Você está na página 1de 14

UNIDADE 01

Morfologia da Língua Portuguesa UNIDADE 01 AULA 01

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

Conceito de Morfologia

1 Objetivos de aprendizagem

„„ Apresentar os principais conceitos da Morfologia;


„„ Discutir as diferentes perspectivas teóricas
relacionadas ao estudo da Morfologia;
„„ Conceituar e refletir sobre noções relacionadas
ao estudo da Morfologia.
Conceito de Morfologia

2 Começando a história

Olá, caro estudante de Letras!

Como estudante de Língua Portuguesa, você já deve ter perguntado sobre a


origem da palavra ou sobre como ela se estrutura para dar forma ao imenso
leque de palavras que a Língua Portuguesa nos oferece, não é mesmo?

Figura 1

Pois bem, quando estudamos Morfologia da Língua Portuguesa, buscamos


respostas para essas perguntas e tentamos entender o “comportamento”
estrutural das palavras que utilizamos a todo instante para nossa comunicação.

No entanto, por que esse estudo se chama Morfologia? Ou melhor, o que é


morfologia?

Em nossa primeira aula, buscaremos descobrir juntos como podemos definir/


entender a Morfologia. Preparados para começar?

3 Tecendo conhecimento

Figura 2 Os estudos morfológicos das palavras não são


recentes. Segundo Ribeiro (2009), há diferentes
investigações acerca da história das línguas.
Podemos notar que na gramática de Panini
(século VI a. C.) já havia uma preocupação
acerca da estrutura das palavras, que, naquele
tempo, era vista a partir de dois elementos:
12
AULA 01

raízes e afixos. Essa informação, que se tornou de grande utilidade para os


estudos realizados acerca da morfologia, pode ser constatada posteriormente
à descoberta do Sânscrito, no século XVIII.

Nos estudos greco-latinos, os segmentos da morfologia estavam inseridos nos


estudos gramaticais, que contemplavam três diferentes tópicos: flexão, derivação
e sintaxe, estando os estudos morfológicos situados no campo da flexão.

Dentro da linguística moderna, os estudos morfológicos Figura 3


desenvolveram-se dentro do estruturalismo norte-
americano, que tem como mais importante teórico
o linguista Leonard Bloomfield. Rosa (2000) aponta
que, na concepção do estruturalismo norte-americano,
o conhecimento estrutural das palavras de uma língua
possibilita não só a compreensão do significado de
vocábulos ainda não mencionados, como também a
criação de novas palavras a partir dos elementos estruturais conhecidos. Nessa
perspectiva, como o próprio nome da teoria deixa claro, o estudo da morfologia
origina-se a partir do interesse em “desvendar” a estrutura dos vocábulos.

No que diz respeito ao termo morfologia, Ribeiro (2009) destaca que este foi
trazido da biologia para a linguística no século XIX, para abranger os processos de
flexão e derivação das palavras. Processos esses que são vistos como originários
das palavras que utilizamos a todo instante.

Já que estamos falando sobre a origem das palavras, nada melhor que começarmos
a estudar Morfologia pela origem do próprio termo. Como mostra Ribeiro (2011),
a palavra morfologia surge a partir da junção de dois radicais gregos distintos:
morphê, que significa forma; e logos, que significa estudo. Logo, temos o “estudo
da forma” como significado para o termo morfologia.

Porém, o significado extraído a partir da tradução dos radicais gregos não esgota
a definição de morfologia, que pode ser discutido a partir de dois grandes
contextos: o da gramática tradicional e o da linguística.

3.1 Conceito de morfologia na gramática tradicional

Dentro dos estudos tradicionais da gramática, costuma-se definir a morfologia


a partir da oposição dela em relação à sintaxe. Nesse contexto, Ribeiro (2011, p.
17) destaca que a morfologia é definida como “estudo das formas linguísticas”,
e que, além disso, quando se discute essa definição, três pontos são geralmente
considerados:
13
Conceito de Morfologia

a) estrutura interna das palavras: concerne aos elementos


constitutivos físicos da palavra. Nesse ponto, discute-se ainda outro
conceito importante, o próprio conceito do termo PALAVRA. Levando
em conta as diferentes dimensões da linguagem, Rosa (2000, p. 74)
aborda esse conceito sob três enfoques distintos: i) uma unidade
da fonologia; ii) o elemento mínimo da estrutura sintática; e iii) um
elemento do vocábulo da língua;
b) processos de formação das palavras: diz respeito aos processos pelos
quais as palavras da língua são formadas. (Veremos detalhadamente
esse conceito nas próximas aulas);
c) distribuição das palavras em classes distintas: corresponde à
divisão dos vocábulos da língua em diferentes classes gramaticais
a partir da função que tais termos exercem quando utilizados na
fala e na escrita.

Assim sendo, a morfologia pode ser vista, no enfoque tradicionalista, como o


estudo da forma no que diz respeito à estrutura, à formação e à classificação das
palavras. O exemplo abaixo, a partir da palavra DENTISTA, ilustra essa definição:

Estrutura: DENTE ISTA

Palavra: DENTISTA Formação: (raiz) (sufixo) derivação sufixal

Classe gramatical: substantivo

O exemplo dado mostra os três tópicos estudados na tradição gramatical. Primeiro


a estrutura, que é composta por raiz e sufixo. Essa formação, por sua vez, determina
a ocorrência do processo de formação de palavra conhecido como derivação
sufixal. Por último, há a classificação da palavra quanto à função morfológica que
exerce, ou seja, a função de substantivo que descreve o profissional de saúde
que trabalha com o cuidado dos dentes.

Mais adiante, na nossa disciplina, estudaremos a estrutura e os processos


de formação das palavras de nossa Língua!

A seguir, discutiremos o conceito de morfologia dentro da perspectiva da


linguística.
14
AULA 01

3.2 Conceito de morfologia na linguística

A definição de morfologia dentro da perspectiva linguística pode ser entendida


tanto em oposição quanto em relação de completude à sintaxe.

Dubois (1986) destaca que, no primeiro contexto, em oposição à sintaxe, a


morfologia diz respeito à descrição estrutural interna das palavras (em oposição
aos estudos sintáticos que buscam descrever a forma como as palavras se
combinam para constituir frases), ou seja, à descrição não apenas do modo
como os elementos constitutivos das palavras se combinam para que estas sejam
formadas, mas ainda da forma que as palavras, quando constituídas, tomam
dentro das categorias de pessoa, tempo, gênero, número e, algumas vezes, flexão.

Estabelecendo a relação de completude com a sintaxe, por sua vez, a morfologia


descreve concomitantemente as regras estruturais internas das palavras e a forma
como os sintagmas (unidades sintáticas compostas por um ou mais vocábulos) se
relacionam na formação das frases (DUBOIS, 1986). Há, portanto, o surgimento da
relação conhecida como morfossintaxe para privilegiar essa noção que considera
a morfologia como descrição da estrutura interna das palavras e das regras por
meio das quais os sintagmas se combinam para a formação das frases.

Ribeiro (2011) destaca ainda que esse conceito, responsável pela relação
complementar entre morfologia e sintaxe, pode ser evidenciado em processos
nos quais:

I) os elementos mórficos se organizam para constituir as palavras – por


meio de mecanismos sintáticos, um termo é determinante de outro –; ou
II) quando se trata do estabelecimento da concordância (nominal e verbal),
um processo que se constrói, essencialmente, por meio de elementos
morfológicos.
Vejamos dois exemplos desta relação.

O meninO bonitO

EXEMPLO 1:

A meninA bonitA

No exemplo 1, observamos que os elementos destacados são determinados pela


noção de gênero (masculino e feminino), ilustrando a ocorrência da concordância

15
Conceito de Morfologia

nominal, processo sintático que é determinado através da estrutura das palavras,


que se constitui na morfologia.

O lobo feroz vive na floresta

EXEMPLO 2:

OS loboS ferozES viveM na floresta

No exemplo 2, vemos que os elementos em destaque correspondem ao acréscimo


das marcas de plural às palavras da oração dada. Esse processo morfológico
permite a realização da concordância verbal situada dentro da sintaxe.

Em outro momento da nossa disciplina, discutiremos mais sobre a relação


entre concordância e processos morfológicos!

Agora que já discutimos o conceito de morfologia, vamos aprofundar um pouco


nossa discussão inicial e compreender outros conceitos atrelados ao estudo
da morfologia e que são muito importantes para a compreensão do conteúdo
desta disciplina.

3.3 Outros conceitos no estudo da morfologia

Quando nos dedicamos ao estudo da morfologia, o caráter conceitual desse ramo


da linguística não se esgota no entendimento do que vem a ser a morfologia.
Ao contrário disso, há outros conceitos que se fazem presente e, mais que isso,
são de extrema relevância para os estudos morfológicos.

Comecemos, no entanto, pelo conceito de dupla articulação da linguagem, que


norteia e situa a morfologia dentro dos níveis de descrição da língua. Esse
conceito advém da capacidade que a linguagem humana apresenta de ser
duplamente articulada, isto é, como composta por dois planos. Na primeira
articulação, ficam distribuídos os elementos que contêm significação, ou seja,
o plano do conteúdo. É nessa articulação que está situada a morfologia, ao lado
da sintaxe. Já na segunda articulação, estão os elementos do plano de expressão,
constitutivos dos estudos em fonética e fonologia (RIBEIRO, 2009).
16
AULA 01

Situada, portanto, no plano do conteúdo, a


morfologia apresenta como unidade operacional, Unidades operacionais
isto é, objeto de estudo, o morfema. Dentro dos a) Morfologia: morfema;
estudos do estruturalismo norte-americano,
b) Fonologia: fonema;
conforme aponta Ribeiro (2011), Bloomfield
costumava tomar o morfema como um traço c) Sintaxe: sintagma.
semântico responsável pela informação lexical
ou gramatical de uma palavra e que também caracteriza a estrutura mínima e
indivisível da morfologia.

Em decorrência dos estudos sobre o morfema, surge outro conceito, representado


pelo termo morfe. Esse termo caracteriza “o segmento mínimo recorrente provido
de significação, cuja função é representar um dado morfema” (RIBEIRO, 2011, p. 18).

Os conceitos de morfema e morfe, todavia, cruzam-se na distinção entre abstrato e


concreto, pois, enquanto o morfema diz respeito a uma noção abstrata (MATTHEWS,
1991), o conceito de morfe abrange a realização do morfema em sua concretude
(LOPES, 1995), ou seja, o morfe representa a realização concreta na língua do
morfema, a que é atribuído o conceito de elemento abstrato. A relação entre
morfe e morfema serve de base para a discussão de alguns princípios de análise
mórfica, assunto que discutiremos na próxima aula.

Exercitando

Após realizar a leitura da seção “Tecendo conhecimento”, chegou a hora de


verificar a apreensão do conteúdo estudado, por meio das atividades a seguir.

1) Julgue as alternativas como (V) verdadeiras ou (F) falsas.

a) Os estudos acerca da morfologia têm suas origens desde antes


de Cristo, quando já havia uma preocupação com a estrutura das
palavras. ( )
b) A linguística moderna começou a se preocupar com a morfologia por
meio dos estudos do estruturalismo europeu, quando a morfologia
passou a ser enxergada como complementar, e não oposta, à
sintaxe. ( )
c) O termo morfologia teve sua origem dentro da Linguística para
designar o estudo dos vocábulos da língua no que diz respeito à
flexão, formação e classificação das palavras. ( )

17
Conceito de Morfologia

d) Na gramática tradicional, o estudo da morfologia está atrelado a


três pontos: estrutura interna das palavras, estrutura e formação dos
vocábulos e distribuição das palavras da língua em classes distintas.
e) Dentro da linguística, a morfologia pode ser concebida tanto em
oposição quanto em completude à sintaxe. ( )
f) A noção de morfossintaxe está presente nos estudos acerca da
morfologia realizados dentro da gramática tradicional e diz respeito
à relação de oposição entre morfologia e sintaxe. ( )
g) É através de duas formas que a relação complementar entre morfologia
e sintaxe pode se estabelecer, ou seja, tanto na combinação dos
elementos mórficos quando da constituição das palavras, quanto nas
regras de combinações sintagmáticas para a formação de frases. ( )
h) A morfologia está situada na primeira articulação da linguagem,
pois lida com elementos dotados de significação. ( )

2) Leia, a seguir, um trecho do conto Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector.

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio


arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos
achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima
do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de
histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de


pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-
postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo,
onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com
letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança,
chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que
éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres.
Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de
ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a
implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia. [...]

In: LISPECTOR, C. Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

18
AULA 01

Considerando que dentro da concepção da linguística a respeito do conceito


de morfologia surge a noção de morfossintaxe, a exemplo do que ocorre para
que se estabeleça a concordância, explique como a noção de morfossintaxe se
constitui, observando, especificamente, as palavras destacadas no texto.

3) Com suas palavras, reflita sobre o conceito de morfologia, considerando tanto


a perspectiva da gramática tradicional quanto a perspectiva da linguística.

4 Aprofundando seu conhecimento

Logo no primeiro parágrafo do “Tecendo conhecimento”, nós falamos sobre


uma língua chamada Sânscrito. Você ficou curioso para saber um pouco mais
sobre essa língua tão antiga? Siga os links abaixo e aprofunde seu conhecimento
sobre a língua que pode, inclusive, ser considerada a mãe de todas as outras de
que se tem registro.

àà http://pt.scribd.com/doc/20479723/Sanscrito-A-mae-de-todas-as-linguas
àà http://www.linguagemsanscrita.pro.br/apresentando.shtml

5 Trocando em miúdos

Estamos quase no final da nossa primeira aula de Morfologia da Língua Portuguesa,


então, vamos retomar o que vimos.

Nossa discussão teve início com a apresentação da origem da Morfologia. A


esse respeito, vimos que:

1) os estudos sobre morfologia são antigos;


2) o termo morfologia vem da biologia;
19
Conceito de Morfologia

3) o termo morfologia, no que concerne a sua formação, vem da junção


de dois radicais gregos: morphê e logos, indicando o estudo da forma.
Em seguida, continuamos nossa discussão e verificamos as diferentes
perspectivas sob as quais o termo morfologia pode ser definido;
4) Sob a perspectiva da gramática tradicional, vimos que a morfologia abrange
o estudo da estrutura interna das palavras. Nesse ponto, a preocupação
da morfologia volta-se para: i) a forma como as palavras se constituem;
ii) o processo por meio do qual as palavras se formam; e iii) a classificação
a ser atribuída aos vocábulos de uma língua;
5) Sob a perspectiva da linguística, vimos que a morfologia não necessariamente
se define em oposição à sintaxe, como postulado dentro da gramática
tradicional, mas também dentro de uma relação complementar com a
sintaxe. Quando complementares, portanto, a morfologia e a sintaxe dão
origem ao termo morfossintaxe, que pode ser exemplificado por meio da
noção de concordância, sintática por excelência, mas que ocorre por meio
de processos morfológicos.
Por fim, discutimos outros conceitos inerentes ao estudo da morfologia:

6) O primeiro foi da dupla articulação da linguagem humana em dois planos:


o do conteúdo, no qual está situada a morfologia – além da sintaxe –; e o
da expressão, que se relaciona à fonética e à fonologia.
7) Após isso, vimos os conceitos de morfema e morfe, que estão relacionados,
sendo aquele a noção que representa de modo abstrato a estrutura mínima
das palavras, e este, o que representa a ocorrência concreta do morfema.

6 Autoavaliando

Ao final da primeira aula de Morfologia da Língua Portuguesa, como serão seus


entendimentos acerca do conceito de morfologia?

O que eu já sabia sobre morfologia antes da aula?

Meus conhecimentos sobre o que é morfologia foram modificados? Como?

Como os estudos da morfologia podem contribuir para a minha formação docente?

20
Referências

DUBOIS, J. et. al. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 1986.

LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea. São Paulo: Cultrix, 1995.

MATTHEWS, P. H. Morphology: an introduction to the theory of word structure.


2. ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1991.

ROSA, M. C. Introdução à morfologia. São Paulo: Contexto, 2000.

RIBEIRO, M. das G. C. Introdução à Morfologia. In: ______. A morfologia e


sua interface com a sintaxe e com o discurso (org.). João Pessoa: Editora da
UFPB, 2011.

______. Morfologia da Língua Portuguesa. In: ALDRIGUE, A. C. de S.; FARIA, E.


M. B. de. Linguagens: Usos e Reflexões. v. 3. João Pessoa; Editora da UFPB, 2009.

Você também pode gostar