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C H Spurgeon Liccedilotildees Aos Meus Alunos Vol 2
C H Spurgeon Liccedilotildees Aos Meus Alunos Vol 2
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C. H. SPURGEON
Contracapa:
ÍNDICE
1. A Auto-vigilância do Ministro..............................................3
4. Oração em Público...........................................................69
5. O Conteúdo do Sermão....................................................93
6. A Escolha do Texto.........................................................109
7. A Arte de Espiritualizar...................................................132
8. A Voz..............................................................................150
9. Atenção...........................................................................175
A AUTO-VIGILÂNCIA DO MINISTRO
*
Rochedo de onde eram precipitados os criminosos em Roma. Nota do tradutor.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 17
mesa, a da adulação dos que possuem superabundância de bens no seio
de um povo hospitaleiro, as tentações da carne, incessantes com os
jovens solteiros, que se vêem nas alturas no meio de uma multidão de
jovens admiradoras. Chega disto, porém. Sua observação logo lhes
revelará mil laços, a menos que os seus olhos sejam cegos de fato. Além
desses, há outros laços secretos, dos quais temos menos facilidade de
escapar. E o pior destes é a tentação do ministerialismo – tendência de
ler as nossas Bíblias como ministros, de orar como ministros, de aplicar-
nos a fazer tudo o que constitui a nossa religião, não como sendo nós
mesmos, pessoalmente, mas só relativamente interessados naquilo tudo.
Perder o caráter pessoal do arrependimento e da fé é sofrer uma perda
real. "Homem nenhum", diz John Owen, "prega bem o seu sermão a
outros se o não pregar primeiro ao seu próprio coração."
Irmãos, é eminentemente difícil ater-nos a isso. O nosso oficio, em
vez de ajudar a nossa vida piedosa, como alguns afirmam, torna-se um
dos seus mais sérios empecilhos, devido à maldade da nossa natureza;
pelo menos, eu penso assim. Como a gente esperneia e luta contra o
oficialismo! Todavia, com que facilidade ele nos bloqueia, como uma
vestimenta comprida que se enrosca nos pés do corredor e o impede de
correr. Acautelem-se, caros irmãos, contra isso e contra todas as outras
seduções que assediam a sua carreira; e, se vocês têm agido assim até
agora, continuem vigilantes até á última hora da vida.
Assinalamos apenas um dos perigos, mas, na verdade, são uma
legião. O grande inimigo das almas esmera-se em não deixar pedra sem
revirar no afã de arruinar o pregador.
"Cuidem-se", diz Baxter, "porque o tentador fará a sua primeira e mais
mordaz investida contra vocês. Se vocês forem os líderes contra ele, ele não
os poupará nem um pouco além da medida da restrição que Deus lhe impõe.
Ele sustenta contra vocês o máximo da sua maldade porque estão
empenhados em causar-lhe o maior dano. Assim como odeia a Cristo mais
que a qualquer de nós, porque Ele é o "comandante-em-chefe" e o "capitão
da nossa salvação", e faz muito mais que o mundo inteiro contra o reino das
trevas, assim põe mais atenção nos líderes subordinados a Cristo que aos
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soldados rasos, por semelhante motivo, guardadas as devidas proporções.
Ele sabe muito bem a derrota que poderá impor aos restantes, se os líderes
caírem à vista deles. Por longo tempo ele tem usado esta forma de pelejar,
"nem com pequenos, nem com grandes", relativamente falando mas dirige-
se especialmente aos grandes, conforme está escrito: 'Ferirei o pastor, e as
ovelhas do rebanho se dispersarão'. E por este meio tem conseguido tal
sucesso, que continuará a usá-lo enquanto puder.
"Tenham cuidado, pois, irmãos, porquanto o inimigo os fita com um
olhar especial. Vocês sofrerão as suas insinuações mais sutis, solicitações
incessantes e assaltos violentos. Por mais sábios e instruídos que sejam,
cuidem-se, para que ele não lhes sobrepuje o engenho. O diabo é mais
douto que vocês, e contendor mais esperto; pode transfigurar-se em "anjo
de luz" para enganar. Ele dominará vocês e levar-vos-á por onde quiser
antes que se dêem conta; bancará ilusionista com vocês, sem ser percebido,
e vos logrará, fazendo-vos perder a fé ou a inocência, e vocês nem saberão
que a perderam; pelo contrário, fará com que creiam que ela se multiplicou
ou cresceu, quando na verdade foi perdida. Vocês não enxergarão nem a
vara nem o anzol, e muito menos o pescador sutil, enquanto ele oferece a
sua isca. E as suas iscas serão tão adequadas ao temperamento e à
disposição de vocês, que terá certeza de colher vantagem no vosso íntimo,
fazendo com que os vossos princípios e inclinações vos traiam; e sempre
que vos arruinar, fará de vocês instrumentos da vossa própria ruína. Oh, que
vitória ele fica rememorando, se consegue tornar um ministro ocioso e infiel;
se pode fazer um ministro cair na tentação da cobiça ou de um escândalo!
Ele se ufanará contra a igreja. e dirá: 'Estes são os teus santos pregadores;
vês qual é a virtude deles, e para onde ela os levará'.
"Ele se ufanará contra o próprio Senhor Jesus Cristo, e dirá: 'São estes
os teus campeões! Posso fazer com que os Teus principais servos Te
desonrem; posso tornar infiéis os mordomos da Tua casa'. Se ele insultou
tanto a Deus baseado numa falsa suspeita, e Lhe disse que podia levar Jó a
blasfemar dEle na Sua lace (Jó 1:2), que faria se deveras prevalecesse
contra nós? E finalmente insultará o mais que puder, achando que poderá
levar vocês a serem falsos para com a sua grande incumbência, a desonrar
a sua santa profissão, e a prestar grande serviço àquele que foi seu inimigo.
Oh! não gratifiquem tanto a Satanás! Não deixem que faça tanta troça. Não
deixem que os use – como os filisteus usaram Sansão – primeiro privando-
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os da sua força; depois, arrancando-lhes os olhos; e fazendo-os, assim,
objeto do triunfo e da zombaria dele".
Ainda uma palavra. Temos que cultivar o mais alto grau de
religiosidade autêntica porque o nosso trabalho exige isto
imperiosamente. O labor do ministério cristão é executado na exata
proporção do vigor da nossa natureza renovada. Nosso trabalho só é bem
feito quando nós estamos bem. Como o trabalhador é, assim será o seu
trabalho. Enfrentar os inimigos da verdade, defender os baluartes da fé,
governar bem a casa de Deus, consolar todos os que choram, edificar os
santos, orientar os que andam perplexos, tolerar os insolentes, conquistar
almas e nutri-las – todas estas obras e outras mil não são para um João
Fraco da Mente, nem para um José É Já Que Paro, mas estão reservadas
para o Cristiano Coração Grande, que o Senhor fez forte para Si mesmo.
Procurem, pois, obter forças daquele que é o Forte, e sabedoria daquele
que é o Sábio – sim, busquem tudo do Deus de todos.
Em terceiro lugar, que o ministro cuide para que o seu caráter
pessoal se harmonize em todos os aspectos com o seu ministério.
Já ouvimos todos a historia do homem que pregava tão bem e vivia
tão mal que, quando estava no púlpito, toda gente dizia que ele não devia
sair mais de lá, e quando estava fora dele, todos declaravam que ele não
devia voltar a ocupá-lo. Que o Senhor nos livre da imitação de tal Janes.
Que nunca sejamos sacerdotes de Deus junto ao altar e filhos de Belial
fora das portas do tabernáculo. Ao contrário, como diz Nazianzeno sobre
Basílio, "trovejemos em nossa doutrina e relampagueemos em nossa
conversação". Não confiamos nas pessoas de duas caras e ninguém dará
crédito àqueles cujos testemunhos verbais e práticos são contraditórios.
Segundo o provérbio, as ações falam mais alto do que as palavras, assim
uma vida má efetivamente abata a voz do mais eloqüente ministério.
Afinal de cantas, a nossa mais veraz obra de edificação deve ser
realizada com as nossas mãos; o nosso caráter tem que ser mais
persuasivo do que o nosso falar.
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Aqui vos advirto não somente sobre pecados de comissão, mas
também sobre pecados de omissão. Muitos pregadores esquecem-se de
servir a Deus quando estão fora do púlpito, sendo incoerentes em seu
modo de viver. Diletos irmãos, detestem pensar em ser ministros tipo
relógio, não vivendo pela graça presente no seu íntimo, mas agindo pela
corda dada por influências passageiras; homens que somente são
ministros quando têm que ser, quando são pressionados pelas horas de
ministração, mas deixam de ser ministros quando descem a escada do
púlpito. Os verdadeiros ministros são ministros sempre. Muitos
pregadores são como aqueles brinquedos de areia que compramos para
as nossas crianças; viramos a caixa de boca para baixo, e o pequeno
acrobata volve-se e revolve-se até esvair-se a areia toda, e então ele
pende imóvel. Assim há alguns que perseveram nas ministrações da
verdade enquanto há alguma necessidade oficial do seu trabalho, mas,
depois disso, sem pagamento, não há oração: se não há salário, não há
sermão.
É horrível ser ministro incoerente. De nosso Senhor se diz que foi
semelhante a Moisés por esta razão, por que foi "profeta poderoso em
obras e palavras". O homem de Deus deve imitar nisto o seu Mestre e
Senhor. Deve ser poderoso tanto na palavra da sua doutrina como nos
seus atos exemplares, e mais poderoso, se possível, no segundo caso. É
notável que a única história da igreja que temos é esta: "Atos dos
Apóstolos". O Espírito Santo não preservou todos os seus sermões. Eram
muito bons, melhores do que jamais pregaremos, mas, apesar disso, o
Espírito Santo Se interessou mais pelos "atos" dos apóstolos. Não temos
livros de atas com o registro das resoluções dos apostoles. Quando temos
nossas reuniões eclesiásticas, registramos as nossas atas e resoluções,
mas o Espírito Santo faz constar mais os "atos". Os nossos atos devem
ser tais que mereçam registro, pois registrados serão. Devemos viver
como estando sob o mais direto olhar de Deus, e como na luz do grande
dia da revelação de todas as coisas.
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No ministro, a santidade é ao mesmo tempo a sua principal
necessidade e o seu mais excelente ornamento. A simples excelência
moral não basta; é preciso haver virtude mais elevada. Tem que haver
um caráter consistente, mas este precisa ser ungido com o óleo santo da
consagração, ou, do contrário, estará faltando aquilo que nos impregna
do melhor aroma para Deus e para os seres humanos. O velho John
Stoughton, em seu tratado intitulado The Preacher's Dignity and Duty (A
Dignidade e o Dever do Pregador), insiste na santidade do ministro com
declarações contundentes. "Se Uzá deve morrer por tocar na arca de
Deus, e isso para segurá-la por estar prestes a cair; se devem morrer os
homens de Bete-Semes porque olharam para dentro dela; se os próprios
animais são ameaçados somente por aproximar-se do monte santo –
então, que espécie de pessoas devem ser os que são aceitos para falar
com Deus familiarmente, para "estar de pé diante dele", como o fazem os
anjos, e "contemplar continuamente a sua face"? "Para levar a arca em
seus ombros"; "para levar o seu nome perante os gentios"; numa palavra
para ser Seus embaixadores? "A santidade convém à Tua casa, Senhor".
E não seria ridículo imaginar que os vasos devem ser santos, as vestes
devem ser santas, tudo deve ser santo, mas somente aquele sobre cujas
vestimentas precisa estar escrito "santidade ao Senhor" pode deixar de
ser santo? Não seria ridículo que as campainhas dos cavalos devem ter
em si uma inscrição de santidade (Zac. 14:20); e as campainhas dos
santos, isto é, as campainhas de Arão, fiquem sem santificar-se?
Não, eles devem ser "lâmpadas que ardem e brilham", ou então a
sua influência projetará alguma qualidade maligna; têm que "ser
ruminantes e ter o casco dividido", ou serão imundos; precisam "manejar
bem a palavra" e andar retamente na vida, juntando assim a vida ao
saber. Se faltar santidade, os embaixadores desonrarão o país do qual
procedem e o príncipe que os enviou. E este Amasa morto, esta doutrina
não vitalizada pela vida genuína, jazendo no caminho, detém o povo de
Deus, impedindo-o de prosseguir com entusiasmo em sua luta
espiritual."
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A vida do pregador deve ser um ímã para atrair homens a Cristo, e é
triste de fato quando os retém longe dEle. A santidade dos ministros é
um sonoro chamamento aos pecadores para que se arrependam, e,
quando aliada à santa alegria, torna-se maravilhosamente atraente.
Jeremy Taylor, em sua linguagem peculiar e rica, diz: "As pombas de
Herodes nunca poderiam ter convidado tantos estranhos para os seus
pombais, se estes não tivessem sido lambuzados com o bálsamo de
Gileade. Mas, dizia Didymus, "faça os seus pombos cheirarem
agradavelmente, e eles atrairão bandos completos"; e se a sua vida for
excelente, se as suas virtudes forem como um ungüento precioso, logo
você fará os que estão a seu cargo correrem "in odorem unguentorum",
atrás das suas precisas fragrâncias". Mas você precisa ser excelente, não
"tanquam unus de populo", mas "tanquam hamo Dei"; você deve ser um
homem de Deus, não segundo a maneira comum dos homens, mas
"segundo o coração de Deus". E os homens se empenharão para ser
semelhantes a você, se você for semelhante a Deus. Mas quando você
fica parado à porta da virtude, apenas para manter fora o pecado, não
introduzirá ninguém no aprisco de Cristo, exceto aqueles impelidos pelo
temor. "Ad majorem Dei gloriam", "Fazer o que mais glorifique a Deus",
esta é a linha pela qual você deve andar. Portanto, não ir além daquilo
que todos os homens fazem por obrigação, é servilismo, não atingindo a
afeição de filhos. Muito menos poderão ser país espirituais os que não
chegam a igualar-se aos filhos de Deus. Pois um farol obscuro,
conquanto haja fraca luz por um lado, mal iluminará a um, e muito
menos conduzirá uma multidão, nem atrairá muitos seguidores com o
brilho da sua chama".
Outro teólogo episcopal igualmente admirável disse com acerto e
com energia:
"A estrela que guiou os magos a Cristo, e a coluna de fogo que
conduziu os filhos de Israel a Canaã, não brilharam apenas, mas foram
adiante deles (Mt. 2:9; Êx. 13:21). A voz de Jacó fará pouca coisa boa, se as
mãos forem de Esaú. Na lei, ninguém que tivesse alguma mancha poderia
oferecer as oblações ao Senhor (Lv. 21:17-20); por meio dessas coisas, o
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Senhor nos ensina quais dons e graças devem existir em Seus ministros. O
sacerdote devia ter em suas vestes campainhas e romãs, umas figurando
doutrina sã, outras simbolizando vida frutífera (Êx. 28:33-34). O Senhor será
santificado naqueles que andam junto dEle (Is. 52:111; pois os pecados dos
sacerdotes levam o povo a aborrecer as ofertas ao Senhor (1 Sm. 2:17).
Suas vidas ímpias lançam vergonha sobre a sua doutrina. Passionem Christi
annunciant profitendo, male agendo exhonorant, como diz Agostinho – com
a sua doutrina edificam, e com as suas vidas destroem. Concluo este ponto
com a salutar passagem de Hierom ad Nepolianum. Não permitas, diz ele,
que as tuas obras envergonhem a tua doutrina, para que os que te ouvem
na igreja não te respondam tacitamente: Por que não praticas o que ensinas
a outros? É bom demais o mestre que persuade outros a jejuarem, estando
ele de barriga cheia. Um ladrão pode denunciar a cobiça. Sacerdotis Christi
os, mens, manusque concordent. A língua, o coração e a mão do sacerdote
de Cristo devem concordar entre si".
Muito apropriada também é a linguagem de Thomas Playfere em
sua obra: "Fale bem, Aja bem". "Havia um ridículo ator na cidade de
Esmirna que, quando pronunciava: Ó coelum! Ó céu! apontava com o
dedo para o chão; o que vendo Polemo, o principal vulto da localidade,
não pôde ficar ali por mais tempo e saiu muito irritado, dizendo: "Este
tolo cometeu solecismo com a mão, e falou falso latim com o dedo".
Assim são os que ensinam bem e agem mal. Esses, apesar de terem o céu
na ponta da língua, têm a terra na ponta do dedo. Os tais não só falam
falso latim com a língua, mas falam falsa teologia com as mãos. Esses
vivem em desacordo com o que pregam. Mas Aquele que tem o Seu
trono no céu rir-se-á deles com desdém, e os varará expulsando-os do
palco, se não corrigirem o seu procedimento. Mesmo nas pequenas
coisas o ministro deve cuidar que sua vida esteja em harmonia com o seu
ministério.
Deve ter especialmente o cuidado de nunca faltar com a palavra.
Isto deve ser levado ao escrúpulo extremo. Não conseguiremos exagerar
nisto. A verdade não somente deve estar em nós; deve também irradiar-
se de nós. Em Londres, um célebre doutor em teologia que agora está no
céu, não tenho dúvida – homem excelente e muito piedoso comunicou
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num domingo que tencionava visitar todos os membros da sua igreja, e
disse que, a fim de poder informá-los e visitá-los e suas famílias uma vez
por ano, deveria seguir a ordem na lista de "bancos cativos".
Uma pessoa que conheço bem, nesse tempo um homem pobre,
apreciou muito a idéia de que o ministro ia à sua casa para vê-lo, e, uma
ou duas semanas antes da ocasião que ele imaginava que seria a sua vez,
sua mulher esmerou-se muito em limpar a lareira e em manter a casa
bem arrumada, e o homem corria logo para casa ao sair do serviço todas
as tardes, esperando encontrar lá o doutor. Isto continuou acontecendo
durante considerável tempo. Ou o teólogo esqueceu a promessa, ou foi-
se cansando de levá-la a efeito, ou por alguma outra razão nunca foi à
casa daquele homem pobre. O resultado foi este: o homem perdeu a
confiança em todos os pregadores, e dizia: "Eles cuidam dos ricos, mas
não cuidam de nós, os pobres".
Por muitos anos aquele homem não se firmou em nenhum local de
culto, até que um dia caiu no Exeter Hall e durante anos foi meu ouvinte,
até que a Providência o removeu. Não foi tarefa pequena fazê-lo crer que
todo ministro podia ser sincero e amar imparcialmente ricos e pobres.
Tratemos de evitar esse mal, dando cuidadosa atenção à nossa palavra
pessoal. Devemos lembrar-nos de que somos muito observados.
Dificilmente os homens têm o descaramento de transgredir a leí à plena
vista dos seus semelhantes; todavia, nós vivemos e nos movemos nessa
publicidade. Milhares de olhos de águias nos vigiam. Procedamos de
modo que nunca precisemos ter preocupação sobre se todo o céu, terra e
inferno alongam a lista de espectadores. A nossa posição pública é
grande ganho, caso sejamos habilitados a mostrar os frutos do Espírito
Santo em nossas vidas. Tenham cuidado, irmãos, para não suceder que
joguem fora a vantagem.
Meus caros irmãos, quando lhes dizemos que cuidem bem da sua
vida, queremos dizer que sejam cuidadosos até com as minudências do
seu caráter. Evitem as pequenas dívidas, a impontualidade, fazer
mexericos, dar apelidos, contendas minúsculas, e todos aqueles pequenos
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males que enchem de moscas o ungüento. As auto-indulgências que têm
rebaixado a reputação de muitos, não podemos tolerar. As familiaridades
que têm lançado suspeita sobre outros, temos que evitar castamente. Da
grosseria que tem tornado alguns odiosos, e das futilidades que tornaram
muitos desprezíveis, temos que nos descartar. Não podemos permitir-nos
correr grandes riscos por causa de pequenas coisas. Tenhamos o cuidado
de conduzir-nos de acordo com a regra: "Não dando nós escândalo em
coisa alguma, para que o nosso ministério não seja censurado".
Com isto não se quer dizer que devemos manter-nos presos a
quaisquer caprichos da sociedade em que nos movemos. Em regra, odeio
as modas da sociedade e detesto os convencionalismos, e se eu achasse
que a melhor atitude seria pisar numa regra de etiqueta, sentir-me-ia
gratificado ao fazê-lo. Não; somos homens, não escravos; e não devemos
renunciar à nossa liberdade varonil para sermos lacaios dos que fingem
gentileza ou alardeiam polidez. Entretanto, irmãos, de tudo que se
aproxima da grosseria que cheira a pecado temos que fugir como
fugiríamos de uma víbora. Para nós as regras de Chesterfield são
ridículas; não, porém, o exemplo de Cristo. Ele nunca foi grosseiro,
baixo, descortês ou indelicado.
Mesmo em vossas recreações, lembrem-se de que são ministros.
Quando estão fora da mira, ainda continuam sendo oficiais do exército
de Cristo, e, como tais, não se rebaixem. Mas, se devemos observar com
cautela as coisas mínimas, quanto cuidado devemos ter nas grandes
questões da moralidade, da honestidade e da integridade! Nestas é
preciso que o ministro não falhe. Sua vida particular deve estar sempre
em harmonia com o seu ministério, ou, do contrário, o seu dia se porá
com ele, e quanto mais cedo se afastar, melhor, pois a sua permanência
nesse ofício servirá somente para desonrar a causa de Deus e ocasionar a
ruína de si mesmo,
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O CHAMADO PARA O MINISTÉRIO
Quando penso no prejuízo, que por pouco não é infinito, que pode
resultar do erro quanto à nossa vocação para o pastorado cristão,
domina-me o temor de que algum de nós tenha sido negligente no exame
de suas credenciais. Preferiria que vivêssemos em dúvida e nos
examinássemos muitíssimas vezes, do que tornarmos empecilhos no
ministério. Não faltam numerosos métodos pelos quais o homem pode
testar sua vocação para o ministério, se ardorosamente o quiser fazer. É-
lhe imperativo que não entre no ministério enquanto não fizer profunda
sondagem e prova de si próprio quanto a este ponto. Estando seguro da
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sua salvação pessoal, deve investigar quanto à questão subseqüente da
sua vocação para o ofício; a primeira é-lhe vital como cristão, e a
segunda lhe é igualmente vital como pastor. Ser pastor sem vocação é
como ser membro professo e batizado sem conversão. Nos dois casos há
um nome, e nada mais.
1. O primeiro sinal da vocação celeste é um desejo intenso e
absorvente de realizar a obra. Para se constatar um verdadeiro
chamamento para o ministério é preciso que haja uma irresistível,
insopitável, ardente e violenta sede de contar aos outros o que Deus fez
por nossas almas. Que tal se eu apelidar isso de uma espécie de ternura,
como a que os pássaros têm pela criação dos seus filhotes quando chega
a estação própria; quando a ave mãe está disposta a morrer, antes de
abandonar o ninho.
Alguém que conheceu Alleine intimamente disse que ele tinha
infinita e insaciável avidez pela conversão de almas". Quando pôde ter
participação societária na universidade em que estava, preferiu uma
capelania, porque "o inspirava uma impaciência por ocupar-se
diretamente na obra ministerial". "Não entre no ministério se puder
passar sem ele", foi o conselho profundamente sábio de um teólogo a
alguém que procurou a sua opinião. Se alguém neste recinto puder ficar
satisfeito sendo redator de jornal, merceeiro, fazendeiro, médico,
advogado, senador ou reí, em nome do céu e da terra, siga o seu
caminho. Não é homem em quem habita o Espírito de Deus em Sua
plenitude, pois o homem assim revestido da plenitude de Deus ficaria
inteiramente enfadado com qualquer carreira que não aquela pela qual o
âmago da sua alma palpita.
Por outro lado, se você puder dizer que nem por toda a riqueza da
Índia poderia ou ousaria esposar qualquer outra carreira, a qual o
apartasse da pregação do evangelho de Jesus Cristo, fique certo então
que se noutras coisas o exame for igualmente satisfatório, você tem os
sinais do apostolado. Devemos estar convictos que a desonra virá sobre
nós se não pregarmos o evangelho. A Palavra de Deus deve ser como
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fogo em nossos ossos, do contrário, se nos aventurarmos no ministério,
seremos infelizes nisso, seremos incapazes de suportar as diversas
formas de abnegação que lhe são próprias, e prestaremos pouco serviço
aqueles aos quais ministramos. Falo de formas de abnegação, e digo
bem, pois o trabalho do verdadeiro pastor está repleto delas, e, se não
amar a sua vocação, logo sucumbirá ou desistirá da luta, ou prosseguirá
descontente, sob o peso de uma monotonia tão fastidiosa como a de um
cavalo cego girando um moinho.
"Na força do amor há consolação
que torna suportável uma coisa
que a qualquer outro rompe o coração."
Cingidos desse amor, vocês serão intrépidos; despidos desse cinto
mais que mágico da vocação irresistível, consumir-se-ão na desventura.
Este desejo deve resultar de reflexão. Não deve ser um impulso
repentino desajudado por uma ponderação ansiosa. Deve ser o resultado
do nosso coração em seus melhores momentos, o objeto de nossas
reverentes aspirações, o assunto de nossas mais ferventes orações. Deve
continuar conosco quando tentadoras ofertas de riqueza e comodidade
entrarem em conflito com ele, e deve permanecer como uma resolução
serena e bem pensada depois de tudo ter sido avaliado em suas
proporções certas, e o preço muito bem calculado.
Quando morava com meu avô no campo, na meninice, vi um grupo
de caçadores, com seus casacos vermelhos, cavalgando pelos campos
atrás de uma raposa. Foi uma delícia para mim! Meu pequeno coração
excitou-se; senti-me disposto a seguir os cães de caça, saltando barreiras
e cruzando valas. Sempre tive gosto natural por essa espécie de
atividade, e, na minha infância, quando me perguntavam o que eu queria
ser, costumava dizer que ia ser caçador. Bela profissão, na verdade!
Muitos jovens têm a mesma idéia de serem clérigos, como eu de ser
caçador – simples noção infantil, de que gostariam do casaco e do toque
das cornetas; da honra, do respeito e da tranqüilidade; e talvez sejam
bastante tolos para pensar – gostariam das riquezas do ministério (só
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podem ser ignorantes, se buscam riqueza com relação ao ministério
evangélico). O fascínio exercido pelo ofício de pregador é muito grande
para as mentes fracas, razão por que energicamente advirto a todos os
jovens a não confundirem fantasia com inspiração, e preferência infantil
com vocação do Espírito Santo.
Notem bem, o desejo de que falei deve ser totalmente
desinteressado. Se um homem perceber, depois do mais severo exame de
si próprio, qualquer outro motivo que a glória de Deus e o bem das almas
em sua busca do episcopado, melhor será que se afaste dele de uma vez,
pois o Senhor aborrece a entrada de compradores e vendedores em Seu
templo. A introdução de qualquer coisa que cheire a mercenário, mesmo
no menor grau, será como um inseto no ungüento, estragando-o de todo.
Esse desejo deve ser tal que permaneça conosco, uma paixão que
agüente o teste da provação, um anelo "do qual nos seja completamente
impossível fugir, ainda que o tentemos; desejo, na verdade, que se torna
cada vez mais intenso conforme os anos passem, até tornar-se um anseio,
uma anelante aspiração, uma consumidora fome de proclamar a Palavra.
Esse desejo intenso é uma coisa tão nobre e tão bela que, toda vez que o
percebo inflamar-se no peito de algum jovem, sempre me contenho, não
me apressando a desanimá-lo, mesmo que tenha dúvidas quanto à sua
capacidade. Talvez seja necessário, por razões que lhes serão dadas mais
adiante, sufocar as chamas, mas isto deve ser feito com relutância e com
sabedoria. Tenho tão profundo respeito por este "fogo nos ossos" que, se
eu mesmo não o sentisse, teria que abandonar de uma vez o ministério.
Se vocês não sentem o calor sagrado, rogo-lhes que voltem para casa e
sirvam a Deus em suas respectivas esferas. Mas se com certeza, as brasas
de zimbro chamejam por dento, não as apaguem, a menos que, de fato,
outras considerações de grande importância lhes provem que o desejo
que têm não é fogo de origem celestial.
"Fiquei muito tempo angustiado, como você está, sobre a que era ou
não era uma verdadeira vocação para o ministério. Agora me parece ponto
fácil de resolver, mas, talvez não o seja para você, até que o senhor lho
esclareça em seu caso particular. O tempo não dá para eu dizer tudo que
poderia dizer-lhe. Em resumo, creio que a questão inclui principalmente três
coisas:
"1. Um ardente e intenso desejo de empregar-se neste serviço.
Entendo que o homem que uma vez foi movido pelo Espírito de Deus para
este trabalho, irá preferi-lo, se lhe for acessível, a tesouros em ouro e prata.
Assim é que, embora às vezes intimidado pelo senso da importância e das
dificuldades do trabalho, comparadas com a sua grande insuficiência
pessoal (pois é de presumir-se que um chamamento desta natureza, se
realmente provém de Deus, será acompanhado de humildade e de auto-
humilhação), ele não poderá abandoná-lo. Afirmo que uma boa regra é
indagar, neste ponto, se o desejo de pregar é o mais fervente nos centros
vitais da estrutura do nosso ser, e quando estamos mais prostrados no pó
perante o Senhor. Se é assim, é bom sinal. Mas se, como às vezes se dá, a
pessoa está muito ansiosa por ser um pregador para outros, embora não
exista em sua própria alma uma fome e uma sede da graça de Deus, então,
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é de temer que o seu zelo promana de um principio egoístico, e não do
Espírito de Deus.
2. Além desse apaixonado desejo e prontidão para pregar, é preciso
que, no devido tempo, apareça alguma competente aptidão quanto a dons,
conhecimento e elocução. Seguramente, se o Senhor envia alguém para
ensinar outros, supri-lo-á dos meios necessários. Creio que muitos que se
fizeram pregadores, o fizeram com boa intenção; todavia, foram antes de
receber ou ultrapassaram a vocação deles ao agirem assim. A principal
diferença entre um ministro e um cristão sem vocação especial, parece
consistir naqueles dons ministeriais comunicados àquele, não para o seu
próprio interesse, mas para a edificação de outros. Mas digo que estes dons
devem aparecer no devido tempo. Não se deve esperar que surjam
instantaneamente, mas de forma gradual, no uso próprio dos meros. São
necessários para desempenhar o ministério, mas não são necessários como
requisitos que assegurem os nossos desejos quanto a ele. No seu caso,
você é jovem e dispõe de tempo. Daí, penso que não precisa perturbar-se
querendo saber se já tem esses dons. Se o seu desejo é firme e se quiser,
basta esperar no Senhor por eles, por meio da oração e da diligência, pois
você ainda não precisa deles.
"3. O que finalmente evidencia um chamamento genuíno é uma
correspondente abertura na providência, mediante uma série gradativa de
circunstâncias que apontam para os meios, a ocasião, o lugar de entrar de
fato no trabalho. E até que chegue esse ponto de coincidência, não espere
estar sempre livre de hesitação em sua mente. Nesta parte do assunto, a
principal cautela consiste em não ser apressado em agarrar os primeiros
indícios que aparecem. Se for da vontade do Senhor introduzi-lo no Seu
ministério, Ele já designou o seu lugar e o seu serviço, e embora não o saiba
no presente, sabê-lo-á no devido tempo. Se você tivesse talentos de anjo,
não poderia fazer muita corsa boa com eles enquanto não chegasse a hora
de Deus e Ele não o levasse às pessoas que determinou a abençoar por seu
intermédio. É muito difícil restringir-nos aos limites da prudência neste ponto,
quando o nosso zelo é ardoroso. O sentir o amor de Cristo em nossos
corações e a terna compaixão pelos pobres pecadores propendem para
fazer-nos irromper cedo demais; mas quem crê não se precipita. Fiquei cinco
anos sob esta compulsão. Às vezes achava que devia pregar, mesmo que
fosse nas ruas. Dava ouvidos a tudo que me parecia plausível, e a muitas
coisas que não o eram. Mas o Senhor, misericordiosamente, e como que
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 44
insensivelmente, cobria de espinhos o meu caminho. Da contrário, se eu
fosse deixado entregue ao meu próprio espírito, eu teria me colocado fora da
possibilidade de ser introduzido numa esfera de serviço proveitoso como
esta, à qual aprouve a Deus guiar-me no Seu tempo certo e bom. E agora
posso ver claramente que, na época que queria sair a campo pela primeira
vez – embora a minha intenção fosse boa, acredito – eu me superestimei,
pois não possuía aquele discernimento e experiência espiritual indispensável
para tão grande serviço".
O que foi dito acima seria suficiente, mas o mesmo assunto estará
diante de vocês, se eu lhes der em pormenores um pouco da minha
experiência pessoal no trato com aspirantes ao ministério.
Constantemente me cabe cumprir o dever que coube aos juízes de
Cromwell. Tenho que formar minha opinião sobre se é aconselhável
ajudar certos homens em suas tentativas para tornar-se pastores. É um
dever da maior responsabilidade, dever que requer cuidado nada comum.
É claro que não me meto a julgar se um homem vai entrar no ministério
ou não, mas o meu exame visa simplesmente a responder a questão se
esta instituição o ajudará ou o deixará entregue aos seus próprios
recursos. Alguns dos nossos caridosos amigos nos acusam de termos
"uma fábrica de clérigos" aqui, mas a acusação não contém um pingo de
verdade. Jamais tentamos fazer um ministro, e se o tentássemos
fracassaríamos. Não recebemos ninguém nesta escola senão os que já se
declaram ministros. Estariam mais perto da verdade se me chamassem
matador de clérigos, pois bom número de principiantes receberam de
mim o seu despacho final; e sinto a mais completa paz de consciência
quando reflito no que tenho feito neste sentido.
É sempre uma tarefa difícil para mim, desanimar um jovem e
esperançoso irmão que solicita matrícula nesta escola. Meu coração
sempre se inclina para o lado mais bondoso, mas o dever para com as
igrejas impele-me a julgar com severa discriminação. Depois de ouvir o
candidato, após ler as recomendações que traz, e de avaliar as suas
respostas às perguntas feitas, quando me convenço de que o Senhor não
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 45
o chamou, sinto-me obrigado a dizer-lhe isso. Alguns casos tipificam os
demais. Jovens irmãos há que desejam com ardor entrar no ministério,
mas é dolorosamente patente que o seu motivo principal é o ambicioso
desejo de luzir entre os homens. De um ponto de vista comum, estes
homens devem ser recomendados por sua aspiração, mas, então, o
púlpito jamais deve ser a escada pela qual a ambição suba. Se tais
homens entrassem no exército; não ficariam satisfeitos enquanto não
chegassem ao mais elevado grau, pois estão determinados a forçar
caminho para o alto – tudo muito louvável e próprio até aí; mas eles
abraçaram a idéia de que, se entrassem no ministério seriam
grandemente distinguidos. Sentiram irromper os rebentos do gênio, e se
consideraram maiores do que as pessoas comuns. Daí, olharam para o
ministério, vendo-o como uma plataforma onde poderiam exibir as suas
pretensas habilidades. Sempre que isto é visível, sinto-me obrigado a
deixar o aspirante "to gang his ain gate", como dizem os escoceses; ou
seja, sair por onde entrou, certo de que gente com esse espírito sempre dá
em nada, se entra no serviço do Senhor. Vemos que não temos nada do
que nos gloriar, e se tivéssemos, o pior lugar para ostentá-lo seria o
púlpito; país todo dia somos levados a sentir a nossa insignificância e
nulidade.
A homens que desde a conversão têm deixado transparecer grande
fraqueza mental, que são prontamente levados a abraçar doutrinas
estranhas, ou a meter-se em má companhia e cair em pecado grosseiro,
nunca posso encontrar em meu coração nada para encorajá-los a
entrarem no ministério, seja qual for a maneira como professam a sua fé.
Se se arrependerem realmente, que fiquem nas últimas fileiras.
Inconstantes como a água, jamais vencerão.
Assim também os que não suportam dureza, porque pertencem à
ordem dos enluvados de pelica, mando-os para qualquer outra parte.
Queremos soldados. não janotas; trabalhadores zelosos, não vadios
gentis. A homens que nada fizeram até o dia do seu pedido de matricula
na escola, dizemos que tratem de obter as suas esporas, antes de serem
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 46
publicamente armados cavaleiros. Os que têm fervorosa paixão pelas
almas não ficam à espera até que recebam treinamento; servem
imediatamente ao seu Senhor.
Chamam-me a atenção alguns bons homens famosos por sua
enorme veemência e zelo, e por uma notável ausência de cérebro. Irmãos
capazes de falar sem parar sobre coisa nenhuma – capazes de sapatear na
Bíblia e de espancá-la, sem extrair dela nada. Zelosos, terrivelmente
zelosos, exageraram-se em montanhas de trabalhos da mais penosa
espécie; mas nada resulta disso tudo, nem sequer o ridiculus mus
(ridículo rato). Existem por aí zelotes que não são capazes de conceber
ou transmitir cinco pensamentos consecutivos, cuja capacidade é em
extremo estreita e cuja presunção é extremamente larga. Estes podem
martelar, vociferar, bramar, arrebatar-se, enfurecer-se, mas o barulho
todo sai da cavidade oca do tambor. Entendo que esses irmãos terão a
mesma atuação com instrução ou sem ela, razão por que geralmente
declino os seus pedidos de matrícula.
Outra classe demasiadamente numerosa de homens procura o
púlpito sem saber por quê. Incapazes de ensinar, não conseguirão
aprender, todavia, de bom grado serão ministros. Como o homem que
dormiu no Parnaso e depois disso sempre se imaginava poeta, eles
tiveram atrevimento suficiente para jogar uma vez um sermão por cima
de um auditório, e agora não querem fazer mais nada, senão pregar.
Ficam tão ansiosos para pôr de lado o traje operário, que farão uma cisão
na igreja da qual são membros para realizar o seu intento. O balcão
comercial porém é desagradável, a almofada do púlpito é cobiçada.
Estão cansados dos pratos e dos pesos da balança; sentem-se compelidos
a experimentar a balança do santuário. Homens assim, como enfurecidas
ondas do mar, geralmente fazem espumar a sua própria vergonha, e nos
alegramos quando lhes dizemos adeus.
As fraquezas físicas levantam uma questão acerca da vocação de
alguns excelentes homens. Eu não julgaria, como Eustenes, os homens
por suas feições, mas a sua compleição física não é pequeno critério.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 47
Aquele tórax estreito não indica um homem formado para falar em
público. Vocês podem achar ridículo, mas ainda estou bem certo de que
quando um homem tem peito encolhido, sem distância entre os ombros,
o Sapientíssimo não teve a intenção de que ele pregasse habitualmente.
Se fosse este o Seu propósito, ter-lhe-ia dado, em alguma medida,
amplitude de peito suficiente para produzir razoável porção de energia
pulmonar. Quando o Senhor planeja que uma criatura corra, dá-lhe
pernas velozes, e se planeja que outra pessoa pregue, dá-lhe pulmões
adequados. O irmão que tem de fazer uma pausa no meio de uma frase e
acionar a sua bomba de ar, deve perguntar a si mesmo se não há alguma
outra ocupação para a qual esteja mais bem adaptado. O homem que mal
chega ao fim de uma frase sem se afligir, dificilmente pode ser chamado
para cumprir a ordem: "Clama, e não te cales". Talvez haja exceções,
mas a regra geral não tem valor? Irmãos com deformação na boca e com
articulação defeituosa, geralmente não são chamados para pregar o
evangelho. O mesmo se aplica a irmãos destituídos de palato ou com
palato imperfeito.
Recebeu-se há pouco tempo o pedido de admissão de um jovem que
tinha uma espécie de movimento giratório de seu maxilar, movimento do
tipo mais penoso para quem o vê. Seu pastor o recomendou como um
jovem muito santo, que fora instrumento para levar alguns a Cristo, e
expressou a esperança de que eu o receberia, mas não pude ver a
conveniência disso. Eu não poderia olhar para ele, sem rir, enquanto ele
pregasse, ainda que tivesse por prêmio todo o ouro de Társis, e, com toda
a probabilidade, dentre dez dos seus ouvinte, nove seriam mais sensíveis
do que eu. Um homem com língua grande que enchia toda a cavidade
bucal e causava confusão, outro sem dentes, outro que gaguejava, outro
que não conseguia pronunciar todo o alfabeto – a todos, pesarosamente,
tive de rejeitar baseando-me no fato de que Deus não lhes dera aqueles
meios físicos que, nos termos do livro de oração da igreja anglicana, são
"geralmente necessários".
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 48
Encontrei um irmão – eu disse um? Encontrei dez, vinte, cem
irmãos que alegavam estar seguros, completamente seguros de que
foram chamados para o ministério – estavam completamente certos disso
porque tinham falhado em tudo mais. Eis aqui uma espécie de história
modelo:
"Sr. Spurgeon", colocaram-me num escritório de advocacia, mas
nunca pude agüentar a clausura, e não me sentia à vontade estudando
direito; evidentemente a Providência obstruiu o meu caminho, pois perdi
o emprego". "Que é que você fez então?" "Ora, senhor, fui induzido a
abrir uma mercearia." "E você prosperou?" "Bem, senhor, não creio que
eu jamais pretendesse o comércio, e Deus pareceu-me vedar inteiramente
o caminho ali, pois fracassei e me vi em grandes dificuldades. Desde
essa ocasião, tive uma pequena agencia de seguros de vida, e tentei
organizar uma escola, além de vender chá. Mas o meu caminho está
fechado, e algo dentro de mim leva-me a achar que devo ser ministro."
Em geral a minha resposta é: "É, entendo. Você fracassou em tudo
mais, e daí acha que o Senhor o dotou especialmente para o Seu serviço;
mas receio que você se esqueceu de que o ministério precisa dos
melhores homens, e não dos que não conseguem fazer nenhuma outra
coisa". O homem que teria sucesso como pregador, provavelmente se
sairia bem como merceeiro, advogado ou qualquer outra profissão. Um
ministro realmente de valor seria ótimo em qualquer outra ocupação.
Dificilmente haverá alguma coisa impossível para o homem que mantém
unida uma igreja durante anos, e que é capaz de edificá-la através de
centenas de domingos consecutivos. Tem que possuir algumas
habilidades, e de modo nenhum pode ser um tolo ou um imprestável.
Jesus Cristo merece os melhores homens para pregarem a Sua cruz, e
não os cabeças ocas e os desvalidos.
Um jovem cavalheiro com cuja presença fui honrado uma vez,
deixou-me na mente a fotografia do seu extraordinário ser. O seu rosto
mesmo parecia o frontispício de um volume completo sobre presunção e
tapeação. Mandou-me um recado ao gabinete pastoral um domingo de
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 49
manhã dizendo-me que queria ver-me imediatamente. Sua audácia o fez
entrar. Quando se viu diante de mim, disse: "Sr.Spurgeon, quero entrar
em sua escola, e gastaria de entrar imediatamente". "Bem, senhor", disse
eu, "receio que não temos lugar no momento, mas o seu caso será
considerado." "Mas o meu caso é deveras notável, Sr. Spurgeon;
provavelmente o senhor nunca recebeu um pedido de admissão
semelhante ao meu." "Muito bem, veremos isso; o secretário lhe dará o
formulário de inscrição, e o senhor poderá ver-me amanhã."
Na segunda-feira veio ele, trazendo as questões respondidas da
maneira mais extraordinária. Quanto a livros, alegou ter lido toda a
literatura antiga e moderna e, depois de dar uma lista imensa,
acrescentou: "Isto é apenas uma seleção; li extensamente em todas as
áreas". Quanto às suas pregações, ele poderia conseguir as mais altas
recomendações, mas nem o julgou necessário, pois uma entrevista
pessoal me convenceria logo de sua capacidade. Sua surpresa foi grande
quando eu lhe disse: "Meu amigo, sou obrigado a dizer que não posso
admiti-lo". "Por que não, Sr. Spurgeon?" "Falarei com franqueza. O
senhor é tão tremendamente inteligente que não posso insultá-lo
recebendo-o em nossa escola, onde não temos mais que homens comuns;
o diretor, os professores e os estudantes, somos todos homens de
realizações modestas, e o senhor teria que ser muito condescendente,
estando entre nós."
Ele me olhou severamente e disse com dignidade: "O senhor quer
dizer que, porque eu possuo gênio incomum, e engendrei em mim uma
gigantesca mente, raramente vista igual, é-me recusada admissão na sua
escola?" "Sim", respondi tão calmamente como pude, considerando-se o
opressivo temor que o seu gênio inspirava, "exatamente por essa razão."
"Então o senhor devia permitir-me um exame dos meus talentos como
pregador. Escolha o texto que quiser, ou sugira o assunto que lhe
agradar, e, aqui mesmo nesta sala, discorrerei ou pregarei sobre ele, sem
tomar tempo para reflexão, e o senhor ficará surpreso." "Não, obrigado.
Prefiro não ter o dissabor de ouvi-lo." "Dissabor, senhor?! Garanto que
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 50
lhe seria o maior prazer possível." Eu disse que podia ser, mas me
achava indigno do privilégio, e assim lhe disse adeus. O cavalheiro era-
me desconhecido na ocasião, mas daquele tempo em diante tem figurado
na delegacia de polícia como muito inteligente, em parte.
Ocasionalmente recebemos solicitações de matrícula que talvez os
deixassem admirados, pois provém de homens por certo bastante
fluentes, e que respondem muito bem a todas as perguntas, exceto
aquelas que se referem às suas opiniões doutrinárias, para as quais
obtemos repetidamente esta resposta: "O Sr. Fulano de Tal está disposto
a acatar as doutrinas da escola, sejam quais forem"! Em todos esses
casos, não discutimos nem um momento; é dada a negativa
instantaneamente. Menciono o fato porque ilustra a nossa convicção de
que não são chamados para o ministério homens que não têm
conhecimento nem crença definida. Quando pessoas jovens dizem que
ainda não têm opinião teológica formada, devem voltar para a Escola
Dominical até que a tenham. Ora, um homem entrar na escola
procurando dar a impressão de que mantém a mente aberta para qualquer
forma da verdade, e de que é eminentemente receptivo, mas não tem
firmadas em sua mente coisas como, se Deus faz eleição com base na
graça, ou se Ele ama o Seu povo até o fim, parece-me uma perfeita
monstruosidade. "Não neófito", diz o apóstolo. Entretanto, o homem que
não firmou posição sobre pontos como estes é, confessada e
egregiamente, um "neófito", e deve ser relegado à classe de catecúmenos
até aprender as primeiras verdades do evangelho.
Depois de tudo, cavalheiros, teremos que comprovar a nossa
vocação mediante a prova prática do nosso ministério na vida ativa
posterior, e será para nós uma coisa lamentável iniciar o curso sem o
devido exame, pois, em fazendo assim, poderá acontecer que tenhamos
que abandoná-lo com desonra. De modo geral, a experiência é o nosso
melhor teste, e se Deus nos sustenta ano após ano, e nos dá Sua bênção,
não precisamos submeter a nossa vocação a nenhuma outra prova. As
nossas aptidões morais e espirituais, serão provadas pelo labor do nosso
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 51
ministério, e este é o mais fidedigno de todos os testes. Alguém me falou
de um plano adotado por Matthew Wilks para o exame de um jovem que
queria ser missionário; a orientação – se não os pormenores do teste –
recomenda-se ao meu juízo, embora não ao meu gosto.
O moço desejava ir para a Índia como missionário, ligado à
Sociedade Missionária de Londres. O Sr. Wilks foi nomeado para avaliar
a aptidão do rapaz para aquele encargo. Escreveu ao jovem pedindo-lhe
que o visitasse às seis da manhã do dia seguinte. O irmão morava a
muitos quilômetros de distância, mas estava na casa às seis horas em
ponto. Contudo, o Sr. Wilks não apareceu na sala senão horas mais tarde.
O irmão esperou com estranheza, mas com paciência. Afinal o Sr: Wilks
chegou e se dirigiu ao candidato nestes termos, com a sua entonação
nasal de sempre: "Bem, jovem; assim é que você quer ser missionário?"
"Sim, senhor." "Você ama o Senhor Jesus Cristo?" "Sim, senhor; estou
certo que sim." "Você tem alguma instrução?" "Sim, senhor, um pouco."
"Bem, agora vamos testá-lo. Você pode soletrar "gato"?" O moço
pareceu ficar confuso, e nem sabia responder a tão despropositada
pergunta. Sua mente por certo vacilava entre a indignação e a submissão,
mas de pronto respondeu com firmeza: "G, a, t, o, gato". "Muito bem",
disse o Sr. Wilks"; "agora você pode soletrar "cão"?" O nosso jovem
mártir hesitou, mas o Sr. Wilks disse da maneira mais fria: "Ora, não faz
mal; não se acanhe; você soletrou tão bem a outra palavra que eu pensei
que seria capaz de soletrar esta; por alto que seja o feito, não é tão
elevado que não o pudesse fazer sem corar". O jovem Jó replicou: "C, a
com til, o, cão". "Bem, está certo. Vejo que você sabe soletrar; agora,
quanto à sua aritmética, quanto são duas vezes dois?" É de espantar que
o Sr. Wilks não tenha recebido "duas vezes dois" à moda do cristianismo
muscular, mas o paciente jovem deu a resposta correta e foi dispensado.
Na reunião da comissão, Matthew Wilks disse: "Recomendo de
coração aquele moço. Examinei devidamente as recomendações em seu
favor e o caráter dele. Além disso, passei-lhe um estranho exame pessoal
de tal natureza que poucos poderiam suportar. Provei sua abnegação – e
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 52
ele pulou bem cedo da cama; provei seu temperamento e sua humildade;
ele é capaz de soletrar "gato" e "cão", e de dizer que "duas vezes dois são
quatro" – e se sairá muitíssimo bem como missionário".
Ora, o que se diz que o velho cavalheiro fez com tanto mau gosto,
devemos fazer conosco mesmos com muita propriedade. Devemos
provar-nos a nós mesmos para ver se podemos agüentar intimidações,
fadigas, calúnias, zombarias, privações, e se somos capazes de suportar
que façam de nós a escória de todos e que nos tratem como nada por
amor a Cristo. Se podemos suportar todas estas coisas, temos alguns
daqueles pontos que indicam a posse das raras qualidades que se devem
encontrar num verdadeiro serviço do Senhor Jesus Cristo. Questiono
com seriedade se alguns de nós encontraremos os nossos navios, quando
lançados ao mar, tão completamente aptos para navegar como pensamos.
Ah meus irmãos, certifiquem-se laboriosamente disto enquanto
estiverem neste abrigo; e trabalhem diligentemente para habilitar-se para
a sua elevada vocação.
Vocês vão ter inúmeras provações, e ai de vocês, se não partirem
armados dos pés à cabeça com a armadura da experiência. Terão que
correr competindo com cavalheiros; não deixem que a infantaria os
canse enquanto estiverem em seus estudos preliminares. O diabo está ao
largo, e com ele estão muitos. Submetam-se vocês mesmos a provas, e
queira Deus prepará-los para o crisol e o forno que certamente os
esperam. Talvez a sua tribulação não seja tão grave como a de Paulo e
seus companheiros, mas vocês devem estar prontos para provações
semelhantes. Permitam-me ler as memoráveis palavras que o apóstolo
escreveu, e rogar-lhes que orem enquanto as ouvem, suplicando ao
Espírito Santo que os fortaleça para tudo que os aguarda.
"Não dando nós nenhum motivo de escândalo em coisa alguma, para
que o ministério não seja censurado. Pelo contrário, em tudo recomendando-
nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita paciência, nas
aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos
tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na pureza, no saber, na
longanimidade, na bondade, no Espírito Santo, no amor não fingido, na
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 53
palavra da verdade, no poder de Deus, pelas armas da justiça, quer
ofensivas, quer defensivas; por honra e por desonra, por infâmia e por boa
fama, como enganadores e sendo verdadeiros; como desconhecidos e,
entretanto, bem conhecidos; como se estivéssemos morrendo e, contudo,
eis que vivemos; como castigados, porém não mortos; entristecidos, mas
sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas
possuindo tudo." (2 Cor. 6:3-10)
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 54
ORAÇÃO PARTICULAR DO PREGADOR
*
A Discourse Concerning Liturgies and their Imposition (Discurso Sobre Liturgia e sua Imposição),
Vol. XV, Owen's Works, Goold's Edition.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 73
Deus deve ser mantida, ou senão as nossas orações públicas serão
insípidas ou formalistas. Se não houver degelo das geleiras nas escarpas
da montanha, não haverá arroios descendo para animar a planície. A
oração em secreto é o terreno amanhado para as nossas ministrações
públicas. E não podemos negligenciá-la por muito tempo sem ficarmos
desajeitados quando estivermos diante do povo.
As nossas orações nunca devem rastejar; devem alçar vôo e subir.
Temos necessidade de uma estrutura mental celeste. As nossas petições
dirigidas ao trono da graça devem ser solenes e humildes, não petulantes
e ostensivas, nem formalistas e negligentes. A maneira coloquial de falar
está deslocada, diante do Senhor; devemos inclinar-nos reverentemente e
com o mais profundo temor. Podemos falar sem embaraço com Deus,
mas Ele ainda está no céu e nós na terra, e devemos evitar toda
presunção. Na súplica nos colocamos peculiarmente diante do trono do
Infinito, e, como o cortesão assume no palácio real outros ares e outros
modos, diferentes dos que exibe a seus colegas da corte, assim deve ser
conosco.
Nas igrejas da Holanda observamos que, tão logo o ministro
começa a pregar, todos os homens põem o chapéu, mas no instante em
que passa a orar, todos tiram o chapéu. Este era o costume nas igrejas
puritanas mais antigas da Inglaterra, e perdurou com os batistas. Usavam
seus gorros durante as partes do culto que entendiam que não eram
propriamente atos de adoração, mas os tiravam lago que havia uma
direta aproximação a Deus, no hino ou na oração. Considero imprópria a
prática, e errôneo o seu motivo. Tenho insistido em que a distinção entre
orar e ouvir a Palavra não é grande, e estou certo de que ninguém iria
propor retorno ao velho costume ou à opinião da qual ele é indicativo.
Contudo, há uma diferença, e, considerando que na oração estamos
falando diretamente com Deus, mais do que procurando a edificação dos
nossos semelhantes, temos que tirar os sapatos dos pés, pois o lugar em
que estamos pisando é terra santa.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 74
Que somente o Senhor seja o objeto das nossas orações. Cuidado
para não ficarem com um olho posto nos ouvintes; cuidado para não se
tornarem retóricos a fim de agradarem as suas audiências. A oração não
deve ser transformada num "sermão indireto". É pouco menos que
blasfêmia fazer da devoção uma oportunidade para exibição. As belas
orações geralmente são muito ímpias. Na presença do Senhor dos
Exércitos não fica bem o pecador fazer desfilar a plumagem e os atavios
de um linguajar extravagante, tendo em vista receber aplauso dos seus
semelhantes, como ele mortais. Os hipócritas que se atrevem a fazer isso
têm sua recompensa, mas esta é de causar pavor. Uma pesada sentença
de condenação foi imposta a um ministro quando se disse
lisonjeiramente que a sua oração foi a mais eloqüente de todas as orações
já apresentada a uma igreja de Boston. Podemos ter o objetivo de
estimular os anseios e aspirações dos que nos ouvem orar; mas cada
palavra e cada pensamento devem ser dirigidos a Deus, devendo tocar
nas pessoas presentes só o bastante para levá-las e suas necessidades à
presença do Senhor. Lembrem-se das pessoas em suas orações, mas não
modelem as suas súplicas com vistas a obter a sua estima. Olhem para o
alto; olhem para o alto com os dois olhos. .
Evitem todas as vulgaridades na oração. Admito que ouvi algumas
delas, mas não seria proveitoso repeti-las; especialmente quando se
tornam cada dia menos freqüentes. Raramente topamos agora com as
vulgaridades na oração que outrora eram muito comuns nas reuniões de
oração dos metodistas, provavelmente muito mais comuns nos boatos do
que na realidade. As pessoas sem instrução têm que orar do seu jeito,
quando têm fervor, e a sua linguagem muitas vezes choca os exigentes,
senão os devotos; mas essa permissão tem que ser dada, e se o espírito
for evidentemente sincero, podemos perdoar as expressões toscas.
Uma vez, numa reunião de oração, ouvi um pobre homem orando
assim: "Senhor, toma conta destes jovens nos dias de festa, pois sabes,
Senhor, como os inimigos deles os espreitam como o gato espreita os
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 75
ratos". Alguns zombaram da expressão, mas a mim me pareceu natural e
significativa, considerando a pessoa que a empregou.
Um pouco de instrução com delicadeza, e uma ou duas sugestões
geralmente impedem a repetição de coisas objetáveis em casos assim,
mas nós, que ocupamos o púlpito, precisamos ter o cuidado de ser bem
claros. O biógrafo daquele notável pregador metodista americano, Jacob
Gruber, menciona como exemplo da sua presença de espírito, que,
depois de ter ouvido um jovem ministro calvinista atacar o seu credo,
foi-lhe solicitado concluir com oração, e, entre outras petições, orou que
o Senhor abençoasse o jovem que estivera pregando, e lhe concedesse
muita graça, "para que o seu coração ficasse mole como a sua cabeça".
Deixando de lado o mau gosto de tal animadversão pública contra
um colega, qualquer pessoa cuja mente funcione bem verá que o trono
do Altíssimo não é lugar para a emissão desses gracejos vulgares. Muito
provavelmente o jovem orador mereceu castigo por sua ofensa ao amor
cristão, mas o mais velho pecou dez vezes mais com sua falta de
reverência. Ao Rei dos reis é cabível dirigir palavras seletas, não as que
foram poluídas por línguas grosseiras.
Outro defeito que se deve evitar na oração é a irreverente e
repugnante superabundância de palavras afetuosas. Quando expressões
como "Querido Senhor", "Bendito Senhor" e "Doce Senhor" aparecem e
tornam a aparecer como vãs repetições, estão entre as piores nódoas.
Devo confessar que não causariam repulsa à minha mente as palavras
"Querido Jesus", se saíssem dos lábios de um Rutherford, ou de um
Hawker, ou de um Herbert; mas quando ouço expressões amigáveis e
afetuosas desgastadas por pessoas nada notáveis por sua espiritualidade,
inclino-me a desejar que possam, de uma forma ou de outra, chegar a ter
melhor entendimento da verdadeira relação existente entre o homem e
Deus. A palavra "querido", dado o seu uso habitual, veio a ser tão
comum, tão fraca e, em alguns casos, tão afetada e tola, que misturar
com ela as orações não produz edificação.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 76
Existe a mais forte objeção à constante repetição da palavra
"Senhor", que ocorre nas primeiras orações dos jovens conversos, e
mesmo entre os estudantes. As palavras "Ó Senhor! Ó Senhor! Ó
Senhor!" nos afligem quando as ouvimos tão perpetuamente repetidas.
"Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão", é um grande
mandamento, e, embora se possa quebrar a leí inconscientemente,
quebrá-la ainda é pecado, e grave. O nome de Deus não deve ser um
tapa-buracos, para suprir a nossa pobreza de vocabulário. Tomem
cuidado para empregar com a máxima reverência a nome do infinito
Jeová. Em seus escritos sagrados, os judeus, ou deixam espaço em
branco no lugar da palavra "Jeová", ou então escrevem a palavra
"Adonai", porque na concepção deles aquele nome santo é demasiado
sagrado para ser usado de modo comum. Não precisamos ser
supersticiosos assim, mas seria bom sermos escrupulosamente
reverentes. A profusão de "Ohs!" e de outras interjeições bem pode ser
dispensada; os jovens pregadores freqüentemente estão em falta aqui.
Evitem aquele tipo de oração que pode ser denominada – embora o
assunto seja tal que sobre ele a língua não nos deu muitos termos – uma
espécie de peremptória exigência feita a Deus. É deleitável ouvir um
homem lutar com Deus e dizer: "Não te deixarei ir, se me não
abençoares", mas isso tem que ser dito suavemente, e não com espírito
de bravata, como se pudéssemos mandar no Senhor de tudo quanto há, e
exigir-Lhe bênçãos. Lembrem-se, ainda se trata de um homem que está
lutando, conquanto tenha a permissão de lutar com o eterno EU SOU.
Jacó "manquejava da coxa" depois daquele santo conflito noturno, para
fazê-lo ver que Deus é terrível, e que o poder com o qual prevalecera não
jazia nele próprio. Somos ensinados a dizer, "Pai nosso", mas ainda é
"Pai nosso, que estás nos céus".
Familiaridade pode haver, mas familiaridade santa; intrepidez, mas
a intrepidez que brota da graça e que é obra do Espírito Santo; não a
intrepidez do rebelde que anda com fronte de bronze na presença do seu
rei ofendido, mas a intrepidez da criança que teme porque ama, e ama
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 77
porque teme. Jamais caiam no inglório modo de dirigir-se a Deus com
impertinência. Ele não deve ser assaltado como se fosse um adversário,
mas deve ser invocado como nosso Senhor e Deus. Sejamos humildes e
submissos de espírito, e assim oremos.
Orem quando anunciam que oram, e não falem disso, apenas. Os
homens de negócio dizem: "Um lugar para cada coisa, e cada coisa em
seu lugar". Preguem no sermão e orem na oração. Fazer dissertações
sobre a nossa necessidade de recorrer à oração não é orar. Por que os
homens não se põem a orar de uma vez? – por que ficam procurando
evasivas? Em lugar de dizer o que deveriam e gostariam de fazer, por
que não põem mãos à obra, em nome de Deus, e o fazem? Com decidido
fervor, dedique-se cada um à intercessão, e volte o rosto para o Senhor.
Rogue a Deus que supra as grandes e constantes necessidades da igreja, e
não deixe de instar, com devoto fervor, pelas necessidades especiais da
hora e do público presentes. Mencione os enfermos, os pobres, os
moribundos, o gentio, o judeu, e toda classe de pessoas esquecidas, à
medida que constranjam o seu coração.
Ore pelas pessoas da sua igreja como sendo santas e pecadoras –
não como se fossem todas santas. Mencione os jovens e os idosos, os
cuidadosos e os negligentes; os consagrados e os infiéis. Nunca vire para
a direita ou para a esquerda, mas continue arando, seguindo os sulcos da
oração veraz. Sejam as suas confissões de pecado e as suas ações de
graça sinceras e específicas; e sejam as suas petições apresentadas como
se você de fato cresse em Deus e não duvidasse da eficácia da oração.
Digo isto porque muitos oram de maneira tão formal que levam os
observadores a concluírem que os que as fazem acham que orar é uma
coisa muito decente, mas é, afinal, uma atividade bem pobre e duvidosa,
quanto a quaisquer resultados práticos. Ore como alguém que
experimentou e provou o seu Deus, e portanto vem renovar as suas
petições com indubitável confiança. E lembre-se de orar a Deus durante
a oração toda, e jamais passe a fazer discurso ou pregação enquanto ora –
e muito menos, como fazem alguns – a ministrar censura e a fazer queixas.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 78
Como regra geral, se for convidado a pregar, dirija você mesmo a
oração. E se você gozar de alta estima no ministério, como espero que
aconteça, determine-se, com grande cortesia, mas com igual firmeza, a
resistir à prática da escolha de homens para orarem, com a idéia de
honrá-los dando-lhes algo para fazer. As nossas devoções públicas nunca
devem ser rebaixadas a oportunidades para atenções sociais. De vez em
quando ouço chamar a oração e o cântico de hinos de "serviços
preliminares", como se fossem apenas um prefácio do sermão. Espero
que isso seja raro entre nós – se fosse comum, seria para nossa maior
vergonha. Esforço-me invariavelmente para encarregar-me eu mesmo de
toda a ordem do culto, para o meu bem, e creio que também para o bem
do povo. Não acredito que "qualquer pessoa serve para fazer oração".
Não, senhores, é minha solene convicção que a oração é uma das
mais importantes, úteis e honoráveis partes do culto, e que deve até
merece maior consideração do que o sermão. Não devemos chamar para
orar pessoas de todo e qualquer tipo e, depois, fazer dentre elas a seleção
do mais capaz para pregar. Pode suceder que, ou por fraqueza, ou por se
tratar de ocasião especial, seja um alívio para o ministro ter alguém que
tome o seu lugar para elevar a oração. Mas se o Senhor lhe deu
capacidade para amar o seu trabalho, não muitas vezes, nem
prontamente, você fará essa parte por meio de procurador. Se delegar
todo o culto a outro, que o faça a alguém em cuja espiritualidade e
adequado preparo você tenha a mais plena confiança. Mas, pegar de
improviso um irmão menos dotado, e empurrá-lo para que realize
pessoalmente os atos de devoção, é vergonhoso.
"Ao céu nós serviremos com menor respeito
do que o fazemos com nossas toscas pessoas?"
Designe o mais competente para orar, e se houver falha, antes seja
no sermão do que na visita ao céu. Que o infinito Senhor seja servido
com o que temos de melhor; que a oração dirigida à Majestade divina
seja cuidadosamente avaliada, e então apresentada com todos os poderes
de um coração desperto e de um entendimento espiritual. Aquele que,
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 79
pela comunhão com Deus, foi preparado para ministrar ao povo, é
normalmente de todos os presentes o mais idôneo para aplicar-se à
oração. Elaborar um programa que coloca outro irmão em seu lugar, é
macular a harmonia do culto, privar ao pregador uma função que o
encorajaria para o sermão, e em muitos casos sugere comparações entre
uma parte do culto e outra, coisa que não se deve tolerar. Se irmãos
despreparados hão de ser mandados ao púlpito para fazer a minha oração
no meu lugar quando me compete pregar, não vejo por que não me
permitir que ore e depois me retire para deixar que aqueles irmãos
preguem. Não consigo ver nenhuma razão para privar-me do mais santo,
mais doce e mais proveitoso serviço de que o meu Senhor me incumbiu.
Se eu puder fazer a escolha, preferirei dispensar o sermão a dispensar a
oração. Irmãos, falei tanto assim para fazê-los fixar o fato de que
necessitam ter em alta estima a oração pública, e busquem do Senhor os
dons e graças necessárias para efetuá-la bem.
Os que desprezam toda oração improvisada, provavelmente
apanharão estas observações e as usarão contra ela, mas posso assegurar-
lhes que os defeitos contra os quais vos adverti não são comuns entre
nós, e na verdade estão quase extintos. Também é fato que o tropeço
causado por eles, mesmo no pior dos casos, nunca foi tão grande como o
causado, muitas vezes, pela maneira de realizar o culto, usando a liturgia
formal. Com muitíssima freqüência o culto na igreja é desenvolvido
apressadamente, com tanta falta de devoção como se fosse uma canção
de um cantor de baladas. As palavras são papagueadas sem a mínima
apreciação do seu significado; não às vezes, mas, muito freqüentemente,
nos lugares reservados para o culto episcopal, podem-se ver os olhos do
povo, os olhos dos coristas e os olhos do próprio clérigo, vagando por
todas as direções, uma vez que, evidentemente, pelo próprio tom da
leitura, não há sentimento algum em sintonia com o que está sendo lido.
Estive em funerais em que o ofício fúnebre da Igreja da Inglaterra
foi conduzido a galope, de maneira tão indecorosa, que me foi necessário
empregar todo o cavalheirismo que tinha para impedir-me de atirar um
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 80
capacho na cabeça da criatura. Fiquei tão indignado que não soube o que
fazer ao ouvir, na presença dos parentes do falecido, que estavam com o
coração sangrando, um homem a matraquear o ritual como se fosse pago
por peça e tivesse mais trabalho para fazer logo depois e, portanto,
quisesse chegar ao fim o mais depressa possível. Que efeito ele poderia
pensar que estava produzindo, ou que bom resultado poderia provir de
palavras arrancadas e arremessadas com força e violência, nem posso
imaginar. É realmente chocante pensar como aquele maravilhoso
cerimonial de enterro é assassinado e transformado numa abominação
pelo modo como freqüentemente o ofício é lido. Menciono isto
simplesmente porque, se eles criticarem as nossas orações com
demasiada severidade, podemos fazer um formidável contra-ataque para
silenciá-los. Todavia, muito melhor será corrigir as nossas tolices do que
achar defeito nos outros.
A fim de transformar a nossa oração pública naquilo que ela deve
ser, a primeira coisa necessária é, que tem que ser uma coisa do coração.
O homem tem que estar de fato com fervor quando ora. É preciso que
seja oração verdadeira e, se for, cobrirá multidão de pecados, como o
amor. Podem-se perdoar as familiaridades e vulgaridades de uma pessoa,
quando se vê claramente que o âmago do seu coração está falando com o
seu Criador, e que somente a sua educação defeituosa é que ocasiona os
seus defeitos na oração, e não quaisquer males morais ou espirituais do
seu coração.
Aquele que eleva súplicas a Deus em público deve ter ardor, pois,
que pode ser pior preparo para o sermão do que uma oração sonolenta?
Que é que pode levar mais o povo a não querer ir à casa de Deus do que
uma oração sonolenta? Ponha toda a alma no ato da oração. Se alguma
vez todo o seu ser se envolveu com alguma coisa, que o faça no sentido
de chegar perto de Deus em público. Ore, pois, para que, mediante uma
divina atração, você leve consigo todos os ouvintes até o trono de Deus.
Ore, pois, para que, mediante o poder do Espírito Santo pousando sobre
você, expresse os desejos e pensamentos de cada um dos presentes, e se
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 81
erga como a única voz falando por centenas de corações frementes, que
estão inflamados de fervor perante o trono de Deus.
Logo a seguir, as nossas orações devem ser pertinentes. Não digo
que se entre em todas e em cada uma das minúcias das circunstâncias
dos membros da igreja. Como já disse, não há necessidade de
transformar a oração pública numa gazeta dos acontecimentos da
semana, ou num registro de nascimentos, mortes e casamentos do
pessoal da igreja, mas os movimentos gerais que se deram entre os
irmãos devem ser notados pelo diligente coração do ministro. Ele deve
apresentar igualmente as alegrias e as tristezas do seu povo ao trono da
graça, e pedir que a bênção divina repouse sobre o seu rebanho em todos
os seus movimentos, atividades espirituais, serviços e santos
empreendimentos, e que Deus estenda o Seu perdão a todas as falhas e
inumeráveis pecados dos irmãos.
Depois, por meio de uma regra dada em termos negativos, devo
dizer, não alongue a sua oração. Acho que era John Macdonald que
costumava dizer: "Se você estiver com espírito de oração, não se
alongue, porque as outras pessoas não conseguirão manter o passo com
você nessa incomum espiritualidade; e se você não estiver com espírito
de oração, não se alongue, porque esteja certo de que aborrecerá os
ouvintes".
A respeito de Robert Bruce, de Edimburgo, o famoso
contemporâneo de Andrew Melville, diz Livingstone: "Ninguém em seu
tempo falava com tal evidência e poder do Espírito. Ninguém possuía
tantos selos da conversão; sim, muitos dos seus ouvintes achavam que
homem nenhum, desde os apóstolos, falara com tal poder. ... Ele era
muito breve na oração quando havia outros presentes, mas cada frase era
como um poderoso dardo disparado para o céu. Ouvi-o dizer que se
cansava quando outros faziam oração comprida; mas, estando a sós,
passava muito tempo em luta espiritual e oração".
Em ocasiões especiais, uma pessoa pode, se se sentir
extraordinariamente movida e arrebatada, orar durante vinte minutos no
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 82
culto matutino mais longo, mas isto não deve suceder com freqüência. O
meu amigo, Dr. Charles Brown, de Edimburgo, estabelece, como
resultado do seu ponderado julgamento, que dez minutos é o limite a que
deve estender-se a oração pública.
Os nossos antepassados puritanos costumavam orar por três quartos
de hora, ou mais, mas aí você precisa lembrar-se de que eles não sabiam
se teriam outra oportunidade de orar de novo diante de uma assembléia
e, portanto, faziam-no até saciar-se. Além disso, naquele tempo as
pessoas não eram propensas a contender pela extensão das orações ou
dos sermões como hoje em dia. Nunca será demasiado longa a sua
oração em particular. Não a limitaremos a dez minutos ali, nem a dez
horas, nem a dez semanas, se quiser. Quanto mais tempo estiver de
joelhos a sós, melhor. Agora estamos falando daquelas orações que vêm
antes ou depois do sermão, e para essas orações, dez minutos é melhor
limite do que quinze. Apenas um em mil se queixaria de você por ser
breve demais, ao passo que dezenas murmurarão por você ser enfadonho
por alongar-se muito. "Ele orou de modo que me colocou em bom estado
de espírito", disse uma vez George Whitefield sobre certo pregador, "e se
tivesse parado ali, estaria tudo muito bem; mas, continuando a orar,
tirou-me de novo dele".
A imensa longanimidade de Deus exemplifica-se no fato de ter Ele
poupado alguns pregadores que neste sentido têm cometido grave
pecado; eles têm lesado a piedade do povo de Deus com suas orações de
longo fôlego e, apesar disso, Deus, em Sua misericórdia, permite que
continuem a ministrar no santuário. Ah! pobres daqueles que têm que
ouvir pastores que fazem orações de quase meia hora e depois pedem
perdão a Deus por suas "omissões"! Não se alongue, por diversos
motivos. Primeiro, porque você e o povo se cansarão; segundo, porque
fazer oração muito comprida indispõe o coração das pessoas para o
sermão.
Toda aquela árida, fastidiosa e prolixa tagarelice na oração serve
apenas para embotar a atenção, e assim, os ouvidos se fecham como se
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 83
estivessem entupidos. Ninguém que pretenda tomar de assalto a "porta
da audição" pensará em bloqueá-la com barro ou pedras. Não; trate de
deixar limpo o portal, para que o aríete do evangelho produza efeito
quando chegar o tempo de usá-lo. As orações longas consistem, ou de
repetições, ou de explicações desnecessárias que Deus não requer; ou
então degeneram, transformando-se em pregações indiretas, de sorte que
deixa de haver diferença entre a oração e a pregação, exceto que na
primeira o ministro mantém os olhos fechados, e na segunda os mantém
abertos.
Na oração não é preciso recitar o Catecismo da Assembléia de
Westminster. Na oração não é preciso relatar a experiência de todos os
presentes, e nem mesmo a sua própria. Na oração não é preciso enfileirar
uma seleção de textos da Escritura, e citar Davi, Daniel, Jó, Paulo,
Pedro, e todos os demais, sob o título de "Teu servo do passado". Na
oração é preciso aproximar-se de Deus, mas não se requer que você
prolongue tanto o seu falar, que toda gente fique ansiosa por ouvir a
palavra "Amém".
Não posso deixar de fazer uma breve sugestão: Nunca faça parecer
que está concluindo, recomeçando então a falar mais uns cinco minutos.
Quando os amigos ficam com a idéia de que você está prestes a terminar,
não podem com um tranco retomar o espírito devoto e prosseguir.
Conheci homens que nos impunham o suplício de Tântalo, dando-nos a
esperança de que se aproximavam do fim, e depois se impunham por
novos períodos, duas ou três vezes. Isso é sumamente insensato e
desagradável.
Outra norma é – não empregue frases bombásticas. Irmãos,
acabemos de uma vez com essas coisas desprezíveis. Tiveram os seus
dias; deixemos que morram. Não há como exagerar na crítica a essas
peças de gritante pompa espiritual. Algumas delas são puras invenções;
outras são passagens tiradas dos apócrifos; outras são textos que se
originaram na Escritura, mas que têm sido horrivelmente deformados
desde quando foram produzidos pelo Autor da Bíblia.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 84
Na Revista Batista de 1861 eu fiz as seguintes observações sobre as
vulgaridades que ocorrem comumente nas reuniões de oração:
"As frases bombásticas são um grande mal. Quem poderia justificar
expressões como as de que tratarei a seguir? "Não deveríamos correr para
a presença do Senhor como o cavalo, incapaz de pensar, corre para a
batalha". Como se os cavalos alguma vez pensassem, e como se não fosse
melhor exibir a elegância e a energia do cavalo do que a lentidão e a
estupidez do asno! Como a estrofe da qual imaginamos que essa fina
citação foi extraída relaciona-se mais com pecados do que com orações,
alegramo-nos com o fato de que a frase está em plena decadência. "Vá de
coração em coração, como o óleo vai de vaso em vaso" é provavelmente
citação do conto infantil de Ali Babá e os Quarenta Ladrões, mas destituída
de sentido, de Escritura e de poesia, como qualquer frase que se poderia
conceber. Não nos consta que o óleo corra de um vaso a outro de algum
modo misterioso ou maravilhoso. É certo que ao ser despejado escorre
lentamente e, portanto, é adequado símbolo do fervor de algumas pessoas.
Mas, certamente seria melhor receber a graça diretamente do céu do que de
outro vaso – idéia papista que a metáfora parece insinuar, se é que de fato
tem algum significado. "Teu pobre e indigno pó", epíteto que geralmente os
homens mais orgulhosos da igreja se aplicam a si próprios, e não raro os
mais presos ao dinheiro e mais ordinários, caso em que as duas últimas
palavras da frase não são muito impróprias.
"Ouvimos falar de um bom homem que, intercedendo por seus filhos e
netos, ficou tão obscurecido pela alucinante influência da sua expressão,
que exclamou: "Ó Senhor, salva o Teu pó, e o pó do Teu pó, e o pó do pó do
Teu pó". Quando Abraão disse, "Eis que agora me atrevi a falar ao Senhor,
ainda que sou pó e cinza", a sua declaração foi vívida e expressiva; mas em
sua forma mal citada, pervertida e exagerada, quanto mais depressa for
reduzida a pó, melhor. Um miserável aglomerado de perversões da
Escritura, rudes símiles e ridículas metáforas constituem uma espécie de
gíria espiritual, fruto de ignorância ímpia, de imitação desfibrada ou de
hipocrisia decorrente de ausência da graça; são ao mesmo tempo uma
desonra para os que estão sempre repetindo essas coisas, e um
aborrecimento intolerável para aqueles cujos ouvidos são atormentados por
elas."
O Dr. Charles Brown, de Edimburgo, em admirável discurso numa
reunião da New College Missionary Association, dá exemplos de
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 85
citações truncadas peculiares à Escócia que, todavia, às vezes atravessa o
rio Tweed. Com sua permissão, farei citação completa.
"Há aquilo que se poderia denominar mescla infeliz, às vezes
inteiramente grotesca, de textos da Escritura. Quem não conhece as
seguintes palavras dirigidas a Deus em oração: "Tu és o alto e sublime, que
habitas a eternidade e seus louvores"?, confusão de dois textos gloriosos,
cada um deles glorioso se tomado isoladamente – ambos maculados, e um
deles na verdade irremediavelmente perdido, quando assim combinados e
misturados. Um é Isaías 57:15: "Porque assim diz o alto e sublime, que
habita na eternidade, e cujo nome é santo". O outro é o Salmo 22:3: "Porém
tu és Santo, o que habitas entre os louvores de Israel'. A referência à
habitação entre louvores da eternidade é, para dizer o mínimo, pobre. Não
havia louvores na eternidade passada para serem habitados. Mas, que glória
há em condescender Deus em habitar, em fazer Seu domicílio, entre os
louvores de Israel, da igreja resgatada!
"Depois há um exemplo nada menos que grotesco sob este título e,
contudo, em tão freqüente uso que suspeito que geralmente se considera
que tem a sanção da Escritura. Ei-lo: "Poríamos a nossa mão em nossa
boca, e a nossa boca no pó, e clamaríamos: Imundos, imundos; ó Deus, tem
misericórdia de nós, pecadores!" Trata-se de não menos de quatro textos
reunidos, cada um deles belo, isoladamente. O primeiro é o de Jó 40:4: "Eis
que sou vil; que te responderia eu? A minha mão ponho na minha boca". O
segundo é o de Lamentações 3:29: "Ponha a sua boca no pó; talvez assim
haja esperança". O terceiro é o de Levítico 13:45, onde se diz ao leproso
que cubra o lábio superior, e grite: "Imundo, imundo". E o quarto é a oração
do publicano. Mas como é incongruente pôr alguém primeiro a mão na boca,
depois a boca no pó, e, por último, clamar, etc.!
"O único outro exemplo que dou é uma expressão quase universal
entre nós, e, desconfio, considerada quase universalmente como registrada
na Escritura: "Em teu favor há vida, e tua benignidade é melhor do que a
vida". O fato é que isso também não passa de uma infeliz junção de duas
passagens, em que o termo vida é empregado em sentidos completamente
diversos, e mesmo incompatíveis, a saber, o Salmo 63:3, "Porque a tua
benignidade é melhor do que a vida", onde evidentemente, vida significa a
presente vida temporal. A outra passagem é o Salmo 30:5b - "no seu favor
está a vida".
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 86
"Uma segunda classe pode ser descrita como infelizes alterações da
linguagem da Escritura. Terei necessidade de dizer que o Salmo 130, "Das
profundezas", etc., é um dos mais preciosos de todo o livro de Salmos? Por
que havemos de ter as palavras de Davi e do Espírito Santo dadas assim na
oração pública, e com tanta freqüência, que os piedosos crentes de nossas
igrejas vieram a adotá-las em suas orações comunitárias e domésticas: "Mas
contigo está o perdão, para que sejas temido, e abundante redenção para
que sejas procurado"? Como são preciosas as singelas palavras registradas
no salmo citado [versículo 4): "Mas contigo está o perdão, para que sejas
temido"; versículos 7.8: "no Senhor há misericórdia, e nele há abundante
redenção. E ele remirá a Israel de todas as suas iniqüidades"!
"Outra vez, nesse abençoado salmo, as palavras do versículo 3, "Se tu,
Senhor, observares as iniqüidades, Senhor, quem subsistirá?", muito
raramente nos são deixadas com sua manifesta simplicidade, mas têm que
sofrer a seguinte mudança: "Se tu fores estrito em observar as iniqüidades",
etc. Lembro-me de que nos meus tempos de estudante, costumávamos dar-
lhe forma muito mais ofensiva: "Se tu fores estrito para observar e rigoroso
para punir"! Outra mudança favorita é a seguinte: "Tu estás nos céus, e nós
sobre a terra; pelo que sejam poucas e bem ordenadas as nossas palavras".
O pronunciamento simples e sublime de Salomão (certamente cheio de
instrução sobre o tema de que estou tratando) é: "Deus está nos céus, e tu
estás sobre a terra; pelo que sejam poucas as tuas palavras" (Eclesiastes
5:2). Para outro exemplo desta classe, veja-se como são torturadas as
sublimes palavras de Habacuque: "Tu és tão puro de olhos, que não podes
ver o mal, e não podes contemplar o pecado sem te aborreceres". As
palavras do Espírito Santo são (Habacuque 1:13): "Tu és tão puro de olhos,
que não podes ver o mal, e a vexação não podes contemplar". Precisaria
dizer que a força da figura, "e a vexação não podes contemplar", quase se
perde quando você acrescenta que Deus pode contemplá-la, só que não
sem se aborrecer?
"Uma terceira classe consiste de pleonasmos inexpressivos, de
vulgares e banais redundâncias de expressão, na citação das Escrituras. Um
desses casos tornou-se tão universal, que me aventuro a dizer que
raramente você o omite quando a passagem em foco entra em cena. "Fica
no meio de nós" (ou, como alguns preferem expressá-lo, de modo um tanto
infeliz segundo penso, "em nosso meio"), "para abençoar-nos, e fazer-nos
bem". Que idéia adicional há na última expressão, "e fazer-nos bem"? A
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 87
passagem aludida é Êxodo 20:24: "em todo o lugar onde eu fizer celebrar a
memória do meu nome, virei a ti, e te abençoarei". Esta é a simplicidade da
Escritura. O nosso acréscimo é: "para abençoar-nos, e fazer-nos bem". Em
Daniel 4:35 lemos as nobres palavras: "não há quem possa estorvar a sua
mão, e lhe diga: Que fazes?" A mudança favorita é: "Ninguém pode impedir
a tua mão de agir". "As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e
não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que
o amam." Isto sofre a seguinte alteração: "e não subiu ao coração do homem
conceber as coisas". Constantemente ouvimos referência a Deus como
Aquele "que ouve e responde a oração", mero pleonasmo vulgar e inútil, pois
a idéia que a Escritura contém é de que se Deus ouve a oração, Ele
responde – "Ó tu que ouves as orações! a ti virá toda a carne." "Ouve,
Senhor, a minha oração". "Amo ao Senhor, porque ele ouviu a minha voz e a
minha súplica."
"Por que, outra vez, aquele chavão da oração pública, "As tuas
consolações não são nem poucas nem pequenas"? Suponho que a
referência seja às palavras de Jó: "Porventura as consolações de Deus te
são pequenas?" Assim também raramente se ouve aquela oração do Salmo
74, "Atenta para o teu concerto; pois os lugares tenebrosos da terra estão
cheios de moradas de crueldade", sem o acréscimo, "horrenda crueldade";
nem o chamamento à oração, em Isaías, "ó vós, os que fazeis menção do
Senhor, não haja silêncio em vós, nem estejais em silêncio, até que
confirme, e até que ponha a Jerusalém por louvor na terra", sem o
acréscimo, "em toda a terra"; nem o apelo do salmista: "Quem tenho eu no
céu senão a ti? e na terra não há quem eu deseje além de ti", sem o
acréscimo: "em toda a terra".
"Estes últimos exemplos parecem coisas na verdade insignificantes. E
são. Nem valeria a pena achar-lhes defeito, se ocorressem apenas
ocasionalmente. Mas examinados como lugares comuns estereotipados,
bem fracos em si mesmos, mas ocorrendo com tanta freqüência que dão a
impressão de terem autoridade bíblica, humildemente acho que deviam ser
desaprovados e descartados – banidos totalmente do culto presbiteriano.
Talvez vocês se surpreendam ao saberem que a única autorização dada
pela Escritura àquela expressão favorita e algo peculiar sobre o "perverso
pecado que rola como doce manjar sob as suas línguas", está nas seguintes
palavras do livro de Jó (20:12): "Ainda que o mal lhe seja doce na boca, e
ele o esconda debaixo da sua língua"."
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 88
Basta disto, porém. Só lamento ser forçado a estender-me tanto
sobre um assunto infeliz como esse. Todavia, não posso deixar a matéria
sem insistir com vocês que façam com exatidão literal todas as citações
da Palavra de Deus.
Deveria ser uma questão de honra entre os ministros citar sempre
corretamente a Escritura. É difícil sempre fazê-lo com exatidão, e,
porque é difícil, deveria constituir objeto do nosso maior cuidado. Nos
salões de Oxford ou Cambridge seria considerado quase traição ou crime
um membro proeminente da universidade citar erroneamente Homero,
Virgílio ou Tácito; mas um pregador citar erradamente Davi, Moisés ou
Paulo é coisa muito mais séria, e bem merecedora da mais severa
censura. Notem que eu me referi a um membro proeminente da
universidade, não a um principiante; e de um pastor esperamos pelo
menos igual precisão em seu próprio departamento à daquele que faz
parte de um corpo universitário. Vocês que sem vacilar crêem na teoria
da inspiração verbal (para minha intensa satisfação), nunca deveriam
fazer uma citação enquanto não puderem usar as palavras precisas,
porque, de acordo com a explicação que vocês mesmos dão, pela
alteração de uma única palavra pode-se perder por completo o sentido
que Deus deu à passagem. Se não conseguem citar a Escritura
corretamente, por que citá-la de qualquer modo em suas petições? Façam
uso de uma expressão nova, oriunda da sua própria mente, e será tão
aceitável para Deus como uma frase bíblica desfigurada ou mutilada.
Lutem com todo o vigor contra as mutilações e perversões da Escritura, e
renunciem para sempre a todas as frases bombásticas, pois constituem
deformações da oração improvisada.
Notei um hábito entre alguns – espero que vocês não tenham caído
nisso – de orar com os olhos abertos. É inatural, inconveniente e de mau
gosto. Ocasionalmente, os olhos abertos e elevados ao céu podem ser
adequados e causar impressão, mas correr o olhar pelo ambiente
enquanto se declara que se está falando com o Deus invisível, é
detestável. Nos primeiros tempos da igreja os chamados pais
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 89
denunciaram esta prática imprópria. Deve-se fazer o mínimo de
movimentos, se tanto, durante a oração. Raramente é bom levantar e
mover o braço, como se se estivesse pregando. Contudo, os braços
estendidos e as mãos cerradas são naturais e sugestivos, quando se está
sob forte e santa comoção. A voz deve harmonizar-se com o assunto, e
jamais deve ser tempestuosa ou arrogante. Ao falar com Deus, usem-se
entonações reverentes e humildes. Não é verdade que até a natureza lhes
ensina isto? Se a graça não o fizer, perco a esperança.
Com especial atenção às suas orações nos cultos do dia do Senhor,
talvez sejam úteis algumas observações. Para impedir que o mero
costume e a rotina se entronizem entre nós, será bom variar quanto
possível a ordem do culto. O que quer que o Espírito nos mova a fazer,
façamos de uma vez. Até pouco tempo atrás eu não tinha ciência da
extensão em que permitiram que se intrometesse o controle dos diáconos
sobre os ministros em certas igrejas desafortunadas. Estou acostumado a
dirigir sempre os cultos da maneira que considero mais adequada e
edificante, e nunca ouvi sequer uma palavra de objeção, e creio que
posso dizer que vivo nas mais amáveis relações de amizade com os meus
cooperadores. Mas um irmão e colega de ministério me contou esta
manhã que certa ocasião orou no início do culto matutino, em vez de
mandar cantar um hino, e quando se retirou para o gabinete pastoral
depois do culto, os oficiais lhe disseram que não queriam saber de
inovações.
Até aqui entendíamos que as igrejas batistas não estão sob a
escravidão de tradições e de regras fixas quanto às maneiras de prestar
culto, e, contudo, essas pobres criaturas, esses pretensos senhores, que
bradam contra a liturgia formal, querem prender os seus ministros com
indicações limitadoras produzidas pelo costume. É tempo de silenciar
para sempre esse absurdo. Pretendemos dirigir o culto conforme nos
mova o Espírito Santo, e como nos pareça melhor. Não queremos ser
obrigados a cantar aqui e orar ali, mas queremos variar a ordem do culto
para evitar a monotonia.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 90
Ouvi dizer que o sr. Hinton uma vez pregou o sermão no começo do
culto, de modo que os retardatários puderam ter oportunidade de orar. E
por que não? Alterações da regularidade fazem bem; a monotonia
aborrece. Muitas vezes será uma coisa sumamente proveitosa deixar o
povo serenamente sentado no mais profundo silêncio uns dois a cinco
minutos. O silêncio solene dá nobreza ao culto.
Verdadeira oração não é barulho imenso
de lábios habituados ao clamor;
mas é o silêncio d'alma, sim, profundo e intenso,
d'alma que abraça os pés do seu Senhor.
Variem, pois, a ordem das suas orações, para manter a atenção e
impedir que as pessoas passem pelo programa todo do mesmo modo
como anda o relógio até os pesos irem até o chão.
Variem a extensão das suas orações públicas. Não acham que às
vezes seria muito melhor que, em vez de dar três minutos à primeira
oração e quinze à segunda, dessem nove minutos a cada uma delas? Não
seria melhor, às vezes, estender-se mais na primeira oração, e menos na
segunda? Não seria melhor fazer duas orações de durarão tolerável, do
que uma extremamente longa e outra extremamente curta? Não seria
bom também ter um hino depois da leitura do capítulo, ou um versículo
ou dois antes da oração? Por que não cantar quatro vezes,
ocasionalmente? Por que não se contentar com dois hinos, ou só um,
ocasionalmente? Por que cantar depois do sermão? Por outro lado, por
que alguns jamais cantam no fim do culto? É aconselhável fazer sempre,
ou mesmo freqüentemente, uma oração depois da pregação? Não
causaria maior impressão se fosse feita de vez em quando? A direção do
Espírito Santo não nos propiciaria uma variedade desconhecida no
presente? Tratemos de ter algo de maneira que o nosso povo não venha a
considerar qualquer forma do culto como determinada, e assim torne a
cair na superstição da qual escapou.
Variem os temas comuns das suas orações na intercessão. Há
muitos tópicos que requerem a sua atenção: a igreja com suas fraquezas,
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 91
suas infidelidades, suas tristezas e suas consolações; o mundo exterior, a
vizinhança, os ouvintes não convertidos, os jovens, a nação. Não orem
por tudo isso todas as vezes, ou senão as suas orações serão longas e
provavelmente desinteressantes. Qualquer que seja o tópico
predominante em seu coração, façam-no predominar em suas súplicas.
Há um modo de seguir um curso na oração, se o Espírito Santo os guiar
por ele, o que dará coesão ao culto, e se harmonizará com os hinos e com
a prédica.
É muito proveitoso manter unidade no culto, onde possível; não
servilmente, mas com sabedoria, de sorte que o efeito seja unificante.
Certos irmãos nem sequer procuram manter unidade no sermão, mas
vagueiam da Inglaterra ao Japão e introduzem todos os assuntos
imagináveis. Mas vocês, que já atingiram a preservação da unidade no
sermão, poderiam ir um pouco além, e demonstrar algum grau de
unidade no culto, sendo cuidadosos quanto ao hino, à oração e à leitura
bíblica, para manter em proeminência o mesmo assunto. Pouco
recomendável é a prática, comum em alguns pregadores, de reiterar o
sermão na última oração. Pode ser instrutivo para os ouvintes, mas é um
objetivo totalmente alheio à oração. É uma prática bombástica,
escolástica e inconveniente; não a imitem.
Como fugiriam de uma víbora, evitem todas as tentativas para
conseguir fervor espúrio na devoção pública. Não se esforcem para
parecer fervorosos. Orem segundo os ditames do seu coração, sob a
direção Espírito de Deus, e se vocês estiverem embotados e tediosos,
falem disso ao Senhor. Não será ruim confessar a sua falta de vida,
deplorá-la e clamar por vivificação. Será uma oração real e aceitável.
Mas o ardor fingido é uma vergonhosa forma de mentir. Nunca imitem
os fervorosos. Vocês conhecem um bom homem que geme, e outro cuja
voz vira grito estridente quando ele é arrebatado pelo ardor, mas, nem
por isso vocês deverão gemer ou chiar para parecerem fervorosos como
eles. Simplesmente sejam naturais do começo ao fim, e peçam a Deus
que os guie nisso tudo.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 92
Finalmente – esta palavra lhes digo confidencialmente – preparem
a sua oração. Vocês dirão com espanto: "Que será que o senhor poderá
querer dizer com isso?" Bem, quero dizer o que alguns não querem. Uma
vez foi discutida numa sociedade de ministros a questão: "É certo o
ministro preparar a sua oração com antecedência?" Alguns afirmaram
vigorosamente que não é certo; e agiram bem. Outros com igual vigor
sustentaram que é certo. E não deveriam ser contraditados. Creio que
ambas as partes tinham razão. Os irmãos do primeiro grupo entendiam
por preparo da oração o estudo de expressões, e a colocação ordenada de
uma linha de pensamento, o que todos eles diziam ser completamente
oposto ao culto espiritual, no qual devemos deixar-nos nas mãos do
Espírito de Deus para que Ele nos ensine tanto o assunto como as
palavras.
Com essas observações concordamos plenamente, pois, se um
homem escreve as suas orações e estuda as suas petições, que use logo
uma fórmula litúrgica. Mas os irmãos oponentes queriam dizer por
preparo uma coisa completamente diversa. Não o preparo da cabeça, mas
do coração, preparo que consiste em ponderar previamente na
importância da oração, em meditar nas necessidades espirituais dos
homens, e em recordar as promessas que havemos de pleitear – indo,
desta forma, à presença do Senhor com uma petição escrita nas tábuas de
carne do coração. Segura-mente isso é melhor do que ir a Deus à esmo,
correr para o trono divino ao acaso, sem mensagem ou desejo definido.
"Nunca me canso de orar", disse alguém, "porque sempre tenho uma
mensagem definida quando oro."
Irmãos, as suas orações são desta espécie? Vocês lutam para estar
numa adequada disposição de espírito para dirigir as súplicas do seu
povo? Vocês põem em ordem a sua causa quando vão comparecer
perante o Senhor? Creio, meus irmãos, que devemos preparar-nos pela
oração particular para a oração pública. Por uma vida vivida perto de
Deus, devemos manter espírito de oração, e então não falharemos em
nossas súplicas elevadas vocalmente. Se se deve tolerar alguma coisa
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 93
além disso, deveria ser a dedicação à memorização dos Salmos e de
porções da Escritura que contém promessas, súplicas, louvores e
confissões, os quais possam ser de utilidade no ato de oração. De
Crisóstomo se diz que aprendeu a Bíblia de cor, de modo que podia
repeti-la a seu bel-prazer. Não admira que se chamasse boca de ouro.
Agora, em nossa conversação com Deus, nenhuma linguagem pode
ser mais apropriada do que as palavras do Espírito Santo – "Faze como
disseste" sempre prevalecerá junto ao Altíssimo. Aconselhamos, pois, a
memorização dos inspirados exercícios de devoção presentes na Palavra
da Verdade. Depois, a contínua leitura das Escrituras os manterá sempre
supridos de renovadas preces, que serão como ungüento derramado,
impregnando toda a casa de Deus com a sua fragrância, quando
apresentarem as suas petições em público perante o Senhor. Sementes de
oração semeadas assim na memória, constantemente produzirão
excelentes colheitas, quando o Espírito lhes aquecer a alma com fogo
santo na hora da oração congregacional. Como Davi usou a espada de
Golias para vitórias futuras, assim podemos empregar às vezes uma
petição já respondida, e capacitar-nos a dizer com o filho de Jessé: "Não
há outra semelhante; dá-ma", pois Deus tornará a cumpri-la em nossa
experiência pessoal.
Oxalá as vossas orações sejam fervorosas, cheias de fogo,
veemência e poder. Rogo ao Espírito Santo que ensine todos os
estudantes desta Escola a fazer oração pública, de modo que Deus seja
servido sempre do melhor de cada um. Oxalá as suas petições sejam
singelas e brotem do coração. E, ao passo que às vezes o povo de sua
igreja pode achar que o sermão esteve abaixo do normal, possa também
achar que a oração compensou tudo,
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 94
O CONTEÚDO DO SERMÃO
Nossa primeira regra quanto à voz seria – não pensem muito nisso,
pois, conseguir a voz mais agradável nada é, se não houver algo que
dizer, e por melhor que seja a utilização dela, será como uma carruagem
bem dirigida, vazia no seu interior, a menos que vocês transmitam por
meio dela verdades importantes e oportunas a seu povo. Sem dúvida
Demóstenes estava certo atribuindo um primeiro, segundo e um terceiro
lugar à boa transmissão; mas que valor terá, se o homem não tiver nada
para transmitir?
O homem dotado de voz inexcedivelmente excelente, mas
destituído de cabeça bem informada e de coração fervoroso, será "uma
voz que clama no deserto", ou, para usar a expressão de Plutarco, "Vox et
praeterea nihil" (Voz, e nada mais). Tal homem pode brilhar no coro,
mas é inútil no púlpito. A voz de Whitefield, sem o poder do coração,
não teria deixado sobre os seus ouvintes efeitos mais duradouros do que
os do violino de Paganini. Irmãos, vocês não são cantores, mas
pregadores; sua voz é de secundária importância; não se envaideçam
com ela, nem se lamentem como se fossem inválidos por causa dela,
como tantos o fazem. Uma trombeta não precisa ser feita de prata; um
chifre de carneiro basta. É preciso, porém, que agüente rude uso, pois as
trombetas são para os conflitos bélicos, não para os salões de recepção
da moda.
Por outro lado, não subestimem demais as suas vozes, pois a
qualidade excelente delas contribui grandemente para conduzir ao
resultado que vocês esperam produzir. Confessando o poder da
eloqüência, Platão menciona o tom de voz do orador. "Tão
poderosamente", diz ele, "a elocução e o tom do orador repercutem em
meus ouvidos, que dificilmente lá pelo terceiro ou quarto dia caio em
mim, percebendo em que ponto da terra estou; e por algum tempo fico
querendo acreditar que estou vivendo nas ilhas dos bem-aventurados."
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 152
Verdades sumamente preciosas podem ser grandemente maculadas
por serem transmitidas em tom monótono. Uma vez ouvi um ministro
muito estimado, mas que zumbia tristemente, como "uma humilde
abelha num jarro" – metáfora vulgar, sem dúvida, mas que oferece
descrição tão exata que traz à minha mente neste instante, e de modo
bem destacado, o som do zunido, e me faz lembrar a paródia da Elegia,
de Gray:
"Da vista o tênue tema já se esvai,
e dormente quietude o ar retém,
salvo onde o cura voa e a zumbir vai
fazendo o seu rebanho dormir bem".
Que lástima, um homem transmitir do coração doutrinas de
indubitável valor, em linguagem a mais apropriada, e cometer suicídio
harpejando numa corda só, quando o Senhor lhe deu um instrumento de
muitas cordas para tocar! Ah! aquela voz enfadonha! Zumbia e zumbia,
como uma roda de moinho, sempre no mesmo tom nada musical, quer
seu dono falasse do céu quer falasse do inferno, da vida eterna ou da ira
perpétua. Podia ficar, por acidente, um pouco mais alta ou mais suave,
conforme o comprimento da frase, mas o tom era sempre o mesmo, uma
cansativa vastidão de som, um uivante deserto de linguagem falada em
que não havia alívio possível, nem variação, nem musicalidade nada,
senão uma horrível mesmice.
Quando o vento sopra através da harpa eólia, ele ondula em suas
vibrações através de todas as cordas, mas o vento celestial, passando por
alguns homens, desgasta-se numa corda só, e isso, na maior parte,
tremendamente fora da harmonia do todo. Somente a graça poderia
capacitar os ouvintes a edificar-se debaixo do tantã de alguns ministros.
Creio que um júri imparcial daria um veredicto de sono justificável em
muitos casos em que o som proveniente do pregador acalenta os
ouvintes, fazendo-os dormir com a sua nota sempre repetida. O Dr.
Guthrie caridosamente atribui o sono dos dorminhocos de certa igreja
escocesa à má ventilação do local de reuniões; este fator tem algo que
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 153
ver com isso, mas a má condição das válvulas da garganta do pregador
talvez seja uma causa mais poderosa ainda. Irmãos, em nome de tudo
que é sagrado, toquem todo o carrilhão do seu campanário, e não
importunem o seu público com o blim-blem-blom de um pobre sino
rachado.
Quando derem atenção à voz, tenham o cuidado de não caírem nos
maneirismos habituais e comuns dos dias atuais. Raramente um homem
em doze no púlpito, fala como homem varonil. Estes maneirismos
enfatuados não se restringem aos protestantes, pois o abade Mullois
observa, "em todos os demais lugares, os homens falam; falam no balcão
e na tribuna. Já no púlpito, porém, não falam, pois ali só encontramos
linguagem fictícia e artificial, e tons falsos. Este estilo de falar só se
tolera na igreja porque, infelizmente, está por demais generalizado ali;
em nenhum outro lugar seria tolerado. Que se pensaria de um homem
que conversasse daquela maneira numa sala de visitas? Certamente
provocaria muitos sorrisos.
Há algum tempo havia um guarda do Panteão – bom sujeito a seu
modo – que, ao enumerar as belezas do monumento, adotava
precisamente o tom de muitos de nossos pregadores, pelo que nunca
deixou de provocar a hilaridade dos visitantes, que tanto se divertiam
com o seu modo de falar, como com os objetos de interesse que ele lhes
mostrava. O homem que não faz transmissão natural e genuína, não
deveria ter a permissão de ocupar o púlpito. Pelo menos dali, tudo que é
falso deveria ser banido sumariamente.
Nestes tempos de desconfiança, tudo que é falso deveria ser posto
de lado; e o melhor modo pelo qual a gente pode corrigir-se nesse
aspecto, quanto à pregação, é ouvir muitas vezes a certos pregadores
monótonos ou apaixonados. Sairemos com tanto desgosto e com tanto
horror da sua apresentação, que preferiremos reduzir-nos ao silêncio, a
imitá-los. No momento em que você abandona o natural e o genuíno,
perde o direito de ser crido, bem como o direito de ser ouvido.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 154
Irmãos, vocês podem andar por aí, visitando igrejas e congregações,
e verão que a imensa maioria dos nossos pregadores tem um tom de voz
santo para os domingos. Tem uma voz para a sala de visitas e para o
quarto de dormir, e outro tom completamente diverso para o púlpito, de
sorte que, se não são dúplices, de língua pecaminosamente, são-no por
certo literalmente. No momento em que alguns homens cerram a porta
do púlpito, deixam para trás a sua varonilidade pessoal, e se tornam tão
formais quanto o porteiro da comunidade. Quase que poderiam gabar-se
com o fariseu de que não são como os demais homens, conquanto seria
blasfêmia dar graças a Deus por isso. Deixam de ser carne e osso, já não
falam como homens, mas adotam um ganido, um roto gaguejar, um ore
rotundo (boca redonda) ou algum outro modo desgracioso de fazer
barulho, tudo isso para impedir toda suspeita de que não estão sendo
naturais e não estão falando do que está cheio o seu coração. Quando é
posta a veste sacral, quantas vezes fica patente que ela é a mortalha do
verdadeiro homem, e o efeminado emblema do formalismo!
Há dois ou três modos de falar que ouso dizer que vocês
reconhecerão tê-los ouvido muitas vezes. Aquele estilo engrandecido,
doutoral, inflado, bombástico, que há pouco chamei de ore rotundo, não
é tão comum agora como costumava ser, mas ainda é admirado por
alguns. (Desafortunadamente, não se pode representar o preletor aqui
com nenhuma forma de letra de imprensa conhecida, quando se pôs a ler
um hino com voz grandiosa, ondulante e empolada.)
Quando um respeitável cavalheiro estava certa vez soprando vapor
desse jeito, um homem no corredor da igreja disse que pensava que o
pregador "tinha engolido um bolinho quente", mas outro cochichou:
"Não, Jack, não foi isso: ele tragou um diabinho". Posso imaginar o Dr.
Johnson falando desse modo em Bolt Court; e de homens aos quais esse
estilo é natural, sai com grandiosidade olímpica; mas no púlpito, fora
com toda imitação dele, para sempre! Se vem naturalmente, muito bem e
muito bom, mas imitá-lo é trair a decência comum. Na verdade, no
púlpito, toda imitação é parente chegado de um pecado imperdoável.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 155
Há outro estilo do qual lhes rogo que não achem engraçado. É o
método de enunciação que se diz ser muito feminilmente elegante,
adocicado, delicado, tipo criadinha de salão, fútil. Opaco e enfadonho,
não sei como descrevê-lo melhor. A maioria de nós já teve a infelicidade
de ouvir estas ou algumas outras espécies do amplo gênero de falsetes,
maneirismos e altos vôos bombásticos. Ouvi-as nas mais diversas
variedades, desde as formas recheadas à Johnson, até a rala magreza do
frágil e gentil sussurro; desde o urro dos touros de Basã até o tip, tip, tip
do tentilhão. Pude seguir a pista de alguns deles até os seus antepassados
(refiro-me aos seus antepassados ministeriais) de quem recolheram
originalmente estes modos seráficos de falar, melodiosos, santificados,
belos em todos os aspectos – mas, devo acrescentar honestamente,
detestáveis! A indubitável ordem do registro genealógico da sua oratória
é como se segue: Soquinho, que era filho de Gaguejo, que era filho de
Sorrisinho, que era filho de Dândi, que era filho de Maneirismo; ou
Rebolante, que era filho de Pomposa, que era filho de Ostentação – de
muitos filhos o pai era o mesmo.
Entendam, até onde esses horrores de som sejam naturais, não os
condeno – fale cada criatura em sua própria língua. Mas o fato é que em
nove de cada dez casos, estes dialetos sagrados, que espero logo hão de
ser línguas mortas, são inaturais e forçados. Estou persuadido de que
esses tons, semitons e "monotons" são babilônicos, e absolutamente não
pertencem ao dialeto de Jerusalém, pois o dialeto de Jerusalém tem a sua
característica distintiva, que é o modo de falar próprio do homem, e esse
modo é o mesmo, fora do púlpito e dentro dele. O nosso amigo da
sofisticada escola do ore rotundo nunca foi visto falando fora do púlpito
como o faz estando nele, ou falando na sala de visitas no mesmo tom que
emprega no púlpito: "Você terá a bondade de me servir outra chávena de
chá? Usarei açúcar, se isto lhe aprouver". Far-se-ia ridículo se agisse
assim, mas o púlpito há de ser favorecido com a escória da sua voz, que
a sala de visitas não toleraria.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 156
Sustento que as melhores notas de que a voz de um homem é capaz
deveriam ser dedicadas à proclamação do evangelho, e são precisamente
as que a natureza lhe ensina a usar numa conversação séria. Ezequiel
servia a seu Senhor com as suas faculdades mais musicais e melodiosos,
de modo que Deus lhe disse: "E eis que tu és para eles como uma canção
de amores, canção de quem tem voz suave, e que bem tange". Ah! isso
de nada valeu, porém, para o duro coração de Israel, pois nada lhe valerá
exceto o Espírito de Deus; todavia, assentou bem ao profeta proclamar a
Palavra do Senhor no melhor estilo de voz e de modos.
Prosseguindo, se vocês têm quaisquer idiossincrasias no falar,
desagradáveis ao ouvido, corrijam-nas, se possível. 1 Admite-se que é
mais fácil ao professor sugerir-lhes isto do que a vocês praticá-lo.
Entretanto, para os jovens que se acham no alvor do seu ministério, a
dificuldade não é insuperável. Irmãos oriundos da zona rural têm na boca
o sabor do seu rústico regime de vida, lembrando-nos irresistivelmente
os novilhos de Essex, os leitões de Berkshire ou os animais anões de
Suffolk. Quem poderá deixar de reconhecer os dialetos de Yorkshire e
Somersetshire, que não são apenas pronúncias regionais, mas entonações
regionais também? Seria difícil descobrir a causa, mas o fato bastante
claro é que em alguns condados da Inglaterra as gargantas dos homens
parecem cobertas de pigarro, como chaleiras usadas durante muito
tempo, e noutros elas soam como música de um instrumento de latão,
com defeituoso som metálico. Estas variações da natureza podem ser
belas em sua ocasião e lugar, mas o meu gosto nunca pode apreciá-las.
Do agudo e dissonante chiado, como o de uma tesoura enferrujada,
livremo-nos a todo risco.
A mesma coisa a fala inarticulada e densa em que nenhuma palavra
é pronunciada completamente, mas os substantivos, os adjetivos e os
verbos viram uma espécie de picadinho. Igualmente objetável é aquela
1
"Cuidado com qualquer coisa que seja grosseira ou sofisticada, na gesticulação, nas frases ou na
pronúncia." – João Wesley.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 157
maneira fantasmagórica de falar em que a pessoa fala sem mover os
lábios, no mais horrível ventriloqüismo; tons sepulcrais podem servir
para levar alguém a tornar-se agente funerário, mas não se chama Lázaro
para fora do túmulo com gemidos surdos. Um dos meios mais seguros de
você matar-se é falar da garganta, e não da boca. Este uso errôneo da
natureza será vingado terrivelmente por ela; fujam da pena evitando a
ofensa.
Talvez seja bom neste ponto concitá-los a que, tão logo se dêem
conta de que estão gaguejando muito durante um discurso, tratem de
expurgar de uma vez o insinuante, mas ruinoso hábito. Não há nenhuma
necessidade dele e, embora os que agora são suas vítimas talvez nunca
possam romper as cadeias, vocês, principiantes na oratória, podem
desprezar esse exasperante jugo. É até preciso dizer, abram a boca
quando falam, pois muito resmungo desarticulado resulta de se manter a
boca meio fechada. Não é à toa que os evangelistas escreveram a
respeito de nosso Senhor: "E, abrindo a sua boca, os ensinava". Abram
bem as portas pelas quais há de sair marchando tão benéfica verdade!
Além disso, irmãos, evitem o emprego do nariz como órgão da expressão
oral, pois as melhores autoridades concordam que a função que lhe cabe
é a de cheirar. Tempo houve em que era correto falar fanhoso, mas nesta
era degenerada farão melhor em obedecer à evidente sugestão da
natureza, deixando que a boca faça o seu trabalho sem interferência do
aparelho olfativo. Se estiver presente um estudante americano, terá que
me escusar por salientar esse ponto para chamar-lhe a atenção.
Detestem também a prática de alguns que não pronunciam a letra
"r". Esse hábito é "deveuas uinoso e uidículo, deveuas uepugnante e
uepuensível". Ocasionalmente um irmão tem a ventura de possuir um
cativante e delicioso balbucio. Talvez esteja entre os menores males,
quando o próprio pregador é franzino e simpático, mas arruinaria a todo
aquele que visasse à virilidade e ao poder. Mal posso imaginar Elias
gaguejando a Acabe, ou Paulo graciosamente entrecortando as suas
palavras na Colina de Marte.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 158
Pode haver algo peculiarmente patético em olhos fracos e
lacrimejantes, bem como num estilo titubeante; iremos mais longe,
admitindo que, quando essas coisas decorrem de intensa paixão, são
sublimes. Alguns, porém, as possuem de nascimento, e as utilizam com
excessiva liberdade. Para dizer o mínimo, vocês não têm por que imitá-
los. Falem como a natureza educada lhes sugerir, e farão bem; mas que
seja a natureza educada, não a crua, rude e sem cultivo.
Como sabem, Demóstenes trabalhava a duras penas com a sua voz,
e Cícero, fraco por natureza, fez longa viagem à Grécia para corrigir o
seu modo de falar. Tendo nós temas muito mais nobres, não tenhamos
menor ambição pela excelência. "Privem-se de tudo mais", diz Gregório
de Nazianzeno, "mas, deixem-me a eloqüência, e nunca deplorarei as
viagens que fiz para estudá-la." .
Falem sempre de maneira que sejam ouvidos. Conheço um homem
de peso enorme, e que deveria poder ser ouvido a quase um quilômetro,
mas é tão insipidamente indolente que em seu pequeno local de culto
você mal pode ouvi-lo da parte da frente da galeria. Que utilidade tem
um pregador que os homens não conseguem ouvir? A modéstia deveria
levar o homem sem voz a dar seu lugar a outros mais bem dotados para a
obra de proclamar as mensagens do Rei. Alguns falam bastante alto, mas
sem clareza; suas palavras se sobrepõem umas às outras, ou brincam de
pular sela, ou passam rasteira umas nas outras.
Falar de maneira clara e definida é mais importante do que ter
muito fôlego. Dê boa oportunidade a uma palavra; não quebre as costas
dela com a sua veemência, nem lhe arranque as pernas em sua pressa. É
odioso ouvir um grandalhão murmurar e sussurrar quando os seus
pulmões são bastante fortes para possibilitar-lhe falar bem alto. Mas, ao
mesmo tempo, ainda que o pregador sempre grite vigorosamente, não
será bem ouvido se não aprender a lançar para frente as suas palavras
com o devido espaço entre elas.
Falar muito devagar é serviço miserável, e sujeita os ouvintes
mentalmente ágeis à doença chamada "horrores". É impossível ouvir um
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 159
homem que rasteja a um quilômetro por hora. Uma palavra hoje, outra
amanhã, é uma espécie de fogo lento de que somente os mártires
poderiam gostar. Falar depressa demais, com violência e furor que
resultam numa linguagem completamente bombástica, não tem desculpa
alguma. Não tem, nem nunca poderá ter poder, exceto para os idiotas,
pois transforma numa turbamulta o que deveria ser um exército de
palavras, e terá a máxima eficiência em afogar os sentidos em torrentes
de som. Ocasionalmente se ouve um enfurecido orador de fala indistinta,
cuja impetuosidade o precipita a uma tal confusão de sons, que logo a
gente se lembra dos versos de Lucan:
"Sua língua mole um tom murmurante confunde,
dissonante e diverso dos humanos sons;
lembra o latir dos cães ou o uivar dos lobos,
o soturno piar do mocho á meia-noite;
das cobras o silvar, do leão o "rugir,
das ondas o entrechoque, a esbater-se na praia;
o gemido do vento na frondosa mata
e o espocar do trovão na lacerada nuvem.
Todas estas coisas numa só".
É castigo que não dá para agüentar duas vezes, ouvir quem
confunde transpiração com inspiração, e dispara como um cavalo
selvagem como um vespão no ouvido, até perder o fôlego, só fazendo
pausa para encher de novo os pulmões. A repetição desta indecência
várias vezes num sermão não é incomum, mas é muito penosa; pausa
feita a cada passo, para impedir aquele "ufa, ufa" que produz mais
piedade pelo orador ofegante do que simpatia pelo assunto tratado.
Nossos ouvintes nem devem perceber que respiramos. O processo de
respiração deve passar tão despercebido como a circulação do sangue.
Não fica bem deixar que a simples função animal de inspirar e expirar
ocasione algum hiato em nosso discurso.
Não forcem a voz ao máximo na pregação comum. Dois ou três
varões fervorosos aqui presentes andam fazendo-se em pedaços com
seus berros desnecessários; os seus pobres pulmões estão irritados, e suas
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 160
laringes estão inflamadas, por causa dos seus furiosos gritos, que
parecem incapazes de reprimir. Ora, está muito bem atender à exortação:
"Clama em alta voz, não te detenhas", mas o conselho apostólico é: "Não
te faças nenhum mal." Quando as pessoas podem ouvi-lo com a metade
da voz, é bom economizar a força excedente para as ocasiões em que
seja necessária. "Não gastes demais; falta não terás", pode aplicar-se aqui
como em qualquer outra parte. Sejam econômicos com esse enorme
volume de som. Não dêem aos seus ouvintes dor de cabeça, quando o
desejo é dar-lhes dor de coração. A intenção é impedir que durmam nos
bancos, mas, lembrem-se de que não é preciso estourar os tímpanos
deles. "O Senhor não estava no vento." Trovão não é raio. Os homens
não ouvem na proporção do barulho produzido; na verdade, barulho
demais ensurdece a gente, cria repercussões e ecos, e efetivamente
prejudica o poder dos seus sermões. Adaptem suas vozes ao auditório;
quando vinte mil estão diante de vocês, abram os registros e estrondem
com todo o vigor, mas não num recinto em que cabem apenas uma
vintena ou duas.
Sempre que entro num lugar para pregar, inconscientemente calculo
quanto som é necessário para enchê-lo, e depois de uma poucas frases, a
minha tonalidade já está ajustada. Se puderem fazer o homem que está
no outro extremo do templo ouvir, se puderem ver que ele está captando
o seu pensamento, poderão estar seguros de que os que estão mais perto
podem ouvi-los, e não será necessário pôr mais força – talvez seja bom
diminuí-la um pouco. Experimentem e vejam. Por que falar de modo que
seja ouvido na rua, quando lá não há ninguém para ouvir? Seja um
recinto fechado, seja ao ar livre, vejam que os mais distantes ouvintes
possam acompanhá-los, e isto será suficiente.
A propósito, devo observar que os irmãos deveriam, por
misericórdia dos enfermos, atentar sempre com muito cuidado para a
força das suas vozes nos quartos de doentes e nas igrejas em que se sabe
que alguns estão muito fracos. É cruel sentar-se ao pés do leito de um
enfermo e gritar: "O SENHOR É O MEU PASTOR: NADA ME FALTARÁ". Se
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 161
vocês agirem impensadamente assim, o pobre homem dirá logo que
tiverem descido as escadas: "Ai !Ai! Como me dói a cabeça! Alegra-me
que o homem tenha ido embora, Mary; esse salmo é muito precioso e
parece tão tranqüilo, mas ele o leu como raios e trovões, e quase me
deixou surdo!" Lembrem-se vocês, irmãos mais jovens e solteiros, que
suaves sussurros servirão melhor ao desvalido do que o rufar de
tambores e o estampido de trabucos.
Observem cuidadosamente a regra que manda variar a intensidade
da voz. A velha regra era: comece de modo bem suave, vá subindo o tom
gradativamente, e no fim produza as suas notas mais altas. Que esses
regulamentos sejam estourados à boca do canhão; são inoportunos e
enganosos. Falem baixo ou alto, conforme a emoção do momento lhes
sugira, e não observem normas artificiais e fantasiosas. Regras artificiais
são uma abominação total. Como M. de Cormorin satiricamente o
coloca: "Seja apaixonado, troveje, entusiasme-se, chore, até à quinta
palavra da terceira frase do décimo parágrafo da folha dez. Como seria
fácil! Sobretudo, quão espontâneo!"
Imitando um pregador popular, a quem isto era inevitável, certo
ministro se acostumou a falar em tão baixa tonalidade, que ninguém
conseguia ouvi-lo. Todos se inclinavam para diante, temendo que algo
importante se estivesse perdendo no ar, mas o esforço era vão; um santo
sussurro era tudo que podiam discernir. Se o irmão não fosse capaz de
falar, ninguém o teria acusado, mas era a coisa mais absurda fazer o que
fazia quando em curto lapso de tempo provava o poder dos seus pulmões
enchendo o edifício de sonoras frases. Se a primeira parte do seu
discurso não era importante, por que não omiti-la? Se tinha algum valor,
por que não apresentá-la audivelmente?
Efeito, cavalheiros, era o fim que tinha em vista. Ele sabia que
alguém que falava daquele modo tinha produzido efeitos grandiosos, e
esperava rivalizar com ele. Se algum de vocês ousar cometer tal loucura
com o mesmo objetivo detestável, de coração eu preferiria que essa
pessoa nunca tivesse entrado nesta instituição. Digo-lhes com a maior
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 162
seriedade que essa coisa chamada "efeito" é odiosa porque é falsa,
artificial e ardilosa manha, e, portanto, é desprezível. Nunca façam nada
para obter efeito, mas desprezem os estratagemas das mentes estreitas
que andam em busca da aprovação dos peritos em pregação que
constituem uma raça tão odiosa para o verdadeiro ministro como os
gafanhotos para o lavrador oriental. Mas estou fazendo digressão; sejam
claros e definidamente audíveis logo no início.
Os seus exórdios são bons demais para serem cochichados para o
espaço. Apresentem-nos com ousadia e conquistem a atenção desde o
começo com a sua entonação máscula. Não partam do ponto mais alto,
como regra geral, pois não conseguirá mais quando estiver aquecido com
o trabalho; todavia, falem com clareza desde as primeiras palavras.
Abaixem a voz, quando isso for pertinente, reduzindo-a até a um
sussurro, pois as expressões orais suaves, deliberadas e solenes não
somente dão alívio aos ouvidos, mas também são grandemente aptas
para atingir o coração. Não tenham medo de tonalidades baixas, pois, se
lhes imprimirem força, serão tão ouvidas como os gritos. Vocês não
precisam falar em alta voz a fim de serem ouvidos bem.
De William Pitt diz Macaulay: "Sua voz, mesmo quando afundava
até tornar-se um sussurro, era ouvida até nos mais distantes bancos da
Casa dos Comuns". Tem-se dito que não é a arma de fogo mais ruidosa
que atira mais longe a bala; o estampido de um rifle é tudo, menos
barulhento. Não é a altura da sua voz que é eficiente, mas a força que
você lhe dá. Estou certo de que poderia sussurrar e ser ouvido em todos
os cantos do nosso grande Tabernáculo, e, igualmente, estou certo de que
poderia gritar e berrar de um jeito que ninguém poderia compreender-
me. A coisa poderia ser feita aqui, mas talvez seja desnecessário o
exemplo, pois receio que alguns de vocês são capazes de fazer isso com
notável sucesso. As ondas de ar podem chocar-se com os ouvidos em tão
rápida sucessão que nenhuma impressão compreensível causam ao nervo
auditivo. A tinta é necessária para a escrita, mas se você derramar o
tinteiro numa folha de papel, não transmitirá com isso nada que tenha
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 163
algum significado. Assim é com o som. O som é a tinta, mas, requer-se
manejo – não quantidade – para produzir uma escrita inteligível para o
ouvido. Se a sua única ambição for competir com –
"Estentor o forte,
com pulmões de bronze,
sobrepuja, e longe,
o poder enorme de cinqüenta línguas",
então, berre para o Elísio tão rapidamente quanto possível, mas se quiser
ser compreendido e, assim, ser útil, evite a crítica de que é "fraco e
barulhento".
Vocês sabem, irmãos, que os sons estridentes vão longe; o singular
grito usado pelos viajores nas regiões agrestes da Austrália deve o seu
extraordinário poder à sua estridência. Ouve-se de muito mais longe um
sino do que um tambor; e, muito singularmente, quanto mais musical for
um som, maior será o seu raio de alcance. Não é preciso dar murros no
piano, mas extrair o judicioso som, dos melhores registros. Portanto,
vocês se sentirão em liberdade para abrandar o tom muitas vezes quanto
ao volume, e estarão dando grande alívio, tanto aos ouvidos dos ouvintes
como aos seus próprios pulmões. Experimentem todos os métodos, desde
o do malho até o do suave veludo. Irmãos, sejam gentis como o zéfiro e
furiosos como um furacão. Sejam, na verdade, justamente o que toda
pessoa de bom senso é em seu falar quando conversa naturalmente,
intercede veementemente, sussurra confidencial, apela sentidamente, ou
proclama com clareza.
Depois da moderação da força dos pulmões, eu coloria a regra –
modulem os tons da voz. Alterem a tonalidade com freqüência e variem a
intensidade do som constantemente. Dêem oportunidade ao baixo, ao
soprano e ao tenor. Rogo-lhes que façam isso por piedade de si mesmos
e dos que os ouvem. Deus tem pena de nós e arranja as coisas de modo
que satisfaçam ao anseio por variação; tenhamos pena dos nossos
semelhantes, e não os importunemos com o tédio da mesmice. É uma
grande barbaridade infligir aos tímpanos de uma pobre criatura humana a
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 164
angústia de ser como perfurados por broca ou verruma do mesmo som
durante meia hora. Que meio mais rápido de tornar a mente idiota ou
lunática poder-se-ia conceber do que o perpétuo zumbido de uma abelha,
ou o zunido de uma mosca varejeira no órgão da audição? Que desculpa
teríamos pela qual deveríamos ser tolerados em tanta crueldade para com
as desamparadas vítimas que se assentam sob as ministrações do tantã do
nosso tambor?
Muitas vezes a bondosa natureza poupa as infelizes vítimas do
zunido do pleno efeito das nossas torturas, fazendo-as mergulhar num
suave repouso. Contudo, não é isto que vocês querem; então falem com
variações na voz. Quão poucos ministros se lembram de que a
monotonia dá sono. Receio que a denúncia feita por um escritor na
Review Imperial seja literalmente válida quanto a numerosos irmãos
meus.
"Sabemos todos como o ruído de água corrente, ou o murmúrio do
mar, ou os suspiros do vento sul entre os pinheiros, ou os queixumes dos
pombos do mato induzem a um delicioso e sonolento langor. Longe de nós
dizer que a voz de um clérigo moderno se parece, no mínimo grau, com
qualquer desses suaves sons; todavia, o efeito é o mesmo, e poucos podem
resistir às letárgicas influências de uma longa dissertação feita sem a mais
ligeira variação de tom ou alteração da expressão."
De fato, o uso muito excepcional da frase, "um discurso que
desperta", mesmo por aqueles que mais conhecem do assunto, traz
consigo a implicação de que a grande maioria das arengas de púlpito é de
tendência decididamente soporífera. É um grave mal quando o pregador
"Deixa os ouvintes perplexos –
entre os dois, que decidir:
"Vigiai e orai" diz o texto,
e o sermão diz, "a dormir!"
Por mais musical que uma voz possa ser em si mesma, se vocês
continuarem tocando perpetuamente na mesma corda, os seus ouvintes
irão sentir que as suas notas, pela distância que percorrem, vão ficando
mais suaves. Em nome da humanidade, parem de entoar assim e passem
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 165
a falar racionalmente. Se este conselho não conseguir mudá-los, tenho
tanto zelo neste ponto que, se vocês não seguirem o meu conselho por dó
dos seus ouvintes, fá-lo-ão por dó de si próprios, pois, como a Deus em
Sua infinita sabedoria sempre aprouve aplicar uma penalidade a todo
pecado contra as Suas leis naturais, bem como contra as morais, assim o
mal da monotonia é freqüentemente vingado mediante aquela perigosa
doença chamada dysphonia clericorum, ou seja, "disfonia dos clérigos".
Quando certos irmãos nossos são tão amados por seus ouvintes que
não se opõem a pagar uma bela soma para livrar-se deles por alguns
meses, quando uma viagem a Jerusalém é recomendada e providenciada,
a bronquite de diferente ordem é tão extraordinariamente dirigida para o
bem, que o meu presente argumento não perturbará a sua equanimidade.
Mas não é a sorte que nos cabe; bronquite para nós significa miséria de
verdade e, portanto, para evitá-la deveríamos seguir quaisquer sugestões
sensatas. Se vocês quiserem estragar as suas gargantas, poderão fazê-lo
depressa, mas, se quiserem conservá-las, notem bem o que terão agora
diante de si.
Muitas vezes nesta sala comparei a voz com um tambor. Se o
tamborileiro bater sempre no mesmo lugar, a pele se gastará logo e se
abrirá um buraco ali; mas, quanto mais tempo duraria se tivesse variado
os golpes e tivesse usado a superfície inteira da pele de percussão do
tambor! Assim, é com a voz humana. Se usarem sempre o mesmo tom,
acabarão abrindo um buraco na parte da garganta mais exercitada na
produção daquela monotonia, e em pouco tempo estarão sofrendo de
bronquite. Tenho ouvido cirurgiões afirmarem que a bronquite dos
dissidentes difere da que a Igreja da Inglaterra apresenta. Existe uma fala
eclesiástica fanhosa muito admirada na igreja oficial, uma espécie de
grandeza de campanário na garganta, um linguajar declamatório e um
retumbar de palavras aristocrático, teológico, clerical, supranatural, sub-
humano.
Pode-se ilustrar com os seguintes espécimes: "A lei nos serviu de
aio", descrevendo comparativamente o pregador as virtudes do alho
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 166
aplicadas à lei. Notável, senão impressionante, compreensão e aplicação
de um texto da Escritura! Quem não conhece aquela santa maneira de
pronunciar – "Caríssimamente amados irmãos, a Escritura nos comove
em diversos lugares"? Repica em meus ouvidos como o Big Ben – a par
com juvenis lembranças de monótonos repiques de "O príncipe Albert,
Albert, príncipe de Gales, e toda a família Real. ... Amém". Ora, se o
homem que fala com tanta falta de naturalidade não pegar bronquite ou
alguma outra doença, só posso dizer que as doenças de garganta devem
ser soberanamente distribuídas. Nas manias de linguagem dos não-
conformistas já dei um golpe, e acredito que é por causa delas que
laringe e pulmões se debilitam, e os homens sucumbem, reduzindo-se ao
silêncio e indo parar no túmulo.
Irmãos, se vocês quiserem saber no que me baseio para apoiar a
ameaça que lhes fiz, passo-lhes a opinião do Sr. Macready, o eminente
autor trágico, que merece ser ouvido respeitosamente porquanto olha a
questão de um ponto de vista não parcial, mas experimental.
"Garganta distensa em geral não resulta tanto de exercitar o órgão
como da qualidade do exercício; isto é, não é tanto por falar muito tempo ou
por falar alto, como por falar com voz simulada. Receio não ser
compreendido nesta afirmação, mas suponho que não há uma pessoa em
dez mil que, ao dirigir-se a um grupo de ouvintes, empregue a sua voz
natural; e este hábito é mais especialmente observável no púlpito. Creio que
a distensão da garganta é causada por violentos esforços feitos naqueles
tons artificiais, e que a irritação grave, e muitas vezes a ulceração, é a
conseqüência.
"O trabalho requerido pelos deveres de uma igreja num dia inteiro não
é nada, no que diz respeito ao trabalho propriamente dito, comparado com a
realização artística de um dos principais personagens de Shakespeare, e
suponho que também nada é, comparado com qualquer das grandes
exibições feitas pelos nossos principais estadistas nas Casas do
Parlamento. E me sinto seguro de que o desarranjo que chamam de "mal de
garganta de pregador" geralmente se pode atribuir ao modo de falar, e não à
extensão do tempo ou à violência do esforço que se empregue. Vi vários
veteranos contemporâneos de palco ficarem sofrendo da garganta, mas não
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 167
creio que se pudesse considerar essa doença como predominante entre os
elementos eminentes dessa arte."
Os atores e os jurisconsultos têm muita ocasião para forçar as suas
energias vocais. Contudo, não existe uma coisa chamada mal de garganta
de tribunal, ou bronquite de ator trágico; simplesmente porque esses
homens não se atrevem a servir o público da maneira tão desmazelada
como alguns pregadores servem a seu Deus. O excelentíssimo senhor
doutor Samuel Fenwick, num tratado popular sobre "Doenças da
Garganta e dos Pulmões", diz com a maior sabedoria:
"Do que se afirmou a respeito da fisiologia das cordas vocais, ficará
evidente que falar continuadamente no mesmo tom é muito mais fatigante do
que se fazerem freqüentes alterações na intensidade da voz, porque, no
primeiro caso, força-se um só músculo ou um só conjunto de músculos, ao
passo que no segundo, diferentes músculos são postos em ação, e assim
dão-se descanso uns aos outros. Do mesmo modo, levantar o braço em
ângulo reto em relação ao corpo cansa-nos em cinco ou dez minutos,
porque somente um conjunto de músculos tem que agüentar o peso; mas
estes mesmos músculos podem trabalhar o dia inteiro se a sua ação for
alternada com a de outros. Portanto, sempre que ouvimos um clérigo
zunindo durante o culto, e do mesmo jeito e no mesmo tom lendo, orando e
exortando, podemos estar perfeitamente certos de que ele está dando às
suas cordas vocais dez vezes mais trabalho do que o absolutamente
necessário."
Talvez seja este o ponto próprio para reiterar uma opinião que
várias vezes expressei neste recinto, que o autor que citei me faz
lembrar. Se os ministros falassem com maior freqüência, as suas
gargantas e os seus pulmões estariam menos sujeitos à doença. Disto
estou bem seguro; é questão de experiência pessoal e de ampla
observação, e minha confiança é que não estou enganado. Cavalheiros,
pregar duas vezes por semana é muito perigoso, mas descobri que cinco
ou seis vezes é saudável, e que até doze ou quatorze vezes não é
excessivo. Um verdureiro veria que anunciar aos gritos couve-flor e
batatas um dia por semana seria esforço mais laborioso, mas quando em
seis dias sucessivos enche as ruas, avenidas e becos com o seu sonoro
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 168
estrépito, não achará nenhuma dysphonia pomariorum (disfonia dos
fruteiros) ou "mal de garganta de verdureiro" afastando-o dos seus
modestos trabalhos. Agradou-me ver a minha opinião – de que pregar
poucas vezes é a raiz de muitos males, declarada explicitamente assim
pelo Dr. Fenwick.
"Todas as indicações que aqui registrei serão ineficazes, creio eu, sem
a sistemática e diária prática da voz. Nada parece ter tanta tendência para
produzir esta doença como falar prolongadamente, alternando-se isto com
longos intervalos de repouso, coisa à qual os clérigos estão particularmente
sujeitos. Qualquer pessoa que der um momento de consideração ao assunto
entenderá prontamente isto. Se um homem ou qualquer outro animal for
destinado a qualquer esforço muscular incomum,e treinado nisso
regularmente todos os dias, tornará fácil o trabalho que de outra forma seria
quase impossível realizar. Mas a maioria dos que exercem a carreira
eclesiástica se submete a grande intensidade de esforço muscular falando
apenas um dia por semana, ao passo que nos restantes seis dias raramente
eles elevam a voz acima do diapasão normal. Se um ferreiro ou um
carpinteiro passasse desse modo pela fadiga ligada ao exercício da sua
ocupação profissional, não só ficaria despreparado para ela, mas também
perderia a aptidão que tivesse adquirido. O exemplo dos mais célebres
oradores que o mundo já viu prova as vantagens da regular e constante
prática da alocução; e em razão disto recomendo com a máxima ênfase a
todas as pessoas sujeitas a esta questão que leiam em voz alta uma ou
duas vezes por dia, empregando o mesmo grau de voz que emprega no
púlpito, e dando especial atenção à postura do peito e da garganta, e à clara
e adequada articulação das palavras."
O Sr. Beecher é da mesma opinião, pois observa:
"Os jornaleiros mostram aquilo que o pregão ao ar livre faz com os
pulmões do pregador. Que faria o orador de fala apagada e fraca, que mal
consegue alcançar duzentos ouvintes com a sua voz, se tivesse que gritar
anunciando a venda de jornais? Os jornaleiros de Nova York ficam de pé no
início de uma rua, e mandam as suas vozes rua abaixo, por toda a extensão
dela, como um atleta faria rolar uma bola por uma pista. Aconselhamos os
homens que se estão preparando para profissões que exigem oratória a que
se dediquem por algum tempo ao trabalho de vendedor ambulante. Os
novos ministros poderiam compartilhar do serviço dos camelôs durante
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 169
algum tempo, até que soubessem abrir a boca e tivessem á laringe vigorosa
e resistente".
Cavalheiros, uma regra necessária é – adaptem sempre a sua voz ao
seu assunto. Não mostrem júbilo quando o assunto é melancólico e, por
outro lado, não se arrastem pesadamente quando os tons deveriam
saltitar ágeis e alegres, como se estivessem dançando ao som das
melodias dos anjos do céu. Não me alongarei sobre esta regra, mas
fiquem certos de que é da maior importância e, se for seguida
obedientemente, sempre assegurará atenção, desde que a sua exposição a
mereça. Adaptem sempre a voz ao assunto e, acima de tudo, sejam
naturais em todas as coisas. Fora para sempre com a servidão a regras e
modelos. Não imitem as vozes de outrem, mas se por uma invencível
propensão as reproduzem, então imitem as melhores qualidades de cada
orador, e o mal estará diminuído. Eu mesmo, por uma espécie de
influência irresistível, sinto-me arrastado a ser um imitador, de sorte que
uma viagem pela Escócia ou Gales afetará substancialmente a minha
pronúncia e a minha entonação por uma semana ou duas. Lutar contra
isso eu luto, mas aí está, e o único remédio que conheço para curá-lo é
deixar que o defeito morra de morte natural.
Cavalheiros, volto à minha regra – usem as suas vozes naturais.
Não sejam macacos, mas homens; não papagaios, mas homens capazes
de originalidade em todas as coisas. Diz-se que a maneira mais
conveniente de um homem usar a barba é aquela em que a barba cresce
ajustando-se ao rosto, na cor e na forma. Os seus próprios modos de falar
deverão estar ao máximo em harmonia com os seus métodos de
pensamento e com a sua personalidade. A mímica é para o teatro; o
homem ilustrado em sua personalidade santificada é para o santuário. Eu
repetiria até ao cansaço esta regra, se pensasse que vocês poderiam
esquecê-la; sejam naturais, sejam naturais, sejam perpetuamente
naturais. Uma simulação da voz ou uma imitação da maneira do Dr.
Silvertongue (Língua de Prata), o eminente teólogo, ou mesmo de um
estimadíssimo preceptor ou diretor, inevitavelmente os arruinará. Dou-
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 170
lhes a incumbência de lançar fora o servilismo da imitação e de elevar-se
à originalidade viril.
Diletos irmãos, somos obrigados a acrescentar – esforcem-se para
educar a voz. Não lamentem as penas e os trabalhos requeridos para
realizar isso, pois, como já se observou bem, "Por mais prodigiosos que
sejam os dons da natureza a seus eleitos, só podem ser desenvolvidos e
levados à sua extrema perfeição pelo trabalho e pelo estudo". Pensem em
Miguel Ângelo trabalhando uma semana sem trocar de roupa, e em
Handel deixando côncava como uma colher cada tecla do seu cravo pela
prática incessante. Cavalheiros, depois disso, nunca falem de dificuldade
ou cansaço. É quase impossível ver a utilidade do método de falar de
Demóstenes, com pedras na boca, mas qualquer um pode perceber como
é útil argumentar com as ruidosas e encapeladas ondas, para que fosse
capaz de fazer-se ouvir nas tumultuadas assembléias dos seus patrícios; e
por que falava enquanto subia correndo morro acima para que os seus
pulmões acumulassem força, graças ao seu uso laborioso, a razão é tão
óbvia como recomendável é a abnegação.
Cabe-nos usar todos os meios possíveis para aperfeiçoar a voz, com
a qual havemos de expor o glorioso evangelho do Deus bendito. Tenham
grande cuidado com as consoantes, enunciando com clareza cada uma
delas; são as feições e as expressões das palavras. Pratiquem
infatigavelmente, até darem a cada uma das consoantes o que lhe é
devido; as vogais têm a voz que lhes é própria, e portanto podem falar
por si mesmas. Em todas as outras questões exerçam uma disciplina
rígida até dominarem a sua voz e tê-la à mão como um corcel bem
treinado. Os cavalheiros de peito estreito são aconselhados a exercitar-se
com halteres todas as manhãs, ou melhor ainda, com aqueles peitorais
que esta escola providenciou para vocês.
Irmãos, vocês precisam ter ampla caixa torácica e devem fazer o
melhor que puderem para consegui-la. Não falem com as mãos metidas
nos bolsos do colete, contraindo deste modo os pulmões, mas lancem
para trás os ombros, como fazem os cantores públicos. Não se inclinem
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 171
sobre uma escrivaninha enquanto falam e nunca abaixem a cabeça sobre
o peito enquanto pregam. Para cima, e não para baixo, façam curvar-se o
corpo. Fora com todas as gravatas apertadas e com coletes fechados até
em cima; dêem lugar ao pleno desempenho dos foles e tubos sonoros.
Observem as estátuas dos oradores gregos e romanos, olhem um quadro
de Paulo feito por Rafael, e, sem artificialismo pedante, adotem com
naturalidade as atitudes elegantes e convenientes ali retratadas, pois são
as melhores para a voz.
Peçam a um amigo que lhe diga quais são as suas falhas, ou melhor
ainda, acolham bem um inimigo que os vigie com rigor e os aguilhoe
com selvageria. Que bênção será para o sábio um crítico irritante assim,
mas quão intolerável para o tolo! Corrijam-se a si mesmos, com
diligência e com freqüência, ou cairão inadvertidamente em erros, os
tons falsos se desenvolverão, ou hábitos desordenados se formarão
insensivelmente; portanto, façam autocríticas com incessante vigilância.
Não considerem pouco aquilo pelo que vocês possam vir a ser um pouco
mais útil. Mas, cavalheiros, jamais degenerem nesta atividade,
transformando-se em janotas do púlpito, que pensam que a gesticulação
e a voz são tudo. Meu coração padece quando ouço falar de homens que
tomam a semana toda para fazer um sermão, sendo que o preparo todo
consiste em repetir as suas preciosas produções diante do espelho!
Ai desta era, se corações destituídos da graça hão de ser perdoados
por amor à graça das suas maneiras. Oxalá nos dêem todas as
vulgaridades do mais rude pregador itinerante dos rincões mais
afastados, antes que a perfumada lindeza do donaire efeminado. Como
eu não os aconselharia a serem fastidiosos com suas vozes, tampouco os
recomendaria que imitassem o Sr. Taplash (amigo de Rowland Hill) com
o seu anel de diamante, seu lenço repassado de fino perfume, e seu
monóculo. Os elementos refinados estão deslocados no púlpito;
deveriam ser colocados numa vitrina, com uma etiqueta: "Este artigo
elegante completo, com o Dr. Fulano incluído, 10 libras e 10 xelins".
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 172
Talvez seja este o momento para observar que seria bom se todos os
pais dessem mais atenção aos dentes dos seus filhos, desde que dentes
defeituosos podem causar sério prejuízo a um orador. Há homens de
articulação defeituosa que deveriam procurar logo um dentista (refiro-
me, é claro, a um dentista cientificamente perito e experimentado), pois
alguns dentes postigos ou algum outro acerto simples seriam uma bênção
permanente para eles. O meu dentista anota mui sensatamente em sua
circular:
"Quando se perdem alguns ou todos os dentes, segue-se uma
contração dos músculos do rosto e da garganta, os outros órgãos da voz
que estavam habituados aos dentes ficam prejudicados e são deslocados da
sua função normal, produzindo uma falha, um entorpecimento ou uma
depressão, como num instrumento musical deficiente numa nota. Em vão se
esperará sinfonia perfeita e inflexão proporcional e harmoniosa com a nota,
a tonalidade e o volume da voz, se os órgãos forem deficientes e,
naturalmente, a articulação ficará defeituosa. Esse defeito aumenta muito o
esforço para falar, para dizer o mínimo, e em muitíssimos casos, o resultado
é gaguejo, ou uma queda rápida ou brusca da fluência, ou uma transmissão
fraca. De deficiências mais sérias, quase certamente resultarão chiados e
estalos".
Quando o mal for este e a cura estiver ao nosso alcance, temos a
obrigação de utilizar-nos dela, por amor do nosso trabalho. Os dentes
podem parecer coisa sem importância, mas convém lembrar que nada é
pequeno numa Vocação tão grande como a nossa. Nas observações
subseqüentes mencionarei questões menores ainda, mas o faço com a
profunda impressão de que sugestões sobre coisas insignificantes podem
ser de valor incalculável para livrar-lhes de graves omissões ou erros
grosseiros.
Finalmente, com relação às suas gargantas, eu gostaria de dizer –
cuidem delas. Tenham o cuidado de limpá-las bem quando estiverem
perto da hora de falar, mas não fiquem a limpá-las constantemente
enquanto estiverem pregando. Um irmão muito estimado, meu
conhecido, fala sempre deste jeito – "Prezados amigos – hem, hem – é
um assunto – hem – muito importante o que agora – hem, hem – lhes
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 173
apresento, e – hem, hem – lhes peço que me dêem – hem, hem – a sua
mais cuidadosa – hem atenção". Evitem isto com o máximo empenho.
Outros, por falta de limpeza da garganta, falam como se estivessem
entupidos e a ponto de expectorar; seria melhor que o fizessem de uma
vez, em lugar de deixar enjoado o ouvinte com repetidos sons
desagradáveis. Fungar e aspirar pelo nariz são desculpáveis quando o
pregador está resfriado, mas são extremamente desagradáveis, no entanto
se se tornam habituais, deveriam ser indiciados como infrações contra o
"decreto dos aborrecimentos". Rogo escusas, pois pode parecer vulgar
mencionar essas coisas, mas se derem atenção às claras e francas
observações feitas nesta sala de aulas poderão livrar-se de muitos
motejos feitos ás suas custas mais tarde.
Depois de terem pregado, cuidem das suas gargantas, não as
envolvendo com agasalhos exagerados. Com base em experiência
pessoal, aventuro-me a dar-lhes este conselho de maneira um tanto
confidencial. Se alguns de vocês possuem cachecóis de lã deliciosamente
quentes, com os quais talvez estejam associadas as mais ternas
recordações da mãe ou da irmã, estimem-nos – mas entesourem-nos no
fundo do baú; não os exponham a nenhum uso vulgar envolvendo com
eles os seus pescoços. Se algum colega quiser morrer de gripe, basta usar
uma cálida manta estreita ao redor do pescoço; depois, numa noite
qualquer a esquecerá e pegará um resfriado daqueles, que durará pelo
resto da sua vida. Raramente se vê um marinheiro com o pescoço
agasalhado. Não. Ele sempre o mantém nu e exposto, com colarinho
aberto e baixo, e se chega a usar gravata, é das pequenas e de laço solto,
de modo que o vento possa soprar em torno do seu pescoço. Sou firme
seguidor desta filosofia, e nunca me desviei dela nestes últimos quatorze
anos, tendo sofrido resfriado muitas vezes antes disso, e raramente
depois. Se acham que lhes falta algo, deixem crescer a barba, ora! Hábito
muito natural, bíblico, másculo e benéfico. Um dos nossos irmãos, aqui
presente, já faz anos que acha isso muito útil. Foi compelido a sair da
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 174
Inglaterra por perder a voz, mas ficou forte como Sansão, agora que as
suas melenas ficam sem tosquiar.
Se suas gargantas ficarem afetadas, consultem um médico, ou, se
não puderem fazer isso, dêem a atenção que lhes aprouver à seguinte
idéia: Jamais comprem nenhum dos dez mil emolientes compostos –
xaropes, pastilhas, descongestionantes – que a propaganda popular exalta.
Podem servir-lhes por uma vez, removendo o incômodo do momento,
mas arruínam a garganta com as suas qualidades relaxantes. Se quiserem
melhorar as suas gargantas, tomem uma boa porção de pimenta – da boa
pimenta de Caiena, e outras substâncias adstringentes, na quantidade que
o seu estômago puder agüentar. Não vão além dessa medida, porque
precisam lembrar-se de que devem cuidar do estômago, bem como da
garganta, e se o aparelho digestivo sofrer desarranjo, nada poderá
funcionar bem. O bom senso ensina que os adstringentes só podem ser
úteis.
Alguma vez vocês ouviram falar que o curtidor transforma pele
crua em bom couro deixando-a embebida em açúcar? Tampouco servirão
ao propósito dele o bálsamo-de-tolu, a ipecacuanha e o melado, mas
justamente o contrário; se ele quer enrijecer e fortalece a pele, coloca-a
numa solução de casca de carvalho ou tanino, ou de alguma substância
adstringente capaz de fazer contrair-se o material e de fortalecê-lo.
Quando comecei a pregar no Exeter Hall, a minha voz era fraca
para aquele local – tão fraca como as vozes em seu curso normal, e
muitas vezes me faltava completamente quando pregava na rua. Mas no
Exeter Hall (lugar geralmente difícil para ser usado para pregação, por
sua excessiva largura, desproporcional ao seu comprimento), eu sempre
tinha bem perto de mim um vidrinho de vinagre com pimenta e água.
Um gole daquilo parecia dar novas forças à garganta, sempre que esta ia
ficando cansada e a voz parecia sucumbir. Quando a minha garganta se
enfraquece um pouco, normalmente peço ao cozinheiro que me prepare
uma tigela de caldo de carne, com tanta pimenta quanta se pode
agüentar, e até aqui isso tem sido um soberbo remédio.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 175
Todavia, como não estou qualificado para a prática da medicina,
vocês não me darão mais atenção nas questões médicas do que a
qualquer outro charlatão. Minha convicção é que metade das
dificuldades relacionadas com a voz nos nossos primeiros tempos
desaparecerá com o passar dos anos e, com a prática, desenvolverá uma
segunda natureza.
Quero encorajar os que de fato são zelosos, a perseverarem. Se
sentem a Palavra do Senhor arder como fogo nos seus ossos, até a
gagueira poderá ser vencida, e o medo, com os seus resultados
paralisantes, poderá ser banido. Coragem, jovens irmãos! Perseverem, e
Deus, a natureza e a prática os ajudarão.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 176
ATENÇÃO
*
Península asiática, outrora parte da Sibéria. Nota do Tradutor.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 183
sábio andar num passo em que os seus ouvintes podem acompanhá-lo,
em vez de dar-se ares de importância e ir por cima das cabeças deles. O
nosso Senhor e Mestre foi o Rei dos pregadores e, contudo, nunca esteve
acima da compreensão de ninguém, salvo naquilo que se refere à
grandiosidade e glória do Seu assunto. Suas palavras e declarações eram
tais que Ele falava como "o santo menino Jesus". Cogitem os seus
corações boa matéria, arrumada com clareza e simplicidade, e é mais que
certo que vocês ganharão o ouvido, como também o coração.
Atentem também para o modo de apresentar a mensagem; visem
com ela a incentivar a atenção dos ouvintes. E aqui devo dizer – como
regra geral, não leiam os seus sermões. Tem havido uns poucos leitores
de sermões que exercem grande poder, como, por exemplo, o Dr.
Chalmers, que não poderia ter tido audiência mais atenta se falasse
improvisadamente. Mas o caso é que não suponho que somos iguais ao
Dr. Chalmers. Homens eminentes assim podem ler, se o preferirem, mas
para nós "há um caminho ainda mais excelente". A melhor leitura que já
ouvi tinha gosto de papel, e ficou entalada na minha garganta. Não me
agradou, porque minha digestão não é tão boa que possa dissolver folhas
de papel. É melhor dispensar o manuscrito, mesmo que vocês sejam
obrigados a recitar. Melhor ainda se vocês não precisarem nem de recitar
nem de ler. Se tiverem que ler, tratem de fazê-lo com perfeição. Sejam
dos melhores leitores, e terão que o ser, se quiserem garantir atenção.
Deixem-me dizer aqui – se quiserem ser ouvidos, não exagerem na
alocução improvisada, pois isso é tão ruim como a leitura, e talvez pior,
a menos que o manuscrito tenha sido redigido improvisadamente, quero
dizer, sem estudo prévio. Não vá para o púlpito para dizer a primeira
coisa que venha à mão, pois na maioria dos homens a coisa impensada é
mera espuma. Os seus ouvintes precisam de discursos preparados com
muita oração e muito trabalho. O povo não quer alimento cru; deverá
recebê-lo cozido e pronto para ser servido. Devemos dar do íntimo das
nossas almas, com as palavras que surgirem naturalmente, o assunto
preparado tão completamente tal qual o pudesse fazer o escritor de
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 184
sermões; de fato, deve ser mais bem preparado ainda, se é que queremos
falar bem. O melhor método é, em meu juízo, aquele em que o homem
não apresenta improvisadamente a matéria, mas, as suas palavras são
improvisadas. A linguagem lhe vem de improviso, mas o tema foi objeto
de muito pensamento, e, como mestre em Israel, fala do que sabe, e
testifica do que viu.
A fim de conseguirem a atenção, ajam de maneira tão agradável
quanto possível. Por exemplo, não cedam ao uso do mesmo tom de voz.
Variem continuamente a voz. Variem também a velocidade no falar –
lancem-se rápidos como o fulgor do relâmpago, e, daí a pouco,
prossigam com serena majestade. Mudem a tônica, alterem a ênfase e
evitem o falar cantante. Variem a tonalidade; usem às vezes o baixo,
deixando os trovões rolarem nele; outras vezes falem como deveriam
fazê-lo geralmente – com os lábios, e dêem tom coloquial à pregação.
Faça tudo para haver mudança. A natureza humana tem fome de
variações, e Deus no-las provê na natureza, na providência e na graça;
tenhamo-las nos sermões também. Contudo, não me delongarei muito
nisto, pois os pregadores têm fama de despertar e manter a atenção
somente com o assunto que apresentam, sendo muito imperfeito o seu
modo de falar.
Se Richard Sibbes, o puritano, estivesse aqui esta tarde, garanto que
a atenção estaria firmemente posta em qualquer coisa que dissesse, e,
entretanto, ele gaguejava horrivelmente. Um dos seus contemporâneos
diz que ele gaguejava e sibilava demais. Não é necessário muita procura
de exemplos em nossos púlpitos modernos, pois há muitos deles.
Devemos lembrar, porém, que Moisés era pesado de boca e de língua, e,
apesar disso, todos os ouvidos ficavam atentos às suas palavras. Paulo
provavelmente labutou com a mesma fraqueza, pois diziam que o seu
falar era desprezível; todavia, não temos certeza disso, porque era só
crítica dos seus inimigos. O poder de Paulo era grande nas igrejas, mas
nem sempre era capaz de manter a atenção quando o seu sermão era
comprido, pois pelo menos um ouvinte dormiu enquanto ele pregava, e
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 185
com séria conseqüência. O modo de falar não é tudo. Entretanto, se
tiverem ajuntado bom material, será uma lástima transmiti-lo mal.
Um rei não andaria numa carruagem empoeirada; as gloriosas
doutrinas da graça não devem ser anunciadas com desalinho. As retas e
reais verdades devem viajar num carro de ouro. Apresentem os mais
nobres dos seus brancos corcéis, e façam que a música soe
melodiosamente das trombetas de prata, enquanto a verdade percorre as
ruas. Se as pessoas não prestarem atenção, não lhes demos motivo para
acharem desculpa em nossa comunicação defeituosa. Contudo, se não
conseguirmos corrigir-nos neste aspecto, sejamos diligentes ao máximo
para compensar isso com a riqueza do nosso assunto, e em todas as
ocasiões façamos o melhor que pudermos.
Como regra geral, não façam introdução muito longa. É sempre
uma pena construir um grande pórtico para uma casa pequena. Uma
excelente senhora cristã ouviu uma vez a John Howe, e, como ele gastou
cerca de uma hora no prefácio, a observação dela foi que o bom e
querido servo de Deus demorou tanto tempo pondo a mesa, que ela
perdeu o apetite; não podia esperar que houvesse algum jantar depois de
tudo. Arrume a mesa depressa, sem fazer barulho com os pratos e
talheres.
Talvez vocês tenham visto certa edição da obra, Rise and Progress
of Religion in the Soul (Surgimento e Progresso da Religião na Alma), da
autoria de Doddridge, com um ensaio introdutório de John Foster. O
ensaio é maior e melhor do que o livro, e priva Doddridge da
oportunidade de ser lido. Não é um absurdo? Evitem este erro em suas
produções pessoais. Eu prefiro fazer a introdução do meu sermão bem à
maneira do pregoeiro público, que toca a sua sineta e grita: "Ó, sim! Ó,
sim! Isto é para dar notícia", apenas para fazer o público saber que ele
tem notícias para dar-lhe e quer ser ouvido. Para conseguir isso, a
introdução deve conter algo extraordinário. É bom disparar uma
estrondosa carga com canhoneio como alerta para a ação. Não comecem
com todo o impulso e tensão da mente, mas, não obstante, façam-no de
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 186
modo que todos sejam levados a esperar bons momentos. Não façam do
seu exórdio uma pomposa introdução de coisa nenhuma, mas, façam
dele um passo para algo ainda melhor. Sejam vívidos já bem no início.
Irmãos, na prédica não se repitam a si próprios. Eu costumava
ouvir um pregador que tinha o hábito de, depois de ter pronunciado cerca
de uma dúzia de frases, dizer: "Como já observei", ou, "Repito o que
antes fiz notar". Bem, alma bondosa, como não havia nada de especial
no que ele tinha dito, a repetição só servia para revelar com maior
clareza a nudez da terra. Se foi muito bom, e vocês o disseram com
ênfase, por que retornar àquilo? Se foi algo fraco, por que exibi-lo
segunda vez? Ocasionalmente, é claro, a repetição de umas poucas frases
pode ser muito expressiva; qualquer coisa povo ser boa ocasionalmente,
e, contudo, pode ser péssima como hábito. Quem se espanta porque o
povo não o ouve da primeira vez, quando sabe que tudo tornará a vir?
Ademais, não repitam a mesma idéia vez após vez, empregando
outras palavras. Façam surgir algo novo em cada frase. Não fiquem a
vida toda martelando o mesmo prego; a Bíblia é grande; permitam que o
povo desfrute o comprimento e a largura da Palavra de Deus. E, irmãos,
não pensem que é necessário ou importante dar, toda vez que pregam,
um sumário completo de teologia, ou uma compilação formal de
doutrinas, à moda do Dr. Gill – não que eu queira desacreditar o Dr. Gill
ou falar uma palavra contra ele – seu método é admirável para um corpo
de teologia, ou para um comentário, mas não se presta bem para a
pregação. Conheço um teólogo cujos sermões, sempre que impressos,
parecem compêndios teológicos, mais próprios para uma sala de aulas do
que para o púlpito. Soam insípidos nos ouvidos do público.
Os nossos ouvintes não querem os puros ossos da definição técnica,
mas carne e sabor. As definições e diferenciações são boa coisa, mas,
quando constituem o artigo principal do sermão, lembram-nos o jovem
cujo discurso se compunha de várias distinções importantes. Sobre essa
apresentação um velho oficial observou que havia uma distinção que o
pregador omitira, a saber, a distinção entre carne e ossos. Se os
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 187
pregadores não fizerem esta distinção, todas as suas outras distinções não
lhes trarão muita distinção.
Para manter a atenção, evitem alongar-se muito. Um velho pregador
costumava dizer a um jovem que pregava uma hora: "Meu caro amigo,
não me importa acerca do que você pregue, mas gostaria que sempre
pregasse cerca de quarenta minutos". Raramente devemos ir muito além
disso – quarenta minutos, ou, digamos, três quartos de hora. Se um
sujeito não puder dizer tudo que tem para dizer nesse tempo, quando o
dirá? Mas houve alguém que disse que gostava de "fazer justiça ao seu
tema". Muito bem, mas, não deveria fazer justiça aos seus ouvintes, ou,
pelo menos, ter um pouco de misericórdia deles, e não os reter
demasiado tempo? O tema não se queixará de vocês, mas o povo sim.
Em alguns lugares da zona rural, principalmente à tarde, os sitiantes
têm que ordenhar as vacas, e um deles queixou-se amargamente comigo
de um jovem – creio que desta escola – "Sr. Spurgeon, ele devia ter
terminado às quatro horas, mas continuou por mais meia hora, e lá
estavam todas as minhas vacas esperando pela ordenha! Como se
sentiria ele se fosse uma vaca?" Havia muito sentido nessa interrogação.
A Sociedade Protetora de Animais devia ter processado aquele jovem
declamador. Como podem os criadores de gado ouvir com proveito
quando suas cabeças estão cheias de vacas?
A mãe acha moralmente certo, durante os dez minutos extras do
sermão, que a criança esteja chorando, ou que o fogo se apague, e ela
nem pode pôr, e nem põe mesmo, o coração nas suas ministrações.
Vocês a estão retendo dez minutos além do trato que ela aceitara, e vê
isso como uma injustiça da parte de vocês. Existe uma espécie de pacto
moral entre vocês e a congregação, de que não haverão de cansá-la por
mais de uma hora e meia, e se a retiverem por mais tempo, isto
equivalerá a uma infração de um tratado e a um ato de desonestidade
prática da qual não deveriam fazer-se culpados.
A brevidade é uma virtude que está ao alcance de todos nós; não
percamos a oportunidade de ganhar o crédito que ela traz. Se me
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 188
perguntarem como fazer para encurtar os sermões, dir-lhes-ei, estudem-
nos melhor. Passem mais tempo no gabinete, para que necessitem menos
tempo no púlpito. Geralmente nos alongamos mais quando temos menos
a dizer. O homem com muito material bem preparado provavelmente não
excederá quarenta minutos; quando tem menos que dizer, irá aos
cinqüenta minutos, e quando não tem absolutamente nada, precisará de
uma hora para dizê-lo. Dêem atenção a estas pequeninas coisas, e elas os
ajudarão a reter a atenção dos ouvintes.
Irmãos, se vocês quiserem ter a atenção dos seus ouvintes – tê-la
completa e constantemente, isto só se pode realizar se eles forem
conduzidos pelo Espírito de Deus a um elevado e devoto estado mental.
Se os seus ouvintes forem suscetíveis de ensino, gente de oração, ativos,
fervorosos, devotas, virão à casa de Deus com o propósito de receber
uma bênção. Tomarão os seus lugares com atitude piedosa, pedindo a
Deus que lhes falem por intermédio de vocês; ficarão atentos a cada
palavra, e não se cansarão. Terão apetite pelo evangelho, pois conhecem
o dulçor do maná celestial, e estarão ávidos por recolher as porções que
lhes cabem. Ninguém jamais terá uma igreja á qual pregar que supere a
minha neste aspecto. Na verdade, os melhores ouvintes, para o pregador,
são geralmente aqueles com quem ele está mais familiarizado. É-me
relativamente fácil pregar no Tabernáculo; o meu povo vem com o
propósito de ouvir alguma coisa, e a sua expectativa ajuda o seu
cumprimento. Se fosse ouvir outro pregador com a mesma expectação,
creio que em geral ficaria satisfeito, conquanto haja exceções.
Quando o pregador está iniciando o seu pastorado; não pode esperar
que os seus ouvintes lhe dêem aquela fervente atenção obtida por aqueles
que são como pais entre os próprios filhos, amado pelo seu povo por mil
lembranças, e estimado por sua idade e experiência. A nossa vida, na
integra, deve ser tal que acrescente peso às nossas palavras, de sorte que
nos anos da maturidade sejamos capazes de brandir a invencível
eloqüência de um caráter mantido através de muito tempo, e possamos
obter, não somente a atenção, mas também a afetuosa veneração do
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 189
nosso rebanho. Se com as nossas orações, lágrimas e labutas o nosso
povo se tornar espiritualmente sadio, não precisaremos ter medo de
perder a sua atenção. Um povo com fome de justiça, e um ministro
ansioso por alimentar as suas almas, agirão na mais suave harmonia
entre si, quando o vínculo comum a ambos for a Palavra de Deus.
Se vocês tiverem necessidade de outra orientação para obter a
atenção, devo dizer-lhes, estejam vocês mesmos interessados, e
interessarão outros. Há mais nessas palavras do que parece, e, portanto,
seguirei aqui um costume que condenei agora há pouco, repetindo a frase
– estejam vocês mesmos interessados, e interessarão outras pessoas. O
assunto que vão apresentar deve pesar tanto sobre suas mentes, que
vocês dedicarão todas as suas faculdades, no que elas têm de melhor, à
entrega de suas almas quanto ao referido tema; então, quando os seus
ouvintes virem que o tópico os absorveu, aos poucos se absorverão
também.
Vocês se admiram se o povo não presta atenção a um homem que
acha que não tem algo importante para dizer? Espantam-se porque o
povo não é todo ouvidos quando o pregador não fala de todo o coração?
Maravilham-se de que os pensamentos dos ouvintes vagueiem por entre
assuntos reais para eles quando vêem que o pregador está perdendo
tempo com matérias de que trata como se fossem ficção? Romaine
costumava dizer que era bom entender a arte de pregar, mas
infinitamente melhor conhecer o coração da pregação; e nesta afirmativa
não há pouco peso. O coração da prédica, o lançamento da alma nela, o
fervor que clama como pela própria vida, é metade da batalha pela
conquista da atenção.
Ao mesmo tempo, vocês não poderão manter a mente dos homens
em total atenção só com o fervor, se não tiverem nada para dizer. As
pessoas não ficarão às suas portas para sempre a ouvir um sujeito tocar
bumbo; sairão para fora a fim de ver o que está acontecendo, mas
quando virem que é muita bulha por nada, baterão a porta e entrarão em
casa de novo, como que dizendo: "Você nos logrou, e não gostamos".
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 190
Tenham alguma coisa para dizer, digam-na com fervor, e a congregação
se porá a seus pés.
Talvez seja supérfluo notar que para grande parte do nosso público
é bom que haja bom número de ilustrações em nossos discursos. Temos
o exemplo de nosso Senhor para isso; e a maioria dos maiores
pregadores têm sido abundantes em símiles, metáforas, alegorias e
historietas. Cuidado para não exagerar nisso. Outro dia li o diário de uma
dama alemã que se converteu do luteranismo à nossa fé, e fala de certo
povoado onde ela mora:
"Existe aqui um posto missionário, e jovens descem para pregar-nos.
Não quero incriminar esses jovens cavalheiros, mas eles nos contam muitas
estorinhas bonitas, e não vejo muita outra coisa no que eles dizem. Também
ouvi algumas das suas pequenas estórias antes, e daí, eles não me
despertam muito interesse como o fariam se nos falassem de alguma boa
doutrina das Escrituras".
Sem dúvida a mesma coisa passou pela mente de muitos outros.
"Estórias bonitas" são muito boas, mas nunca funciona confiar nelas
como sendo a grande atração de um sermão. Além disso, estejam alertas
quanto a certas "belas estorinhas" dessas, pois a sua época chegou e
passou; essas pobres coisas estão surradas de tanto uso, e deviam ir para
o baú de trapos. Ouvi algumas delas tantas vezes que eu mesmo poderia
contá-las, mas não há por quê. Do estoque de historietas bem que
poderíamos nos livrar, tanto a nós como aos nossos ouvintes. Anedotas
antigas nos deixam doentes, quando os engraçadinhos as reeditam como
suas idéias próprias, e historietas que os nossos bisavós ouviam fazem o
mesmo efeito na mente.
Cuidado com aquelas compilações de ilustrações extremamente
populares, que se acham nas mãos de todos os professores da Escola
Dominical, pois ninguém lhes agradecerá a repetição daquilo que toda
gente já sabe de cor. Se vocês contarem historietas, cuidem para que
tenham algum grau de novidade e originalidade. Mantenham os olhos
abertos, e colhem com as suas mãos flores do jardim e do campo. Serão
muito mais aceitáveis do que exemplares murchos tirados de ramalhetes
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 191
alheios, por mais belos que estes possam ter sido outrora. Ilustrem rica e
pertinentemente, porém, não tanto com parábolas importadas de fontes
estrangeiras, como com símiles apropriados que brotem do próprio tema.
Todavia, não pensem que a ilustração é tudo; é a janela, mas de que
serve a luz que passa por ela, se vocês não têm nada para a luz revelar?
Enfeitem os seus pratos, mas, lembrem-se de que o assado é o principal
ponto a considerar, não o enfeite. É preciso dar instrução real e ensinar
sólida doutrina, se não as suas figuras darão desalento aos seus ouvintes,
e eles ansiarão por carne espiritual.
Em seus sermões cultivem o que o padre Taylor chama de "o poder
da surpresa". Há grande porção de força nisso para obter-se atenção.
Não digam o que todos esperam que digam. Mantenham as suas frases
fora dos sulcos rotineiros. Se vocês já disseram, "A salvação é só pela
graça", não acrescentem sempre, "e não por méritos humanos" mas
variem e digam, "A salvação é só pela graça; a justiça própria não tem
nenhum canto para esconder a cabeça".
Receio não poder recordar uma frase do Sr. Taylor de maneira que
lhe faça justiça, mas é mais ou menos assim: "Alguns de vocês não
progridem muito na vida ministerial porque vão para frente um trecho da
rota, e logo vogam de volta, como um barco num rio de regime de marés,
que avança com a correnteza só para ser trazido de volta com o refluxo
da maré. Assim vocês fazem bom progresso por um pouco, e depois, de
repente" – que disse ele? – "ficam encalhados em alguma enseada
lamacenta". Também não repetiu ele para nós dizeres com este sentido:
"Ele estava certo de que se eles fossem convertidos, andariam retamente
e manteriam os seus bois fora da lavoura do vizinho"?
Recorrer ocasionalmente a este sistema de surpresa manterá uma
audiência em estado de adequada expectativa. No ano passado, mais ou
menos nesta época do ano, sentei-me na praia de Mantone, no Mar
Mediterrâneo. As ondas iam e vinham mansamente, pois ali existe pouca
maré, ou nenhuma, e o vento era brando. As ondas se arrastavam
languidamente uma após outra, e eu lhes dava pouca atenção, embora
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 192
estivessem bem aos meus pés. De súbito, como se tomado de nova
paixão, o mar arremessou uma enorme vaga que me ensopou
completamente. Tranqüilo como eu estava, vocês podem compreender
prontamente com que rapidez me pus de pé, e com que velocidade se
desfez o meu devaneio.
Observei a um colega de ministério que estava ao meu lado: "Isto
nos mostra como pregar; para despertar os ouvintes precisamos assustá-
los com alguma coisa que eles não esperavam".
Irmãos, peguem-nos de surpresa. Façam cair raios de um céu
límpido. Quando tudo estiver calmo e brilhante, façam irromper a
tempestade e, por contraste, aumentem os seus terrores. Lembrem-se,
porém, que nada terá valor se vocês dormirem enquanto estiverem
pregando. Será possível isso? Oh, possível! Faz-se todo domingo.
Muitos ministros estão mais que meio dormindo durante o sermão
inteiro; na verdade, nunca estiveram acordados em tempo nenhum, e
provavelmente nunca estarão, a menos que estoure um tiro de canhão
perto das suas orelhas. Frases mansas, expressões gastas pelo uso, e
enfadonhas monotonias dominam os seus discursos, e se admiram de que
o público fique tão sonolento; eu confesso que não me admiro.
A pausa ajuda muito a garantir a atenção. Retesem as rédeas de
repente uma vez ou outra, e os passageiros da sua carruagem se
despertarão. O moleiro vai dormir enquanto as rodas do moinho giram;
mas, se por qualquer motivo a moagem pára, o bom homem dá um salto
e grita: "Que é que foi?" Num sufocante dia de verão, se nada eliminar a
sensação de sono, sejam muito breve, cantem mais vezes que de
costume, ou convidem um ou dois irmãos para orarem. Um ministro que
viu que o público ia dormir, sentou-se, dizendo: "Vi que todos vocês
estavam repousando, e pensei em repousar eu também".
Andrew Fuller mal começara um sermão, quando viu que o povo ia
dormir. Disse ele: "Amigos, amigos, amigos, isto não pode ser. Algumas
vezes pensei que quando vocês dormiam, a culpa era minha, mas agora
vocês estão dormindo antes de eu começar, e a culpa só pode ser de
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 193
vocês. Rogo-lhes que acordem e me dêem oportunidade de fazer-lhes
algum benefício". É isso mesmo. Saibam fazer pausa. Façam paradas de
quietude que despertem. Falar é prata, mas o silêncio é ouro quando os
ouvintes estão desatentos. Continuem, mais, mais, mais e mais, com
assuntos que são lugares comuns e com voz monótona, e estará
embalando o berço, e sono mais profundo será o resultado; dêem um
puxão no berço, e o sono fugirá.
Sugiro ainda que, a fim de assegurar a atenção durante todo um
discurso, devemos fazer que o povo sinta que tem interesse naquilo que
lhe estamos falando. Este é, de fato, um ponto extremamente essencial,
porque ninguém dorme enquanto espera ouvir algo que lhe convém.
Tenho ouvido falar de algumas coisas muito estranhas, mas nunca ouvi
dizer que uma pessoa dormiu enquanto se lia um testamento no qual
esperava uma herança, nem ouvi dizer que algum prisioneiro dormiu
quando o juiz estava fazendo o sumário para a sentença, e sua vida
estava em perigo. O interesse próprio estimula atenção. Preguem sobre
temas práticos, atuais e de interesse pessoal, e garantirão que os ouçam
fervorosamente.
Será bom impedir que os assistentes atravessem os corredores da
nave para lidar com o gás ou com as lâmpadas, ou para passar os pratos
da coleta, ou para abrir janelas. Diáconos e auxiliares trotando pelo
recinto são uma tortura que jamais deve ser suportada com paciência, e
se deve pedir bondosa mas decididamente que suspendam as suas
perambulações.
Os retardatários também precisam ser corrigidos, e nesse sentido
devemos fazer gentis arrazoados e admoestações. Tenho certeza que o
diabo dá a mão a muitos distúrbios ocorridos na igreja reunida, irritando
os nossos nervos e distraindo os nossos pensamentos. O bater de uma
porta, a queda seca de uma bengala no piso, ou o choro de uma criança,
todas estas coisas são instrumentos nas mãos do maligno para estorvar o
nosso trabalho; podemos, pois, muito justificadamente, pedir aos nossos
ouvintes que protejam o nosso serviço útil dessa classe de agressões.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 194
Dei-lhes uma regra de ouro para obter a atenção no começo, a
saber, sempre digam alguma coisa que valha a pena ouvir; agora lhes
vou dar uma regra de diamante, e concluirei. Irmãos, revistam-se do
Espírito de Deus, e depois não questionem acerca do surgimento ou não
da atenção. Venham revigorados do gabinete pastoral e da comunhão
com Deus, para falar de todo o coração e de toda a alma aos homens por
Deus, e haverão de ter poder sobre eles.
Vocês possuem cadeias de ouro na boca que os prenderão com
segurança. Quando Deus fala os homens devem ouvir, e embora Ele fale
por meio de um pobre e frágil homem como eles mesmos, a majestade
da verdade os compelirá a acatar a Sua voz. O poder sobrenatural deverá
ser a sua confiança.
Dizemos-lhes, irmãos, aperfeiçoem-se na oratória, cultivem todos
os campos do conhecimento, façam que o seu sermão seja tudo o que
deve ser intelectual e retoricamente (vocês não devem deixar por menos
esse serviço), mas ao mesmo tempo lembrem que não é "por força nem
por poder" que os homens são regenerados ou santificados, mas "por
meu Espírito, diz o Senhor". Às vezes vocês não se sentem vestidos de
zelo como de um manto, e plenamente cheios do Espírito de Deus?
Nessas ocasiões vocês tiveram um público ouvindo atentamente, e, em
pouco tempo, um público crente; mas se vocês não forem assim dotados
de poder do Alto, não serão para os ouvintes nada mais que um músico
que toca um belo instrumento, ou que canta uma agradável canção com
clara voz, alcançando os ouvidos, mas não o coração. Se vocês não
atingirem o coração, logo os ouvidos se cansarão.
Revistam-se, pois, irmãos, do poder do Espírito de Deus, e preguem
aos homens como os que têm que dar logo um relatório, e desejam que o
mesmo não seja doloroso para os seus ouvintes, nem mortificante para si
próprios, mas que seja para a glória de Deus.
Irmãos, que o Senhor seja com vocês, enquanto avançam em nome
dEle e bradam: "Quem tem ouvidos, ouça".
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 195
A CAPACIDADE DE FALAR DE IMPROVISO
1
"Há homens estruturados para falar bem, como há pássaros estruturados para cantar bem, abelhas
para produzir mel, e o castor para construir." M. Bautain.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 203
Assim, irmãos, é preciso que tenham estado moendo, ou não terão
farinha. Vocês não serão capazes de transmitir de improviso bom
pensamento se não tiverem o hábito de pensar e alimentar as suas mentes
com alimento abundante e nutritivo. Trabalhem arduamente em todos os
momentos disponíveis. Aprovisionem as suas mentes ricamente, e então,
como negociantes com os seus armazéns atulhados, terão mercadorias
prontas para os seus fregueses, e, tendo arrumado as suas boas coisas nas
prateleiras das suas mentes, poderão fazê-las descer a qualquer hora sem
o trabalhoso processo de ir ao mercado, classificar, embrulhar e preparar.
Não acredito que algum homem seja capaz de manter continuamente
com sucesso o dom da alocução improvisada, exceto empregando
ordinariamente mais afã do que normalmente acontece com os que
escrevem os seus discursos e os confiam à memória. Tomem isto como
uma regra sem exceções, que para poderem transbordar
espontaneamente, precisam estar abastecidos até às bordas.
Coletar um fundo de idéias e expressões é extremamente útil. Há
riqueza e pobreza em cada um desses aspectos. Aquele que possui muita
informação, bem ordenada e compreendida inteiramente, com a qual está
intimamente familiarizado, será capaz de, como algum príncipe de
fabulosa riqueza, espalhar ouro à direita e à esquerda por entre a
multidão. Para vocês, cavalheiros, uma íntima familiaridade com a
Palavra de Deus, com a vida espiritual interior, com os grandes
problemas do tempo e da eternidade, será indispensável. A boca fala do
que está cheio o coração. Acostumem-se a meditações celestiais,
examinem as Escrituras, deleitem-se na lei do Senhor, e não precisarão
ter receio de falar das coisas que já experimentaram e apalparam da boa
Palavra de Deus.
Os homens bem podem ser lerdos de língua ao discutirem temas
fora do alcance da sua experiência. Mas vocês, aquecidos pelo amor ao
Rei, e desfrutando comunhão com Ele, verão os seus corações compondo
boa matéria, e suas línguas serão como penas de hábeis escritores.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 204
Cheguem às raízes das verdades espirituais mediante conhecimento
experimental delas, e assim estarão aptos para expô-las a outros.
A ignorância da teologia não é rara em nossos púlpitos, e o que
causa espanto não é que haja tão poucos oradores capazes de improvisar,
mas que haja tantos quando são tão raros os teólogos. Jamais teremos
grandes pregadores, enquanto não tivermos grandes teólogos. Vocês não
podem construir um navio de guerra de um ramo de parreira, nem se
podem formar de estudantes superficiais grandes pregadores, capazes de
comover as almas. Se quiserem ser fluentes, quer dizer, capazes de fluir.
encham-se de todo o conhecimento, e principalmente do conhecimento
de Cristo Jesus o seu Senhor. Mas nós observamos que um fundo de
expressões também seria de muita ajuda ao orador que improvisa; e,
realmente, um vocabulário rico somente se torna secundário ante um
depósito de idéias. As belezas de linguagem, as elegâncias no falar, e
acima de tudo as frases vigorosas devem ser selecionadas, rememoradas
e imitadas.
Não devem levar consigo aquela caneta tinteiro de ouro e anotar
cada palavra polissílaba que encontrarem em sua leitura para introduzi-la
no seu próximo sermão, mas devem saber o que as palavras significam
para que possam avaliar o poder de um sinônimo, julgar o ritmo de uma
frase e medir a força de um expletivo. Vocês têm que dominar as
palavras; estas devem ser os gênios a seu serviço, os seus anjos, os seus
raios trovejantes, ou as suas gotas de mel. Os simples ajuntadores de
palavras são colecionadores de conchas de ostras, vagens de feijão e
bagaço de maçã; mas, para o homem que tem ampla informação e
pensamento profundo, as palavras são salvas de prata nas quais se
servem maçãs de outro. Atentem para que tenham uma boa equipe de
palavras para puxar o carro dos seus pensamentos.
Também creio que o homem que quiser falar bem,
improvisadamente, deve ter todo o cuidado de escolher um tópico que
ele mesmo compreenda. Este é o ponto principal. Desde que vim para
Londres, para habituar-me a falar improvisadamente eu nunca estudei
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 205
nem preparei nada para a reunião de oração de segunda-feira à noite. De
há muito escolhi essa ocasião como a oportunidade para uma exortação
de improviso. Mas vocês notarão que nessas ocasiões não escolho
difíceis tópicos expositivos ou temas abstrusos, mas me restrinjo a
simples fala caseira sobre os elementos da nossa fé. Ao pôr-me de pé
nessas ocasiões minha mente faz uma revisão, e indaga: "Que assunto já
ocupou o meu pensamento durante o dia? Que encontrei nas leituras que
fiz durante a semana passada? Que é que se impõe mais ao meu coração
nesta hora? Que me sugerem os hinos ou as orações?"
É inútil levantar-se diante de uma assembléia e esperar ser inspirado
para assuntos sobre os quais você não sabe nada; se for insensato a esse
ponto o resultado será que, como você não sabe nada, provavelmente
nada dirá, e o povo não será edificado. Mas não vejo por que um homem
não pode falar improvisadamente sobre um assunto de que ele entende
plenamente. Qualquer comerciante, bem versado em sua linha de
negócios, pode explicá-la a você sem precisar retirar-se para meditação;
e certamente devemos estar de igual modo familiarizados com os
princípios básicos da nossa fé santa; não devemos ficar embaraçados
quando chamados para falar sobre tópicos que constituem o pão
cotidiano das nossas almas. Não vejo que benefício se ganha nesse caso
com o mero trabalho manual de escrever antes de falar; porque, ao fazê-
lo, o homem escreveria improvisadamente, e é provável que a escrita
improvisada fosse coisa ainda mais fraca do que a elocução improvisada.
O lucro de escrever está na oportunidade de cuidadosa revisão; mas
como os escritores talentosos são capazes de expressar corretamente já
de início os seus pensamentos, da mesma forma se dá com os oradores
capazes.
O pensamento do homem que se acha firme sobre os seus pés,
dilatando-se sobre um tema que conhece bem, pode estar muito longe de
ser pensamento que lhe ocorreu pela primeira vez; pode ser a nata das
suas meditações aquecidas pelo calor do seu coração. Tendo antes
estudado bem o assunto, embora não no momento, pode comunicar-se
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 206
muito poderosamente; ao passo que outro homem, sentando-se para
escrever, pode escrever somente as suas primeiras idéias, provavelmente
vagas e insípidas. Neste caso, não tentem falar de improviso, a menos
que tenham estudado bem o tema – paradoxo que é conselho da
prudência.
Lembro-me de ter sido provado duramente certa ocasião, e se não
fosse versado na prática de falar de improviso, não sei como me teria
saído. Esperavam-me para pregar em certa capela que estava apinhada de
gente, mas não cheguei na hora, pois fui atrasado por uma obstrução na
estrada de ferro. Assim, outro ministro dirigiu o culto e, quando cheguei
ao local, esbaforido pela pressa, ele já estava pregando. Vendo-me
aparecer e entrar por entre as fileiras de bancos, parou e disse: "Aí está
ele", e, olhando-me, acrescentou: "Vou dar-lhe o lugar; venha terminar o
sermão". Perguntei-lhe qual era o texto e até que ponto havia chegado
com ele. Disse-me qual era o texto e que tinha acabado de passar pela
primeira divisão. Sem hesitação, tomei o discurso a partir daquele ponto
e concluí o sermão; e me envergonharia de qualquer homem aqui
presente que não pudesse fazer a mesma coisa, sendo as circunstâncias
tais que me tornaram a tarefa notavelmente fácil.
Em primeiro lugar, o outro ministro era meu avó, e, em segundo
lugar, o texto era – "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto
não vem de vós; é dom de Deus". O indivíduo teria que ser um animal
mais bronco do que aquele que Balaão montou se, em tal conjuntura, não
tivesse achado algo que falar. "Pela graça sois salvos" fora comentado
como indicando a fonte da salvação.. Quem não poderia continuar,
descrevendo a cláusula seguinte, "por meio da fé", como o canal?
Ninguém teria necessidade de estudar muito para demonstrar que
recebemos a salvação por meio da fé. Contudo, naquela ocasião, tive
uma provação adicional pois, quando tinha avançado um pouco e estava
ficando aquecido para o meu trabalho, a mão de alguém bateu-me
aprovadoramente, e uma voz disse: "Está bem, está bem; diga-lhes isso
de novo, para que não o esqueçam". Imediatamente repeti a verdade e
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 207
pouco depois, quando me estava tornando mais profundamente
experimental, puxaram-me gentilmente pela ponta do casaco, e o velho
cavalheiro ficou em pé na frente e disse: "Ora, o meu neto pode falar-
lhes isto em termos de uma teoria, mas eu estou aqui para dar-lhes
testemunho disto como matéria de experiência prática; sou mais velho
que ele, e devo dar-lhes meu testemunho como velho".
Daí, depois de nos dar a sua experiência pessoal, disse: "Aí, pois,
meu neto pode pregar o evangelho muito melhor do que eu, mas ele não
pode pregar um evangelho melhor, não é?" Bem, cavalheiros, facilmente
posso imaginar que se eu não possuísse um pouco de capacidade de falar
de improviso naquela ocasião, poderia ter ficado um tanto perturbado;
mas do modo como foi, o sermão me veio tão naturalmente como se
tivesse sido preparado.
A aquisição de outro idioma fornece um bom exercício para a
prática da alocução improvisada. Levado a relacionar-se com as raízes
das palavras e com as regras de oratória, e sendo compelido a notar as
diferenças das duas línguas, o homem se desenvolve gradativamente até
conhecer bem as partes do discurso, os modos, tempos e inflexões; como
um operário, familiariza-se com as suas ferramentas e as manipula como
companheiros cotidianos. Não sei de exercício melhor do que o de
traduzir tão depressa quanto possível um trecho de Virgílio ou Tácito e
depois, com reflexão, corrigir os erros. Pessoas que não conhecem coisa
melhor acham que é jogar fora todo o tempo passado sobre os clássicos,
mas se esses estudos fossem postos ao serviço do orador sacro, deveriam
ser mantidos em todas as nossas instituições colegiais.
Quem não vê que a constante comparação dos termos e expressões
idiomáticas das duas línguas só pode favorecer a facilidade de
expressão? Ademais, quem não vê que com esse exercício a mente se
capacita para apreciar refinamentos e sutilezas de significado, e assim
adquire o poder de distinguir entre coisas que diferem? – poder essencial
para um expositor da Palavra de Deus, e para um arauto da Sua verdade.
Cavalheiros, aprendam a montar e desmontar toda a maquinaria da
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 208
linguagem, marquem cada dente de roda e cada roda, cada cavilha, cada
raio, e se sentirão mais seguros para dirigir a máquina, mesmo em
velocidade de expresso, se as emergências o exigirem.
Todo o que quiser adquirir esta arte precisa praticá-la. Foi
mediante lentos passos, como diz Burke, que Charles Fox tornou-se o
mais brilhante e poderoso mestre do debate que já viveu. Ele atribuía o
seu sucesso à resolução tomada quando ainda era bem jovem, de falar
bem ou mal pelo menos uma vez por noite. "Durante cinco períodos
letivos completos", costumava dizer, "eu falei todas as noites menos
uma, e apenas lamento não ter falado naquela noite também". A
princípio não podia fazê-lo para outro auditório senão às cadeiras e livros
do seu escritório, imitando o exemplo de um cavalheiro que, solicitando
admissão nesta escola, garantiu-me que durante dois anos tinha se
exercitado na pregação improvisada no seu próprio quarto. Os estudantes
que moram juntos poderiam ser de grande ajuda mútua, desempenhando
alternadamente as partes de audiência e orador, com pequena e amigável
crítica no fim de cada tentativa. A conversação também pode ser de
essencial utilidade, se for questão de princípio fazê-la sólida e edificante.
O pensamento deve estar ligado á linguagem oral, esse é o
problema; e pode ajudar um homem a solucioná-lo, se ele se esforçar
para pensar em voz alta em suas meditações privadas. Isto se me tornou
tão habitual, que acho muito útil poder, na devoção particular, orar
ouvindo a minha voz; ler em voz alta é mais benéfico para mim do que o
processo silencioso; e quando estou elaborando mentalmente um sermão,
é um alívio para mim o falar comigo mesmo conforme vão fluindo os
pensamentos. É evidente que isto só resolve a metade da dificuldade, e
vocês têm que praticar em público para dominarem a tremedeira
ocasionada pela visão dos ouvintes; mas, meio caminho é grande parte
da jornada. O bom discurso de improviso é exatamente a comunicação
de um pensador prático – homem bem informado, que medita por sua
conta e deixa que os seus pensamentos marchem através de sua boca
para o ar livre.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 209
Pensem alto quanto puderem quando estiverem sozinhos, e logo
estarão na via principal para o sucesso nesta questão. A discussão e os
debates na sala de aulas são de vital importância como um passo a mais,
e eu gostaria de exortar os irmãos mais retraídos a participarem deles. A
prática de convocá-los para falarem sobre um tópico sorteado ao acaso
de um vaso com ampla escala de temas escolhidos foi introduzida entre
vocês, e devemos recorrer a ela com mais freqüência. O que condenei
como parte do culto podemos usar livremente como exercício escolar
entre nós. Isso foi planejado para experimentar a prontidão e o domínio
próprio do indivíduo, e os que falham nisso provavelmente são tão
beneficiados como os que se saem bem, pois o conhecimento de si
mesmo pode ser tão útil para uns como a prática para outros. Irmãos, se a
descoberta de que vocês são toscos ainda na oratória os levar a estudos
mais afinados e a esforços mais resolutos, talvez seja o verdadeiro
caminho à eminência última.
Em acréscimo à prática recomendada, devo exortar cada irmão
quanto à necessidade de ser calmo e confiante. Como diz Sydney Smith,
"Muito talento é desperdiçado por falta de um pouco de coragem". Esta
não é fácil de ser adquirida pelo orador novato. Vocês, oradores
principiantes, não simpatizam com Blondin, o equilibrista? Irmãos,
vocês não se sentem às vezes, quando estão pregando, como se
estivessem andando numa corda em pleno ar, e não tremem e se
perguntam se chegarão com segurança à outra extremidade?
Às vezes, quando vocês estão fazendo floreios com aquela vara
balançante, e contemplando aquelas lantejoulas metafóricas que
esplendem de poesia sobre suas audiências, não ficam temerosos de
sempre se exporem a esses riscos de uma queda súbita, ou, deixando de
lado a figura, não se perguntam se serão capazes de concluírem a frase,
ou se acharem um verbo para o nominativo, ou um acusativo para o
verbo? Tudo depende de estarem calmos e imperturbáveis. Presságios de
fracasso e medo dos homens os arruinarão. Prossigam, confiando em
Deus, e tudo estará bem.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 210
Se vocês cometerem um erro gramatical e estiverem meio
inclinados a retroceder para corrigi-lo, logo cometerão outro, e a
hesitação os envolverá como numa rede. Deixem-me cochichar – pois
isto se destina somente aos seus ouvidos – é sempre ruim ir para trás. Se
cometerem um erro verbal, prossigam, e não lhe dêem atenção.
Quando eu estava aprendendo a escrever, meu pai me deu uma boa
regra que acredito que é igualmente útil quando se aprende a falar. Ele
costumava dizer: "Quando estiver escrevendo, se cometer um erro na
ortografia de uma palavra, ou redigir uma palavra errada, não a risque,
fazendo um borrão, mas veja como pode sem demora alterar o que ia
dizer, de maneira que se enquadre no que escreveu e não deixe vestígios
do erro". Assim, na oratória, se a frase não terminar da melhor maneira,
encerre-a doutro modo. É de bem pouco valia retroceder para corrigir,
pois assim você chama a atenção para a falha que talvez poucos tenham
notado, e você desvia a mente do assunto para a linguagem, que é a
última coisa que o pregador deve fazer.
Contudo, se o seu lapsus linguae (deslize no linguajar) for notado,
todas as pessoas de bom senso perdoarão o jovem principiante, e terão
maior admiração por você do que se agisse diferentemente, por dar
pouca importância a esses escorregões, e por impulsionar-se de todo o
coração rumo ao seu objetivo principal. Um novato na oratória pública é
como um cavaleiro não acostumado a montar; se o cavalo tropeça, ele
fica com medo de cair ou de ser lançado por cima da cabeça do animal,
ou, se este for impetuoso, fica certo de que ele fugirá. E o olhar de um
amigo, ou a observação feita por um rapazinho o fará angustiado como
se estivesse amarrado ao lombo do grande dragão vermelho.
Mas quando o homem está bem acostumado a montar, não conhece
perigos e não encontra nenhum, porque a sua coragem os impede.
Quando um orador crê, "Sou senhor da situação", normalmente o é. A
sua confiança afasta os desastres que a tremedeira com certeza
produziria. Meus irmãos, se de fato o Senhor os ordenou ao ministério,
vocês têm as melhores razões para serem ousados e calmos, pois a quem
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 211
terão que temer? Terão que entregar a mensagem do Senhor conforme
Ele os capacite e, se isso for feito, não serão responsáveis perante
ninguém mais, senão seu Mestre celestial, que não é juiz intratável.
Irmãos, vocês não entram no púlpito para luzir como oradores, ou
para gratificar as predileções dos seus ouvintes; são mensageiros do céu
e não escravos dos homens.2 Lembrem-se das palavras do Senhor a
Jeremias, e receiem temer. "Tu, pois, cinge os teus lombos, e levanta-te,
e dize-lhes tudo quanto eu te mandar; não desanimes diante deles,
porque eu farei com que não temas na sua presença." (Jeremias 1:17).
Confiem no presente socorro do Espírito Santo, e o temor do homem que
traz uma armadilha os abandonará. Quando vocês forem capazes de
sentir-se em casa no púlpito, e puderem olhar em torno e falar ao público
como irmãos falando a irmãos, então serão capazes de improvisar; não,
porém, antes disso. O acanhamento e a timidez, que têm tanta beleza em
nossos irmãos mais jovens, serão sucedidas pela verdadeira modéstia que
se esquece de si, e não se preocupa tanto com a sua reputação como com
que Cristo seja pregado da maneira mais enérgica possível.
Para chegar ao santo e benéfico exercício da alocução improvisada,
o ministro cristão precisa cultivar uma confiança singela como de
criança na assistência imediata do Espírito Santo. "Creio no Espírito
Santo", diz o Credo. É de temer-se que muitos não fazem deste um
verdadeiro artigo de fé. Ir para cima e para baixo a semana inteira
perdendo tempo, e depois lançar-se ao amparo do Espírito, é presunção
ímpia, é tentativa de fazer do Senhor um ministro da nossa preguiça e
auto-complacência; mas numa emergência o caso é muito diferente.
Quando um homem se vê inevitavelmente chamado para falar sem
nenhum preparo, pode com a mais plena confiança entregar-se ao
2
"A princípio a minha maior solicitude costumava ser quanto àquilo que eu acharia para dizer; espero
que agora seja mais quanto a que não fale em vão. Pois o senhor não me enviou para cá para eu
conseguir caracterizar-me como orador sempre pronto, mas para ganhar almas para cristo e edificar
o Seu povo. Muitas vezes quando começo fico indeciso sobre como prosseguir, mas insensivelmente
uma após outra as coisas se oferecem, e, em geral, as partes melhores e mais úteis do meu sermão
ocorrem como algo novo enquanto prego." – John Newton, Letters to a Student in Divinity.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 212
Espírito de Deus. Está fora de dúvida que a mente divina entra em
contato com o intelecto, ergue-o para cima da sua fraqueza e confusão,
dá-lhe elevação e força, e o capacita a compreender e expressar a
verdade divina de maneira muito superior às suas capacidades
desassistidas.
À semelhança dos milagres, essas intervenções não se destinam a
substituir os nossos esforços, nem a afrouxar a nossa diligência, mas
constituem a assistência do Senhor com que podemos contar numa
emergência. Seu Espírito estará sempre conosco, mas especialmente
quando estivermos sob rigorosa pressão de serviço. Por zelosamente que
os admoeste a não falarem puramente de improviso mais do que se lhes
imponha a obrigação, enquanto não estiverem um tanto amadurecidos no
ministério, contudo os exorto a falar desse modo sempre que compelidos
a fazê-lo, crendo que naquele exato momento ser-lhes-á dado o que
haverão de falar.
Se vocês forem bastante felizes para adquirir a capacidade de falar
de improviso, rogo que se lembrem de que poderão perdê-la em pouco
tempo. Levei este golpe em minha própria experiência, e me refiro a isto
porque é a melhor demonstração que lhes posso fazer. Se por dois
domingos sucessivos fago o meu esboço um pouco mais longo e mais
completo que de costume, vejo na terceira ocasião que preciso dele mais
longo ainda; e também observo que, se ocasionalmente me apóio um
pouco mais na recordação dos meus pensamentos e não sou tão
improvisador como costumava ser, há um desejo direto e mesmo uma
crescente necessidade de composição prévia.
Se um homem começa a andar com uma bengala só por capricho,
logo virá a depender duma bengala; se vocês concedem óculos aos seus
olhos, depressa estes os exigirão como acessório permanente; e se vocês
andassem de muletas durante um mês, no fim desse período elas seriam
quase necessárias para os seus movimentos, embora naturalmente as suas
pernas fossem firmes e sadias como as de qualquer pessoa. Maus usos
criam natureza má. Vocês têm que praticar continuamente a alocução
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 213
improvisada, e se para conseguir oportunidades convenientes tiverem
que usar muitas vezes da palavra em choupanas, nas salas de aulas das
nossas aldeias, ou a dois ou três à beira do caminho, o seu proveito será
conhecido de todos os homens.
Podem poupar-se de muita surpresa e desgosto se forem prevenidos
de que haverá muitas variações em seu poder de comunicação. Hoje a
sua língua pode ser a caneta de um ágil escritor, e amanhã os seus
pensamentos e as suas palavras podem estar igualmente congelados. Os
seres vivos são sensíveis, e são afetados por uma variedade enorme de
forças; só sobre as coisas puramente mecânicas se podem fazer cálculos
com absoluta certeza. Não estranhem, irmãos, se freqüentemente
acharem que fracassaram, nem se admirem se finalmente evidenciar-se
que nessas ocasiões obtiveram o melhor sucesso. Não esperem tornarem-
se auto-suficientes; nenhum hábito ou exercício poderá torná-los
independentes da assistência divina; e se pregarem bem quarenta e nove
vezes quando solicitado à última hora, isto não escusa a auto-confiança
na qüinquagésima vez, pois se o Senhor os abandonar, vocês estarão em
apuros. Suas variáveis disposições de fluência e de dificuldade tenderão,
com a graça de Deus, a mantê-los humildemente elevando o olhar ao
Forte em busca de forças.
Acima de todas as coisas, que cada um cuide para que a sua língua
não ultrapasse o seu cérebro. Guardem-se contra uma fluência débil, uma
prosa fanfarrona, uma facilidade para dizer coisa nenhuma. Que prazer
ouvir falar do tombo de um irmão que tinha a presunção de poder
manter-se com a sua própria capacidade quando na realidade não tinha
nada para dizer! Oxalá essa consumação sobrevenha a todos os que
erram naquela direção. Meus irmãos, é um dom horrível de se possuir, o
de poder dizer coisa nenhuma numa extensão extrema. Absurdo
alongado, sensaboria parafrástica, banalidade e fanfarronada, são
bastante comuns e são o escândalo e a vergonha da improvisação.
Mesmo quando sentimentos sem valor são expressos lindamente e
verbalizados com primor, de que valem? Do nada, nada provém. A
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 214
alocução improvisada sem estudo é nuvem sem chuva, poço sem água,
dom fatal, que ofende igualmente ao que o possui e ao seu rebanho.
Certos homens têm-me solicitado admissão nesta Escola, admissão que
lhes tenho negado porque, sendo completamente destituídos de instrução
e de senso da sua ignorância, a sua limitada vaidade e a sua volubilidade
enorme fizeram deles sujeitos perigosos para o treinamento. Alguns até
me fizeram lembrar a serpente do Apocalipse que lançou água pela boca
numa torrente a tal ponto abundante que a mulher por pouco não foi
arrastada por ela.
Recebendo corda como relógios, vão falando, falando, falando, até
acabar a corda, e bem-aventurado aquele que menos relações mantém
com eles. Os sermões desses pregadores são como Snug, na parte do
marceneiro quando fez o papel do leão. "Você pode fazer isso
improvisadamente, pois nada fará senão rugir." É melhor perder, ou
antes nunca possuir, o dom da comunicação improvisada, do que
degradar-nos reduzindo-nos a simples produtores de ruído,
representações vivas do que Paulo chama de metal que soa ou sino que
retine.
Eu poderia ter dito muito mais se estivesse estendido o assunto
àquilo que é geralmente denominado pregação improvisada, isto é, o
preparo do sermão à medida que os pensamentos fluem e deixando para
encontrar as palavras durante a comunicação da mensagem; mas este é
outro assunto e, embora vista como grande conquista por alguns, é, creio
eu, um requisito indispensável para o púlpito, e de modo nenhum
constitui um luxo dos gênios apenas; mas disto falaremos noutra ocasião.
Lições aos Meus Alunos – Vol. 2 215
AS CRISES DE DESÂNIMO DO MINISTRO