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Pat Wallace
Momentos Íntimos n° 01
Digitalização: Nelma
Revisão: Nelma
CAPÍTULO I
Wynn Carson acelerou seu Fiat esporte. O motor fez um ruído meio estranho e
ela teve a ligeira impressão de que teria pela frente o supremo aborrecimento de ficar
com o carro quebrado no meio da West Side Highway, uma das avenidas mais
movimentadas de Manhattan.
Felizmente, nem tudo estava perdido. Havia um retorno logo adiante que poderia
tirá-la do apuro. Ligou a seta e dirigiu-se para ele.
O ruído acusava problema no carburador ou nas velas. Três gerações dos
Carson haviam dirigido qualquer coisa que andasse sobre rodas. E, se havia algo
nessa vida que Wynn sabia reconhecer, era um carro com problemas.
Geralmente, ela evitava o ritmo frenético e intenso da West Side Highway,
preferindo as ruas da Broadway para depois virar na Sexta Avenida. Mas hoje Wynn
Carson tinha muita pressa.
Havia saído tarde do escritório e já estava atrasada para seu encontro com
Howard Bartley. Não que ela estivesse particularmente interessada nele. Ao contrário.
Seu acompanhante era tão sem graça que encontrar-se com ele chegava a ser uma
tarefa penosa.
"Não entendo como você consegue agüentá-lo", dissera um dia Mike Carson,
seu pai.
Wynn sentiu um nó na garganta. Já havia se passado um ano desde a morte
dele, mas ainda não conseguia acreditar que o pai não estivesse mais ali, a seu lado.
Olhou para o relógio. Não havia outro jeito. Howard teria que esperá-la de
qualquer maneira. Diminuiu a velocidade ao chegar perto do retorno e rumou para a
Washington Street. Até que seu Fiat não estava tão mal assim. Ele poderia ter
facilmente seguido pela West Side Highway, sem deixar sua dona em má situação.
Mas talvez Wynn quisesse mesmo chegar atrasada ao encontro. Também, não
era de admirar. Howard era tão monótono que não conseguia fazer nada para que o
coração dela batesse mais depressa. Aliás, fazia com que batesse até mais devagar...
Olhou em volta. O único estacionamento disponível era em frente a um
restaurante, em cuja placa se lia: "B. C."
B. C. era a abreviação de "Banda dos Cidadãos", a famosa estação de rádio tão
sintonizada pelos caminhoneiros de toda a cidade. Wynn conhecia bem a tal rádio.
Marty, seu muito querido irmão, a ouvia o dia todo.
O vento de abril que entrava pelo vidro aberto do carro desmanchou-lhe os
cabelos e ela afastou uma mecha dourada que caía em sua testa. E, decidida, entrou
no estacionamento em frente ao restaurante.
Só que não desceu imediatamente. Ficou ali dentro, parada, deixando que as
lembranças de sua família viessem assombrá-la como fantasmas.
Wynn Carson havia adorado seu avô, Bill Carson, apelidado de Búfalo Bill pelos
colegas de estrada, por causa de sua intrépida coragem. Assim como adorara seu pai,
Mike, que, nascido e criado num apartamento minúsculo na Thompson Street onde se
amontoavam doze pessoas, acabara fundando uma grande companhia de caminhões.
Seus irmãos Greg e Marty deveriam ter herdado os negócios, mas o adorável Marty
morrera no Vietnã e Greg, para espanto geral, resolvera seguir a carreira de clarinetista
clássico.
Pelo menos ele tivera um destino melhor que Marty. Sobrevivera aos horrores
da guerra e se casara com uma moça agradável e sensata, que lhe dera dois filhos
bonitos e saudáveis.
Então, quando um enfarte fulminante tirara a vida de Mike Carson, só houvera
uma pessoa para substituí-lo na direção da empresa: a caçula Wynn.
Mike havia desejado ardentemente que a caçulinha fosse um menino. Mas sua
mulher morrera durante o parto e, no fim, ele agradecera a Deus e aos anjos que a filha
tivesse sido do sexo feminino, porque ela acabara se transformando numa imagem viva
da mãe.
Quando criança, Wynn brincava muito com Marty e juntos subiam em árvores e
jogavam bola. Mas os tempos de infância haviam ficado para trás, e agora ela era o
símbolo máximo da feminilidade.
O irmão Greg e a cunhada Dolores preocupavam-se com ela e não entendiam
como é que havia conseguido driblar todos os pretendentes que quiseram levá-la ao
altar. O que eles não sabiam era que isso se devia, em parte, à desilusão que tivera
com Don. Além disso, não era fácil encontrar um homem com a garra e a forte
personalidade dos Carson. Se havia algo nesse mundo que Wynn não suportava, era
um homem mais fraco do que ela.
Bem, os momentos de divagação tinham chegado ao fim. Como não podia
sonhar a tarde inteira, ela abriu a porta e desceu do carro, decidida a encontrar a falha
no motor.
Olhou em volta. O local só poderia ser freqüentado por caminhoneiros, dado o
número de enormes caminhões estacionados. Seu Fiat, perto deles, parecia um
brinquedo de criança.
Wynn Carson notou que havia fregueses tomando cerveja de pé, na porta do
restaurante. E notou algo mais: todos eles tinham os olhos voltados para ela.
Isso não chegava a ser surpresa. Seus seios fartos, cintura fina e pernas longas
chamavam a atenção de quem quer que fosse, ainda mais de meia dúzia de motoristas
bebendo na hora de folga.
Wynn achou melhor ignorá-los e abriu o capô do Fiat. Nada de errado à vista.
Certamente todo o problema deveria se resumir numa simples vela suja. Wynn sabia
consertar qualquer defeito num carro, mas havia algo que a impedia de colocar em
prática seus conhecimentos automobilísticos: sua altura.
Ela media apenas 1,50 m e não alcançava as velas do motor. Deu um suspiro
de desânimo e percebeu que a platéia na porta do restaurante fazia animados
comentários a respeito de seu insucesso. Mais uma vez, procurou ignorá-los. Agora, só
havia uma única coisa a fazer: achar um telefone público e pedir para que um dos
mecânicos da Carson viesse em seu auxílio.
Foi com alegria que avistou uma cabine nas proximidades. E, triunfante, dirigiu-
se para lá. Só que seu triunfo terminou junto com sua alegria: o telefone, como tantos
outros espalhados pela cidade, estava quebrado.
Aborrecida, Wynn resignou-se a fazer sua ligação dentro do restaurante. Era o
único lugar público do quarteirão, com exceção de um bar de aparência altamente
duvidosa, do outro lado da rua.
"Vá em frente, Wynn Carson", disse baixinho para si mesma. "Não se deixe
intimidar por meia dúzia de caminhoneiros."
E assim, com a cabeça levantada, entrou no restaurante. A única mulher ali
dentro era uma garçonete de meia-idade com cabelos ruivos tingidos, corpo matronal e
olhar simpático. Todos os outros eram homens, que viraram a cabeça quando ela
entrou. Alguns até assobiaram.
Mas Wynn não se incomodou. É que sua atenção estava voltada para o cheiro
que predominava no local...
Era uma mistura do aroma de café forte — acredita-se que os restaurantes de
caminhoneiros servem o melhor café do mundo —, tabaco, comida caseira e um
inegável e embriagante odor de masculinidade. Um odor sensual e provocante de
almíscar, brim, suor e gasolina...
Wynn sentiu-se subitamente excitada. Era uma pena que Howard Bartley não
tivesse aquele cheiro. A bem-comportada água de colônia que ele usava conseguia
deixá-la completamente fria.
— O que deseja, moça?
A voz da garçonete trouxe-a de volta à realidade.
— Só café, por favor. Será que posso usar o telefone?
— É claro que pode, meu bem.. Enquanto você liga, vou coar o seu café.
Wynn atravessou o restaurante em direção ao telefone no fim do balcão. E todos
os presentes seguiram seus passos com os olhos.
— Ai, que beleza! — soou a voz de um deles.
Seguiu-se um coro de risadas. Sentindo-se um objeto raro exposto à visitação
pública, ela tirou o fone do gancho e começou a discar.
Subitamente, o restaurante ficou em silêncio. Era óbvio que todos ali queriam
ouvir a conversa.
Com o canto dos olhos, Wynn começou a observar aqueles homens. E um deles
lhe chamou a atenção.
Ele estava sentado num banquinho perto do balcão, mas mesmo assim dava
para ver que era muito alto. Não olhava diretamente para ela, mas sua cabeça estava
ligeiramente virada em sua direção. Tinha os cabelos pretos como seu Fiat e cílios
muito longos, talvez longos demais para um homem. Mas esse era o único traço
delicado que possuía. O formato da cabeça era parecido com as estátuas dos Césares,
no Museu Metropolitano, e mostrava a elegância de uma escultura de Donatello.
Estava bronzeado e havia algo nele que dava idéia de comando, de superioridade. De
uma maneira ou de outra, aquele homem se destacava dos outros.
Estranho. Wynn ficou pasma ao sentir a umidade entre suas pernas. De súbito,
o restaurante ficou tão quente, tão abafado...
— Boa tarde. Garagem Carson — disse a voz do outro lado da linha.
Wynn procurou controlar-se e, quando falou, sua voz soou firme e decidida:
— Aqui é a srta. Carson, Sam. Meu carro está parado e quero que mande um
dos mecânicos para dar uma olhada nele. — Fez uma pausa para ouvir o que o
empregado tinha a dizer e continuou: — O quê? Todos estão ocupados? Ora, mande
um deles parar, porque não posso ficar aqui a noite inteira! Estou no restaurante B. C,
que fica entre...
Wynn olhou pela janela, tentando enxergar a placa na rua. Sentiu-se uma boba
por não ter checado isso antes.
— Décima Primeira Avenida e Washington Street — soou a voz de alguém,
perto dela.
Wynn virou-se naquela direção e viu que fora o gigante moreno que lhe dera a
informação. No breve momento em que seus olhos se encontraram, ela sentiu um frio
na espinha e seu coração começou a bater mais depressa. E uma palavra apareceu
em sua mente, uma palavra que não usava há anos: "uau!"
Então, recompondo-se, agradeceu ao moreno com a cabeça e repetiu a
localização para seu empregado. Depois de tudo resolvido, desligou o telefone e foi
apanhar o café que a garçonete lhe deixara sobre o balcão.
— Com licença, minha pequena.
Ela levantou a cabeça e percebeu que o gigante estava ali, a seu lado.
"Se alguém me chamar de minha pequena de novo", pensou, "vou ter um
colapso!"
— Será que posso ajudá-la?
"Ele deve ter apostado com os amigos que iria ter coragem de me abordar",
disse a consciência de Wynn. "E eu não estou disposta a ser alvo de apostas!"
Então, de maneira fria e controlada, ela disse apenas:
— Não, obrigada. Fique sabendo que posso consertar um carburador com um
grampo de cabelo.
Os outros homens estavam ouvindo com interesse e um deles deu uma risada.
— Um a zero pra ela, Duke.
O gigante moreno chamado Duke não ficou aborrecido e encarou a recusa com
bom humor.
— Tudo bem — disse a Wynn. — Mas, como estava ligando para uma oficina,
pensei que pudesse ajudá-la.
"Um a zero pra você, isso sim", pensou ela.
— Obrigada, mas realmente não preciso de sua ajuda. E, ignorando os olhares e
os risinhos dos outros, foi sentar-se com sua xícara de café numa das mesinhas.
Meia hora depois, Wynn ainda estava sentada. Nem sinal do mecânico. Já havia
tomado outras duas xícaras de café e agora distraía-se em ouvir os fragmentos da
conversa dos motoristas de caminhão.
"Hora extra... reajustes... aumento de salário... diminuição das horas de
trabalho..."
Conversa de sindicato, ela reconheceu imediatamente. E isso fez com que se
lembrasse de algo que a deixava apavorada: as reuniões que teria em breve com seus
membros.
Não que ela tivesse nada contra eles. Pelo contrário. Antes da fundação do
Sindicato dos Caminhoneiros, seu avô e o pai dele haviam passado por grandes
sofrimentos. Búfalo Bill tinha que dirigir horas e horas seguidas, até quase cair de sono
sobre o volante. Isso sem contar as terríveis dores nas costas e o dano que o
constante sacolejar do caminhão causava a seus rins.
Agora, era ela quem comandava a empresa. Lembrou-se dos últimos conselhos
que seu pai Mike lhe dera, no leito de morte. "Cuide bem dos nossos homens. Respeite
os direitos deles..."
Só que aquela não era a hora de reminiscências. Era hora de tomar uma atitude,
se não quisesse passar a noite ali. 0 Fiat tinha que ser consertado de qualquer jeito.
Wynn olhou para o relógio. Quinze para as sete. "Adeus, Howard", pensou. "Não
vamos nos ver hoje..."
Eles haviam marcado um encontro na porta de um teatro e agora era muito tarde
para lhe telefonar desmarcando o compromisso. Ele já devia ter saído de casa há pelo
menos uns quinze minutos.
A verdade é que Wynn sentia-se aliviada por ter perdido o programa. Howard
Bartley era mesmo um homem monótono... Mas, agora, ele parecia ainda mais
monótono do que antes. "Antes de quê?", perguntou-se a si mesma. Antes de ter
conhecido o gigante moreno perto do balcão? Não, aquilo era muito absurdo. Mesmo
assim, ela foi telefonar para a oficina de novo, sentindo-se leve como uma estudante
que ganha férias inesperadas.
Agora, a linha estava ocupada. E continuou ocupada por ainda cinco minutos.
Então desligou, desanimada.
— Senhorita...
Ela olhou para o lado. Era o César moreno de novo.
— Olhe — disse ele, com a voz séria. — Sinto muito se estou sendo insistente,
mas por que não me deixa dar uma olhada no seu carro?
Ele pareceu tão bem-intencionado que não houve como recusar.
— Tudo bem. Vamos lá.
E ela resolveu acrescentar:
— Muito obrigada.
Então ele sorriu, e seu belo sorriso revelou dentes perfeitos e brancos como a
neve.
— Vamos lá, senhorita.
Wynn colocou algumas moedas sobre o balcão e ambos deixaram juntos o
restaurante, debaixo dos animados comentários dos outros homens.
— Deve ser um probleminha à-toa — disse ela, enquanto o gigante levantava o
capo. — Mas o diabo é que eu não consigo alcançar o local do problema...
Ele sorriu.
— Deixe comigo. Seu carro vai ficar bom em dois minutos.
Começou a mexer em uns fios e, no que pareceu uma fração de segundo,
fechou o capô com ar triunfante.
— Era um probleminha à-toa mesmo. Agora, o Fiat está perfeito. Não quer dar a
partida para ver?
Wynn fez que sim com a cabeça, um tanto pensativa. Como é que aquele
homem entendia tanto de carros esporte? Ela havia imaginado que seu forte fossem os
caminhões. Mas no que estava mesmo pensando era no quanto ficara excitada ao se
debruçar no capô, pertinho dele. O perfume natural que emanava de seus poros, os
músculos dos braços e seu charme cativante estavam deixando Wynn meio maluca.
Ela entrou no carro e deu a partida. O ruído estranho do motor desaparecera.
Tudo estava perfeito.
— Ótimo! — gritou, pondo a cabeça para fora. — Não podia estar melhor!
Então ela desceu do carro e fez o que lhe pareceu mais certo. Abriu a bolsa e
começou a remexer lá dentro em busca de uma nota para recompensar o trabalho do
gigante moreno. Mas ele tocou de leve no braço dela, impedindo-a.
— Por favor, moça... Deve estar brincando, não é?
— Mas...
Wynn não conseguiu terminar. Seu coração estava acelerado por causa do
toque em seu braço e aquela situação toda era muito constrangedora.
— Não tem nada de "mas", moça.
Ele olhou para ela e, novamente, Wynn sentiu-se trêmula ao enfrentar aqueles
olhos penetrantes, autoritários e suaves ao mesmo tempo, mais negros e profundos do
que a meia-noite.
— Sinceramente, eu não saberia estabelecer um preço por trinta segundos de
trabalho. É muita matemática para mim...
Ela duvidava. O gigante à sua frente parecia ser tão afiado quanto uma navalha
nova. Seus olhos pretos mostravam inteligência. Como é que aquele homem conseguia
ser um simples caminhoneiro? Ela abandonou imediatamente aquele pensamento.
Mike Carson também fora um "simples" caminhoneiro. E olhe o que a Companhia
Carson era hoje.
Agora, por uma razão que não conseguia, ou não queria, admitir, Wynn
começou a conversar com ele, de modo a não deixá-lo ir embora.
— Eu acho que o meu Fiat parece um carrinho de criança perto do seu
caminhão, não é? Qual desses é o seu? — perguntou, apontando para os veículos
estacionados ali. Ele pareceu surpreso com a pergunta. Depois, a resposta veio rápida:
— Para falar a verdade, meu... caminhão não está aqui.
— Isso quer dizer que você está sem condução, não é? — A voz de Wynn era
animada. — Talvez eu possa lhe dar uma carona...
Ela chegou a ficar assustada consigo mesma. Nunca, em toda a sua vida, havia
conversado com um estranho na rua. E agora, não só conversava, como ainda lhe
oferecia uma carona.
Era esquisito. Aquele homem tinha algo que fazia com que ela confiasse nele,
algo que lhe lembrava sua família. Talvez isso acontecesse porque ele era um
motorista de caminhão. Não, aquilo era bobagem. Havia milhares de caminhoneiros no
mundo e ela nunca tivera essa impressão antes. A verdade era muito simples: aquele
era o homem mais excitante que ela já tinha visto na vida.
— É muita gentileza sua me oferecer uma carona... A voz dele agora era suave
e ela sentiu novamente um frio na espinha.
— Você é que foi muito gentil por ter consertado o meu carro.
Wynn entrou no Fiat e abriu a porta para ele. Aquele gigante moreno fazia com
que o seu carrinho parecesse menor ainda, e o simples pensamento de esbarrar nele
por acaso, ao trocar de marcha, deixou-a inquieta.
"Se as minhas mãos não estivessem na direção", pensou, "elas iriam voar pra
cima dele".
— Onde posso deixar você? — perguntou com voz firme, tentando parecer
natural. Ligou o motor e o carro começou a andar.
— Quero que me deixe em algum lugar onde eu possa jantar com você.
Foi aí que o coração de Wynn disparou de vez. As coisas estavam indo rápidas
demais para seu gosto... Uma parte de si sentiu-se amedrontada, mas a outra deu
pulos de alegria.
— O que me diz? Quer jantar comigo ou não?
Wynn hesitou. Subitamente, percebeu que seria muito doloroso vê-lo descer de
seu carro e sumir de sua vida para sempre. Não, aquilo ela não podia permitir. Então
respirou fundo, para tomar coragem.
— Aceito. Aonde poderemos ir?
Ele sorriu e, novamente, seus dentes muito brancos, em contraste com a pele
bronzeada, aceleraram o pulso de Wynn.
— Poderíamos ir a um lugar bem informal, já que estou vestido deste jeito. Ou
talvez você prefira que eu dê uma chegada em casa para trocar de roupa...
— Não. Nem pense nisso! Você está ótimo vestido assim.
Na verdade, os jeans e a camiseta que ele usava não eram exatamente próprios
para um jantar num restaurante. Mas Wynn não queria que ele fosse trocar de roupa
porque... detestaria a idéia de se separar dele, mesmo por alguns instantes. E isso a
assustava. Desde seu nefasto romance com Don, ela nunca se sentira tão dependente
de um homem.
"Vamos, controle-se, Wynn Carson", disse a si mesma.
— Conheço um lugar ótimo onde poderemos jantar — procurou falar com calma.
— É um restaurante pequeno, numa rua tão estreita que não cabe sequer uma bicicleta
estacionada.
Ele deu um sorriso.
— Combinado. Vamos para lá.
O Fiat deslizou pelas avenidas de Manhattan. Wynn procurava se concentrar no
trânsito, mas constantemente sua atenção era desviada para o homem a seu lado.
Teve a impressão de que ele era italiano, por causa dos cabelos e olhos muito pretos,
da maneira galante e dos traços marcantes, quase perfeitos. Um dos caminhoneiros,
no B.C, o chamara de Duke. E ela ficou pensando se aquilo era nome ou apelido.
Finalmente, chegaram à Perry Street. Wynn estacionou o carro numa vaga, com
absoluta precisão.
— O restaurante fica a um quarteirão daqui — explicou. — Não vamos conseguir
lugar mais perto para estacionar.
Ambos desceram do carro e foram andando em direção à West Fourth Street. E
quando Duke segurou o braço dela para atravessarem a rua, seu toque foi tão forte que
ela quase perdeu o equilíbrio
— Sinto muito — disse ele, sorrindo. — Não tinha me dado conta de que você
era tão leve...
Essas palavras foram ditas com tanto charme que, pela primeira vez na vida,
Wynn se sentiu feliz em ser baixinha. É que ele fizera com que ela se sentisse
feminina, protegida e segura. E, por sua vez, o gigante moreno pareceu ainda mais viril
e poderoso, forte como um caminhão transportando uma carga de vinte toneladas. O
contraste entre os dois era enorme. E Wynn sentiu um grande desejo de ser abraçada
por ele...
Ela ficou vermelha com seu próprio pensamento. Felizmente, em poucos
minutos chegaram em frente a uma porta meio escondida, na tal ruazinha estreita.
— Fedora's! — exclamou ele. — Quem diria que era aqui que você iria me
trazer!
Wynn olhou para Duke. O comentário não podia ser de desaprovação, porque
ele tinha um grande sorriso nos lábios.
— Então você também gosta daqui, não é? — continuou.
— Gosto muito! Estive aqui algumas vezes e adorei a comida.
— Não diga! Sabe de uma coisa? Freqüento este restaurante desde que me dou
por gente. Foi inaugurado nos anos cinqüenta e os donos ainda são os mesmos.
Ele abriu a porta e, com cuidado, ambos desceram uns degraus que levavam a
uma sala aconchegante, iluminada por luzes de abajur.
Era um lugar descontraído e familiar, onde se podia encontrar pessoas de todos
os tipos, usando roupas que iam desde os jeans até sofisticados vestidos de noite. A
comida e o vinho eram excelentes e os preços, bem baixos.
Wynn sorriu para um garçom que conhecia e ouviu Duke exclamar:
— Enrico! Come vai, paesano?
Virando-se, ela viu um homem grisalho atrás do bar, estendendo os braços:
— Donato... figlio! Bene, bene... E você, como vai?
— Molto bene — enfatizou Duke, olhando para Wynn. Ela ficou vermelha na
hora. Mas, se foi de alegria ou de embaraço, não pôde saber. Talvez de ambos...
— Quem é essa moça adorável? — perguntou Enrico. — Acho que já a vi antes
por aqui... É o tipo da pessoa que não se pode esquecer...
Foi aí que Wynn percebeu que Duke ainda nem sabia seu nome. Então,
rapidamente, estendeu a mão e sorriu para o velho italiano.
— Sou Wynn Carson.
Com o canto do olho, reparou que Duke a olhou de um modo meio estranho.
Seria impressão? Deveria ser, pois ele logo voltou a falar com Enrico, animadamente:
— Fedora está aqui? — perguntou.
— Não, infelizmente ela não vai poder estar aqui hoje...
Wynn lembrou-se da última vez em que jantara aqui. Comia tranqüilamente
quando uma mulher muito loira e impecavelmente vestida fizera uma entrada
charmosa, quase teatral no salão. Era Fedora. Ela circulara por todas as mesas,
conversando com os clientes que conhecia e curvando-se para beijar o rosto de um ou
outro amigo, com graça e vitalidade.
Com grande espanto, Wynn soubera que aquela mulher já passava dos
sessenta anos. Ela parecia ter, no máximo, uns quarenta.
— Fiquem ali, naquela mesa — sugeriu Enrico, apontando para uma mesa
isolada num canto.
— Tudo bem? — Duke perguntou a Wynn.
Ela fez que sim com a cabeça. Ambos trocaram um rápido olhar e, nesse
instante, todo o apetite dela sumiu como por magia.
Um garçom simpático anotou o que eles queriam beber e Duke comentou:
— É uma pena que Fedora não esteja aqui hoje. Eu costumo chamá-la de tia,
porque ela e minha mãe são como irmãs. Enrico é marido dela.
Para Wynn, aquilo parecia uma estranha e maravilhosa coincidência.
— Mas eu já conheci essa mulher extraordinária! Ela até me deu um beijo no
rosto, quando jantava aqui sozinha outro dia... Vai ver que percebeu que eu estava
meio triste...
— Fedora deve ter gostado muito de você, senão jamais a teria beijado.
A conversa então foi morrendo, como se ambos estivessem tendo dificuldades
em encontrar alguma coisa amena para dizer. É que eles ainda mal se conheciam para
que certos assuntos fossem tocados.
Quando o garçom trouxe os drinques, Duke levantou seu copo.
— Vamos beber a uma noite muito especial — murmurou, olhando nos olhos
dela.
Wynn repetiu o brinde, mas teve que abaixar a cabeça. Não queria que ele visse
o que dizia seu olhar: um desejo ardente e uma certa vulnerabilidade, que nunca
existira durante seus vinte e nove anos.
— Este lugar é como minha própria casa — comentou Duke. — Eu adoro tudo
por aqui. É engraçado, mas as pessoas do Fedora's parecem especiais... Desde Enrico
até o ajudante da cozinha, eles são como uma grande família. E, falando em família,
você se dá bem com a sua?
Wynn sorriu.
— Muito... Talvez você tenha ouvido falar de meu pai, Mike Carson.
— É claro que sim. Quem não ouviu? Ele era uma grande pessoa. Você deve
ter... sentido muito a morte dele, não é?
— E como... — Sua voz balançou um pouco e ela tentou sorrir. — Ele foi mesmo
um homem maravilhoso.
Percebendo que ela ficara triste com a lembrança, Duke tomou-lhe a mão e
levou-a aos lábios, para grande alegria de Enrico e dos garçons que os observavam.
Wynn sentiu naquele momento algo que nunca sentira antes. Era como se seu
corpo todo estivesse pegando fogo... E ela percebeu que estava perdendo o controle
de si mesma.
— Você é tão bonita, Wynn Carson... É a mulher mais bonita que já vi em toda a
minha vida.
Foi maravilhoso ouvir Duke dizer aquilo, porque, na verdade, ela já estava
preocupada com sua aparência. Afinal, não se olhava num espelho há horas.
Então, satisfeita, Wynn sorriu e levou o copo de vinho aos lábios. Um pouco
depois, Gene, o garçom, apareceu trazendo o jantar. Duke pedira uma das
especialidades da casa, pão de carne, para ambos.
— Este é o único lugar de Nova York onde se pode confiar num pão de carne,
não é, Gene?
— Isso mesmo, Duke. A pessoa sabe o que há dentro do pão. Em certos
lugares, você precisa adivinhar quem é que está ali dentro..
O garçom então completou o serviço e retirou-se discretamente.
— A piada de Gene foi de muito mau gosto, não foi? — desculpou-se Duke.
Wynn sorriu.
— De jeito nenhum. Acho que meu pai teria feito o mesmo comentário... Agora,
me diga uma coisa. Qual é o seu nome, afinal? É Duke ou Donato?
Ele tomou um gole de vinho antes de responder.
— É Donato. Duke é o apelido que os meus companheiros me deram. Sabia que
Donato, em latim, quer dizer, "presente de Deus"? Foi minha mãe que o escolheu. Só
que eu acho que ela exagerou um pouco...
"Do modo como você me faz sentir", pensou ela, "esse nome até que é muito
apropriado..."
— E o seu sobrenome? — perguntou.
O sorriso desapareceu do rosto dele. Olhou para a garrafa de vinho em cima da
mesa e pareceu pensativo por alguns instantes.
Acabou dizendo, finalmente:
— Meu sobrenome é Bardolino, como o vinho. Acredita nisso?
Não, ela não acreditava. E foi aí que um pensamento terrível lhe ocorreu: aquele
homem era casado e não podia lhe contar o nome verdadeiro. Mas, se ele fosse
realmente comprometido, teria a coragem de freqüentar um lugar onde todos o
conhecessem? Wynn não sabia. Ela agora estava confusa e apreensiva.
Duke deve ter percebido essa súbita confusão, porque largou o garfo e pegou a
mão dela.
— Acredite — disse ele, em tom de súplica. — Não sou um marginal, nem um
fugitivo. E muito menos um homem casado...
— Você não me deve satisfações — foi a resposta de Wynn.
A comida, a princípio tão apetitosa, subitamente ficou repugnante. Seu corpo
todo estava trêmulo. Ela gostara tanto daquele homem e, de repente, a história toda
estava mudando de rumo.
— Você está enganada, Wynn. Eu lhe devo satisfações, sim. Seu julgamento -é
muito importante para mim... — Ele a estudou por alguns instantes e continuou: —
Droga. Tudo estava indo tão bem entre nós... Agora, sinto que você está diferente...
Ela procurou sorrir.
— Não estou diferente, não, Duke. É impressão sua.
— Impressão? Mas você nem tocou no seu prato!
— Bem, parece-me que você também comeu muito pouco...
— É, acho que perdi a fome de uma hora para outra.
"Oh, Donato", disse ela, silenciosamente. "Eu também não estou com a mínima
vontade de comer..."
A verdade era que Wynn o queria muito. E tinha a impressão de que ele a queria
da mesma forma. Duke olhou em volta.
— Gostaria de falar tantas coisas a você... — A voz dele era tensa, excitada,
quase dramática. — Mas não aqui. Talvez num lugar mais quieto...
— E eu gostaria de ouvi-las.
Era como se Wynn estivesse experimentando uma sensação diferente,
inexplicável. O mundo inteiro parecia ter mudado. Até ela mesma.
— Eu quero ir embora daqui — disse ele. — Vamos dar uma volta? Acho que
poderia conversar com você durante horas seguidas.
— Engraçado... — A voz de Wynn soou tão baixa que ele teve que inclinar-se
em direção dela para ouvi-la. — Eu penso da mesma forma.
— Mas, mamma mia, Enrico vai ter um ataque cardíaco se sairmos agora!
Ninguém deixa o Fedora's sem ter antes esvaziado os pratos!
— O que faremos então? Acha que seria uma boa idéia jogarmos a comida
debaixo da mesa?
Os dois caíram na risada. Então, pouco depois, o riso foi morrendo e eles se
olharam de maneira séria, quase solene. Era como se um estivesse vendo nos olhos
do outro a atração inexplicável, forte e selvagem, que existia entre ambos.
— Tive uma idéia — disse Duke, quebrando o silêncio. — Vamos comer bem
depressa para sairmos rápido daqui, está bem?
— Vou fazer o possível!
Wynn colocou um pedaço de pão na boca e o engoliu o mais rápido que pôde.
Quase engasgou.
— Ei, também não exagere! — brincou Duke.
Pouco depois, os pratos já estavam devidamente esvaziados. O garçom trouxe a
conta e Duke deixou algumas notas em cima da mesa, sem se dar ao trabalho de
conferi-las.
Enrico, ao vê-los saindo da mesa, ficou revoltado.
— Ei, aonde é que vocês vão, assim tão cedo? Por acaso a senhorita não
gostou da comida? Se quiserem, posso mandar vir outro prato da cozinha!
Wynn deu um leve sorriso e Duke teve que fazer força para reprimir uma
gargalhada.
— Não é nada disso, Enrico — disse ele. — A comida estava ótima! É que nós
não tínhamos percebido que já era tão tarde, sabe? Vamos ao teatro e as cortinas se
levantam às sete e meia em ponto!
Então, em meio a despedidas calorosas, eles deixaram o Fedora's. Passaram
por um espelho no bar e Wynn aproveitou para dar uma olhada no rosto. E o que viu foi
uma pessoa estranha, outra mulher cheia de entusiasmo e alegria de viver.
O céu já estava escuro quando eles saíram. Soprava um vento morno, típico das
noites de primavera de Nova York.
Alguém tocava clarineta num apartamento da Perry Street. O som vindo do
instrumento era leve, suave, um pouco misterioso até. E, naquela hora, Wynn teve um
estranho pressentimento: nada mais, dali para frente, seria como antes...
CAPÍTULO II
CAPITULO III
Wynn acordou às oito horas da manhã do dia seguinte e constatou que, mais
uma vez, seu pai acertara. As coisas pareciam mesmo diferentes à luz do dia. O sol de
primavera entrava em cheio pela janela, fazendo com que as cortinas amarelas
parecessem corolas de narcisos.
O dia prometia ser uma beleza. Por um breve instante, ela achou que a noite da
véspera não passara de um belo sonho. E, agora, a realidade a esperava naquela
manhã ensoralada.
Um pouco cansada pelo sono agitado, mas com muito mais disposição do que
esperava ter, Wynn pulou da cama e foi direto para a cozinha fazer café. Enquanto a
água esquentava, tomou um banho rapidíssimo e fez a cama. Ao voltar para a cozinha,
a água fervia e ela preparou um bule de café forte e fresco.
Olhou em volta: a cozinha e a copa mais pareciam uma continuação do jardim,
com vasos de plantas espalhados por todos os cantos. Há poucas semanas, para
comemorar a chegada da primavera, ela colocara um enorme arranjo de flores em cima
da mesa e tudo por ali tinha um ar alegre e festivo. Seu ânimo começou a se levantar.
Sentindo-se ansiosa demais para tomar um bom desjejum, contentou-se com uma
xícara de café preto e decidiu só comer alguma coisa um pouco antes da reunião do
sindicato.
Olhando no relógio, Wynn foi para o seu quarto e começou a se vestir. Pretendia
se fazer passar por uma executiva séria, e a roupa que escolhera dava essa perfeita
impressão. Era um conjunto de blazer e saia cinza, com uma blusa de laço cor-de-rosa,
bem clarinha. Resolveu prender os cabelos num coque na altura da nuca e maquiou-se
muito de leve. Só usou um pouco mais de sombra nos olhos, porque pretendia usar
seus óculos para parecer mais velha e mais séria.
Foi somente no momento em que entrou no carro, e viu que o motor estava
funcionando muito bem, que Duke voltou-lhe à mente. E um inesperado friozinho na
barriga veio-lhe tirar o sossego. A noite anterior não fora um sonho: os braços e a boca
daquele gigante haviam sido muito reais.
Mas aquela não era a hora de pensar naquilo. O trânsito perigoso de Nova York
estava à sua frente e ela tinha uma reunião importante com que se preocupar.
— Bom dia. Hum... essa blusa cor-de-rosa com laço na frente está tão bonita
que me dá até vontade de comer...
O comentário partiu de Ruth Wiley, a secretária. Havia um sorriso agradável em
seu rosto sereno de meia-idade e ela irradiava simpatia e confiança.
— Vontade de comer? Não me diga, Ruth... Aposto que você está fazendo
regime de novo e por isso sente vontade de devorar tudo o que vê pela frente. Como
está se sentindo esta manhã, querida?
— Muito bem... e você acertou. Estou de dieta mesmo!
Desde que Wynn se dava por gente, Ruth Wiley travava uma incansável batalha
contra as calorias. A secretária começara a trabalhar com Mike Carson quando a
empresa fora fundada e agora sentia-se feliz por estar ao lado da caçulinha dele, a
quem praticamente ajudara a criar. Ela sempre dizia que pai e filha tinham o mesmo
gênio: eram inteligentes, esforçados e teimosos como uma mula.
— Então, boa sorte no seu novo regime! — Wynn sorriu abertamente. — Quais
são as novidades esta manhã?
— Hum... Deixe-me ver. O distinto Howard Bartley ligou duas vezes e pediu para
que você ligue. Dolores também ligou. Vamos ver o que mais... Ah, Tio Patinhas já
esteve aqui e disse que queria falar com você a respeito da reunião com o sindicato.
Tio Patinhas era o apelido secreto que ambas haviam dado a Jonathan Court, o
tesoureiro da companhia, um pão-duro que costumava se comportar exatamente como
o inesquecível personagem de Walt Disney.
"Vai ser engraçado", pensou Wynn. Tinha certeza de que Court e os demais
membros da diretoria esperavam que ela fizesse exatamente o que eles ordenassem.
Bem, todos teriam uma grande surpresa, pois ela pretendia conduzir as negociações
da mesma maneira que seu pai.
— Não quero falar com Tio Patinhas agora, Ruth. Já conversei muito com ele
sobre a reunião e o assunto já se esgotou. Quero estar bem descansada para quando
os homens do sindicato chegarem, sabe? Ai, meu Deus, que friozinho na barriga! Ruth
sorriu.
— Posso imaginar, Wynn! Olhe, eu deixei uma pasta em cima da sua mesa
contendo anotações sobre o tipo físico de cada um dos homens que você vai ter que
enfrentar.
— Tipo físico? — Wynn começou a rir. — Meu Deus, promete ser interessante!
Mal posso esperar para botar os olhos nisso!
E antes de entrar na sua sala, seu santuário, ainda comentou:
— Veja se não perde muito peso, minha amiga. Lembre-se de que cada grama
vale ouro!
Wynn fechou a porta atrás de si e sentou-se confortavelmente em sua poltrona
favorita. Em cima da mesa, a pasta de Ruth com os comentários a respeito dos
homens do sindicato prometia momentos de diversão amena. Ela sorriu
antecipadamente e começou a ler as anotações.
Porém seu riso desapareceu no momento em que leu o nome do presidente:
Donato Bellini. Ao lado, Ruth havia escrito: um gigante maravilhoso.
Um gigante chamado Donato... Seria possível? Não, é claro que não. Apenas
uma simples coincidência. Duke Bardolino era motorista de caminhão e ela não deveria
pensar em bobagens. Começou a ler a descrição dos outros homens.
Aaron Weinfeld, o vice-presidente: uma verdadeira águia, com bico e tudo,
segundo a implacável Ruth. Bernie Halloran, secretário e tesoureiro: um Papai Noel de
aparência, mas um grande Tio Patinhas interiormente. Os outros membros não haviam
merecido muitos comentários e Ruth descrevera todos eles como "um pedaço de bolo".
Mas aquilo não consolava Wynn. Os três primeiros homens eram os líderes e
era com eles que deveria se preocupar. Olhou para o relógio. Dez e meia. Ainda tinha
meia hora até o início da reunião. Resolveu deixar o telefonema de Howard Bartley de
lado e discou para Dolores. Falar com a cunhada foi bom e relaxante e elas
combinaram um jantar para aquela noite. Depois, Wynn fez algumas anotações a
respeito da correspondência que chegara e, quando percebeu, já eram cinco para às
onze. Uma nova onda de ansiedade passou-lhe pelo corpo e ela leu o nome do
presidente mais uma vez: Donato Bellini. Um gigante maravilhoso, escrevera Ruth.
Minutos depois, a voz da secretária anunciava, pelo interfone:
— Os membros do sindicato já chegaram, srta. Carson.
— Ótimo. Mande-os entrar.
Ela se levantou para esperá-los e deu uma olhada em volta: tudo estava em
ordem. Agora, era só pedir a Deus que tudo corresse bem.
Ruth Wiley abriu a porta, dando passagem para os homens. O primeiro que
entrou foi o presidente, um homem muito alto, de terno cinza, que sorriu
misteriosamente para ela. Um gigante moreno maravilhoso... E Wynn teve que se
controlar para que um grito não escapasse de sua garganta. Lá estava ele, o homem
que lhe despertara tantas emoções, parado à sua frente. Ela bem que desconfiara.
Duke Bardolino nunca existira...
Os outros homens entraram em seguida e Wynn reconheceu-os um a um, pelos
comentários bem-humorados da secretária. Cumprimentou todos eles com um aperto
de mão e, na vez de Duke, teve que fazer força para que sua fala não saísse trêmula.
— Como vai, Sr. Bellini? — foi a única coisa que conseguiu dizer.
Ele respondeu ao cumprimento e Wynn estava pensando em alguma coisa
inteligente para falar, quando, de repente, o advogado da empresa, James Noble, e o
temido tesoureiro Jonathan Court, o Tio Patinhas, entraram na sala. Ela não sabia que
ambos iriam estar presentes e ficou aborrecida por não ter sido avisada antes. Não
seria fácil ter Noble a seu lado. Suas opiniões radicalmente contra as leis trabalhistas
haviam aborrecido muito Mike Carson e Wynn pretendia ficar de olho nele.
A reunião finalmente foi iniciada e, como era esperado, os ânimos de ambas as
partes começaram a esquentar. Os membros do sindicato exigiam aumentos de
salário, mas Court e Noble refutavam a idéia, alegando que a companhia estava em
regime de contenção de despesas.
Weinfeld rebateu, referindo-se às recentes negociações da Wall Street. E na
hora em que Noble foi longe demais, aparentemente falando por toda a companhia,
Wynn o interrompeu de maneira brusca:
— Espere um pouco — disse ela. — Somente Wynn Carson fala por Wynn
Carson.
Logo arrependeu-se de ter falado daquela maneira, pois o sindicato, percebendo
uma certa desarmonia entre os membros da companhia, poderia tirar partido dessa
situação. Porém, o que ela notou foi um brilho de admiração nos olhos escuros de
Duke.
— Parece Mike Carson falando — comentou Halloran, olhando para o grande
quadro a óleo na parede.
— Ele foi o adversário mais justo que o nosso sindicato já teve — acrescentou
Duke. — Meu próprio pai disse um dia que um homem deve ser muito cuidadoso na
escolha dos seus inimigos... Mike era um grande sujeito e tenho a impressão de que
vocês dois eram muito parecidos. Será um prazer negociar com a senhorita, estou
certo.
Wynn sentiu que Duke estava se referindo a algo mais do que simples
negociações de trabalho e preferiu não dizer nada. As conversas prosseguiram e uma
hora depois, ao dar a reunião por encerrada, ela se sentia esgotada.
Quando o grupo deixava a sala, Duke aproximou-se dela e perguntou, em voz
baixa:
— Será que posso convidá-la para almoçar? Tenho algumas coisas para lhe
dizer...
— Sinto muito, mas não posso — respondeu Wynn, de maneira fria. — Fale com
a minha secretária, a Sra. Wiley. Pode ser que ela encontre na minha agenda uma hora
livre para nos encontrarmos.
Duke não conseguiu esconder seu desapontamento, mas respondeu com muita
educação:
— Obrigado. Farei isso.
E olhou para ela mais uma vez, como se implorasse um pouco de compreensão.
Wynn, porém, ignorou tal olhar e, após ele ter, saído, fechou a porta da sala e foi
sentar-se à mesa.
Sabia muito bem que sua agenda estava lotada e que Ruth Wiley não iria
marcar encontro nenhum com Duke. Duke Bardolino... Seria mesmo possível que o
homem que a fizera gritar de desejo e paixão na noite anterior fosse o líder do
sindicato?
Ela apoiou a cabeça nas mãos e deixou-se ficar assim por um longo tempo.
Será que aquele sem-vergonha fizera tudo aquilo de propósito, para tê-la em suas
mãos? Não, não fazia sentido. Ele não podia adivinhar quem ela era quando a vira no
restaurante. E Wynn também lembrou-se de como ele ficara espantado no Fedora's, ao
ouvi-la se apresentar a Enrico. Duke não sabia quem ela era. E, quando descobrira,
não quisera complicar as coisas ainda mais. Afinal, como é que duas pessoas lutando
em lados diferentes poderiam se tornar amantes?
Então aquilo explicava tudo. Por um lado, ela se sentiu aliviada. Ele não a
rejeitara por causa de outra mulher, nem por falta de interesse. Mas, por outro lado, as
coisas ficavam ainda piores. Como é que ambos poderiam se acertar, uma vez que
estavam destinados a se oporem um ao outro durante todo o caminho?
Era um dilema que ela não conseguia resolver. Dessa vez, estava mesmo
perdida.
Ruth Wiley devia estar sozinha em sua sala, pois somente o ruído da máquina
de escrever podia ser ouvido. Wynn sentiu uma vontade louca de ir até lá e perguntar
se Duke tinha tentado marcar o encontro, mas não teve coragem sequer de se levantar
da cadeira. E passou a tarde inteira ali, procurando se concentrar no trabalho,
enquanto pensamentos confusos povoavam sua mente.
Eram seis horas quando resolveu deixar o escritório. Ruth, como de costume,
fora embora às cinco e Wynn já estava fechando a porta de sua sala quando apareceu
um entregador de floricultura carregando um enorme vaso de lírios brancos.
Intrigada, Wynn deu uma gorjeta ao rapaz e se apressou em abrir o cartão, que
dizia: "Abril é um mês cruel, quando seu nome é Duke Bellini".
Ela ficou sem fala. Primeiro, Mozart; agora, uma referência à poesia de T. S.
Eliot. Não deixava de ser um paradoxo: um líder sindical, de origem humilde, enviando-
lhe lírios que simbolizavam a doce cor da primavera.
Wynn sentiu o aroma delicioso das flores e sentou-se novamente à escrivaninha,
olhando admirada para elas. Não conseguia se lembrar exatamente das palavras de
Eliot, mas havia algo sobre lírios e lembranças... lembrança e desejo. E a chuva de
abril inundando o mundo. Ontem, seu desejo por Duke havia se misturado às
lembranças de Don McKendrick. Agora, só faltava a chuva.
Mas aquela não era a hora de devaneios. Wynn tinha marcado um jantar com
Greg e Dolores e, se ficasse ali perdendo tempo, pegaria um trânsito infernal.
Suspirando, levantou-se e fez o que lhe pareceu mais acertado: atirou flores e cartão
dentro da lata de lixo.
Mas, antes de apagar as luzes e deixar o escritório, resolveu tirar o cartão do
lixo e o guardou dentro da bolsa.
— Não vai ser nada fácil esquecê-lo — disse Wynn baixinho, ao chegar ao
escritório na manhã seguinte. Tirou a capa de chuva, encostou a sombrinha num canto
e foi aí que viu um buquê de rosas vermelhas em cima da mesa. Nenhum cartão à
vista.
— Que tempo horrível, não? — comentou Ruth Riley, entrando na sala com a
correspondência. Apontou para as rosas e continuou: — Elas chegaram quando eu
estava abrindo o escritório e não vi nenhum cartão. Será que foram mandadas por
Howard Bartley?
Wynn balançou a cabeça, evitando olhar nos olhos da secretária.
— Pode ser...
— Vi também os lírios na lata de lixo. Com certeza foram enviados pela mesma
pessoa...
— É, provavelmente. E vieram sem cartão também — mentiu ela.
— Meu Deus, mas que emocionante.
Ruth Riley ficou parada diante dela durante mais algum tempo, louca para
continuar a conversa. Mas Wynn fingiu que estava entretida com a correspondência e a
secretária acabou desistindo.
“Aqui estou eu, enganando outra pessoa que adoro...” pensou ela , vendo Ruth
sair da sala. “Mas não posso nem pensar em lhe contar que quase fui para a cama com
o líder sindical Donato Bellini...”
Conforme o dia ia passando, Wynn encontrava cada vez mais dificuldade para
se concentrar. Howard ligou duas vezes. Na primeira, ela se recusou a atender e disse
a Ruth que estava muito ocupada. Acabou atendendo na segunda, desculpou-se pelo
desencontro da outra noite e recusou um convite para almoçar no dia seguinte.
Estava quase sufocada de tanto trabalho, mas ao meio-dia, em vez de pedir um
sanduíche no escritório, resolveu enfrentar a chuva e foi comer alguma coisa num
restaurante das proximidades.
Sentiu-se um pouco irritada durante a tarde inteira. De uma maneira ou de outra,
esperava que Duke lhe telefonasse.
Ele não telefonou, mas na manhã seguinte Wynn encontrou rosas brancas em
cima da mesa. E na outra manhã, um lindo buquê de flores do campo.
No dia das flores do campo, o telefone tocou. E, para sua grande alegria, não
era Howard Bartley. Era Duke Bellini.
— Como vai, srta. Carson?
Ouvir aquela voz máscula foi o suficiente para que ela se derretesse toda. Não
deixava de ser engraçado ouvir Duke chamá-la de "senhorita", depois de tudo o que
acontecera ...
— Tudo bem — respondeu, tentando parecer natural.
— Estou telefonando para lhe fazer um convite, senhorita. Um convite para a
exposição de arte dos motoristas de caminhão. O vernissage é esta tarde, às três
horas, na Rua Dezesseis. Achei que gostaria de dar uma olhada. Alguns empregados
da Carson estão expondo...
Ele esperou pela resposta e Wynn respirou fundo. Já tinha ouvido falar nas
exposições que os caminhoneiros costumavam fazer anualmente, mas nunca havia
sido convidada para nenhuma delas. E agora, o líder sindical em pessoa ligava,
pedindo que comparecesse. Era evidente que aquilo era uma desculpa para vê-la. E
ela não sabia se ficava eufórica ou aborrecida.
— Srta. Carson? — repetiu ele.
— Eu... bem, quero dizer, será um prazer comparecer ao vernissage, Du..., isto
é, Sr. Bellini. E... obrigada pelos lírios — acrescentou num impulso. — Eram lindos.
— Fico contente que tenha gostado. A que horas pretende vir?
— Lá pelas quatro, eu acho.
— Ótimo. Até lá, então.
Wynn desligou, sentindo-se nas nuvens. Rever Duke seria maravilhoso. Como
havia sentido a falta dele...
Passou o tempo todo olhando para o relógio e, às três e meia, tratou de largar o
trabalho e foi se arrumar diante do espelho do banheiro. Ainda bem que o vestido que
escolhera pela manhã era bonito e sofisticado, bem próprio para uma exposição de
arte. E também deu graças a Deus por seus cabelos estarem em ordem. Então, após
passar um pouco de perfume, pegou a bolsa e apagou as luzes.
— Vou ao dentista — disse ela a Ruth. — E não pretendo voltar mais hoje.
— Dentista? Mas que desagradável... Espero que não doa muito, Wynn.
Ela balançou a cabeça, sorrindo.
— Não vai doer, não. É só uma limpeza. Bom fim de semana, Ruth, e até
segunda. Se quiser, pode ir embora agora.
— Obrigada. Eu vou mesmo. — A secretária parecia muito contente. — Assim,
vou ter um tempinho para fazer umas compras, antes do meu grande encontro.
O grande encontro era seu jantar habitual de sexta-feira com o marido, com
quem era casada há muito tempo.
— Divirta-se, então. Até segunda.
Wynn acenou para ela e deixou o escritório. Estava nervosa como se estivesse
mesmo indo ao dentista.
Resolveu deixar o Fiat estacionado e foi de táxi até a Rua Dezesseis para
ganhar tempo. Sabia que seria muito difícil encontrar algum lugar por ali para deixar o
carro.
Ao sair do táxi, começou a suar frio. Estava ansiosa, sua respiração era irregular
e ela quase se arrependeu de ter vindo. É que seria um vexame horrível começar a
tremer na frente dele...
"Calma, Wynn Carson", ordenou a si mesma.
Respirou fundo e subiu os degraus que levavam à galeria de arte, que nada
mais era do que uma antiga loja de móveis reformada. Conforme foi se aproximando,
ouviu música de gravador e o ruído de vozes e de riso.
O salão estava lotado de caminhoneiros bem vestidos e suas respectivas e
felizes famílias. Havia também dois repórteres com máquinas fotográficas e
equipamentos de televisão num dos cantos.
Nas paredes, via-se uma longa fila de quadros e desenhos, todos eles com
molduras de madeira. E havia também uma seção de esculturas perto da janela. Wynn
deu graças a Deus pelo local ter ar condicionado, porque o calor que sentia, devido a
todo o seu nervosismo, já estava passando da conta.
E foi aí que ela avistou Duke Bellini. Ele estava elegantíssimo, vestido com uma
calça marrom de linho e uma camisa creme com os três primeiros botões abertos, que
revelavam seu tórax bronzeado e másculo. E sorria, mostrando os dentes muito
brancos.
Ele segurava uma escultura nas mãos, aparentemente admirando-a, para a
grande felicidade do homem a seu lado, que devia ser o artista. A peça mostrava uma
mulher curvilínea nua e Duke disse algo em voz baixa para o outro homem. Ambos
riram.
Wynn ficou de longe, observando-o. As mãos dele na escultura fizeram com que
ela se lembrasse das carícias em seu próprio corpo, e aí seu coração disparou de vez.
Foi naquele momento que Duke a viu. O sorriso dele ficou mais largo e seu rosto
mudou. Agora, ele não parecia mais o homem confiante e seguro de minutos antes.
Seu olhar era ansioso como o de uma criança em expectativa, seu sorriso feliz, mas
um pouco hesitante.
— Srta. Carson — disse ele, do outro lado da sala, e caminhou em sua direção.
Ela notou que as cabeças viraram e todos olharam para eles. Wynn sabia que os
contatos sociais entre os empregadores e líderes sindicais eram, no máximo,
distantemente amigáveis. Patrões eram patrões, sindicato era sindicato. As duas partes
não costumavam se misturar.
Tudo isso só serviu para agravar ainda mais o nervosismo de Wynn. Era
impossível ver Duke Bellini e conversar com ele sem ficar vermelha. Não deixava de
ser ridículo uma mulher da idade dela agir como uma adolescente ao se encontrar com
o primeiro amor, mas ela simplesmente não conseguia evitar.
Duke estendeu-lhe a mão, sorrindo. Ela respondeu ao cumprimento e, como
esperava, sentiu o mesmo choque que experimentara na primeira vez que ele a tocara.
— Que bom que está aqui — disse Duke, baixinho.
Ela estava pensando em alguma coisa para dizer, quando foi salva por um
conhecido de Duke, de cara vermelha, que se aproximou e tocou no braço dele.
— Ei, rapaz, como é que foi a sua conferência? Estou louco para saber!
— A conferência foi a mesma... —Duke interrompeu a frase e olhou para Wynn,
que percebeu que ele estava reprimindo um palavrão, exatamente como Mike Carson
fazia em sua presença. Não pôde deixar de sorrir. — Foi a mesma chatice de sempre
— continuou. — Estou contente por estar de volta.
"Então ele esteve viajando", pensou Wynn. "Vai ver que foi por isso que não me
telefonou..."
Aí Duke apresentou o tal homem de cara vermelha a Wynn, que reconheceu seu
nome como sendo o de um importante líder sindical. Ele logo se afastou, deixando os
dois novamente a sós. Então, indiferente à multidão que os observava, Duke olhou
bem fundo nos olhos dela.
— Eu senti a sua falta, Wynn Carson.
— E você me mandou flores — disse ela em voz baixa, incapaz de controlar seu
sorriso trêmulo. — Elas eram lindas.
Estar tão próxima de Duke era perturbador e ela desejou que ambos não
estivessem num lugar público. Com certeza, sua excitação era óbvia para todos que a
observavam. Wynn tinha consciência de que seu rosto estava vermelho como fogo.
Por isso, foi um enorme alívio quando ela ouviu seu nome ser chamado:
— Srta. Wynn!
Virou-se e viu um homem grisalho e sorridente que se aproximava.
— Sam! — exclamou, feliz. — Mas que prazer em vê-lo aqui!
Era Sam Sposato, um dos funcionários mais antigos da companhia.
— Não me diga que você está expondo algum trabalho...
— Estou, sim! — disse o animado Sam. — E fico muito feliz em ver a senhorita
aqui, esta tarde. E você também, Duke. Não esperava que viesse à exposição.
— Ora, Sam, eu estava louco para ver o que vocês fazem nas horas de folga...
tirando a televisão, é claro!
O velho sorriu e estudou Wynn e Duke com cuidado.
— Quem diria! A caçulinha do grande Mike Carson conversando bem juntinho de
Duke Bellini. Nem dá para acreditar!
Ambos se entreolharam. E ninguém abriu a boca. Ela tentou imaginar o que
Duke estaria pensando. Certamente a mesma coisa que a assombrava desde o dia em
que soubera quem era ele: no fato de que ambos estavam em lados opostos e jamais
poderiam se envolver um com o outro. Mas agora já era tarde. Wynn sentia-se cada
vez mais atraída por ele, por ele inteiro, seu rosto e corpo, sua boca e mãos. Até o som
de sua voz fazia com que ela sentisse arrepios de excitação.
Então, para quebrar o silêncio e temendo que o desejo estivesse estampado em
seus olhos, Wynn disse rapidamente:
— Ora, Sam, por que é que estamos aqui de pé? Quero ver os seus quadros! —
E, deliberadamente, acrescentou: — Afinal, é para isso que eu estou aqui!
Ela não olhou diretamente para Duke e não ficou sabendo qual foi sua reação ao
ouvir aquilo. Só escutou o que ele disse, logo depois:
— É por isso também que eu estou aqui.
Os três foram até onde estavam os quadros de Sam Sposato. Em cima das
gravuras, via-se uma placa com o nome da companhia.
Wynn examinou as pinturas a óleo com cuidado e ficou impressionada com a
habilidade do velho italiano. Como é que um homem com as mãos calejadas pelo
trabalho conseguia pintar com tanta sensibilidade? O quadro que ela mais gostou
mostrava uma rosa, uma simples rosa vermelha num vaso branco e azul. Mas nada era
tão simples assim, quando se estudava a pintura com mais cuidado. A rosa tinha um
brilho especial que a fazia parecer um objeto nebuloso e as sombras azuladas da
pintura enfatizavam ainda mais o ar romântico do trabalho.
— É maravilhoso, Sam! — exclamou ela, animada. — Vou ficar com ele. Quanto
é?
Sam hesitou por alguns instantes.
— Bem, para a senhorita, é...
— Negativo. Não tem nada de "para a senhorita". Quero pagar a quantia
estabelecida.
Wynn então deu uma olhada na moldura e viu que o preço estava marcado.
Abriu a bolsa, fez um cheque e o entregou a Sam.
O rosto do velho iluminou-se de alegria.
— Como fico contente que a senhorita tenha gostado...
— Gostado? Eu simplesmente amei o quadro! Posso levá-lo agora mesmo? Mal
posso esperar para colocá-lo em casa. Ou quem sabe no escritório?
Duke sorriu diante da ansiedade de Wynn.
— O que você me diz disso, Rembrandt? Ela pode levar o quadro agora?
— Mas é claro que pode! As câmaras de tevê já passaram por ele, sabe? Deixe-
me desprendê-lo... Aqui está ele, srta. Carson. E muito obrigado.
— Sou eu que devo agradecer, Sam. Seu trabalho é lindo!
Foi só depois que o triunfante Sam se afastou com o cheque na mão que Wynn
notou que o vice-presidente do sindicato, o cara de águia com bico e tudo, Aaron
Weinfeld, e o secretário-tesoureiro, o Papai Noel Bernie Halloran, estavam por perto,
vigiando-a. E ela teve medo de que ambos estivessem desconfiados de alguma coisa.
Então, quando Duke sugeriu:
— Posso ajudá-la a levar o quadro para casa? — Wynn sentiu-se gelar.
CAPÍTULO IV
Wynn desceu às sete horas em ponto, após ter retocado a maquiagem uma
infinidade de vezes. Assim que chegou à calçada, avistou o Porsche vermelho.
Duke encostou no meio-fio e abriu a porta para que ela entrasse. O trânsito
estava parado, de modo que ele pôde dar uma boa olhada nela por um longo
momento. Seu olhar escuro percorreu os cabelos e o rosto de Wynn, desceu para seus
seios, cintura, quadris e pernas.
— Você está tão linda... — murmurou. Subitamente, era como se eles
estivessem sozinhos ali, num mundo que não abrigasse mais ninguém, a não ser os
dois. Wynn nunca havia se sentido assim antes. A emoção de estar perto dele era tanta
que não conseguia encontrar nada para dizer. Duke estendeu a mão e tocou seus
cabelos.
— Tão linda... — repetiu, as palavras desaparecendo no ruído do tráfego que
entrava pela janela aberta.
O Porsche começou a andar e foi com muita admiração que Wynn observou a
segurança com que Duke dirigia. Embora ele mantivesse os olhos atentos ao trânsito,
ela podia jurar que uma parte da atenção dele não a deixava nem por um momento
sequer.
O carro entrou numa área de fábricas e depósitos enormes de aparência
assustadora, rodeados por estacionamentos repletos de caminhões que se
assemelhavam a animais gigantescos. E foi com surpresa que Wynn ouviu música ao
longe e avistou, à sua direita, uma casa iluminada que jamais deveria estar ali. A magia
aumentou ainda mais. Aquilo tudo mais parecia um conto de fadas. Ali, em meio a
depósitos monstruosos, havia uma casinha branca, com palmeiras altas e uma fonte na
entrada.
Duke parou o carro e olhou para ela, sorrindo.
— Ecco — disse ele. — Chegamos ao Bravura's.
— Este lugar está me parecendo a obra de um mágico! — disse ela, sorrindo.
A impressão de magia ficou maior ainda no momento em que um homem de
rosto redondo, vestido com um uniforme vermelho de botões dourados, abriu a porta do
carro e estendeu a mão para ajudar Wynn a descer, como se ela fosse um tesouro
frágil que exigia o máximo cuidado.
Duke também desceu e um manobrista tratou de estacionar o carro. A porta do
restaurante foi aberta por um outro homem que mais parecia um gênio das mil e uma
noites, que se curvou respeitosamente quando eles entraram.
— Buona sera, signorina. Signor Bellini.
O tal gênio sorriu discretamente para Duke e, naquele momento, Wynn sentiu
que eles já não eram somente um homem e uma mulher, mas sim uma princesa e seu
príncipe.
Nada do que se seguiu desfez essa impressão. Um garçom os conduziu através
de mesas espaçosas onde brilhavam cristais, pratarias e porcelanas e eles subiram
uma escada com carpete vermelho e corrimão dourado. A música que Wynn ouvira ao
longe podia ser facilmente reconhecida agora: eram os violinos tristes da Mattinata.
No andar de cima, eles foram entregues aos cuidados de outro garçom
sorridente, muito jovem e simpático. Sentaram-se a uma mesa afastada e, novamente,
Wynn sentiu que ela e Duke estavam separados do mundo.
— Meu Deus, Wynn —- murmurou ele, tomando suas mãos. — Eu tinha tantas
coisas para lhe falar... Só que agora, vendo você tão bonita, esqueço de tudo e fico
inseguro.
Ela sorriu satisfeita-
— Nunca pensei que o líder sindical Donato Bellini pudesse se sentir inseguro...
Você parece sempre ser um homem tão forte!
— É que as coisas mudam de figura quando eu estou perto de você, Wynn.
Sabe de uma coisa? Quando a vi pela primeira vez, no B.C, senti que algo mudava
dentro de mim. Mas mais tarde, no Fedora's, quando soube o seu nome, percebi que
as coisas não seriam nada fáceis entre nós.
— E não são mesmo, Duke.
— Sei disso. Mas não consigo ficar longe de você. Já tentei lutar contra isso, só
que o simples pensamento de me afastar já me deixa louco.
Wynn olhou para ele timidamente.
— Acontece o mesmo comigo, sabia?
Os olhos dele ficaram mais brilhantes do que as velas acesas sobre a mesa.
— Vamos embora daqui — murmurou, tomando sua mão.
Ela se levantou rapidamente e sorriu.
— Esta é a segunda vez que nós não jantamos juntos.
— Cancele os nossos drinques — disse Duke ao surpreso garçom.
E então, tudo estava acontecendo de novo com incrível rapidez: antes que Wynn
se desse conta, eles já estavam no andar de baixo se despedindo dos donos do
restaurante e em questão de minutos entravam no Porsche vermelho.
Mas Duke não deu a partida no carro. Ele já não agüentava mais esperar. E,
num gesto arrebatador, abraçou Wynn e a beijou ali dentro mesmo. Depois, sua boca
desceu para a garganta e ombros dela, enquanto suas mãos fortes procuravam-lhe os
seios por baixo do vestido. Gemendo de prazer, Wynn acariciou seu tórax viril, sempre
descendo, até encontrar o membro firme e pulsante embaixo das calças dele.
Nesse momento, um carro passou por eles e ambos resolveram se controlar um
pouco.
— Acho que este não é o lugar mais apropriado, não é? — murmurou Duke,
baixinho. — Vamos para a sua casa.
Wynn respirou fundo para se conter e sentou-se direito no banco. Ele deu a
partida e o carro deslizou pelas ruas semidesertas daquele bairro.
— Venha cá — ordenou Duke com carinho, e ela, obedientemente aproximou-se
e deitou a cabeça em seu ombro.
O trânsito estava intenso na Sexta Avenida e Duke teve que diminuir a marcha.
Uma de suas mãos se mantinha firme no volante, enquanto a outra acariciava
ternamente o corpo de Wynn. Ela ficou ali, pertinho dele, de olhos fechados, curtindo
aquele momento delicioso e desejando ficar ao lado dele para sempre.
Finalmente, o Porsche parou diante da casa dela. Como se não pudessem mais
se controlar, eles desceram depressa, Wynn pegou a chave com mãos nervosas e
ambos entraram.
— Venha, minha querida — murmurou ele com suavidade, levando-a para o
sofá.
Ela estava trêmula de expectativa e de desejo. Sentou-se ali e ficou vendo Duke
tirar a jaqueta e jogá-la em cima da poltrona.
— Você quer ouvir música? — Wynn perguntou, tentando manter a voz firme.
— Nós não precisamos de música — disse ele, ajoelhando-se na frente dela e
encostando a cabeça em suas coxas. — Isto aqui já é música suficiente para nós.
Então Duke começou a massagear suas pernas, a mão dele subindo por baixo
do vestido, encontrando e acariciando suas coxas, até que Wynn gritasse de prazer.
— Relaxe, baby — murmurou ele. — Relaxe agora porque vou amá-la de uma
maneira que você nunca mais vai esquecer...
Duke desabotoou lentamente seu vestido, tirou-lhe o sutiã e mordiscou os
mamilos duros de Wynn. Sempre descendo, acariciou seu ventre e praticamente
arrancou-lhe a calcinha. Ela ficou inteiramente nua na frente dele, mas não se sentiu
constrangida, como às vezes acontecia quando estava com Don. Perto de Duke, ficava
incrivelmente à vontade.
Então, de repente, ele enterrou a língua na floresta úmida entre suas coxas. O
corpo de Wynn tremeu todo, como se tivesse levado um choque. Gemendo de prazer,
ela estava perdida para todas as outras coisas da vida. Não havia nada, nada nesse
mundo a não ser a sensação da boca do homem amado no centro máximo de seu
prazer.
Lentamente, Duke se afastou dela e livrou-se de suas próprias roupas. Seu
membro estava duro como uma pedra. Então, deitou-se sobre ela, sempre beijando-lhe
a boca, as orelhas e o pescoço, e penetrou-a lentamente, até que estivesse todo dentro
dela. Começaram a se mover devagar, depois o ritmo aumentou, o mundo começou a
girar em volta deles, até que houve uma explosão maravilhosa de indescritível gozo.
Duke saiu de cima dela e, sentando-se a seu lado, passou-lhe o braço pelo
ombro.
— Foi a coisa mais maravilhosa que já me aconteceu — murmurou. — Você
parece uma fada, Wynn querida...
Ela estava num êxtase tão grande que mal conseguia falar. E enquanto
observava-o acender um cigarro, ficou ali, encostada nele, tendo a certeza de que
encontrara o homem de sua vida.
Mas Duke ainda não estava satisfeito. O cigarro foi logo apagado no cinzeiro e
ele debruçou-se de novo sobre ela, beijando-lhe a boca e o pescoço. Só que, dessa
vez, foi Wynn que subiu em cima dele e sentiu seu membro rígido penetrando suas
entranhas. E, mais uma vez, eles se amaram em total abandono, acariciando-se
mutuamente até gritarem de prazer.
Wynn então saiu de cima de Duke e eles ficaram abraçados por um longo
tempo, curtindo a companhia um do outro, até que o cansaço tomou conta de ambos e
resolveram dormir um pouco na cama de Wynn.
Ela não ficou sabendo quanto tempo dormiu. Quando abriu os olhos, ainda
estava escuro e Duke a olhava com um sorriso malicioso nos lábios. No ar, sentia-se o
cheiro de um cigarro recém-apagado.
— Você parece um príncipe romano — murmurou Wynn, sonolenta.
Ele deu um sorriso de pura satisfação. Debruçando-se sobre ela, beijou a ponta
de seu nariz e tirou-lhe os cabelos do rosto.
— Dormiu bem, querida?
— Maravilhosamente bem.
Então ela sorriu e beijou-lhe o canto da boca.
— Você está com fome, Duke? Nós até nos esquecemos do jantar...
— Humm... Até que comer alguma coisa agora não é má idéia.
— Pode deixar comigo que eu preparo um banquete.
Wynn se levantou da cama e foi até o armário buscar um robe. Duke a
acompanhou com os olhos, admirando seu belo corpo nu de cima a baixo.
— Vou tomar um banho rápido — disse ela. — Assim que terminar, preparo o
nosso banquete.
— Tome o seu banho com calma, querida. Eu já tomei o meu enquanto você
estava dormindo e posso bancar o cozinheiro. Tenho duas especialidades: hambúrguer
e ovos com bacon. O que você prefere?
— Humm... ovos com bacon parece maravilhoso. Não precisa preparar café,
porque já tem feito. — Wynn se aproximou dele e beijou seu peito nu.
— Tinha café pronto — disse ele, sorrindo. — Já tomei todo ele. Pode deixar
que eu faço outro.
— Você é um homem muito útil... de várias maneiras, meu querido.
Ele acariciou suas costas.
— Acho melhor você tomar o seu banho, antes que eu mude de idéia...
Quinze minutos depois, ao entrar na cozinha, Wynn sentiu o aroma delicioso de
café fresco e bacon frito.
— Mas que delícia! — disse ela, sentando-se à mesa e vendo que ele usava as
mesmas roupas com que saíra. — É só uma pena que eu não tenha nenhum robe
masculino para lhe emprestar.
— É bom que não tenha mesmo... Porque, se tivesse, eu iria morrer de ciúmes!
Enquanto comiam, Duke contou-lhe como era seu apartamento. Ele morava num
conjunto moderno de prédios entre as Décima Sexta e Sexta Avenidas, lugar por onde
Wynn sempre passava quando ia à cidade fazer compras. Enquanto falava, ela se
lembrou de que a sede do sindicato ficava ali na frente... e isso lhe trouxe lembranças
desagradáveis. Muito breve, ambos teriam que se enfrentar profissionalmente, num
jogo de interesses que prometia ser muito perigoso.
Wynn balançou a cabeça, tentando se esquecer daquilo. Deixaria para se
preocupar com isso quando chegasse a hora. Não agora. Aquela noite era mágica e
nada poderia estragá-la.
Após terminarem de comer, eles voltaram para a cama e ficaram ali abraçados,
ouvindo música e conversando um pouco, até que o sono os venceu. Ao fechar os
olhos, aninhada nos braços fortes de Duke, Wynn percebeu que nunca, em toda sua
vida, fora tão feliz.
CAPÍTULO VI
Wynn foi direto para a sua sala e apenas cumprimentou Ruth Wiley de
passagem. É que a sensação de magia ainda não havia se dissipado e ela estava
numa espécie de transe.
Sentou-se e olhou em volta: tudo parecia estar tão diferente essa manhã... até
mesmo aquele escritório, onde ela costumava passar tantas horas devotadas. O retrato
a óleo de seu pai, na parede atrás da mesa, parecia sorrir para ela. Wynn desejou que
ele estivesse presente para abençoar o amor que sentia agora por Duke. Lembrou-se
de que o velho Mike sempre falava nele com muito respeito e certamente aprovaria seu
relacionamento. Não deixava de ser estranho pensar que Duke e seu pai haviam
passado tanto tempo negociando juntos e ela nunca o encontrara. Mas quisera o
destino que eles fossem colocados frente a frente.
Ruth, em quem o resultado do regime alimentar já se fazia visível, entrou na sala
com a correspondência do dia. Havia uma mensagem de Howard Bartley e um
desagradável arrepio percorreu o corpo de Wynn. Já? Também havia um bilhete de
Jonathan Court.
— Minha nossa! O que será que o Tio Patinhas quer, a esta hora?
— Sabe de uma coisa, Wynn? Jonathan está uma fera porque a reunião com o
sindicato é daqui a alguns dias você ainda não conversou com ele, nem com os outros
membros da diretoria.
— Xii... é mesmo, Acho melhor você pedir para o Tio Patinhas dar uma chegada
aqui, então.
— Ótimo. Vou chamá-lo.
Geralmente, a alerta Ruth Wiley fazia as coisas rapidamente, mas dessa vez
limitou-se a ficar parada diante de Wynn. Ela olhou para a secretária um tanto
surpresa.
— Você não vai chamar o Tio Patinhas, Ruth?
— É lógico que vou, srta. Carson. Mas, primeiro, quero saber o que está
acontecendo com você.
— O que está acontecendo comigo? Acho que não entendi...
— Ora, Wynn, alguma coisa deve ter acontecido, você não me engana. Nunca vi
antes esse brilho no seu olhar.
Ela pensou numa desculpa rápida para dar.
— Vai ver que são as vitaminas que estou tomando... Preciso delas para poder
enfrentar o Tio Patinhas e os outros diretores. Sem contar os membros do sindicato,
claro... Agora, que tal chamar o Tio Patinhas logo?
— Tout de suite — E Ruth saiu da sala.
Sozinha, Wynn pensou: "Nós vamos ser dois amantes na cama e dois
antagonistas nas negociações". E a idéia não lhe agradou.
Minutos depois, o interfone tocou. Era Jonathan Court.
— Precisamos nos reunir logo — disse ele. Como sempre, nem um simples
bom-dia.
— Que tal hoje às quatro horas? — O tom de voz dela também era brusco e frio.
— Assim tão tarde? — rugiu o Tio Patinhas.
Wynn queria que o encontro fosse tarde mesmo. É que todos iriam querer ir
embora às cinco e, assim, a reunião teria que ser obrigatoriamente curta.
— É a única hora que eu tenho livre, Jonathan.
— Então está bem. Às quatro, na sala de conferências. Vou avisar os outros. —
Ele estava mais seco do que nunca.
— Combinado. — E Wynn desligou. Minutos depois, ela interfonou para Ruth.
— Branca de Neve e os Sete Anões na sala de conferências, às quatro horas.
— Deus do céu! Pode deixar que eu providencio tudo.
Wynn começou então a examinar a correspondência e chamou Ruth novamente
para ditar as respostas mais urgentes. E foi no meio de um ditado que o telefone tocou.
Ela torceu para que não fosse Duke. Porque, se fosse, o tom de sua voz e seu rosto
iriam denunciá-la imediatamente. Mas não era ele. Era Howard Bartley.
— Bom dia, duquesa — foi logo falando. — Espero não ter ligado em má hora...
— Estou ditando uma carta, Howard.
— Então não vou atrapalhar. Só quero convidá-la para almoçar comigo hoje.
— Não posso. Estou com o dia completamente tomado, acredite.
— Humm... Problemas com o sindicato? Pelo que deu para perceber, você está
começando as negociações cada mais cedo pela manhã...
"Maldição", pensou ela. Tentou imaginar se ele já tinha passado a informação
para o Tio Patinhas.
— Sinto muito, Howard, mas preciso desligar.
E continuou a ditar a carta para Ruth.
Um pouco depois, o telefone voltou a tocar. Ruth estava no banheiro e Wynn
deu graças a Deus por ela mesma ter atendido. Era Duke.
— Como vai, baby?
A voz dele fez com que o coração de Wynn quase saísse pela boca.
— Melhor agora, que estou falando com você. Sabe que foi o telefonema mais
interessante que eu já recebi hoje?
— E este é o telefonema mais interessante que eu já dei hoje. Estou sentindo
tantas saudades, Wynn... Não é uma loucura?
— Não. Não é loucura nenhuma, porque eu também sinto a mesma coisa.
— Sabe, querida, quando eu deixei você no escritório esta manhã, estava com a
cabeça no mundo da lua e acabei me esquecendo de hoje à noite. Vou ter que
comparecer a uma reunião com os membros do sindicato, para discutirmos as
exigências antes do encontro com o seu pessoal. Os rapazes estão em cima de mim
há um tempão!
— Humm... Acho que os seus companheiros são exatamente iguais aos
diretores da Carson...
— Essa reunião vai acabar muito tarde, sabe? Droga, eu queria tanto ver você
hoje!
— Então por que não vai até a minha casa quando ela terminar?
— Não faz mal que seja muito tarde?
— De jeito nenhum! Vá à hora que puder, querido.
— Sabe de uma coisa, Wynn Carson? Você é a pessoa mais importante que já
apareceu na minha vida. Tudo bem mesmo se eu chegar muito tarde à sua casa?
— É claro que sim. Estarei esperando você, amor.
Desligaram após calorosas despedidas. A alegria que ela sentiu com o
telefonema durou a tarde inteira e lhe deu coragem para enfrentar a enfadonha reunião
com Court e os demais membros da diretoria. Pelo modo como o Tio Patinhas se
comportou, era evidente que Howard Bartley havia lhe contado o que vira pela manhã.
Num determinado momento, quando Wynn defendia alguns direitos dos caminhoneiros,
o tesoureiro se exaltou:
— Já que é tão amiga deles, por que não manda construir um barzinho dentro
dos caminhões? Pode também transformar os veículos em limusines!
Wynn não podia ter sido mais sarcástica, ao responder:
— Não construo barzinhos nos caminhões porque a nossa lei anti-álcool não
permite.
Porém ela se arrependeu logo de seu comentário. Já tinha problemas demais
com Court e não havia razão para começar uma batalha infernal antes que fossem
para a guerra.
Às dez para as cinco, para alegria de todos, a reunião foi encerrada e os
membros começaram a se retirar. Wynn voltou para sua sala a fim de estudar alguns
papéis e até chegou a fazer algumas anotações. Porém, de súbito, sentiu um enorme
desejo de sair, de passear, de fazer compras. Era isso mesmo. Precisava comprar
camisolas novas, lingerie excitante... Então, decidida, largou os papéis em cima da
mesa e deixou o escritório triunfante. Resolveu largar o carro na garagem por mais
uma noite e foi andando a pé pela Rua Trinta e Quatro, em direção à zona leste da
cidade.
Entrou numa grande loja de departamentos e comprou lençóis e fronhas novas.
Levou um dos conjuntos na mão e pediu para que os outros fossem entregues em sua
casa. Depois, foi dar uma olhada nas camisolas, que estavam lindas na vitrine.
Escolheu uma preta com um robe esvoaçante combinando, uma branca e vários baby-
dolls coloridos. E, como o pacote era muito grande, Wynn decidiu levar só a camisola e
o robe pretos e pediu que o resto fosse entregue no escritório.
Finalmente, achou um táxi na Quinta Avenida que a levou para casa. Deixou os
pacotes em cima do sofá e, apesar de estar muito cansada, saiu de novo para comprar
doces numa confeitaria da Oitava Avenida. Em outra loja, comprou velas amarelas e
finalmente, na floricultura, escolheu um buquê de flores do campo.
De volta à sua casa, arrumou as flores num vaso e colocou as velas em cima da
mesa. Comeu um sanduíche, tirou a roupa, tomou um banho demorado e lavou os
cabelos. Já eram nove e meia, mas ela ainda tinha muitas coisas para fazer.
Vestiu a camisola preta, trocou os lençóis da cama, secou os cabelos e só
deixou acesas as luzes, dos abajures. Enfim, tudo estava pronto para a tão esperada
visita.
Enquanto Duke não chegava, Wynn resolveu estudar alguns papéis que
trouxera do escritório. Impossível. Ela não conseguia se concentrar de maneira alguma.
Então colocou todos os papéis na pasta de novo e ficou sentada no sofá, ouvindo
música, esperando o grande momento.
Às onze horas, a campainha tocou. Wynn foi correndo abrir a porta e, antes que
pudesse dizer alguma coisa, Duke a tomou nos braços e a beijou com tanto ardor que
era como se estivessem se reencontrando após uma interminável separação.
— Deixe-me olhar para você — murmurou ele, quando finalmente se separaram.
Tomou suas mãos e levou-as aos lábios. — Devo estar sonhando, só posso estar.
Como você é linda, querida... Eu morri de saudades!
— Eu também, amor...
— Sabe de uma coisa? Vim voando para cá assim que aquela maldita reunião
terminou! Mal podia esperar para ver você...
— Então deve estar cansado, não é? Vou lhe preparar um drinque.
Ele balançou a cabeça.
— Já estou embriagado o suficiente, Wynn Carson. E nenhum homem pode se
sentir cansado quando tem uma mulher como você na frente.
Puxou-a para junto de si e a apertou com tanta força que ela percebeu o quanto
Duke estava excitado... As mãos dele exploraram seu corpo todo e suas bocas se
encontraram num beijo explosivo.
Então Duke a pegou no colo e a levou para o quarto. Deitou-a na cama e desfez
gentilmente o laço de seu robe. Wynn estava nua por baixo e se abandonou totalmente
para receber os carinhos dele.
Duke beijou-lhe um seio, depois o outro, foi mordiscando, provocando, até que
ela não conseguiu mais se controlar e pediu para ser possuída imediatamente. Mas ele
ainda lhe reservava outras carícias.
— Vire-se — ordenou, e ela obedeceu prontamente.
Duke começou a lhe fazer uma massagem sensual, partindo da nuca e
deslizando por todo o seu corpo. Depois, fez com que ela se virasse de novo e
continuou a acariciá-la, até que seus dedos encontrassem o centro máximo do prazer
de Wynn. Então, abaixando a cabeça, Duke enterrou a língua naquele abismo
pulsante, fazendo com que ela quase perdesse o fôlego.
Em segundos, ele se livrou de suas próprias roupas e subiu em cima dela. Sem
poder esperar um só minuto a mais, penetrou-a de um modo gentil e violento ao
mesmo tempo. Ambos começaram a se mover juntos, chegando a alturas de prazer
nunca antes alcançadas.
Então aconteceu a explosão. Ele tremia tanto que fazia com que o corpo de
Wynn tremesse também. E, ainda assim, continuava em cima dela, saboreando aquele
momento mágico, até que a terra voltasse a ficar tranqüila novamente.
Depois, abraçados, passaram muito tempo quietos, aproveitando a companhia
um do outro e descansando felizes.
Mais tarde, Duke adormeceu. Wynn saiu da cama sem fazer barulho, entrou no
banheiro, tomou um banho, vestiu a camisola preta e voltou a se aninhar nos braços
dele.
Nunca, em toda a sua vida, havia se sentido tão feliz, tão segura e protegida.
Ficar ao lado de Duke, fazer amor com ele, adormecer em seus braços fortes e
despertar a seu lado, era como estar no paraíso. Nada na vida se comparava àquilo.
Wynn sentiu que o sono já se aproximava. Um pouco antes de fechar os olhos
refletiu preguiçosamente que o que estava sentindo só existia em velhos filmes de
amor. Seria possível que tudo estivesse acontecendo mesmo?
Eles acordaram cedo e fizeram amor de novo, com uma familiaridade que era
nova entre ambos.
Wynn ficou na cama, curtindo o estado de êxtase em que ainda se encontrava,
enquanto ouvia Duke cantar no chuveiro. Ele possuía uma voz agradável e melodiosa.
Pouco depois, ela se levantou com uma incrível sensação de bem-estar,
arrumou a cama e ajeitou o quarto. Duke saiu do banheiro logo em seguida. Estava
enrolado numa toalha e a beijou com carinho.
— Agora é a minha vez de tomar banho — disse ela, retribuindo-lhe o beijo. —
Um minutinho só, que eu não demoro.
Entrou no banheiro e deixou-se ficar debaixo da água morna que, batendo em
seu corpo, lembrava-lhe as carícias de Duke. Depois, vestiu um robe e foi para a sala.
Ele estava sentado no sofá, fumando um cigarro. Seus olhos brilharam quando a viu.
— Venha aqui — ordenou, e ela se aproximou dele. Duke então a puxou para
seu colo e começou a beijá-la como se ela fosse uma criança pequena. — Agora —
continuou, colocando-a novamente de pé — vista-se e vamos tomar café em algum
restaurante. O que acha disso?
— Ótima idéia!
Wynn foi correndo para o quarto, colocou um vestido azul-claro, brincos
combinando e voltou triunfante para a sala.
— Como estou, tendo me arrumado tão depressa? — perguntou, sorrindo.
— Maravilhosa. Ninguém mais consegue ficar assim tão bonita, se arrumando
em tão pouco tempo.
Duke estendeu os braços e Wynn se atirou em cheio neles. Depois, abriram a
porta e saíram juntos.
Como ambos iam para o lado oeste da cidade, Wynn sugeriu um barzinho de
que gostava muito, na Rua Oito. Era um pequeno restaurante, simpático e
aconchegante, que não devia estar muito cheio àquela hora.
Quando Duke viu o anúncio de sorvete brilhando na fachada, sorriu e disse:
— Você sabe que eu faço tudo por você, Wynn... Mas sorvete para o café da
manhã não é algo meio estranho?
— Ora, leia o resto! — disse Wynn, apontando para o anúncio de café da
manhã, que também brilhava na fachada. — Se você estiver tão distraído assim no dia
das negociações, a Carson vencerá a guerra com toda a facilidade!
Imediatamente, ela se arrependeu de ter falado aquilo. Duke riu, mas foi um riso
meio forçado. Durante todo o café da manhã, eles ficaram meio constrangidos.
Mas logo depois, deixaram o restaurante e, no momento em que Duke apertou a
mão dela com firmeza, o mau momento passou.
Eles pararam na esquina da Sexta Avenida com a Rua Oito e, sorrindo um para
o outro, olharam para o céu claro de primavera.
— Que dia! — disse ele, maravilhado.
— Está uma beleza mesmo. — Wynn apontou para o prédio gótico da Biblioteca
Jefferson, com seus terraços de tijolos aparentes. — Você não ama esse prédio, Duke?
Ele sempre me lembra um castelo de conto de fadas, principalmente no inverno,
quando neva.
— É verdade... Sabe de uma coisa, Wynn? As coisas parecem diferentes
quando você está ao meu lado. Eu sempre passei pela biblioteca e nunca me dei ao
trabalho de observá-la bem. Agora, com você aqui perto de mim, ela parece mesmo um
castelo.
E então, sem se importarem com os passantes, ele a beijou. Wynn gemeu de
prazer. Demonstrações públicas de carinho não eram o forte dela, mas com ele era
diferente. Subitamente, nada mais tinha importância, a não ser ficar ao lado de Duke
para sempre.
Eles continuaram a caminhar de mãos dadas em direção ao centro da cidade.
— O mundo é tão bonito quando você está ao meu lado, Wynn Carson...
Ela não respondeu. Ouvir seu sobrenome fez com que se lembrasse de que, dali
a alguns dias, ambos deixariam de ser amantes para desempenharem papéis de
antagonistas. E lembrou-se também de outra coisa. Howard Bartley morava perto dali.
E encontrar-se com ele àquela hora seria a pior coisa do mundo. Então, vendo um
ponto de táxi mais adiante, disse a Duke:
— Acho melhor ir para o escritório agora, querido.
Ele deu um suspiro desanimado.
— Detesto ver você partir, Wynn... Mas eu sei que precisa trabalhar.
Minutos depois, ele abriu a porta de um táxi para ela, ajudou-a a entrar e beijou
seu rosto.
— Eu ligo para você à tarde — disse ele e ela fez que sim com a cabeça.
Durante a manhã toda, Wynn trabalhou como se estivesse em estado de graça.
Duke ligou mais cedo que o combinado: eram onze horas quando o telefone tocou.
Combinaram de almoçar juntos e ele sugeriu o mesmo restaurante italiano onde ela
estivera com Howard Bartley. O lugar era muito gostoso, mas provavelmente estaria
cheio de pessoas conhecidas. E essa idéia fez com que Wynn hesitasse um pouco.
— Algo de errado com o lugar? — perguntou ele, notando sua hesitação.
— De maneira alguma — respondeu ela, por fim. — Quero almoçar lá, sim.
Combinaram de se encontrar numa determinada hora e, como Wynn suspeitara,
o restaurante estava cheio de pessoas conhecidas. E isso fez com que ela começasse
a agir de uma maneira mais formal.
— Você não está gostando daqui — disse Duke, notando rapidamente sua
mudança de comportamento.
— Estou, sim... Mas é que este restaurante é tão privativo como a estação
rodoviária de Nova York. Olhe em volta. O lugar está cheio de conhecidos!
Duke deu uma olhada ao seu redor.
— É mesmo.
— Nunca pensei encontrar tantas pessoas amigas num só restaurante.
— Tem razão, Wynn. Mas deixe-os falar! O que temos com isso?
Apesar de Duke ter dito aquilo com firmeza, Wynn desconfiou que ele não
estava tão seguro quanto queria demonstrar. O fato de ser visto por tanta gente
também devia incomodá-lo.
Mas isso não era justo. Não estavam fazendo nada de errado, mas mesmo
assim precisavam se esconder das pessoas, como se fossem criminosos.
O almoço correu sem maiores incidentes e cada um voltou a seus afazeres. Às
quatro horas, a loja onde Wynn fizera as compras entregou os pacotes em seu
escritório e, logo depois disso, Duke telefonou.
— Vamos jantar juntos?
Ela sabia que não deveria aceitar, mas aceitou.
— Eu adoraria, Duke.
— Ótimo. Passo por aí às sete, está bem?
— Acho melhor nos encontrarmos em outro lugar. É que eu estou com um
pacote grande aqui e preciso levá-lo para casa.
— Pacote? Então eu acho melhor passar por aí mesmo para ajudar você a levá-
lo. Buzino assim que chegar, combinado?
Ela concordou, pensando no quanto estavam se tornando indiscretos. E o Fiat
iria ter que passar mais uma noite na garagem. O que os funcionários iriam pensar, ela
não tinha a mínima idéia. Bem, eles não eram pagos para pensar sobre a vida
particular dos patrões.
Quando Duke a viu com o pacote na mão, encostou o carro perto da calçada e
desceu para abrir o porta-malas. Aquilo causou uma confusão no trânsito, mas eles
nem se deram conta. Era tão bom um estar ao lado do outro que nada mais parecia
importar. Wynn se sentia feliz e segura como jamais se sentira na vida, nem mesmo
nos tempos de infância, ao lado de Greg, Marty e de seu pai. Pensava que era
totalmente independente, até conhecer Donato Bellini. Mas, agora, somente o fato de
ele ajudá-la com um pacote pesado fazia com que ela percebesse o quanto era
maravilhoso sentir-se protegida.
Wynn lhe disse isso quando ambos já estavam no carro. E Duke ficou tão tocado
com aquelas palavras que começou a beijá-la, mesmo com o Porsche em movimento.
— Eu quero sempre estar a seu lado, para poder protegê-la, Wynn...
Ao chegarem à casa dela, o pacote foi devidamente guardado e ele perguntou
para onde Wynn queria ir.
— Para o quarto — respondeu sem hesitar.
— Humm... Então essa vai ser a terceira vez que nós dois não vamos jantar...
— Você está com fome?
— Estou. Mas com fome de você, Wynn!
Eles foram para o quarto dela, Duke despiu-a lentamente e após doces carícias
e palavras apaixonadas murmuradas em seu ouvido, amou-a por duas vezes, até
ambos ficarem completamente exaustos.
Depois, resolveram encomendar uma pizza por telefone e jantaram ali mesmo,
no quarto.
Ao terminarem, Duke pegou sua jaqueta e tirou uma caixinha do bolso.
— Comprei isto para você, Wynn. Ela pegou o presente, maravilhada.
— É só uma lembrancinha, querida. Só para dizer o quanto eu te amo.
Wynn abriu o pacotinho rapidamente e não conseguiu reprimir uma exclamação:
— Meu Deus, Duke, é lindo!
Era uma linda jóia, um broche de ouro cravejado com brilhantes.
— Você tem coragem de dizer que isto é só uma lembrancinha? É uma jóia
lindíssima!
Wynn, emocionada, jogou-se nos braços dele e o resto da noite foi cheio de paz
e de carinho.
No dia seguinte, ela foi trabalhar usando o broche na lapela de seu terninho
cinza. Sentia-se feliz, realizada, e somente uma nuvem atrapalhava seu céu azul: a
reunião com os membros do sindicato, que iria acontecer dali a vinte e quatro horas.
Mesmo assim, quando Duke ligou à tarde, ela ficou muito feliz e combinou um
jantar para as sete horas. Pediu para que ele passasse por sua casa, já que o Fiat não
poderia dormir na garagem por mais uma noite.
Quando deixou o escritório e pegou o carro, Wynn sentiu uma tristeza muito
grande invadindo-a. Olhou para o céu. Nuvens escuras estavam se formando,
prometendo uma tempestade para breve. Acelerou o Fiat, a fim de chegar logo em
casa.
Duke passou para buscá-la às sete horas e eles foram jantar num restaurante
maravilhoso, perto da Quinta Avenida, mobiliado no estilo dos bares dos anos trinta. Os
olhos de Duke brilharam ao notar que ela usava o broche de brilhantes.
Chovia quando eles deixaram o restaurante. Foram direto para a casa de Wynn
e, de propósito, nenhum dos dois tocou na reunião do dia seguinte. Assistiram um
pouco de televisão na cama e logo as carícias foram ficando mais íntimas e eles se
amaram com a mesma paixão de sempre.
Ainda chovia quando se levantaram na manhã seguinte. Wynn preparou um café
rápido e Duke achou melhor ir embora logo.
— Hoje é o dia, Wynn — disse ele. — Mas tudo estará bem. Não se esqueça de
que eu te amo, baby...
Tais palavras ainda ecoavam em seu ouvido, depois que Duke partiu. Ela foi
tomar banho, vestiu um conjunto cor-de-rosa para alegrar-se, maquiou-se com cuidado
a fim de esconder os sinais da noite maldormida, fez com coque nos cabelos e saiu
para enfrentar o enorme desafio.
Aquele era o dia, como ele dissera. E, embora Duke tivesse declarado seu amor,
iria ser seu principal antagonista naquela reunião. Os momentos de prazer deviam ser
esquecidos. Chegara o momento tão odiado.
Wynn respirou fundo e rumou para o escritório.
CAPITULO VII
A reunião de quarta-feira foi exaustiva. Mas, quando terminou, Wynn nem pôde
pensar em ir para casa, porque à noite o auditor lhe daria a resposta que tanto
esperava.
Ruth deixou o escritório depois de providenciar um sanduíche reforçado para a
sua chefe. Wynn nem conseguiu terminá-lo, pois sua ansiedade chegava a ser
insuportável. Às sete e meia, o auditor bateu em sua porta.
— Entre, entre — disse ela, levantando-se. — Por favor, fale logo...
O velho auditor refastelou-se na cadeira.
— Você tinha razão em estar tão preocupada, minha filha. Seu tesoureiro
realmente está desviando dinheiro da empresa. Os detalhes estão dentro desta pasta.
Wynn já esperava aquilo. Mas ouvir a confirmação de suas suspeitas era
terrível.
— Deus do céu... — foi a única coisa que conseguiu dizer.
— Será que posso aconselhá-la, minha filha?
Ela fez que sim com a cabeça.
— Acho que será muito melhor para a Carson se você abafar o caso todo.
Demita Court. E Noble também. Quando der uma olhada nesta pasta, vai perceber que
ele também está envolvido na jogada. Você pode até fazer um acordo com eles. Se
ambos devolverem todo o dinheiro roubado, você não leva o caso à polícia. Sabe de
uma coisa? Publicidade agora em torno do fato só serviria para atrapalhar as coisas.
Wynn estava tão chocada que só tinha vontade de chorar.
— Não será uma loucura demitir Court e Noble agora, no meio das negociações
com o sindicato?
O auditor balançou a cabeça.
— Sei que não é a melhor hora. Mas ficar com eles também não vai adiantar
nada.
Wynn deu um longo suspiro.
— Tem razão. E obrigada por tudo. Nem sei como lhe agradecer.
— Esqueça. Fui muito amigo de seu pai e jamais poderia deixar de atender a um
pedido da filha dele. Se precisar de mim novamente, é só chamar.
Muito depois de ele ter ido embora, Wynn ainda estava sentada na sua cadeira,
imóvel. Só foi mais tarde que pegou o telefone e discou o número da casa de Jonathan
Court.
— Sei que já é tarde — disse ela. — Mas preciso falar com você agora. Estou
indo já para aí.
Desligou, pegou sua pasta, trancou o escritório e saiu.
CAPÍTULO VIII
Ao chegar para mais um dia de reunião, Duke Bellini olhou para Wynn
discretamente. E não gostou do que viu. Ela estava linda como sempre, mas havia
olheiras profundas e marcas de cansaço em seu rosto.
Não pôde deixar de imaginar se ela estava sentindo tanta falta dele quanto ele
sentia dela. Ligara para sua casa tantas vezes na noite passada... e ninguém
respondera.
Mas o que Duke achou mais estranho foi a ausência de Court e do advogado
Noble. No lugar deles, havia um advogado muito jovem e um tal de Tommy Wilson,
funcionário da Carson, que ele já conhecia.
As conversas continuaram, mas, para grande desespero de ambos os lados,
ninguém conseguia chegar a conclusão nenhuma.
No final do dia, parecia só haver uma única solução.
Duke respirou fundo e disse:
— Srta. Carson, sendo assim, só vejo uma saída: a greve.
Wynn trocou olhares desesperados com os membros de sua diretoria.
— Não queremos isso de jeito nenhum, Sr. Bellini...
A voz dela estava tão trêmula que Duke não pôde deixar de se sentir
angustiado. Wynn era uma mulher tão doce, tão pura... O que estaria fazendo no meio
daquela guerra? Parecia tão indefesa...
Ele teve vontade de rir de seu próprio pensamento. Indefesa... Que nada! Tão
indefesa quanto uma faixa preta de caratê, caso se considerasse o modo como ela
vinha conduzindo as negociações.
— Acredite, Sr. Bellini — continuou ela —, uma greve agora é a última coisa que
quero na empresa. Mas, já que não estamos conseguindo chegar a conclusão alguma,
será que concorda com a intervenção de um mediador?
Duke olhou para dentro daqueles olhos azuis que tanto amava.
— A senhorita poderia nos dar um tempo para discutirmos isso? Uma meia hora,
talvez?
— Podem conversar o tempo que quiserem, Sr. Bellini. — Wynn parecia mais
aliviada e levantou-se, juntamente com os membros da diretoria. — Fiquem à vontade.
Assim que a porta se fechou atrás deles, Halloran foi logo dizendo:
— Na minha opinião, a greve é a única coisa decente a ser feita.
Weinfeld, porém, não foi tão categórico.
— Você está querendo ver o circo pegar fogo, meu chapa. Vamos com calma. A
greve deve ser o nosso último trunfo.
— Vamos fazer uma votação — sugeriu Duke. — Quem concordar com o
mediador que levante a mão.
Das seis pessoas na sala, somente Halloran ficou de mão abaixada.
— Cinco a um — disse Duke. — Vamos informar a srta. Carson da nossa
decisão.
CAPITULO IX
Greg Carson e Wynn estavam sentados a uma mesa no Windows on the World,
o restaurante espetacular no 107.° andar do World Trade Center.
O lugar oferecia uma vista incomparável da cidade e, como a mesa deles dava
para a face norte, o panorama podia ser admirado do melhor lugar do restaurante.
— Você está fazendo milagres na empresa, irmãzinha. Tenho tanto orgulho de
ser seu irmão...
— Eu é que tenho orgulho em ser sua irmã, Greg. Quanto aos milagres, eles
simplesmente aconteceram.
"Milagre é eu ter sobrevivido, isso sim", pensou ela. "Agora, preciso aprender a
viver sem Duke Bellini..."
— Por que não tira umas férias? — sugeriu Greg. — Você está me parecendo
tão cansada...
Wynn sabia que sua aparência não era das melhores. Tinha olheiras, estava
magra demais e seu rosto possuía uma coloração meio amarelada que nem a
maquiagem conseguia esconder.
— E sei também o que está acontecendo com você, irmãzinha...
Wynn gelou na hora. Não esperava que Greg estivesse sabendo de alguma
coisa a respeito de Duke.
— Dolores me contou, Wynn. Você deve ter imaginado que ela iria me contar,
mais cedo ou mais tarde. Nós dois não escondemos nada um do outro.
É claro. Como fora ingênua em pensar que Dolores ficaria quieta! Os dois
tinham o relacionamento franco, aberto, que Wynn sonhara um dia ter com Duke. Bem,
fora tudo um sonho bonito e mágico. Mas o mundo era real e de mágico não tinha
nada. E, quanto mais rápido ela aceitasse o fato, mais fácil seria esquecer e prosseguir
a vida.
— O que foi, Wynn? — perguntou Greg, vendo que ela ficara quieta. — Você
não quer falar sobre isso?
Wynn tomou um gole de vinho antes de responder:
— Não tenho nada a dizer sobre o que aconteceu. Simplesmente não deu certo,
só isso...
Greg tomou sua mão.
— E por que não deu certo?
— Porque um líder sindical e a dona da empresa são antagonistas naturais...
Como é que um relacionamento entre ambos pode dar certo?
— Pois eu não penso assim. Antes de serem um líder sindical e uma dona de
empresa, vocês dois são um homem e uma mulher!
— Um homem que deve satisfações ao seu sindicato e uma mulher que deve
satisfações à sua empresa. O panorama não é muito animador, não acha?
— Agora eu entendo como conseguiu atravessar a crise da Carson com tanta
determinação. Você é teimosa como uma mula!
— Se eu sou teimosa, você nem imagina como é Duke Bellini...
Duke Bellini... Wynn desejou não ter falado aquele nome. De um modo ou de
outro, tocar no nome dele trazia-lhe à frente a sua imagem. E isso era muito dolorido...
— Então, já que vocês dois são tão teimosos assim, uma das partes vai ter que
ceder. É incrível, mas eu nunca vi você tão infeliz na vida, Wynn...
Ela não respondeu e ele continuou:
— Olhe para o seu prato. Você nem tocou nele!
— É que não estou com fome, Greg...
— Aliás, você emagreceu bastante, não é?
— É, um pouco.
— Você não tem jeito, irmãzinha. Está triste, insatisfeita, com olheiras no rosto...
E por quê? Porque é muito teimosa!
— Por favor, Greg, entenda! As coisas não são tão simples assim!
— É claro que não são simples. Mas pelo menos você poderia lutar pela sua
felicidade!
Wynn não respondeu e ficou olhando para a paisagem, pensativa.
— Pelo menos você aceita uma sobremesa, para adoçar a sua vida?
Ela sorriu.
— Não, obrigada. Não estou com fome mesmo.
— Então, se me dá licença, quem vai pedir um doce sou eu.
Momentos depois, deliciando-se com sua torta de chocolate, Greg continuou a
falar:
— Você se lembra do pai de Dolores?
Wynn olhou para ele, surpresa com a pergunta que lhe pareceu irrelevante
àquela hora.
— Vagamente. Por quê?
— Era um espanhol tradicional, de família nobre. Não sei se você se lembra,
mas ele foi completamente contra o meu casamento. Queria que Dolores se casasse
com um primo dela, essas uniões arranjadas pela família, você sabe...
— É, eu me lembro. Mas por que você está me falando disso agora? Não
entendo aonde quer chegar.
Greg a encarou com seus olhos azuis muito sérios, que eram tão iguais aos de
Wynn.
— O que eu quero que você entenda, irmãzinha, é que eu também tive
dificuldades pela frente. Mas lutei. Lutei muito e consegui. Tenho Dolores ao meu lado
e, se não fosse ela, a minha vida não valeria um centavo... Eu lutei porque valia a pena
lutar. Você não acha que deve fazer a mesma coisa?
Wynn balançou a cabeça, mais confusa do que nunca.
— Eu já não sei de mais nada...
Greg tomou a mão dela com carinho.
— Olhe, Wynn, não quero lhe causar mais dor de cabeça ainda, mas tenho a
impressão de que você está cometendo um erro muito grande, talvez o maior da sua
vida. Gostaria que se olhasse num espelho agora. Você está abatida, triste... tão
diferente de antes!
— De antes quando?
— Da época em que tudo estava indo bem com o tal do Duke Bellini.
Wynn abaixou a cabeça, pensativa.
— Não jogue tudo fora, irmãzinha. Olhe, o que eu quero lhe dizer agora é o
seguinte: você sabe o que a música significa para mim. Ela é a minha vida... Mas, se
tivesse que fazer uma escolha entre a música e Dolores, eu escolheria Dolores, mesmo
que isso significasse que jamais tocaria uma nota durante o resto da minha existência.
Wynn levantou os olhos e encarou o irmão mais velho. Nunca, em toda a sua
vida, ele tinha falado mais sério.
E tentou imaginar se realmente cometera o maior erro de sua vida ao se afastar
do homem que lhe abrira os olhos para o mundo do amor.
CAPITULO X
Mas o erro já fora cometido e agora não havia mais jeito. A única coisa que
Wynn podia fazer era esquecer Duke Bellini e começar a se interessar por outros
homens. Por isso, quando uma amiga a convidou para ir a uma festa no dia seguinte,
ela não só aceitou, como dançou a noite toda. Foi uma das últimas convidadas a sair e,
após ter flertado com todos os homens disponíveis, aceitou o convite de um deles para
sair no sábado.
Acabou saindo mesmo, mas foi com tristeza que percebeu que ele a atraía tanto
quanto o muito distinto Howard Bartley. E recusou um convite para um próximo
encontro.
Wynn suspirou aliviada quando a segunda-feira chegou. Pelo menos, o trabalho
preencheria sua vida vazia. Sua única preocupação era esconder seu rosto triste de
Ruth Wiley, que não cansava de fazer comentários sobre seu pouco entusiasmo.
Numa manhã, a secretária foi um pouco longe demais com sua indiscrição e
Wynn lhe deu uma resposta meio fria. Ruth, então, perdeu a paciência:
— Escute uma coisa, Wynn, já estou farta disso tudo que vem acontecendo por
aqui. Trabalho nessa empresa há vinte anos e conheci você quando ainda era uma
criancinha de tranças. Sei que alguma coisa muito séria está acontecendo, mas você
não se abre comigo. E isso me magoa muito. Sinceramente, pensei que nós duas
fôssemos amigas! Mas você me trata como se eu não passasse de uma secretária
substituta!
Cheia de remorsos, Wynn olhou para a leal secretária. Era verdade. Havia
ignorado Ruth Wiley por muito tempo e agora chegara a hora de consertar as coisas.
— Você está absolutamente certa — disse ela, gentilmente. — Vamos
conversar.
As duas sentaram juntas e tiveram uma longa conversa que girou em torno de
muitos assuntos, desde os problemas da empresa, até a triste vida sentimental de
Wynn, que mencionou seu caso de amor fracassado e todo o seu sofrimento, só
omitindo o nome de Duke Bellini. Convinha que ninguém ficasse sabendo. Tudo estava
acabado mesmo e era melhor nem tocar no nome dele.
Quando a conversa chegou ao fim, Ruth se levantou e olhou para Wynn com
carinho e afeição.
— Obrigada por confiar em mim, querida. Agora, eu sinto de novo que realmente
pertenço a esta empresa.
Ela já estava se levantando para sair da sala quando um office-boy bateu na
porta e entrou, trazendo um envelope amarelo.
— Telegrama para a srta. Carson.
Wynn abriu o envelope, leu a curta mensagem em voz baixa e soltou uma
exclamação:
— Nossa! Por essa eu não esperava!
Ruth ficou preocupada.
— O que houve? Problemas, Wynn?
Wynn não quis olhar dentro dos olhos da secretária. O telegrama era de Duke
Bellini...
Dizia: "Parabéns. Sua empresa está indo cada vez melhor".
Wynn teve que se controlar até que Ruth saísse e ela ficasse sozinha. Então, leu
o telegrama centenas de vezes, entre risos e soluços de alegria.
Como é que Duke Bellini sabia que a Carson estava indo bem? Não importava.
O importante era que ele ainda pensava nela. Senão, jamais enviaria telegrama algum.
Duke ainda não a havia esquecido... e aquilo era o bastante para deixá-la com
vontade de chorar.
Bem, mas e daí? Agora já era tarde demais para consertar o erro. Ele ainda
devia estar magoado com ela, e, de qualquer maneira, as coisas não iriam dar certo
mesmo.
Estava tudo acabado. E quanto mais cedo ela aceitasse esse fato, melhor.
Mais tarde, naquele mesmo dia, após Ruth Wiley ter ido embora, Wynn tirou o
telegrama da bolsa e o releu várias vezes, até que as lágrimas a impedissem de
continuar. O pranto serviu para aliviá-la; quando finalmente enxugou os olhos, sentia-se
mais leve, com uma estranha sensação de liberdade e de vazio.
Tudo estava acabado. Mas a vida continuava.
Foi aí que ela teve uma idéia. Como é que não havia pensado naquilo antes?
Tiraria umas férias, faria uma longa viagem de navio e se divertiria até dizer chega. Era
só falar com o agente de viagens e escolher o lugar. Tinha que ser o local mais bonito
do mundo. Antes de embarcar, compraria muitas roupas lindas e faria um sucesso
enorme. E então, Duke Bellini iria desaparecer de seu pensamento. Para sempre. De
uma vez por todas.
Mas as coisas não aconteceram exatamente como ela previra.
Naquela mesma tarde, ao visitar o agente de viagens, a melancolia voltou ao
seu coração. Não havia nenhum lugar nesse mundo que tivesse vontade de conhecer.
E seu interesse pelas roupas novas também terminou em nada.
Então, sem decidir coisa nenhuma, resolveu apenas pegar uns folhetos
turísticos para estudar em casa e foi embora.
Duke Bellini estacionou seu Porsche vermelho na frente do B. C, desceu e
entrou no restaurante.
Havia muita gente por lá, tomando cerveja e conversando, mas Duke notou que
eles não tinham uma expressão muito amigável no rosto.
— Oi, Duke — disse um deles, sem ânimo.
— Olá — falou outro, igualmente desanimado.
"Como as coisas eram diferentes há dois meses", pensou ele com tristeza.
Sentou-se num dos banquinhos do balcão e pediu café.
— Como está quente, não? — comentou com o rapaz a seu lado.
— É... também, estamos bem no meio do verão... — foi a resposta sem graça do
outro.
Logo depois, esse homem colocou a mão no bolso, tirou umas moedas e as
deixou em cima do balcão.
— Bem, já vou indo. Tchau, Duke.
As outras pessoas ali ao redor também acabaram se dispersando.
— Tchau, Duke. Tchau, rapaz — era o que mais se ouvia por lá.
O restaurante ficou praticamente vazio e ele continuou a tomar seu café,
pensativo.
— Brrr... está gelado aqui, não é?
Duke levantou os olhos ao ouvir o som daquela voz e viu que Polly, a garçonete
ruiva, lhe sorria atrás do balcão.
— É verdade — disse ele, tentando dar um sorriso. — Acho que vocês aqui do
B. C. têm o melhor ar-condicionado da cidade...
Polly lhe deu um olhar significativo, enquanto lavava as xícaras e os pires.
— Só que eu não estou falando sobre o ar-condicionado, Duke...
Ele olhou para a ruiva, surpreso.
— Então está falando sobre o quê, mulher?
— Sobre o modo gelado com que as pessoas estão tratando você.
Duke não esperava que ela fizesse aquele comentário e acabou dando um
sorriso sem graça. A garçonete continuou a lavar a louça e a falar, decidida:
— O pessoal está frio com você por causa da demissão do velho Bernie
Halloran, não é?
Ele ficou mais sem graça ainda.
— Você está muito bem informada, não é, Polly?
A garçonete parou seu trabalho e quase se debruçou sobre o balcão.
— Eu sei que estou sendo uma velha xereta, mas passo a maior parte da minha
vida neste restaurante e não posso deixar de ouvir as coisas que são faladas aqui... E
leio jornais, também. Sei que despediu Halloran e os seus companheiros estão loucos
da vida por causa disso.
Duke suspirou e tomou mais um gole de seu café.
— Eu sei, Polly. Mas tive os meus motivos. E, para sua informação, fique
sabendo que Bernie vai receber a sua aposentadoria normalmente, como se não
tivesse sido despedido. Agora, que tal me servir mais uma xícara de café?
A garçonete colocou a máquina para funcionar e sorriu abertamente.
— Fico contente por ouvir isso, Duke. Sei que você tem bom coração.
E, aproximando-se dele, tocou de leve em seu rosto.
Como era bom ser tocado por uma mulher! Mesmo que a mulher fosse Polly. As
mulheres tinham um jeito especial de tocar as pessoas... A mãe de Duke tinha aquele
toque. E Wynn também.
Wynn... A lembrança dela começou a doer como um soco no estômago. E ele
deixou escapar um longo suspiro.
— Fique sossegado, meu filho — continuou Polly. — Tudo vai dar certo. Seus
companheiros vão acabar entendendo você.
— Só Deus sabe o quanto eu gostaria que os meus problemas se resumissem
apenas aos problemas do sindicato ...
Polly sorriu.
— Hum... Eu bem que estava desconfiada de que havia outra coisa aborrecendo
você, meu filho.
— Pois acertou em cheio!
— Problema com alguma mulher, não é? Estou certa?
— Certíssima!
A garçonete agora limpava o balcão com um pano e olhou em volta. Havia
somente um freguês a uma mesa, que deveria morar nas vizinhanças. Não era
caminhoneiro. Mesmo assim, Polly resolveu abaixar a voz.
— Será que você está tendo problemas com aquela moça loira que esteve aqui
uns meses atrás, cujo carro havia quebrado?
Duke hesitou por alguns instantes, mas afinal acabou admitindo:
— Acertou em cheio, Polly.
— Eu me lembro dela. A moça era bonita mesmo!
— Bonita, não. Linda!
A garçonete parecia realmente interessada em ajudar.
— Então qual é o problema? Por acaso ela gosta de outro homem?
— Não é isso. É que...
Subitamente, Duke parou de falar. Nunca havia trocado confidências com Polly
durante os nove anos em que ela trabalhava no B. C. e agora falar sobre assuntos tão
pessoais o deixava meio constrangido. Mas então, ele pensou: "E por que não começar
agora?" Ela sempre tivera a reputação de ter orelhas grandes e boca pequena; ouvia
muito e falava pouco. Era isso mesmo. A ruiva Polly seria a mulher certa para ouvir seu
desabafo.
— É que ela é a patroa — continuou Duke. — E eu sou o líder sindical...
A garçonete balançou a cabeça.
— Puxa, garoto, a sua situação é mesmo delicada!
— Eu não disse?
— Mas diga uma coisa. Você realmente gosta dela?
Duke sentiu como se tivesse levado um soco de novo.
— Se eu gosto dela? Pode apostar que sim!
— E ela gosta de você?
— Não sei. Às vezes acho que gosta. Às vezes acho que não. Mas não estamos
mais juntos. Eu a pedi em casamento e sabe o que ela disse? Que as coisas jamais
poderiam dar certo entre nós... E recusou. Acredite, Polly, isso me dói tanto!
— Bem, sendo assim...
A garçonete apoiou a cabeça nos dois cotovelos, em cima do balcão.
— Sendo assim, por que você não desiste de ser líder sindical e arranja outro
trabalho?
Polly lhe serviu outra xícara de café e, dessa vez, colocou um pouco de creme
chantilly para animá-lo.
— Agora você está falando como meu pai — comentou Duke. — O velho
sempre me dizia que eu devia ter mais juízo e deixar a vida de líder sindical.
— Pois seu pai falou muito bem! — Polly estava cada vez mais animada. — Às
vezes, não entendo como vocês agüentam essa vida! Trabalham vinte e quatro horas
por dia e, ainda por cima, têm que enfrentar um problema atrás do outro. Deus me livre!
Duke tomou um gole de café e acabou com todo o creme chantilly.
— Humm... Que delícia de creme! Mas, voltando ao assunto, devo dizer que
você está certa. Minha vida não é fácil, não... O velho sempre dizia que eu devia ser
advogado trabalhista, mas o desejo de pertencer ao sindicato foi mais forte.
— Bem, agora você vai ter que tomar uma decisão, rapaz. Quando o inverno
chegar, tenha certeza de uma coisa: os rapazes do sindicato não vão aquecer você nas
noites frias...
Duke começou a rir.
— É, eu acho que não vão mesmo.
Polly passou a mão pelos cabelos dele.
— Garoto, se eu fosse vinte anos mais nova...
— Eu não estaria falando com você de outra mulher...
Ambos caíram na risada. Duke terminou seu café, levantou-se e colocou dois
dólares em cima do balcão.
Polly nem acreditou no que viu.
— Ei, o que é isso, Duke? Onde você pensa que estamos? No Waldorf, por
acaso?
— Isso é por você ter me ouvido, Polly. Valeu por uma terapia. Obrigado,
querida. Muito obrigado.
Inclinou-se sobre o balcão e, para a grande surpresa da garçonete ruiva, deu-lhe
um beijo no rosto.
Ela sorriu, satisfeita.
— Pense no que eu lhe disse, Duke. Se você realmente a ama, mude de
profissão, faça o diabo, mas fique ao lado dela. Não jogue fora a chance de ser feliz...
— Vou pensar, Polly.
E, olhando a garçonete com carinho mais uma vez, deixou o restaurante.
Entrou no carro e pegou o caminho do centro da cidade para chegar em casa.
Dirigiu o tempo todo sem dar uma só olhada para as pessoas que estavam dentro dos
outros carros. Pois, se por acaso visse Wynn ao lado de um outro homem, teria um
ataque do coração...
Chegando ao seu apartamento, tirou a roupa para entrar no banho. E foi aí que
a imagem de Wynn nua em seus braços, gemendo de prazer e implorando para ser
possuída, veio-lhe clara à mente. E Duke sentiu a pele pegar fogo.
— Deus do céu... Não posso agüentar isso nem um minuto mais!
Entrou rapidamente no chuveiro e girou o botão para a água fria. Ficou um
tempo enorme tremendo de frio, enquanto seu desejo se acalmava.
Numa noite quente, no meio de junho, Wynn vestiu um robe longo e largo e ficou
andando pela sala de estar de sua casa. Estava se sentindo infeliz, cansada, sem
sono, muito desanimada para fazer qualquer coisa. Os folhetos da agência de viagens
estavam espalhados em cima da mesa, esperando por sua decisão. Pegou um deles,
cuja fotografia mostrava um casal de maio tomando sol numa praia deserta.
O mundo todo estava à espera dela. Mas de que aquilo adiantava? Que graça
tinha viajar sozinha? Nenhuma... Acabaria achando tudo uma droga e não se divertiria
em lugar nenhum. O que adiantava estar no Caribe, sozinha e aborrecida? De que
valia estar nas Bahamas, se breves encontros amorosos não lhe interessavam? Havia
se prometido uma viagem quando as negociações com o sindicato terminassem. Mas
não havia um só lugar no mundo inteiro que tivesse vontade de conhecer. Não,
estando sozinha. Não, sem a companhia de Duke.
Então, finalmente admitiu o que seu coração já vinha lhe dizendo há muito
tempo.
Estava morta de saudades dele. E não iria conseguir esquecê-lo de maneira
alguma.
Wynn suspirou, ouvindo o som da televisão de seu quarto. Havia ligado o
aparelho porque o silêncio do apartamento era insuportável e ela sentia necessidade
de companhia. Ouvir música era pior, porque a maioria delas lhe trazia lembranças de
Duke. Na verdade, o som da televisão não estava muito claro por causa do ruído do ar-
condicionado e a voz do repórter do jornal falado mal era ouvida. Não que aquilo
importasse muito...
Acomodou-se no sofá e olhou em volta. Sua sala estava tão bonita, tão
enfeitada com plantas e vasos de flores...
Mas de que adiantava tanta beleza, se Duke, o homem de sua vida, não estava
lá para ver tudo aquilo?
Balançou a cabeça com força para afastar aqueles pensamentos nefastos. Tinha
que parar de pensar naquele homem que provavelmente já a esquecera. Depois
daquele telegrama, ela nunca mais ouvira falar nele. Duke sumira completamente...
Onde estaria naquele momento? Com outra mulher, talvez... O simples
pensamento de que Duke Bellini pudesse estar fazendo amor com outra garota fez com
que Wynn sentisse náuseas.
Tinha que parar urgentemente de pensar em coisas negativas. Levantou-se
decidida do sofá e foi para o quarto ouvir o noticiário. Pelo menos teria alguma coisa
em que se concentrar.
Ao chegar lá, ouviu qualquer coisa sobre o sindicato dos caminhoneiros. E
também o nome Bellini.
A princípio, achou que sua mente estava lhe pregando uma peça e que estava
ouvindo bobagens. Mas logo percebeu que não estava tão maluca quanto pensara. O
repórter falava mesmo sobre Duke, que logo apareceu no vídeo.
O coração de Wynn disparou de vez e ela teve que se sentar na cama para não
cair. Duke agora era entrevistado por uma repórter e respondia às perguntas com
tranqüilidade. No dia seguinte, haveria uma reunião no sindicato para a aprovação do
contrato que ele apresentara aos companheiros. Se o tal contrato fosse aceito, Duke
continuaria na presidência. Se não fosse, ele teria que deixar seu cargo.
Wynn tentou se concentrar na entrevista. Duke estava mais bonito do que
nunca, vestido com uma camiseta de mangas curtas que enfatizava seus ombros
imensos e tórax musculoso. Mas ela não pôde deixar de notar que ele estava mais
magro. Havia olheiras em seu rosto e rugas de preocupação que antes não existiam.
Wynn tremeu inteirinha ao se lembrar como era bom ficar aninhada nos braços
dele, sentindo aquelas mãos fortes acariciando sua pele nua. Como era gostoso sentir-
lhe o corpo másculo em cima do dela, enquanto seu membro entrava cada vez mais
fundo em suas partes mais íntimas...
"Sou uma grande imbecil", pensou ela. "Aqui estou eu, louca de desejo por esse
homem e não faço nada para reconquistá-lo..."
Tentou imaginar como estaria a vida de Duke. Uma grande correria, com
certeza, pelo modo como ele aparecia no vídeo. Duke Bellini era a própria imagem do
cansaço e da ansiedade.
Subitamente, Wynn desejou ir ao encontro dele, abraçá-lo e beijá-lo com paixão,
gritando bem alto que o amava.
Só que era um grande absurdo. Ela simplesmente não podia fazer aquilo. Era
impossível...
Foi um alívio ouvir o telefone. Até pouco tempo atrás, ela não queria falar com
ninguém. Mas, agora, até que ouvir uma voz não seria mal. E correu para atender.
Era Dolores.
— Como vai, cunhada querida?
Wynn deu um suspiro.
— Mais ou menos...
— Por acaso você está assistindo ao noticiário?
Dolores também estava, pois Wynn podia ouvir o som da televisão e a voz de
Duke do outro lado da linha.
— Estou, sim, cunhada.
— Você está com uma voz tão triste, Wynn...
Já que aquilo era uma verdade indisfarçável, ela resolveu nem protestar.
— Wynn? Você ainda está aí?
— Estou, Dolores.
— Então me diga uma coisa. Quando é que você vai parar de se punir desse
jeito?
— Ora, mas o que você quer que eu faça, nessa altura dos acontecimentos?
Que eu vá amanhã até o sindicato ver de perto se o pessoal aprova o contrato que
Duke apresentou?
Aquela sugestão era tão ridiculamente absurda que Wynn esperou uma
gargalhada do outro lado da linha.
Mas, para seu grande espanto, a risada não aconteceu. Em vez dela, veio a
resposta de Dolores:
— Exatamente. É isso mesmo que você deve fazer.
Wynn ficou revoltada.
— Ora, Dolores, isso não tem cabimento! Como é que a dona da empresa
Carson pode aparecer no sindicato sem mais nem menos? O pessoal todo está falando
que Duke se vendeu para mim e, se eu aparecer por lá, o falatório vai piorar ainda
mais! Francamente, eu acho que você não está se sentindo muito bem, cunhada.
— Pois você está completamente enganada. Estou no meu juízo perfeito.
— Não parece.
Dolores começou a rir.
— Ninguém disse que você deve ir como Wynn Carson, a dona da empresa...
— Não? Acho melhor você ser mais clara!
— Olhe aqui, Wynn, pelo que eu estou percebendo, você está louca de vontade
de voltar para ele. Certo ou errado?
Wynn hesitou por longo momento, pensando se admitia ou não.
— Estou certa ou errada? — insistiu Dolores.
Não havia outro jeito senão confessar a verdade à insistente cunhada.
— Está certa, Dolores.
— Então faça o que o seu coração manda! Vá amanhã ao sindicato e diga a
Duke que o ama!
— Mas eu já disse que não posso aparecer por lá!
— E eu já disse para você não ir vestida de você mesma! Vá disfarçada!
— Ora, Dolores, acho que você endoidou de vez!
— Não endoidei coisa nenhuma. Olhe, um dia eu tive que me disfarçar de loira
para enganar meu pai e sair com Greg. E funcionou!
— Você disfarçada de loira? Inacreditável!
— Pois foi isso mesmo que aconteceu. Agora, empregue a sua imaginação e
use o disfarce que quiser. O importante é que você vá ao encontro dele amanhã.
Wynn ainda não estava muito convencida.
— Não sei, Dolores...
— Olhe aqui uma coisa, cunhada. Pare de se autopunir e vá viver o seu grande
amor. Nunca vi você tão infeliz na vida antes. Quero ver esse sorriso lindo no seu rosto
de novo... Quero que você seja feliz, Wynn! Pare de ficar remoendo a sua infelicidade,
vá ao sindicato e diga que o ama!
Wynn deu um longo suspiro.
— Tudo bem, Dolores. Vou pensar sobre isso.
— Não pense muito, não, Wynn. Ponha na sua cabeça que é isso que você
deve fazer e faça!
Dizendo isso, desligou o telefone.
Wynn ficou por uns momentos parada, segurando o fone na mão, sorrindo e
balançando a cabeça. Sua cunhada era mesmo uma figura...
Depois, pôs o fone no aparelho, pensativa. Ir ao sindicato, ao encontro de
Duke... A simples idéia a deixava apavorada. E se ele a tratasse de maneira fria? E se
não quisesse recebê-la? Não, aquilo ela não poderia suportar. E o pior de tudo... E se
Duke estivesse lá com outra mulher?
— Ora, Wynn Carson — disse ela alto a si mesma —, você nunca teve medo de
nada!
E aquilo era uma grande verdade. Não tivera medo de assumir a presidência da
empresa, conduzira as negociações com firmeza e resolvera os problemas causados
por Noble e Court. Só tivera medo de assumir seu amor por Donato Bellini...
Voltou correndo para o seu quarto a fim de assistir ao resto da entrevista. A
repórter era bonita e parecia muito interessada em Duke...
E foi ali, naquele momento, que ela tomou sua decisão. Iria lutar por ele, sim.
Talvez já fosse tarde demais, mas, mesmo assim, iria tentar. Se não desse certo, pelo
menos ela teria lutado por sua felicidade.
E foi dormir mais tranqüila, contente com sua decisão. No dia seguinte iria ao
encontro de Duke no sindicato. E que Deus a ajudasse...