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OBJETOS

ESPECÍFICOS
Donald Judd

Texto retirado do Livro: Escritos de Artistas – Anos 60/70,


organização de Glória Ferreira e Cecília Cotrim. (pgs.96-106). Pela
primeira vez publicado em 1963.

A
metade, ou mais, dos melhores novos trabalhos que se têm
produzido nos últimos anos não tem sido nem pintura nem
escultura, frequentemente, eles têm se relacionado, de maneira
próxima ou distante, a uma ou a outra. Os trabalhos são variados, e dentre
eles muito do que não é nem pintura nem escultura também é variado.
Mas há algumas coisas que ocorrem quase em comum.
Os novos trabalhos tridimensionais não constituem um movimento,
escola ou estilo. Os aspectos comuns são muito gerais e muito pouco
comuns para definirem um movimento. As diferenças são maiores do que
as semelhanças. As semelhanças surgem a partir dos trabalhos; elas não
são princípios fundamentais ou regras delimitadoras de um movimento.
A tridimensionalidade não está tão próxima de ser simplesmente um
continente quanto à pintura e a escultura pareceram estar, mas ela tende a
isto. Agora a pintura e a escultura são menos neutras, menos continente,
mais definidas, não inegáveis e inevitáveis. Elas são formas particulares
circunscritas, enfim, produzindo qualidades razoavelmente definidas.
Grande parte da motivação subjacente aos novos trabalhos é livrar-se
de tais formas. O uso das três dimensões é uma alternativa óbvia. Abre
espaço para qualquer coisa. Muitas das razões para esse uso são negativas,
de reação à pintura e à escultura, e já que ambas são fontes comuns,
as razões negativas são aquelas mais próximas do senso comum. «O
motivo para mudar é sempre algum desconforto: nada que nos instigue
à mudança de estado, ou a qualquer ação nova, mas algum desconforto."
As razões positivas são mais particulares. Uma outra razão para listar as
insuficiências da pintura e da escultura antes de qualquer outra coisa é
que ambas são familiares e seus elementos e qualidades mais facilmente
localizados.
As objeções à pintura e à escultura soarão mais intolerantes do que
são. Há qualificações. O desinteresse pela pintura e pela escultura é um
desinteresse por fazê-las de novo, não por elas do modo como têm sido
feitas por aqueles que desenvolveram as recentes e avançadas versões.
Um novo trabalho sempre envolve objeções ao velho,
mas essas objeções só são verdadeiramente relevantes
para o novo. São parte dele. Se o trabalho anterior é de
primeira linha ele é completo. Novas inconsistências
e limitações não são retroativas; elas concernem
unicamente ao trabalho que está sendo desenvolvido.
Obviamente, o trabalho tridimensional não sucederá
de maneira clara a pintura e à escultura. Não é como
um movimento; de qualquer modo, movimentos
já não funcionam mais; além disso, a história linear
de algum modo se desfez. O novo trabalho supera a
pintura com plena potência, mas a potência não é a
única consideração, embora a diferença entre ela e a
expressão também não possa ser tão grande. Há outros
caminhos além da potência e da forma pelos quais um
tipo de arte pode ser mais, ou menos, do que outro.
Finalmente, uma superfície plana e retangular é muito
cômoda e conveniente para ser abandonada. Algumas
coisas só podem ser feitas em uma superfície plana. A
representação de uma representação por Lichtenstein
é um bom exemplo. Mas esse trabalho, que não é
nem pintura nem escultura, desafia ambas. Ele terá
de ser levado em consideração por novos artistas.
Provavelmente mudará a pintura e a escultura.
O principal defeito da pintura é que ela é um plano
retangular chapado contra a parede. Um retângulo é
uma forma [shape] em si mesma; ele é, obviamente,
a forma [shape] total; determina e limita o arranjo
de quaisquer coisas que estejam sobre ou dentro
dele. Nos trabalhos anteriores a 1946, as bordas do
retângulo são uma fronteira, são o fim do quadro.
A composição deve reagir às bordas e o retângulo
Donald Judd, Sem Título (DSS 216), 1970.
deve ser unificado, mas a forma [shape] do retângulo
Ferro galvanizado com Plexiglas âmbar
não é acentuada; as partes são mais importantes, 10 unidades, cada 9 x 40 x 31 polegadas
e as relações de cor e forma se dão entre elas. Nas (22,9 x 101,6 x 78,7 centímetros)
pinturas de Pollock, Rothko, Still e Newman, e
mais recentemente nas de Reinhardt, o retângulo é
enfatizado. Os elementos dentro do retângulo são
amplos e simples e correspondem intimamente ao
retângulo. As formas [shapes] e a superfície são apenas
aquelas que podem ocorrer plausivelmente dentro de
ou sobre um plano retangular. As partes são poucas e
tão subordinadas à unidade que não são partes em um
sentido ordinário. Uma pintura é quase uma entidade,
uma coisa, e não a indefinível soma de um grupo de
entidades e referências. A coisa una ultrapassa em
potência a pintura anterior. Ela também estabelece o
retângulo como uma forma definida; ele já não é mais
um limite completamente neutro. Uma forma só pode
ser usada de tantas maneiras. Ao plano retangular é
dado um tempo de vida A simplicidade exigida para
que se enfatize o retângulo limita os possíveis arranjos Donald Judd, Sem Título (DSS 216), 1970.
dentro dele. O senso de unicidade também tem (Detalhe da obra)
uma duração limitada, mas está apenas começando
Yves Klein, da série “Anthopometries”
(1960-1961). 200cm x 179 cm.

e tem mais futuro fora da pintura. A sua ocorrência sua vez parece indefinidamente profundo. A pintura
na pintura agora parece um começo, no qual formas de Pollock está obviamente sobre a tela e o espaço é
novas são frequentemente retiradas de esquemas e sobretudo aquele criado por quaisquer marcas sobre
materiais anteriores. uma superfície, de modo que não é muito descritivo
O plano também é enfatizado e quase simples e ilusionista.
[single]. Ele é claramente um plano à frente de outro As faixas concêntricas de Noland não são tão
plano - a parede - a uma distância de uma ou duas especificamente tinta-sobre-uma-superfície quanto à
polegadas, e paralelo a esta. A relação entre os dois pintura de Pollock, mas as faixas tornam mais plano o
planos é específica; é uma forma, Tudo e que esteja espaço literal. Por mais planares e não ilusionistas que
sobre eu ligeiramente dentro de plane da pintura deve sejam as pinturas de Noland, as faixas de fato avançam
ser arranjado lateralmente. e recuam. Até mesmo um único círculo torcerá a
Quase todas as pinturas são, de um modo ou de superfície em sua direção, terá um pequeno espaço
outro, espaciais. As pinturas azuis de Yves Klein por trás dele.
são as únicas que são não-espaciais, e há algumas Exceto por um completo e invariável campo de
poucas quase não-espaciais, sobretudo as de Stella. É cor ou de marcas, qualquer coisa localizada-em um
possível que pouca coisa possa ser feita com um plano retângulo e sobre um plane sugere algo sobre e dentro
retangular vertical e com uma ausência de espaço. de outra coisa, algo à sua volta, o que por sua vez
Qualquer coisa sobre uma superfície tem espaço por sugere um objeto ou figura em seu espaço, sendo esses
trás dela. Duas cores sobre a mesma superfície quase os exemplos mais nítidos de um mundo similar - esse é
sempre encontram-se em diferentes profundidades. o principal propósito da pintura. As pinturas recentes
Uma cor uniforme, especialmente em tinta a óleo, não são completamente simples [singles]. Há algumas
cobrindo roda ou grande parte de uma pintura, é quase áreas dominantes, os retângulos de Rothko ou os
sempre tanto plana quanto infinitamente espacial. círculos de Noland, e há a área em volta deles. Há um
O espaço é raso em rodo trabalhe no qual o plano afastamento entre as formas principais, as partes mais
retangular é enfatizado. O espaço de Rothko é raso e os expressivas e o resto da tela, o plano e o retângulo. As
suaves retângulos são paralelos ao plano, mas o espaço formas centrais ainda ocorrem em um contexto mais
é quase tradicionalmente ilusionista. Nas pinturas amplo e indefinido, embora a unicidade das pinturas
ed Nas pinturas de Reinhardt, logo atrás do plano reduza a natureza geral e solipsista de trabalhe anterior.
da tela, há um plano chapado (flat plane), e isto por Campos também são geralmente ilimitados, e têm a
aparência de seções cortadas de algo indefinidamente Os readymades de Duchamp e outros objetos dadá
maior. também são vistos de uma só vez e não parte por
A tinta a óleo e a tela não têm a mesma força que as parte. As caixas de Cornell têm partes em demasia
tintas comerciais e as cores e superfícies dos materiais, para parecerem estruturadas à primeira vista. Uma
especialmente se os materiais são usados em três estrutura parte-por-parte não pode ser muito simples
dimensões. Óleo e tela são familiares e, assim como nem muito complicada. Ela deve parecer ordenada. O
o' plano retangular, possuem urna certa qualidade grau de abstração de Arp, a extensão moderada de sua
e possuem limites. Tal qualidade é especialmente referência ao corpo humano, nem imitativa nem muito
identificada com a arte. oblíqua, é diferente do conjunto de imagens [imagery]
Os novos trabalhos obviamente assemelham-se da maioria dos novos trabalhos tridimensionais. O
mais à escultura do que à pintura, porém estão mais porta-garrafas de Duchamp é próximo de alguns deles.
próximas da pintura. A maior parte das esculturas é O trabalho de Johns e Rauschenberg, as assemblages e
como a pintura que antecedeu Pollock, Rothko, Still o baixo-relevo de forma geral - os relevos de Ortman,
e Newman. A sua maior novidade é a larga escala. por exemplo - são preliminares. Os poucos objetos
Seus materiais são de certa forma mais enfatizados do feitos a partir de moldes [cast objects] de Johns e
que antes. O conjunto de imagens [imagery] envolve alguns dos trabalhos de Rauschenberg, tais como a
algumas notáveis semelhanças com outras coisas cabra com o pneu, são começos.
visíveis e muitas outras referências mais oblíquas, Algumas pinturas europeias guardam relações
tudo generalizado para se tornar compatível. As com objetos, como as de Klein, por exemplo, e as de
partes e o espaço são alusivos, descritivos e de certa Castellani, que têm campos invariáveis de elementos
forma naturalistas. A escultura de Higgins é um em baixo-relevo. Arman e alguns outros trabalham
exemplo e, diferentemente, a de Di Suvero também. em três dimensões. Dick Srnith fez alguns grandes
A escultura de Higgins sugere sobretudo máquinas e trabalhos em Londres com telas esticadas sobre
corpos truncados. Sua combinação de gesso e metal molduras em forma de paralelepípedos tortos e com
é mais específica. Di Suvero utiliza vigas de ferro as superfícies pintadas como se fossem pinturas.
corno se fossem pinceladas, imitando o movimento, Philip King, também em Londres, parece estar
como fez Kline. O material nunca possui seu próprio fazendo objetos. Alguns dos trabalhos da costa Oeste
movimento. Uma viga se lança com ímpeto, um [dos EUA]-parece seguir essa linha - os de Larry
pedaço de ferro segue um gesto; juntos, eles formam Bell, Kenneth Price, Tony Delap, Sven Lukin, Bruce
urna imagem naturalista e antropomórfica. O espaço Conner, Kienholz, é claro, e outros. Alguns dos
corresponde. trabalhos de Nova York que possuem algo ou muito
A maioria das esculturas é feita parte por parte, por dessas características são os de George Brecht, Ronald
adição, composta. As principais partes permanecem Bladen, John Willenbecher, Ralph Ortiz, Anne Truitt,
consideravelmente discretas. Estas e as partes menores Paul Harris, Barry McDowell, John Chamberlain,
formam uma coleção de variações, indo do frágil Robert Tanner, Aaron Kuriloff, Robert Morris,
ao grande. Há entre elas hierarquias de claridade Narhan Raisen, Tony Srnith, Ri¬chard Navin, Claes
e de força, e de proximidade a urna ou duas ideias Oldenburg, Robert Watts, Yoshimura,john Anderson,
principais. Madeira e metal são os materiais mais Harry Soviak, Yayoi Kusama, Frank Stella, Salvatore
usuais, tanto sozinhos quanto juntos, e se utilizados Scarpitta, Neil Williams, George Segal, Michael Snow,
juntos é sem muito contraste. Raramente há alguma Richard Artschwager, Arakawa, Lucas Samaras,
cor. O pouco contraste e a natural monocromia são Lee Bontecou, Dan Flavin e Robert Whitman. H.C.
gerais e ajudam a unificar as partes. Westermann trabalha em Connecticut. Alguns desses
Há muito pouco dessas coisas nos novos trabalhos artistas fazem tanto trabalhos tridimensionais quanto
tridimensionais. Até agora a mais óbvia diferença pinturas. Uma pequena parte da produção de outros,
dentre os diversos trabalhos desse conjunto é entre Warhol e Rosenquist, por exemplo, é tridimensional.
aquilo que é de certa forma um objeto, urna coisa A composição e o conjunto de imagens [imagery]
simples [single], e aquilo que é aberto e em extensão, do trabalho de Chamberlain são essencialmente as
mais ou menos ambiental. No entanto, não há uma mesmas que as da pintura anterior, mas estas são
diferença tão grande entre suas naturezas quanto secundárias em relação a uma aparência de desordem
há entre suas aparências, Oldenburg e outros e estão a princípio escondidas pelo material. O metal
fizeram ambos. Há precedentes para algumas das amassado tende a ficar desse jeito. É neutro a princípio,
características dos novos trabalhos. Na escultura de não artístico, e depois parece ser objetivo. Quando
Arp as partes são usualmente subordinadas, e não a estrutura e a imagem tomam-se aparentes, parece
separadas, e frequentemente na de Brancusi também. haver metal e espaço demais, mais acaso e contingência
pintura e à escultura. Alguns dos aspectos mais gerais
podem persistir, por exemplo o trabalho ser como um
objeto ou ser específico, mas outras características
estão prestes a se desenvolver. Por seu alcance ser tão
vasto, o trabalho tridimensional provavelmente se
dividirá em um sem-número de formas. De qualquer
maneira, será mais amplo que a pintura e ainda mais
amplo que a escultura, a qual, comparada à pintura, é
extremamente particular, muito mais próxima daquilo
que é geralmente chamado de uma forma, ou tendo
um certo tipo de forma. Porque a natureza das três
dimensões não está estabelecida, dada de antemão,
algo convincente pode ser feito, quase qualquer coisa.
É claro que algo pode ser feito dentro de uma forma
dada, tal como a pintura, porém com certa estreiteza
e menos força e variação. Já que a escultura não é uma
forma tão geral, ela provavelmente só pode ser aquilo
que é hoje - o que significa que, se ela mudar bastante,
tornar-se-á outra coisa; de modo que está acabada.
Três dimensões são o espaço real. Esse fato elimina
Joseph Cornell, Sem Título (Farmácia), 1942. o problema do ilusionismo e do espaço literal, o
espaço dentro e em torno das marcas e das cores - o
do que ordem. Os aspectos de neutralidade, de que significa libertar-se de uma das mais significativas
redundância e de forma e imagem não poderiam ser e contestáveis relíquias da arte europeia. Os diversos
coextensivos sem as três dimensões e sem o material limites da pintura já não estão mais presentes. Um
específico. A cor também é tanto neutra quanto trabalho pode ser tão potente quanto em pensamento.
sensível e, ao contrário das cores da tinta a óleo, O espaço real é intrinsecamente mais potente e
possui uma grande amplitude. A maioria das cores específico do que pintura sobre uma superfície plana.
que são integrais, diferentemente da pintura, tem sido Obviamente, qualquer coisa em três dimensões
usada no trabalho tridimensional. A cor nunca é sem pode ter qualquer forma, regular ou irregular, e
importância, como ocorre geralmente na escultura. pode ter qualquer relação com a parede, o chão, o
As shaped paintings de Stella comportam diversas teto, a sala, as salas e o exterior, ou absolutamente
características importantes do trabalho tridimensional, nenhuma. Qualquer material pode ser usado, como é
A periferia do trabalho e as linhas internas ou pintado. Um trabalho só precisa ser interessante.
correspondem-se. As listras nunca estão perto de A maioria dos trabalhos definitivamente possui uma
serem partes discretas. A superfície está mais longe da qualidade única. Na arte mais antiga a complexidade
parede do que o normal, embora permaneça paralela era exibida e construía a qualidade. Na pintura
à mesma. Já que a superfície está excepcionalmente recente complexidade encontrava-se no formato e
unificada e envolve pouco ou nenhum espaço, o plano nas poucas formas principais, que haviam sido feitas
paralelo é incomum ente distinto. A ordem não é de acordo com vários interesses e problemas. Uma
racionalista e prioritária, mas é simplesmente ordem, pintura de Newman, finalmente, não é mais simples
como a de continuidade, uma coisa depois da outra. do que uma de Cézanne. No trabalho tridimensional,
Uma pintura não é uma imagem. As formas [shapes], a coisa toda é feita segundo propósitos complexos, e
a unidade, a projeção, a ordem e a cor são específicas, esses não estão dispersos, mas são afirmados por uma
enfáticas e potentes. forma única. Não é necessário para um trabalho ter
Pintura e escultura tornaram-se formas estabelecidas. um monte de coisas para olhar, para comparar, para
Boa parte do seu significado não é convincente. O analisar uma por uma, para contemplar. A coisa como
uso de três dimensões não é o uso de uma forma um todo, sua qualidade como um todo, é o que é
dada. Ainda não houve tempo e trabalho suficientes interessante. As coisas principais estão sozinhas e são
para ver seus limites. Até agora, consideradas mais mais intensas, claras e potentes. Elas não são diluídas
amplamente, as três dimensões são principalmente por um formato herdado, variações de uma forma,
um espaço para mover-se. As características das contrastes brandos e partes e áreas para conectar.
três dimensões são aquelas de apenas um pequeno A arte europeia tinha de representar um espaço e
número de trabalhos, muito pouco se comparado à seus conteúdos, assim como ter unidade suficiente e
interesse estético. A pintura abstrata anterior a 1946 e latão assim por diante. Eles são específicos. Se usados
muito da pintura subsequente manteve a subordinação diretamente, são ainda mais específicos. Além disso,
representacional do às suas partes. A escultura ainda o são geralmente enfáticos. Há uma objetividade na
faz. Nos novos trabalhos a forma [shape], a imagem, a inexorável identidade de um material. Também, é
cor e a superfície são unas, e não parciais e dispersas. claro, a qualidade dos materiais - rigidez [hard mass],
Não há áreas ou partes neutras nem moderadas, não maleabilidade [soft mass], espessura de 1/32, 1/16,
há conexões ou áreas de transição. A diferença entre 1/8 de polegada, flexibilidade, maciez, translucidez,
os novos trabalhos e a pintura anterior e a atual opacidade - tem usos não objetivos. O vinil dos objetos
escultura é como a diferença entre uma das janelas de macios [soft objects] de Oldenburg parece o mesmo
Brunelleschi na Badia di Fiesole e a fachada do Palazzo de sempre, liso, flácido e um pouco desagradável, e é
Rucellai [Alberti], que como um todo é apenas um objetivo, mas é flexível e pode ser costurado e enchido
retângulo não-desenvolvido e é principalmente uma de ar e lã de seda e pendurado ou pousado sobre algo,
coleção de partes altamente ordenadas. dobrando ou desmoronando. A maior parte dos novos
O uso das três dimensões torna possível a materiais não é tão acessível quanto o óleo sobre
utilização de todo ti o de materiais e cores. A maior tela e é difícil associá-los uns aos outros. Eles não se
parte dos trabalhos envolve novos materiais, sejam identificam de maneira óbvia com a arte. A forma
invenções recentes ou coisas que antes não eram de um trabalho e seus materiais estão intimamente
usadas em arte. Até recentemente, pouco era feito relacionados. Nos trabalhos anteriores a estrutura
com a grande variedade de produtos industriais. e a imagem eram executadas em algum material
Quase nada foi feito com técnicas industriais e, por neutro e homogêneo. Já que poucas coisas são massas
causa do custo, provavelmente não será por algum indefinidas, há problemas em combinar diferentes
tempo. A arte poderia ser produzida em massa, e superfícies e cores e em relacionar as partes de modo a
possibilidades indisponíveis de outra forma, tais como não enfraquecer a unidade.
a impressão [stamping], poderiam ser usadas. Dan O trabalho tridimensional geralmente não envolve
Flavin, que utiliza luzes fluorescentes, apropriou-se um conjunto de imagens [imagery] antropomórficas
dos resultados da produção industrial. Os materiais comuns. Se há uma referência é simples [single] e
variam enormemente e são simplesmente materiais explícita, Em todo caso, os principais interesses são
- fórmica, alumínio, lâmina de aço, acrílico, bronze, óbvios.

Dan Flavin, Sem Título, 1970.


Cada um dos relevos de Bontecou é uma imagem.
A imagem, todas as panes e toda a forma [shape]
são coextensivos. As partes são ou pane da cavidade
ou parte do relevo que forma a cavidade. A cavidade
e o relevo são apenas duas coisas que, afinal, são a
mesma coisa. As partes e divisões são ou radiais ou
concêntricas em relação à cavidade, levando para
dentro e para fora e delimitando. As panes radiais e
concêntricas encontram-se mais ou menos em ângulo
reto e, em detalhe, são estruturas no sentido antigo,
mas coletivamente são subordinadas à forma simples.
A maior parte dos novos trabalhos não tem estrutura
no sentido usual, especialmente os de Oldenburg e
Stella. O trabalho de Chamberlain envolve composição.
A natureza da imagem simples de Bontecou não é tão
diferente da natureza das imagens que existiam em
pequena escala na pintura semi-abstrata. A imagem
é basicamente simples e emotiva, o que por si só
não lembraria tanto a velha imagética, porém foram
acrescentadas a ela referências externas e internas, tais
como violência e guerra. Os acréscimos são de certo
modo pictóricos, mas a imagem é essencialmente
nova e surpreendente; uma imagem nunca antes fora
a totalidade da obra, nunca fora tão grande, explícita
e enfática. O orifício protegido é como um objeto
estranho e perigoso. A qualidade é intensa, estrita e
obsessiva. O barco e a mobília que Kusama cobriu
de protuberâncias brancas associam intensidade e
obsessão e são também objetos estranhos. Kusama se
interessa pela repetição obsessiva, o que é um interesse
único. As pinturas azuis de Yves Klein são, também
estritas e intensas.
Árvores, figuras, comida ou mobília em uma Claes Oldenburg, CLOTHESPIN, 1976.
pintura tem uma forma [shape] ou contêm formas
[shapes] que são emocionais. Oldenburg levou ao sem nada do que ordinariamente seria chamado de
extremo seu antropomorfismo e transformou a forma estrutura. A bola e o cone da grande casquinha de
emocional, que com ele é primária e biopsicológica, sorvete são suficientes. A coisa toda é uma forma
no mesmo que a forma de um objeto, e com profunda, tal como ocorre às vezes na arte primitiva.
estardalhaço subverteu a ideia da presença natural de Três camadas expressas com a menor por cima são
qualidades humanas em todas as coisas. E, além disso, suficientes. Assim é uma tomada elétrica mole da.
Oldenburg evita árvores e pessoas. Todos os objetos cor de um flamingo pendurada em dois pontos. Uma
grosseiramente antropomórficos de Oldenburg são forma simples e uma ou duas cores são consideradas
feitos pela' mão do homem - o que é de imediato menores pelos padrões antigos. Se as mudanças da
um problema empírico. Alguém ou várias pessoas arte forem comparadas com o passado, parece haver
fizeram essas coisas e incorporaram suas preferências. sempre uma redução, já que apenas velhos atributos
Por mais prática que seja uma casquinha de sorvete, são considerados, e estes existem sempre em menor
muitas pessoas fizeram uma escolha, e muitas outras quantidade. Mas obviamente coisas novas são mais, tal
aceitaram sua aparência e existência. Esse interesse como as técnicas e materiais de Oldenburg. Oldenburg
aparece mais nos recentes utensílios e artefatos de casa precisa de três dimensões para simular e aumentar
e especialmente na mobília do quarto , onde a escolha um objeto real e para equipará-lo a uma forma
é flagrante. Oldenburg exagera a forma escolhida ou emocional. Se um hambúrguer fosse pintado, reteria
aceita e transforma-a em algo que lhe é próprio. Nada algo do antropomorfismo tradicional. George Brecht
que é feito é inteiramente objetivo, puramente prático e Robert Morris utilizam objetos reais e dependem do
ou meramente presente. Oldenburg é bem-sucedido conhecimento que o espectador tem de tais objetos.
SOBRE DONALD JUDD
[Excelsior Springs, 1928- Nova York, 1994]

Estudante da Art Students League, em Nova York, com


formação em filosofia pela Universidade de Colúmbia e pós-
graduação em história da arte pela mesma universidade,
Judd inicia-se nas artes plásticas como pintor, exercendo,
paralelamente, intensa atividade crítica nas revistas Art
News, Arts Magazine e Art International, de 1959 a 1965,
e posteriormente em diversas publicações. Em 1975, o
Programa Nacional da Galeria Nacional do Canadá, em
Ottawa, publica o Catalogue Raisonné of Paintings, Objects,
and Wood-Block 1960-1974, dedicado a Judd. Nesse mesmo
ano é editada a primeira compilação de seus textos, Complete
Writings 1959-1975 (Halifax/Nova York, Nova Scotia College
of Art and Design Press/NewYork University Press). Seus
textos referem-se a, além de questões mais programáticas da
arte, criticas da produção que lhe é contemporânea, da mesma
maneira que seus trabalhos tiveram comentários de Robert
Smithson, Mel Bochner, Dan Flavin e outros. O corpus de seus
escritos, Complete Writing 1975-1986, foi editado em 1987
pelo Stedelijk Van Abbemuseum, de Eindhoven, e reunido em
1991 em Ecrits 1963-1990 (Paris, Daniel LeIong). Nos anos 80
Judd transforma um antigo forte militar e a Fondation Chinati,
em Marfa, no Texas, em centro permanente de exposição de
trabalhos seus e de outros artistas, que até hoje podem ser
visitados.
“Objetos específicos”, considerado o “manifesto” teórico do
minimalismo, foi escrito, segundo o artista, em 1963. Nesse
texto Judd afirma que a característica essencial da produção
dos jovens artistas de sua geração é o trabalho tridimensional,
inscrito no espaço real, antiilusionista e antigestual. Estruturas
nas quais cor, forma e superfície estão integradas, criando
oque ele chamará de unidades, singles ou wholeness: coisas em
si, que só remetem a si mesmas, como seus trabalhos expostos
em sua primeira individual na Green GaJlery, em dezembro de
1963. Questões que estarão no centro das polêmicas suscitadas
por Clement Greenberg em “Recentness of esculpture” (1967)
e no celebre texto de Michael Fried “Art and objecthood”
(1967, traduzido e Arte&Ensaios 9, 2002).

“Specific objects” Texto publicado originalmente em Arts


Yearbook 8 (1965), com numerosas edições.

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