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Prova escrita de Português -11º ano Duração da Prova: 100 min.

GRUPO I -EDUCAÇÃO LITERÁRIA -(110 pontos)


Texto A
- Descendo ao particular, direi agora, peixes, o que tenho contra alguns de vós. E começando
- aqui pela nossa costa: no mesmo dia, em que cheguei a ela, ouvindo os Roncadores, e vendo o seu
- tamanho, tanto me moveram o riso, como a ira. É possível que sendo vós uns peixinhos tão
- pequenos haveis de ser as roncas do mar? Se com uma linha de coser, e um alfinete torcido vos
5 pode pescar um aleijado, porque haveis de roncar tanto? Mas por isso mesmo roncais. Dizei-me, o
- Espadarte porque não ronca? Porque ordinariamente quem tem muita espada tem pouca língua.
- Isto não é regra geral; mas é regra geral que Deus não quer Roncadores, e que tem particular
- cuidado de abater, e humilhar aos que muito roncam. São Pedro, a quem muito bem conheceram
- vossos antepassados, tinha tão boa espada, que ele só avançou contra um exército inteiro de
10 Soldados Romanos; e se Cristo lha não mandara meter na bainha, eu vos prometo que havia de
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- cortar mais orelhas, que a de Malco . Contudo que lhe sucedeu naquela mesma noite? Tinha
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- roncado, e barbateado Pedro que se todos fraqueassem só ele havia de ser constante até
- morrer, se fosse necessário: e foi tanto pelo contrário, que só ele fraqueou mais que todos, e
- bastou a voz de uma mulherzinha para o fazer tremer, e negar. Antes disso já tinha fraqueado na
15 mesma hora, em que prometeu tanto de si. Disse-lhe Cristo no Horto que vigiasse, e vindo daí a
- pouco a ver se o fazia, achou-o dormindo com tal descuido, que não só o acordou do sono, senão
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- também do que tinha brasonado: Sic non potuisti una hora vigilare mecum ? [Mc 14, 37]. «Vós,
- Pedro, sois o valente, que havíeis de morrer por mim, e não pudestes uma hora vigiar comigo?»
- Pouco há tanto roncar, e agora tanto dormir? Mas assim sucedeu. O muito roncar antes da ocasião
20 é sinal de dormir nela. Pois que vos parece, irmãos Roncadores? Se isto sucedeu ao maior
- pescador, que pode acontecer ao menor peixe? Medi-vos, e logo vereis quão pouco fundamento
- tendes de brasonar, nem roncar.
- Se as Baleias roncaram, tinha mais desculpa a sua arrogância na sua grandeza. Mas ainda nas
- mesmas Baleias não seria essa arrogância segura. O que é a Baleia entre os peixes era o gigante
25 Golias entre os homens. Se o Rio Jordão, e o mar de Tiberíades têm comunicação com o Oceano,
- como devem ter, pois dele manam todos; bem deveis de saber que este Gigante era a ronca dos
- Filisteus. Quarenta dias contínuos esteve armado no campo, desafiando a todos os arraiais de
- Israel, sem haver quem se lhe atrevesse: e no cabo que fim teve toda aquela arrogância? Bastou
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- um pastorzinho com um cajado, e uma funda, para dar com ele em terra . Os arrogantes, e
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30 soberbos tomam-se com Deus ; e quem se toma com Deus sempre fica debaixo.
Padre António Vieira, «Sermão de Santo António», in José Eduardo Franco e Pedro Calafate (dir.), Obra completa, tomo II, volume X,
Lisboa, Círculo de Leitores, 2014, pp. 162-163
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O servo do Sumo-Sacerdote ao qual São Pedro decepou a orelha direita, em resistência à prisão de Jesus; 2 dito em voz alta;
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fraquejassem; 4 «Não fostes capaz de vigiar comigo uma hora?»; 5 O gigante Golias, filisteu, foi derrotado em duelo pelo jovem Davi;
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«tomam-se com Deus» - medem-se com Deus, desafiam Deus

1. Justifique, recorrendo a elementos textuais pertinentes, o «riso» e a «ira» (linha 3) do pregador.


2. Explique em que consiste a exemplaridade de S. Pedro.
3. Identifique, justificando, o tipo humano representado pelo peixe roncador.

Texto B

Leia a cantiga.

nov. 2019/2º teste-1º Período Adelaide Eleutério


Os vossos meus maravedis1, senhor,
que eu nom houvi2, que servi melhor
ou tam bem come outr’a que3 os dam,
hei-os d’haver enquant’eu vivo for,
5 ou à mia mort’, ou quando mi os darám? 1. maravedis: moeda do século XIII.
2. houvi: tive então.
A vossa mia soldada, senhor Rei, 3. a que: a quem.
que eu servi e serv’e servirei, 4. outro quem quer: outro qualquer.
com’outro quem quer4 a que a dam bem,
5. ou à mia mort’: ou à hora da morte.
hei-a d’haver enquant’a viver hei,
ou à mia mort’5, ou que mi farám en6? 6. en: disso, disto.
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7. pero servidos: embora ganhos.
Os vossos meus dinheiros, senhor, nom 8. v. 13: como outros os houveram, que ainda
pud’eu haver, pero servidos7 som, não os serviram (ainda não justificaram esse
come outros, que os ham de servir;8 pagamento).
hei-os d’haver mentr’eu9 viver, ou pom- 9. mentr’eu: enquanto eu.
-mi-os à mia mort’, ou a quem os vou pedir? 10 10. vv. 14-15: dá-mos só por minha morte
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aquele a quem os for pedir.


Ca11 passou temp’e trastempados12 som,
houve an’e dia13 e quero-m’en partir14. 11. Ca: Pois; Porque.

CONDE, Gil Pérez (s/d), in Maria Ema Tarracha Ferreira, 12. trastempados: atrasados.
Antologia Literária Comentada – Idade Média, 4.ª edição. Lisboa: Ulisseia, p.
126.
Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

4. Explicita o sentido global da cantiga.


5. Refere um efeito expressivo do jogo de palavras “vossos meus”.

Texto C

Tendo em conta os seus conhecimentos do Sermão de Santo António aos Peixes redija
uma exposição, de 100 a 150 palavras, sobre o modo como a alegoria está ao serviço da crítica
social, de acordo com os tópicos apresentados:

- os destinatários fictícios e verdadeiros do Sermão;


- o caráter alegórico do discurso;
- a intencionalidade crítica do orador.

GRUPO II -LEITURA E GRAMÁTICA - (50 pontos).

Leia o excerto

MENOS DO QUE NÓS


Uma obra magnífica sobre o fenómeno do racismo que faz a síntese de oito séculos de
discriminação
Numa grande síntese histórica, é forçoso que alguns aspetos sejam reduzidos a uma
expressão nuclear. Francisco Bethencourt define racismo assim: “Preconceito quanto à
descendência étnica combinado com ação discriminatória.” É uma definição clara e
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funcional, que visa servir os fins de uma obra de abrangência larga, mas obviamente não
esgota o assunto. O racismo tem aspetos psicológicos complexos, por exemplo. Não é deles
que se trata aqui nem poderiam ser aprofundados neste contexto. Mas devemos tê-los em
conta, até para não perdermos de vista aquilo que ainda hoje está em causa no dia a dia,
em Portugal e noutros países. Quantas vezes ouvimos observações racistas feitas de um
modo tão casual, tão inocente, que na maior parte das vezes nem lhes respondemos.
Tentamos pensar que é porque não vale a pena, mas ficamos um pouco mais desiludidos
com os outros e sobretudo connosco. Mesmo a esse nível, “Racismos” ajuda. Ao contar o
progresso do racismo “Das Cruzadas ao Século XX – num foco europeu, mas com extensões
a África e Ásia –, mostra como os preconceitos são ativados por objetivos práticos. O
racismo não é inato. Relacional por natureza, varia de feição conforme as circunstâncias
em que surge. “Não existe um racismo cumulativo e linear,” explica Bethencourt. “As
conjunturas específicas de crise económica ou política revelaram-se cruciais para explicar a
mobilização de preconceitos e sua transformação em ações políticas ao serviço de
interesses sociais específicos”. O modo como parte da Europa vê os refugiados do Médio
Oriente tem antecedentes. Na Idade Média, o preconceito era intensificado pela
proximidade entre comunidades, mudando as atitudes com o tempo. Durante o período da
expansão oceânica, além de servir como argumento para a expulsão em bloco dessas
comunidades, justificou a exploração e o extermínio das populações indígenas. As
sociedades coloniais tendiam a ser altamente estratificadas. Ainda hoje sobrevivem
vestígios dessa herança, não raro com efeitos trágicos.
Como sabemos, a biologia moderna destruiu a ideia de raça, ao constatar que entre
indivíduos com a mesma cor de pele existe mais variedade genética do que entre grupos
com cores distintas.
Mas isso é uma descoberta recente, e de qualquer modo a cor é apenas um dos fatores
relevantes. Na Idade Média, diz Bethencourt, “a competição e a guerra constante
desempenharam um papel importante na criação de um ódio perene entre povos de
religiões diferentes, especialmente entre cristãos e muçulmanos.” Já quanto aos ciganos,
que tendiam a adotar a religião das zonas onde viviam, o preconceito tinha a ver com o
modo de vida. […]
Luís M. Faria. In E, A Revista do Expresso, 14/11/2015.

Selecione a opção que lhe permite obter uma afirmação correta.

1. O artigo supracitado, quanto ao género, é uma apreciação crítica, porque apresenta


(A) marcas de subjetividade, juntamente com vários tipos de argumentos.
(B) descrições pormenorizadas de vivências do emissor.
(C) uma síntese da obra e um discurso persuasivo.
(D) o ponto de vista do emissor e uma linguagem valorativa.

2. Segundo o autor deste artigo, racismo é um preconceito baseado


(A) na religião e na genética, apenas.
(B) na genética, na mobilidade e no modo de vida das pessoas.
(C) numa diversidade e complexidade de fatores.
(D) na descendência étnica e na guerra.

3. No quotidiano, qualquer indivíduo pode ser vítima de atitudes racistas


(A) inofensivas e, por isso, aceitáveis.
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(B) ingénuas, mas indesculpáveis.
(C) preocupantes e intoleráveis.
(D) pontuais, mas dececionantes.

4. No tempo das descobertas, o racismo foi responsável pela


(A) autonomia dos povos nativos.
(B) expulsão de estrangeiros de Portugal.
(C) exploração desumana e indiscriminada dos povos descobertos.
(D) abolição de classes nas sociedades coloniais.

5. O constituinte “por objetivos práticos” l. 14 exerce a função sintática de


(A) complemento agente da passiva.
(B) complemento oblíquo.
(C) predicativo do complemento direto.
(D) predicativo do sujeito.

6. Na frase “Não é deles que se trata aqui nem poderiam ser aprofundados neste contexto”
l. 16, apresenta a chamada deixis
(A) temporal.
(B) temporal e pessoal.
(C) espacial e pessoal.
(D) espacial e temporal.

7. No contexto em que ocorre, o vocábulo “Já” l. 33 é equivalente a


(A) outrora.
(B) porém.
(C) agora.
(D) ainda.

8. Classifique a oração “que alguns aspetos sejam reduzidos a uma expressão nuclear” l.1.
9. Refira a função sintática da palavra “reduzidos” l.1.
10. Indica o referente de “los” em “Mas devemos tê-los em conta”l.7.

GRUPO III –ESCRITA -(50 pontos)


A palavra de Vieira incomoda os que vivem longe do caminho …

Construa um texto, bem estruturado, de 180 a 250 palavras, explicitando a atualidade


desta afirmação na crítica aos defeitos mais destruidores do ser humano, nomeadamente, a
ambição desmedida, a arrogância e o exibicionismo.

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