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A direção de arte no cinema brasileiro

The brazilian cinema production design


Luiza; Gama Drable Santos; Graduação em Cinema e Audiovisual; Universidade Federal
Fluminense
lzdrable@gmail.com

Martins, India Mara; Doutora em Design, Universidade Federal Fluminense


indiamartins@gmail.com

Resumo

O objetivo deste artigo é fazer uma breve reflexão sobre a área de Direção de Arte, iniciando
com a criação dos departamentos de arte na Hollywood dos anos 20 aos anos 40 e se
estendendo para a delimitação do campo de atuação do production designer e do diretor de
arte, termo utilizado no Brasil. Para ilustrar o campo de atuação do diretor de arte realizamos
uma análise do projeto visual realizado pela diretora de arte Vera Hamburger no filme
Cafundó (2006).

Palavras Chave: direção de arte; audiovisual contemporâneo; atmosfera.

Abstract
This article analyzes the Brazilian cinema Production Design, initiating with a quick history
of the Hollywood movies' art departments on the twenty’s til the forty’s to be extended
towards a delimitation of the Production Designer’s field and the art director’s, term used in
Brazil. To illustrate the brazilian field of Production Design we analyzed the visual project
made by the art director Vera Hamburger for the film Cafundó (2006).

Keywords: production design; contemporary cinema; atmosphere.


Este artigo é resultado de uma pesquisa de Iniciação Científica financiada pelo CNPq e
pela Faperj que se intitula “A influência da tecnologia no processo criativo dos diretores de
arte do cinema brasileiro pós-retomada (anos 90)”, cujo objetivo é realizar entrevistas com os
diretores de arte brasileiros mais ativos do período para compreender a situação deste
departamento no cinema brasileiro. Pretendemos também gerar materiais didáticos e ampliar
a reflexão teórica sobre direção de arte e o design visual no cinema brasileiro, dado a lacuna
bibliográfica existente no campo teórico em discussão.
A direção de arte no cinema é a área responsável pelo aspecto visual da obra. O diretor
de arte é encarregado por criar junto ao diretor e ao fotógrafo uma atmosfera 1 na qual o
espectador será lançado pela história. Há um conjunto de elementos que compõe o design
visual de um filme, determinados por seu contexto histórico, social, político, estético e
imagético. A partir deste trabalho de contextualização que será realizado com base no roteiro
e nas intenções do diretor para com o filme, o diretor de arte irá harmonizar elementos como a
cenografia, o figurino, a maquiagem e os efeitos especiais, criando um desenho de produção
para a arte do filme. Isso significa que seu trabalho consiste na organização do espaço da
mise-en-scène onde se dá a ação, na qual espaço, cor e texturas interajam e produzam um
estilo singular.
O diretor de arte comanda uma equipe de pessoas e subequipes que devem estar em
acordo, para que o equilíbrio de todo o filme não seja prejudicado. Nos Estados Unidos o
título de mais alto escalão da equipe de arte é de production designer, o que equivale ao
diretor de arte nos filmes brasileiros. Isso quer dizer que para as produções norte-americanas
o “cabeça de equipe” da arte é também produtor; e deveria ser, porque ele pensa o filme junto
com o diretor e tenta solucioná-lo da melhor forma possível, estético e financeiramente. A
definição de production designer, segundo Vincent LoBrutto, é de que ele concebe toda a
visualidade da imagem fílmica, não sendo só responsável pela criação dos cenários e
coordenando equipes de figurinistas, maquiadores, cenotécnicos e contra-regras. Ele é
encarregado, portanto, da criação de uma paleta de cores, a definição de detalhes periódicos e
arquitetônicos relacionados ao roteiro, a seleção de locações em função disto e de outras
questões, o desenho e decoração de set, além da coordenação das outras equipes de figurino, e
maquiagem. Tendo em vista o colocado acima, temos que notar que antes de investir na

1
Trabalha-se aqui com a definição de atmosfera que é apresentada nos estudos de Inês Gil, cuja a
característica é dialogar com o espaço, que é “composto por forças visíveis e invisíveis , que têm o
poder de desencadear sensações e afetos nos receptores”. Seria a natureza dessas forças, o seu ritmo e
a sua relação que determinariam o seu caráter.

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produção, o production designer tem que participar de um período de pré-produção junto ao
diretor e ao fotógrafo, no qual irá criar junto a esses uma concepção visual para visual. O
production designer utiliza em sua pesquisa sketches, storyboards, ilustrações, modelos e
outros modos de representação da imagem final para planejar cada plano que será filmado.
Só a partir dos anos 20 em diante que a cenografia nos estúdios hollywodianos torna-se
intimamente ligada ao sistema de estúdio. E assim como os estúdios, crescem os
departamentos de arte ligados a eles. Cria-se, dessa forma, uma tendência de estilo por
departamento de arte. Ou seja, cada estúdio acaba criando um estilo próprio. Era o chefe do
departamento quem conduzia seu estilo e por isso, ele era o “cabeça de equipe” 2 e quem
levava o crédito do trabalho de todos os diretores de arte de cada unidade, os artistas de
sketches e os arquitetos das plantas-baixas.
Um bom exemplo desta situação é a história de Cedric Gibbons, que deteve o controle
artístico da Metro-Goldwyn-Mayer durante quase três décadas. Gibbons era chefe do
Departamento de Arte da Metro e foi ele o criador do estilo original e rico do estúdio. É
creditado a ele toda uma evolução da direção de arte hollywoodiana, no sentido de inovar em
grandeza e consolidar o visual de estúdio ao mesmo tempo. Nenhum outro estúdio manteve
tanto tempo um mesmo chefe de departamento no comando. Segundo Mary Corliss e Carlos
Clarens, nem mesmo a Warner Brothers ou a Twentieth Century-Fox manteve durante tantos
anos um diretor de arte no comando (CORLISS & CLARENS, 1978, p.6).
Nos anos 30, se inicia a chamada Idade de Ouro de Hollywood e com isso, um
remanejamento definitivo dos diretores de arte entre os estúdios que estabeleceria um estilo
próprio para cada um deles. Nessa época, por vezes se acreditou que pela forte
departamentalização dos estúdios hollywoodianos, o chefe do Departamento de Arte poderia
estilizar um filme a tal ponto que uma mise-en-scène fraca poderia ser dominada pelo diretor
de arte.
Em 1939, pela primeira vez foi outorgado a William Cameron Menzies o crédito de
Production Designer do filme ...E o Vento Levou (Gone with the Wind, 1939) pelo produtor
David O. Selnick. A realização contou com esforços conjuntos de vários diretores, porém
Menzies visualizou o filme como nenhum deles havia feito. Ele havia desenhado mil sketches
para câmera seguir, inclusive com o efeito de luz. E o seu projeto foi concretizado, ganhou o
Oscar de melhor filme, claro que não foi um esforço de um só homem, mas a visão de

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O termo “cabeça de equipe” é utilizado no cinema brasileiro para representar o chefe de cada
departamento em um filme. A origem do termo é a expressão em inglês “head of team”.

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Menzies foi de grande evolução para a direção de arte e para o filme em si. A partir daí, a
figura do production designer passou a ser mais reconhecido dentro do cinema como um
produtor e designer ao mesmo tempo.

Sketch realizado por Menzies para ...E o Vento levou (1939)

A origem do termo vem da época em que Gibbons era chefe do departamento de arte da
Metro, nos anos 20. Porém, o que mudou é que nesta realização o trabalho de Menzies
excedeu o de diretor de arte, a função apresenta-se, assim como um instrumento efetivo para a
articulação da linguagem cinematográfica. Cabe ao diretor de arte desenhar a espacialidade do
filme, criando a atmosfera.
No Brasil, essa discussão ainda se encontra em curso. O “designer de produção” ou
production designer ainda não é adotado como título nos países de língua portuguesa (Na
verdade já é adotado nas coproduções e produções internacionais dirigidas por brasileiros
como: Água Negra, Ensaio sobre a Cegueira, O Jardineiro Fiel). Todavia, todo trabalho
atrelado a essa função é também do diretor de arte no Brasil. Da pré a pós-produção, é um
trabalho de desenhista das imagens do filme. Na contemporaneidade, seu papel se multiplica,
ele tem que estar ainda mais presente nestas etapas, pois na pré-produção se definem os rumos
que serão tomados esteticamente, se muitos efeitos especiais serão usados ou não; e assim,
como isso irá interferir na produção e pós. Estas decisões dependem de muitos aspectos, que
não só estilísticos, mas orçamentários também.

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Análise de Cafundó

A metodologia utilizada neste artigo para realizar o estudo da direção de arte do filme
Cafundó será decompô-la em duas categorias mais gerais que serão espaço e composição
visual. Esta última será subdivida em categorias como figurino, maquiagem, objetos e efeitos
especiais.
Cafundó (2006) conta a vida de João de Camargo, um preto velho milagreiro criador de
um culto religioso no final do século XIX e do início do século XX no Brasil. Religiosidade,
raça e preconceito são algumas das questões centrais abordadas pela trama. A época em que
se passa a história obviamente aprofunda o quadro de preconceito racial. Os escravos haviam
sido libertados há pouco tempo e estavam à procura de trabalho fora das fazendas de seus
antigos senhores. O que dificultava esta procura era o preconceito que se encontrava arraigado
nas mentes dos empregadores na época.
João é um destes escravos negros alforriados que sai em busca de trabalho e sofre com
as transformações da modernidade: com a chegada da república, da industrialização, da luz e
da peste. Desiludido com a vida chega ao fundo do poço e acaba tendo uma visão de qual sua
função no mundo: se dedicar a amenizar a dor dos outros. É, então, que funda a Igreja de Bom
Jesus da Água Vermelha, provável alusão a água vermelha que jorrava do túmulo de
Alfredinho, um menino que morreu arrastado por seu cavalo e ele quando mais novo ouvira a
história contada por sua mãe.
Este misticismo que percorre as imagens de Cafundó representa a religiosidade do
próprio personagem e da história do Brasil. O filme expõe uma atmosfera religiosa constante,
que se caracteriza pelo sincretismo que está presente historicamente na religiosidade
brasileira. Para que esta atmosfera seja composta foi preciso que o espaço da mise-en-scène
fosse elaborado em prol de uma mistura de universos, texturas, linguagens e referências.
A história se passa no interior do Estado de São Paulo, na cidade de Sorocaba,
representada por uma estrutura arcaica do século XIX e por uma espécie de sociabilidade que
não é a que vivenciamos hoje com as cidades urbanizadas. Inicialmente, a tradução visual
expressa pela direção de arte para o local descrito é a de uma paisagem natural, marcada pelo
verde das matas, pelos rios e pelas cidadelas ou vilas. Os cavalos pastando ao pôr do sol, pés
descalços no chão de terra batida, circo e festas nas praças representam essa vida simples do
interior do país. As cores que compõe essa paleta se aproximam sempre do avermelhado do

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barro, das formações rochosas, das paredes envelhecidas, do pôr do sol; da qual referência
provavelmente tem origem no mito do Alfredinho, contado pela mãe de João de Camargo.
Há dentro do filme um misticismo onírico, que nos leva a entrar no sonho de Nhô João e
as imagens são absolutamente necessárias para que isto ocorra. Na sequência em que a
Rosário e João se casam e mulher encontra um culto de Iemanjá na praia, seu véu branco de
costas sugere uma santa. Quando o encontra, recebe uma entidade que a faz mal.
Essa mistura de religiões e referências requerem um cuidado no tratamento de texturas e
da composição visual. O figurino, por exemplo, depois que Rosário saiu do transe continuava
sendo branco, mantendo a cor e a intenção, porém havia mudado o corte. Em outros
momentos o mesmo ocorre: depois que Nhô João tem a visão na qual fala com padre e
descobre qual sua missão na vida, ele tira toda sua roupa suja de lama e enterra ali onde iria
fazer a Igreja de Bom Jesus da Água Vermelha. A roupa é significativa para o processo de
amadurecimento do personagem para se tornar outro, o preto velho milagreiro. Portanto, vê-se
claramente que o figurino funciona aqui como um elemento que revela o crescimento do
personagem e por isso, é também objeto de cena. As entidades que aparecem para Nhô João,
como o Exu ou Xangô, realçam a atmosfera onírica do filme, assim como carregam a carga de
religiosidade africana que o compõe.

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Referências

AUMONT, J. O olho interminável (cinema e pintura). São Paulo, Cosac & Naify, 2004.
________________. A imagem, São Paulo, Papirus, 2004.

BRUTUCE, Débora L.V. A direção de arte e a imagem cinematográfica. Sua inserção no


processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990. Dissertação de Mestrado, Niterói,
Universidade Federal Fluminense, 2005.

CORLISS, Mary & CLARENS, Carlos. “Designed for Film: the hollywood Art Director” in
Film Comment, MAY/JUNE, New York, 1978 (p. 27 a 66).

GIL, I. A atmosfera no cinema. O caso de A Sombra do Caçador, de Charles Laugthon. Entre


onirismo e realismo. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, FCT, Ministério da Ciência e do
Ensino Superior, 2005.

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