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Eduardo Chagas Oliveira

Ivana Libertadoira Borges Carneiro


(Org.)

PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES
EM FILOSOFIA E ENSINO
ISBN 978-85-7395-292-6

9 788573 952926 >


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA ISBN 978-85-7395-292-6
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Departamento de Ciências Humanas e Filosofia:


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Eduardo Chagas Oliveira (UEFS)


PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES EM
Ivana Libertadoira Boges Carneiro (UNEB)

Conselho Editorial
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Filosofia e Ensino
Antonio Ianni Segatto (UNESP) Coleção de Ensaios em Direito, Linguagem e Produção do Conhecimento
Arturo Fatturi (UFFS) Volume 1
Daniela Chagas Oliveira (IFBA)
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Universidade Estadual de Feira de Santana Feira de Santana


Avenida Transnordestina, s/n - Novo Horizonte UEFS
CEP 44.036-900 - Feira de Santana - Bahia 2018
ISBN 978-85-7395-292-6

PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES EM
Filosofia e Ensino
Coleção de Ensaios em Direito, Linguagem e Produção do Conhecimento

Os textos publicados neste livro são de inteira responsabilidade de seus autores. A


reprodução parcial é permitida, desde que seja citada a fonte. Textos Organizados por

Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado – UEFS EDUARDO CHAGAS OLIVEIRA
Universidade Estadual de Feira de Santana
P553 Perspectivas interdisciplinares em filosofia e ensino / Eduardo Chagas Oliveira,
Ivana Libertadoira Borges Carneiro [organizadores]. – Feira de Santana : Núcleo IVANA LIBERTADOIRA BORGES CARNEIRO
Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Filosofia / Universidade Estadual Universidade do Estado da Bahia
de Feira de Santana, 2018.
165 p. : il. – (Coleção de Ensaios em Direito, Linguagem e Produção do
Conhecimento ; v. 1).
Ebook
ISBN: 978-85-7395-292-6

1. Filosofia – Ensino. I. Oliveira, Eduardo Chagas Oliveira, org. II. Carneiro,


Ivana Libertadoira Borges, org. III. Universidade Estadual de Feira de Santana.
IV. Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Filosofia.

CDU: 1:37

Elaboração: Luis Ricardo Andrade da Silva – Bibliotecário – CRB-5/1790


PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES EM
Filosofia e Ensino
SUMÁRIO

Apresentação
09

Pensando Currículo: Cultura e Subjetividades


Afonso Henrique Magalhães de Campos
Roberto Leon Ponczek
13

Ser professor: formação e caminhos a seguir


Cleide Maria Quevedo Quixadá Viana
27

Musicologia e processos inter e transdisciplinares:


identidades sonoras, música, educação e ética
Dante Augusto Galeffi
41

Didática:
com a palavra, os professores da educação básica.
Liliane Campos Machado
Ilma Passos Alencastro Veiga
67

O Silêncio das Vozes nos Currículos: uma Reflexão


sobre o Formal e o Real, na Práxis Pedagógica.
Silvana Ferreira da Silva
Eduardo Chagas Oliveira
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80

Referências O Silêncio das Vozes nos Currículos:


BENJAMIM, Walter. Magia e Técnica, Arte e política. Obras Esco- Uma Reflexão sobre o Formal e o Real, na
lhidas. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985. Práxis Pedagógica.
CANDAU, Vera Maria F. (org.). A Didática em Questão. 28.
ed.Petropólis:Vozes, 2008 Silvana Ferreira da Silva 1
Eduardo Chagas Oliveira 2
CANDAU, Vera Maria F. (org.). Rumo a uma nova didática. 8ª ed.
Petrópolis/RJ: Vozes, 2000.
COMÉNIO, João Amós. Didáctica Magna. Tratado da arte universal
de ensinar tudo a todos. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1966. p. 5-41. SUMÁRIO: 1. Introdução 2. O currículo 3. Currículos:
FONTANA, R. A. C. Como nos tornamos professoras? 2. ed. Belo Tipologias e Atualidade 4. Teorias Curriculares 5. Con-
Horizonte: Autêntica. 2003. siderações Conclusivas 6. Referências
HUBERMAN, M. O Ciclo de vida profissional dos professores. In:
NÓVOA, A. (org.). Vidas de professores. 2. ed. Portugal: Porto
Editora, p. 31-61, 1992.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1990.
MARTINS, Pura Lúcia O.; ROMANOWSKI, Joana P. Pesquisa em 1. Introdução
educação: o estado da arte na área de didática In: QUARTIERO, Elisa
Maria; SOMMER, Henrique Luís. Pesquisa, Educação e inserção Ao nascer, em virtude da adesão a um determinado
social: olhares da região Sul. Canoas-RS. Canoas: Editora da ULBRA, perfil familiar, o indivíduo se encontra previamente con-
2008. p. 147-155.
dicionado à distinções que são determinadas pelos capitais
MARTINS, Pura Lúcia Oliveira. Didática Teoria, Didática Prática:
para além do confronto. São Paulo: Loyola, 1989. social, cultural e econômico da sociedade em que vive. Não
obstante, essas diferenças sociais tendem a ser reproduzidas
OLIVEIRA, M. R. N. S. Desafios na área da didática. In: ANDRÉ,
M. E. D. A.; OLIVEIRA, M. R. N. S. (Org.). Alternativas no ensino pela escola, em seu microssistema, uma vez que o indiví-
de didática. Campinas: Papirus, 1997. p. 129-143. duo passa a integrar um conjunto complexo de relações
PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no ensino e interações com outras pessoas, constituindo um sistema
superior. São Paulo: Cortez, 2002. inacabado do qual ninguém escapa: a educação. Aprende-
SACRISTAN, G. Poderes Instáveis em Educação. Porto Alegre: mos e ensinamos em múltiplos espaços – em casa, na rua,
Artmed, 1999. na igreja ou na escola – pois se trata de uma condição
TARDIF, M.; LESSARD, C; GAUTHIER, C. Professor: Tecnólogo do imanente do ser humano. Afinal, parafraseando Charlot
ensino ou agente social. In: VEIGA, I.P.A.; AMARAL, A. L. (orgs). (2011), precisamos refletir acerca do fato que o homem
Formação de Professores: políticas e debates. Campinas: Papirs, é o único que tem a capacidade – enquanto condição de
2002.
possibilidade – de aprender; logo, caso se negue a fazê-lo,
TARDIF, M.; LESSARD, C; GAUTHIER, C; Formação de professores
e contextos sociais: perspectivas internacionais, Porto: Rés, 2001. 1
Silvana Ferreira da Silva é professora da Universidade do Estado da Bahia
TURATO E. R. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: (UNEB).
definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Revista de Saúde 2
Eduardo Chagas Oliveira é Professor Titular da Universidade Estadual de
Pública, 2005. Jun. 39(3): 507-14. Feira de Santana (UEFS), Docente-pesquisador do Doutorado Multidisci-
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Didática: uma retrospectiva históri- plinar e Multi-Institucional em Difusão do Conhecimento (DMMDC) e
ca. In Veiga, I.P. A. Repensando a Didática. 8ª ed. Campinas (SP): do Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências
Papirus, 1993. (UFBA/UEFS).
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Perspectivas Interdisciplinares em Filosofia e Ensino Perspectivas Interdisciplinares em Filosofia e Ensino


Didá ca: com a palavra, os professores da educação básica Coleção de Ensaios em Direito, Linguagem e Produção do Conhecimento
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precisa rever sua condição humana. Cumpre destacar, no entanto, que não se deve confundir cur-
A educação, enquanto um processo que se concretiza rículo e matriz curricular, pois conceitualmente existe uma sutil
em sociedade, é um elemento constitutivo da experiência distinção entre eles. O primeiro é o conjunto de ações pedagógi-
humana. A escolarização, por sua vez, é um dos recortes do cas, políticas e ideológicas vividas dentro do contexto Escola e o
processo educativo destinado à Escola que, enquanto espaço segundo é a relação de disciplinas e conteúdos que serão ensinados
social emancipatório (libertador) ou opressor (castrador), na Escola e que plasma uma concepção de currículo. As discussões
também pode ser um vetor à mudança (transformação) ou sobre currículo incorporam, com maior ou menor ênfase, debates
à reprodução e manutenção social. sobre os conhecimentos escolares, os procedimentos pedagógicos,
Atrelado à Escola, enquanto elemento constitutivo do as relações sociais, os valores e as identidades dos professores. Há
ambiente social, o currículo representa uma projeção polí- várias formas de composição das disciplinas na matriz curricular,
tica e ideológica vivida pelos atores do processo educativo, mas nenhuma delas deve ser uma lista de conteúdos retirada dos
porque as histórias de vida dos estudantes e professores livros didáticos ou manuais de Ensino, sem o crivo reflexivo do
integram o substrato cultural do cenário escolar e social. professor acerca da realidade social dos estudantes e sua maturida-
Outrossim, o currículo evidencia territórios de identidade de cognitiva. Do contrário, o ensino se transformaria numa mera
do trabalho pedagógico vivido nas escolas. Trata-se de transmissão de saberes escolares, conforme um entendimento
uma construção social, na acepção de estar inteiramente meramente enciclopédico de conhecimento.
vinculado a um momento histórico, a uma determinada O currículo é instituído na relação social e pedagógica, por
sociedade e às relações estabelecidas entre o conhecimento meio das interlocuções intelectuais e socioafetivas vividas por todos
e os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendiza- os atores sociais da Escola. De acordo com Tomaz Tadeu da Silva
gem, conforme determinado contexto sócio-político. Nesse (1995, p.194),
sentido, a educação e o currículo estão interligados no quando pensamos no currículo como uma coisa, como uma
percurso cultural e ideológico da construção de identidades listagem de conteúdos, por exemplo, ele acaba sendo, fundamen-
locais e nacionais. Assim, ao pensarmos no homem como talmente, aquilo que fazemos com essa coisa, pois, mesmo uma
um ser histórico, também idealizamos um currículo que lista de conteúdos não teria propriamente existência e sentido,
se não se fizesse nada com ela. Nesse sentido, o currículo não
atenderá a diferentes interesses, num determinado espaço se restringe apenas a ideias e abstrações, mas a experiências e
e tempo históricos. práticas concretas, construídas por sujeitos concretos, imersos
em relações de poder. O currículo pode ser considerado uma
2. O Currículo atividade produtiva e possui um aspecto político que pode ser
visto em dois sentidos: em suas ações (aquilo que fazemos) e em
O Currículo é social e culturalmente definido, sendo despro- seus efeitos (o que ele nos faz).
vido de qualquer assepsia conceitual ou ideológica. Por sua vez,
expressa uma concepção de mundo, de sociedade e de educação, O processo de ensino e de aprendizagem pode ser es-
motivo pelo qual implica relações de poder e se constitui enquanto pelho e lâmpada do currículo. É espelho quando, a partir
centro da ação educativa. O seu entendimento reflete o fazer peda- e através dele, se configura a experiência educacional, na
gógico e político dos docentes, ao realizar as atividades educativas soma das programações formais – os planos de estudo;
intencionalmente planejadas e desenvolvidas pela equipe escolar dos planos de trabalho dos professores, e da ação, ou seja,
da Instituição. Trata-se de um instrumento político vinculado à como este ocorre na prática educativa. É lâmpada quando
estrutura social, à cultura e ao poder. Enquanto a cultura é o con- possibilita que a ação pedagógica seja fruto da reflexão-ação
teúdo da educação - sua essência e defesa - o currículo é a opção dos sujeitos envolvidos no currículo, possibilitando sua
político-ideológica realizada dentro dessa cultura. reconstrução didático-pedagógica com o amálgama das ex-
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O Silêncio das Vozes nos Currículos: uma Reflexão sobre o Formal e o Real, na Práxis Pedagógica Coleção de Ensaios em Direito, Linguagem e Produção do Conhecimento
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periências desses atores, vivenciadas no chão da Escola. indissociavelmente ligada à sua visão de mundo.
De modo análogo, Moreira e Silva (2001, p. 28) en-
tendem que “o currículo é um terreno de produção e de 3. Currículos: Tipologias e Atualidade.
política cultural, no qual os materiais existentes funcionam O Currículo Formal - prescrito ou oficial - refere-se ao
como matéria-prima de criação e recriação e, sobretudo, de currículo estabelecido pelos sistemas de ensino; expresso
contestação e transgressão”. O currículo escolar tem ação em diretrizes curriculares, objetivos e conteúdos das áreas
direta ou indireta na formação e desenvolvimento pessoal do conhecimento ou disciplinas. Este prescreve institu-
e acadêmico do estudante. Assim, é possível perceber que a cionalmente os conteúdos e disciplinas e a concepção de
ideologia, cultura e poder - nele configurados - são deter- Escola e de currículo da equipe gestora e está plasmado
minantes para o processo educativo, especialmente quando no Projeto Político Pedagógico (PPP) das Escolas. Não
refletidos nos procedimentos didáticos e administrativos obstante, o Currículo Real - ou vivido - implica naquele
que orientam a prática curricular da Escola. que se efetiva dentro da sala de aula, com professores e
É premente compreender que o professor é um cur- alunos, em decorrência ou não do que está prescrito no
riculista, à medida que efetiva em sala de aula o ideário projeto pedagógico e nos planos de ensino construídos
subjacente e explícito na proposta curricular adotada pelos docentes. O Currículo Oculto, por sua vez, consiste
pela instituição de ensino. Sua efetivação acontece num no termo utilizado para denominar as ações - conscientes
processo dialético, intrínseco a cada Escola, onde estão ou não - que ocorrem no interior da sala de aula e inter-
imersos fatores técnicos, epistemológicos e intelectuais, ferem de forma - implícita ou explícita - na aprendizagem
além de determinantes sociais como o poder, interesses, dos alunos. O currículo oculto representa tudo o que os
conflitos simbólicos e culturais, enquanto propósitos de alunos aprendem diariamente em meio às várias práticas,
dominação influenciados por intervenientes ligados à classe atitudes, comportamentos, gestos e percepções, que vigoram
social, etnia e gênero. Como todo trabalho pedagógico se no meio social e escolar. Nele se manifestam as relações de
fundamenta em pressupostos de natureza filosófica, a es- poder da escola e dos professores sobre os alunos e entre
cola e o professor desvelam suas respectivas cosmovisões, os mesmos, as ideologias e as ações discriminatórias. Para
assumindo posturas mais tradicionais ou emancipadoras na Sacristan (2000, p. 91) “o currículo oculto é a escola e o
implantação e implementação do currículo. ambiente que se cria sob suas condições”. Esta é uma se-
Responsável por viabilizar o processo de ensino e de paração que se faz teoricamente, uma vez que, na prática,
aprendizagem, o currículo se constitui como o elemento o currículo é o produto de todas essas tipologias como
central do projeto pedagógico, entendimento ratificado processo; é aquilo que se efetiva na práxis pedagógica.
por Sacristán (1999, p. 61) ao sustentar que Por estar imbricado em relações de poder e ser expressão
o currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade do equilíbrio de interesses e forças que atuam no sistema
exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e educativo - consoante um dado momento histórico - com
cultura herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a
teoria (ideias, suposições e aspirações) e a prática possível, forma e conteúdo determinados por um meio cultural,
dadas determinadas condições. social, político e econômico, o currículo não é um elemen-
to neutro de transmissão do conhecimento social. Sendo
A partir das décadas de 1960 e 1970, teóricos da assim, ele se diferencia segundo as ações de quem o pensa
educação passaram a defender a existência dos currículos e o experiencia. Essa ação dialética - vivida no contexto
formal, real e oculto na prática educativa. Essa tipologia educativo - é delineada pelos interesses dos sujeitos que
curricular, em tese, reflete a concepção política do professor, o configuram, planejam, adotam e avaliam, bem como os
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que o efetivam e os que o controlam. Esses atores sociais O currículo oculto é o mais difícil de ser revelado,
experienciam um currículo segundo seus critérios pessoais porque se relaciona às atitudes e valores transmitidos su-
e ideológicos. Nesse sentido, bliminarmente nas relações sociais e educativas, vividas
o conhecimento e o currículo corporificam relações no cotidiano da escola. Atribui-se ao currículo oculto os
sociais. Isso significa não apenas ressaltar seu caráter de rituais e práticas, as relações de poder, regras de conduta
produção, de criação, mas, sobretudo, seu caráter social. e procedimentos, hierarquias, a linguagem dos professores
Eles são produzidos e criados através de relações sociais
particulares entre grupos sociais interessados. Como tal, e dos livros didáticos.
eles trazem a marca dessas relações e desses interesses. Em muitas escolas, as propostas curriculares são cons-
(SILVA, 2002, p.65). truídas de forma top down, ou seja, sempre verticalizadas,
O currículo é orientado não somente pelas ações de sem participação da comunidade escolar. A cada ano letivo
quem o está configurando, mas também pelos determinantes novas propostas surgem e, por vezes, burocratizam mais o
dessas ações: questões culturais e relações de poder, assim processo de ensino. Por esse motivo, não se pode perder
como fatores históricos que envolvem a educação. Nesse de vista que
universo se incluem a atualização ou reprodução das meto- O currículo é, em outras palavras, o coração da escola,
dologias de ensino, o uso de novas tecnologias, as políticas o espaço central em que todos atuamos o que nos torna,
nos diferentes níveis do processo educacional, responsáveis
educacionais, a escola e o regimento escolar, a infraestrutura por sua elaboração. O papel do educador no processo
dos espaços escolares, os métodos de avaliação, a formação curricular é, assim, fundamental. Ele é um dos grandes
dos professores, as condições de trabalho, o contexto social artífices, queira ou não, da construção dos currículos
construídos que sistematizam nas escolas e nas salas de
em que se inserem e a própria finalidade do trabalho edu-
aula (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 19).
cativo. Por conseguinte, “a educação e o currículo, como
instituições, não podem ser desligadas de suas conexões Se não houver o protagonismo docente na escola, o
com relações de classe, de gênero, de raça e com relações professor será apenas um reprodutor de um currículo
globais entre nações” (SILVA, op. cit., p.65). descontextualizado, que contribui para a proliferação de
Atualmente, ainda é possível verificar na prática edu- desigualdades sociais e escolares, sustentada pela visão
cativa de muitas escolas um currículo que se resume na iluminista e etnocêntrica. Inicialmente, as principais ques-
seleção dos conteúdos e na sua transmissão aos estudantes. tões das chamadas teorias do currículo perpassavam pelo
Infelizmente, mesmo com o avanço tecnológico e metodo- tipo de conhecimento que deveria ser ensinado ou que o
lógico, o currículo escolar ainda não é concebido “como aluno deveria saber, o qual era escolhido a partir da sua
as experiências escolares que se desdobram, em torno do importância ou validade, passando a compor o currículo
conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem desejado. Atualmente, as teorias curriculares diferenciam-se
para a construção das identidades de nossos estudantes” pela importância que atribuem a conceitos como aprendi-
(MOREIRA; CANDAU, 2007, p.18). Em algumas ins- zagem, inclusão, conhecimento, dimensão humana, ética
tituições escolares não identificamos a existência de um e estética, etnia, diversidade cultural ou sociedade, dentre
tipo de currículo, mas múltiplos currículos que precisam outros.
ser desvelados pelos atores sociais. O currículo não pode
ser construído a partir de ideologias homogeneizadoras, 4. Teorias Curriculares
produzidas por um grupo dominante, mas deve respeitar
as idiossincrasias e o capital cultural dos estudantes e de Entre as teorias do currículo temos a teoria tradicional
suas famílias. - considerada neutra, científica e objetiva – e as teorias
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críticas e pós-críticas, que se fundam na premissa de que de um código cultural - podem examinar de forma crítica
não há neutralidade na ação educativa e que estão abarca- os conteúdos escolares e sua relação com o cotidiano do
das pelas relações de poder e nas interconexões entre saber, discente, funcionando como instrumento de emancipação
identidade e poder. e libertação.
A teoria tradicional foi marcada pela ideia de neutralida- Na concepção crítica, não existe uma cultura da socie-
de, tendo como principais focos (I) identificar os objetivos dade, unitária, homogênea e universalmente aceita e
da educação escolarizada, (II) formar o trabalhador espe- praticada e, por isso, digna de ser transmitida às futuras
gerações através do currículo. Em vez disso, a cultura é
cializado ou (III) promover uma educação propedêutica. vista menos como uma coisa e mais como um campo e
Preconizava que o currículo era uma questão de organização terreno de luta. Nessa visão, a cultura é o terreno em
dos conteúdos, realizada de forma mecânica e burocrática. que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de
vida social, é aquilo pelo qual se luta e não aquilo que
A tarefa dos professores especialistas consistia em fazer um recebemos. (MOREIRA; SILVA, 2001, p. 27).
levantamento dos objetivos educacionais, para que estes
fossem cumpridos ao final de cada unidade de ensino. A ênfase conceitual das teorias críticas estava no significado
Depois, planejar e elaborar instrumentos de medição para subjetivo dado às experiências pedagógicas e curriculares
verificar com precisão se esses objetivos foram alcançados. de cada discente. Isso significava observar as experiências
Essas ideias influenciaram de forma determinante, por cotidianas que estudantes e docentes experienciavam seus
quase quatrocentos e trinta anos, o currículo escolar e a próprios significados sobre o conhecimento, por meio de
educação no Brasil. processos de negociação. Nelas, o professor propõe uma
Essa teoria curricular foi matizada pelos princípios do interação entre o conteúdo e a realidade concreta, sendo
Taylorismo (a escola vista como fábrica), que visava a pa- o mediador da construção do saber do aluno.
dronização do processo pedagógico, enquanto os estudantes Acreditava-se que a teoria tradicional, ao se pautar em
eram considerados produtos de fábrica. A escola transmitia critérios de eficiência e racionalidade burocrática, deixa-
conhecimentos acumulados ao longo da história, como va de levar em consideração o caráter histórico, ético e
verdade(s) absoluta(s). Os saberes eram compartilhados político das ações humanas e sociais e do conhecimento,
de forma ordenada, numa sequência lógica e a avaliação contribuindo, assim, para a reprodução das desigualdades
era um meio de aferir se os alunos conseguiram memori- e das injustiças sociais. Todavia, não se pode olvidar que o
zar esses conteúdos. O professor era o centro do processo currículo deve ser dispositivo pedagógico de emancipação
educativo e deveria ser respeitado com regras e disciplina e libertação porque
rígidas. Assim, o estudante era considerado um ser submisso É através de um processo pedagógico que permita às
e adstrito à reprodução das ideias alheias: do professor ou pessoas se tornarem conscientes do papel de controle e
do autor do livro didático. poder exercido pelas instituições e pelas estruturas sociais
que elas podem se tornar emancipadas ou libertadas de
Todavia as teorias curriculares críticas surgiram, em seu poder e controle. (SILVA, 2007, p.54).
meados dos anos 1960, com os movimentos sociais e cul-
turais que questionavam as desigualdades no sistema de Por meio do currículo escolar os estudantes vivenciam
ensino. A visão crítica do currículo confronta com o saber práticas democráticas. No processo educacional, eles parti-
capitalista, concebido como um código indecifrável - para cipam e discutem questões educativas envoltas por práticas
o qual, só a elite burguesa tinha acesso. A ruptura da visão sociais, políticas e econômicas. Seguindo esse entendimento,
tradicional do currículo constrói uma conexão político- apresentam-se aptos a ter atitudes de emancipação e liberta-
educacional entre docentes e discentes, na qual - através ção. Os professores, por sua vez, possuem responsabilidade
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no processo educativo, permitindo e instigando o estudante necessário para se compreender a história e os interesses
a participar e questionar, propondo-lhe questões políticas que envolvem a construção da proposta curricular, a fim
e sociais para reflexão dos conteúdos. de que percebamos com olhar mais crítico dos atores - na
Quando, no século XXI, surgem as teorias curriculares promoção, perpetuação ou transformação das desigualdades
pós-críticas as bases curriculares são direcionadas para um sociais - para que a Escola não seja um lugar que favoreça
contexto no qual se vincula conhecimento, identidade e os favorecidos e desfavoreça os desfavorecidos e reproduza os
poder com temas como gênero, raça, etnia, sexualidade, valores e interesses unilaterais.
subjetividade, multiculturalismo, entre outros. Essa con-
cepção de currículo tem uma linguagem de significados, Considerações Conclusivas
imagens e falas, que revelam histórias esquecidas, vozes Pudemos refletir que o currículo é delineado pela
silenciadas e códigos distintos. força política e pedagógica dos atores sociais da Escola,
Quanto às perspectivas críticas e pós-críticas, o currí- especialmente quando este se constitui como território que
culo se tornaria mais complexo na medida em que essas visibiliza diferentes identidades. Inúmeros são os estudos
perspectivas passaram a concebê-lo como um campo ético e e discussões que envolvem o currículo nos tempos atuais
moral. Essas, em contraste, argumentam que nenhuma teoria - considerados por muitos teóricos, especialmente aqueles
é neutra, científica ou desinteressada, porque implica(m) das Ciências Sociais - como um estágio de verdadeira
relações de saber, identidade e poder. “violência simbólica neoliberal”, que se traduze nos efeitos
Contrariamente às teorias críticas, as teorias pós-críticas letais, refletidos no processo de “globalização excludente”,
do currículo não acreditam que exista um núcleo de subjeti- no aumento das desigualdades sociais, no silenciamento
vidade a ser libertado da alienação causada pelo capitalismo. das vozes e pela desconsideração da história dos atores na
Para essas teorias, poder e conhecimento não se opõem, construção do currículo escolar.
mas são mutuamente dependentes. Ambas partilham uma Deparamo-nos com um contexto marcado por grandes
mesma preocupação com questões de poder, sendo que a problemas sociais, por uma história de fracasso e evasão
concepção nas teorias pós-críticas é menos estruturalista. escolar, com práticas escolares descontextualizadas e frag-
São as conexões entre significação, identidade e poder mentadas, afastadas das práticas sociais dos estudantes,
que passam, então, a ser enfatizadas. Para as teorias pós- reproduzindo velhas “pautas pedagógicas”. Os próprios
críticas, o currículo está irremediavelmente envolvido nos professores reconhecem que a escola tem um currículo
processos de formação pelos quais os docentes vivenciam desconectado da vida dos alunos [...] o que acontece é que,
os seus percursos formativos. O currículo, nessa concepção, muitas vezes, quando esse aluno chega na escola, ele não
é uma questão de identidade e poder. consegue relacionar seu mundo ao da escola [..] é como
Todas as finalidades - de socialização, de formação, de se tivesse dando um grito ao vento”.
segregação ou de integração social, dentre outras - que se O desespero de alguns profissionais da educação, jun-
atribuem e são destinadas à instituição escolar acabam, ne- tamente com a incansável jornada de muitos professores e,
cessariamente, tendo um reflexo nos saberes que orientam e em algumas situações, a própria negação do conhecimento
norteiam o currículo. Assim, para determinar os conteúdos escolar para o aluno - que, para Young (2007), deve ser
e os códigos pedagógicos dos currículos, é fundamental “conhecimento poderoso”-, considerando-o como incapaz,
verificar o papel social, político e ideológico - do professor contribuem de forma incisiva na configuração do currículo
e da escola - no processo pedagógico. na escola.
Um entendimento sobre as teorias do currículo se faz
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O Silêncio das Vozes nos Currículos: uma Reflexão sobre o Formal e o Real, na Práxis Pedagógica Coleção de Ensaios em Direito, Linguagem e Produção do Conhecimento
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Diante do exposto, somos compelidos a corroborar com utilizem a avaliação como instrumento reflexivo, para tornar
Sacristán (1998, p. 136-137), ao questionar qual “[...]país se o processo de ensino e de aprendizagem mais inclusivo e
arriscaria a pôr em seu currículo oficial aquilo que realmente capaz de atender à diversidade e à pluralidade, presentes
se faz nas escolas? [...] . Vale ressaltar que a escola deve na sociedade atual.
ter um compromisso com a construção e implementação
de um currículo a serviço da emancipação dos estudantes.
As nossas reflexões e considerações tramitam nessa dire-
ção, seja no que se refere à proposta curricular - com base Referências
fundante na teoria pós crítica - seja quanto à função dos FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 35 ed. Rio de Janeiro: Paz
profissionais, do papel da escola etc. Assim, falar sobre a e Terra, 2003.
educação e procurar modos de intervir na ação educativa,
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
implica considerar dimensões da justiça social (SANTOMÉ,
educativa. 27 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
1997). Com isso, aponta-se para a necessidade da inclusão
de propostas que também sejam favoráveis aos alunos das GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do
camadas populares, contemplando uma escola pública de conflito. 9 ed. São Paulo: Cortez, 1989.
qualidade; indica-se um currículo mais humano, que valorize GADOTTI, Moacir. Currículo e Diversidade Cultural. In.: SILVA,
seus atores sociais, sejam eles os estudantes, professores, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antônio Flávio (Org.). Territórios
gestores e colaboradores ou mesmo as famílias Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais.
Afinal, para tornar qualquer caminho possível é ne- Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
cessário uma escola e um currículo, que se pautem em MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.).
paradigmas voltados para o ideal de justiça social, que Currículo, Cultura e Sociedade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
considere as culturas e não apenas uma ou duas delas, mas MOREIRA, Antônio Flávio; CANDAU, Vera Maria (Org.). Multicul-
grupos sociais diversos. Daí poderá emergir uma proposta turalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis,
curricular aberta ao diálogo multirreferencial e polipara- RJ: Vozes, 2007.
digmático. Fundamental se faz, também, que os educadores
SACRISTAN, J. Gimeno. Poderes instáveis em educação. Tradução
trabalhem no sentido de reverter essa tendência curricular
de Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artmed, 1999.
tradicional, historicamente presente nas escolas, sugerindo
a construção de um projeto pedagógico que expresse e dê SACRISTAN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática.
sentido à diversidade cultural. 3 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
Enfim, é indispensável que a escola amplie os seus ho- SANTOMÉ, J. T. Política educativa, multiculturalismo e práticas cultu-
rizontes e se torne capaz de acolher – em sentido amplo rais democráticas nas salas de aula. Rio de Janeiro: Revista Brasileira
– a comunidade escolar, permitindo uma reflexão sobre a de Educação. n.4, jan./fev./mar./abr., 1997.
realidade educativa. Essas ações convergem em prol de uma SILVA, T. T. da. Descolonizar o Currículo: estratégias para uma
(re-)avaliação curricular, uma vez que esta pode ser utilizada pedagogia crítica. Dois ou três comentários sobre o texto de Michael
como um instrumento de reflexão do projeto político pe- Apple. In: COSTA, M. V. (Org.). Escola básica na virada do século:
dagógico (PPP) e do processo de ensino e aprendizagem. cultura, política e currículo. 3. ed. São Paulo: Cortez,2002.
Contudo, para que isto de fato aconteça, existe um SILVA, T. T. da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias
longo caminho a ser percorrido por professores e escola(s). do currículo. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Como força motriz, se mostra imperativo que os educadores
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Perspectivas Interdisciplinares em Filosofia e Ensino Perspectivas Interdisciplinares em Filosofia e Ensino


O Silêncio das Vozes nos Currículos: uma Reflexão sobre o Formal e o Real, na Práxis Pedagógica Coleção de Ensaios em Direito, Linguagem e Produção do Conhecimento

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