiva aglutinadora pode retirar-se que ficaram as notas essenciais e
que nos guiam para os elementos constitutivos do conceito material de
crime, portanto, daquilo que em si constitui o crime. Porém, não resulta,
apenas, do seu conceito, ainda que material. Mas depende também da
construção social originada daquela realidade em concreto. Deste
entendimento deriva o sentimento compreensível de que o conceito formal
de crime, a par da sua conceptualização material, está uma construção social
oriunda de entes dotados de poder e formalidade para afirmar os contornos
de que o crime se deve revestir.
Na construção da doutrina do crime a que agora Figueiredo Dias
(2012) chega, associa a punição como elemento que surge como
consequência da consideração daquele comportamento como sendo
delinquente e punível por constituir um desvio à convivência social
conforme com a sociedade em que o agente está inserido. Associa a punição
adstrita a um certo comportamento socialmente reprovável e aponta para a
discussão três períodos cuja referência foi determinante para a construção
de uma teoria do crime. O primeiro período seria aquele que constrói a
concepção clássica, também designada positivista-naturalística. Esta
concepção defende que o facto punível deverá estar intimamente ligado a
realidade objectivamente observada e empiricamente comprovada, por
pertencerem ao mundo exterior no sentido objectivo e, igualmente ao
mundo interior numa perspectiva subjectiva. Ora, esta concepção revela-se
no dizer de Figueiredo Dias (2012) incompleta ou inadequada, por restringir
o conceito de crime a um movimento corpóreo visto que modifica o mundo
exterior. O segundo período seria o da concepção normativista ou
neoclássica. Esta, integra o facto punível sendo este, de acordo com
Figueiredo Dias (2012, p. 242) “um comportamento humano causalmente
determinante de uma modificação do mundo exterior ligado à vontade do
agente”. Acrescenta que ao facto punível (ilícito) deve se associar a
danosidade social e a culpa como censuralidade do agente por ter agido
como agiu quando podia ter agido de forma diferente. Tem-se, nesta última
abordagem, a vontade como factor determinante para se aferir a maior ou
menor culpabilidade do agente prevaricador.
A finalizar apresenta o terceiro período ao qual se associa a
concepção finalista que tem na acção o seu alicerce de afirmação. A acção,
segundo Figueiredo Diad (2012, p. 245), é um conceito pré-jurídico que
353
“uma vez aceite pelo legislador, não poderia por ele ser reconformado, antes
teria de ser aceite não só em si mesmo, como em todas as suas implicações”.
Para esta concepção
4
Cfr. art.º 60 da CRM, nos termos do qual o n.º 1 estatui que “Ninguém pode ser condenado por acto não
qualificado como crime no momento da sua prática”.
354
Apreciar a culpa ou culpabilidade (qualidade da culpa), implica ter
em conta o contexto em que tal apreciação se insere sendo que no caso do
presente trabalho, muito embora se procure algum suporte de cariz
filosófica, insere-se no Direito Penal. Por outro lado, assumindo que a culpa
constitui, no Direito Penal, o elemento a partir do qual, a nosso ver, se
qualifica e quantifica a pena associada a um comportamento ilícito e culposo,
julgamos ser de extrema importância iniciar nossa apresentação com o
conceito de facto punível ou crime, pois, é deste que vai decorrer a
consideração do agente (indivíduo) como culpado, ou não, de certo e
determinado acto considerado desconforme com a ordem estabelecida e,
sendo apurada a culpabilidade e o grau correspondente, determinar-se-á a
qualidade e quantidade da culpa, sendo que duas são as possibilidades que
serão consideradas: a justificação do acto ou acção da qual resulta a
imputação e o consequente juízo de culpa e sua graduação ou, simplesmente,
a sua (culpa) exclusão, no sentido de que o acto praticado deveu-se a algo
fora do controlo ou domínio do agente culpado.
Figueiredo Dias, abordando a questão da culpa em sentido material
começa por nos dizer que
355
É aqui que começa ou pelo menos entendemos dever iniciar nossa
análise de culpa: Sua fundamentalidade na aferição do grau de culpabilidade
do agente. Preciso que se procure o sentido material de culpa, pois só assim
se poderá considerar a aplicação de alguma medida sancionatória ao agente
ou autor de um facto criminalmente censurável. Figueiredo Dias (2012, p.
510) afirma que “ela surge como uma censura jurídica dirigida ao agente
pela prática do facto”. Repare-se a formulação de Figueiredo dias: o facto e
não um facto. Pois é, não generaliza, mas remete o conceito para algo restrito
o que significa que a apreciação da culpa deve ser de acordo com o
circunstancialismo específico que rodeia a prática do facto do qual resulta a
culpabilidade do presumível infractor, culpa, diz Figueiredo Dias (2012, p.
510) “é censurabilidade por o agente ter agido como agiu e nisto se traduz a
concepção normativa do conceito de culpa”. Reitere-se que a culpa tem como
elementos a imputabilidade5 ou capacidade de culpa; a consciência do ilícito
e a exigibilidade de comportamento diferente e por outro lado que culpa,
serve como elemento de contrabalanço do poder estatal na aplicação das
penas associadas ao facto punível executado.
Apontando várias teses acerca do conceito de culpa, desde a culpa
da vontade, no sentido de alguém poder agir consoante certa situação e
neste sentido coloca o elemento subjectivo no facto, ou seja, nas sua próprias
palavras Figueiredo Dias (2012, p. 516) que “a submissão do conteúdo
material da culpa jurídico-penal à liberdade do agente parece conduzir por
força àquilo que bem se denominará o dogma da culpa da vontade”. E nesta
perspectiva deve-se entender que o agir do indivíduo deverá estar isento de
quaisquer acções externas que o obriguem a uma determinada acção e
sobretudo porque segundo Figueiredo Dias (2012, p. 516) “culpa só pode
ser censurabilidade da acção, por o culpado ter actuado contra o dever
quando podia ter actuado de acordo com ele”. Tendo em conta o atrás
mencionado, Figueiredo Dias (2012) revela que alguma dificuldade há de
resultar do facto de se apreciar a culpa mediante uma generalidade de
situações sendo que para ele o poder de agir de outra maneira há de ser
comprovável perante uma certa e determinada situação e ter-se-á em conta
a capacidade real de uma pessoa individual, na situação concreta da acção.
Só assim se poderá enxergar com (alguma) clareza acções culposas de
acções não culposas, acções mais culposas de acções menos culposas.
5
Capacidade de entender e de querer, ou seja, maturidade suficiente e bastante associados às condições
psíquicas do agente que permitam ao agente conhecer o carácter ilícito do seu acto e conduzir-se de acordo
com esse conhecimento.
356
A culpa do carácter
A culpa da pessoa
357
estão criadas todas as condições para se afirmar que “toda a culpa é
materialmente, em direito penal, o ter que responder pelas qualidades
juridicamente desvaliosas da personalidade que fundamentam um
facto ilícito-típico e nele se exprimem”.
358
relevam para as conclusões que levaram o legislador a enveredar tanto por
uma (justificação da culpa) ou pela outra (exclusão da culpa) justifica-se que
a epígrafe seja nos termos em que foi formulado, porém já assim não será
com a arrumação tando dos motivos que eventualmente justificam a culpa
bem como os que a excluem. Para uma melhor compreensão da nossa
posição, entendemos ser de todo necessário que analisemos de forma
extratificada a alínea a) do n.º 2 do artigo 48 do CP.
Diz o n.º 2 do artigo citado que “Constituem causas de exclusão de
culpa” e no meio de tantas causas, desponta aquela que nos despertou
atenção e que justificou o presente trabalho: a alínea a) daquele n.º 2
estabelece que aqueles que dominados por qualquer força estranha, física e
irresistível não serão penalizados pois sua culpa será considerada
inexistente em virtude daquele domínio da “força estranha” e,
taxativamente, prescreve que “os que praticam o facto violentados por
qualquer força estranha, física e irresistível” beneficiarão da exclusão de
culpa. Nada contra em relação à última parte daquela alínea, mas já assim
não será em relação à primeira no que diz respeito à questão da “força
estranha”.
Ora culpa é
359
1. Estranha
2. Física e irresistível
Antes, contudo, de apreciarmos as nuances que caracterizam cada
uma das acepções acima mencionadas, entendemos dever elaborar sobre o
conceito de coação e neste sentido Prata (2010, p. 294), expende que é “o
acto exercido por alguém (...) que impede ou vicia a vontade (...)”. E continua
afirmando que a coação pode ser física ou moral. A primeira, sendo absoluta
exclui completamente a vontade e a segunda muito embora também incida
sobre a vontade do agente, sua consideração no facto difere da que pode
caber à primeira.
Comecemos pela segunda. A Força física em referência representa o
que comummente se designa por coação física e pode ser vista sob dois
pontos de vista, designadamente coação física simplesmente considerada e
coação física absoluta, sendo que a indicada no artigo em crise coincide com
esta última, e de acordo com F. Carmo (2015) neste tipo de coação, não é
dado ao agente qualquer possibilidade de actuar de outro modo senão
aquele a que no momento é obrigado, ou seja, o coagido tem a liberdade de
acção totalmente excluída.
É nossa profunda convicção que à primeira (força estranha)
podemos associar, por exclusão da segunda, a coação moral. Esta (coação
moral), conforme já afirmado, concede certa liberdade do agente tomar uma
atitude diferente daquela que lhe é imposta, ou seja, tem possibilidade de
escolha entre uma acção e outra, ou seja, a liberdade do agente ou do coagido
está apenas cerceada o que significa que sempre há de sobrar uma réstia de
vontade psicológica que, aferido em função de uma situação concreta
impelirá o agente coagido a adoptar um comportamento que não excluindo
a culpa poderá, todavia justificar o facto que não deixará de preencher os
requisitos de um crime. Uma coisa é o facto que merece censura criminal
outra é afirmar que, por poder ser integrado na coação moral exclui a culpa
do agente. Repete-se: a coação moral, apenas limita a acção do agente, mas
não em absoluto e sim parcialmente. Se parcial, então, justo se mostra
afirmarmos que agindo no sentido criminal havendo possibilidade de
escolha, o agente deve ser responsabilizado pelo resultado que se obtém da
sua actuação. Sublinhe-se que, nesta situação, de coação moral, não se coloca
a possibilidade de o agente agir com dolo, pois não desejou o resultado e
nem agiu com ânimus interno contrário ou indiferente ao direito. Sabia que,
da sua acção resultaria um ilícito criminal, porém, ainda assim agiu.
Ressalve-se que o agente só poderá ser punido no caso em que o agente,
sobrepôs conscientemente, os seus interesses pessoais ao desvalor do ilícito,
ou seja, conscientemente em contradição com o Direito. Igualmente, não se
360
deve pensar que o facto de alguém ser moralmente coagido à prática de uma
acção que se consubstancia como ilícito lhe retira ou destrói o princípio
pessoal e o ser livre.
361
responsabilizado e nesse sentido, para se aferir a culpabilidade, ou não, do
agente praticante do facto punível (facto criminoso). Revela-se necessário
avaliar a espécie da coação em concreto e deste modo se o coagido poderia
resistir à coação sofrida (coação moral resistível) concluir-se-á pela
responsabilização pelo facto punível praticado não sendo esperada conduta
diversa e, por consequência a culpa estará presente. Se, por outro lado o
coagido não poderia de qualquer modo resistir à prática da infracção penal,
concluir-se-á que não há espaço, ou não há que se falar em responsabilidade
criminal, já a exigibilidade de conduta diversa será excluída e a sociedade
não esperará outra conduta se não a delituosa.
Daqui pode-se concluir que havendo coação física (irresistível)
exclui-se o juízo de censura e por consequência não há culpa e a coação
moral exclui a reprovação e por consequência há culpabilidade. Há crime,
ressalve-se, mas não há responsabilidade criminal.
Assumindo que o indivíduo pratica o facto criminoso subjugado por
uma coação (física) irresistível, resulta óbvio que dele não se esperará outro
comportamento senão o que conduz ao que lhe é exteriormente induzido e
por consequência à conduta delituosa. No entanto, fazer com que este
momento seja de consideração geral revela-se algo desproporcional com o
fim do direito penal (de entre outros, a protecção de bens jurídicos
fundamentais) e por outro lado colocaria em causa a eficácia de um direito
de culpa e por isso de aplicação insustentável. Por isso, impõe-se que a
exigibilidade tenha de ser aferida face à valoração individual dos motivos
pelo agente e não apenas sob ponto de vista da ordem jurídica. Figueiredo
Dias (2014) a propósito ensina, até como que em modo de censura, que a
visão de uma valoração eminentemente focada na pessoa do agente levaria
a que, sempre que a acusação não conseguisse provar que, no momento da
prática do facto criminoso a concreta pressão do circunstancialismo
exógeno exercida sobre o agente (cuide-se aqui de imaginar um agente sem
as características de um bom pai de família) cuja capacidade de resistência
à coação/pressão é diminuta, este teria ou podia ter-se se comportado de
acordo com a norma e ter-lhe oposto resistência, fosse absolvido do facto
criminoso. Sustente-se que o Crime integra o facto típico, ilícito e culpável.
Sendo o elemento de culpabilidade que no presente trabalho se está a
discutir, ele só estará excluído quando circunstâncias ponderosas se
ponham entre o agente e a efectivação da conduta que conduza ao facto
punível. Não entendemos que seja o caso quando à pessoa apenas é cerceada
(e não absolutamente) podendo o agente adoptar uma conduta que lhe não
faça cometer o crime. Por outro lado, e ainda segundo Dias (2014, p. 603-
504), não se pode esperar que a inexigibilidade constitua substancialmente
362
uma causa de exclusão de culpa, mas simples e “unicamente um motivo do
que chama de renúncia da ordem jurídica a punir uma culpa que subsiste,
mas em grau diminuto”.
Se se assumir que no caso em concreto da
363
lesado, seja do círculo de agentes que à desculpa podem remeter-se,
etc.) que a pressão exterior das coisas para o facto ultrapassa a
resistência que ela espera de uma personalidade (fiel ao direito): só
nessas situações deve, em princípio, reconhecer-se a exclusão da
culpa por inexigibilidade. (Dias, 2012, p. 610).
Ora mais uma vez fica a percepção, algo correcta, de que, apesar da
possibilidade de imposição de alguma pressão sobre o agente, a este resta
alguma liberdade de agir, para optar pelo criminalmente correcto, ou seja,
conformar-se com a norma pelo facto do presumível conhecimento ou
potencial conhecimento da ilicitude de que o acto a ser executado sob aquela
pressão é desconforme com a ordem jurídica, um facto, portanto, censurável
criminalmente. Se há imputabilidade, então, há culpa
Se é ponto é aceite que o direito pode, além de promover valores morais
se entregar à protecção de outros, assume-se como afirma Eduardo Correia
(2014, p. 449) que “pode pretender educar e transformar as concepções
existentes”. No entanto tal situação pode encontrar alguma dificuldade de
concretização se se admitir a não exigibilidade como fundamento da exclusão
da culpa, sobretudo quando se considera o poder de agir de outra maneira de
um bom pai de família. Disto resulta que quando o legislador coloca certos e
determinados aspectos da personalidade do indivíduo como relevantes para
modelarem sua forma de agir pretende que o agente actue de forma a
conformar-se com o direito tendo como pressuposto, exactamente, o domínio
sobre si mesmo que o indivíduo deve possuir.
Atente-se que os factores ou princípios através dos quais se pode
chegar à conclusão da exclusão da culpa o Código Penal tem-nas como
emanações positivas e tipificadas, designadamente o excesso de legítima defesa,
o estado de necessidade que exclui a culpa, todas previstas de forma expressa
na lei.
Conclusão
364
conclui-se do estudo efectuado que a questão da exclusão da culpa não deve
ser analisada apenas sob ponto de vista do indivíduo, de forma isolada, deve
também ter em conta o facto que deu origem à conduta reprovável do
agente. Assumir que qualquer “força estranha”, sem a definir concretamente
pode levar a juízos de reprovação, é certo, porém retirando do contexto
próprio os factores que o legislador expressamente indicou como aquelas
que podem excluir a culpa do agente cujo comportamento se imputa,
nomeadamente a inimputabilidade conforme consta dos artigos 46 e 47.
Por outro lado entende-se que a falta de uma caracterização da
alínea a) do n.º 2 do artigo 48, induz a uma percepção que legitime uma
conclusão algo errônea, pois coloca no mesmo patamar, situações, a nosso
ver incompatíveis, tais sejam a justificação do facto e a exclusão de culpa.
Uma coisa é justificar uma acção tida por ilícita em virtude de uma força
estranha fora do seu controlo (caso da coação física), pois coarctada a
liberdade do agente e outra excluir a culpa da mesma acção tida por ilícita
numa perspectiva em que a liberdade do agente é apenas cerceada, deixando
uma margem de actuação do agente no sentido de se determinar em
conformidade com a ordem jurídica. Nesta última situação entendemos que
que a culpa prevalece, pois o agente podia ter-se conduzido no sentido da
lei. No entanto aceitamos que em situações análogas tal “força estranha”
possa justificar o facto e, eventualmente, isentar o agente de
responsabilidade criminal, mas da culpa.
Aliás, refira-se que a Lei Penal6, revogada pela Lei n. 35/2014, de 31
de dezembro, com a epígrafe, (Causas de justificação e de exclusão de culpa)
o artigo 44.º, n.º 1.º indicava como justificando o facto, entre outros,
precisamente, “os que praticam o facto violentados por qualquer força
estranha, física e irresistível”, posição com a qual no presente trabalho
emprestamos a nossa concordância.
Referências
Doutrina
CORREIA, E. Direito Criminal. Vol. I Reimpressão (col). Figueiredo Dias. Almedina. 2014.
6
Decreto de 16 de setembro de 1886, que aprovou o Código Penal que vigorou em Moçambique até que
foi revogado pela Lei n.º 35/2014, de 31 de dezembro que aprova o Código Penal actualmente em vigor.
365
CARMO, F. C. L. Dicionário Jurídico. Contratos e obrigações. Volume I. Escolar Editora.
2015.
SILVA. F. Direito Penal Especial. Crimes contra as pessoas. Crimes contra a vida.
Crimes contra a vida intra-uterina. Crimes contra a integridade física. 2.ª edição
(revista e actualizada). Quid Juris Sociedade editora. Lisboa. 2008.
Legislação
366
PRISÃO PREVENTIVA COMO MECANISMO DE
PRÉ-RESPOSTA ESTATAL À CRIMINALIDADE E
SUA AFRONTA À LEGALIDADE PENAL EM
MOÇAMBIQUE
MPUTU MPIA1
ABDUL LATIBO MAMADE MUSSA2
I. INTRODUÇÃO
1
Mputu Mpia, (2020); Assistente Universitário da UCM, Licenciado em Direito pela Universidade de
Kinshasa, Mestre em Ciências Política Governação e Relações Internacionais da Universidade Católica
Portuguesa, Doutorando em Direito Público 3ª edição da Faculdade de Direito Nampula da Universidade
Católica de Moçambique;
2
Abdul Latibo Mamade Mussa, (2020); Licenciado em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais e
Políticas pela Universidade Católica de Mozambique, Mestre em Ciências Política Governação e Relações
Internacionais pela Faculdade de Ciências Sociais e Políticas da UCM, Doutorando em Direito Publico 3ª
edição Faculdade de Direito Nampula da Universidade Católica de Moçambique.
367
desempenhar um papel de relevo no âmbito da investigação criminal,
competência da polícia e outros organismos legitimados.
O regime instituído no novo Código de Processo Penal respeitante
a disciplina das medidas de coacção, a prisão preventiva (atrigo 243)
continua sendo a medida mais gravosa, todavia, ao lado dela, e com feições
similares a ela, surpreende-se, no artigo 242, outra medida de coacção, entre
nas inovatórias: obrigação de permanecer na habitação, também
denominada, na Doutrina, prisão domiciliária.
A prisão preventiva com sua legalidade e fundada nos artigos 311
a 316 do CPP, é uma prisão provisoria decretada pelo juiz em qualquer fase
de inquérito ou da instrução criminal para garantir a ordem jurídica social.
É cabível apos da instrução criminal e possível sua decretação. Ainda
salientar em Moçambique a autoridade competente para decretar a prisão
preventiva é o juiz. Em se tratando da competência originária dos tribunais
através do juiz da instrução. Para que o juiz possa decretar a prisão
preventiva não precisa haja solicitação de quem quer que seja. Por outro
lado, em nome do princípio da legalidade, o Ministério Publico, o querelante
ou assistente e a Autoridade Policial poderá requerer a prisão preventiva.
Por António Paulo Namburete3, Juiz Conselheiro do Tribunal
Supremo em Moçambique, insiste nas medidas coactivas no código em vigor
que que a prisão é autorizada em flagrante delito, por crime a que
corresponde a pena de prisão, cfr. n°. 1 do artigo 286 e artigo 287. Todas
autoridades ou agentes de autoridade devem, e qualquer pessoa do povo,
prender os infractores. Portanto os presos fora de flagrante delito devem ser
apresentados ao juiz da causa ou da instrução criminal dentro do prazo de
quarenta e oito horas, ou de cinco dias quando se mostre absolutamente
necessária maior dilação, nos termos do disposto no artigo 311 do CPP.
Ainda para sustentar, o Acórdão 4/CC/2013 do Conselho
Constitucional restringe aos juízes o poder de ordenar a prisão preventiva
para casos fora do flagrante delito. Essencialmente, isso significa que, nos
casos fora flagrante delito, a polícia deve informar um juiz de instrução
criminal, que tem o poder exclusivo de emitir um mandado de captura do
suspeito.4
Para tanto adoptou-se o método qualitativo com revisão da
literatura jurídica que dispõe sobre a matéria, bem como o princípio da
legalidade utilizado nos instrumentos jurídicos Moçambicanos.
3
Juízes capacitados em matérias de Prisão Preventiva e Habeas Corpus in
http://www.ts.gov.mz/index.php/pt/imprensa/noticias/348-juizes-capacitados-em-materias-de-prisao-
preventiva-e-habeas-corpus. Acessado em: 20 nov. 2020.
4
LORIZZO, Tina; PETROVITCH, Vanja. Poderes de detenção limitados pelo Conselho Constitucional
de Moçambique – O impacto do Acórdão 4/CC/2013, 2019. Disponível em:
https://reformar.co.mz/publicacoes/detencao-o-impacto-do-acordao-de-2013-3.pdf. Acessado em: 20 nov.
2020.
368
II. O ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO
5
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, 4ª ed.
6
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves (2002) Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva,
2002, 20ª ed.
7
CAETANO, Marcelo. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Tomo I. Coimbra: Almedina.
2009.
8
DIAS, Hélder Valente. Metamorfoses da Polícia: Novos paradigmas. Coimbra: Almedina, 2012.
369
nomeadamente, o direito a dignidade, o direito a julgamento em tempo
razoável.
Neste contexto, o estudo que ora se apresenta tem em vista auditar o
regime jurídico e a prática da prisão preventiva em Moçambique, com o
objectivo de avaliar a sua conformidade com as normas internacionais dos
direitos humanos que fixam os padrões mínimos, aceitáveis, para o
tratamento da pessoa humana em estabelecimentos de detenção, assim
como recolher e analisar os dados referentes à implementação prática do
regime em vigor e o seu impacto na vida das pessoas, na sociedade e nas
famílias.
Alcançado pelo Processo Penal transita pela incerteza de futura
comprovação, descomprovação ou inconclusão acerca da materialidade e
autoria delitivas. Trata-se de percurso da Justiça que culminará com a
absolvição ou condenação do réu, ninguém nesta fase pode oferecer um
prognóstico seguro, exemplifica risco inerente ao Processo Penal.9
O Centro de Direitos Humanos na disponibilização de instrumentos de
análise que permitem uma melhor compreensão do quadro jurídico,
institucional e social da prisão preventiva e resulta de uma parceria
estratégica com a Open Society Initiative for Southern Africa (OSISA);
Na Idade Antiga, a prisão como pena não era conhecida e havia, tão-
somente, o encarceramento provisório. A prisão era, portanto, apenas uma
forma de manter o indivíduo sobre o controle do Estado, mas a sanção penal
consistiria não na privação da liberdade, mas em pena de morte, corporal e
infamante. Até o século XVIII a prisão era vista como meio de preservar a
integridade do acusado e manter seu domínio físico enquanto esperava para
ser julgado e submetido à execução da pena que lhe fosse imposta. Havia,
nesse momento, apenas a prisão sob a forma de custódia.
As penas eram estabelecidas pelo arbítrio dos governantes e o
principal critério para estabelecê-las era o estatuto social a que fazia parte o
investigado:
9
BARROS, Romeu P. (1982); de Campos. Processo penal cautelar. Rio de Janeiro: Forense.
370
favorito das multidões deste período histórico, em alguns casos
também se usava como “pena” tornar o “réu” em escravo. (MISCIASCI,
1999)10
10
MISCIASCI, Elizabeth. Como e aonde surgiram as prisões? Disponível em:
http://www.eunanet.net/enn/revistaeunanet/sistema-prisional/?4/inicio-das-prisoes. Acesso em: 05 nov.
2020.
11
ROSA, Marcelo Iranley Pinto de Luna. Cautelaridade da prisão preventiva. Disponível em:
http://artigos.netsaber.com.br. Acesso em: 05 nov. 2020.
371
existência de meios alternativos à prisão preventiva, tais como a caução e
termo de identidade e residência (TIR);
O artigo 64 da Constituição da República de Moçambique estabelece12:
12
Constituição da República de Moçambique de 2014.
13
Lei n° 25/2019 de 25 de dezembro; Código de Processo Penal.
372
1. Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas
nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva
quando:
a) houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com
pena de prisão superior a 2 anos; ou
b) se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça
irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em
curso processo de extradição ou de expulsão.
14
BARROS, Romeu P. de Campos. Processo penal cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 1982.
373
nesta fase olhar sobre a garantia da ordem pública no momento que o reu
esta na fase de detenção, e que a ordem pública não seja perturbada.
A ordem pública, em muitos ordenamentos erigida à categoria de
cânone do processo penal, já em 1789 foi utilizada para reconhecer o direito
de opinião (art. 10 da Declaração de Direitos do Homem).15A partir de então,
por tantas vezes foi reempregada que alcançou status de autêntico
referencial para muitos modelos de Estado.
Se analisamos especificamente a palavra ordem, encontramos uma
constante modulação entre aquilo que vai ser e aquilo que deve ser. Trata-
se de arranjo que segue determinada metodologia; ajuste de uma
circunstância a certas condições previamente estabelecidas sem as quais se
caracteriza a desordem. Daí se afirma que a ordem compreende não apenas
a realidade como ela é, mas também a indicação de como a realidade deve
ser. A ordem está sempre constituída por certa disposição dos elementos,
em que cada qual apresenta lugar no conjunto e para que assim se possa
formar uma unidade.16
A ordem pública, por sua vez, estabelece o status quo de
circunstâncias da vida que exponham a normalidade da coletividade de uma
dada sociedade ou da comunidade, a tranquilidade e paz social que
possibilitem o crescimento das relações sociais e econômicas. Há que se
pensar, pois, na habitualidade de comportamentos e eventos, para se
vislumbrar, por via inversa, as situações aptas à caracterização de
irregularidades ou de situações perturbadoras.
Falando da ordem pública, a tranquilidade na sociedade é um elemento
capital para salvaguardar o bem-estar e o bem jurídico do lugar que foi
cometido o crime. A sociedade quere ver como esta ser punidos todos
elementos ou seja os delinquentes que estão a perturbar a ordem publica da
sociedade.
15
"Article 10. Nul ne doit être inquiète pour ses opinions, même religieuses, pourvu que leur manifestation
ne trouble pas l’ordre établi par la loi."
16
BECHARA, F. R. (2005); Prisão cautelar. São Paulo: Malheiros.
374
O Código de Processo Penal e alguma legislação penal avulsa prevê
em diferentes Prazos de Prisão Preventiva, nomeadamente17:
17
O Código de Processo Penal.
375
Este horizonte temporal inclui-se no computo da contagem dos
prazos de prisão preventiva sem culpa formada fixados no artigo 308 do
CPP, que são de 20,40 e 90 dias, respectivamente, desde a captura até a
notificação do arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditora
pelo Ministério Publico, por crimes a que caiba pena correccional, pena
maior ou crimes cuja instrução seja da competência exclusiva do SERNIC.
18
VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, 4ª
ed.
19
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 2005, 4ª ed.
20
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. (2004). Globalização, Regionalização e Soberania. São Paulo:
Juarez de Oliveira.
376
órgãos e agentes públicos, fixados pelo direito positivo, representando a
esfera de atuação de cada um deles.
O Decreto-Lei nº 35042, de 20 de outubro, elenca no seu artigo 16 os
crimes cuja instrução e da exclusiva competência da Polícia Judiciaria21:
Crime de falsificação da moeda, notas de banco e títulos da divida pública,
trafico de estupefaciente, de mulheres e publicações obscenas. Podemos
acrescentar o crime de rapto.
Pelo contrário, a Lei do SERNIC- Lei nº 2/2017, de 09 de janeiro,
estabelece como competência específica do SERNIC a investigação dos
crimes descriminalizados no artigo 7, que são na essência a maioria dos
crimes previstos no código Penal, o que induziria a concussão de que o
legislador pretendeu alargar os prazos de prisão preventiva e fixar o de
noventa dias para qualquer que seja o crime ou a sua natureza. Mas cremos
que não foi e nem pode ser este pensamento do legislador.
Por isso, propendemos a crer que há que fazer uma interpretação
correctiva ao preceito. Na verdade é indiscutível que o órgão encarregue da
instrução preparatória dos processos-crimes é o SERNIC, sob direcção funcional
do Ministério Publico, e só em casos contados a instrução compete a outros
órgãos, v.g. infracções fiscais e aduaneiras, infracções económicas, etc.
Assim sendo, parece-nos que o prazo mais dilatado de 90 dias é
estabelecido aos crimes de maior gravidade e complexidade, que exigem a
realização de diligências especializadas e demoradas. Que só o SERNIC,
porque dotado de meios e capacidade para efeito, pode realizar.
De facto, o problema que suscitava e suscita algum clamor sobretudo
no seio dos órgãos ligados a investigação criminal prende-se com a
exiguidade dos actuais prazos de prisão preventiva sem culpa formada para
a realização de diligências instrutórias indispensáveis à decisão do
Ministério Público de acusar ou abster-se de acusar o arguido.
O novo Código de Processo Penal que deve entrar em vigor, o
Parlamento já tomou posição sobre este aspecto no sentido de alargamento
dos prazos de prisão preventiva, certamente pelas razoes acima aduzidas, o
que à partida poderá serenar e tranquilizar os ânimos e deslocar o centro
dos debates somente para a questão de delimitação rigorosa dos crimes cuja
investigação compete exclusivamente ao SERNIC.
Da notificação do arguido da acusação ou pedido de abertura de
instrução contraditória pelo Ministério Público até ao despacho de
pronuncia e primeira instância, o artigo 308 do CPP fixa os prazos de três e
21
Lei do SERNIC- Lei nº 2/2017, de 09 de janeiro.
377
quatro meses, respectivamente, se ao crime couber pena a que corresponde
processo policial correccional ou processo querela.
Estes prazos podem ser prorrogados por mais dias, para decidir
incidentes ou excepções processuais deduzidas pela defesa e para proceder
às diligências de defesa que não pudessem ter sido realizadas antes, quando
a própria defesa são desistir dessas diligências. É o que se estabelece no
artigo 334 do CPP.
A partir desta fase processual (pronuncia) tem-se por formada a
culpa, a qual se manteria nos termos do disposto no §3° até à decisão final,
isto é à proferição da sentença, mas este preceito legal foi julgado
inconstitucional pelo acórdão nº 04/CC/2013, de 13 de dezembro do
Conselho Constitucional, com fundamento de que afronta o direito a
liberdade com assento constitucional, manter o arguido detido por tempo
indeterminado, desde que fosse pronunciando ou tivesse a culpa formada.
Neste contexto, entende-se que os arguidos pronunciados nunca
poderão permanecer sem julgamento para além dos referidos prazos. Os
prazos de instrução preparatória são improrrogáveis nos termos do
preceituado no §1º do artigo 337 do CPP, de sorte que findos esses prazos, a
instrução pode continuar como contraditória, se for de manter a prisão do
arguido. De contrário, decorridos os prazos estabelecidos no artigo 308° do
CPP, impõe-se atender a regra do artigo 309 CPP que estabelece a
obrigatoriedade de colocar o arguido em liberdade provisoria mediante
caução e sujeito as obrigações que lhe forem prescritas nos termos do
disposto no §2° do artigo 270 do CPP.
22
Lei nº 25/2019 de 25 de dezembro; Código de Processo Penal.
378
d) 18 meses, sem que tenha havido condenação com trânsito em
julgado.
2. Os prazos referidos no número 1 poderão ser elevados,
respectivamente, até 6, 10, 18 e 24 meses, em caso de terrorismo,
criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por
crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.
3. Os prazos referidos no número 1 são elevados, respectivamente, para
12, 16, 30 e 36 meses quando o procedimento for pelas infracções descritas
no número 1 e se revelar de excepcional complexidade, nomeadamente no
número de arguidos ou de ofendidos ou pelo carácter altamente organizado
do crime.
4. A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas
pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado,
oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e
o assistente.
5. No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª
instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso
ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da
pena que tiver sido fixada.
6. A existência de vários processos contra o arguido por crimes praticados
antes de lhe ter sido aplicada a prisão preventiva não permite exceder os
prazos previstos nos números anteriores.
7. Na contagem dos prazos de duração máxima da prisão preventiva são
incluídos os períodos em que o arguido tiver estado sujeito a obrigação de
permanência na habitação.
VII. CONCLUSÃO
379
Apesar de ter os requisitos que a lei sobre a prisão preventiva a
doutrina também enumera alguns que enumeramos na nossa pesquisa. É
nesta fase olhar sobre a garantia da ordem pública no momento que o reu
esta na fase de detenção, e que a ordem pública não seja perturbada.
O novo Código de Processo Penal que deve entrar em vigor, o
Parlamento já tomou posição sobre este aspecto no sentido de alargamento
dos prazos de prisão preventiva, certamente pelas razoes acima aduzidas, o
que à partida poderá serenar e tranquilizar os ânimos e deslocar o centro
dos debates somente para a questão de delimitação rigorosa dos crimes cuja
investigação compete exclusivamente ao SERNIC.
380
VILANOVA, L. Causalidade e Relação no Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª
ed., 2002.
ZAFFARONI, R. Em Busca Penas Perdias, A perda de legitimidade do sistema penal,
Tradução: PEDROSA, Vânia Romano e DA CONCEIÇÃO, Almir Lopes, Revan, São Paulo,
1989.
Legislação:
MOÇAMBIQUE. Constituição (2004). Constituição da República de Moçambique:
promulgada em 16 de novembro de 2004. 3ª. ed. actual Maputo, Moçambique, 2004.
MOÇAMBIQUE. Código Penal (2004). Antiga, Lei nº 13/2014 de 11 de dezembro.
MOÇAMBIQUE. Código de Processo Penal (2019). Actual; Lei nº 25/2019 de 25 de
dezembro a promulgar em janeiro 2021.
MOÇAMBIQUE. Código Penal. Actual Lei nº 24/2019 de 24 de dezembro a promulgar em
janeiro 2021.
MOÇAMBIQUE. Decreto-Lei n° 35042, de 20 de outubro.
MOÇAMBIQUE. Lei do SERNIC- Lei nº 2/2017, de 09 de janeiro.
Pesquisa Web:
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