Você está na página 1de 4

FICHA DE AVALIAÇÃO 1

GRUPO I
A. Lê o seguinte texto.

Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? Nunca pior auditório. Ao menos têm os
peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem, e não falam. Uma só cousa pudera
desconsolar ao Pregador, que é serem gente os peixes, que se não há de converter. Mas esta
dor é tão ordinária que já pelo costume quase se não sente. Por esta causa não falarei hoje em
5
Céu, nem Inferno; e assim será menos triste este Sermão, do que os meus parecem aos
homens, pelos encaminhar sempre à lembrança destes dois fins.
Vos estis sal terrae. Haveis de saber, irmãos peixes, que o sal, filho do mar como vós, tem
duas propriedades, as quais em vós mesmos se experimentam: conservar o são, e preservá-lo,
10
para que se não corrompa. Estas mesmas propriedades tinham as pregações do vosso Pregador
Santo António, como também as devem ter as de todos os Pregadores. Uma é louvar o bem,
outra repreender o mal: louvar o bem para o conservar, e repreender o mal, para preservar dele.
Nem cuideis, que isto pertence só aos homens, porque também nos peixes tem seu lugar. Assim
15 o diz o grande Doutor da Igreja São Basílio: Non carpere solum, reprehendereque possumus
pisoes, sed sunt in illis, et quae prosequenda sunt imitatione. Não só há que notar, diz o Santo, e
que repreender nos peixes, senão também que imitar, e louvar. Quando Cristo comparou a sua
Igreja à rede de pescar, Sagenae missae in mare, diz que os pescadores recolheram os peixes
20 bons, e lançaram fora os maus: Colegerunt bonos in vasa, malos autem foras miserunt. E onde
há bons, e maus, há que louvar, e que repreender. Suposto isto, para que procedamos com
clareza, dividirei, peixes, o vosso Sermão em dois pontos: no primeiro louvar-vos-ei as vossas
virtudes, no segundo repreender-vos-ei os vossos vícios. E desta maneira satisfaremos às
obrigações do sal, que melhor vos está ouvi-Ias vivos, que experimentá-las depois de mortos.
(…)
Começando pois pelos vossos louvores, irmãos peixes, bem vos pudera eu dizer, que entre
todas as criaturas viventes, e sensitivas, vós fostes as primeiras que Deus criou. (…)
Padre António Vieira, Sermões, II (Obras Escolhidas, vol. XI), 2.ª ed., Lisboa: Sá da Costa, 1997.
[“Sermão de Santo António aos Peixes”, cap. II, pp. 161-166.]

Educação literária
1. Contextualiza o excerto transcrito na estrutura interna da obra a que pertence, justificando.
2. Padre António Vieira critica, de forma indireta, os seres humanos. Indica, explicitando, o referente
utilizado pelo pregador para atingir os criticados.
3. O pregador apresenta neste excerto a divisão do sermão. Mostra como procedeu a essa divisão.
4. Tendo em conta a técnica discursiva de Padre António Vieira, retira do segundo parágrafo um exemplo de
uma antítese e explicita o seu valor expressivo.
B. Lê o seguinte texto.

Par Deus, infançom1, queredes perder


a terra2, pois nom temedes el-rei!
Ca já britades seu degred', e sei
que lho faremos mui cedo3 saber:
5
ca4 vos mandarom a capa, de pram5,
trager dous anos, e provar-vos-am
que vo-la virom três anos trager.

E provar-vos-á, das carnes, quem quer,


10
que duas carnes vos mandam comer,
e nom queredes vós d'ũa cozer;
e no degredo nom há já mester6;
nem já da capa nom hei a falar:
ca bem três anos a vimos andar
15 no vosso col'e de vossa molher.

E fará el-rei corte este mês,


e manda[rá]m-vos, infançom, chamar;
20 e vós querredes7 a capa levar
e provarám-vos, pero que vos pês8,
da vossa capa e vosso guarda-cós9,
em cas10 d'el-rei, vos provaremos nós,
que ham quatr'anos e passa[m] per três11.

Joam Garcia de Guilhade,


http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=1526&pv=sim
(consultado em 29 de dezembro de 2015).

1
infanção, cavaleiro nobre.
2
perder a terra que o rei lhe tinha dado.
3
em breve.
4
porque.
5
de pram: certamente, realmente.
6
no decreto (real) não há já necessidade desses rigores (de se comer apenas um prato de carne ou mesmo nenhum,
como é dito no verso anterior).
7
querereis.
8
ainda que vos pese.
9
sobreveste.
10
casa.
11
a capa e o guarda-cós pareciam ter três anos, mas tinham na verdade quatro.

5. Indica o assunto desta composição poética.


6. Classifica a composição poética e insere-a no contexto literário a que pertence, justificando.
GRUPO II

O Sermão de Santo António (aos Peixes): pela defesa da liberdade dos


indígenas
Três dias antes de se embarcar ocultamente para o reino, Vieira pregava,
em S. Luís do Maranhão (1654), o Sermão de Santo António (aos Peixes). Em
causa estava ainda a defesa dos Índios do Brasil. A lei que regulava as
liberdades e restrições desse povo revelava-se inútil enquanto não fosse
5
evitada a intervenção civil na sua cristianização. (…)
O Índio era, nessa época, a vítima apetecida dos colonos que o sujeitavam
impiedosamente a um regime de escravidão semelhante ao do negro.
Considerados escravos por direito de conquista, proporcionavam os naturais
10
uma mão de obra excecionalmente barata e irresistível à cobiça dos
governadores. A defesa da liberdade do indígena empreendida pela
Companhia de Jesus constituía um evidente obstáculo aos desígnios do
branco ambicioso e cruel, empenhado apenas em avolumar os rendimentos
15 com o metal reluzente à custa do sacrifício e, muitas vezes, da vida de vítimas
indefesas, “peças” indispensáveis de uma máquina produtora de riqueza. (…)
O autor procura, pois, obter a assinatura de todos os principais da cidade
de S. Luís para uma representação ao Rei. A reação dos colonos não tardou a
20 fazer-se sentir. Como resposta, Vieira constrói este sermão, onde ataca e
condena a ação destes, contrária à sua política missionária. Todo o texto é
uma alegoria amplamente demonstrativa do poder imaginativo e satírico do
pregador.
Maria das Graças Moreira de Sá, “Introdução” in Sermões Escolhidos – Padre António Vieira,
Lisboa: Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses (2.ª edição), 1984, p. 7 (adaptado).

Leitura / Gramática

1. Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1.5., seleciona a única opção que permite obter uma
afirmação correta.
1.1. Na frase “A lei que regulava as liberdades e restrições desse povo revelava-se inútil enquanto não
fosse evitada a intervenção civil na sua cristianização” (ll. 3-4), os vocábulos sublinhados mantêm entre si uma
relação semântica de
A. hierarquia.
B. inclusão.
C. oposição.
D. equivalência.
1.2. O uso do advérbio “impiedosamente” (l. 8) visa
A. destacar o modo como era praticada a ação dos colonos.
B. comparar a exploração dos índios à dos negros.
C. realçar o valor do sermão de Padre António Vieira.
D. salientar a forma como era exercida a oposição à escravatura.
1.3. A frase “A reação dos colonos não tardou a fazer-se sentir.” (l. 16-17) significa que os colonizadores se
insurgiram
A. violentamente.
B. repetidamente.
C. rapidamente.
D. pacificamente.
1.4. Em “Como resposta, Vieira constrói este sermão, onde ataca e condena a ação destes, contrária à sua
política missionária.” (17-18), “destes” remete para
A. “todos os principais da cidade de S. Luís”. (l. 15-16).
B. “resposta”. (l. 17).
C. “dos colonos”. (l. 17).
D. “poder imaginativo e satírico do pregador”. (ll. 19-20).
1.5. Identifica os processos fonológicos presentes na evolução da palavra TOTUM para “todo”:
A. síncope e sonorização.
B. apócope e palatalização.
C. apócope e metátese.
D. apócope e sonorização.
2. Responde de forma correta aos itens apresentados.
2.1. Divide e classifica as orações da frase “A lei que regulava as liberdades e restrições desse povo
revelava-se inútil enquanto não fosse evitada a intervenção civil na sua cristianização.” (ll. 3-5).
2.2. Atenta nas frases que a seguir se indicam. Reescreve-as, estabelecendo entre elas um valor de
concessão.
a) Os homens são os destinatários das críticas do pregador.
b) As reprimendas são apresentadas no sermão de modo metafórico.
2.3. Indica a função sintática da expressão sublinhada em “A reação dos colonos não tardou a fazer-se
sentir” (ll. 16-17).

GRUPO III
Escrita
A palavra de Vieira incomoda os que vivem longe do caminho …

Constrói um texto de opinião bem estruturado, de 180 a 210 palavras, explicitando a atualidade desta
afirmação na crítica aos defeitos mais destruidores do ser humano, nomeadamente, a ambição
desmedida, a arrogância e o exibicionismo.

Você também pode gostar