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Morfologia da Língua Portuguesa UNIDADE 01 AULA 02

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

Princípios de análise
morfológica

1 Objetivos da aprendizagem

„„ Definir e classificar os morfemas da Língua Portuguesa;


„„ Analisar os morfemas da Língua Portuguesa.
Princípios de análise morfológica

2 Começando a história

Olá! Vamos começar mais uma aula de Morfologia da Língua Portuguesa.


Figura 1 Antes de começarmos nossa aula, é importante que pensemos
sobre o que é análise. Em sua opinião, o que quer dizer esta palavra?
E o que é passível de análise?

Na Biologia, na Química e em várias outras ciências,


elementos e fenômenos são constantemente
Figura 2
submetidos a análises.

Na Linguística, as estruturas componentes de uma


língua, da palavra à frase, também passam por
análises. Esses procedimentos analíticos, realizados
a partir de princípios e conceitos determinados, servem para que possamos
compreender o funcionamento da língua(gem).

Em nossa aula, conheceremos alguns princípios e conceitos relacionados à análise


linguística do ponto de vista da Morfologia.

3 Tecendo conhecimento

3.1 O vocábulo formal

A compreensão do vocábulo formal e de suas classificações pode ser tida como


o ponto de partida para a análise mórfica. Segundo Camara Júnior (2011), os
vocábulos formais classificam-se em:

a) Formas livres: quando funcionam como comunicação suficiente


de modo isolado, apresentando autonomia tanto formal quanto
fonológica. A palavra sim, no contexto seguinte, representa uma
forma livre: “Você comeu o bolo? Sim.”. Outros exemplos são palavras
como lua e sol – que não constituem apenas um elemento mórfico
– e passatempo e guarda-chuva – que se dividem em duas unidades
significativas, ou seja, em dois morfemas;
b) Formas presas: só funcionam ligadas a formas livres, não
apresentando, portanto, nem autonomia formal, nem fonológica.

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Os morfemas flexionais e derivacionais são exemplos de formas


presas: (ele) cantava, (eles) amam, infeliz, garota;
c) Formas dependentes: não são livres porque não podem funcionar
isoladamente, mas também não são presas, pois se associam a formas
livres para formar vocábulos fonológicos e, entre elas e as livres,
podem ser acrescentadas outras formas livres. São representadas
geralmente pelos artigos, pelas preposições, pela partícula que e
outras. Considerando a estrutura “um menino”, podemos intercalar
entre a forma dependente um e a forma livre menino outra forma
livre, como, por exemplo, belo, tendo: “um belo menino”.

Com base na observação das três formas de funcionamento do vocábulo formal


nas estruturas frasais, Camara Júnior (2011, p. 69) define-o como “a unidade a que
se chega, quando não é possível nova divisão em duas ou mais formas livres”.

Os vocábulos formais – formas livres, presas e dependentes – inserem-se em


dois grupos distintos: o sistema aberto e o sistema fechado (RIBEIRO, 2009).

O sistema aberto é composto por um número ilimitado de palavras, representadas


por lexemas, ou seja, substantivos, adjetivos, verbos e advérbios. Já o sistema
fechado é composto por um número limitado de palavras, que não pode ser
ampliado e do qual fazem parte os gramemas, isto é, pronomes, numerais,
artigos, preposições e conjunções.

O lexema é a unidade de base do léxico e está assimilado ao morfema. É


provido de conteúdo, de significação (DUBOIS et al., 2006).

O gramema é, na terminologia de Pottier, um morfema cuja função


é meramente gramatical, sendo, ao contrário do lexema, desprovido de
significação lexical (DUBOIS et al., 2006).

3.2 Análise mórfica

De acordo com Silva e Koch (2005), analisar morficamente um vocábulo mórfico


significa descrever sua estrutura, depreendendo suas formas mínimas ou morfemas,
considerando, para tanto, a significação e a função atribuídas a cada uma dessas
formas dentro da significação e da função total do vocábulo. A análise mórfica
dos vocábulos seguem dois tipos de princípios: o básico e os auxiliares.

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Princípios de análise morfológica

3.2.1 Princípio básico

Como princípio básico da análise mórfica, temos a operação denominada


comutação. Segundo Camara Júnior (2011), esta operação consiste na substituição
de uma invariante por outra, resultando em um novo vocábulo formal.

O processo de comutação pode ocorrer de dois modos que se distinguem por


alterar ou não a significação lexical. Vejamos dois exemplos:

EXEMPLO A – Consideremos as formas verbais: amava, amaria, amasse. Procedendo


à análise mórfica destas estruturas, teremos:

à AMAVA = AM (radical) + A (vogal temática) + VA (desinência modo-temporal)

à AMARIA = AM (radical) + A (vogal temática) + RIA (desinência modo-temporal)

à AMASSE = AM (radical) + A (vogal temática) + SSE (desinência modo-temporal)

Percebemos que neste exemplo a comutação ocorre através do elemento mórfico


que representa a desinência modo-temporal, alterando o modo e o tempo das
estruturas verbais (pretérito imperfeito do indicativo, futuro do pretérito do
indicativo, pretérito do subjuntivo, respectivamente). Logo, a mudança ocorrida
pela comutação não alterou a significação lexical.

EXEMPLO B: Consideremos agora a análise mórfica das formas verbais:


amava e andava:

à AMAVA = AM (radical) + A (vogal temática) + VA (desinência modo-temporal)

à ANDAVA = AND (radical) + A (vogal temática) + VA (desinência modo-temporal)

Vemos que, muito embora os elementos mórficos da vogal temática (VT) e da


desinência modo-temporal (DMT) sejam os mesmos, a comutação ocorrida no
elemento mórfico representativo do radical fez com que houvesse a alteração
da significação lexical.

Ainda em relação à comutação, Silva e Koch (2005) dizem que esta se trata de
uma operação contrastiva através da permutação de elementos para a qual
são necessários: i) segmentar o vocábulo em blocos e ii) haver pertinência
paradigmática entre os elementos a serem permutados.

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3.2.2 Princípios auxiliares

Além da comutação, princípio básico da análise mórfica, há ainda aqueles que


são chamados de princípios auxiliares: a alomorfia e a neutralização.

O termo alomorfia é utilizado para descrever o morfema quando representado


através de um morfe (forma) diferente. Segundo Silva e Koch (2005), pode ou
não ser fonologicamente condicionada. Quando não condicionada, a alomorfia
apresenta-se em variações livres, a exemplo da alternância vocálica no radical do
verbo fazer nas formas: faz – fez – fiz. Já quando apresenta implicação fonológica,
a alomorfia se dá por meio da aglutinação de fonemas, acarretando em mudanças
fonéticas e, por ocorrer entre fonemas, alterando também o plano mórfico. Esse
tipo de alomorfia trata de uma mudança morfofonêmica e, como exemplo,
podemos citar a redução do prefixo –in para –i, quando precede uma consoante
nasal: incorreto – imaginável.

É importante lembrar de que a consoante /m/ que precede o prefixo na palavra


imaginável é uma consoante nasal!

O segundo princípio auxiliar da análise mórfica, a neutralização, manifesta-se


através da perda da oposição entre unidades significativas diferentes (SILVA
E KOCH, 2005). É o fenômeno oposto à alomorfia ao passo que, ao contrário
desta, consiste no fato de um mesmo morfe representar morfemas distintos.
Pode ocorrer apenas no plano mórfico, por exemplo, a primeira e a terceira
pessoas gramaticais em tempos verbais, como em: (eu) amava – (ele) amava. Mas
também pode apresentar influência fonológica, como é o caso representado pela
perda da tonicidade da vogal temática i nos verbos de terceira conjugação, que
passa a ser representada pela vogal e, vogal temática dos verbos de segunda
conjugação, através do processo de neutralização: (ele) come (verbo comer –
segunda conjugação) – (ele) dorme (verbo dormir – terceira conjugação).

3.3 Tipos de morfemas

Outro ponto importante na análise mórfica é reconhecer os tipos de morfemas,


que Silva e Koch (2005, p. 29) trazem como: classificatórios, flexionais, derivacionais
e relacionais.

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Princípios de análise morfológica

Os morfemas chamados de classificatórios são representados pelas vogais


temáticas (-a, -e, -i), cuja função é enquadrar os vocábulos em classes de nomes
(casa; dente; livro) ou verbos, caracterizando sua conjugação (andar; comer;
partir). As palavras terminadas em consoante, por sua vez, são caracterizadas
como atemáticas, dada a ausência do morfema classificatório (mar; lar; cor).

Os morfemas flexionais, por sua vez, subdividem-se em cinco subtipos:

I) Aditivos: como a própria denominação já indica, os morfemas aditivos


são o resultado do acréscimo de um ou mais fonemas ao morfema lexical,
indicando, por exemplo, a noção de gênero – professor/professora –,
ou a noção de número – rapaz/rapazes. Podem ainda ser cumulativos e
indicar duas noções gramaticais em uma forma indivisível, como em: (nós)
morávamos, em que os segmentos /va/ e /mos/ foram conjuntamente
acrescentados ao tema (radical + vogal temática) /mora/, para indicar,
respectivamente, as noções de modo-tempo e número-pessoa do verbo.
O processo cumulativo pode acontecer ainda em palavras como alunas,
em que /a/ indica gênero e /s/, número.
II) Subtrativos: ao contrário dos aditivos, são resultado da supressão de um
elemento fônico do morfema lexical. Como exemplo, temos o par órfão/órfã,
em que a noção de gênero é constituída pela subtração do segmento /o/.
III) Alternativos: resultam de uma permuta ou alternância fonêmica dentro de
um vocábulo. Exemplos são a alternância da vogal tônica /ô/ do masculino
para a vogal átona /ó/ do feminino – como em: bondoso/bondosa –, e na
mudança do singular para o plural – como em: ovo/ovos. O traço morfológico
marcado pela alternância dos fonemas é considerado secundário, pois
tem a função de complementar as flexões de gênero e número. Esses
morfemas podem, pois, ser considerados redundantes. Como exceção,
quando estamos diante do par avô/avó e suas formas derivadas, não
temos morfemas redundantes, pois, ao contrário do que acontece com
os outros vocábulos que apresentam a mudança da vogal tônica para a
vogal átona, em avô e avó, a marca de gênero não está representada,
logo, é a alternância do fonema que caracteriza a mudança do gênero
masculino para o feminino.
IV) Morfema-zero: ocorre quando a ausência da marca para expressar uma
determinada categoria assume a significação gramatical através da oposição.
Em vocábulos como escritor e escritora, por exemplo, a ausência da marca
/a/ em escritor caracteriza o vocábulo como pertencente ao gênero
masculino. O mesmo ocorre na comparação entre escritor e escritores,
em que a ausência de /es/ no vocábulo escritor caracteriza seu número
como singular.

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V) Morfema latente ou alomorfe Ø: também é marcado pela ausência de


uma marca para designar uma categoria gramatical, entretanto, difere
do morfema-zero, pois ocorre em termos em que não há contraste entre
categorias gramaticais, a exemplo de vocábulos como lápis e artista.
Os morfemas derivacionais são aqueles responsáveis pela criação de novos
vocábulos a partir de uma palavra primitiva. Esse fenômeno não é sistemático
como o flexional e pode ser exemplificado através da palavra casa, da qual,
através de morfemas derivacionais, são formadas novas palavras: caseiro,
casarão, casinha, casebre.

Por fim, os morfemas relacionais são responsáveis pela concatenação dos


elementos lexicais dentro das frases. São representados pelas preposições,
pelas conjunções e pelos pronomes relativos, ou seja, estão relacionados a uma
função sintática.

Exercitando

Após realizar a leitura da seção “Tecendo conhecimento”, chegou a hora de


verificar a apreensão do conteúdo estudado, através das atividades a seguir.

Leia a letra da famosa canção de Tom Jobim, “Garota de Ipanema”, e, em seguida,


responda às questões de 01 a 04.

Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça


É ela menina que vem e que passa
Num doce balanço a caminho do mar

Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema


O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, por que estou tão sozinho?


Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha Figura 3

Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse que quando ela passa


O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amor
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Princípios de análise morfológica

1) Observe a primeira estrofe da canção e analise os elementos destacados,


classificando-os como forma livre, forma presa ou forma dependente.

Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema


O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

2) Proceda à análise mórfica dos seguintes vocábulos retirados da canção.


Para isso, siga os exemplos:

I) Amiga: amig (radical); a (desinência de gênero)


II) Caminhava: caminh (radical); a ( vogal temática); caminha (tema); va
(desinência modo-temporal)
a) Menina:

b) Passa:

c) Beleza:

d) Soubesse:

e) Inteirinho:

3) Indique e classifique os morfemas presentes nas seguintes palavras:

a) mar:

b) beleza:

c) inteirinho:

d) que:

e) linda:

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4) Indique a que sistema (aberto ou fechado) as seguintes palavras pertencem.


Justifique sua resposta.

a) linda

b) menina

c) e

d) passa

e) amor

f) se

g) ela

h) enche

5) Exemplifique a ocorrência dos princípios de análise mórfica dados a seguir:

a) comutação sem alteração lexical

b) comutação com alteração lexical

c) alomorfia

d) neutralização

4 Aprofundando seu conhecimento

Que tal ampliar os estudos sobre análise mórfica e estrutura dos vocábulos em
Português? O livro que indicamos oferece um panorama excelente acerca dos
estudos de morfologia, além de apresentar uma linguagem altamente didática
e trazer exercícios que auxiliam na compreensão do assunto.
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Princípios de análise morfológica

Figura 4 O livro tem autoria das linguistas Maria Cecília P. de Souza-


e-Silva e Ingedore Villaça Koch, que é uma das maiores
linguistas do Brasil.

Na elaboração da aula, como você poderá ver nas referências,


utilizamos a décima quinta edição, mas “Linguística Aplicada
ao Português: Morfologia” já chegou a sua décima oitava
edição. É, sem dúvida, uma obra indispensável para
estudantes e professores de Língua Portuguesa!

5 Trocando em miúdos

Ao fim da segunda aula da disciplina de Morfologia da Língua Portuguesa,


podemos perceber que muitos conceitos estão presentes quando falamos sobre
análise mórfica.

O primeiro ponto que discutimos foi a classificação dos vocábulos formais como
formas livres, presas ou dependentes. É a partir desta classificação que chegamos
à definição do vocábulo formal como unidade que não pode ser mais dividida
em duas formas livres.

Dentro dessa discussão, vimos ainda que os vocábulos formais estão posicionados
em dois diferentes sistemas: aberto e fechado. O primeiro agrupa as palavras
que representam lexemas; o segundo, por sua vez, comporta as palavras que
representam gramemas.

Em seguida, abordamos os princípios da análise mórfica. Como vimos, o princípio


básico é a comutação, porém a alomorfia e a neutralização também fazem parte
da análise dos morfemas da Língua Portuguesa.

Por fim, classificamos os morfemas da Língua Portuguesa em quatro grupos:


classificatórios, flexionais, derivacionais e relacionais. Dos quatro, os morfemas
flexionais são os que exigem mais atenção, já que se subdividem em cinco
tipos: aditivos, subtrativos, alternativos, morfema-zero e morfema latente (ou
alomorfe Ø).

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6 Autoavaliando

Agora que você já leu, exercitou e revisou nossa discussão sobre análise mórfica,
nós queremos que você reflita sobre como o conhecimento relativo à análise
dos morfemas de Língua Portuguesa pode ser útil na compreensão da língua,
e, consequentemente, como essa compreensão vai ajudá-lo na hora de ensinar
morfologia.

Boa reflexão!

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Referências

CAMARA JÚNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. 44. ed. Petrópolis,


RJ: Vozes, 2011.

DUBOIS, J. et. al. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 1986.

RIBEIRO, M. das G. C. Introdução à Morfologia. In: ______. A morfologia e


sua interface com a sintaxe e com o discurso (Org.). João Pessoa: Editora da
UFPB, 2011.

______. Morfologia da Língua Portuguesa. In: ALDRIGUE, A. C. de S.; FARIA, E.


M. B. de. Linguagens: Usos e Reflexões. v. 3. João Pessoa: Editora da UFPB, 2009.

SILVA, M. C. P. de S; KOCH, I. G. V. Linguística aplicada ao Português: Morfologia.


15. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

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