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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas


Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - CNPq

Cidadania terrena e cidadania divina: uma campanha eleitoral pentecostal


Orientando: Adriel Torres de Queiroz Ferreira
Orientador: Prof. Dr. Ronaldo Romulo Machado de Almeida  
   
Resumo
Este trabalho pretende etnografar a campanha de reeleição do deputado federal
pelo Partido da República (PR), Paulo Freire Costa, pastor-presidente da Assembleia de
Deus Ministério Belém, localizada na cidade de Campinas. O objetivo é compreender as
estratégias de campanha, sua rede de influência, métodos de mobilização do eleitorado, o
recrutamento e formação dos cabos eleitorais e a utilização do aparato institucional
eclesiástico. A hipótese é que a Assembleia de Deus tem profissionalizado suas
campanhas buscando alcançar a eficiência da Igreja Universal na relação entre candidatos
e eleitos.

Palavras-chave: religião, política, evangélicos, eleição, Assembleia de Deus.  

Introdução

A proposta aqui apresentada é parte do projeto “A onda quebrada: evangélicos e


conservadorismo” (Bolsa PQ-CNPq, Nível 2), coordenado pelo Professor Doutor
Ronaldo Rômulo Machado de Almeida. O projeto geral tem o intuito de identificar,
mapear e analisar a presença dos evangélicos no cenário político pós-protestos de junho
2013 até as eleições de 2018. Para dar continuidade à pesquisa já em curso desde 2015,
estão sendo solicitadas três iniciações científicas para essa chamada PIBIC. Cada uma
delas tem objetivos, conteúdos e abordagens específicos, mas todas estão articuladas em
torno da pesquisa do Prof. Ronaldo de Almeida.
Especificamente, este projeto pretende desenvolver um estudo etnográfico da
campanha de reeleição do deputado federal Paulo Freire, pastor na cidade de Campinas e
filho do presidente nacional Assembleia de Deus Ministério Belém. Os objetivos são
investigar as estratégias de campanha e, posteriormente, analisar os dados divulgados
pelo TSE para compreender a forma de financiamento e a espacialidade dos votos deste
candidato tendo em vista à localização dos templos da Assembleia de Deus1.

Contextualização

O crescimento populacional dos evangélicos no Brasil vem chamando a atenção,


tanto no âmbito acadêmico como na opinião pública. De acordo com os dados do Censo
do IBGE de 2010, os evangélicos correspondem a 22,2% da população brasileira. Da
mesma forma sua representação política tem crescido. A Assembleia Nacional
Constituinte formada em 1986 contou com 36 parlamentares evangélicos, sendo 18 deles
do campo pentecostal (Pierucci, 1989; Freston, 1993 Apud Valle, 2013). Na atual 55°
legislatura, 74 parlamentares compõem a bancada evangélica suprapartidária no
Congresso Nacional, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
(DIAP).

Essa maior atenção não se explica somente pelo grande aumento quantitativo dos
evangélicos e de seus representantes políticos, mas também pelo seu protagonismo em
acontecimentos recentes da história brasileira, como o processo de impeachment da
presidente Dilma Rousseff, durante seu segundo mandato, em 20162. Para Pierucci (1987)
essa bancada evangélica possuía em sua maioria um caráter conservador e constituía o
que ele denominou de "nova direita". Esses parlamentares incorporam um discurso
conservador em que eles se colocam como "guardiões da moralidade familiar e social"
(Valle, 2013).

                                                                                                                       
1
As outras duas solicitações de bolsa PIBIC, de caráter quantitativo, tem como objetivos de pesquisa: a)
desenvolver um mapeamento quantitativo dos “candidatos oficiais” das igrejas evangélicas para a
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e para o Congresso Nacional nas eleições de 2018
com o objetivo de compreender o recrutamento dos candidatos e o financiamento de campanha; b) mapear
o comportamento legislativo dos evangélicos na 55ª legislatura (2015-2019) por meio da alimentação do
banco de dados das proposições desses parlamentares PEC –Proposta de Emenda à Constituição; PLP –
Projeto de Lei Complementar; PL – Projeto de Lei; MPV – Medida Provisória; PLV – Projeto de Lei de
Conversão; PDC – Projeto de Decreto Legislativo; PRC – Projeto de Resolução).
2
Ao iniciar a sessão de votação de admissibilidade do processo de impeachment, o então presidente da
câmara, Eduardo Cunha (PMDB), evangélico, membro da Assembleia de Deus, ministério Madureira, abriu
a sessão com a fala: "Sob a proteção de Deus e em nome do povo brasileiro iniciamos nossos trabalhos".
Atualmente, Eduardo Cunha está com seu mandato cassado e está sendo investigado pela Policia Federal
na operação Lava-Jato. Diga-se que a mesma frase proferida na abertura da sessão do impeachment está
presente no preâmbulo da "constituição cidadã" de 1988, que marca o início de um protagonismo maior
dos evangélicos na política, em específico os pentecostais.
Essa pesquisa tem duas questões principais. A primeira é a da maior
profissionalização das campanhas eleitorais dentro do meio religioso, cuja principal
referência tem sido a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). A explosão demográfica
dos evangélicos e a maior participação política acontece com a terceira onda do
pentecostalismo no Brasil, da qual faz parte a IURD (Freston, 1993). A IURD, em 1998,
profissionalizou sua participação política e seu fazer eleitoral, lançando as "candidaturas
oficiais" (Oro, 2003; Machado, 2006 Apud Nascimento, 2017). A partir das candidaturas
oficiais criou-se um modelo corporativo de representação política das instituições
religiosas (Machado e Burity, 2014 Apud Netto, 2016.). O sucesso eleitoral da IURD
decorrente dessa profissionalização se observa na comparação entre os anos 1990, em que
ela contava com 9 deputados federais e estaduais eleitos e, em 2002, elegeu 35 deputados
federais e estaduais (Oro, 2003 Apud Netto, 2016). A IURD, então, deixou de ser uma
instituição envolvida com política para ser um player relevante na arena política
(Nascimento, 2017).

Frente a esta prática, o pentecostalismo clássico, como a AD-Belém, passou a ser


influenciado pelo neopentecostais, na construção de grandes templos e na inserção no
mercado, na mídia, e principalmente na inserção na política institucional (Almeida,
2004). A Assembleia de Deus vem se fragmentando institucionalmente em vários
ministérios (Alencar, 2013). O ministério aqui escolhido, o ministério Belém, é
considerado o principal ministério que compõe a CGADB (Valle, 2013). Os ministérios
concentram igrejas com relativa autonomia financeira e práticas congregacionais
(Fernandes et al., 1998 Apud Valle 2013).

Impactados pela eficiência da IURD (que consegue eleger mais deputados em


relação a quantidade de candidatos oficiais da igreja que foram lançados), as Assembleias
de Deus (Belém, Madureira, Pioneira etc) têm profissionalizado suas estratégias com
vista a ter mais eficácia eleitoral.

As comunidades religiosas geram sociabilidades específicas, no caso


sociabilidades que envolvem um compromisso maior com a comunidade moral (Almeida,
2004). Nas relações de tipo congregacionais vigora relações baseadas em redes familiares
e/ou de vizinhança. Essas relações religiosas se sobrepõem a outros vínculos societários,
como parentesco e relações econômicas (Almeida, 2004). A rede de sociabilidade tem
um importante papel no voto religioso, pois gera confiança entre o fiel e a instituição
(Boas, 2014; McDermott, 2009 Apud Netto, 2016).
A segunda questão é em relação ao financiamento de campanha. As campanhas
eleitorais evangélicas tendem a ser mais baratas em comparação com candidatos não
evangélicos (Netto, 2016). A instituição religiosa que lança seu candidato pode se utilizar
dos templos como local de campanha (Valle, 2013), com alta fidelidade ligada a líderes
religiosos que podem funcionar como mobilizadores políticos desse eleitorado, ou seja
brokers, indivíduos que dispõe de redes interpessoais em nível local (Nascimento, 2017),
além de ter um alto número de cabos eleitorais voluntários (Almeida e Peixoto, 2017).
Esses mecanismos de mobilização do eleitorado constitui um modelo de brokerage.

Um dos focos da observação participante será as reuniões e ações eleitorais do


chamado Projeto Cidadania AD. Tal projeto desenvolvido pela comissão política da AD-
Belém atua fazendo reuniões abertas aos fiéis da igreja fora do ambiente religioso. Essas
reuniões em período eleitoral tornaram-se atividades de formação dos cabos eleitorais,
tratados nos termos dos atores como agentes políticos. O título desse trabalho foi
proferido durante uma dessas reuniões, no mês de abril, na qual o Pastor e Vereador
evangélico em campinas, Professor Alberto (PR), fazia sua prestação de contas aos
agentes políticos da AD de Campinas.

"Os irmãos não podem esquecer da cidadania terrena, que é conjunta a cidadania divina, devemos
exercer nossos deveres aqui na terra também, promover o bem e reprimir o mal". (Vereador
Professor Alberto do PR)

A campanha eleitoral, objeto da pesquisa, é a do Paulo Freire da Costa, a deputado


federal pelo estado São Paulo, pelo PR, que vai tentar seu segundo mandato, depois de
(2015-2018). O Paulo Freire da Costa é pastor presidente da AD - Belém em Campinas,
irmão do pastor presidente da CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus no
Brasil), órgão máximo da AD, José Wellington Costa Junior, ambos são filhos do José
Wellington Bezerra da Costa, que foi pastor presidente da CGADB de 1988 até 2017. A
AD se estruturou em um modelo de oligárquico e caudilhesco (Freston, 1993) de igrejas
mães e igrejas dependentes, concentrando poder nas figuras dos pastores presidentes
(Tanaka, 2018).

Em síntese, o estudo de caso proposto visa identificar os ativos e as estratégias


eleitorais na primeira fase da pesquisa e, posteriormente, analisar os gastos de campanha,
sobretudo, compreender os efeitos da nova legislação que torna as campanhas mais
baratas sobre as candidaturas evangélicas oficiais 3.

Objetivos

o   Realizar uma etnografia da campanha eleitoral do candidato evangélico


pentecostal a deputado federal pelo estado de são Paulo, Paulo Roberto Freire da
Costa, pastor presidente da igreja Assembleia de Deus - ministério Belém - em
Campinas, a fim de observar as estratégias de campanha.  
o   Identificar a rede de influência desse candidato a partir da análise do público alvo
dos materiais de campanha e das atividades eleitorais.  
o   Verificar o “efeito Igreja Universal” sobre a profissionalização da campanha
política na Assembleia de Deus.  
o   Descrever o modelo de brokerage da AD – Belém a partir do qual a igreja mobiliza
politicamente seus fiéis.  
o   Compreender o recrutamento e a formação dos cabos eleitorais nas igrejas. Em
outra palavras, a formação de militâncias de perfil religioso.  
o   Analisar o financiamento da campanha eleitoral (volume de arrecadação, fontes
de arrecadação e formas de gasto) em comparação com outros candidatos
evangélicos ou não.

Metodologia

Essa pesquisa terá dois momentos. O primeiro momento, pré-eleições, é estruturado


nos moldes de um Estudo de Caso, com caráter etnográfico, com a associação de três
métodos: (i) observação participante e reflexiva, das atividades eleitorais da campanha
observada, das reuniões de recrutamento e formação dos cabos eleitorais, dos cultos
religiosos na igreja sede da AD - Belém em Campinas, e numa congregação da AD -
Belém localizada na periferia de Campinas; (ii) Coleta de documentação como: material
da campanha, jornais e informativos da igreja que tratam da eleição, material de formação
distribuídos aos cabos eleitorais e slides utilizados nas reuniões de formação dos mesmos;

                                                                                                                       
3
Como indicado na nota 1, esta base de dados quantitativos e espaciais estará sendo montada por outra
iniciação científica.
(iii) Entrevistas com auxílio de um questionamento semi-estruturado com os pastores
responsáveis pelo Projeto Cidadania AD, líderes da comissão política da AD - Belém e
com os cabos eleitorais.

O segundo momento, pós-eleições, trata do financiamento da campanha eleitoral, (i)


volume da arrecadação; (ii) diferentes fontes de arrecadação; (iii) gastos da campanha;
(iv) efeitos da arrecadação em relação ao número de votos obtidos.

Cronograma
1º Semestre (agosto 2018 a dezembro 2019)
- Realizar um levantamento bibliográfico, dentro do recorte temático;
- Etnografar a campanha eleitoral;  
- Realizar a análise do material coletado;
- Elaboração do Relatório Parcial.
2º semestre (janeiro de 2019 a julho de 2019)  
- Analisar o financiamento da campanha;  
- Analisar os dados georreferenciados;  
- Elaboração da apresentação dos resultados de pesquisa para serem submetidos
no Congresso de Iniciação Científica;  
- Elaboração do Relatório Final de Atividades para o PIBIC.  

Período (meses)  
Atividades  
1   2   3   4   5   6   7   8   9   10   11   12  

Levantamento bibliográfico   X   X    

Etnografia   X X X      

Análise do material coletado         X                

Elaboração do Relatório Parcial X      

Entrega do Relatório Parcial X    

Análise do financiamento               X   X        

Análise dos dados georreferenciados               X   X        


Discussão X
Elaboração do Relatório Final X
Participação no Congresso de
Iniciação Científica
X
Entrega de Relatório Final X
Referências
ALENCAR, Gedeon. Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus (1911-
2011). Novos Diálogos, 2013.  
ALMEIDA, Jheniffer Vieira De e PEIXOTO, Vitor. Servir e Obedecer: uma análise de
cabos eleitorais neopentecostais. In: 41 ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 2017,
Caxambu, MG. Anais... Caxambu, MG.: [s.n.], 2017.  
ALMEIDA, Ronaldo de. Religião na metrópole paulista. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, São Paulo, v. 19, n. 56, p. 15-27, Oct. 2004.
ALMEIDA, Ronaldo de. Deuses do Parlamento. Novos Estudos, CEBRAP, São Paulo,
junho de 2017, p. 71-79.
FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment.
Tese (doutorado) — Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 1993
NASCIMENTO, Claudia Cerqueira. Igreja como partido: capacidade de coordenação
eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus. 2017. Tese (Doutorado em Ciência
Política). - Fundação Getúlio Vargas, São Paulo.
NETTO, Gabriela Figueiredo. Quando o dinheiro importa menos: uma análise do
financiamento de campanhas eleitorais dos candidatos evangélicos. 2016. Dissertação
(Mestrado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidad de São Paulo, São Paulo, 2016. doi:10.11606/D.8.2016.tde-08042016-
132507. Acesso em: 2018-04-20.
TANAKA, Marcela. O voto da fé: comportamento eleitoral e recrutamento partidário
dos deputados estaduais evangélicos em São Paulo (2002-2014). 2018. Tese (Mestrado
em Ciência Política) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 2018.
VALLE, Vinicius Saragiotto Magalhães do. Pentecostalismo e lulismo na periferia de
São Paulo: estudo de caso sobre uma Assembleia de Deus na eleição municipal de 2012.
2013. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

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