Você está na página 1de 81

Por um encontro de amor

Pat Wallace
Momentos Íntimos n° 01

Ela sabia que se envolver com Duke seria sua ruína

Na penumbra da sala de sua mansão, a rica empresária Wynn Carson sente-se


enlouquecer com as inesperadas carícias do ousado caminhoneiro.
Foi um absurdo convidar Duke Bellini para um drinque. Mas agora, tudo o que ela quer
é sentir a virilidade dele de encontro ao seu corpo... o prazer fantástico de saber que
será seduzida!
De repente, Duke a abandona, deixando Wynn a arder nas chamas de desejos
selvagens, obsessivos, insatisfeitos...

Digitalização: Nelma
Revisão: Nelma
CAPÍTULO I

Wynn Carson acelerou seu Fiat esporte. O motor fez um ruído meio estranho e
ela teve a ligeira impressão de que teria pela frente o supremo aborrecimento de ficar
com o carro quebrado no meio da West Side Highway, uma das avenidas mais
movimentadas de Manhattan.
Felizmente, nem tudo estava perdido. Havia um retorno logo adiante que poderia
tirá-la do apuro. Ligou a seta e dirigiu-se para ele.
O ruído acusava problema no carburador ou nas velas. Três gerações dos
Carson haviam dirigido qualquer coisa que andasse sobre rodas. E, se havia algo
nessa vida que Wynn sabia reconhecer, era um carro com problemas.
Geralmente, ela evitava o ritmo frenético e intenso da West Side Highway,
preferindo as ruas da Broadway para depois virar na Sexta Avenida. Mas hoje Wynn
Carson tinha muita pressa.
Havia saído tarde do escritório e já estava atrasada para seu encontro com
Howard Bartley. Não que ela estivesse particularmente interessada nele. Ao contrário.
Seu acompanhante era tão sem graça que encontrar-se com ele chegava a ser uma
tarefa penosa.
"Não entendo como você consegue agüentá-lo", dissera um dia Mike Carson,
seu pai.
Wynn sentiu um nó na garganta. Já havia se passado um ano desde a morte
dele, mas ainda não conseguia acreditar que o pai não estivesse mais ali, a seu lado.
Olhou para o relógio. Não havia outro jeito. Howard teria que esperá-la de
qualquer maneira. Diminuiu a velocidade ao chegar perto do retorno e rumou para a
Washington Street. Até que seu Fiat não estava tão mal assim. Ele poderia ter
facilmente seguido pela West Side Highway, sem deixar sua dona em má situação.
Mas talvez Wynn quisesse mesmo chegar atrasada ao encontro. Também, não
era de admirar. Howard era tão monótono que não conseguia fazer nada para que o
coração dela batesse mais depressa. Aliás, fazia com que batesse até mais devagar...
Olhou em volta. O único estacionamento disponível era em frente a um
restaurante, em cuja placa se lia: "B. C."
B. C. era a abreviação de "Banda dos Cidadãos", a famosa estação de rádio tão
sintonizada pelos caminhoneiros de toda a cidade. Wynn conhecia bem a tal rádio.
Marty, seu muito querido irmão, a ouvia o dia todo.
O vento de abril que entrava pelo vidro aberto do carro desmanchou-lhe os
cabelos e ela afastou uma mecha dourada que caía em sua testa. E, decidida, entrou
no estacionamento em frente ao restaurante.
Só que não desceu imediatamente. Ficou ali dentro, parada, deixando que as
lembranças de sua família viessem assombrá-la como fantasmas.
Wynn Carson havia adorado seu avô, Bill Carson, apelidado de Búfalo Bill pelos
colegas de estrada, por causa de sua intrépida coragem. Assim como adorara seu pai,
Mike, que, nascido e criado num apartamento minúsculo na Thompson Street onde se
amontoavam doze pessoas, acabara fundando uma grande companhia de caminhões.
Seus irmãos Greg e Marty deveriam ter herdado os negócios, mas o adorável Marty
morrera no Vietnã e Greg, para espanto geral, resolvera seguir a carreira de clarinetista
clássico.
Pelo menos ele tivera um destino melhor que Marty. Sobrevivera aos horrores
da guerra e se casara com uma moça agradável e sensata, que lhe dera dois filhos
bonitos e saudáveis.
Então, quando um enfarte fulminante tirara a vida de Mike Carson, só houvera
uma pessoa para substituí-lo na direção da empresa: a caçula Wynn.
Mike havia desejado ardentemente que a caçulinha fosse um menino. Mas sua
mulher morrera durante o parto e, no fim, ele agradecera a Deus e aos anjos que a filha
tivesse sido do sexo feminino, porque ela acabara se transformando numa imagem viva
da mãe.
Quando criança, Wynn brincava muito com Marty e juntos subiam em árvores e
jogavam bola. Mas os tempos de infância haviam ficado para trás, e agora ela era o
símbolo máximo da feminilidade.
O irmão Greg e a cunhada Dolores preocupavam-se com ela e não entendiam
como é que havia conseguido driblar todos os pretendentes que quiseram levá-la ao
altar. O que eles não sabiam era que isso se devia, em parte, à desilusão que tivera
com Don. Além disso, não era fácil encontrar um homem com a garra e a forte
personalidade dos Carson. Se havia algo nesse mundo que Wynn não suportava, era
um homem mais fraco do que ela.
Bem, os momentos de divagação tinham chegado ao fim. Como não podia
sonhar a tarde inteira, ela abriu a porta e desceu do carro, decidida a encontrar a falha
no motor.
Olhou em volta. O local só poderia ser freqüentado por caminhoneiros, dado o
número de enormes caminhões estacionados. Seu Fiat, perto deles, parecia um
brinquedo de criança.
Wynn Carson notou que havia fregueses tomando cerveja de pé, na porta do
restaurante. E notou algo mais: todos eles tinham os olhos voltados para ela.
Isso não chegava a ser surpresa. Seus seios fartos, cintura fina e pernas longas
chamavam a atenção de quem quer que fosse, ainda mais de meia dúzia de motoristas
bebendo na hora de folga.
Wynn achou melhor ignorá-los e abriu o capô do Fiat. Nada de errado à vista.
Certamente todo o problema deveria se resumir numa simples vela suja. Wynn sabia
consertar qualquer defeito num carro, mas havia algo que a impedia de colocar em
prática seus conhecimentos automobilísticos: sua altura.
Ela media apenas 1,50 m e não alcançava as velas do motor. Deu um suspiro
de desânimo e percebeu que a platéia na porta do restaurante fazia animados
comentários a respeito de seu insucesso. Mais uma vez, procurou ignorá-los. Agora, só
havia uma única coisa a fazer: achar um telefone público e pedir para que um dos
mecânicos da Carson viesse em seu auxílio.
Foi com alegria que avistou uma cabine nas proximidades. E, triunfante, dirigiu-
se para lá. Só que seu triunfo terminou junto com sua alegria: o telefone, como tantos
outros espalhados pela cidade, estava quebrado.
Aborrecida, Wynn resignou-se a fazer sua ligação dentro do restaurante. Era o
único lugar público do quarteirão, com exceção de um bar de aparência altamente
duvidosa, do outro lado da rua.
"Vá em frente, Wynn Carson", disse baixinho para si mesma. "Não se deixe
intimidar por meia dúzia de caminhoneiros."
E assim, com a cabeça levantada, entrou no restaurante. A única mulher ali
dentro era uma garçonete de meia-idade com cabelos ruivos tingidos, corpo matronal e
olhar simpático. Todos os outros eram homens, que viraram a cabeça quando ela
entrou. Alguns até assobiaram.
Mas Wynn não se incomodou. É que sua atenção estava voltada para o cheiro
que predominava no local...
Era uma mistura do aroma de café forte — acredita-se que os restaurantes de
caminhoneiros servem o melhor café do mundo —, tabaco, comida caseira e um
inegável e embriagante odor de masculinidade. Um odor sensual e provocante de
almíscar, brim, suor e gasolina...
Wynn sentiu-se subitamente excitada. Era uma pena que Howard Bartley não
tivesse aquele cheiro. A bem-comportada água de colônia que ele usava conseguia
deixá-la completamente fria.
— O que deseja, moça?
A voz da garçonete trouxe-a de volta à realidade.
— Só café, por favor. Será que posso usar o telefone?
— É claro que pode, meu bem.. Enquanto você liga, vou coar o seu café.
Wynn atravessou o restaurante em direção ao telefone no fim do balcão. E todos
os presentes seguiram seus passos com os olhos.
— Ai, que beleza! — soou a voz de um deles.
Seguiu-se um coro de risadas. Sentindo-se um objeto raro exposto à visitação
pública, ela tirou o fone do gancho e começou a discar.
Subitamente, o restaurante ficou em silêncio. Era óbvio que todos ali queriam
ouvir a conversa.
Com o canto dos olhos, Wynn começou a observar aqueles homens. E um deles
lhe chamou a atenção.
Ele estava sentado num banquinho perto do balcão, mas mesmo assim dava
para ver que era muito alto. Não olhava diretamente para ela, mas sua cabeça estava
ligeiramente virada em sua direção. Tinha os cabelos pretos como seu Fiat e cílios
muito longos, talvez longos demais para um homem. Mas esse era o único traço
delicado que possuía. O formato da cabeça era parecido com as estátuas dos Césares,
no Museu Metropolitano, e mostrava a elegância de uma escultura de Donatello.
Estava bronzeado e havia algo nele que dava idéia de comando, de superioridade. De
uma maneira ou de outra, aquele homem se destacava dos outros.
Estranho. Wynn ficou pasma ao sentir a umidade entre suas pernas. De súbito,
o restaurante ficou tão quente, tão abafado...
— Boa tarde. Garagem Carson — disse a voz do outro lado da linha.
Wynn procurou controlar-se e, quando falou, sua voz soou firme e decidida:
— Aqui é a srta. Carson, Sam. Meu carro está parado e quero que mande um
dos mecânicos para dar uma olhada nele. — Fez uma pausa para ouvir o que o
empregado tinha a dizer e continuou: — O quê? Todos estão ocupados? Ora, mande
um deles parar, porque não posso ficar aqui a noite inteira! Estou no restaurante B. C,
que fica entre...
Wynn olhou pela janela, tentando enxergar a placa na rua. Sentiu-se uma boba
por não ter checado isso antes.
— Décima Primeira Avenida e Washington Street — soou a voz de alguém,
perto dela.
Wynn virou-se naquela direção e viu que fora o gigante moreno que lhe dera a
informação. No breve momento em que seus olhos se encontraram, ela sentiu um frio
na espinha e seu coração começou a bater mais depressa. E uma palavra apareceu
em sua mente, uma palavra que não usava há anos: "uau!"
Então, recompondo-se, agradeceu ao moreno com a cabeça e repetiu a
localização para seu empregado. Depois de tudo resolvido, desligou o telefone e foi
apanhar o café que a garçonete lhe deixara sobre o balcão.
— Com licença, minha pequena.
Ela levantou a cabeça e percebeu que o gigante estava ali, a seu lado.
"Se alguém me chamar de minha pequena de novo", pensou, "vou ter um
colapso!"
— Será que posso ajudá-la?
"Ele deve ter apostado com os amigos que iria ter coragem de me abordar",
disse a consciência de Wynn. "E eu não estou disposta a ser alvo de apostas!"
Então, de maneira fria e controlada, ela disse apenas:
— Não, obrigada. Fique sabendo que posso consertar um carburador com um
grampo de cabelo.
Os outros homens estavam ouvindo com interesse e um deles deu uma risada.
— Um a zero pra ela, Duke.
O gigante moreno chamado Duke não ficou aborrecido e encarou a recusa com
bom humor.
— Tudo bem — disse a Wynn. — Mas, como estava ligando para uma oficina,
pensei que pudesse ajudá-la.
"Um a zero pra você, isso sim", pensou ela.
— Obrigada, mas realmente não preciso de sua ajuda. E, ignorando os olhares e
os risinhos dos outros, foi sentar-se com sua xícara de café numa das mesinhas.
Meia hora depois, Wynn ainda estava sentada. Nem sinal do mecânico. Já havia
tomado outras duas xícaras de café e agora distraía-se em ouvir os fragmentos da
conversa dos motoristas de caminhão.
"Hora extra... reajustes... aumento de salário... diminuição das horas de
trabalho..."
Conversa de sindicato, ela reconheceu imediatamente. E isso fez com que se
lembrasse de algo que a deixava apavorada: as reuniões que teria em breve com seus
membros.
Não que ela tivesse nada contra eles. Pelo contrário. Antes da fundação do
Sindicato dos Caminhoneiros, seu avô e o pai dele haviam passado por grandes
sofrimentos. Búfalo Bill tinha que dirigir horas e horas seguidas, até quase cair de sono
sobre o volante. Isso sem contar as terríveis dores nas costas e o dano que o
constante sacolejar do caminhão causava a seus rins.
Agora, era ela quem comandava a empresa. Lembrou-se dos últimos conselhos
que seu pai Mike lhe dera, no leito de morte. "Cuide bem dos nossos homens. Respeite
os direitos deles..."
Só que aquela não era a hora de reminiscências. Era hora de tomar uma atitude,
se não quisesse passar a noite ali. 0 Fiat tinha que ser consertado de qualquer jeito.
Wynn olhou para o relógio. Quinze para as sete. "Adeus, Howard", pensou. "Não
vamos nos ver hoje..."
Eles haviam marcado um encontro na porta de um teatro e agora era muito tarde
para lhe telefonar desmarcando o compromisso. Ele já devia ter saído de casa há pelo
menos uns quinze minutos.
A verdade é que Wynn sentia-se aliviada por ter perdido o programa. Howard
Bartley era mesmo um homem monótono... Mas, agora, ele parecia ainda mais
monótono do que antes. "Antes de quê?", perguntou-se a si mesma. Antes de ter
conhecido o gigante moreno perto do balcão? Não, aquilo era muito absurdo. Mesmo
assim, ela foi telefonar para a oficina de novo, sentindo-se leve como uma estudante
que ganha férias inesperadas.
Agora, a linha estava ocupada. E continuou ocupada por ainda cinco minutos.
Então desligou, desanimada.
— Senhorita...
Ela olhou para o lado. Era o César moreno de novo.
— Olhe — disse ele, com a voz séria. — Sinto muito se estou sendo insistente,
mas por que não me deixa dar uma olhada no seu carro?
Ele pareceu tão bem-intencionado que não houve como recusar.
— Tudo bem. Vamos lá.
E ela resolveu acrescentar:
— Muito obrigada.
Então ele sorriu, e seu belo sorriso revelou dentes perfeitos e brancos como a
neve.
— Vamos lá, senhorita.
Wynn colocou algumas moedas sobre o balcão e ambos deixaram juntos o
restaurante, debaixo dos animados comentários dos outros homens.
— Deve ser um probleminha à-toa — disse ela, enquanto o gigante levantava o
capo. — Mas o diabo é que eu não consigo alcançar o local do problema...
Ele sorriu.
— Deixe comigo. Seu carro vai ficar bom em dois minutos.
Começou a mexer em uns fios e, no que pareceu uma fração de segundo,
fechou o capô com ar triunfante.
— Era um probleminha à-toa mesmo. Agora, o Fiat está perfeito. Não quer dar a
partida para ver?
Wynn fez que sim com a cabeça, um tanto pensativa. Como é que aquele
homem entendia tanto de carros esporte? Ela havia imaginado que seu forte fossem os
caminhões. Mas no que estava mesmo pensando era no quanto ficara excitada ao se
debruçar no capô, pertinho dele. O perfume natural que emanava de seus poros, os
músculos dos braços e seu charme cativante estavam deixando Wynn meio maluca.
Ela entrou no carro e deu a partida. O ruído estranho do motor desaparecera.
Tudo estava perfeito.
— Ótimo! — gritou, pondo a cabeça para fora. — Não podia estar melhor!
Então ela desceu do carro e fez o que lhe pareceu mais certo. Abriu a bolsa e
começou a remexer lá dentro em busca de uma nota para recompensar o trabalho do
gigante moreno. Mas ele tocou de leve no braço dela, impedindo-a.
— Por favor, moça... Deve estar brincando, não é?
— Mas...
Wynn não conseguiu terminar. Seu coração estava acelerado por causa do
toque em seu braço e aquela situação toda era muito constrangedora.
— Não tem nada de "mas", moça.
Ele olhou para ela e, novamente, Wynn sentiu-se trêmula ao enfrentar aqueles
olhos penetrantes, autoritários e suaves ao mesmo tempo, mais negros e profundos do
que a meia-noite.
— Sinceramente, eu não saberia estabelecer um preço por trinta segundos de
trabalho. É muita matemática para mim...
Ela duvidava. O gigante à sua frente parecia ser tão afiado quanto uma navalha
nova. Seus olhos pretos mostravam inteligência. Como é que aquele homem conseguia
ser um simples caminhoneiro? Ela abandonou imediatamente aquele pensamento.
Mike Carson também fora um "simples" caminhoneiro. E olhe o que a Companhia
Carson era hoje.
Agora, por uma razão que não conseguia, ou não queria, admitir, Wynn
começou a conversar com ele, de modo a não deixá-lo ir embora.
— Eu acho que o meu Fiat parece um carrinho de criança perto do seu
caminhão, não é? Qual desses é o seu? — perguntou, apontando para os veículos
estacionados ali. Ele pareceu surpreso com a pergunta. Depois, a resposta veio rápida:
— Para falar a verdade, meu... caminhão não está aqui.
— Isso quer dizer que você está sem condução, não é? — A voz de Wynn era
animada. — Talvez eu possa lhe dar uma carona...
Ela chegou a ficar assustada consigo mesma. Nunca, em toda a sua vida, havia
conversado com um estranho na rua. E agora, não só conversava, como ainda lhe
oferecia uma carona.
Era esquisito. Aquele homem tinha algo que fazia com que ela confiasse nele,
algo que lhe lembrava sua família. Talvez isso acontecesse porque ele era um
motorista de caminhão. Não, aquilo era bobagem. Havia milhares de caminhoneiros no
mundo e ela nunca tivera essa impressão antes. A verdade era muito simples: aquele
era o homem mais excitante que ela já tinha visto na vida.
— É muita gentileza sua me oferecer uma carona... A voz dele agora era suave
e ela sentiu novamente um frio na espinha.
— Você é que foi muito gentil por ter consertado o meu carro.
Wynn entrou no Fiat e abriu a porta para ele. Aquele gigante moreno fazia com
que o seu carrinho parecesse menor ainda, e o simples pensamento de esbarrar nele
por acaso, ao trocar de marcha, deixou-a inquieta.
"Se as minhas mãos não estivessem na direção", pensou, "elas iriam voar pra
cima dele".
— Onde posso deixar você? — perguntou com voz firme, tentando parecer
natural. Ligou o motor e o carro começou a andar.
— Quero que me deixe em algum lugar onde eu possa jantar com você.
Foi aí que o coração de Wynn disparou de vez. As coisas estavam indo rápidas
demais para seu gosto... Uma parte de si sentiu-se amedrontada, mas a outra deu
pulos de alegria.
— O que me diz? Quer jantar comigo ou não?
Wynn hesitou. Subitamente, percebeu que seria muito doloroso vê-lo descer de
seu carro e sumir de sua vida para sempre. Não, aquilo ela não podia permitir. Então
respirou fundo, para tomar coragem.
— Aceito. Aonde poderemos ir?
Ele sorriu e, novamente, seus dentes muito brancos, em contraste com a pele
bronzeada, aceleraram o pulso de Wynn.
— Poderíamos ir a um lugar bem informal, já que estou vestido deste jeito. Ou
talvez você prefira que eu dê uma chegada em casa para trocar de roupa...
— Não. Nem pense nisso! Você está ótimo vestido assim.
Na verdade, os jeans e a camiseta que ele usava não eram exatamente próprios
para um jantar num restaurante. Mas Wynn não queria que ele fosse trocar de roupa
porque... detestaria a idéia de se separar dele, mesmo por alguns instantes. E isso a
assustava. Desde seu nefasto romance com Don, ela nunca se sentira tão dependente
de um homem.
"Vamos, controle-se, Wynn Carson", disse a si mesma.
— Conheço um lugar ótimo onde poderemos jantar — procurou falar com calma.
— É um restaurante pequeno, numa rua tão estreita que não cabe sequer uma bicicleta
estacionada.
Ele deu um sorriso.
— Combinado. Vamos para lá.
O Fiat deslizou pelas avenidas de Manhattan. Wynn procurava se concentrar no
trânsito, mas constantemente sua atenção era desviada para o homem a seu lado.
Teve a impressão de que ele era italiano, por causa dos cabelos e olhos muito pretos,
da maneira galante e dos traços marcantes, quase perfeitos. Um dos caminhoneiros,
no B.C, o chamara de Duke. E ela ficou pensando se aquilo era nome ou apelido.
Finalmente, chegaram à Perry Street. Wynn estacionou o carro numa vaga, com
absoluta precisão.
— O restaurante fica a um quarteirão daqui — explicou. — Não vamos conseguir
lugar mais perto para estacionar.
Ambos desceram do carro e foram andando em direção à West Fourth Street. E
quando Duke segurou o braço dela para atravessarem a rua, seu toque foi tão forte que
ela quase perdeu o equilíbrio
— Sinto muito — disse ele, sorrindo. — Não tinha me dado conta de que você
era tão leve...
Essas palavras foram ditas com tanto charme que, pela primeira vez na vida,
Wynn se sentiu feliz em ser baixinha. É que ele fizera com que ela se sentisse
feminina, protegida e segura. E, por sua vez, o gigante moreno pareceu ainda mais viril
e poderoso, forte como um caminhão transportando uma carga de vinte toneladas. O
contraste entre os dois era enorme. E Wynn sentiu um grande desejo de ser abraçada
por ele...
Ela ficou vermelha com seu próprio pensamento. Felizmente, em poucos
minutos chegaram em frente a uma porta meio escondida, na tal ruazinha estreita.
— Fedora's! — exclamou ele. — Quem diria que era aqui que você iria me
trazer!
Wynn olhou para Duke. O comentário não podia ser de desaprovação, porque
ele tinha um grande sorriso nos lábios.
— Então você também gosta daqui, não é? — continuou.
— Gosto muito! Estive aqui algumas vezes e adorei a comida.
— Não diga! Sabe de uma coisa? Freqüento este restaurante desde que me dou
por gente. Foi inaugurado nos anos cinqüenta e os donos ainda são os mesmos.
Ele abriu a porta e, com cuidado, ambos desceram uns degraus que levavam a
uma sala aconchegante, iluminada por luzes de abajur.
Era um lugar descontraído e familiar, onde se podia encontrar pessoas de todos
os tipos, usando roupas que iam desde os jeans até sofisticados vestidos de noite. A
comida e o vinho eram excelentes e os preços, bem baixos.
Wynn sorriu para um garçom que conhecia e ouviu Duke exclamar:
— Enrico! Come vai, paesano?
Virando-se, ela viu um homem grisalho atrás do bar, estendendo os braços:
— Donato... figlio! Bene, bene... E você, como vai?
— Molto bene — enfatizou Duke, olhando para Wynn. Ela ficou vermelha na
hora. Mas, se foi de alegria ou de embaraço, não pôde saber. Talvez de ambos...
— Quem é essa moça adorável? — perguntou Enrico. — Acho que já a vi antes
por aqui... É o tipo da pessoa que não se pode esquecer...
Foi aí que Wynn percebeu que Duke ainda nem sabia seu nome. Então,
rapidamente, estendeu a mão e sorriu para o velho italiano.
— Sou Wynn Carson.
Com o canto do olho, reparou que Duke a olhou de um modo meio estranho.
Seria impressão? Deveria ser, pois ele logo voltou a falar com Enrico, animadamente:
— Fedora está aqui? — perguntou.
— Não, infelizmente ela não vai poder estar aqui hoje...
Wynn lembrou-se da última vez em que jantara aqui. Comia tranqüilamente
quando uma mulher muito loira e impecavelmente vestida fizera uma entrada
charmosa, quase teatral no salão. Era Fedora. Ela circulara por todas as mesas,
conversando com os clientes que conhecia e curvando-se para beijar o rosto de um ou
outro amigo, com graça e vitalidade.
Com grande espanto, Wynn soubera que aquela mulher já passava dos
sessenta anos. Ela parecia ter, no máximo, uns quarenta.
— Fiquem ali, naquela mesa — sugeriu Enrico, apontando para uma mesa
isolada num canto.
— Tudo bem? — Duke perguntou a Wynn.
Ela fez que sim com a cabeça. Ambos trocaram um rápido olhar e, nesse
instante, todo o apetite dela sumiu como por magia.
Um garçom simpático anotou o que eles queriam beber e Duke comentou:
— É uma pena que Fedora não esteja aqui hoje. Eu costumo chamá-la de tia,
porque ela e minha mãe são como irmãs. Enrico é marido dela.
Para Wynn, aquilo parecia uma estranha e maravilhosa coincidência.
— Mas eu já conheci essa mulher extraordinária! Ela até me deu um beijo no
rosto, quando jantava aqui sozinha outro dia... Vai ver que percebeu que eu estava
meio triste...
— Fedora deve ter gostado muito de você, senão jamais a teria beijado.
A conversa então foi morrendo, como se ambos estivessem tendo dificuldades
em encontrar alguma coisa amena para dizer. É que eles ainda mal se conheciam para
que certos assuntos fossem tocados.
Quando o garçom trouxe os drinques, Duke levantou seu copo.
— Vamos beber a uma noite muito especial — murmurou, olhando nos olhos
dela.
Wynn repetiu o brinde, mas teve que abaixar a cabeça. Não queria que ele visse
o que dizia seu olhar: um desejo ardente e uma certa vulnerabilidade, que nunca
existira durante seus vinte e nove anos.
— Este lugar é como minha própria casa — comentou Duke. — Eu adoro tudo
por aqui. É engraçado, mas as pessoas do Fedora's parecem especiais... Desde Enrico
até o ajudante da cozinha, eles são como uma grande família. E, falando em família,
você se dá bem com a sua?
Wynn sorriu.
— Muito... Talvez você tenha ouvido falar de meu pai, Mike Carson.
— É claro que sim. Quem não ouviu? Ele era uma grande pessoa. Você deve
ter... sentido muito a morte dele, não é?
— E como... — Sua voz balançou um pouco e ela tentou sorrir. — Ele foi mesmo
um homem maravilhoso.
Percebendo que ela ficara triste com a lembrança, Duke tomou-lhe a mão e
levou-a aos lábios, para grande alegria de Enrico e dos garçons que os observavam.
Wynn sentiu naquele momento algo que nunca sentira antes. Era como se seu
corpo todo estivesse pegando fogo... E ela percebeu que estava perdendo o controle
de si mesma.
— Você é tão bonita, Wynn Carson... É a mulher mais bonita que já vi em toda a
minha vida.
Foi maravilhoso ouvir Duke dizer aquilo, porque, na verdade, ela já estava
preocupada com sua aparência. Afinal, não se olhava num espelho há horas.
Então, satisfeita, Wynn sorriu e levou o copo de vinho aos lábios. Um pouco
depois, Gene, o garçom, apareceu trazendo o jantar. Duke pedira uma das
especialidades da casa, pão de carne, para ambos.
— Este é o único lugar de Nova York onde se pode confiar num pão de carne,
não é, Gene?
— Isso mesmo, Duke. A pessoa sabe o que há dentro do pão. Em certos
lugares, você precisa adivinhar quem é que está ali dentro..
O garçom então completou o serviço e retirou-se discretamente.
— A piada de Gene foi de muito mau gosto, não foi? — desculpou-se Duke.
Wynn sorriu.
— De jeito nenhum. Acho que meu pai teria feito o mesmo comentário... Agora,
me diga uma coisa. Qual é o seu nome, afinal? É Duke ou Donato?
Ele tomou um gole de vinho antes de responder.
— É Donato. Duke é o apelido que os meus companheiros me deram. Sabia que
Donato, em latim, quer dizer, "presente de Deus"? Foi minha mãe que o escolheu. Só
que eu acho que ela exagerou um pouco...
"Do modo como você me faz sentir", pensou ela, "esse nome até que é muito
apropriado..."
— E o seu sobrenome? — perguntou.
O sorriso desapareceu do rosto dele. Olhou para a garrafa de vinho em cima da
mesa e pareceu pensativo por alguns instantes.
Acabou dizendo, finalmente:
— Meu sobrenome é Bardolino, como o vinho. Acredita nisso?
Não, ela não acreditava. E foi aí que um pensamento terrível lhe ocorreu: aquele
homem era casado e não podia lhe contar o nome verdadeiro. Mas, se ele fosse
realmente comprometido, teria a coragem de freqüentar um lugar onde todos o
conhecessem? Wynn não sabia. Ela agora estava confusa e apreensiva.
Duke deve ter percebido essa súbita confusão, porque largou o garfo e pegou a
mão dela.
— Acredite — disse ele, em tom de súplica. — Não sou um marginal, nem um
fugitivo. E muito menos um homem casado...
— Você não me deve satisfações — foi a resposta de Wynn.
A comida, a princípio tão apetitosa, subitamente ficou repugnante. Seu corpo
todo estava trêmulo. Ela gostara tanto daquele homem e, de repente, a história toda
estava mudando de rumo.
— Você está enganada, Wynn. Eu lhe devo satisfações, sim. Seu julgamento -é
muito importante para mim... — Ele a estudou por alguns instantes e continuou: —
Droga. Tudo estava indo tão bem entre nós... Agora, sinto que você está diferente...
Ela procurou sorrir.
— Não estou diferente, não, Duke. É impressão sua.
— Impressão? Mas você nem tocou no seu prato!
— Bem, parece-me que você também comeu muito pouco...
— É, acho que perdi a fome de uma hora para outra.
"Oh, Donato", disse ela, silenciosamente. "Eu também não estou com a mínima
vontade de comer..."
A verdade era que Wynn o queria muito. E tinha a impressão de que ele a queria
da mesma forma. Duke olhou em volta.
— Gostaria de falar tantas coisas a você... — A voz dele era tensa, excitada,
quase dramática. — Mas não aqui. Talvez num lugar mais quieto...
— E eu gostaria de ouvi-las.
Era como se Wynn estivesse experimentando uma sensação diferente,
inexplicável. O mundo inteiro parecia ter mudado. Até ela mesma.
— Eu quero ir embora daqui — disse ele. — Vamos dar uma volta? Acho que
poderia conversar com você durante horas seguidas.
— Engraçado... — A voz de Wynn soou tão baixa que ele teve que inclinar-se
em direção dela para ouvi-la. — Eu penso da mesma forma.
— Mas, mamma mia, Enrico vai ter um ataque cardíaco se sairmos agora!
Ninguém deixa o Fedora's sem ter antes esvaziado os pratos!
— O que faremos então? Acha que seria uma boa idéia jogarmos a comida
debaixo da mesa?
Os dois caíram na risada. Então, pouco depois, o riso foi morrendo e eles se
olharam de maneira séria, quase solene. Era como se um estivesse vendo nos olhos
do outro a atração inexplicável, forte e selvagem, que existia entre ambos.
— Tive uma idéia — disse Duke, quebrando o silêncio. — Vamos comer bem
depressa para sairmos rápido daqui, está bem?
— Vou fazer o possível!
Wynn colocou um pedaço de pão na boca e o engoliu o mais rápido que pôde.
Quase engasgou.
— Ei, também não exagere! — brincou Duke.
Pouco depois, os pratos já estavam devidamente esvaziados. O garçom trouxe a
conta e Duke deixou algumas notas em cima da mesa, sem se dar ao trabalho de
conferi-las.
Enrico, ao vê-los saindo da mesa, ficou revoltado.
— Ei, aonde é que vocês vão, assim tão cedo? Por acaso a senhorita não
gostou da comida? Se quiserem, posso mandar vir outro prato da cozinha!
Wynn deu um leve sorriso e Duke teve que fazer força para reprimir uma
gargalhada.
— Não é nada disso, Enrico — disse ele. — A comida estava ótima! É que nós
não tínhamos percebido que já era tão tarde, sabe? Vamos ao teatro e as cortinas se
levantam às sete e meia em ponto!
Então, em meio a despedidas calorosas, eles deixaram o Fedora's. Passaram
por um espelho no bar e Wynn aproveitou para dar uma olhada no rosto. E o que viu foi
uma pessoa estranha, outra mulher cheia de entusiasmo e alegria de viver.
O céu já estava escuro quando eles saíram. Soprava um vento morno, típico das
noites de primavera de Nova York.
Alguém tocava clarineta num apartamento da Perry Street. O som vindo do
instrumento era leve, suave, um pouco misterioso até. E, naquela hora, Wynn teve um
estranho pressentimento: nada mais, dali para frente, seria como antes...

CAPÍTULO II

Eles foram andando pela Perry Street, de mãos dadas.


— Será que Enrico acreditou naquela história de teatro às sete e meia? —
perguntou Duke. — Acho que eu devia ter inventado uma desculpa melhor.
Os dois começaram a rir. Wynn nunca se sentira tão feliz em toda a vida. Sentir
a mão de Duke apertando a sua era como estar no paraíso. Se um simples toque já era
assim tão gratificante, como então seria sentir as carícias dele em todo o corpo? Tal
pensamento foi o suficiente para que ela se derretesse inteira.
Estar com Duke era tão bom que o cenário em volta parecia mágico. As ruas
estreitas, com seus sobrados de tijolos aparentes, transformavam-se como por encanto
nas ruelas de Paris, reduto de artistas de alma e coração boêmios. Até as árvores
secas e murchas ganhavam nova beleza e vida.
O clarinetista anônimo continuava a encher a noite com o som de seu
instrumento.
— Parece Greg tocando... — foi o comentário espontâneo de Wynn.
Duke olhou para ela com certa curiosidade.
— Quem é Greg?
Ela sorriu.
— É meu irmão.
— Ah, bom! — Duke suspirou de alívio. — Já estava pensando que era algum
namorado!
Feliz da vida, Wynn respondeu, sorrindo:
— Não tenho namorado, acredite. Chegaram finalmente ao Fiat estacionado.
— Seu irmão toca clarineta? — perguntou ele, ajudando-a a entrar no carro.
A sensação de ter Duke sentado tão pertinho dela, naquele Fiat pequeno, fez
com que as palavras mal saíssem de sua boca. Wynn procurou controlar-se e respirou
fundo.
— Toca — respondeu por fim. — Você pode imaginar uma coisa dessas? Um
filho de Mike Carson tocando clarineta?
Duke sorriu.
— É meio difícil de se imaginar, mesmo... Como é que ele começou a se
interessar por música?
Wynn aproveitou a ocasião para discursar a respeito de sua família e lhe contou
que Greg sempre fora o artista dos Carson.
— Ele não puxou papai na altura, nem na força. Enquanto Marty se transformou
num homenzarrão, Greg não cresceu muito. Acho que deve ter puxado a família da
mamãe. Assim como eu...
Foi aí que Wynn percebeu a razão pela qual estava falando tanto: é que queria
adiar o mais possível o momento de decidir para onde ambos deveriam ir.
Na verdade, ela queria muito que Duke fosse à sua casa. Mas, por outro lado,
não tinha o hábito de receber estranhos em sua própria sala de estar. Por incrível que
pudesse parecer, aquele homem já tão importante para ela não passava de um
estranho...
— Onde é que você gostaria de ir? — perguntou ele, com naturalidade.
Naquele momento, Wynn lembrou-se de que nem Howard Bartley, seu amigo de
tanto tempo, costumava freqüentar sua casa. Mas, agora, nada importava. Tudo o que
ela mais queria na vida era ficar ao lado daquele gigante moreno, cujo nome mal sabia.
— Para casa — respondeu, simplesmente.
Os olhares se encontraram. Duke não disse uma só palavra, mas seus olhos
recitavam poemas e cantavam baladas para ela. Um sorriso sensual apareceu em seus
lábios e ele balançou a cabeça. Quando falou, finalmente, sua voz tremia um pouco:
— Será maravilhoso ir à sua casa, Wynn.
Foi aí que ela ficou um pouco apreensiva e achou melhor acrescentar
rapidamente:
— O mínimo que eu podia fazer para agradecer a sua gentileza seria lhe
oferecer um drinque na minha casa.
Duke não respondeu e ela então percebeu o quanto seu comentário soara falso.
Na verdade, Wynn não queria retribuir-lhe gentileza alguma. Tudo o que mais desejava
era beijar aqueles lábios bem-feitos e sentir o corpo dele bem perto do seu...
Tal desejo era tão perturbador que Wynn começou a dirigir o carro com uma
certa insegurança. Ela guiava desde os dezesseis anos, mas, subitamente, era como
se tivesse tirado carta na véspera. Tudo parecia novo e diferente quando se tinha ao
lado um homem chamado Duke.
Ao virar na Sétima Avenida, ela quase bateu num carro. Então, sentindo-se
completamente inapta para ir em frente, tomou a decisão que lhe pareceu mais
acertada.
— Parece que eu não estou nos meus melhores dias hoje, não é, Duke? —
comentou, sorrindo. — Será que você poderia dirigir para mim?
— Mas é claro que sim. Pode parar aqui mesmo.
Duke desceu do carro rapidamente e eles trocaram de lugar. Vendo-o ao
volante, Wynn sentiu-se completamente relaxada e impressionada com a facilidade
com que ele dirigia um carro esporte.
— Você me disse que tinha outro irmão, não é? — perguntou ele, enquanto o
carro deslizava pelas ruas movimentadas de Manhattan.
Wynn ficou trêmula.
— Marty — disse ela. — Ele morreu no Vietnã.
— É verdade, ele foi mandado para lá... — A voz de Duke era muito gentil. —
Sinto muito, Wynn, eu devia ter me lembrado disso.
"Devia ter me lembrado", repetiu ela, silenciosamente.
Mas devia ter se lembrado por quê? A troco de que aquele homem sabia que
seu irmão Marty havia morrido no Vietnã? Era muito estranho... Mas, por alguma razão
inexplicável, ela resolveu não tocar mais no assunto.
Eles agora estavam na Sexta Avenida, em meio a um trânsito infernal.
— Deve ter sido muito duro para você perder dois membros da família, não é?
— comentou Duke. — Ainda bem que você tem outro irmão...
— É verdade. Graças a Deus, ainda tenho Greg. Ele é um amor, sabe? Dolores,
a mulher dele, também é um doce de criatura. E os dois já me fizeram tia. Tenho dois
sobrinhos maravilhosos!
— Você gosta de crianças — declarou ele. Não era uma pergunta e sim uma
constatação.
— Eu adoro!
— Eu também.
Daquela vez, ele olhou para ela e sorriu abertamente.
"Ai, meu Deus", pensou ela. "Aqui estou eu falando o que não devo. Conheci
esse homem há duas horas e já começo a falar de crianças..."
Wynn ficou quieta e pensativa. Como conhecia pouco aquele gigante moreno
que agora dirigia seu carro! Duke Bardolino... Seria mesmo esse seu nome verdadeiro?
Não, certamente que não. Isso ainda a aborrecia, mas ela resolveu não pensar mais no
assunto. Estava muito feliz por estar perto dele e não iria deixar que nada nesse mundo
estragasse aquele momento mágico.
— Aqui estamos nós.
Duke brecou o carro em frente ao portão da casa de Wynn.
— Está trancado. Um minutinho só que já vou abrir.
Ela desceu, abriu o portão com sua chave e Duke estacionou o Fiat na garagem.
— Seu jardim é lindo — disse ele, fechando o carro. — As casas por aqui devem
valer muito, não é?
— Uma fortuna, pode acreditar.
Wynn se arrependeu imediatamente por ter falado aquilo. Não queria parecer
esnobe na frente de um motorista de caminhão, cuja renda certamente não era muito
alta.
Ela abriu a porta e fez com que ele entrasse.
— Que casa bonita, Wynn! Bonita como você...
Ouvir aquilo era mais gratificante do que qualquer outra coisa que ela pudesse
se lembrar no momento.
— E o seu decorador também está de parabéns — acrescentou ele.
— Muito obrigada. A decoradora sou eu!
— Então você está duplamente de parabéns! — Os olhos de Duke brilhavam de
admiração. — Às vezes, as pessoas pagam uma fortuna para os decoradores e mesmo
assim não ficam satisfeitas com o trabalho deles.
Ela sorriu, feliz da vida, e jogou seu blazer em cima de uma poltrona.
— Sente-se, por favor. O que você gostaria de beber?
— Humm, deixe-me ver. Uísque com água, se tiver.
Ele sorriu e Wynn sentiu de novo um frio no estômago. Duke não só era bonito
como um guerreiro romano, mas também era inteligente e tinha bom gosto.
Enquanto ele dava uma olhada geral na sala, Wynn foi até o bar para preparar
os drinques. Serviu o uísque com água num copo alto e seu licor num cálice pequeno
de cristal. Era incrível, mas até os copos faziam com que ela se desse conta do quanto
ambos eram deliciosamente opostos um ao outro. Ele era grande, forte, poderoso.
Fazia com que ela se sentisse uma folha perdida num vendaval.
Duke sentou-se no sofá e, quando ela lhe entregou o drinque, suas mãos se
tocaram. E, mais uma vez, Wynn sentiu algo novo e vibrante.
— Obrigado — disse ele. — Tim-tim!
— Tim-tim! — repetiu ela, tomando um gole do licor e sentando-se também.
— É engraçado, Wynn. Sua casa tem exatamente a sua cara! É só olhar para
esta sala, por exemplo, e eu sinto como se estivesse olhando para você!
Wynn sorriu.
— Sabe que minha cunhada Dolores sempre me diz a mesma coisa? Ela falou
que este carpete azul-acinzentado é da cor dos meus olhos!
— E é mesmo!
Após rápidos comentários a respeito de decoração, os dois ficaram quietos. O
silêncio entre eles era quase palpável, vibrando com as palavras não ditas, estalando
com a tensão que existira entre ambos desde o primeiro momento em que se viram no
restaurante.
— Você quer ouvir música?
A pergunta de Wynn finalmente quebrou o silêncio. Duke sorriu e concordou:
— Quero, sim.
Ela se levantou e pôs uma fita em seu estéreo. A melodia de um concerto de
flautas encheu a sala, iluminada apenas por um abajur, e só no momento em que
voltou a se sentar Wynn percebeu que aquele tipo de música poderia ser muito
refinado para o gosto de Duke Bardolino.
— Espero que você goste... — disse ela então, num tom de desculpa.
Ele deu um sorriso encantador.
— Você espera que eu goste? Ora, mas é claro que vou gostar! Mozart me
parece o ideal para ser ouvido aqui, nesta sala, com você... Sempre achei que o som
de flautas parece passarinhos cantando!
Wynn ficou literalmente boquiaberta com a resposta. Nunca esperaria que Duke
reconhecesse uma obra de Mozart e muito menos que fizesse um comentário como
aquele. Era engraçado, mas, se a referência sobre os passarinhos tivesse partido de
Howard Bartley, iria parecer falsa e afetada. Mas, vinda daquele homem forte e viril,
parecia encantadora.
— Sempre invejei os pássaros — continuou ele. — Eles são livres e voam tão
alto... Cheguei até a pensar em ser piloto de aviões, sabe? E olhe onde eu acabei
ficando: dentro de um caminhão!
Wynn sorriu, sem saber muito bem o que responder. Naquele momento, era
impossível deixar de olhar para a boca sensual daquele homem e pensar em como
seria bom sentir sua língua lá dentro.
Wynn percebeu que seu rosto enrubescia com tal pensamento e, para disfarçar,
começou a falar, animada:
— Sabe, foi meu pai que me ensinou a gostar de Mozart. Eu era criança e ele já
me dava discos de presente e...
A voz dela falhou.
Duke a olhava com um meio sorriso nos lábios, como se não estivesse mais
ouvindo suas palavras, mas apenas o som de sua voz. A respiração dele parecia mais
acelerada. E, quase que inconscientemente, Wynn chegou mais perto daquele gigante
moreno.
— Wynn... Minha adorável Wynn...
Ela já não agüentava mais. Então, numa fração de segundo, os dois corpos se
fundiram num abraço apertado.
Suavemente, Wynn encostou sua boca na dele. Então, de súbito, o toque já não
era suave, nem leve, porque Duke a beijava avidamente, enquanto suas mãos
deslizavam pelas costas dela, fazendo-a gemer. Wynn sentia que o universo todo
estava centralizado em suas bocas apaixonadas.
Era como se não houvesse mais tempo, espaço e significado para Wynn, além
da pressão estonteante da boca dele e do círculo de fogo de seus braços fortes.
Alguma coisa dentro dela lhe dizia que aquilo era o paraíso. Nada nesse mundo tinha a
beleza e o encanto de um beijo como aquele.
Num determinado momento, eles se afastaram um pouco para poderem tomar
fôlego.
— Wynn, Wynn, meu Deus, eu sonhei com este momento desde o minuto em
que vi você — murmurou ele em seu ouvido. — Nem posso acreditar que estou aqui,
com você...
— Nem eu...
Gemendo de prazer, Duke tomou posse de sua boca novamente e, mais uma
vez, o mundo começou a girar.
Finalmente, após uma dolorosa relutância, seus lábios se separaram, mas ele
continuou a beijar o rosto e a garganta de Wynn, até que ela sentisse seu corpo todo
em fogo.
Wynn era agora uma fonte de chamas ardentes, uma tempestade de desejos
selvagens e obsessivos. A boca de Duke tocou seus olhos fechados, primeiro um,
depois o outro, enquanto suas mãos fortes percorriam-lhe os cabelos aloirados,
acariciando-os com suavidade, até fazer com que ela implorasse numa vozinha fraca,
que mal reconheceu como sua:
— Oh, Duke, Duke, por favor... por favor...
Surpresa, Wynn. percebeu que estava pedindo para que ele a possuísse. Duke,
por um instante, olhou bem dentro de seus olhos, seu próprio olhar escuro e
impenetrável. Então ele balançou a cabeça e invadiu sua boca novamente, as mãos
selvagens e incontroladas acariciando os seios debaixo da seda fina de sua blusa,
tocando seu estômago e quadris, descendo para seus joelhos e pernas.
Gemendo, Wynn desabotoou a camisa dele e enterrou a língua na floresta de
pêlos que lhe cobria o tórax. Ele gritou de prazer e, tomado por uma fúria súbita, abriu
a blusa dela com violência, levantou-lhe o sutiã e mordeu com força os mamilos duros
pela excitação. O desejo desenfreado os havia levado para muito além dos limites da
razão. Agora, não havia como parar.
Ainda assustada, Wynn sentiu que ele abria o zíper de sua saia e que seus
dedos a acariciavam por cima da calcinha. Duke estava trêmulo e ela pediu, baixinho:
— Toque-me, por favor. Quero que me ame agora...
E estendeu a mão para tocar o membro dele, que pulsava firme por baixo da
calça.
— Meu Deus! — ela o ouviu dizer. —Wynn, oh, Wynn...
Então ele se esquivou das mãos dela e recostou-se no sofá por um instante,
respirando com dificuldade, olhos fechados, o suor brotando em seu rosto. Quando
finalmente conseguiu falar, abriu os olhos e olhou para ela com uma indecisão
torturante, ainda assim com tanta ternura, que, mesmo sem entender o que se
passava, Wynn sentiu-se tocada com o carinho que viu no olhar dele. Duke inclinou-se
para ela novamente e, tomando sua mão, levou-a aos lábios. A respiração dele ainda
estava ofegante e a rigidez de seu rosto revelava o controle de ferro que exercia sobre
si mesmo.
Wynn encontrava-se em tal estado de excitação que seu corpo tremia todo,
como se estivesse com febre alta.
— Pare, pare, Wynn — sussurrou ele, abraçando-a para confortá-la. — Pare,
por favor...
Aquilo deixou-a mais confusa ainda. Naquele momento, sua mente era um
emaranhado de pensamentos desencontrados.
— Mas parar por quê, Duke?
— Wynn — disse ele, numa voz mais clara. — Você é tão... tão maravilhosa que
eu não posso... não posso fazer isso...
Ela não conseguiu encontrar réplica para aquilo, nenhuma palavra que pudesse
expressar seu total espanto. Era evidente que ele a desejara. Tudo estava correndo tão
bem... E agora, dizia-lhe que ela era maravilhosa demais e que, por isso, não queria
mais amá-la. Aquilo não fazia sentido algum. Wynn estava quase doente de tanta
confusão.
Com mãos trêmulas, Duke tirou um cigarro do maço e o acendeu. Esse simples
gesto fez com que ela sentisse outra onda de desejo invadindo-lhe o corpo.
"Não posso suportar", pensou. "Não consigo suportar isso... Desejar um homem
a este ponto é terrível."
Olhou para ele e viu que seus olhos escuros como a noite ainda guardavam um
traço de dor.
— Não consigo entender — ela ouviu sua própria voz murmurar. — Não estou
entendendo, Duke...
— Eu sei que você não pode compreender, pelo menos não agora. Mas eu não
posso... fazer isso. Não do jeito como as coisas se apresentam...
— Por favor, seja mais claro!
Foi aí que as suspeitas de Wynn reapareceram. Aquele homem deveria ser
realmente casado!
— Você é comprometido, não é? Vamos, fale logo, vamos acabar com esta
agonia...
— Eu já disse que não sou casado, Wynn.
Ele apagou o cigarro no cinzeiro e olhou bem para ela.
— Mas estou comprometido, sim. Não com uma mulher. Juro que não há mais
ninguém na minha vida...
— Então, que compromisso é esse? —: Ela colocou a mão no ombro dele. —
Por favor, eu quero saber!
Ele pegou a mão dela e a levou aos lábios.
— Não posso, não agora... Foi um grande erro deixar que tudo fosse tão longe
assim. — Sorriu para ela e beijou-lhe o rosto de leve. — Acredite-me, deixar você é a
coisa mais difícil que eu já tive que fazer na vida...
Ele se levantou do sofá.
— Você vai entender tudo amanhã, Wynn Carson.
E deu um sorriso triste, que fez com que Wynn sentisse vontade de chorar.
Ela também se levantou.
— Você precisa me explicar o que está havendo, Duke! Não é justo!
Ele balançou a cabeça, os olhos escuros brilhando de emoções que pareciam
ser um misto de dor, vergonha e frustração.
— Você vai entender tudo amanhã — disse ele num tom neutro, perturbador. —
E vou rezar a Deus para que tudo não desmorone quando a verdade vier à tona.
Duke ficou ali parado por mais alguns instantes, seu corpo todo expressando um
desejo ardente de voltar para os braços dela. Então, numa decisão repentina, virou as
costas e foi embora. A porta se fechou ruidosamente atrás dele.
Wynn afundou-se no sofá, olhando para as paredes brancas. Sentia um nó na
garganta e seu corpo parecia prestes a explodir de frustração pelo desejo não
satisfeito.
Nada, nada mais nesse mundo teria o impacto daquelas carícias. Duke
despertara nela emoções até então escondidas e desconhecidas e depois a rejeitara.
Ele fora embora. E garantira que não existia outra mulher. Seria verdade? Não havia
problema algum nele, ela bem sabia, nada que o impedisse de amá-la. Seus beijos,
suas mãos, seu corpo haviam provado isso.
Com esforço, Wynn se levantou, foi até a porta e trancou-a. Depois, achou que a
melhor coisa a fazer no momento seria ir para a cama. Era cedo ainda. O relógio da
parede batia nove badaladas, mas ela sentia-se exausta.
A casa estava quieta, exceto pelo tique-taque reconfortante do relógio. O
concerto de Mozart há muito havia terminado. De vez em quando, vozes e sons vindos
da rua chegavam até seus ouvidos. Subitamente, Wynn sentiu-se sozinha no universo,
presa em sua linda sala, como um canário em sua gaiola dourada.
Mas ela não era do tipo que admitia autopiedade. Isso era inútil e não levava a
nada. Então, decidida, pegou o blazer de cima da poltrona e foi para seu quarto.
Abriu o armário para escolher a roupa que usaria no dia seguinte. O dia
seguinte! Chegara a ter pesadelos com o que iria acontecer de manhã. Às onze horas
em ponto, os membros do sindicato iriam chegar a seu escritório para a primeira
reunião. Wynn sabia que precisava parecer bem profissional e tivera o cuidado de ligar
para a previsão do tempo a fim de conhecer de antemão qual seria a temperatura do
dia. Fora informada de que o tempo iria esfriar, o que pedia roupas de lã, de
preferência mais escuras e mais formais de que o conjunto que ela usara na intenção
de sair com Howard Bartley.
Howard... Apesar de sua tristeza, Wynn não conseguiu evitar uma sonora
gargalhada. Ela havia se esquecido totalmente do encontro.
Talvez ele tivesse passado por ali, já que não a tinha encontrado na porta do
teatro. E, provavelmente, teria deixado um bilhete na caixa de cartas. Wynn foi até o
jardim e suas suspeitas foram confirmadas. Lá estava um envelope branco, com letras
pretas impressas: Howard E. G. Bartley - Advogado.
Voltou depressa para dentro de casa e abriu o envelope. Leu em voz alta o
bilhete:
— "Foi uma pena não termos nos encontrado na porta do teatro. Com certeza
algo atrasou você, não é? Bato um fio para o escritório amanhã. Boa noite, Wynn
querida."
"Bater um fio", pensou ela, balançando a cabeça. Um homem como Duke jamais
usaria expressão tão boba como aquela.
Duke... a lembrança dele trouxe-lhe uma nova onda de dor. Maldito Duke
Bardolino, se esse fosse realmente seu nome. Maldito Howard Bartley e todos os
outros homens do mundo.
Exausta, amassou o bilhete e o jogou na lata de lixo. Depois, apagou as luzes
da sala e voltou para o quarto.
Aquele era seu verdadeiro refúgio do mundo. Seu quarto, com as paredes
pintadas de amarelo suave, oferecia-lhe o descanso merecido após um dia estafante
de trabalho. Ao lado da cama, havia uma mesinha-de-cabeceira com um telefone, um
abajur e um vasinho japonês com um arranjo de flores amarelas. Numa das paredes,
havia uma pintura mostrando uma vista panorâmica do porto de Nova York numa tarde
chuvosa. Do outro lado, ficavam a televisão e o aparelho de som. Havia também uma
cadeira perto da cama, onde a metódica Wynn sempre colocava a roupa que iria usar
no dia seguinte.
Por alguma estranha razão, seu refúgio do mundo, antes tão bonito e
aconchegante, subitamente pareceu um lugar frio e sem graça, como o quarto de uma
velha donzela sedenta de amor nunca recebido.
Desanimada, entrou no banheiro e tirou a roupa. Então, totalmente nua,
examinou-se com cuidado na frente de um enorme espelho.
— Nada de errado com você, Wynn Carson — disse alto a si mesma, para
consolar-se.
E era verdade. Desde os cabelos loiros brilhantes até as pernas bonitas e bem-
feitas, passando pelos seios fartos e a cintura fina, não havia um único detalhe em seu
corpo que não fosse bonito. Se aquilo tudo não fosse bom o bastante para Duke,
então...
— Pare!
Wynn falou alto, com voz firme. Ele não dissera que havia algo de errado com
ela. Falara que havia algo de errado entre eles. Mas que diabo seria? O quê, em nome
de Deus?
A cabeça de Wynn começou a doer e, após tomar uma aspirina, ela entrou no
chuveiro e lavou os cabelos, determinada a tirar aquele incidente da cabeça.
Mas sua determinação foi em vão, porque, enquanto ligava o secador, a
pergunta continuou martelando sua cabeça. Tentou ligar a televisão para se distrair,
depois ligou o aparelho de som e pegou um livro. Nada adiantou. Precisava admitir que
desejava aquele homem mais do que qualquer outra coisa na vida.
Um pouco depois, a dor de cabeça começou a ceder, mas o cansaço fez com
que ela apagasse a luz e se deitasse. Contudo, assim que fechou os olhos, a image m
de um gigante moreno voltou para assombrá-la.
"Deus do céu", pensou, "desse jeito não vou conseguir dormir e amanhã tenho
que estar alerta e bem-disposta..."
Irritada, acendeu a luz e pegou outro livro. Por alguma estranha coincidência do
destino, escolheu um com uma dedicatória na primeira página: fora um presente de
Don.
"Que maravilha", refletiu com sarcasmo. "Se não é Duke que me assombra, são
as lembranças daquele sem-vergonha..."
Atirou o livro longe, enquanto as desagradáveis memórias de Don McKendrick
voltaram-lhe à mente.
Bem que seu pai nunca fora com a cara dele. "Um homem sem muito caráter",
era o que Mike Carson costumava dizer. Mas Wynn ficara tão encantada com o charme
daqueles olhos azuis que nem dera ouvidos aos conselhos do velho.
Haviam se conhecido numa festa de reveillon, dois anos antes. Wynn não tinha
programa para aquela noite e pretendia passá-la ao lado da família, mas uma amiga a
persuadira a ir a uma festa com ela.
A tal festa estava um pouco monótona, até que Wynn reparou num homem ruivo
de terno cinza, conversando com um grupo no canto da sala. Ele era, de longe, o
homem mais bonito e charmoso dali. E, ao perceber que ela o olhava, foi a seu
encontro.
— Não pode ser a noite do reveillon — disse ele, sorrindo, de modo que Wynn
pôde notar uma covinha em seu rosto.
— Por que você diz isso? — perguntou ela, devolvendo-lhe o sorriso.
— Porque você faz com que a noite se transforme num dia. Sabe que se parece
com a luz do sol, com esse cabelo glorioso? E os seus olhos são como pedacinhos do
céu de um verão escaldante...
Wynn não pôde deixar de ficar impressionada com o que ouvia.
— Você é um poeta, não é?
— Enganou-se... Não sou poeta, não. Sou um repórter. Mas isso não quer dizer
que não tenha alma de poeta. Você me faz lembrar a mulher do poema de Yeats,
sabia?
Wynn chegou a duvidar da sinceridade do elogio, mas adorava a poesia de W.
B. Yeats. Logo, ambos estavam discutindo animadamente sobre o trabalho do poeta.
Ela ficou encantada com aquele homem. E só quando encontrou-se com ele
dois dias depois foi que ficou sabendo, com grande espanto, que era casado e tinha
uma filha, mas pretendia se divorciar logo. Ele dividia um apartamento com um amigo,
enquanto a mulher e a filha moravam numa casa, no bairro de Rye.
Por uma estranha coincidência, naquela época, Wynn também morava em Rye
com seu pai, Greg e Dolores. No segundo encontro, Wynn já se achava perdidamente
apaixonada por Don McKendrick. Mas às vezes, quando cruzava com a mulher dele na
rua, sentia-se um pouco constrangida.
O ano seguinte foi uma mistura de êxtase com pesadelo. Durante os primeiros
meses, é claro, tudo foi um mar de rosas: as flores, os presentes, os passeios de barco
pela Staten Island, as charretes no Central Park, teatros, restaurantes, boates. A vida
de Wynn era um redemoinho dourado de lindas emoções.
Então, veio a resolução de morarem juntos. E, por conseguinte, as mentiras a
Mike Carson. Como o pai não aprovava o relacionamento, ela acabara lhe dizendo que
ia dividir um apartamento com uma amiga.
Mas como toda mentira logo é descoberta, uma noite, Don tinha que trabalhar
até mais tarde e Wynn convidou o pai para visitá-la. Por engano, Mike Carson abriu um
armário do quarto pensando que era a porta da saída e deparou com um completo
guarda-roupa masculino. Seguiram-se os esperados lamentos do velho e as
promessas de Wynn de que o casamento não tardaria a acontecer.
Mas o divórcio de Don parecia não sair nunca. E ainda houve as dolorosas
tentativas de aproximação entre Wynn e a filha dele, que, insegura e confusa pela
separação dos pais, passou a hostilizá-la completamente.
O pior de tudo, porém, eram as outras mulheres. Wynn encontrava
freqüentemente marcas de batom na camisa de Don, lenços e outros objetos femininos
no bolso do paletó.
— Não posso evitar — dizia ele, com aqueles lindos olhos azuis. —
Simplesmente não posso, querida. Mas a única mulher que eu amo de verdade é
você...
Sentindo-se um pouco mártir e um pouco boba, Wynn foi em frente, agüentando
tudo calada.
Só que, além das mulheres, ainda havia a bebida.
A princípio, as bebedeiras ocasionais a divertiam e ela as aceitava como parte
da imagem romântica de repórter. Mas logo percebeu que estava sendo tratada como
uma esposa traída, sem ao menos ter as vantagens que essa geralmente possui diante
da sociedade. Às vezes, sentia-se tão desesperada e solitária que ia procurá-lo em
todos os bares que costumava freqüentar.
Uma noite, Don saiu para beber sabe Deus com quem e quando voltou de
madrugada, todo sujo e machucado por ter se envolvido numa briga, a paciência de
Wynn se esgotou. No dia seguinte, arrumou as malas e deixou o apartamento
enquanto ele ainda dormia. Foi direto para a casa de Mike Carson, em Rye.
Nas semanas seguintes, emagreceu muito e ganhou profundas olheiras. Seu pai
insistiu para que fizesse uma viagem e ela acabou aceitando a sugestão, passando um
mês a bordo, na tentativa de esquecer Don McKendrick.
Após o cruzeiro, já se sentia melhor, apesar das constantes perseguições do ex-
amante, que vivia lhe mandando cartas e presentes. Wynn tinha o cuidado de devolvê-
las sem ao menos se dar o trabalho de abri-las.
"Descanse em paz, velho caso", pensou ela agora, deitada em sua cama. Mas o
sono não vinha. Então Wynn se levantou para pegar outro livro e acabou escolhendo
um velho romance que pertencera à sua mãe. Era um conto antigo de amor puro e
verdadeira felicidade.
Wynn começou a ler para se distrair. Logo no começo, uma linha que falava
sobre olhos azuis procurando olhos escuros lhe chamou a atenção.
Duke Bardolino, ou seja lá qual fosse o nome dele, tinha os olhos pretos como a
escuridão. Ele e ela: o moreno e a loira. Como a noite e o dia, um naturalmente
seguindo o outro. A idéia passou a assombrá-la. Eles eram como os amantes da
história, opostos magnéticos destinados a se complementarem.
E foi aí que toda a sua concentração chegou ao fim. Agora, era só Duke que lhe
povoava os pensamentos. Duke no restaurante, consertando o carro, jantando no
Fedora's, tocando seu corpo com as mãos fortes, explorando os segredos de sua
boca...
Wynn colocou o livro em cima da mesa e respirou fundo. Não, aquilo tinha que
ter um final. Se continuasse se martirizando daquele jeito, estaria exausta pela manhã.
E isso não podia acontecer. Se não estivesse alerta e relaxada para a reunião com os
membros do sindicato, perderia a batalha antes mesmo que ela começasse.
Determinada a dormir pelo menos um pouquinho, levantou-se e foi esquentar
uma xícara de leite. Mais relaxada, apagou as luzes e voltou para a cama. O bom
senso pareceu retornar à sua cabeça e ela começou a se sentir sonolenta.
Um dia, Mike Carson dissera: "As coisas sempre parecem diferentes pela
manhã, querida. Não melhores, necessariamente. Mas diferentes. Às vezes, os novos
problemas são uma distração para os problemas velhos..."
Bem, no dia seguinte, ela iria ter que enfrentar problemas muito mais sérios do
que seu breve caso frustrado com Duke, isso era certo.
Wynn chegou a sorrir, enquanto o sono estendia sobre ela suas sombras
escuras.

CAPITULO III

Wynn acordou às oito horas da manhã do dia seguinte e constatou que, mais
uma vez, seu pai acertara. As coisas pareciam mesmo diferentes à luz do dia. O sol de
primavera entrava em cheio pela janela, fazendo com que as cortinas amarelas
parecessem corolas de narcisos.
O dia prometia ser uma beleza. Por um breve instante, ela achou que a noite da
véspera não passara de um belo sonho. E, agora, a realidade a esperava naquela
manhã ensoralada.
Um pouco cansada pelo sono agitado, mas com muito mais disposição do que
esperava ter, Wynn pulou da cama e foi direto para a cozinha fazer café. Enquanto a
água esquentava, tomou um banho rapidíssimo e fez a cama. Ao voltar para a cozinha,
a água fervia e ela preparou um bule de café forte e fresco.
Olhou em volta: a cozinha e a copa mais pareciam uma continuação do jardim,
com vasos de plantas espalhados por todos os cantos. Há poucas semanas, para
comemorar a chegada da primavera, ela colocara um enorme arranjo de flores em cima
da mesa e tudo por ali tinha um ar alegre e festivo. Seu ânimo começou a se levantar.
Sentindo-se ansiosa demais para tomar um bom desjejum, contentou-se com uma
xícara de café preto e decidiu só comer alguma coisa um pouco antes da reunião do
sindicato.
Olhando no relógio, Wynn foi para o seu quarto e começou a se vestir. Pretendia
se fazer passar por uma executiva séria, e a roupa que escolhera dava essa perfeita
impressão. Era um conjunto de blazer e saia cinza, com uma blusa de laço cor-de-rosa,
bem clarinha. Resolveu prender os cabelos num coque na altura da nuca e maquiou-se
muito de leve. Só usou um pouco mais de sombra nos olhos, porque pretendia usar
seus óculos para parecer mais velha e mais séria.
Foi somente no momento em que entrou no carro, e viu que o motor estava
funcionando muito bem, que Duke voltou-lhe à mente. E um inesperado friozinho na
barriga veio-lhe tirar o sossego. A noite anterior não fora um sonho: os braços e a boca
daquele gigante haviam sido muito reais.
Mas aquela não era a hora de pensar naquilo. O trânsito perigoso de Nova York
estava à sua frente e ela tinha uma reunião importante com que se preocupar.

— Bom dia. Hum... essa blusa cor-de-rosa com laço na frente está tão bonita
que me dá até vontade de comer...
O comentário partiu de Ruth Wiley, a secretária. Havia um sorriso agradável em
seu rosto sereno de meia-idade e ela irradiava simpatia e confiança.
— Vontade de comer? Não me diga, Ruth... Aposto que você está fazendo
regime de novo e por isso sente vontade de devorar tudo o que vê pela frente. Como
está se sentindo esta manhã, querida?
— Muito bem... e você acertou. Estou de dieta mesmo!
Desde que Wynn se dava por gente, Ruth Wiley travava uma incansável batalha
contra as calorias. A secretária começara a trabalhar com Mike Carson quando a
empresa fora fundada e agora sentia-se feliz por estar ao lado da caçulinha dele, a
quem praticamente ajudara a criar. Ela sempre dizia que pai e filha tinham o mesmo
gênio: eram inteligentes, esforçados e teimosos como uma mula.
— Então, boa sorte no seu novo regime! — Wynn sorriu abertamente. — Quais
são as novidades esta manhã?
— Hum... Deixe-me ver. O distinto Howard Bartley ligou duas vezes e pediu para
que você ligue. Dolores também ligou. Vamos ver o que mais... Ah, Tio Patinhas já
esteve aqui e disse que queria falar com você a respeito da reunião com o sindicato.
Tio Patinhas era o apelido secreto que ambas haviam dado a Jonathan Court, o
tesoureiro da companhia, um pão-duro que costumava se comportar exatamente como
o inesquecível personagem de Walt Disney.
"Vai ser engraçado", pensou Wynn. Tinha certeza de que Court e os demais
membros da diretoria esperavam que ela fizesse exatamente o que eles ordenassem.
Bem, todos teriam uma grande surpresa, pois ela pretendia conduzir as negociações
da mesma maneira que seu pai.
— Não quero falar com Tio Patinhas agora, Ruth. Já conversei muito com ele
sobre a reunião e o assunto já se esgotou. Quero estar bem descansada para quando
os homens do sindicato chegarem, sabe? Ai, meu Deus, que friozinho na barriga! Ruth
sorriu.
— Posso imaginar, Wynn! Olhe, eu deixei uma pasta em cima da sua mesa
contendo anotações sobre o tipo físico de cada um dos homens que você vai ter que
enfrentar.
— Tipo físico? — Wynn começou a rir. — Meu Deus, promete ser interessante!
Mal posso esperar para botar os olhos nisso!
E antes de entrar na sua sala, seu santuário, ainda comentou:
— Veja se não perde muito peso, minha amiga. Lembre-se de que cada grama
vale ouro!
Wynn fechou a porta atrás de si e sentou-se confortavelmente em sua poltrona
favorita. Em cima da mesa, a pasta de Ruth com os comentários a respeito dos
homens do sindicato prometia momentos de diversão amena. Ela sorriu
antecipadamente e começou a ler as anotações.
Porém seu riso desapareceu no momento em que leu o nome do presidente:
Donato Bellini. Ao lado, Ruth havia escrito: um gigante maravilhoso.
Um gigante chamado Donato... Seria possível? Não, é claro que não. Apenas
uma simples coincidência. Duke Bardolino era motorista de caminhão e ela não deveria
pensar em bobagens. Começou a ler a descrição dos outros homens.
Aaron Weinfeld, o vice-presidente: uma verdadeira águia, com bico e tudo,
segundo a implacável Ruth. Bernie Halloran, secretário e tesoureiro: um Papai Noel de
aparência, mas um grande Tio Patinhas interiormente. Os outros membros não haviam
merecido muitos comentários e Ruth descrevera todos eles como "um pedaço de bolo".
Mas aquilo não consolava Wynn. Os três primeiros homens eram os líderes e
era com eles que deveria se preocupar. Olhou para o relógio. Dez e meia. Ainda tinha
meia hora até o início da reunião. Resolveu deixar o telefonema de Howard Bartley de
lado e discou para Dolores. Falar com a cunhada foi bom e relaxante e elas
combinaram um jantar para aquela noite. Depois, Wynn fez algumas anotações a
respeito da correspondência que chegara e, quando percebeu, já eram cinco para às
onze. Uma nova onda de ansiedade passou-lhe pelo corpo e ela leu o nome do
presidente mais uma vez: Donato Bellini. Um gigante maravilhoso, escrevera Ruth.
Minutos depois, a voz da secretária anunciava, pelo interfone:
— Os membros do sindicato já chegaram, srta. Carson.
— Ótimo. Mande-os entrar.
Ela se levantou para esperá-los e deu uma olhada em volta: tudo estava em
ordem. Agora, era só pedir a Deus que tudo corresse bem.
Ruth Wiley abriu a porta, dando passagem para os homens. O primeiro que
entrou foi o presidente, um homem muito alto, de terno cinza, que sorriu
misteriosamente para ela. Um gigante moreno maravilhoso... E Wynn teve que se
controlar para que um grito não escapasse de sua garganta. Lá estava ele, o homem
que lhe despertara tantas emoções, parado à sua frente. Ela bem que desconfiara.
Duke Bardolino nunca existira...
Os outros homens entraram em seguida e Wynn reconheceu-os um a um, pelos
comentários bem-humorados da secretária. Cumprimentou todos eles com um aperto
de mão e, na vez de Duke, teve que fazer força para que sua fala não saísse trêmula.
— Como vai, Sr. Bellini? — foi a única coisa que conseguiu dizer.
Ele respondeu ao cumprimento e Wynn estava pensando em alguma coisa
inteligente para falar, quando, de repente, o advogado da empresa, James Noble, e o
temido tesoureiro Jonathan Court, o Tio Patinhas, entraram na sala. Ela não sabia que
ambos iriam estar presentes e ficou aborrecida por não ter sido avisada antes. Não
seria fácil ter Noble a seu lado. Suas opiniões radicalmente contra as leis trabalhistas
haviam aborrecido muito Mike Carson e Wynn pretendia ficar de olho nele.
A reunião finalmente foi iniciada e, como era esperado, os ânimos de ambas as
partes começaram a esquentar. Os membros do sindicato exigiam aumentos de
salário, mas Court e Noble refutavam a idéia, alegando que a companhia estava em
regime de contenção de despesas.
Weinfeld rebateu, referindo-se às recentes negociações da Wall Street. E na
hora em que Noble foi longe demais, aparentemente falando por toda a companhia,
Wynn o interrompeu de maneira brusca:
— Espere um pouco — disse ela. — Somente Wynn Carson fala por Wynn
Carson.
Logo arrependeu-se de ter falado daquela maneira, pois o sindicato, percebendo
uma certa desarmonia entre os membros da companhia, poderia tirar partido dessa
situação. Porém, o que ela notou foi um brilho de admiração nos olhos escuros de
Duke.
— Parece Mike Carson falando — comentou Halloran, olhando para o grande
quadro a óleo na parede.
— Ele foi o adversário mais justo que o nosso sindicato já teve — acrescentou
Duke. — Meu próprio pai disse um dia que um homem deve ser muito cuidadoso na
escolha dos seus inimigos... Mike era um grande sujeito e tenho a impressão de que
vocês dois eram muito parecidos. Será um prazer negociar com a senhorita, estou
certo.
Wynn sentiu que Duke estava se referindo a algo mais do que simples
negociações de trabalho e preferiu não dizer nada. As conversas prosseguiram e uma
hora depois, ao dar a reunião por encerrada, ela se sentia esgotada.
Quando o grupo deixava a sala, Duke aproximou-se dela e perguntou, em voz
baixa:
— Será que posso convidá-la para almoçar? Tenho algumas coisas para lhe
dizer...
— Sinto muito, mas não posso — respondeu Wynn, de maneira fria. — Fale com
a minha secretária, a Sra. Wiley. Pode ser que ela encontre na minha agenda uma hora
livre para nos encontrarmos.
Duke não conseguiu esconder seu desapontamento, mas respondeu com muita
educação:
— Obrigado. Farei isso.
E olhou para ela mais uma vez, como se implorasse um pouco de compreensão.
Wynn, porém, ignorou tal olhar e, após ele ter, saído, fechou a porta da sala e foi
sentar-se à mesa.
Sabia muito bem que sua agenda estava lotada e que Ruth Wiley não iria
marcar encontro nenhum com Duke. Duke Bardolino... Seria mesmo possível que o
homem que a fizera gritar de desejo e paixão na noite anterior fosse o líder do
sindicato?
Ela apoiou a cabeça nas mãos e deixou-se ficar assim por um longo tempo.
Será que aquele sem-vergonha fizera tudo aquilo de propósito, para tê-la em suas
mãos? Não, não fazia sentido. Ele não podia adivinhar quem ela era quando a vira no
restaurante. E Wynn também lembrou-se de como ele ficara espantado no Fedora's, ao
ouvi-la se apresentar a Enrico. Duke não sabia quem ela era. E, quando descobrira,
não quisera complicar as coisas ainda mais. Afinal, como é que duas pessoas lutando
em lados diferentes poderiam se tornar amantes?
Então aquilo explicava tudo. Por um lado, ela se sentiu aliviada. Ele não a
rejeitara por causa de outra mulher, nem por falta de interesse. Mas, por outro lado, as
coisas ficavam ainda piores. Como é que ambos poderiam se acertar, uma vez que
estavam destinados a se oporem um ao outro durante todo o caminho?
Era um dilema que ela não conseguia resolver. Dessa vez, estava mesmo
perdida.
Ruth Wiley devia estar sozinha em sua sala, pois somente o ruído da máquina
de escrever podia ser ouvido. Wynn sentiu uma vontade louca de ir até lá e perguntar
se Duke tinha tentado marcar o encontro, mas não teve coragem sequer de se levantar
da cadeira. E passou a tarde inteira ali, procurando se concentrar no trabalho,
enquanto pensamentos confusos povoavam sua mente.
Eram seis horas quando resolveu deixar o escritório. Ruth, como de costume,
fora embora às cinco e Wynn já estava fechando a porta de sua sala quando apareceu
um entregador de floricultura carregando um enorme vaso de lírios brancos.
Intrigada, Wynn deu uma gorjeta ao rapaz e se apressou em abrir o cartão, que
dizia: "Abril é um mês cruel, quando seu nome é Duke Bellini".
Ela ficou sem fala. Primeiro, Mozart; agora, uma referência à poesia de T. S.
Eliot. Não deixava de ser um paradoxo: um líder sindical, de origem humilde, enviando-
lhe lírios que simbolizavam a doce cor da primavera.
Wynn sentiu o aroma delicioso das flores e sentou-se novamente à escrivaninha,
olhando admirada para elas. Não conseguia se lembrar exatamente das palavras de
Eliot, mas havia algo sobre lírios e lembranças... lembrança e desejo. E a chuva de
abril inundando o mundo. Ontem, seu desejo por Duke havia se misturado às
lembranças de Don McKendrick. Agora, só faltava a chuva.
Mas aquela não era a hora de devaneios. Wynn tinha marcado um jantar com
Greg e Dolores e, se ficasse ali perdendo tempo, pegaria um trânsito infernal.
Suspirando, levantou-se e fez o que lhe pareceu mais acertado: atirou flores e cartão
dentro da lata de lixo.
Mas, antes de apagar as luzes e deixar o escritório, resolveu tirar o cartão do
lixo e o guardou dentro da bolsa.

— Você está ótima, Wynn — disse Dolores Carson, observando a cunhada.


"Provavelmente, isso se deve ao jantar maravilhoso, ao vinho e a este lugar",
pensou Wynn.
Ela sempre se sentia muito bem quando ia ao apartamento do irmão, perto do
Lincoln Center Plaza. Era aconchegante, convidativo e sua decoração em tons de terra
conseguia acalmar qualquer ânimo exaltado.
— É engraçado — acrescentou Dolores. — Mas você também está... como
posso dizer... meio diferente.
— Vai ver que é o meu cabelo. Estou de coque hoje e nunca tenho o hábito de
usar cabelo preso.
Sua cunhada não pareceu muito convencida, mas mesmo assim deu um sorriso
doce que iluminou seu rosto e acentuou pequenas rugas no canto dos olhos. Aos trinta
e cinco anos, Dolores Carson era uma mulher bonita, de pele morena e cabelos pretos,
nariz aquilino, boca bem-feita e um corpo curvilíneo. Ninguém, refletiu Wynn, poderia
ser mais diferente do que o loiro Greg. Eles eram pessoas opostas, exatamente como
ela e Duke...
Mas Wynn não queria pensar naquilo. E procurou mudar de assunto:
— É uma pena que Greg não tenha podido vir para o jantar, não é? Mas, de
qualquer modo, é tão bom estar aqui com você.
Dolores sorriu novamente, mostrando seus dentes perfeitos e muito brancos.
Sua parte espanhola, herdada do pai, um músico clássico, era bem visível.
— Eu adoro os meus homens, sabe, Wynn? Mas às vezes é um alívio quando
dois deles estão dormindo e o outro está trabalhando...
Wynn também sorriu. As crianças já haviam sido colocadas na cama e Greg
aceitara um convite para participar do arranjo musical de um comercial que estava
sendo gravado num estúdio da Rua Sessenta e Nove. Ele havia dito a Dolores que
talvez não chegasse a tempo para o jantar e que elas não deveriam esperá-lo.
— É incrível como esses meninos crescem — comentou Wynn. — Às vezes, fico
uma semana sem vê-los e acho que eles já fizeram uma diferença enorme!
Nesse momento sentiu que a cunhada a estudava com mais intensidade ainda e
procurou desviar os olhos.
— Não adianta disfarçar, minha querida criança... — Dolores deu uma boa
olhada no rosto da cunhada. — Estou dizendo desde o começo desse jantar que você
está diferente. Eu disse isso na hora do aperitivo, na hora da paella e na hora da
sobremesa.
Wynn não respondeu e Dolores prosseguiu:
— O que está havendo, querida? Vejo um brilho nos seus olhos... um brilho que
só existia no tempo de Don McKendríck. Wynn, será que você encontrou outro homem
como ele?
O ataque foi tão direto que Wynn ficou completamente pasma.
— Oh, não — ela acabou dizendo. — Não encontrei ninguém como ele, pode
ficar tranqüila.
— Ah! — exclamou a triunfante Dolores. — Então pelo menos você encontrou
alguém! Eu sabia que esse brilho nos olhos não era por causa do respeitável Howard
Bartley...
Wynn sentiu vontade de morder a língua. Não queria falar sobre aquilo com
Dolores, nem com ninguém. É que tudo era tão difícil, tão bizarro... A última coisa que
ela queria nesse mundo era dar esperanças ao irmão e à cunhada, quando ela estava
cansada de saber que o incidente iria acabar em nada.
— Mas fale-me sobre ele — continuou a animada Dolores. — Onde encontrou o
homem que modificou o seu olhar?
Wynn serviu-se de mais vinho do Porto e tentou sair daquela enrascada.
— Bem, eu realmente conheci alguém, Dolores. Mas não fique muito animada. É
que não vai dar certo...
— Ora, e por que não? Quem é ele? Ah, já entendi. O homem é casado, não é?
— Não, não é isso. Mas, de qualquer modo, nós dois não podemos...
Wynn fez uma pausa, por absoluta falta de ter o que falar. Afinal, seria muito
constrangedor contar o modo como eles haviam se encontrado. E mais constrangedor
ainda seria dizer que ela convidara um estranho para tomar um drinque em sua casa e
quase fizera amor com ele, no sofá.
— Bem, eu espero pelo menos que esse tal homem não seja um terrorista ou
um prisioneiro...
— Ah, nem uma coisa, nem outra. — Agora, a voz de Wynn era muito séria. —
Mas vou lhe contar a verdade. Estou apaixonada por um cantor de rock de dezesseis
anos, com o cabelo até a cintura. Sei que jamais poderei me casar com ele. Afinal,
como é que eu poderia fazer uma coisa dessas com você, Greg e os meus adoráveis
sobrinhos? Pense um pouco, Dolores... Não ficaria meio estranho ter esse rapaz a meu
lado, nas festas de Natal da companhia?
Dolores, percebendo a brincadeira, começou a rir.
— Olhe, Wynn, eu peço desculpas por ter sido tão intrometida. Mas é que estou
sempre torcendo para que você encontre alguém que faça você feliz...
— Você não tem nada de que se desculpar, cunhada. Só quero que acredite em
mim: não conheci ninguém especial e estou ótima.
— Mas a minha torcida para que você encontre alguém continua firme. Quer
mais vinho?
Wynn olhou para o relógio e levantou-se.
— Não, obrigada. Aliás, já estou de saída. Amanhã é dia de trabalho e você
sabe que eu me levanto com os caminhoneiros...
Daí ela percebeu o quanto seu comentário fora infeliz e não pôde deixar de ficar
vermelha. Vestiu apressadamente o blazer e pegou a bolsa, tentando esconder o rosto.
— Mande um beijo para Greg — disse ela, indo embora. — E mil abraços nos
herdeiros.
— Pode deixar. E volte mais vezes, cunhada querida!
Wynn entrou no Fiat estacionado na frente do prédio e, enquanto dirigia, pensou
na mentira que contara a Dolores. Ela havia conhecido alguém muito especial, sim. E
não sabia como as coisas iriam ser sem ele, dali para frente. Uma chuva fina começou
a cair.

— Não vai ser nada fácil esquecê-lo — disse Wynn baixinho, ao chegar ao
escritório na manhã seguinte. Tirou a capa de chuva, encostou a sombrinha num canto
e foi aí que viu um buquê de rosas vermelhas em cima da mesa. Nenhum cartão à
vista.
— Que tempo horrível, não? — comentou Ruth Riley, entrando na sala com a
correspondência. Apontou para as rosas e continuou: — Elas chegaram quando eu
estava abrindo o escritório e não vi nenhum cartão. Será que foram mandadas por
Howard Bartley?
Wynn balançou a cabeça, evitando olhar nos olhos da secretária.
— Pode ser...
— Vi também os lírios na lata de lixo. Com certeza foram enviados pela mesma
pessoa...
— É, provavelmente. E vieram sem cartão também — mentiu ela.
— Meu Deus, mas que emocionante.
Ruth Riley ficou parada diante dela durante mais algum tempo, louca para
continuar a conversa. Mas Wynn fingiu que estava entretida com a correspondência e a
secretária acabou desistindo.
“Aqui estou eu, enganando outra pessoa que adoro...” pensou ela , vendo Ruth
sair da sala. “Mas não posso nem pensar em lhe contar que quase fui para a cama com
o líder sindical Donato Bellini...”
Conforme o dia ia passando, Wynn encontrava cada vez mais dificuldade para
se concentrar. Howard ligou duas vezes. Na primeira, ela se recusou a atender e disse
a Ruth que estava muito ocupada. Acabou atendendo na segunda, desculpou-se pelo
desencontro da outra noite e recusou um convite para almoçar no dia seguinte.
Estava quase sufocada de tanto trabalho, mas ao meio-dia, em vez de pedir um
sanduíche no escritório, resolveu enfrentar a chuva e foi comer alguma coisa num
restaurante das proximidades.
Sentiu-se um pouco irritada durante a tarde inteira. De uma maneira ou de outra,
esperava que Duke lhe telefonasse.
Ele não telefonou, mas na manhã seguinte Wynn encontrou rosas brancas em
cima da mesa. E na outra manhã, um lindo buquê de flores do campo.
No dia das flores do campo, o telefone tocou. E, para sua grande alegria, não
era Howard Bartley. Era Duke Bellini.
— Como vai, srta. Carson?
Ouvir aquela voz máscula foi o suficiente para que ela se derretesse toda. Não
deixava de ser engraçado ouvir Duke chamá-la de "senhorita", depois de tudo o que
acontecera ...
— Tudo bem — respondeu, tentando parecer natural.
— Estou telefonando para lhe fazer um convite, senhorita. Um convite para a
exposição de arte dos motoristas de caminhão. O vernissage é esta tarde, às três
horas, na Rua Dezesseis. Achei que gostaria de dar uma olhada. Alguns empregados
da Carson estão expondo...
Ele esperou pela resposta e Wynn respirou fundo. Já tinha ouvido falar nas
exposições que os caminhoneiros costumavam fazer anualmente, mas nunca havia
sido convidada para nenhuma delas. E agora, o líder sindical em pessoa ligava,
pedindo que comparecesse. Era evidente que aquilo era uma desculpa para vê-la. E
ela não sabia se ficava eufórica ou aborrecida.
— Srta. Carson? — repetiu ele.
— Eu... bem, quero dizer, será um prazer comparecer ao vernissage, Du..., isto
é, Sr. Bellini. E... obrigada pelos lírios — acrescentou num impulso. — Eram lindos.
— Fico contente que tenha gostado. A que horas pretende vir?
— Lá pelas quatro, eu acho.
— Ótimo. Até lá, então.
Wynn desligou, sentindo-se nas nuvens. Rever Duke seria maravilhoso. Como
havia sentido a falta dele...
Passou o tempo todo olhando para o relógio e, às três e meia, tratou de largar o
trabalho e foi se arrumar diante do espelho do banheiro. Ainda bem que o vestido que
escolhera pela manhã era bonito e sofisticado, bem próprio para uma exposição de
arte. E também deu graças a Deus por seus cabelos estarem em ordem. Então, após
passar um pouco de perfume, pegou a bolsa e apagou as luzes.
— Vou ao dentista — disse ela a Ruth. — E não pretendo voltar mais hoje.
— Dentista? Mas que desagradável... Espero que não doa muito, Wynn.
Ela balançou a cabeça, sorrindo.
— Não vai doer, não. É só uma limpeza. Bom fim de semana, Ruth, e até
segunda. Se quiser, pode ir embora agora.
— Obrigada. Eu vou mesmo. — A secretária parecia muito contente. — Assim,
vou ter um tempinho para fazer umas compras, antes do meu grande encontro.
O grande encontro era seu jantar habitual de sexta-feira com o marido, com
quem era casada há muito tempo.
— Divirta-se, então. Até segunda.
Wynn acenou para ela e deixou o escritório. Estava nervosa como se estivesse
mesmo indo ao dentista.
Resolveu deixar o Fiat estacionado e foi de táxi até a Rua Dezesseis para
ganhar tempo. Sabia que seria muito difícil encontrar algum lugar por ali para deixar o
carro.
Ao sair do táxi, começou a suar frio. Estava ansiosa, sua respiração era irregular
e ela quase se arrependeu de ter vindo. É que seria um vexame horrível começar a
tremer na frente dele...
"Calma, Wynn Carson", ordenou a si mesma.
Respirou fundo e subiu os degraus que levavam à galeria de arte, que nada
mais era do que uma antiga loja de móveis reformada. Conforme foi se aproximando,
ouviu música de gravador e o ruído de vozes e de riso.
O salão estava lotado de caminhoneiros bem vestidos e suas respectivas e
felizes famílias. Havia também dois repórteres com máquinas fotográficas e
equipamentos de televisão num dos cantos.
Nas paredes, via-se uma longa fila de quadros e desenhos, todos eles com
molduras de madeira. E havia também uma seção de esculturas perto da janela. Wynn
deu graças a Deus pelo local ter ar condicionado, porque o calor que sentia, devido a
todo o seu nervosismo, já estava passando da conta.
E foi aí que ela avistou Duke Bellini. Ele estava elegantíssimo, vestido com uma
calça marrom de linho e uma camisa creme com os três primeiros botões abertos, que
revelavam seu tórax bronzeado e másculo. E sorria, mostrando os dentes muito
brancos.
Ele segurava uma escultura nas mãos, aparentemente admirando-a, para a
grande felicidade do homem a seu lado, que devia ser o artista. A peça mostrava uma
mulher curvilínea nua e Duke disse algo em voz baixa para o outro homem. Ambos
riram.
Wynn ficou de longe, observando-o. As mãos dele na escultura fizeram com que
ela se lembrasse das carícias em seu próprio corpo, e aí seu coração disparou de vez.
Foi naquele momento que Duke a viu. O sorriso dele ficou mais largo e seu rosto
mudou. Agora, ele não parecia mais o homem confiante e seguro de minutos antes.
Seu olhar era ansioso como o de uma criança em expectativa, seu sorriso feliz, mas
um pouco hesitante.
— Srta. Carson — disse ele, do outro lado da sala, e caminhou em sua direção.
Ela notou que as cabeças viraram e todos olharam para eles. Wynn sabia que os
contatos sociais entre os empregadores e líderes sindicais eram, no máximo,
distantemente amigáveis. Patrões eram patrões, sindicato era sindicato. As duas partes
não costumavam se misturar.
Tudo isso só serviu para agravar ainda mais o nervosismo de Wynn. Era
impossível ver Duke Bellini e conversar com ele sem ficar vermelha. Não deixava de
ser ridículo uma mulher da idade dela agir como uma adolescente ao se encontrar com
o primeiro amor, mas ela simplesmente não conseguia evitar.
Duke estendeu-lhe a mão, sorrindo. Ela respondeu ao cumprimento e, como
esperava, sentiu o mesmo choque que experimentara na primeira vez que ele a tocara.
— Que bom que está aqui — disse Duke, baixinho.
Ela estava pensando em alguma coisa para dizer, quando foi salva por um
conhecido de Duke, de cara vermelha, que se aproximou e tocou no braço dele.
— Ei, rapaz, como é que foi a sua conferência? Estou louco para saber!
— A conferência foi a mesma... —Duke interrompeu a frase e olhou para Wynn,
que percebeu que ele estava reprimindo um palavrão, exatamente como Mike Carson
fazia em sua presença. Não pôde deixar de sorrir. — Foi a mesma chatice de sempre
— continuou. — Estou contente por estar de volta.
"Então ele esteve viajando", pensou Wynn. "Vai ver que foi por isso que não me
telefonou..."
Aí Duke apresentou o tal homem de cara vermelha a Wynn, que reconheceu seu
nome como sendo o de um importante líder sindical. Ele logo se afastou, deixando os
dois novamente a sós. Então, indiferente à multidão que os observava, Duke olhou
bem fundo nos olhos dela.
— Eu senti a sua falta, Wynn Carson.
— E você me mandou flores — disse ela em voz baixa, incapaz de controlar seu
sorriso trêmulo. — Elas eram lindas.
Estar tão próxima de Duke era perturbador e ela desejou que ambos não
estivessem num lugar público. Com certeza, sua excitação era óbvia para todos que a
observavam. Wynn tinha consciência de que seu rosto estava vermelho como fogo.
Por isso, foi um enorme alívio quando ela ouviu seu nome ser chamado:
— Srta. Wynn!
Virou-se e viu um homem grisalho e sorridente que se aproximava.
— Sam! — exclamou, feliz. — Mas que prazer em vê-lo aqui!
Era Sam Sposato, um dos funcionários mais antigos da companhia.
— Não me diga que você está expondo algum trabalho...
— Estou, sim! — disse o animado Sam. — E fico muito feliz em ver a senhorita
aqui, esta tarde. E você também, Duke. Não esperava que viesse à exposição.
— Ora, Sam, eu estava louco para ver o que vocês fazem nas horas de folga...
tirando a televisão, é claro!
O velho sorriu e estudou Wynn e Duke com cuidado.
— Quem diria! A caçulinha do grande Mike Carson conversando bem juntinho de
Duke Bellini. Nem dá para acreditar!
Ambos se entreolharam. E ninguém abriu a boca. Ela tentou imaginar o que
Duke estaria pensando. Certamente a mesma coisa que a assombrava desde o dia em
que soubera quem era ele: no fato de que ambos estavam em lados opostos e jamais
poderiam se envolver um com o outro. Mas agora já era tarde. Wynn sentia-se cada
vez mais atraída por ele, por ele inteiro, seu rosto e corpo, sua boca e mãos. Até o som
de sua voz fazia com que ela sentisse arrepios de excitação.
Então, para quebrar o silêncio e temendo que o desejo estivesse estampado em
seus olhos, Wynn disse rapidamente:
— Ora, Sam, por que é que estamos aqui de pé? Quero ver os seus quadros! —
E, deliberadamente, acrescentou: — Afinal, é para isso que eu estou aqui!
Ela não olhou diretamente para Duke e não ficou sabendo qual foi sua reação ao
ouvir aquilo. Só escutou o que ele disse, logo depois:
— É por isso também que eu estou aqui.
Os três foram até onde estavam os quadros de Sam Sposato. Em cima das
gravuras, via-se uma placa com o nome da companhia.
Wynn examinou as pinturas a óleo com cuidado e ficou impressionada com a
habilidade do velho italiano. Como é que um homem com as mãos calejadas pelo
trabalho conseguia pintar com tanta sensibilidade? O quadro que ela mais gostou
mostrava uma rosa, uma simples rosa vermelha num vaso branco e azul. Mas nada era
tão simples assim, quando se estudava a pintura com mais cuidado. A rosa tinha um
brilho especial que a fazia parecer um objeto nebuloso e as sombras azuladas da
pintura enfatizavam ainda mais o ar romântico do trabalho.
— É maravilhoso, Sam! — exclamou ela, animada. — Vou ficar com ele. Quanto
é?
Sam hesitou por alguns instantes.
— Bem, para a senhorita, é...
— Negativo. Não tem nada de "para a senhorita". Quero pagar a quantia
estabelecida.
Wynn então deu uma olhada na moldura e viu que o preço estava marcado.
Abriu a bolsa, fez um cheque e o entregou a Sam.
O rosto do velho iluminou-se de alegria.
— Como fico contente que a senhorita tenha gostado...
— Gostado? Eu simplesmente amei o quadro! Posso levá-lo agora mesmo? Mal
posso esperar para colocá-lo em casa. Ou quem sabe no escritório?
Duke sorriu diante da ansiedade de Wynn.
— O que você me diz disso, Rembrandt? Ela pode levar o quadro agora?
— Mas é claro que pode! As câmaras de tevê já passaram por ele, sabe? Deixe-
me desprendê-lo... Aqui está ele, srta. Carson. E muito obrigado.
— Sou eu que devo agradecer, Sam. Seu trabalho é lindo!
Foi só depois que o triunfante Sam se afastou com o cheque na mão que Wynn
notou que o vice-presidente do sindicato, o cara de águia com bico e tudo, Aaron
Weinfeld, e o secretário-tesoureiro, o Papai Noel Bernie Halloran, estavam por perto,
vigiando-a. E ela teve medo de que ambos estivessem desconfiados de alguma coisa.
Então, quando Duke sugeriu:
— Posso ajudá-la a levar o quadro para casa? — Wynn sentiu-se gelar.

CAPÍTULO IV

— Não, obrigada — Wynn acabou dizendo. — O quadro é leve e posso carregá-


lo sozinha.
A resposta foi tão direta que o deixou completamente sem ação.
— Bem, acho que já vou indo — continuou ela. — Está muito tarde e eu...
— Mas você ainda nem viu os outros quadros! — interrompeu-a Duke,
segurando seu braço. — Nem as esculturas! Não pode ir embora agora!
Wynn tentou livrar-se daquele toque.
— Sinto muito, mas preciso realmente ir embora...
Mas Duke era muito persistente.
— Ora, você ainda nem viu os quadros dos outros funcionários da Carson! —
Ele tirou o quadro da mão dela. — Deixe que eu seguro isto para você. Venha comigo,
vamos dar uma olhada nos outros trabalhos.
Wynn percebeu que ambos estavam chamando a atenção das pessoas em volta
e resolveu ceder. Só que estava louca da vida por ser vista ao lado dele. Não havia
uma só pessoa na exposição que não estivesse olhando para eles e aquilo a irritava
profundamente. Mas o pior de tudo era sentir a presença fascinante de Duke a seu
lado, sentir seu perfume natural almiscarado e saber que ele jamais seria seu.
Então, após dar uma rápida olhada nos quadros expostos, virou-se para Duke e
tentou dar um sorriso.
— Eu sinto muito, mas preciso mesmo ir embora. Tenho um jantar hoje à noite
— mentiu.
Duke franziu a testa, mas respondeu calmamente:
— Está certo. Mas posso pelo menos levar o quadro até a sua casa?
Wynn foi firme em sua resposta:
— Não, obrigada. Pode deixar que eu mesma o levo.
— O.K., como quiser. Bem, obrigado por ter vindo, Wynn, quero dizer, srta.
Carson. Até... a próxima reunião.
Ela pegou o quadro das mãos dele antes que mudasse de idéia, acenou para
Sam Sposato e deixou a exposição o mais depressa possível.
Poucos minutos depois, enquanto esperava um táxi na Sétima Avenida, ouviu
um assobio atrás de si. Um táxi estava se aproximando. E, determinada a não deixar
que ninguém o roubasse, Wynn adiantou-se em direção do carro.
O táxi parou perto da calçada e ela ia abrir a porta quando alguém surgiu atrás
dela, pronto para roubar-lhe a condução.
— Ei, esse táxi é meu! — exclamou ela com raiva, virando-se para ver quem era
o intruso.
Era Duke Bellini.
— Eu acho que esse táxi é nosso, Wynn Carson...
— Ei, vocês dois — gritou o motorista de dentro do carro. As buzinas soavam
altas atrás dele. — Querem fazer o favor de decidir logo? Estamos atrapalhando o
trânsito.
Duke quase empurrou Wynn para dentro, entrou também e fechou a porta,
dando ao motorista o endereço dela.
O carro deslizou pela avenida e Wynn procurou se ajeitar no banco.
— Não é justo — murmurou. — Você entrou no meu táxi sem permissão.
— Seu táxi? Ora, srta. Carson, não sabia que, além da frota de caminhões,
também possuía uma frota de táxis... Mas que interessante! Preciso organizar um
sindicato de motoristas de praça! — E sorriu ironicamente.
— Maldição! Você adora brincar, não é, Duke Bellini?
— Não quis irritar você, acredite...
— Pois irritou!
O táxi continuou seu caminho. Só que o motorista não devia estar nos seus
melhores dias, uma vez que passou dois sinais vermelhos e quase atropelou um
homem que passeava com seu cachorrinho. Wynn prendeu a respiração diante de tais
barbeiragens e achou melhor parar de discutir com Duke e segurar-se firme no banco.
No que pareceu uma simples questão de segundos, o táxi parou diante da casa dela.
— É aqui? — grunhiu o motorista.
— É — responderam os dois em coro. Duke pagou a corrida e ambos deixaram
o carro.
Na calçada, ela disse, apenas:
— Obrigada. Até logo, Duke.
— Gostaria de acompanhá-la até a porta e...
— Não precisa.
— Mas eu faço questão...
— Já disse que não precisa!
"Acho que vou gritar", pensou ela. Era insuportavelmente irritante, uma
verdadeira loucura, sentir tanta atração por um homem proibido que não podia ser seu.
Deus do céu, ela tinha que admitir que ele estava mais bonito do que nunca...
— Já disse — repetiu Wynn, quase em desespero. — Tenho um jantar e preciso
me vestir.
— Cancele o jantar — disse ele, calmamente. — Por favor, Wynn...
— Não posso fazer isso. Ou melhor, não quero. Agora, se me dá licença...
E caminhou decidida até a porta.
— Espere!
Ele correu atrás dela.
— Preciso conversar com você, Wynn. Não vê que é muito importante para
mim? Se quiser, nem preciso entrar. Posso falar aqui fora mesmo. Mas, por favor, me
dê essa chance.
Ela estava encurralada. Sua vontade era de largar o quadro e abraçar Duke,
convidá-lo para entrar e, assim que a porta se fechasse, implorar para que ele fizesse
amor com ela. Mas Wynn sabia muito bem que envolver-se com aquele homem seria
sua ruína.
— Por favor — Duke voltou a pedir. — Não vou tomar o seu tempo, eu
prometo...
Ela deu um suspiro alto.
— Tudo bem, então. Vamos entrar um pouco, já que essa é a única maneira de
eu me livrar de você.
Minutos depois, já dentro da sala de estar, Wynn encostou o quadro numa
cadeira e olhou para Duke.
— Muito bem, estamos aqui, Sr. Bellini. Incomoda-se de dizer logo o que quer?
— De maneira alguma, senhorita. Vou direto ao ponto. O que eu quero agora é
isso...
Então, Duke a enlaçou com seus braços enormes e forçou seus lábios contra os
dela. Wynn tentou resistir, mas em poucos segundos toda a sua resistência caiu por
terra. Seu corpo estava colado no dele e ela sentiu-se em fogo. Naquele momento, a
sensatez desaparecera de sua mente; tudo o que importava era ficar, ali, sentindo
aquele corpo másculo contra o seu.
Wynn perdeu a noção do tempo. A língua de Duke invadia sua boca,
provocando-lhe arrepios de prazer, deixando-a trêmula. E ela o deixava ainda mais
excitado, com suas carícias na nuca e nas costas. Ambos estavam tão colados um ao
outro que Wynn pôde sentir a dureza masculina de Duke contra seu corpo.
De súbito, ele parou de beijá-la. Estava ofegante, o calor de sua respiração
refletindo-se na boca e no cabelo dela. E murmurou numa voz rouca:
— Wynn, minha Wynn, me deixe ficar, me deixe ficar... Pelo menos converse
comigo... — Seu olhar era doce e ele continuava a implorar. — Converse comigo, por
favor...
Tudo aquilo mais parecia um sonho. As coisas saíam dos eixos cada vez que
Duke Bellini a tocava, mas agora que ela conseguia raciocinar um pouco seus
pensamentos começavam a ficar mais. claros. Ele tinha razão. Precisavam conversar.
Não que isso fosse adiantar muito, uma vez que as barreiras entre eles eram mesmo
intransponíveis. Mas pelo menos teriam chance de discutir a delicada situação em que
se encontravam.
— Venha — disse ele, pegando sua mão e levando-a para o sofá.
Wynn fez questão de se sentar um pouco afastada dele. Se Duke tocasse seu
corpo de novo, não teria condições de raciocinar por nem mais um minuto sequer.
Ele não a tocou. Limitou-se a tirar um cigarro do maço e a perguntar se o fumo a
incomodava.
— É claro que não — murmurou ela.
Duke pegou o isqueiro de cima da mesa, acendeu tranqüilamente o cigarro e
Wynn não pôde deixar de admirar a calma e o admirável controle que aquele gigante
maravilhoso tinha sobre seus próprios sentimentos.
— O que aconteceu na exposição, Wynn? — A voz dele mostrava-se calma e
pausada. — Você me pareceu tão feliz quando chegou à galeria... E depois, ficou fria e
distante...
— Não aconteceu nada na exposição, acredite... — Wynn tremia enquanto
falava. — O que acontece é que a nossa situação é muito difícil e não vejo solução
para ela...
Duke deixou o cigarro no cinzeiro e tomou-lhe a mão.
— Pois eu vejo solução, sim, minha querida.
Ela esquivou-se daquele contato e notou o ar desapontado no rosto dele.
Mesmo a distância, Duke Bellini tinha o dom de confundi-la. Wynn já estava achando
difícil coordenar os pensamentos e respirou fundo para se acalmar.
— Não, Duke, você está errado... Como pode haver uma chance entre nós, se
estamos destinados a lutar em campos opostos durante o tempo todo?
— É você que está errada, querida. Não se esqueça de que existe algo, muito
forte entre nós... e isso é mais importante do que tudo. Ah, Wynn, eu fico
completamente louco quando olho para você!
Ele se aproximou e tentou lhe beijar a boca. Mas ela recusou.
— Pare com isso! — Sua voz estava tensa, pois Wynn sentia vontade de chorar.
— Não vê que qualquer relacionamento entre nós nunca vai dar certo? Pense um
pouco, Duke. Ninguém, nem do meu lado, nem do seu, jamais vai nos deixar em paz.
O que é que pode existir entre nós, a não ser problemas?
Duke se aproximou para beijá-la.
— O que pode existir entre nós é isso, Wynn querida...
Ela se levantou rapidamente, evitando-o.
— Não torne as coisas mais difíceis ainda, por favor! Não vê que o nosso caso é
mesmo impossível?
Ele também se levantou.
— Se você pensa que eu vou desistir assim tão facilmente, está redondamente
enganada, garota. Agora, que tal jantar comigo?
— Eu já disse que tenho um compromisso para hoje à noite.
Wynn quase que se arrependeu pela mentira. Na verdade, o que mais desejava
na vida era ficar ao lado dele naquela noite, levá-lo para a cama e fazer amor até ficar
exausta. Mas isso tudo só serviria para piorar as coisas ainda mais.
— Você não pode desmarcar o seu compromisso, Wynn?
Ela balançou a cabeça.
— Não, Duke. Não posso fazer isso.
— Tudo bem, tudo bem. — Ele deixou escapar um suspiro. — Mas diga ao
homem com quem você vai sair que hoje é a última vez.
E, dizendo isso, beijou-a de leve no rosto e caminhou em direção à porta. Wynn
deixou-se cair no sofá, perdida em pensamentos.

Na segunda-feira, ao chegar ao escritório às oito horas da manhã, Ruth Wiley


encontrou Wynn trabalhando em sua sala.
— Ora, ora, caiu da cama? — perguntou a sorridente secretária.
Não, ela não havia caído da cama coisa nenhuma. Aliás, não tinha conseguido
pregar o olho durante as noites do fim de semana todo. Era só tentar dormir que a
figura de Donato Bellini aparecia em sua mente, espantando seu sono e deixando-a
angustiada.
— Bom dia, Ruth. Como foi o seu fim de semana?
— Ah, foi ótimo! O jantar de sexta-feira com meu marido estava divino. Depois,
nós dois fomos...
A secretária interrompeu seu relato ao ver o quadro de Sam Sposato num canto
da sala. É que Wynn decidira que o escritório era o lugar mais apropriado para ele.
— Mas que beleza de pintura, Wynn. O quadro é lindo!
— Você gostou? Então leve-o para a sua sala.
— Ah, não, eu não posso tirá-lo de você... — O tom culpado da voz de Ruth não
conseguiu esconder sua ansiedade em ter o quadro.
— Eu insisto. E quer saber de uma coisa? Você até vai me fazer um favor. Se o
levar, Tony vai furar a sua parede, em vez da minha...
— Então eu aceito. Muito obrigada!
Ruth levou triunfante a pintura para a sua sala e Wynn deu graças, a Deus por
ela não ter perguntado sobre o artista. Mais cedo ou mais tarde, a secretária notaria o
nome Sposato assinado e com certeza faria perguntas. Mas, agora, a última coisa que
ela queria era falar sobre a exposição de sexta-feira.
Pouco depois, Ruth voltou com a correspondência. Wynn fez força para se
concentrar no trabalho e, usando de toda a sua autodeterminação para vencer o sono,
começou a ditar algumas respostas.
Seu humor só piorou no momento em que Jonathan Court, o tesoureiro da
companhia, abriu a porta da sala e pôs a cabeça para dentro.
— Será que você tem um minutinho para falar comigo, Wynn?
Era sempre assim. Ele chegava, não dava nem bom-dia e ia direto ao assunto.
— Sente-se, Jonathan. Só vou acabar de ditar uma carta a Ruth e já falo com
você.
Aí ele foi obrigado a cumprimentar a secretária e ficou ali de pé, impaciente e
nervoso por estar sendo deixado de lado.
"Esse Tio Patinhas que espere", pensou Wynn, enquanto continuava a ditar a
carta para Ruth.
Dez minutos depois, a secretária saiu da sala, deixando sua chefe desolada na
companhia de Court.
— Sente-se — disse ela. — Agora, podemos conversar e...
— Não quero me sentar, Wynn. Só vim até aqui para lhe mostrar isto. — E jogou
uma pasta em cima de sua mesa. — São as exigências dos líderes sindicais. Todas
elas ridículas!
Desde o princípio, o relacionamento entre Wynn e o tesoureiro fora muito difícil.
Jonathan Court nunca escondera a insatisfação por tê-la na direção da Carson e ela
não tolerava sua prepotência e sovinice. Jonathan agia como se a empresa e o
dinheiro fossem dele.
— Esses líderes sindicais devem estar pensando que somos uma instituição de
caridade! — continuou o Tio Patinhas. — Eles querem nos levar à falência!
Wynn deu um suspiro desanimado.
— Deixe-me estudar esses papéis com calma, Jonathan. Quando terminar,
chamo você.
Court não ligava a mínima para o aumento do custo de vida e tinha uma enorme
desconsideração pelos fatores humanos envolvidos nas negociações com o sindicato.
Ele só parecia viver para os números. Não era de se admirar que a pobre senhora
Court estivesse se entregando cada vez mais às bebidas...
— Vou dar uma olhada nisso — repetiu ela.
— Ótimo. Quanto mais rápido estudar os papéis, melhor. Não se esqueça de
que temos que apresentar uma contra-proposta em três dias.
— Está certo, Jonathan. Agora, se você me dá licença, tenho uma reunião com
os advogados daqui a pouco.
Court balançou a cabeça, foi andando em direção da porta e, antes de deixar a
sala, voltou para perto da mesa dela.
— Olhe, Wynn, eu estou com uma coisa entalada na garganta e tenho que
colocar para fora. Não posso esconder mais a minha desaprovação pelo modo com
que você vem negociando com o sindicato. Por favor, não estou querendo dizer que
não tem capacidade para lidar com isso... Mas é que você é inexperiente e está
mostrando uma generosidade que não é muito funcional. Além disso, eu acho que...
Wynn levantou-se abruptamente.
— Agora já basta, Jonathan. Sei o que estou fazendo. E, se me dá licença,
tenho um compromisso agora.
Court virou as costas e deixou a sala sem dizer uma só palavra. Wynn se
afundou na poltrona, murmurando:
— Mas que droga!
Minutos depois, a voz de Ruth soou no interfone:
— Parece que você não vai ter sossego hoje, querida. O muito distinto Howard
Bartley está na linha B.
"Era só o que faltava", pensou.
— Vou atender — disse finalmente com resignação.
O tom de voz de Howard fez com que ela ficasse mais irritada ainda.
— Wynn, minha querida menina... — Ele mais parecia um canastrão, com seu
jeito exagerado e artificial. Deveria largar seu emprego de advogado e entrar num
programa de calouros para tentar a sorte como ator. Além do mais, era um dos homens
mais esnobes da cidade. — Tenho a impressão de que você está me evitando, garota
bonita.
— Não estou evitando você, não, Howard. É que ando tão ocupada...
— Ocupada com os membros do sindicato, não é? Imagino que eles estejam lhe
dando muito trabalho mesmo...
Discutir aquilo era a última coisa que Wynn tinha em mente.
— Olhe — disse ela, cortando a conversa. — Preciso desligar agora, porque
tenho uma reunião dentro de cinco minutos.
— Ainda não, minha cruel senhorita, ma belle dame sans merci. — O francês
perfeito de Howard Bartley chegou a doer no ouvido de Wynn. O esnobismo dele era
cada vez mais insuportável. — Ainda não desligue, querida. Quero convidá-la para
almoçar. Afinal, você deve estar enjoada de comer tanta pizza, não é?
Wynn não entendeu muito bem o que ele queria dizer com aquilo, mas não
perguntou para não alongar a conversa ainda mais.
— Por favor, aceite o meu convite, querida...
Ela sabia que ele não iria desistir enquanto não conseguisse levá-la para
almoçar, e acabou aceitando para se livrar da obrigação.
— Tudo bem, vamos lá — murmurou, com desânimo.
— Maravilhoso! Escolha o lugar e eu faço a reserva. Sentindo-se desanimada e
contrariada, Wynn acabou escolhendo um restaurante italiano recém-inaugurado, perto
do escritório.
Howard não pareceu muito satisfeito com a opção, mas engoliu a proposta.
— A que horas podemos nos encontrar? — perguntou ele.
— À uma e meia. Agora preciso desligar.
Ela colocou o fone no aparelho, bufando de raiva. Almoçar com Howard Bartley
não era exatamente o melhor programa do mundo...
Após a reunião com os advogados, Wynn pegou a bolsa e foi a pé para o
restaurante combinado. Howard a esperava no bar e, ao vê-la, seu rosto se iluminou.
Wynn tinha que admitir que ele era um homem muito atraente... de boca fechada.
Porque, quando começava a falar, conseguia ficar intragável.
Ao entrar ali, Wynn percebeu o que a fizera escolher o tal restaurante: fora uma
pequena vingança contra Howard, já que ele não gostava muito de comida italiana.
Mas havia algo mais, ela bem sabia. De uma forma ou de outra, aquele lugar lhe
lembrava o Fedora's.
— Você está maravilhosa — disse ele, beijando-a no rosto. — Um colírio para
olhos cansados.
Ela deu um sorriso meio sem graça e um garçom os levou até a mesa
reservada. Wynn deu graças a Deus por estar usando uma jaqueta por cima da roupa,
porque a temperatura caíra e ainda por cima o ar-condicionado estava ligado. Mas,
mesmo assim, ela se perguntou se o frio que sentia vinha mesmo da queda do
termômetro. Tinha uma ligeira desconfiança de que era a companhia de Howard que a
fazia se sentir assim.
O garçom anotou os pedidos e, ao ficarem a sós, ele tomou sua mão e levou-a
aos lábios.
— Wynn, minha Wynn... Sinto você tão distante... Será que alguém está
tomando o meu lugar?
Pobre Howard! Ele não tinha lugar nenhum para ser tomado... Ela forçou um
sorriso.
— Já disse que tenho andado muito ocupada.
— Com as negociações com os líderes do sindicato, não é? Mas não se
preocupe. Aumente o salário dos seus empregados ao nível da inflação e tudo estará
bem... Sei que é isso que eles estão querendo.
E subitamente Howard sentiu vontade de morder a língua por ter falado demais.
— Ei, como é que você sabe disso? — Wynn começou a ficar desconfiada de
alguma coisa. Aquilo, juntamente com o comentário prévio a respeito da pizza, lhe dizia
que Howard estava sabendo de seu envolvimento com Duke Bellini. E isso a
desagradava profundamente. — Fale! Como é que você está a par das exigências do
sindicato?
Howard ficou insatisfeito com sua própria indiscrição.
— Jonathan Court me contou — acabou confirmando.
— Court lhe contou isso? Mas a troco de quê?
— Bem... Jonathan é primo de minha mãe, você não sabia? Ele foi jantar em
casa outro dia e o assunto veio à tona...
— Não, eu não sabia que vocês eram parentes. Mas que interessante... —
Wynn não pôde esconder a ironia em sua voz. — Então, quer dizer que você tem um
espião dentro do meu escritório...
Howard olhou para baixo e não respondeu.
— E, já que estamos abrindo o jogo — continuou ela —, posso saber o que você
quis dizer a respeito da pizza?
Ele sorriu, mas não foi um sorriso agradável. Foi um sorriso cheio de sarcasmo.
— É que eu... bem, é que eu vi você outro dia entrando na sua casa com aquele
tal de Donato Bellini. E, pelo que deu para perceber, ele ficou ali dentro durante um
bom tempo... Naturalmente, eu imagino que, depois disso, o seu prato preferido tenha
passado a ser pizza, não é? Então, decidi convidá-la para comer algo mais decente,
para variar um pouco. Só que, infelizmente, você escolheu um restaurante italiano...
Howard tinha levantado a voz e os ocupantes da mesa ao lado ouviram a
conversa. Pelo jeito como olharam feio para ele, deviam ser italianos e amantes de
pizza.
Wynn não estava disposta a ficar ali, ouvindo desaforos. Levantou-se de súbito e
pegou sua bolsa.
— Você vai me desculpar, Howard, mas é que eu tenho um compromisso agora
do qual tinha me esquecido completamente. Preciso ir embora. Sinto muito.
Ele se levantou de boca aberta, mas, antes que pudesse impedi-la, Wynn já
estava na porta.
Aliviada, ela respirou o ar úmido do começo da tarde e foi andando alegremente
em direção ao escritório.
Ruth não podia ter ficado mais surpresa quando viu Wynn entrar na sala assim
tão cedo e pedir um sanduíche.
— Sanduíche? Será que desta vez o nobre Howard Bartley deu uma de pão-
duro e não lhe pagou um almoço decente?
Wynn limitou-se a sorrir e não respondeu. O sanduíche lhe foi entregue e, após
devorá-lo, voltou ao trabalho com força total. "Adeus, Howard Bartley", pensou. Pelo
menos, estava livre dele. Quisesse Deus que para sempre.
A tarde passou depressa e, quando Wynn percebeu, já eram quatro horas.
Sentia-se cansada. Levantou-se para relaxar os músculos doloridos do pescoço e ficou
olhando a paisagem da janela. As árvores do parque City Hall estavam carregadas de
folhas novas e a grama verde era um descanso para os olhos. Mas, mesmo
contemplando tanta beleza, Wynn sentiu-se triste e solitária.
Pouco depois, Ruth lhe informava que o Sr. Donato Bellini estava na linha A. Ela
atendeu o telefone imediatamente.
— Meu fim de semana foi horrível sem você, Wynn...
Aquela voz rouca e gentil era tudo o que ela precisava para começar a tremer da
cabeça aos pés. Sentiu-se derreter inteira e teve vontade de gritar bem alto que o
amava.
— Wynn? Você ainda está aí?
— Estou — respondeu suavemente.
— Meu Deus, como eu senti a sua falta, querida... Olhe, preciso conversar com
você. Será que podemos jantar hoje? Por favor, Wynn...
E, vendo que ela hesitava, ele insistiu:
— Por favor...
Não havia como negar. Wynn estava morrendo de vontade de vê-lo e uma
recusa só iria servir para deixá-la ainda mais abatida.
— Tudo bem, vamos jantar juntos, Duke.
— Ótimo. Conheço um restaurante magnífico na Desbrosses Street e sei que
você vai gostar.
— Desbrosses Street? Não sei onde fica.
Ele começou a rir.
— É, você não deve conhecer mesmo. É uma rua cheia de fábricas e depósitos
e, bem no meio dela, existe esse restaurante fora de série. A que horas posso passar
para apanhá-la?
Wynn deu uma olhada em sua roupa e ficou contente por estar bem vestida.
Não havia necessidade de ir para a sua casa se trocar.
— Você pode passar para me pegar aqui no escritório mesmo, Duke. Lá pelas
sete, mais ou menos.
— Ótimo. Eu a apanho então a essa hora. Você me espera em baixo e eu
buzino, está bem? Ah, estarei com um Porsche vermelho.
"Um Porsche", pensou ela. Então fora por isso que ele consertara o Fiat com
tanta facilidade.
— Estarei esperando você, Duke.
— Arrivederci, querida.
Quando Ruth deixou o escritório, Wynn abriu uma gaveta e tirou um estojo de
maquiagem que guardava para emergências como aquela. Pintou-se com muito
cuidado, penteou os cabelos e quase derramou um vidro de perfume no corpo. Queria
que aquela noite fosse muito especial. E seria, ela tinha certeza.
CAPÍTULO V

Wynn desceu às sete horas em ponto, após ter retocado a maquiagem uma
infinidade de vezes. Assim que chegou à calçada, avistou o Porsche vermelho.
Duke encostou no meio-fio e abriu a porta para que ela entrasse. O trânsito
estava parado, de modo que ele pôde dar uma boa olhada nela por um longo
momento. Seu olhar escuro percorreu os cabelos e o rosto de Wynn, desceu para seus
seios, cintura, quadris e pernas.
— Você está tão linda... — murmurou. Subitamente, era como se eles
estivessem sozinhos ali, num mundo que não abrigasse mais ninguém, a não ser os
dois. Wynn nunca havia se sentido assim antes. A emoção de estar perto dele era tanta
que não conseguia encontrar nada para dizer. Duke estendeu a mão e tocou seus
cabelos.
— Tão linda... — repetiu, as palavras desaparecendo no ruído do tráfego que
entrava pela janela aberta.
O Porsche começou a andar e foi com muita admiração que Wynn observou a
segurança com que Duke dirigia. Embora ele mantivesse os olhos atentos ao trânsito,
ela podia jurar que uma parte da atenção dele não a deixava nem por um momento
sequer.
O carro entrou numa área de fábricas e depósitos enormes de aparência
assustadora, rodeados por estacionamentos repletos de caminhões que se
assemelhavam a animais gigantescos. E foi com surpresa que Wynn ouviu música ao
longe e avistou, à sua direita, uma casa iluminada que jamais deveria estar ali. A magia
aumentou ainda mais. Aquilo tudo mais parecia um conto de fadas. Ali, em meio a
depósitos monstruosos, havia uma casinha branca, com palmeiras altas e uma fonte na
entrada.
Duke parou o carro e olhou para ela, sorrindo.
— Ecco — disse ele. — Chegamos ao Bravura's.
— Este lugar está me parecendo a obra de um mágico! — disse ela, sorrindo.
A impressão de magia ficou maior ainda no momento em que um homem de
rosto redondo, vestido com um uniforme vermelho de botões dourados, abriu a porta do
carro e estendeu a mão para ajudar Wynn a descer, como se ela fosse um tesouro
frágil que exigia o máximo cuidado.
Duke também desceu e um manobrista tratou de estacionar o carro. A porta do
restaurante foi aberta por um outro homem que mais parecia um gênio das mil e uma
noites, que se curvou respeitosamente quando eles entraram.
— Buona sera, signorina. Signor Bellini.
O tal gênio sorriu discretamente para Duke e, naquele momento, Wynn sentiu
que eles já não eram somente um homem e uma mulher, mas sim uma princesa e seu
príncipe.
Nada do que se seguiu desfez essa impressão. Um garçom os conduziu através
de mesas espaçosas onde brilhavam cristais, pratarias e porcelanas e eles subiram
uma escada com carpete vermelho e corrimão dourado. A música que Wynn ouvira ao
longe podia ser facilmente reconhecida agora: eram os violinos tristes da Mattinata.
No andar de cima, eles foram entregues aos cuidados de outro garçom
sorridente, muito jovem e simpático. Sentaram-se a uma mesa afastada e, novamente,
Wynn sentiu que ela e Duke estavam separados do mundo.
— Meu Deus, Wynn —- murmurou ele, tomando suas mãos. — Eu tinha tantas
coisas para lhe falar... Só que agora, vendo você tão bonita, esqueço de tudo e fico
inseguro.
Ela sorriu satisfeita-
— Nunca pensei que o líder sindical Donato Bellini pudesse se sentir inseguro...
Você parece sempre ser um homem tão forte!
— É que as coisas mudam de figura quando eu estou perto de você, Wynn.
Sabe de uma coisa? Quando a vi pela primeira vez, no B.C, senti que algo mudava
dentro de mim. Mas mais tarde, no Fedora's, quando soube o seu nome, percebi que
as coisas não seriam nada fáceis entre nós.
— E não são mesmo, Duke.
— Sei disso. Mas não consigo ficar longe de você. Já tentei lutar contra isso, só
que o simples pensamento de me afastar já me deixa louco.
Wynn olhou para ele timidamente.
— Acontece o mesmo comigo, sabia?
Os olhos dele ficaram mais brilhantes do que as velas acesas sobre a mesa.
— Vamos embora daqui — murmurou, tomando sua mão.
Ela se levantou rapidamente e sorriu.
— Esta é a segunda vez que nós não jantamos juntos.
— Cancele os nossos drinques — disse Duke ao surpreso garçom.
E então, tudo estava acontecendo de novo com incrível rapidez: antes que Wynn
se desse conta, eles já estavam no andar de baixo se despedindo dos donos do
restaurante e em questão de minutos entravam no Porsche vermelho.
Mas Duke não deu a partida no carro. Ele já não agüentava mais esperar. E,
num gesto arrebatador, abraçou Wynn e a beijou ali dentro mesmo. Depois, sua boca
desceu para a garganta e ombros dela, enquanto suas mãos fortes procuravam-lhe os
seios por baixo do vestido. Gemendo de prazer, Wynn acariciou seu tórax viril, sempre
descendo, até encontrar o membro firme e pulsante embaixo das calças dele.
Nesse momento, um carro passou por eles e ambos resolveram se controlar um
pouco.
— Acho que este não é o lugar mais apropriado, não é? — murmurou Duke,
baixinho. — Vamos para a sua casa.
Wynn respirou fundo para se conter e sentou-se direito no banco. Ele deu a
partida e o carro deslizou pelas ruas semidesertas daquele bairro.
— Venha cá — ordenou Duke com carinho, e ela, obedientemente aproximou-se
e deitou a cabeça em seu ombro.
O trânsito estava intenso na Sexta Avenida e Duke teve que diminuir a marcha.
Uma de suas mãos se mantinha firme no volante, enquanto a outra acariciava
ternamente o corpo de Wynn. Ela ficou ali, pertinho dele, de olhos fechados, curtindo
aquele momento delicioso e desejando ficar ao lado dele para sempre.
Finalmente, o Porsche parou diante da casa dela. Como se não pudessem mais
se controlar, eles desceram depressa, Wynn pegou a chave com mãos nervosas e
ambos entraram.
— Venha, minha querida — murmurou ele com suavidade, levando-a para o
sofá.
Ela estava trêmula de expectativa e de desejo. Sentou-se ali e ficou vendo Duke
tirar a jaqueta e jogá-la em cima da poltrona.
— Você quer ouvir música? — Wynn perguntou, tentando manter a voz firme.
— Nós não precisamos de música — disse ele, ajoelhando-se na frente dela e
encostando a cabeça em suas coxas. — Isto aqui já é música suficiente para nós.
Então Duke começou a massagear suas pernas, a mão dele subindo por baixo
do vestido, encontrando e acariciando suas coxas, até que Wynn gritasse de prazer.
— Relaxe, baby — murmurou ele. — Relaxe agora porque vou amá-la de uma
maneira que você nunca mais vai esquecer...
Duke desabotoou lentamente seu vestido, tirou-lhe o sutiã e mordiscou os
mamilos duros de Wynn. Sempre descendo, acariciou seu ventre e praticamente
arrancou-lhe a calcinha. Ela ficou inteiramente nua na frente dele, mas não se sentiu
constrangida, como às vezes acontecia quando estava com Don. Perto de Duke, ficava
incrivelmente à vontade.
Então, de repente, ele enterrou a língua na floresta úmida entre suas coxas. O
corpo de Wynn tremeu todo, como se tivesse levado um choque. Gemendo de prazer,
ela estava perdida para todas as outras coisas da vida. Não havia nada, nada nesse
mundo a não ser a sensação da boca do homem amado no centro máximo de seu
prazer.
Lentamente, Duke se afastou dela e livrou-se de suas próprias roupas. Seu
membro estava duro como uma pedra. Então, deitou-se sobre ela, sempre beijando-lhe
a boca, as orelhas e o pescoço, e penetrou-a lentamente, até que estivesse todo dentro
dela. Começaram a se mover devagar, depois o ritmo aumentou, o mundo começou a
girar em volta deles, até que houve uma explosão maravilhosa de indescritível gozo.
Duke saiu de cima dela e, sentando-se a seu lado, passou-lhe o braço pelo
ombro.
— Foi a coisa mais maravilhosa que já me aconteceu — murmurou. — Você
parece uma fada, Wynn querida...
Ela estava num êxtase tão grande que mal conseguia falar. E enquanto
observava-o acender um cigarro, ficou ali, encostada nele, tendo a certeza de que
encontrara o homem de sua vida.
Mas Duke ainda não estava satisfeito. O cigarro foi logo apagado no cinzeiro e
ele debruçou-se de novo sobre ela, beijando-lhe a boca e o pescoço. Só que, dessa
vez, foi Wynn que subiu em cima dele e sentiu seu membro rígido penetrando suas
entranhas. E, mais uma vez, eles se amaram em total abandono, acariciando-se
mutuamente até gritarem de prazer.
Wynn então saiu de cima de Duke e eles ficaram abraçados por um longo
tempo, curtindo a companhia um do outro, até que o cansaço tomou conta de ambos e
resolveram dormir um pouco na cama de Wynn.
Ela não ficou sabendo quanto tempo dormiu. Quando abriu os olhos, ainda
estava escuro e Duke a olhava com um sorriso malicioso nos lábios. No ar, sentia-se o
cheiro de um cigarro recém-apagado.
— Você parece um príncipe romano — murmurou Wynn, sonolenta.
Ele deu um sorriso de pura satisfação. Debruçando-se sobre ela, beijou a ponta
de seu nariz e tirou-lhe os cabelos do rosto.
— Dormiu bem, querida?
— Maravilhosamente bem.
Então ela sorriu e beijou-lhe o canto da boca.
— Você está com fome, Duke? Nós até nos esquecemos do jantar...
— Humm... Até que comer alguma coisa agora não é má idéia.
— Pode deixar comigo que eu preparo um banquete.
Wynn se levantou da cama e foi até o armário buscar um robe. Duke a
acompanhou com os olhos, admirando seu belo corpo nu de cima a baixo.
— Vou tomar um banho rápido — disse ela. — Assim que terminar, preparo o
nosso banquete.
— Tome o seu banho com calma, querida. Eu já tomei o meu enquanto você
estava dormindo e posso bancar o cozinheiro. Tenho duas especialidades: hambúrguer
e ovos com bacon. O que você prefere?
— Humm... ovos com bacon parece maravilhoso. Não precisa preparar café,
porque já tem feito. — Wynn se aproximou dele e beijou seu peito nu.
— Tinha café pronto — disse ele, sorrindo. — Já tomei todo ele. Pode deixar
que eu faço outro.
— Você é um homem muito útil... de várias maneiras, meu querido.
Ele acariciou suas costas.
— Acho melhor você tomar o seu banho, antes que eu mude de idéia...
Quinze minutos depois, ao entrar na cozinha, Wynn sentiu o aroma delicioso de
café fresco e bacon frito.
— Mas que delícia! — disse ela, sentando-se à mesa e vendo que ele usava as
mesmas roupas com que saíra. — É só uma pena que eu não tenha nenhum robe
masculino para lhe emprestar.
— É bom que não tenha mesmo... Porque, se tivesse, eu iria morrer de ciúmes!
Enquanto comiam, Duke contou-lhe como era seu apartamento. Ele morava num
conjunto moderno de prédios entre as Décima Sexta e Sexta Avenidas, lugar por onde
Wynn sempre passava quando ia à cidade fazer compras. Enquanto falava, ela se
lembrou de que a sede do sindicato ficava ali na frente... e isso lhe trouxe lembranças
desagradáveis. Muito breve, ambos teriam que se enfrentar profissionalmente, num
jogo de interesses que prometia ser muito perigoso.
Wynn balançou a cabeça, tentando se esquecer daquilo. Deixaria para se
preocupar com isso quando chegasse a hora. Não agora. Aquela noite era mágica e
nada poderia estragá-la.
Após terminarem de comer, eles voltaram para a cama e ficaram ali abraçados,
ouvindo música e conversando um pouco, até que o sono os venceu. Ao fechar os
olhos, aninhada nos braços fortes de Duke, Wynn percebeu que nunca, em toda sua
vida, fora tão feliz.

Mesmo à luz da manhã, a magia continuava. Vestiram-se, tomaram café juntos


e, antes de irem embora, Duke tomou-a nos braços e deu-lhe um longo beijo.
— Como você é bonita, Wynn — murmurou. — Está até mais bonita do que
antes, como se isso fosse possível.
— É que hoje eu sou uma pessoa diferente, Duke.
O dia estava ensolarado quando eles deixaram a casa de Wynn e entraram no
Porsche estacionado junto à calçada.
— Chegue mais perto — ordenou Duke, enquanto dava a partida no carro. Ela
obedeceu e encostou a cabeça no ombro dele.
— Vamos jantar juntos hoje à noite? — sugeriu Duke. Eles estavam se
aproximando do centro da cidade e a velocidade do carro foi diminuída.
— Vamos, querido.
— E todas as outras noites, se você quiser.
Ela sorriu e beijou-lhe o ombro.
— Eu quero.
— Wynn, minha doce Wynn...
O trânsito estava parado e ele tirou as mãos do volante para abraçá-la e beijá-la
ali mesmo, no meio da rua. Um motorista cujo caminhão estava estacionado ao lado do
Porsche pôs a cabeça para fora e gritou:
— Bravo! Bravíssimo!
Wynn ficou vermelha na hora, mas Duke riu e respondeu, levantando o polegar:
— Grazie!
Ela se sentiu feliz como se estivesse em lua-de-mel. Lua-de-mel... A palavra
ecoou em sua mente. "Como Duke é maravilhoso", pensou. "E como eu gostaria de
ficar ao lado dele para sempre..."
Ele estava olhando para a frente, atento ao trânsito, e ela aproveitou para
estudar seu perfil. Duke Bellini era um homem de verdade. Um homem que sabia muito
bem que queria. E que, dali a alguns dias, seria seu principal opositor nas negociações
com o sindicato. E toda a mágica que existia entre eles não faria a mínima diferença,
não evitaria que ele lutasse para atingir seus objetivos.
— Um centavo pelos seus pensamentos — disse ele, sorrindo.
— Não estava pensando em nada importante, Duke...
Wynn não podia dizer que estava preocupada com a reunião que teriam dentro
de alguns dias, quando ambos se tornariam pessoas completamente diferentes. Ele
tinha seus interesses, sua gente para proteger. E ela precisava manter a todo custo a
companhia que seu pai construíra com tanto sacrifício. Mas não era hora de pensar
naquilo.
Duke parou num sinal vermelho e ela começou a observar os pedestres
atravessarem a rua. Um deles lhe chamou a atenção: era um homem loiro, impecável
em seu terno cinza. De repente, olhando para dentro do carro, ele focalizou
diretamente o rosto de Wynn: Howard Bartley.
Ela reprimiu um grito. Howard estava atravessando a rua, mas virou-se e olhou
para dentro do carro uma vez mais, com um sorriso sarcástico nos lábios.
"Meu Deus", pensou ela. "Isso era só o que faltava... O primo do espião do
escritório me vendo com Duke Bellini no carro dele, a esta hora da manhã..."
Olhou para Duke. Aparentemente, ele não percebera o incidente. Havia um
sorriso feliz em seus lábios e tudo parecia bem.'
Diminuiu a velocidade ao chegar perto da Carson e olhou Wynn com muita
ternura.
— Eu detesto ver você ir embora, querida.
— E eu detesto ter que ir.
— A que horas você almoça?
— À uma, mais ou menos.
— Ligo para você. Talvez até possamos nos encontrar antes de hoje à noite.
Beijaram-se e Wynn desceu do carro. Ela ficou por alguns instantes na calçada,
vendo o Porsche sumir no trânsito, e depois entrou no prédio da Carson, onde um novo
dia de trabalho a esperava.

CAPÍTULO VI

Wynn foi direto para a sua sala e apenas cumprimentou Ruth Wiley de
passagem. É que a sensação de magia ainda não havia se dissipado e ela estava
numa espécie de transe.
Sentou-se e olhou em volta: tudo parecia estar tão diferente essa manhã... até
mesmo aquele escritório, onde ela costumava passar tantas horas devotadas. O retrato
a óleo de seu pai, na parede atrás da mesa, parecia sorrir para ela. Wynn desejou que
ele estivesse presente para abençoar o amor que sentia agora por Duke. Lembrou-se
de que o velho Mike sempre falava nele com muito respeito e certamente aprovaria seu
relacionamento. Não deixava de ser estranho pensar que Duke e seu pai haviam
passado tanto tempo negociando juntos e ela nunca o encontrara. Mas quisera o
destino que eles fossem colocados frente a frente.
Ruth, em quem o resultado do regime alimentar já se fazia visível, entrou na sala
com a correspondência do dia. Havia uma mensagem de Howard Bartley e um
desagradável arrepio percorreu o corpo de Wynn. Já? Também havia um bilhete de
Jonathan Court.
— Minha nossa! O que será que o Tio Patinhas quer, a esta hora?
— Sabe de uma coisa, Wynn? Jonathan está uma fera porque a reunião com o
sindicato é daqui a alguns dias você ainda não conversou com ele, nem com os outros
membros da diretoria.
— Xii... é mesmo, Acho melhor você pedir para o Tio Patinhas dar uma chegada
aqui, então.
— Ótimo. Vou chamá-lo.
Geralmente, a alerta Ruth Wiley fazia as coisas rapidamente, mas dessa vez
limitou-se a ficar parada diante de Wynn. Ela olhou para a secretária um tanto
surpresa.
— Você não vai chamar o Tio Patinhas, Ruth?
— É lógico que vou, srta. Carson. Mas, primeiro, quero saber o que está
acontecendo com você.
— O que está acontecendo comigo? Acho que não entendi...
— Ora, Wynn, alguma coisa deve ter acontecido, você não me engana. Nunca vi
antes esse brilho no seu olhar.
Ela pensou numa desculpa rápida para dar.
— Vai ver que são as vitaminas que estou tomando... Preciso delas para poder
enfrentar o Tio Patinhas e os outros diretores. Sem contar os membros do sindicato,
claro... Agora, que tal chamar o Tio Patinhas logo?
— Tout de suite — E Ruth saiu da sala.
Sozinha, Wynn pensou: "Nós vamos ser dois amantes na cama e dois
antagonistas nas negociações". E a idéia não lhe agradou.
Minutos depois, o interfone tocou. Era Jonathan Court.
— Precisamos nos reunir logo — disse ele. Como sempre, nem um simples
bom-dia.
— Que tal hoje às quatro horas? — O tom de voz dela também era brusco e frio.
— Assim tão tarde? — rugiu o Tio Patinhas.
Wynn queria que o encontro fosse tarde mesmo. É que todos iriam querer ir
embora às cinco e, assim, a reunião teria que ser obrigatoriamente curta.
— É a única hora que eu tenho livre, Jonathan.
— Então está bem. Às quatro, na sala de conferências. Vou avisar os outros. —
Ele estava mais seco do que nunca.
— Combinado. — E Wynn desligou. Minutos depois, ela interfonou para Ruth.
— Branca de Neve e os Sete Anões na sala de conferências, às quatro horas.
— Deus do céu! Pode deixar que eu providencio tudo.
Wynn começou então a examinar a correspondência e chamou Ruth novamente
para ditar as respostas mais urgentes. E foi no meio de um ditado que o telefone tocou.
Ela torceu para que não fosse Duke. Porque, se fosse, o tom de sua voz e seu rosto
iriam denunciá-la imediatamente. Mas não era ele. Era Howard Bartley.
— Bom dia, duquesa — foi logo falando. — Espero não ter ligado em má hora...
— Estou ditando uma carta, Howard.
— Então não vou atrapalhar. Só quero convidá-la para almoçar comigo hoje.
— Não posso. Estou com o dia completamente tomado, acredite.
— Humm... Problemas com o sindicato? Pelo que deu para perceber, você está
começando as negociações cada mais cedo pela manhã...
"Maldição", pensou ela. Tentou imaginar se ele já tinha passado a informação
para o Tio Patinhas.
— Sinto muito, Howard, mas preciso desligar.
E continuou a ditar a carta para Ruth.
Um pouco depois, o telefone voltou a tocar. Ruth estava no banheiro e Wynn
deu graças a Deus por ela mesma ter atendido. Era Duke.
— Como vai, baby?
A voz dele fez com que o coração de Wynn quase saísse pela boca.
— Melhor agora, que estou falando com você. Sabe que foi o telefonema mais
interessante que eu já recebi hoje?
— E este é o telefonema mais interessante que eu já dei hoje. Estou sentindo
tantas saudades, Wynn... Não é uma loucura?
— Não. Não é loucura nenhuma, porque eu também sinto a mesma coisa.
— Sabe, querida, quando eu deixei você no escritório esta manhã, estava com a
cabeça no mundo da lua e acabei me esquecendo de hoje à noite. Vou ter que
comparecer a uma reunião com os membros do sindicato, para discutirmos as
exigências antes do encontro com o seu pessoal. Os rapazes estão em cima de mim
há um tempão!
— Humm... Acho que os seus companheiros são exatamente iguais aos
diretores da Carson...
— Essa reunião vai acabar muito tarde, sabe? Droga, eu queria tanto ver você
hoje!
— Então por que não vai até a minha casa quando ela terminar?
— Não faz mal que seja muito tarde?
— De jeito nenhum! Vá à hora que puder, querido.
— Sabe de uma coisa, Wynn Carson? Você é a pessoa mais importante que já
apareceu na minha vida. Tudo bem mesmo se eu chegar muito tarde à sua casa?
— É claro que sim. Estarei esperando você, amor.
Desligaram após calorosas despedidas. A alegria que ela sentiu com o
telefonema durou a tarde inteira e lhe deu coragem para enfrentar a enfadonha reunião
com Court e os demais membros da diretoria. Pelo modo como o Tio Patinhas se
comportou, era evidente que Howard Bartley havia lhe contado o que vira pela manhã.
Num determinado momento, quando Wynn defendia alguns direitos dos caminhoneiros,
o tesoureiro se exaltou:
— Já que é tão amiga deles, por que não manda construir um barzinho dentro
dos caminhões? Pode também transformar os veículos em limusines!
Wynn não podia ter sido mais sarcástica, ao responder:
— Não construo barzinhos nos caminhões porque a nossa lei anti-álcool não
permite.
Porém ela se arrependeu logo de seu comentário. Já tinha problemas demais
com Court e não havia razão para começar uma batalha infernal antes que fossem
para a guerra.
Às dez para as cinco, para alegria de todos, a reunião foi encerrada e os
membros começaram a se retirar. Wynn voltou para sua sala a fim de estudar alguns
papéis e até chegou a fazer algumas anotações. Porém, de súbito, sentiu um enorme
desejo de sair, de passear, de fazer compras. Era isso mesmo. Precisava comprar
camisolas novas, lingerie excitante... Então, decidida, largou os papéis em cima da
mesa e deixou o escritório triunfante. Resolveu largar o carro na garagem por mais
uma noite e foi andando a pé pela Rua Trinta e Quatro, em direção à zona leste da
cidade.
Entrou numa grande loja de departamentos e comprou lençóis e fronhas novas.
Levou um dos conjuntos na mão e pediu para que os outros fossem entregues em sua
casa. Depois, foi dar uma olhada nas camisolas, que estavam lindas na vitrine.
Escolheu uma preta com um robe esvoaçante combinando, uma branca e vários baby-
dolls coloridos. E, como o pacote era muito grande, Wynn decidiu levar só a camisola e
o robe pretos e pediu que o resto fosse entregue no escritório.
Finalmente, achou um táxi na Quinta Avenida que a levou para casa. Deixou os
pacotes em cima do sofá e, apesar de estar muito cansada, saiu de novo para comprar
doces numa confeitaria da Oitava Avenida. Em outra loja, comprou velas amarelas e
finalmente, na floricultura, escolheu um buquê de flores do campo.
De volta à sua casa, arrumou as flores num vaso e colocou as velas em cima da
mesa. Comeu um sanduíche, tirou a roupa, tomou um banho demorado e lavou os
cabelos. Já eram nove e meia, mas ela ainda tinha muitas coisas para fazer.
Vestiu a camisola preta, trocou os lençóis da cama, secou os cabelos e só
deixou acesas as luzes, dos abajures. Enfim, tudo estava pronto para a tão esperada
visita.
Enquanto Duke não chegava, Wynn resolveu estudar alguns papéis que
trouxera do escritório. Impossível. Ela não conseguia se concentrar de maneira alguma.
Então colocou todos os papéis na pasta de novo e ficou sentada no sofá, ouvindo
música, esperando o grande momento.
Às onze horas, a campainha tocou. Wynn foi correndo abrir a porta e, antes que
pudesse dizer alguma coisa, Duke a tomou nos braços e a beijou com tanto ardor que
era como se estivessem se reencontrando após uma interminável separação.
— Deixe-me olhar para você — murmurou ele, quando finalmente se separaram.
Tomou suas mãos e levou-as aos lábios. — Devo estar sonhando, só posso estar.
Como você é linda, querida... Eu morri de saudades!
— Eu também, amor...
— Sabe de uma coisa? Vim voando para cá assim que aquela maldita reunião
terminou! Mal podia esperar para ver você...
— Então deve estar cansado, não é? Vou lhe preparar um drinque.
Ele balançou a cabeça.
— Já estou embriagado o suficiente, Wynn Carson. E nenhum homem pode se
sentir cansado quando tem uma mulher como você na frente.
Puxou-a para junto de si e a apertou com tanta força que ela percebeu o quanto
Duke estava excitado... As mãos dele exploraram seu corpo todo e suas bocas se
encontraram num beijo explosivo.
Então Duke a pegou no colo e a levou para o quarto. Deitou-a na cama e desfez
gentilmente o laço de seu robe. Wynn estava nua por baixo e se abandonou totalmente
para receber os carinhos dele.
Duke beijou-lhe um seio, depois o outro, foi mordiscando, provocando, até que
ela não conseguiu mais se controlar e pediu para ser possuída imediatamente. Mas ele
ainda lhe reservava outras carícias.
— Vire-se — ordenou, e ela obedeceu prontamente.
Duke começou a lhe fazer uma massagem sensual, partindo da nuca e
deslizando por todo o seu corpo. Depois, fez com que ela se virasse de novo e
continuou a acariciá-la, até que seus dedos encontrassem o centro máximo do prazer
de Wynn. Então, abaixando a cabeça, Duke enterrou a língua naquele abismo
pulsante, fazendo com que ela quase perdesse o fôlego.
Em segundos, ele se livrou de suas próprias roupas e subiu em cima dela. Sem
poder esperar um só minuto a mais, penetrou-a de um modo gentil e violento ao
mesmo tempo. Ambos começaram a se mover juntos, chegando a alturas de prazer
nunca antes alcançadas.
Então aconteceu a explosão. Ele tremia tanto que fazia com que o corpo de
Wynn tremesse também. E, ainda assim, continuava em cima dela, saboreando aquele
momento mágico, até que a terra voltasse a ficar tranqüila novamente.
Depois, abraçados, passaram muito tempo quietos, aproveitando a companhia
um do outro e descansando felizes.
Mais tarde, Duke adormeceu. Wynn saiu da cama sem fazer barulho, entrou no
banheiro, tomou um banho, vestiu a camisola preta e voltou a se aninhar nos braços
dele.
Nunca, em toda a sua vida, havia se sentido tão feliz, tão segura e protegida.
Ficar ao lado de Duke, fazer amor com ele, adormecer em seus braços fortes e
despertar a seu lado, era como estar no paraíso. Nada na vida se comparava àquilo.
Wynn sentiu que o sono já se aproximava. Um pouco antes de fechar os olhos
refletiu preguiçosamente que o que estava sentindo só existia em velhos filmes de
amor. Seria possível que tudo estivesse acontecendo mesmo?

Eles acordaram cedo e fizeram amor de novo, com uma familiaridade que era
nova entre ambos.
Wynn ficou na cama, curtindo o estado de êxtase em que ainda se encontrava,
enquanto ouvia Duke cantar no chuveiro. Ele possuía uma voz agradável e melodiosa.
Pouco depois, ela se levantou com uma incrível sensação de bem-estar,
arrumou a cama e ajeitou o quarto. Duke saiu do banheiro logo em seguida. Estava
enrolado numa toalha e a beijou com carinho.
— Agora é a minha vez de tomar banho — disse ela, retribuindo-lhe o beijo. —
Um minutinho só, que eu não demoro.
Entrou no banheiro e deixou-se ficar debaixo da água morna que, batendo em
seu corpo, lembrava-lhe as carícias de Duke. Depois, vestiu um robe e foi para a sala.
Ele estava sentado no sofá, fumando um cigarro. Seus olhos brilharam quando a viu.
— Venha aqui — ordenou, e ela se aproximou dele. Duke então a puxou para
seu colo e começou a beijá-la como se ela fosse uma criança pequena. — Agora —
continuou, colocando-a novamente de pé — vista-se e vamos tomar café em algum
restaurante. O que acha disso?
— Ótima idéia!
Wynn foi correndo para o quarto, colocou um vestido azul-claro, brincos
combinando e voltou triunfante para a sala.
— Como estou, tendo me arrumado tão depressa? — perguntou, sorrindo.
— Maravilhosa. Ninguém mais consegue ficar assim tão bonita, se arrumando
em tão pouco tempo.
Duke estendeu os braços e Wynn se atirou em cheio neles. Depois, abriram a
porta e saíram juntos.
Como ambos iam para o lado oeste da cidade, Wynn sugeriu um barzinho de
que gostava muito, na Rua Oito. Era um pequeno restaurante, simpático e
aconchegante, que não devia estar muito cheio àquela hora.
Quando Duke viu o anúncio de sorvete brilhando na fachada, sorriu e disse:
— Você sabe que eu faço tudo por você, Wynn... Mas sorvete para o café da
manhã não é algo meio estranho?
— Ora, leia o resto! — disse Wynn, apontando para o anúncio de café da
manhã, que também brilhava na fachada. — Se você estiver tão distraído assim no dia
das negociações, a Carson vencerá a guerra com toda a facilidade!
Imediatamente, ela se arrependeu de ter falado aquilo. Duke riu, mas foi um riso
meio forçado. Durante todo o café da manhã, eles ficaram meio constrangidos.
Mas logo depois, deixaram o restaurante e, no momento em que Duke apertou a
mão dela com firmeza, o mau momento passou.
Eles pararam na esquina da Sexta Avenida com a Rua Oito e, sorrindo um para
o outro, olharam para o céu claro de primavera.
— Que dia! — disse ele, maravilhado.
— Está uma beleza mesmo. — Wynn apontou para o prédio gótico da Biblioteca
Jefferson, com seus terraços de tijolos aparentes. — Você não ama esse prédio, Duke?
Ele sempre me lembra um castelo de conto de fadas, principalmente no inverno,
quando neva.
— É verdade... Sabe de uma coisa, Wynn? As coisas parecem diferentes
quando você está ao meu lado. Eu sempre passei pela biblioteca e nunca me dei ao
trabalho de observá-la bem. Agora, com você aqui perto de mim, ela parece mesmo um
castelo.
E então, sem se importarem com os passantes, ele a beijou. Wynn gemeu de
prazer. Demonstrações públicas de carinho não eram o forte dela, mas com ele era
diferente. Subitamente, nada mais tinha importância, a não ser ficar ao lado de Duke
para sempre.
Eles continuaram a caminhar de mãos dadas em direção ao centro da cidade.
— O mundo é tão bonito quando você está ao meu lado, Wynn Carson...
Ela não respondeu. Ouvir seu sobrenome fez com que se lembrasse de que, dali
a alguns dias, ambos deixariam de ser amantes para desempenharem papéis de
antagonistas. E lembrou-se também de outra coisa. Howard Bartley morava perto dali.
E encontrar-se com ele àquela hora seria a pior coisa do mundo. Então, vendo um
ponto de táxi mais adiante, disse a Duke:
— Acho melhor ir para o escritório agora, querido.
Ele deu um suspiro desanimado.
— Detesto ver você partir, Wynn... Mas eu sei que precisa trabalhar.
Minutos depois, ele abriu a porta de um táxi para ela, ajudou-a a entrar e beijou
seu rosto.
— Eu ligo para você à tarde — disse ele e ela fez que sim com a cabeça.
Durante a manhã toda, Wynn trabalhou como se estivesse em estado de graça.
Duke ligou mais cedo que o combinado: eram onze horas quando o telefone tocou.
Combinaram de almoçar juntos e ele sugeriu o mesmo restaurante italiano onde ela
estivera com Howard Bartley. O lugar era muito gostoso, mas provavelmente estaria
cheio de pessoas conhecidas. E essa idéia fez com que Wynn hesitasse um pouco.
— Algo de errado com o lugar? — perguntou ele, notando sua hesitação.
— De maneira alguma — respondeu ela, por fim. — Quero almoçar lá, sim.
Combinaram de se encontrar numa determinada hora e, como Wynn suspeitara,
o restaurante estava cheio de pessoas conhecidas. E isso fez com que ela começasse
a agir de uma maneira mais formal.
— Você não está gostando daqui — disse Duke, notando rapidamente sua
mudança de comportamento.
— Estou, sim... Mas é que este restaurante é tão privativo como a estação
rodoviária de Nova York. Olhe em volta. O lugar está cheio de conhecidos!
Duke deu uma olhada ao seu redor.
— É mesmo.
— Nunca pensei encontrar tantas pessoas amigas num só restaurante.
— Tem razão, Wynn. Mas deixe-os falar! O que temos com isso?
Apesar de Duke ter dito aquilo com firmeza, Wynn desconfiou que ele não
estava tão seguro quanto queria demonstrar. O fato de ser visto por tanta gente
também devia incomodá-lo.
Mas isso não era justo. Não estavam fazendo nada de errado, mas mesmo
assim precisavam se esconder das pessoas, como se fossem criminosos.
O almoço correu sem maiores incidentes e cada um voltou a seus afazeres. Às
quatro horas, a loja onde Wynn fizera as compras entregou os pacotes em seu
escritório e, logo depois disso, Duke telefonou.
— Vamos jantar juntos?
Ela sabia que não deveria aceitar, mas aceitou.
— Eu adoraria, Duke.
— Ótimo. Passo por aí às sete, está bem?
— Acho melhor nos encontrarmos em outro lugar. É que eu estou com um
pacote grande aqui e preciso levá-lo para casa.
— Pacote? Então eu acho melhor passar por aí mesmo para ajudar você a levá-
lo. Buzino assim que chegar, combinado?
Ela concordou, pensando no quanto estavam se tornando indiscretos. E o Fiat
iria ter que passar mais uma noite na garagem. O que os funcionários iriam pensar, ela
não tinha a mínima idéia. Bem, eles não eram pagos para pensar sobre a vida
particular dos patrões.
Quando Duke a viu com o pacote na mão, encostou o carro perto da calçada e
desceu para abrir o porta-malas. Aquilo causou uma confusão no trânsito, mas eles
nem se deram conta. Era tão bom um estar ao lado do outro que nada mais parecia
importar. Wynn se sentia feliz e segura como jamais se sentira na vida, nem mesmo
nos tempos de infância, ao lado de Greg, Marty e de seu pai. Pensava que era
totalmente independente, até conhecer Donato Bellini. Mas, agora, somente o fato de
ele ajudá-la com um pacote pesado fazia com que ela percebesse o quanto era
maravilhoso sentir-se protegida.
Wynn lhe disse isso quando ambos já estavam no carro. E Duke ficou tão tocado
com aquelas palavras que começou a beijá-la, mesmo com o Porsche em movimento.
— Eu quero sempre estar a seu lado, para poder protegê-la, Wynn...
Ao chegarem à casa dela, o pacote foi devidamente guardado e ele perguntou
para onde Wynn queria ir.
— Para o quarto — respondeu sem hesitar.
— Humm... Então essa vai ser a terceira vez que nós dois não vamos jantar...
— Você está com fome?
— Estou. Mas com fome de você, Wynn!
Eles foram para o quarto dela, Duke despiu-a lentamente e após doces carícias
e palavras apaixonadas murmuradas em seu ouvido, amou-a por duas vezes, até
ambos ficarem completamente exaustos.
Depois, resolveram encomendar uma pizza por telefone e jantaram ali mesmo,
no quarto.
Ao terminarem, Duke pegou sua jaqueta e tirou uma caixinha do bolso.
— Comprei isto para você, Wynn. Ela pegou o presente, maravilhada.
— É só uma lembrancinha, querida. Só para dizer o quanto eu te amo.
Wynn abriu o pacotinho rapidamente e não conseguiu reprimir uma exclamação:
— Meu Deus, Duke, é lindo!
Era uma linda jóia, um broche de ouro cravejado com brilhantes.
— Você tem coragem de dizer que isto é só uma lembrancinha? É uma jóia
lindíssima!
Wynn, emocionada, jogou-se nos braços dele e o resto da noite foi cheio de paz
e de carinho.

No dia seguinte, ela foi trabalhar usando o broche na lapela de seu terninho
cinza. Sentia-se feliz, realizada, e somente uma nuvem atrapalhava seu céu azul: a
reunião com os membros do sindicato, que iria acontecer dali a vinte e quatro horas.
Mesmo assim, quando Duke ligou à tarde, ela ficou muito feliz e combinou um
jantar para as sete horas. Pediu para que ele passasse por sua casa, já que o Fiat não
poderia dormir na garagem por mais uma noite.
Quando deixou o escritório e pegou o carro, Wynn sentiu uma tristeza muito
grande invadindo-a. Olhou para o céu. Nuvens escuras estavam se formando,
prometendo uma tempestade para breve. Acelerou o Fiat, a fim de chegar logo em
casa.
Duke passou para buscá-la às sete horas e eles foram jantar num restaurante
maravilhoso, perto da Quinta Avenida, mobiliado no estilo dos bares dos anos trinta. Os
olhos de Duke brilharam ao notar que ela usava o broche de brilhantes.
Chovia quando eles deixaram o restaurante. Foram direto para a casa de Wynn
e, de propósito, nenhum dos dois tocou na reunião do dia seguinte. Assistiram um
pouco de televisão na cama e logo as carícias foram ficando mais íntimas e eles se
amaram com a mesma paixão de sempre.
Ainda chovia quando se levantaram na manhã seguinte. Wynn preparou um café
rápido e Duke achou melhor ir embora logo.
— Hoje é o dia, Wynn — disse ele. — Mas tudo estará bem. Não se esqueça de
que eu te amo, baby...
Tais palavras ainda ecoavam em seu ouvido, depois que Duke partiu. Ela foi
tomar banho, vestiu um conjunto cor-de-rosa para alegrar-se, maquiou-se com cuidado
a fim de esconder os sinais da noite maldormida, fez com coque nos cabelos e saiu
para enfrentar o enorme desafio.
Aquele era o dia, como ele dissera. E, embora Duke tivesse declarado seu amor,
iria ser seu principal antagonista naquela reunião. Os momentos de prazer deviam ser
esquecidos. Chegara o momento tão odiado.
Wynn respirou fundo e rumou para o escritório.
CAPITULO VII

Quando a reunião terminou, às três horas da tarde, Wynn se sentia péssima.


Sua cabeça doía tanto que parecia que ia estourar a qualquer momento. Ela não
estava com vontade de falar com ninguém e trancou-se no escritório com a cara
amarrada.
Abriu a gaveta e tirou de dentro dela um maço de cigarros. Fumava pouco,
somente nas raras ocasiões em que o nervosismo parecia tirá-la do sério. Tragou
lentamente e começou a divagar, enquanto olhava a fumaça. Que confusão, aquela
situação toda: o sindicato lhe fazia exigências, a diretoria da Carson também ficava em
cima dela, cobrando posições mais agressivas...
E Duke. Esse era o pior de todos os problemas. Quando os membros do
sindicato tinham chegado, às onze horas, para iniciarem as negociações, ela percebera
que ele estava mais bonito e charmoso do que nunca.
Durante o tempo todo, eles tinham se comportado da maneira mais formal
possível. O ânimo de Jonathan Court estava esquentado e Wynn tivera que usar de
toda a sua determinação para não deixar que ele conduzisse as negociações.
À uma hora da tarde, fora servido um almoço na própria sala de reuniões.
Como era de se esperar, seguindo um processo de seleção natural, os dois
lados se separaram para comer. Duke, rodeado por seus companheiros, estivera frio e
distante o tempo todo. E Wynn, por sua vez, se sentira pouco à vontade perto de Court
e tivera a impressão de estar sozinha, sem aliado nenhum.
Mas o pior de tudo era que a reunião de segunda-feira prometia ser dez vezes
mais difícil. Wynn estava começando a se convencer de que o amor que ambos
sentiam não iria resistir a todas as outras batalhas que ainda teriam pela frente.
Ruth interfonou para a sua sala, avisando que o Sr. Bellini estava na linha A e
Wynn tentou imaginar se a secretária já estava desconfiada de alguma coisa.
— Obrigada — disse ela, e atendeu o telefone.
— Oi, baby.
Como sempre, o coração de Wynn começou a bater mais depressa. Era só ouvir
o som daquela voz para ficar toda trêmula...
— Que dia duro, não é?
Ela deu um longo suspiro.
— Duríssimo...
— Graças a Deus, o fim de semana já está aí. O que você acha de fazermos
uma viagem, só nós dois?
Duke estava atencioso e gentil como sempre e Wynn ficou maravilhada com a
capacidade que ele tinha de ignorar os problemas profissionais que atravessavam.
— Ótima idéia — respondeu ela. — Para onde podemos ir?
— Eu estava pensando em Long Island. Conheço um hotelzinho lindo ali onde
poderíamos nos hospedar. Não acha que seria maravilhoso passarmos um fim de
semana inteiro a sós, sem negócios aborrecidos para atrapalhar?
— Pode apostar que eu concordo inteiramente com você! A que horas você
passa na minha casa?
— Às seis, está bem?
— Está ótimo. Pretendo sair daqui às cinco e até as seis, já terei arrumado a
minha mala.
— Combinado. Mal posso esperar por esse fim de semana, baby.
Nem ela. Seja lá o que esperasse por eles na semana seguinte, ainda teriam um
fim de semana glorioso pela frente, totalmente a sós...
— Quer mais um drinque?
— Não, obrigada, Duke.
Eles estavam no bar do hotel e a recusa de Wynn fora muito clara. Significava
que já era hora de irem para o quarto. Duke compreendeu imediatamente, apressou-se
em pagar a conta e os dois deixaram o barzinho rapidamente. Assim que entraram no
quarto, ele trancou a porta e seu corpo se fundiu ao dela num longo abraço.
Era como se Wynn estivesse possuída por algo novo, uma coragem selvagem
que permitia que ela falasse e fizesse coisas para deliciar aquele homem que já se
tornara o centro de toda a sua vida. Ela começou a acariciá-lo todo, suas mãos
deslizando pelo corpo másculo, enquanto mordiscava levemente o pescoço dele.
De repente, ela se afastou um pouco e, tentando se controlar, pediu para que
ele se sentasse na cama.
— Mas por quê? — perguntou Duke então, suavemente.
— Porque quero despir você. Hoje, vou ser uma gueixa...
Duke obedeceu e Wynn ajoelhou-se diante dele para tirar-lhe os sapatos.
Depois, levantou-se e começou a desabotoar a camisa lentamente. Tomado pelo
desejo, Duke enlaçou sua cintura e fez com que ela sentasse em seu colo.
— Agora sou eu que vou despir a minha gueixa...
Após um beijo apaixonado, Duke colocou-a de pé e abaixou o zíper do vestido.
Então, num gesto rápido, desabotoou-lhe o sutiã e tirou-lhe a calcinha, deixando-a
completamente nua.
Em poucos segundos, ele se livrou do resto de suas próprias roupas e puxou
Wynn para a cama. Suas mãos fortes procuraram os pontos sensíveis do corpo dela,
desde os ombros até os seios, desde o ventre até as coxas. Duke a penetrou e seus
corpos começaram a se mover numa cadência ritmada, como se obedecessem ao
compasso de uma música.
E não havia mais nada, nada mais a não ser o encontro de seus corpos, o
prazer de dar e receber aquelas loucas carícias. Eles continuaram a se mover juntos
até que atingiram o êxtase, as ondas do prazer satisfazendo-lhes os sentidos.
Ficaram muito tempo abraçados, trêmulos e ofegantes, curtindo juntos aqueles
momentos inesquecíveis de emoção.
Foi só mais tarde, quando resolveu acender um cigarro, que Duke conseguiu
dizer:
— Acho que nunca senti tanto prazer em toda a minha vida, Wynn... Foi a coisa
mais maravilhosa que já me aconteceu.
— E vai ser sempre cada vez mais maravilhoso, Duke.
Ele sorriu.
— Mais maravilhoso do que isso? Impossível!
— Pois eu vou provar que não é impossível coisa nenhuma...
E, debruçando-se sobre ele, começou a lhe fazer uma massagem lenta e
sensual, provocando-o e acariciando-o até deixá-lo completamente louco. Ela fazia
coisas no corpo dele que jamais sonhara fazer e deixava que Duke a tocasse de uma
forma que sempre julgara proibida e errada: ao lado dele, aquelas palavras não
existiam.
Eles se amaram de novo de uma forma selvagem e, quando finalmente gritaram
de prazer, Wynn percebeu que seu amor tinha atingido as alturas. Finalmente
encontrara o sentido de sua existência.
Duke ficou parado, sem falar ou se mover por um longo período. Depois,
debruçou-se sobre ela e beijou-lhe os cabelos.
— Será que você me ama mesmo tanto assim?
— Tanto assim... e muito mais, Duke. Muito mais do que você possa imaginar.
Entre declarações apaixonadas e palavras de carinho, adormeceram lado a
lado. O último pensamento de Wynn antes de se entregar ao sono foi que nada neste
mundo poderia destruir tanto amor. Nada.
O dia seguinte manteve toda a magia e encanto da véspera. Dormiram até tarde,
tomaram café no quarto e Duke insistiu em ir até o centro de Long Island para lhe
comprar um presente.
— Mas você já me deu um — protestou Wynn, apontando para o broche que
brilhava na gola de sua blusa. A temperatura caíra um pouco e ela usava um jeans e
suéter cinza por cima.
— Acontece que eu quero lhe comprar mais uma coisa. Duke parecia tão
ansioso que ela resolveu não protestar mais. Pegaram o carro e percorreram todas as
joalherias das proximidades. Mas Duke não encontrou exatamente o que queria e
resolveu fazer o que lhe pareceu mais lógico: ir até Manhattan e visitar suas joalherias
sofisticadas.
Rindo, eles chegaram a uma loja na Quinta Avenida, onde Duke encontrou o
presente ideal: um anel de brilhantes perfeito para o pequeno dedo de Wynn, que ficou
encantada.
Almoçaram num restaurante ali perto e voltaram para Long Island. Uma garoa
fina começou a cair.
— Que tempo divino — comentou Duke — para se ficar em casa...
Eles não deixaram o quarto até a manhã seguinte. Fizeram amor várias vezes,
tiveram longas conversas, leram e assistiram televisão. Já era tarde quando decidiram
jantar e, após momentos apaixonados, dormiram um nos braços do outro.
O sol brilhava quando acordaram no dia seguinte. Após um rápido café, foram
dar uma volta na praia e tomar um drinque, na piscina do hotel.
Lá pelas duas horas da tarde, Duke olhou para ela com tristeza.
— Detesto dizer isso, querida, mas acho que já está na hora de partirmos.
— Já? — Wynn não conseguiu esconder o desapontamento do rosto. — Mas
ainda é tão cedo...
— Sabe o que acontece, amor? É que eu tenho uma reunião com o pessoal do
sindicato hoje à tarde. Não quis falar antes para não estragar o nosso fim de semana.
Os rapazes estão loucos comigo, eles queriam fazer a reunião no sábado... E eu disse
que o meu único tempo disponível seria hoje, no fim da tarde.
Ela deu um suspiro desanimado.
— Então acho melhor arrumarmos as malas, não é?
Sem dizer nada, Duke a abraçou e eles ficaram ali, trocando carícias e juras de
amor durante um longo tempo.
A reunião do dia seguinte foi estafante. Wynn estava se sentindo pouquíssimo à
vontade e era só se lembrar dos momentos apaixonados do fim de semana para ficar
ainda mais constrangida.
Novamente, ela invejou a calma de Duke e sua habilidade de separar os
negócios da vida particular. Olhou para ele com o canto do olho e tentou imaginar se
ele estaria se lembrando das coisas que haviam feito na cama.
Logo no início da manhã, Wynn havia se reunido com Jonathan Court, Noble e
todo o pessoal da diretoria. Court insistira que não havia dinheiro suficiente para cobrir
as exigências do sindicato, mas Wynn tinha certeza de que havia pelo menos o
suficiente para os aumentos que queria conceder.
Contudo, os outros membros da diretoria também pareciam estar contra Wynn,
que se via mergulhada num dilema terrível. De um lado, corria o risco de perder o
respeito de seu próprio pessoal; por outro, se a companhia não cedesse em vários
aspectos, havia a ameaça de uma greve dos caminhoneiros. Não houvera um só
problema de greve na Carson durante vinte anos. E seria péssimo se uma delas
estourasse bem no primeiro ano de Wynn na presidência da empresa.
As negociações continuavam. Agora, giravam em torno de horas de trabalho por
semana e nenhum dos lados parecia estar chegando a acordo algum. Numa
determinada hora, Bernie Halloran, um dos membros do sindicato, se irritou e dirigiu-se
a Wynn de uma maneira um tanto grosseira.
— Acho que está gozando da nossa cara, srta. Carson!
Aquilo, Duke não podia admitir. E, olhando para o companheiro, disse, num tom
de censura:
— Olhe como fala com a senhorita, Bernie!
Todos os olhares naquela sala pausaram no rosto de Wynn, que ficou vermelha
na hora.
Court a salvou da delicada situação dando prosseguimento às conversas.
— Não temos condições de diminuir as horas de trabalho e aumentar os salários
— disse ele. — Suas exigências são absurdas.
— Espere um pouco, Jonathan — interveio Wynn. — Gostaria de estudar a
questão dos salários com mais cuidado. — Olhou para o relógio e continuou: — Mas
agora já são cinco horas. Por que não encerrarmos os trabalhos por hoje e voltarmos a
nos reunir amanhã?
Wynn sentia que não podia continuar as conversas. Não enquanto sua dúvida
sobre Court e o dinheiro da empresa persistissem.
Duke olhou para os companheiros e se levantou.
— Está combinado. Amanhã às nove, srta. Carson?
Ela também se levantou.
— Perfeitamente. Obrigada pela presença, senhores. Até amanhã.
Desta vez, os membros do sindicato deixaram a sala sem despedidas calorosas.
Wynn viu Duke partir com seus homens até que sua figura gigantesca desapareceu por
trás da porta do elevador e o coração dela ficou dilacerado. Aqueles olhos que a
haviam olhado com tanto amor agora eram os olhos de um estranho.
Ela balançou a cabeça para afastar aqueles pensamentos tristes. Tinha
problemas mais sérios com que se preocupar. Jonathan Court, por exemplo. Wynn
tinha certeza de que Carson possuía mais dinheiro do que o tesoureiro lhe fazia
acreditar. E ela queria esclarecer a dúvida o quanto antes. Por isso, quando todos os
outros membros da diretoria foram embora, chamou Court de lado.
— Será que poderíamos conversar um pouco no meu escritório? — perguntou,
enquanto arrumava sua pasta.
Court olhou para o relógio.
— Já é tarde, Wynn. Mas tudo bem. Vamos lá.
A voz dele era indisfarçadamente hostil, só que Wynn não se deixou intimidar.
Caminhou resoluta até a sala e encontrou a secretária Ruth Wiley à sua espera.
— Srta. Carson... — disse ela, vendo-a entrar.
— Você está dispensada, Ruth. Pode ir para casa.
— Mas, srta. Carson, preciso lhe falar uma coisa...
Wynn cortou a conversa:
— Sinto muito, mas não posso parar agora.
Ela percebeu que a secretária ficara um tanto desapontada e se arrependeu por
ter sido tão brusca. Mas é que, se não começasse a falar com Court imediatamente,
poderia perder a coragem. Wynn estava desconfiada dele e tinha que saber da
verdade. Imediatamente.
Entrou em sua sala e fechou a porta. Sentou-se à sua mesa e foi aí que notou
um jornal colocado bem no centro de sua escrivaninha. Bem, aquele não era o melhor
lugar do mundo para colocar um jornal e Ruth estava cansada de saber daquilo. Então,
o que ele fazia ali como se fosse um troféu?
Sem nem se dar ao trabalho de olhá-lo, Wynn jogou o jornal em cima de uma
poltrona e olhou para Court.
— Jonathan — disse ela. — Quero dar uma olhada nos livros-caixa agora.
Court ainda estava de pé à sua frente e a irritação que sentia era óbvia.
— Agora? Mas já é muito tarde, Wynn. O pessoal do departamento de
contabilidade já deve ter ido embora!
— Não faz mal. Pretendo ficar até tarde aqui no escritório, dando uma olhada
nos livros. Será que você poderia trazê-los para cá?
Jonathan Court estava furioso.
— Posso saber a razão disso? Se não me engano, já lhe dei todas as
informações relativas à quantia que podemos conceder ao sindicato...
— Eu sei. Mas existem certas... discrepâncias que estão me incomodando —
Wynn respondeu com firmeza, olhando diretamente nos olhos de Court.
Ela se lembrou das últimas instruções que seu pai lhe dera. Algumas haviam
sido precisas e detalhadas, ditadas no início de sua doença. Outras, já nos seus
últimos dias de vida, não tinham sido assim tão claras. "Mantenha sempre o olho
aberto no que se refere a Court", dissera o velho Mike Carson, dias antes de morrer.
Mas, como ele já estava muito fraco até para falar, Wynn não pôde saber o que seu pai
realmente quisera dizer com aquilo.
— Discrepâncias? — perguntou Court.
O interfone soou na mesa de Wynn. Era Ruth.
— Mas que diabo você quer agora? — A voz dela era irritada e impaciente.
— Sinto muito, srta. Carson... — disse Ruth, num tom de desculpas. — Mas, por
favor, dê uma olhada no jornal que deixei em cima de sua mesa. É muito importante!
Com a mesma voz impaciente, Wynn respondeu:
— Tudo bem. Agora, por que você não vai para casa?
— Já estou indo. — E a secretária desligou.
— Com licença, Jonathan.
Wynn se levantou e apanhou o jornal em cima da poltrona. Olhou na primeira
página. Nada que lhe chamasse a atenção. Olhou na segunda. Nada. Mas na terceira,
na coluna de fofocas de Louis Fleishman, o mundo quase desabou sobre sua cabeça.
Ela precisou ler a nota duas vezes para entender bem o que dizia. E teve que se
segurar para não cair. Em letras grandes, e num lugar de destaque, estava escrito:
"Um novo casal desponta na cidade. Ela, Wynn Carson, a jovem presidenta da
Companhia de Caminhões Carson, e ele, o líder sindical Donato Bellini, têm sido vistos
juntos por toda a parte. Parece que as flechas do Cupido atingiram em cheio esse par
tão original..."
Wynn não pôde reprimir um grito. Mas que diabo! Como será que Fleishman
descobrira? Talvez ele tivesse visto os dois juntos... Ou talvez as coisas não fossem
assim tão simples. Quem sabe se Howard Bartley não estava por trás daquilo tudo...
— O que foi? — perguntou Court. — Você parece que viu um fantasma!
— Preferia ter visto um, em vez de ter lido isto.
Wynn estendeu-lhe o jornal. Mais cedo ou mais tarde, Court iria saber mesmo.
Ele leu o artigo com atenção e colocou o jornal em cima da mesa. Depois, balançou a
cabeça e olhou para ela.
— Sinceramente, Wynn, eu já suspeitava que algo estivesse acontecendo entre
você e Bellini. E devo dizer que isso é péssimo para a Companhia... Pense um pouco.
Esse homem pode estar querendo se aproveitar de você. Pode estar querendo ter a
Carson na palma da mão. Acho que está sendo muito imprudente, Wynn.
Court estava mais parecendo um diretor de escola repreendendo uma aluna,
mas Wynn não estava disposta a ouvir sermões.
— Não me diga o que devo fazer na minha vida particular! — explodiu ela. —
Agora, que tal me trazer os livros?
Court a encarou por alguns segundos. E Wynn pôde até adivinhar o que ele
estava pensando. Algo assim, com certeza: "Quem essa garota pensa que é, para falar
comigo desse jeito?" Entretanto, limitou-se apenas a balançar a cabeça e a deixar a
sala.
Assim que a porta se fechou atrás dele, Wynn deu um longo suspiro e recostou-
se na poltrona. Seu pescoço doía de tanta tensão e ela fechou os olhos.
Jonathan Court podia estar traindo-a de duas maneiras: passando informações
para o distinto Howard Bartley... e, o que era ainda pior, mergulhando no dinheiro da
companhia, como fazia o autêntico Tio Patinhas...
Pouco depois, ele voltou com os livros-caixa, pediu licença e, sem mais uma
palavra, deixou a sala.
Wynn ficou olhando para os tais livros por um longo tempo, como se quisesse
adiar o momento da verdade. Depois, tomando coragem, abriu um deles. Nada de
errado ali.
Abriu o segundo. Nada. Nada de errado no terceiro também. No quarto, havia a
parte de computação e ela não entendia nada do assunto. "Só mesmo um auditor pode
entender isto aqui", pensou ela. E foi aí que teve uma idéia. Discou para o auditor da
Carson e pediu para que ele viesse ao escritório ainda àquela noite.
Ele chegou às sete horas e foi só às oito e meia que pôde chegar a alguma
conclusão.
— Estou desconfiado de que há algo de errado, srta. Carson, mas prefiro levar
os livros para casa a fim de estudá-los melhor. Amanhã vou ter um dia muito cheio,
mas posso lhe dar uma resposta mais concreta daqui a dois dias, mais ou menos.
— Por favor... — A voz de Wynn soava desesperada. — É muito importante que
eu tenha essa resposta o mais cedo possível. Acho que não posso esperar nem mais
um dia.
— Não posso negar um favor à filha de Mike Carson, senhorita. Vou dar um jeito
para preparar tudo até amanhã. Compreendo que deve estar mesmo muito
preocupada...
Depois que o auditor foi embora, Wynn ainda ficou muito tempo sentada em sua
sala, perdida em pensamentos.

— Esperem um minuto — disse Weinfeld. — Quero comprar um jornal.


Duke e Halloran entraram no restaurante enquanto Weinfeld parava na banca e
comprava seu jornal. Depois, foi juntar-se aos outros, que pediam um drinque no bar.
Ele abriu seu jornal e assobiou alto.
— Deus do céu! Não posso acreditar!
Duke tomou um gole de seu drinque e olhou para o companheiro.
— O que foi?
— Veja você mesmo. — E entregou-lhe o jornal na coluna de Louis Fleishman.
Duke Bellini leu o artigo rapidamente e seus olhos escuros brilharam de
indignação.
— Idiota! Esse homem está parecendo uma mulher fofoqueira!
Weinfeld o olhou de um modo meio estranho e tomou um gole de seu drinque.
— Onde há fumaça, há fogo, Duke... O que você tem a nos dizer sobre isso?
— Eu não tenho nada a dizer sobre coisa alguma! — A voz dele era furiosa.
Os outros dois se entreolharam.
— Seja sincero, Duke... Será que você e a tal da Carson estão de namorinho?
Ele deu um soco na mesa e quase que os copos foram para o chão.
— Olhe como fala! E não se refira a Wynn como a "tal da Carson". Ela tem
nome!
— Humm... — Weinfeld olhou para Halloran. — O negócio é pior do que eu
imaginei...
— Você está levando mesmo a sério essa história com aquela tal... quero dizer,
com Wynn Carson?
— Não é da sua conta!
— Qualquer coisa que afete o sindicato é da nossa conta...
Duke deu um longo suspiro de pura impaciência.
— Ora, vocês não percebem que essa coluna só diz bobagens? Além disso,
vocês já deveriam me conhecer bem, depois de tanto tempo de convivência... Por
acaso já dei motivos para o sindicato se queixar de mim? Vamos, falem!
— Tudo bem, tudo bem, Duke. Não precisa ficar nervoso. — O tom de voz de
Halloran era mais pacífico agora. — Mas, de qualquer modo, não podemos tapar o sol
com a peneira. Escute, essa tal de... quero dizer, a srta. Carson pode estar enganando
você. Pense nisso. Ela pode estar querendo favorecer a companhia nas negociações...
— Mas como vocês falam bobagens! Será que já se esqueceram das reuniões?
Wynn Carson tem sido muito razoável! O que estão querendo? Que ela nos ofereça
mais do que estamos pedindo? — A voz de Duke havia se levantado muito.
— Ei, fale mais baixo! — Weinfeld olhou para as outras mesas. — Acho que as
pessoas que estão passeando no Central Park devem estar ouvindo você!
— E que diferença isso faz? A bobagem toda está nos jornais, para quem quiser
ler... Agora, posso saber o que vocês querem de mim?
— Nós queremos que você vá com calma, Duke. Queremos que pense bem
sobre isso. E se Wynn Carson estiver apenas usando você? É algo muito provável, não
acha?
— É isso mesmo — disse o outro. — Esse seu romance com a moça pode
atrapalhar a imagem do sindicato.
Duke se levantou e encarou os dois amigos.
— Estou pouco me incomodando com a imagem do sindicato! E não admito que
ninguém dê palpites na minha vida particular!
Ainda enquanto falava, ele se arrependeu de ser tão brusco. Aquilo não iria
ajudar. Não iria ajudar em nada. Devia ter se controlado um pouco. Mas, agora, já era
tarde demais.
— Aonde é que você vai? — perguntou Weinfeld.
— Vou embora!
Duke jogou uma nota em cima da mesa para pagar seu drinque e, furioso,
deixou o restaurante. Lá fora caía uma garoa fina. Andar um pouco debaixo da chuva
serviu para acalmá-lo o suficiente para que uma idéia lhe ocorresse.
Foi até um telefone público e ligou para a casa de Wynn. Ninguém respondeu.
Duke disse baixinho um palavrão. Pegou novamente a ficha telefônica e discou desta
vez para o escritório.
O telefone já havia chamado seis vezes e Duke já ia desligar, quando Wynn
finalmente atendeu.
— Olá, baby. Tudo bem?
— Não tem bem assim, Duke. — A voz dela era tensa, cansada.
— O que foi, querida? Você deve ter lido o jornal, não é? Mas não deixe que
isso a afete, por favor...
— Não foi só isso que aconteceu... Foi algo muito pior...
Duke ficou preocupado na hora.
— Meu Deus, Wynn, fale logo! Conte-me o que houve!
— É que eu não posso... Não agora... — Ela estava fria, confusa.
— Precisamos conversar, meu amor. Posso passar por aí? Ou você prefere que
eu dê uma chegada até a sua casa?
Houve um longo silêncio.
— Wynn?
— Não, Duke. Não hoje.
— Mas por quê, querida? Eu quero tanto ver você... Precisamos conversar, eu
sinto que está precisando desabafar.
— Não, Duke, tudo é muito complicado e eu estou muito confusa...
— Wynn, por favor, deixe que eu vá até a sua casa. Preciso tanto ver você! Será
que já não se lembra mais do que aconteceu no fim de semana? Quero que tudo
aconteça de novo.
— Mas, Duke...
— Você não gostou do fim de semana passado, Wynn?
— É claro que adorei.
— Então, posso ir à sua casa, hoje?
— Não.
Ele se sentiu ferido e inseguro.
— Como quiser, amorzinho! — E desligou o telefone com força.
"Mas como sou idiota!", foi seu pensamento imediato. Pôs a mão no bolso para
pegar outra ficha, mas, quando ligou de novo, ninguém respondeu.
Mais uma vez, Duke bateu o fone e caminhou em direção à Rua Catorze,
pensando: "Que todas as mulheres vão para o inferno! Todas elas!"
Mas algo dentro dele estava doendo. E muito.
Ainda chovia na manhã seguinte quando as negociações recomeçaram. Duke
estava mais deprimido do que nunca e queria desesperadamente conversar com Wynn
a sós, para se desculpar pela grossura de ter desligado o telefone.
Mas ela não parecia muito disposta a conversinhas particulares.
Wynn falava de maneira formal, mas estava tão bonita que ele tinha que se
controlar para não mandar todo mundo para o inferno e fazer amor com ela ali mesmo,
em cima da mesa.
Foi com tristeza que Duke notou que ela não estava usando nem o broche, nem
o anel que ele lhe dera. E foi com mais irritação ainda que percebeu que essa era a
primeira vez que deixava que alguma coisa interferisse nas negociações. Não estava
nem um pouco satisfeito com as divagações de sua mente.
As conversas prosseguiram e, após uma hora de discussões estafantes,
ninguém chegou a conclusão alguma. Wynn sugeriu que eles passassem para outro
tópico e as negociações sobre o peso da carga, número de paradas e extensão dos
percursos correram um pouco melhor.
Mesmo assim, ainda havia muitos pontos de discórdia entre as duas partes. Mas
o pior de tudo era que Wynn parecia estar abandonando sua antiga posição liberal.
"Alguma coisa está acontecendo", pensou Duke. E sabia Deus o quanto ele
queria descobrir o que era. Chegou a desconfiar de algum problema interno. Estaria
certo?
Após uma rápida pausa para o almoço, eles voltaram às negociações e,
novamente, não chegaram a nenhum acordo. Foi no meio das conversas que Duke
notou que Jonathan estava com uma cara meio estranha. Ele não estava enganado.
Alguma coisa muito séria deveria estar se passando na alta diretoria da Carson.
Quando a reunião terminou, as duas partes estavam insatisfeitas e aborrecidas
com os resultados das conversas.
O dia seguinte foi uma réplica do anterior. Para piorar as coisas ainda mais,
Duke ligara para a casa de Wynn várias vezes durante a noite anterior, mas ninguém
atendera. Ele até chegara a imaginar que ela estivesse saindo com outro homem. Ou,
mais trágico ainda, que estivesse em casa e ignorasse o telefone.

A reunião de quarta-feira foi exaustiva. Mas, quando terminou, Wynn nem pôde
pensar em ir para casa, porque à noite o auditor lhe daria a resposta que tanto
esperava.
Ruth deixou o escritório depois de providenciar um sanduíche reforçado para a
sua chefe. Wynn nem conseguiu terminá-lo, pois sua ansiedade chegava a ser
insuportável. Às sete e meia, o auditor bateu em sua porta.
— Entre, entre — disse ela, levantando-se. — Por favor, fale logo...
O velho auditor refastelou-se na cadeira.
— Você tinha razão em estar tão preocupada, minha filha. Seu tesoureiro
realmente está desviando dinheiro da empresa. Os detalhes estão dentro desta pasta.
Wynn já esperava aquilo. Mas ouvir a confirmação de suas suspeitas era
terrível.
— Deus do céu... — foi a única coisa que conseguiu dizer.
— Será que posso aconselhá-la, minha filha?
Ela fez que sim com a cabeça.
— Acho que será muito melhor para a Carson se você abafar o caso todo.
Demita Court. E Noble também. Quando der uma olhada nesta pasta, vai perceber que
ele também está envolvido na jogada. Você pode até fazer um acordo com eles. Se
ambos devolverem todo o dinheiro roubado, você não leva o caso à polícia. Sabe de
uma coisa? Publicidade agora em torno do fato só serviria para atrapalhar as coisas.
Wynn estava tão chocada que só tinha vontade de chorar.
— Não será uma loucura demitir Court e Noble agora, no meio das negociações
com o sindicato?
O auditor balançou a cabeça.
— Sei que não é a melhor hora. Mas ficar com eles também não vai adiantar
nada.
Wynn deu um longo suspiro.
— Tem razão. E obrigada por tudo. Nem sei como lhe agradecer.
— Esqueça. Fui muito amigo de seu pai e jamais poderia deixar de atender a um
pedido da filha dele. Se precisar de mim novamente, é só chamar.
Muito depois de ele ter ido embora, Wynn ainda estava sentada na sua cadeira,
imóvel. Só foi mais tarde que pegou o telefone e discou o número da casa de Jonathan
Court.
— Sei que já é tarde — disse ela. — Mas preciso falar com você agora. Estou
indo já para aí.
Desligou, pegou sua pasta, trancou o escritório e saiu.

CAPÍTULO VIII

Ao chegar para mais um dia de reunião, Duke Bellini olhou para Wynn
discretamente. E não gostou do que viu. Ela estava linda como sempre, mas havia
olheiras profundas e marcas de cansaço em seu rosto.
Não pôde deixar de imaginar se ela estava sentindo tanta falta dele quanto ele
sentia dela. Ligara para sua casa tantas vezes na noite passada... e ninguém
respondera.
Mas o que Duke achou mais estranho foi a ausência de Court e do advogado
Noble. No lugar deles, havia um advogado muito jovem e um tal de Tommy Wilson,
funcionário da Carson, que ele já conhecia.
As conversas continuaram, mas, para grande desespero de ambos os lados,
ninguém conseguia chegar a conclusão nenhuma.
No final do dia, parecia só haver uma única solução.
Duke respirou fundo e disse:
— Srta. Carson, sendo assim, só vejo uma saída: a greve.
Wynn trocou olhares desesperados com os membros de sua diretoria.
— Não queremos isso de jeito nenhum, Sr. Bellini...
A voz dela estava tão trêmula que Duke não pôde deixar de se sentir
angustiado. Wynn era uma mulher tão doce, tão pura... O que estaria fazendo no meio
daquela guerra? Parecia tão indefesa...
Ele teve vontade de rir de seu próprio pensamento. Indefesa... Que nada! Tão
indefesa quanto uma faixa preta de caratê, caso se considerasse o modo como ela
vinha conduzindo as negociações.
— Acredite, Sr. Bellini — continuou ela —, uma greve agora é a última coisa que
quero na empresa. Mas, já que não estamos conseguindo chegar a conclusão alguma,
será que concorda com a intervenção de um mediador?
Duke olhou para dentro daqueles olhos azuis que tanto amava.
— A senhorita poderia nos dar um tempo para discutirmos isso? Uma meia hora,
talvez?
— Podem conversar o tempo que quiserem, Sr. Bellini. — Wynn parecia mais
aliviada e levantou-se, juntamente com os membros da diretoria. — Fiquem à vontade.
Assim que a porta se fechou atrás deles, Halloran foi logo dizendo:
— Na minha opinião, a greve é a única coisa decente a ser feita.
Weinfeld, porém, não foi tão categórico.
— Você está querendo ver o circo pegar fogo, meu chapa. Vamos com calma. A
greve deve ser o nosso último trunfo.
— Vamos fazer uma votação — sugeriu Duke. — Quem concordar com o
mediador que levante a mão.
Das seis pessoas na sala, somente Halloran ficou de mão abaixada.
— Cinco a um — disse Duke. — Vamos informar a srta. Carson da nossa
decisão.

Duke estava em seu apartamento, lendo o jornal de domingo sem o mínimo


interesse. Na sexta-feira e no sábado, tivera reuniões longas e exaustivas com o
mediador. A princípio, os resultados haviam continuado nulos. No sábado, contudo,
tinham começado a fazer progressos e provavelmente na segunda-feira tudo estaria
acabado. Wynn acabara cedendo em vários pontos e o sindicato também abrira mão
de muitas de suas exigências. No final das contas, nenhuma das partes estava
satisfeita com os resultados.
O domingo custava a passar. Duke se lembrou do fim de semana em Long
Island e teve vontade de chorar. A imagem de Wynn nua, na cama, gemendo de prazer
com suas carícias veio-lhe à mente. Como era bom tocar o corpo dela, aquela pele
macia e aveludada como um pêssego...
Não, Duke não podia mais agüentar aquilo. Tinha que vê-la. Nem que fosse a
última coisa que faria na vida. Atirou longe o jornal e olhou pela janela. Caía uma garoa
fina, mas mesmo assim vestiu uma capa e saiu.
Caminhou em direção ao centro da cidade e atravessou a Washington Square.
O lugar estava cheio de desocupados, gente de aparência estranha e ele achou melhor
sair dali. Continuou a andar com passos rápidos, pensando desesperadamente no que
fazer. Uma moça provocante e sensual passou por ele e dirigiu-lhe um gracejo
malicioso, mas Duke nem lhe deu ouvidos. Só havia uma mulher em sua vida. E
precisava falar com ela de qualquer maneira, se não quisesse explodir de desespero.
Só havia uma saída: o telefone. Era isso mesmo. Tudo o que precisava era
encontrar um telefone público e discar o número dela. Continuou a andar debaixo da
chuva, à procura de uma cabine. Achou uma e apressou-se em ligar. Iria falar com ela
de qualquer jeito. Não desistiria enquanto não conseguisse.
Wynn tapou os ouvidos para não ouvir o som agudo do telefone que não parava
de tocar. Ela sabia que era Duke. Só podia ser.
Ligou a televisão bem alto para abafar o telefone, mas mesmo assim o chamado
era bem audível. Droga. Por que não tirar o fone do aparelho?
Como as coisas eram estranhas... Até poucos dias atrás, Duke era o centro de
sua vida. Mas agora tudo havia mudado. Não tinha jeito mesmo. O amor deles estava
condenado ao fracasso. Ambos eram inimigos naturais, antagonistas completos. Nada
poderia dar certo entre os dois.
Então, já que as coisas eram assim, só havia uma única coisa a ser feita:
esquecê-lo. Pelo menos, se isso fosse possível...
O telefone parou de tocar e ela abaixou o volume da televisão. Deitou-se no
sofá, sentindo-se fraca. Que semana horrível...
Court e Noble, funcionários tão antigos da Carson, não passavam de dois
desonestos. Ambos haviam concordado em devolver o dinheiro desviado, em troca do
silêncio de Wynn, mas mesmo assim a situação da empresa era muito delicada.
O fim de semana fora particularmente detestável. Após a reunião com o
mediador na sexta-feira, ela ficara no escritório até as dez horas da noite e, exausta,
dormira de roupa mesmo em cima do sofá, assim que chegara em casa. O sábado fora
uma reprise de sexta-feira. As negociações tinham durado o dia inteiro, e, mesmo
agora, no domingo, o cansaço ainda não a havia abandonado.
O telefone começou a tocar de novo. Dessa vez Wynn resolveu atender.
Precisava ser corajosa o suficiente para dizer a Duke, de uma vez por todas, que tudo
estava acabado.
Pegou o fone com mãos trêmulas.
— Wynn! — soou a voz de Duke do outro lado da linha, antes mesmo que ela
falasse alô. — Por favor, Wynn... Fale comigo!
Aquilo a deixou mais insegura ainda.
— Fique tranqüilo, Duke. Vou falar com você. O que aconteceu? — O coração
dela batia tão alto que ficou com medo que ele ouvisse.
— Como assim, o que aconteceu? O que acontece é que eu te amo, Wynn. Será
que já se esqueceu disso? Por favor, eu preciso tanto ver você...
Ela respirou fundo, tentando encontrar as palavras.
— Wynn — continuou ele, com a voz tão doce e sensual que a fez se derreter
inteira. — Preciso muito falar com você... É tão importante para mim, acredite, por
favor!
Não havia como negar.
— Venha, Duke, já que é assim tão importante.
Ele deu um suspiro de alívio.
— Já estou indo! — E desligou rapidamente.
Muito antes do que Wynn pudesse esperar, a campainha tocou. Confusa e
tremendo inteirinha, foi abrir a porta. E que Deus a ajudasse.
Assim que a viu, Duke a tomou nos braços e a beijou com selvageria e
desespero. Wynn sentiu que seus lábios pegavam fogo e todos os argumentos que
preparara sumiram como que por encanto.
Todas as suas razões se transformaram em palavras bobas, sem nenhum poder
para vencer suas emoções tempestuosas. Uma enorme onda de desejo tomou conta
dela, deixando-a sem forças e desprotegida.
Finalmente, Duke levantou a cabeça e murmurou em seu ouvido.
— Por quê, Wynn? Por que você está me evitando desse jeito? Juro que já
estava ficando louco...
— É que eu achei que nada poderia dar certo entre nós, Duke. Mas, quando
você me beija desse jeito, mudo de idéia...
— Então vou fazer com que você mude de idéia para sempre...
Duke fez com que o vestido de Wynn voasse longe e levou-a para o sofá.
Livrou-se de suas próprias roupas rapidamente e, após tirar a calcinha dela, penetrou-a
tão depressa que Wynn não pôde reprimir um grito de dor. Mas a dor logo se
transformou num prazer fantástico, os dois corpos dançando num ritmo louco, Duke em
cima dela, seu membro penetrando-a cada vez mais fundo, enquanto ela agarrava as
costas dele,, arranhando-o e acariciando-o ao mesmo tempo.
O orgasmo veio como uma explosão de êxtase e eles ficaram muito tempo ali,
parados, abraçados, murmurando palavras doces um para o outro.
Depois, foram tomar banho juntos. Rindo, Wynn pegou o sabonete e começou a
ensaboar os ombros e o tórax musculoso dele, sempre descendo, até encontrar seu
membro, duro como uma pedra.
— Agora é a minha vez — murmurou ele.
Então Duke tomou o sabonete das mãos dela e o passou levemente por seus
ombros, seios, ventre, até alcançar a floresta entre suas coxas. Então, ele se ajoelhou
diante dela e enterrou a língua em seus pêlos úmidos, até que ela não pudesse
suportar mais tanto prazer e gritasse para ser possuída ali mesmo. Duke então se
levantou e, enquanto a água morna batia em seus corpos, entrou nela de novo e eles
se amaram com loucura, até que o gozo os deixasse exaustos.
Depois, vestiram-se juntos e foram comer alguma coisa num restaurante das
proximidades. Quando voltaram, Wynn insistiu para que ele passasse a noite ali.
Dormiram juntos, abraçados, e, na manhã seguinte, acordaram cedo para o reinicio das
negociações.
Duke foi para o apartamento dele a fim de trocar de roupa, deixando Wynn
sozinha com suas preocupações. Tudo iria começar de novo. Como o destino era
implacável com eles! Amavam-se tanto, davam-se tão bem na cama... mas estavam
destinados a ocupar lugares opostos durante a vida toda.
A reunião começou e, apesar da presença do mediador, pouca coisa foi
resolvida. No final, Duke chegou perto dela e disse baixinho:
— Vá para casa e descanse, baby. Até amanhã. Te amo.
Wynn ficou tocada com a compreensão e o carinho dele e, apesar do aparente
fracasso das negociações, voltou feliz para casa.
As coisas não melhoraram muito no dia seguinte e foi só na quarta-feira que a
empresa Carson e o sindicato chegaram a um acordo.
Assim que Wynn ficou sozinha em sua sala, o telefone tocou. Era sua cunhada
Dolores.
— Como é que vão indo as coisas? — perguntou ela.
— Graças a Deus, as negociações chegaram ao fim. Nem acredito...
— Você deve estar cansadíssima, não é? Será que não a estou atrapalhando?
— De jeito nenhum. Para falar a verdade, estou sozinha na minha sala,
respirando aliviada. E fico contente por você ter ligado. Como é que vão todos por aí?
— Muito bem, Wynn. Aliás, estou ligando para lembrar você do concerto de
Greg, na quarta-feira que vem, no Town Hall.
— Meu Deus! O concerto vai ser já na próxima semana?
— Exatamente. Greg está tão ansioso que nem dorme à noite!
— Posso imaginar. Meu irmãozinho deve estar mesmo uma pilha de nervos!
— Acredite nisso, cunhada!
— Não perco esse concerto por nada no mundo, Dolores. Contem comigo.
Após as despedidas, Wynn já estava deixando o escritório quando o telefone
tocou de novo. Dessa vez era Duke.
— Está muito cansada, baby? Você parecia exausta quando deixei o seu
escritório.
— Estou, sim, querido. E você?
Wynn sabia como ele devia estar se sentindo. Além do cansaço, Duke estaria
provavelmente carregando um sentimento de culpa por ter falhado perante seus
companheiros. O acordo fora justo, mas, no final das contas, favorecera mais os
interesses da Carson.
Wynn havia falado a Duke, em particular, sobre os problemas com Court, Noble
e a situação difícil da firma e ele concordara em desistir de grande parte das exigências
do sindicato.
— Cansado também. Mas morrendo de vontade de ver você, nem que seja por
pouco tempo. Será que posso encontrá-la na sua casa?
— É claro que pode, Duke. Também gostaria de vê-lo.
— Obrigado, baby. Você nem imagina o quanto eu preciso de sua companhia
agora...
Wynn deixou o escritório logo depois e foi direto para casa. Exausta, mas feliz
pela visita de Duke, trocou de roupa e ficou esperando por ele.
Meia hora depois, a campainha tocou e, como era inevitável, um caiu nos braços
do outro.
— Você pode estar cansada — disse ele, sorrindo. — Mas continua maravilhosa
como sempre.
— E você, mais charmoso do que nunca. Mas venha cá, querido. Quer um
drinque?
— Baby, se eu tomar um drinque agora, acabo dormindo aqui mesmo.
— Vou fazer café para mim. Será que você quer uma xícara?
— Café? Mas que ótima idéia, amor!
Ela lhe deu um beijo no rosto, foi para a cozinha e voltou com uma bandeja
contendo duas xícaras e um bule de café fresco.
— Tenho uma coisa para lhe dizer, Wynn — disse Duke, aceitando a xícara que
ela estendia.
— O que foi, amor?
— Vou viajar para Detroit.
— Detroit? O que vai fazer lá?
— Você nem imagina. O presidente nacional do sindicato ficou sabendo daquela
fofoca do jornal e mandou um telegrama para a minha casa, "convidando-me" a
comparecer no escritório dele, de hoje a uma semana.
— De hoje a uma semana? Na quarta-feira, então...
— Exatamente. Algo de especial nesse dia?
Era a noite do concerto de Greg. Wynn tinha pensado em convidar Duke para ir
junto, não importava o quanto esse gesto fosse indiscreto. Mas agora...
— Não, nada especial — mentiu ela. — Eu só estava pensando que... o
suspense vai ser muito grande até a semana que vem.
Ele passou o braço pelo ombro dela e deu-lhe um beijo no rosto.
— Não se preocupe, querida. Tudo vai sair bem. Vou conseguir dobrar o velho,
você vai ver.
Mas Wynn não estava assim tão otimista.
— Eu sei que fui a causadora desse problema, Duke... E isso me deixa tão
angustiada!
Ele a abraçou com força.
— Não fale assim, baby. Você não foi a causadora de problema algum. Vai ver
como tudo dará certo. Ah, se todas as dificuldades que eu tenho que enfrentar fossem
assim...
Wynn olhou para ele, espantada.
— O que você quer dizer com isso, Duke? Há mais alguma coisa errada na sua
vida?
— Infelizmente. Acho que alguém no sindicato está querendo se ver livre de
mim.
— Meu Deus... Quer dizer que você também está tendo problemas com o seu
pessoal?
— Pelo menos, essa é a impressão que eu tenho. Acho que Bernie Halloran
está querendo me ver pelas costas.
— E o que o faz pensar assim?
— Ele tem me acusado muito ultimamente. E não ficou nem um pouco satisfeito
com o resultado das negociações.
Wynn deitou a cabeça no ombro dele.
— Eu estou com tanto medo, Duke...
— Medo do quê, baby?
— Medo de que as pessoas não deixem que nós dois fiquemos juntos.
Ele começou a acariciar os cabelos dela.
— Ninguém tem nada a ver conosco, Wynn. Nós vamos ficar juntos, não duvide
disso um só minuto sequer. Aconteça o que acontecer, estarei sempre a seu lado.
Sempre, baby.
Ela tentou sorrir.
— Gostaria de ter a sua confiança, Duke.
— Pois eu tenho confiança por nós dois. Prometo a você que tudo vai dar certo.
Você confia em mim, não confia?
— É claro que sim.
Duke beijou-lhe o canto da boca e levantou-se do sofá.
— Agora vou deixá-la, amor. Você está muito cansada e precisa descansar.
— Nem pense nisso, Duke. Não vou deixar você ir embora por nada neste
mundo.
— Mas você precisa dormir. Não gosto nada dessas olheiras.
Wynn também se levantou e o abraçou com carinho.
— Acontece que eu vou dormir, sim, amor. Só que quero dormir a seu lado,
abraçadinha com você.
Ele sorriu e a apertou com força.
— Humm... Essa foi a melhor idéia que você já teve, baby.

Os dias que se seguiram foram corridos, cheios de compromissos tanto para


Wynn, quanto para Duke. Os dois se encontravam muito pouco, mas os momentos
passados juntos foram agradáveis e gratificantes.
Na terça-feira, Duke entrou em seu escritório e, após dar uma rápida olhada na
correspondência, perguntou a Margaret, sua secretária, se Bernie Halloran já tinha
chegado.
— Ele não virá hoje, Sr. Bellini. O Sr. Halloran foi visitar os terminais com os
agentes.
"Muito estranho", pensou Duke.
— Obrigado, Margaret.
Mas que diabo Bernie Halloran estaria planejando? O que pretendia, visitando
os terminais e conversando com os motoristas filiados ao sindicato?
Duke, mais uma vez, teve a forte intuição de que seu companheiro Halloran iria
lhe causar problemas. Tentou imaginar se ele estava pretendendo derrubá-lo. Seria
possível?
Naquele momento, Duke sentiu-se desamparado. E inseguro. Somente uma
coisa poderia levantar seu ânimo: falar com Wynn. Discou o número dela rapidamente.
— Alô, baby. Como é que vão as coisas?
— Tudo em paz, amor. Está nervoso com a viagem, amanhã?
Ele sorriu.
— Vou dobrar o velho presidente na hora, vai ver. Posso ver você hoje à noite?
— É claro que pode.
— Ótimo. Estou morrendo de saudade.
Conversaram por mais uns minutos e, quando desligaram, Duke já se sentia
mais animado. Quando a secretária entrou em sua sala para lhe dar uns papéis, ele
pediu para que fosse avisado imediatamente quando Bernie Halloran voltasse.
Às três horas da tarde, Margaret informou Duke de que o Sr. Halloran tinha
acabado de chegar.
— Mande-o vir até aqui agora mesmo.
Pouco depois, o velho líder sindical entrou em sua sala.
— Você queria me ver, Duke?
— Isso mesmo. Sente-se — ele se esforçou para manter o tom neutro na voz.
Bernie Halloran se sentou.
— O que você foi fazer nos terminais, homem? O que está acontecendo?
Duke Bellini sempre fora um grande intérprete de expressões. Agora, ele olhava
para o rosto do companheiro. O velho Bernie estava tenso.
— Ora, não está acontecendo nada! Só fui anunciar aos nossos homens o
resultado das negociações. E devo dizer que ninguém ficou muito contente com ele...
— Você sabe muito bem que eu lutei até o fim para o bom andamento das
negociações. Não queira me acusar agora!
Halloran sorriu. Mas não era um sorriso agradável.
— Não me venha com histórias, Duke. Todo mundo está desconfiado que você
andou se envolvendo com aquela... com aquela loira, dona da Carson.
Duke sentiu o sangue ferver nas veias.
— O que você disse, homem?
— O que você ouviu. Quem nos garante que ela não comprou você?
Ele nem podia acreditar no que ouvia. Duke olhou para o companheiro, tomado
pelo ódio. Sentiu vontade de dar um soco nele. Se o fizesse, iria machucá-lo muito.
Halloran tinha vinte e tantos anos a mais do que ele, e estava completamente fora de
forma. Duke respirou fundo e procurou se controlar.
— Vou fingir que não ouvi o que você me disse, Bernie. Mas o que eu estou
mesmo com vontade de fazer é de lhe quebrar a cara!
Halloran ficou vermelho na hora.
— Foi você que avisou Detroit sobre aquela fofoca de jornal, não foi? Seu
canalha...
— Não, Duke. Não fui eu. Todos os caminhoneiros do país já sabem que você
se vendeu. E Detroit não vai deixar passar isso. O velho presidente sabe ler, homem.
Ele lê jornais. E deve estar querendo a sua cabeça!
— Vá embora daqui, Bernie! Vá embora!
Se Halloran não tivesse se levantado e saído da sala imediatamente, Duke teria
perdido a cabeça.
— Vou mostrar a todos esses bastardos que eles estão errados a meu respeito!
— disse Duke alto, para quem quisesse ouvir.

CAPITULO IX

Aplaudindo freneticamente, Wynn e os demais membros da platéia que lotavam


o Town Hall levantaram-se. Entre as lágrimas que caíam sem parar de seus olhos, ela
viu seu irmão no palco, curvando-se para agradecer os aplausos calorosos que agora
recebia.
— Bravo! — gritou entusiasmado um homem perto dela. — Bravo!
As palmas continuavam. Wynn olhou para Dolores, de pé a seu lado. Sua
cunhada tinha os olhos vermelhos e sorria com orgulho para Greg. As crianças não
estavam entendendo muito bem o que se passava, mas era maravilhoso para eles ver
o pai tocando no palco.
Wynn também sorriu e enxugou as lágrimas. Estava hipersensível por várias
razões: falta de sono, pois acompanhara Duke até o aeroporto, às seis horas da
manhã, quando ele pegara o avião para Detroit; uma saudade enorme dele, apesar de
estarem separados há menos de vinte e quatro horas, e um desejo alucinante de que
seu pai estivesse ali com eles. Como ficaria orgulhoso em ver o sucesso do filho!
Greg terminara a audição com o mesmo concerto de Mozart que Wynn e Duke
haviam ouvido naquela primeira noite em que estiveram juntos. Ela ficou se recordando
o tempo todo de como Duke tinha comparado o som da flauta com os pássaros,
lembrando de tudo o que ele havia dito a ela, e a saudade aumentou ainda mais.
Wynn também estava preocupada, pois Duke havia ligado de Detroit,
informando-a de que o presidente nacional do sindicato tivera um problema inesperado
e só poderia vê-lo no dia seguinte. O suspense iria durar um pouco mais.
Com tudo isso na mente, não era de se admirar que ela estivesse chorando.
Porém, procurou se conter ao notar que Dolores a olhava.
Quando as duas se dirigiram para o camarim, para abraçar Greg, ouviram os
comentários entusiasmados dos espectadores.
— Glorioso! — dizia um.
— Magnífico! — falava outro.
Do teatro, a família Carson foi comemorar num restaurante famoso da cidade.
Wynn, durante o tempo todo, ficou pensando em como seria bom se Duke estivesse ali
a seu lado. Era impossível deixar de pensar nele.
Enquanto Greg ia de mesa em mesa cumprimentando os conhecidos, Dolores
mantinha um olho nas crianças e outro na cunhada. E acabou percebendo seu ar de
preocupação.
— Você não me engana... — comentou ela, sorrindo. — Sei que alguma coisa
está acontecendo e que a está deixando abatida e preocupada. Aliás, acho que você
emagreceu um pouco...
E era verdade. Wynn havia perdido peso mesmo e até escolhera um vestido
franzido e largo aquela noite para arredondar suas formas agora tão modestas.
Ela deu graças a Deus quando viu Greg voltar à mesa. Estava salva de
responder às perguntas da cunhada. Não que não quisesse lhe contar o que vinha se
passando, mas aquela não era a hora mais apropriada.
A conversa voltou a girar em torno do concerto. Só no momento em que as
crianças começaram quase a dormir cm cima da mesa é que Dolores achou que já era
melhor voltar para casa.
— Venha conosco, por favor — disse ela a Wynn. — Queria tanto falar com
você...
Wynn hesitou. Estava muito cansada e o que mais queria da vida naquela hora
era cair na cama e dormir o sono dos justos. Mas, por outro lado, recusar o convite da
cunhada poderia parecer pouco-caso... Resolveu aceitar.
Mais tarde, recostada no sofá da ampla sala do apartamento perto do Lincoln
Center, Wynn suspirou enquanto esperava Dolores sair do quarto das crianças.
Ela apareceu na sala momentos depois, de pés descalços.
— Estão dormindo como anjos — comentou, sorrindo.
— Aliás, Greg também caiu na cama e, ao que parece, só vai sair dela amanhã.
Você toma alguma coisa, Wynn?
— Não, obrigada. Se puser um gole de bebida na boca, quem vai cair de sono
neste sofá e só acordar amanhã serei eu...
— Um café, então.
— Não, Dolores. Não se incomode. Você deve estar exausta também, não é?
Agora, sente-se aqui comigo e vamos conversar.
Dolores recostou-se no sofá ao lado dela e tomou sua mão.
— Por favor, Wynn, confie em mim... Sei que alguma coisa está acontecendo e
gostaria que você me contasse.
Wynn deu um suspiro fundo e resolveu se abrir.
— Bem, em primeiro lugar, quero lhe falar algo muito desagradável sobre a
empresa.
E, cuidadosamente, contou à cunhada sobre os problemas com James Noble e
Jonathan Court.
— Meu Deus!
Os olhos de Dolores ficaram arregalados de tanta surpresa. Nunca, em toda a
sua vida, ela podia esperar por aquilo.
— Mas fique sossegada — Wynn tranqüilizou-a. — Tudo já está em ordem.
— Eu só posso agradecer a você por não ter levado o problema para Greg, nas
vésperas do concerto. Só que deve ter sido horrível carregar essa carga sozinha!
— Foi muito duro, sim, Dolores. Mas como seria bom se os meus problemas se
resumissem somente a Jonathan Court e James Noble...
— Eu tinha certeza de que havia outra coisa atrapalhando a sua vida, cunhada
querida.
— Pode apostar nisso.
E Wynn contou tudo a respeito de Donato Bellini, desde o começo.
— E você o ama de verdade?
— Muito, Dolores.
— Tem certeza?
— Certeza absoluta... Mas tenho certeza de outra coisa também. Se eu me
casar com Duke, vou arruinar a vida dele.
— Bobagem. Você vai arruinar a vida dele se vocês não se casarem, isso sim...
Olhe para esse anel no seu dedo. Ele jamais teria lhe dado um presente desses se não
a amasse de verdade.
— Eu sei que ele me ama. Disso, não tenho a menor dúvida. Mas ficarmos
juntos vai ser tão difícil...
— Nada é difícil quando existe amor, Wynn.
Ela deu um suspiro e recostou a cabeça no sofá.
— Gostaria tanto de ter a sua segurança, Dolores!
Voltando para a sua casa, Wynn caiu na cama e dormiu tão profundamente que
só chegou ao escritório às onze horas da manhã seguinte.
— Já não era sem tempo — comentou Ruth Wiley, ao vê-la entrar na sala.
— Já não era sem tempo de quê? — perguntou Wynn, cujo bom humor havia
sido refeito pelo sono. — De eu ter chegado?
— Não. Já não era sem tempo de você ter dormido até mais tarde, pelo menos
uma vez na vida.
Wynn olhou para sua leal secretária, pensando: "Eu a coloquei para fora da
minha vida, ignorei-a como nunca, e, mesmo assim, ela continua a se preocupar
comigo e a me querer bem...
— Eu sou uma mulher muito sortuda por ter você aqui comigo, Ruth, isso sim. E
trate de parar com esse regime, porque daqui a pouco vai sair voando pela janela.
Já na sua sala, Wynn olhou para o relógio. Era cedo e Duke ainda não deveria
ter conversado com o presidente. A ansiedade era grande e ela resolveu trabalhar a
todo vapor para tirar aquilo da cabeça. Mergulhou nos problemas da empresa com
tanta intensidade que, quando se deu conta, já era uma hora da tarde.
Almoçou rapidamente numa lanchonete e, quando voltou, Ruth estava
colocando a correspondência em cima da mesa.
— Humm... Devo dizer que estamos fazendo progressos — comentou a
secretária.
— Progressos? Em que sentido?
— O muito distinto Howard Bartley parou de lhe mandar cartas e bilhetes.
Wynn sorriu.
— É mesmo. E, já que ele é parente de Jonathan Court, acho que vai sumir da
minha vida para sempre mesmo. Graças a Deus!
Pouco depois, Ruth interfonou para a sua sala.
— O Sr. Halloran, do sindicato, está aqui e gostaria de vê-la, srta. Carson.
Wynn gelou. O que aquele homem estaria querendo com ela?
— Mande-o entrar.
Ela estava mesmo surpresa e intrigada. Mas, quando Halloran entrou, procurou
parecer calma e sorriu cordialmente.
— Como vai, Sr. Halloran? Sente-se, por favor.
Ele tinha uma expressão maléfica no rosto e Wynn não gostou nada daquilo.
— Não, obrigada, senhorita. Prefiro ficar de pé.
Ela achou aquele gesto meio estranho, mas continuou a agir da forma mais
natural possível.
— Como quiser. O que deseja, senhor? Alguma coisa sobre o acordo?
— Não. O que me trouxe aqui não foram as negociações.
Wynn estava ficando cada vez mais intrigada.
— Então, em que posso ajudá-lo? Tem certeza de que não quer mesmo se
sentar?
— Não, obrigado. O assunto que me traz aqui hoje é muito breve. E pessoal.
— Pessoal? — Ela não estava gostando nem um pouco do que ouvia. — Acho
que não estou entendendo, Sr. Halloran...
— Pois então serei mais claro. Vim aqui para falar da senhorita... e de Duke
Bellini.
O rosto de Wynn ficou vermelho como fogo.
— Continuo não entendendo, senhor...
Ele balançou a cabeça com desdém. E seus olhos tinham um traço de ironia.
— Ora, vamos, srta. Carson. Todo mundo lê jornais, não é? Não é novidade
para ninguém que vocês dois foram vistos juntos várias vezes... E a senhorita sabe o
que o pessoal está comentando!
— Pois não sei! E nem quero saber! — A voz dela estava carregada de raiva.
— Mas vou dizer assim mesmo. Todo mundo está comentando que Duke se
vendeu... Que a senhorita o comprou!
Wynn ficou tão chocada que nem conseguiu responder.
— É isso mesmo — continuou Halloran. — Acredite, isso me dói muito. Duke é
como um filho para mim. Devo dizer que esse relacionamento entre vocês vai arruiná-
lo. Arruiná-lo, senhorita!
Ela ficou uns instantes parada, sem nada dizer. Depois, bateu com firmeza os
punhos fechados na mesa.
— O senhor está sendo muito inconveniente! Não se meta na minha vida
particular! Ela não é da sua conta!
— Aí é que a senhorita se engana. É da minha conta, sim, quando o sindicato é
afetado. — A voz dele agora era cortante. — Por isso, vou lhe pedir para deixar Duke.
Saia da vida dele. Para o bem de todos. Se gosta dele de verdade, não vai querer
arruiná-lo, não é?
A voz de Wynn estava trêmula. Não havia jeito de controlá-la.
— Acho melhor o senhor sair daqui. Agora mesmo!
"Se esse homem não for embora", pensou ela, "vou começar a chorar na frente
dele".
Para seu grande alívio, Halloran disse:
— Tudo bem, já estou indo. Mas vou pedir mais uma vez: saia da vida de Duke
Bellini.
E caminhou resoluto para fora do escritório.
Muito depois de ele ter ido embora, Wynn continuava parada, sentada em sua
poltrona, sem conseguir acreditar.
As palavras de Halloran ainda ecoavam em sua mente: "A senhorita vai arruiná-
lo... arruiná-lo..."
Quando, mais tarde, Duke telefonou de Detroit, ela ainda não havia se
recuperado daquela visita inesperada.
— Como foram as coisas? — perguntou, ansiosa. — Por favor, fale logo...
A ligação não estava muito boa, mas Wynn pôde ouvir claramente a resposta.
— Não muito bem...
O coração dela começou a bater mais depressa, invadido por uma terrível onda
de desespero.
— Wynn? — soou a voz dele do outro lado da linha. — Você ainda está aí?
— Estou, Duke...
— Está me parecendo estranha, baby. Aconteceu alguma coisa?
Ela teve vontade de gritar, de dizer bem alto que Bernie Halloran fora aborrecê-
la no escritório, mas sabia muito bem que não poderia fazer aquilo. Pelo menos, não
por telefone.
— Não aconteceu nada, não. É que eu estou com saudades...
— Também estou, baby. Pretendo chegar a Nova York hoje à noite e não vou
desgrudar de você por nem um minuto sequer.
Após as despedidas, desligaram e Wynn não conseguiu se concentrar no
trabalho pelo resto da tarde. Duke dissera que as coisas não iam bem em Detroit. O
presidente nacional do sindicato não estava contente com a atuação dele. E as
palavras de Bernie Halloran continuavam a soar em seus ouvidos. Ela precisava tomar
uma decisão. Urgentemente.
Naquela noite, Wynn foi esperar Duke no aeroporto. E sua decisão já estava
tomada. Mas ao vê-lo despontar no corredor, tão cansado e abatido, ela decidiu que
aquela não era a melhor hora para lhe comunicar decisão alguma.
Duke largou a mala no chão e correu para abraçá-la. Na frente das outras
pessoas, trocaram muitos beijos apaixonados e, quando perceberam que as carícias já
estavam passando dos limites, resolveram sair dali e ir para a casa de Wynn.
Mas, assim que entraram no carro, os carinhos começaram de novo. Foi preciso
muita força de vontade de ambos para se controlarem e chegarem até a casa dela.
Durante o percurso, Duke lhe contou que o presidente em Detroit estava
descontente com os boatos sobre o relacionamento entre eles e que pretendia ficar de
olho nele. E, mais uma vez, Wynn percebeu que a decisão que tomara era a coisa mais
lógica a ser feita. Precisava se afastar dele. Mas não agora. Não naquela noite.
Assim que entraram na casa dela, Duke esqueceu seu cansaço e, tomando-lhe
a mão, levou-a para o quarto. Lá, sem poder se conterem, ambos tiraram a roupa
rapidamente e caíram juntos na cama. Duke começou a beijar o pescoço e os ombros
dela, mordiscou seus seios, acariciou seu ventre e tocou levemente seu sexo.
Massageando-o com os dedos, foi aumentando a pressão, até fazer com que ela
gritasse, implorando para ser amada.
Ele então a penetrou e se amaram com loucura, atingindo o clímax ao mesmo
tempo e depois ficaram um longo tempo abraçados, sem nada falarem, apenas
curtindo a companhia um do outro.
Mas nenhum dos dois ainda estava satisfeito. O desejo ardia em seus corpos e
dessa vez foi Wynn quem tomou a iniciativa, montando em cima dele e amando-o com
paixão e intensidade.
Mais tarde, caíram num sono profundo, só acordando com a luz do sol no dia
seguinte.
Tomaram banho juntos e estavam se vestindo no quarto quando Duke disse
abruptamente:
— Você quer se casar comigo, Wynn?
Foi como se o mundo tivesse desabado na cabeça dela. A voz aguda e
penetrante de Bernie Halloran começou a soar em seus ouvidos novamente e ela teve
vontade de chorar. O homem que amava acabara de pedi-la em casamento. Mas, se
aceitasse, iria arruiná-lo. Iria destruir a vida profissional de Duke Bellini. E aquilo não
era justo.
Duke percebeu a hesitação de Wynn e chegou mais perto dela.
— Você não me respondeu, baby...
Ela virou as costas para ele, a fim de esconder as emoções estampadas em seu
rosto. Mas Duke colocou as mãos em sua cintura e virou-a novamente.
— O que está acontecendo com você, amor?
Wynn suspirou profundamente e, com grande esforço, conseguiu olhar nos
olhos dele.
— Duke... Eu não vejo jeito para nós dois...
Ele começou a rir.
— Ora, você só pode estar brincando! Como assim, não vê jeito para nós? É
claro que há jeito, sim, baby.
Ela tomou a mão dele e, juntos, sentaram na cama.
— Por favor, Duke, você precisa me entender. Amo você como nunca amei
ninguém na vida e só Deus sabe como isso é verdade... Mas, se nós nos casarmos, eu
vou destruí-lo... vou destruir tudo o que você construiu com tanto sacrifício. Não posso
fazer isso, não posso...
Ela parou de falar porque os soluços já começavam a brotar de sua garganta.
— Arruinar-me? — Duke nem acreditava no que ouvia. — Mas que absurdo!
Como pode dizer uma bobagem dessas? Você está parecendo Bernie Halloran!
Parecendo Bernie Halloran. Ao ouvir aquele nome, Wynn involuntariamente
contraiu o rosto. Duke, que a olhava tão de perto, percebeu aquele gesto.
— O que houve, baby? Por que você ficou assim quando eu mencionei Bernie?
Era inútil esconder aquilo. Mais cedo ou mais tarde, Duke iria mesmo descobrir.
E, entre lágrimas e soluços, ela lhe contou sobre a desagradável visita de Bernie
Halloran.
Wynn pôde notar o brilho de ódio nos olhos dele, enquanto falava.
— Quero lhe pedir um favor — disse ela, acabando a história. — Não brigue
com Halloran... Ele é um homem velho e você poderia derrubá-lo em um minuto.
Foi como se Duke nem tivesse ouvido o pedido de Wynn.
— Maldito! Então aquele maldito procurou você... — O rosto dele estava tomado
pelo ódio. — E você deu ouvidos a um homem que está louco para se livrar de mim...
Isso não tem sentido!
— Eu sei que Halloran não é um homem confiável, Duke. Mas pelo menos nisso
ele está certo. Não sou a mulher ideal para você, não percebe?
Ele se levantou e olhou bem para ela.
— Não posso acreditar nisso! Seus argumentos são tão absurdos que... Olhe,
tenho certeza de que existe outra razão. Sabe de uma coisa? Você deve estar cansada
de mim, Wynn. E não deve estar querendo se amarrar com um homem simples como
eu, não é? Por que não fala a verdade? Pelo menos seria mais honesto de sua parte!
— Pare, Duke! Como é que você tem coragem de falar assim comigo? — Wynn
estava trêmula e não conseguia parar de chorar. — Não vê que eu te amo?
— Ama coisa nenhuma! Se amasse, não daria ouvidos àquele idiota do Bernie
Halloran! Se você gostasse de mim de verdade, nada mais neste mundo importaria!
— Mas eu juro que te amo!
— Acontece que eu não entendo esse tipo de amor. E estou farto disso tudo!
Adeus, Wynn Carson!
Duke olhou-a com desdém, de cima a baixo, e saiu do quarto batendo a porta.
Em poucos segundos, seus passos ecoavam no jardim.
Wynn teve vontade de correr atrás de Duke, de gritar que o amava, de implorar
para que ele voltasse. Mas não teve forças. Deixou-se ficar ali, em sua cama, enquanto
as lágrimas corriam livremente por seu rosto.
A noite foi muito longa e Wynn mal conseguiu pregar o olho. A manhã seguinte
conseguiu ser pior ainda, pois trouxe a lembrança de outras manhãs passadas ao lado
de Duke.
O fim de semana todo foi péssimo e Wynn não teve vontade nem de se arrumar.
Passou o domingo todo de robe, no quarto, curtindo sua dolorida solidão e olhando
para o telefone que teimava em não tocar.
No dia seguinte, já no escritório, pensou em ligar para ele e desculpar-se. Mas
desculpar-se pelo quê? Pelo fato de não ter aceitado um pedido de casamento? Não,
aquilo ela não poderia fazer de jeito nenhum.
Foi na terça-feira que, ao abrir o jornal, deparou com uma notícia que a fez
tremer. Em destaque, com letras grandes, estava escrito:
"O irrequieto líder sindical Duke Bellini fez mais uma das suas: afastou da
diretoria do sindicato seu companheiro de muitos anos Bernard X. Halloran, a apenas
quatro meses de sua aposentadoria. O que será que deu nele?"
Wynn leu a notícia várias vezes e não pôde deixar de sentir um pouco de pena
de Halloran. Ainda bem que pelo menos Duke não o agredira fisicamente, acabando na
prisão por causa disso.
Wynn deu graças a Deus pelo grande volume de trabalho daquela semana, na
empresa. Atirou-se freneticamente aos negócios, passou a ocupar a mente com outros
problemas que não Duke Bellini e, quando convocou a diretoria para uma reunião na
sexta-feira, percebeu com satisfação que as coisas na Carson estavam começando a
se reorganizar. E exultou quando o auditor lhe disse que, se tudo continuasse a correr
bem, as finanças iriam permitir que se fizesse um novo acordo com o sindicato.
"Nem tudo está perdido", pensou ela, quando a sala de reuniões ficou vazia.
Olhou para o retrato de Mike Carson na parede. Pelo menos tinha essa alegria, essa
satisfação que a consolava, não importava o que tivesse perdido. Estava mantendo a
Carson de pé, exatamente como seu pai faria se estivesse vivo.

Greg Carson e Wynn estavam sentados a uma mesa no Windows on the World,
o restaurante espetacular no 107.° andar do World Trade Center.
O lugar oferecia uma vista incomparável da cidade e, como a mesa deles dava
para a face norte, o panorama podia ser admirado do melhor lugar do restaurante.
— Você está fazendo milagres na empresa, irmãzinha. Tenho tanto orgulho de
ser seu irmão...
— Eu é que tenho orgulho em ser sua irmã, Greg. Quanto aos milagres, eles
simplesmente aconteceram.
"Milagre é eu ter sobrevivido, isso sim", pensou ela. "Agora, preciso aprender a
viver sem Duke Bellini..."
— Por que não tira umas férias? — sugeriu Greg. — Você está me parecendo
tão cansada...
Wynn sabia que sua aparência não era das melhores. Tinha olheiras, estava
magra demais e seu rosto possuía uma coloração meio amarelada que nem a
maquiagem conseguia esconder.
— E sei também o que está acontecendo com você, irmãzinha...
Wynn gelou na hora. Não esperava que Greg estivesse sabendo de alguma
coisa a respeito de Duke.
— Dolores me contou, Wynn. Você deve ter imaginado que ela iria me contar,
mais cedo ou mais tarde. Nós dois não escondemos nada um do outro.
É claro. Como fora ingênua em pensar que Dolores ficaria quieta! Os dois
tinham o relacionamento franco, aberto, que Wynn sonhara um dia ter com Duke. Bem,
fora tudo um sonho bonito e mágico. Mas o mundo era real e de mágico não tinha
nada. E, quanto mais rápido ela aceitasse o fato, mais fácil seria esquecer e prosseguir
a vida.
— O que foi, Wynn? — perguntou Greg, vendo que ela ficara quieta. — Você
não quer falar sobre isso?
Wynn tomou um gole de vinho antes de responder:
— Não tenho nada a dizer sobre o que aconteceu. Simplesmente não deu certo,
só isso...
Greg tomou sua mão.
— E por que não deu certo?
— Porque um líder sindical e a dona da empresa são antagonistas naturais...
Como é que um relacionamento entre ambos pode dar certo?
— Pois eu não penso assim. Antes de serem um líder sindical e uma dona de
empresa, vocês dois são um homem e uma mulher!
— Um homem que deve satisfações ao seu sindicato e uma mulher que deve
satisfações à sua empresa. O panorama não é muito animador, não acha?
— Agora eu entendo como conseguiu atravessar a crise da Carson com tanta
determinação. Você é teimosa como uma mula!
— Se eu sou teimosa, você nem imagina como é Duke Bellini...
Duke Bellini... Wynn desejou não ter falado aquele nome. De um modo ou de
outro, tocar no nome dele trazia-lhe à frente a sua imagem. E isso era muito dolorido...
— Então, já que vocês dois são tão teimosos assim, uma das partes vai ter que
ceder. É incrível, mas eu nunca vi você tão infeliz na vida, Wynn...
Ela não respondeu e ele continuou:
— Olhe para o seu prato. Você nem tocou nele!
— É que não estou com fome, Greg...
— Aliás, você emagreceu bastante, não é?
— É, um pouco.
— Você não tem jeito, irmãzinha. Está triste, insatisfeita, com olheiras no rosto...
E por quê? Porque é muito teimosa!
— Por favor, Greg, entenda! As coisas não são tão simples assim!
— É claro que não são simples. Mas pelo menos você poderia lutar pela sua
felicidade!
Wynn não respondeu e ficou olhando para a paisagem, pensativa.
— Pelo menos você aceita uma sobremesa, para adoçar a sua vida?
Ela sorriu.
— Não, obrigada. Não estou com fome mesmo.
— Então, se me dá licença, quem vai pedir um doce sou eu.
Momentos depois, deliciando-se com sua torta de chocolate, Greg continuou a
falar:
— Você se lembra do pai de Dolores?
Wynn olhou para ele, surpresa com a pergunta que lhe pareceu irrelevante
àquela hora.
— Vagamente. Por quê?
— Era um espanhol tradicional, de família nobre. Não sei se você se lembra,
mas ele foi completamente contra o meu casamento. Queria que Dolores se casasse
com um primo dela, essas uniões arranjadas pela família, você sabe...
— É, eu me lembro. Mas por que você está me falando disso agora? Não
entendo aonde quer chegar.
Greg a encarou com seus olhos azuis muito sérios, que eram tão iguais aos de
Wynn.
— O que eu quero que você entenda, irmãzinha, é que eu também tive
dificuldades pela frente. Mas lutei. Lutei muito e consegui. Tenho Dolores ao meu lado
e, se não fosse ela, a minha vida não valeria um centavo... Eu lutei porque valia a pena
lutar. Você não acha que deve fazer a mesma coisa?
Wynn balançou a cabeça, mais confusa do que nunca.
— Eu já não sei de mais nada...
Greg tomou a mão dela com carinho.
— Olhe, Wynn, não quero lhe causar mais dor de cabeça ainda, mas tenho a
impressão de que você está cometendo um erro muito grande, talvez o maior da sua
vida. Gostaria que se olhasse num espelho agora. Você está abatida, triste... tão
diferente de antes!
— De antes quando?
— Da época em que tudo estava indo bem com o tal do Duke Bellini.
Wynn abaixou a cabeça, pensativa.
— Não jogue tudo fora, irmãzinha. Olhe, o que eu quero lhe dizer agora é o
seguinte: você sabe o que a música significa para mim. Ela é a minha vida... Mas, se
tivesse que fazer uma escolha entre a música e Dolores, eu escolheria Dolores, mesmo
que isso significasse que jamais tocaria uma nota durante o resto da minha existência.
Wynn levantou os olhos e encarou o irmão mais velho. Nunca, em toda a sua
vida, ele tinha falado mais sério.
E tentou imaginar se realmente cometera o maior erro de sua vida ao se afastar
do homem que lhe abrira os olhos para o mundo do amor.

CAPITULO X

Mas o erro já fora cometido e agora não havia mais jeito. A única coisa que
Wynn podia fazer era esquecer Duke Bellini e começar a se interessar por outros
homens. Por isso, quando uma amiga a convidou para ir a uma festa no dia seguinte,
ela não só aceitou, como dançou a noite toda. Foi uma das últimas convidadas a sair e,
após ter flertado com todos os homens disponíveis, aceitou o convite de um deles para
sair no sábado.
Acabou saindo mesmo, mas foi com tristeza que percebeu que ele a atraía tanto
quanto o muito distinto Howard Bartley. E recusou um convite para um próximo
encontro.
Wynn suspirou aliviada quando a segunda-feira chegou. Pelo menos, o trabalho
preencheria sua vida vazia. Sua única preocupação era esconder seu rosto triste de
Ruth Wiley, que não cansava de fazer comentários sobre seu pouco entusiasmo.
Numa manhã, a secretária foi um pouco longe demais com sua indiscrição e
Wynn lhe deu uma resposta meio fria. Ruth, então, perdeu a paciência:
— Escute uma coisa, Wynn, já estou farta disso tudo que vem acontecendo por
aqui. Trabalho nessa empresa há vinte anos e conheci você quando ainda era uma
criancinha de tranças. Sei que alguma coisa muito séria está acontecendo, mas você
não se abre comigo. E isso me magoa muito. Sinceramente, pensei que nós duas
fôssemos amigas! Mas você me trata como se eu não passasse de uma secretária
substituta!
Cheia de remorsos, Wynn olhou para a leal secretária. Era verdade. Havia
ignorado Ruth Wiley por muito tempo e agora chegara a hora de consertar as coisas.
— Você está absolutamente certa — disse ela, gentilmente. — Vamos
conversar.
As duas sentaram juntas e tiveram uma longa conversa que girou em torno de
muitos assuntos, desde os problemas da empresa, até a triste vida sentimental de
Wynn, que mencionou seu caso de amor fracassado e todo o seu sofrimento, só
omitindo o nome de Duke Bellini. Convinha que ninguém ficasse sabendo. Tudo estava
acabado mesmo e era melhor nem tocar no nome dele.
Quando a conversa chegou ao fim, Ruth se levantou e olhou para Wynn com
carinho e afeição.
— Obrigada por confiar em mim, querida. Agora, eu sinto de novo que realmente
pertenço a esta empresa.
Ela já estava se levantando para sair da sala quando um office-boy bateu na
porta e entrou, trazendo um envelope amarelo.
— Telegrama para a srta. Carson.
Wynn abriu o envelope, leu a curta mensagem em voz baixa e soltou uma
exclamação:
— Nossa! Por essa eu não esperava!
Ruth ficou preocupada.
— O que houve? Problemas, Wynn?
Wynn não quis olhar dentro dos olhos da secretária. O telegrama era de Duke
Bellini...
Dizia: "Parabéns. Sua empresa está indo cada vez melhor".
Wynn teve que se controlar até que Ruth saísse e ela ficasse sozinha. Então, leu
o telegrama centenas de vezes, entre risos e soluços de alegria.
Como é que Duke Bellini sabia que a Carson estava indo bem? Não importava.
O importante era que ele ainda pensava nela. Senão, jamais enviaria telegrama algum.
Duke ainda não a havia esquecido... e aquilo era o bastante para deixá-la com
vontade de chorar.
Bem, mas e daí? Agora já era tarde demais para consertar o erro. Ele ainda
devia estar magoado com ela, e, de qualquer maneira, as coisas não iriam dar certo
mesmo.
Estava tudo acabado. E quanto mais cedo ela aceitasse esse fato, melhor.
Mais tarde, naquele mesmo dia, após Ruth Wiley ter ido embora, Wynn tirou o
telegrama da bolsa e o releu várias vezes, até que as lágrimas a impedissem de
continuar. O pranto serviu para aliviá-la; quando finalmente enxugou os olhos, sentia-se
mais leve, com uma estranha sensação de liberdade e de vazio.
Tudo estava acabado. Mas a vida continuava.
Foi aí que ela teve uma idéia. Como é que não havia pensado naquilo antes?
Tiraria umas férias, faria uma longa viagem de navio e se divertiria até dizer chega. Era
só falar com o agente de viagens e escolher o lugar. Tinha que ser o local mais bonito
do mundo. Antes de embarcar, compraria muitas roupas lindas e faria um sucesso
enorme. E então, Duke Bellini iria desaparecer de seu pensamento. Para sempre. De
uma vez por todas.
Mas as coisas não aconteceram exatamente como ela previra.
Naquela mesma tarde, ao visitar o agente de viagens, a melancolia voltou ao
seu coração. Não havia nenhum lugar nesse mundo que tivesse vontade de conhecer.
E seu interesse pelas roupas novas também terminou em nada.
Então, sem decidir coisa nenhuma, resolveu apenas pegar uns folhetos
turísticos para estudar em casa e foi embora.
Duke Bellini estacionou seu Porsche vermelho na frente do B. C, desceu e
entrou no restaurante.
Havia muita gente por lá, tomando cerveja e conversando, mas Duke notou que
eles não tinham uma expressão muito amigável no rosto.
— Oi, Duke — disse um deles, sem ânimo.
— Olá — falou outro, igualmente desanimado.
"Como as coisas eram diferentes há dois meses", pensou ele com tristeza.
Sentou-se num dos banquinhos do balcão e pediu café.
— Como está quente, não? — comentou com o rapaz a seu lado.
— É... também, estamos bem no meio do verão... — foi a resposta sem graça do
outro.
Logo depois, esse homem colocou a mão no bolso, tirou umas moedas e as
deixou em cima do balcão.
— Bem, já vou indo. Tchau, Duke.
As outras pessoas ali ao redor também acabaram se dispersando.
— Tchau, Duke. Tchau, rapaz — era o que mais se ouvia por lá.
O restaurante ficou praticamente vazio e ele continuou a tomar seu café,
pensativo.
— Brrr... está gelado aqui, não é?
Duke levantou os olhos ao ouvir o som daquela voz e viu que Polly, a garçonete
ruiva, lhe sorria atrás do balcão.
— É verdade — disse ele, tentando dar um sorriso. — Acho que vocês aqui do
B. C. têm o melhor ar-condicionado da cidade...
Polly lhe deu um olhar significativo, enquanto lavava as xícaras e os pires.
— Só que eu não estou falando sobre o ar-condicionado, Duke...
Ele olhou para a ruiva, surpreso.
— Então está falando sobre o quê, mulher?
— Sobre o modo gelado com que as pessoas estão tratando você.
Duke não esperava que ela fizesse aquele comentário e acabou dando um
sorriso sem graça. A garçonete continuou a lavar a louça e a falar, decidida:
— O pessoal está frio com você por causa da demissão do velho Bernie
Halloran, não é?
Ele ficou mais sem graça ainda.
— Você está muito bem informada, não é, Polly?
A garçonete parou seu trabalho e quase se debruçou sobre o balcão.
— Eu sei que estou sendo uma velha xereta, mas passo a maior parte da minha
vida neste restaurante e não posso deixar de ouvir as coisas que são faladas aqui... E
leio jornais, também. Sei que despediu Halloran e os seus companheiros estão loucos
da vida por causa disso.
Duke suspirou e tomou mais um gole de seu café.
— Eu sei, Polly. Mas tive os meus motivos. E, para sua informação, fique
sabendo que Bernie vai receber a sua aposentadoria normalmente, como se não
tivesse sido despedido. Agora, que tal me servir mais uma xícara de café?
A garçonete colocou a máquina para funcionar e sorriu abertamente.
— Fico contente por ouvir isso, Duke. Sei que você tem bom coração.
E, aproximando-se dele, tocou de leve em seu rosto.
Como era bom ser tocado por uma mulher! Mesmo que a mulher fosse Polly. As
mulheres tinham um jeito especial de tocar as pessoas... A mãe de Duke tinha aquele
toque. E Wynn também.
Wynn... A lembrança dela começou a doer como um soco no estômago. E ele
deixou escapar um longo suspiro.
— Fique sossegado, meu filho — continuou Polly. — Tudo vai dar certo. Seus
companheiros vão acabar entendendo você.
— Só Deus sabe o quanto eu gostaria que os meus problemas se resumissem
apenas aos problemas do sindicato ...
Polly sorriu.
— Hum... Eu bem que estava desconfiada de que havia outra coisa aborrecendo
você, meu filho.
— Pois acertou em cheio!
— Problema com alguma mulher, não é? Estou certa?
— Certíssima!
A garçonete agora limpava o balcão com um pano e olhou em volta. Havia
somente um freguês a uma mesa, que deveria morar nas vizinhanças. Não era
caminhoneiro. Mesmo assim, Polly resolveu abaixar a voz.
— Será que você está tendo problemas com aquela moça loira que esteve aqui
uns meses atrás, cujo carro havia quebrado?
Duke hesitou por alguns instantes, mas afinal acabou admitindo:
— Acertou em cheio, Polly.
— Eu me lembro dela. A moça era bonita mesmo!
— Bonita, não. Linda!
A garçonete parecia realmente interessada em ajudar.
— Então qual é o problema? Por acaso ela gosta de outro homem?
— Não é isso. É que...
Subitamente, Duke parou de falar. Nunca havia trocado confidências com Polly
durante os nove anos em que ela trabalhava no B. C. e agora falar sobre assuntos tão
pessoais o deixava meio constrangido. Mas então, ele pensou: "E por que não começar
agora?" Ela sempre tivera a reputação de ter orelhas grandes e boca pequena; ouvia
muito e falava pouco. Era isso mesmo. A ruiva Polly seria a mulher certa para ouvir seu
desabafo.
— É que ela é a patroa — continuou Duke. — E eu sou o líder sindical...
A garçonete balançou a cabeça.
— Puxa, garoto, a sua situação é mesmo delicada!
— Eu não disse?
— Mas diga uma coisa. Você realmente gosta dela?
Duke sentiu como se tivesse levado um soco de novo.
— Se eu gosto dela? Pode apostar que sim!
— E ela gosta de você?
— Não sei. Às vezes acho que gosta. Às vezes acho que não. Mas não estamos
mais juntos. Eu a pedi em casamento e sabe o que ela disse? Que as coisas jamais
poderiam dar certo entre nós... E recusou. Acredite, Polly, isso me dói tanto!
— Bem, sendo assim...
A garçonete apoiou a cabeça nos dois cotovelos, em cima do balcão.
— Sendo assim, por que você não desiste de ser líder sindical e arranja outro
trabalho?
Polly lhe serviu outra xícara de café e, dessa vez, colocou um pouco de creme
chantilly para animá-lo.
— Agora você está falando como meu pai — comentou Duke. — O velho
sempre me dizia que eu devia ter mais juízo e deixar a vida de líder sindical.
— Pois seu pai falou muito bem! — Polly estava cada vez mais animada. — Às
vezes, não entendo como vocês agüentam essa vida! Trabalham vinte e quatro horas
por dia e, ainda por cima, têm que enfrentar um problema atrás do outro. Deus me livre!
Duke tomou um gole de café e acabou com todo o creme chantilly.
— Humm... Que delícia de creme! Mas, voltando ao assunto, devo dizer que
você está certa. Minha vida não é fácil, não... O velho sempre dizia que eu devia ser
advogado trabalhista, mas o desejo de pertencer ao sindicato foi mais forte.
— Bem, agora você vai ter que tomar uma decisão, rapaz. Quando o inverno
chegar, tenha certeza de uma coisa: os rapazes do sindicato não vão aquecer você nas
noites frias...
Duke começou a rir.
— É, eu acho que não vão mesmo.
Polly passou a mão pelos cabelos dele.
— Garoto, se eu fosse vinte anos mais nova...
— Eu não estaria falando com você de outra mulher...
Ambos caíram na risada. Duke terminou seu café, levantou-se e colocou dois
dólares em cima do balcão.
Polly nem acreditou no que viu.
— Ei, o que é isso, Duke? Onde você pensa que estamos? No Waldorf, por
acaso?
— Isso é por você ter me ouvido, Polly. Valeu por uma terapia. Obrigado,
querida. Muito obrigado.
Inclinou-se sobre o balcão e, para a grande surpresa da garçonete ruiva, deu-lhe
um beijo no rosto.
Ela sorriu, satisfeita.
— Pense no que eu lhe disse, Duke. Se você realmente a ama, mude de
profissão, faça o diabo, mas fique ao lado dela. Não jogue fora a chance de ser feliz...
— Vou pensar, Polly.
E, olhando a garçonete com carinho mais uma vez, deixou o restaurante.
Entrou no carro e pegou o caminho do centro da cidade para chegar em casa.
Dirigiu o tempo todo sem dar uma só olhada para as pessoas que estavam dentro dos
outros carros. Pois, se por acaso visse Wynn ao lado de um outro homem, teria um
ataque do coração...
Chegando ao seu apartamento, tirou a roupa para entrar no banho. E foi aí que
a imagem de Wynn nua em seus braços, gemendo de prazer e implorando para ser
possuída, veio-lhe clara à mente. E Duke sentiu a pele pegar fogo.
— Deus do céu... Não posso agüentar isso nem um minuto mais!
Entrou rapidamente no chuveiro e girou o botão para a água fria. Ficou um
tempo enorme tremendo de frio, enquanto seu desejo se acalmava.

Numa noite quente, no meio de junho, Wynn vestiu um robe longo e largo e ficou
andando pela sala de estar de sua casa. Estava se sentindo infeliz, cansada, sem
sono, muito desanimada para fazer qualquer coisa. Os folhetos da agência de viagens
estavam espalhados em cima da mesa, esperando por sua decisão. Pegou um deles,
cuja fotografia mostrava um casal de maio tomando sol numa praia deserta.
O mundo todo estava à espera dela. Mas de que aquilo adiantava? Que graça
tinha viajar sozinha? Nenhuma... Acabaria achando tudo uma droga e não se divertiria
em lugar nenhum. O que adiantava estar no Caribe, sozinha e aborrecida? De que
valia estar nas Bahamas, se breves encontros amorosos não lhe interessavam? Havia
se prometido uma viagem quando as negociações com o sindicato terminassem. Mas
não havia um só lugar no mundo inteiro que tivesse vontade de conhecer. Não,
estando sozinha. Não, sem a companhia de Duke.
Então, finalmente admitiu o que seu coração já vinha lhe dizendo há muito
tempo.
Estava morta de saudades dele. E não iria conseguir esquecê-lo de maneira
alguma.
Wynn suspirou, ouvindo o som da televisão de seu quarto. Havia ligado o
aparelho porque o silêncio do apartamento era insuportável e ela sentia necessidade
de companhia. Ouvir música era pior, porque a maioria delas lhe trazia lembranças de
Duke. Na verdade, o som da televisão não estava muito claro por causa do ruído do ar-
condicionado e a voz do repórter do jornal falado mal era ouvida. Não que aquilo
importasse muito...
Acomodou-se no sofá e olhou em volta. Sua sala estava tão bonita, tão
enfeitada com plantas e vasos de flores...
Mas de que adiantava tanta beleza, se Duke, o homem de sua vida, não estava
lá para ver tudo aquilo?
Balançou a cabeça com força para afastar aqueles pensamentos nefastos. Tinha
que parar de pensar naquele homem que provavelmente já a esquecera. Depois
daquele telegrama, ela nunca mais ouvira falar nele. Duke sumira completamente...
Onde estaria naquele momento? Com outra mulher, talvez... O simples
pensamento de que Duke Bellini pudesse estar fazendo amor com outra garota fez com
que Wynn sentisse náuseas.
Tinha que parar urgentemente de pensar em coisas negativas. Levantou-se
decidida do sofá e foi para o quarto ouvir o noticiário. Pelo menos teria alguma coisa
em que se concentrar.
Ao chegar lá, ouviu qualquer coisa sobre o sindicato dos caminhoneiros. E
também o nome Bellini.
A princípio, achou que sua mente estava lhe pregando uma peça e que estava
ouvindo bobagens. Mas logo percebeu que não estava tão maluca quanto pensara. O
repórter falava mesmo sobre Duke, que logo apareceu no vídeo.
O coração de Wynn disparou de vez e ela teve que se sentar na cama para não
cair. Duke agora era entrevistado por uma repórter e respondia às perguntas com
tranqüilidade. No dia seguinte, haveria uma reunião no sindicato para a aprovação do
contrato que ele apresentara aos companheiros. Se o tal contrato fosse aceito, Duke
continuaria na presidência. Se não fosse, ele teria que deixar seu cargo.
Wynn tentou se concentrar na entrevista. Duke estava mais bonito do que
nunca, vestido com uma camiseta de mangas curtas que enfatizava seus ombros
imensos e tórax musculoso. Mas ela não pôde deixar de notar que ele estava mais
magro. Havia olheiras em seu rosto e rugas de preocupação que antes não existiam.
Wynn tremeu inteirinha ao se lembrar como era bom ficar aninhada nos braços
dele, sentindo aquelas mãos fortes acariciando sua pele nua. Como era gostoso sentir-
lhe o corpo másculo em cima do dela, enquanto seu membro entrava cada vez mais
fundo em suas partes mais íntimas...
"Sou uma grande imbecil", pensou ela. "Aqui estou eu, louca de desejo por esse
homem e não faço nada para reconquistá-lo..."
Tentou imaginar como estaria a vida de Duke. Uma grande correria, com
certeza, pelo modo como ele aparecia no vídeo. Duke Bellini era a própria imagem do
cansaço e da ansiedade.
Subitamente, Wynn desejou ir ao encontro dele, abraçá-lo e beijá-lo com paixão,
gritando bem alto que o amava.
Só que era um grande absurdo. Ela simplesmente não podia fazer aquilo. Era
impossível...
Foi um alívio ouvir o telefone. Até pouco tempo atrás, ela não queria falar com
ninguém. Mas, agora, até que ouvir uma voz não seria mal. E correu para atender.
Era Dolores.
— Como vai, cunhada querida?
Wynn deu um suspiro.
— Mais ou menos...
— Por acaso você está assistindo ao noticiário?
Dolores também estava, pois Wynn podia ouvir o som da televisão e a voz de
Duke do outro lado da linha.
— Estou, sim, cunhada.
— Você está com uma voz tão triste, Wynn...
Já que aquilo era uma verdade indisfarçável, ela resolveu nem protestar.
— Wynn? Você ainda está aí?
— Estou, Dolores.
— Então me diga uma coisa. Quando é que você vai parar de se punir desse
jeito?
— Ora, mas o que você quer que eu faça, nessa altura dos acontecimentos?
Que eu vá amanhã até o sindicato ver de perto se o pessoal aprova o contrato que
Duke apresentou?
Aquela sugestão era tão ridiculamente absurda que Wynn esperou uma
gargalhada do outro lado da linha.
Mas, para seu grande espanto, a risada não aconteceu. Em vez dela, veio a
resposta de Dolores:
— Exatamente. É isso mesmo que você deve fazer.
Wynn ficou revoltada.
— Ora, Dolores, isso não tem cabimento! Como é que a dona da empresa
Carson pode aparecer no sindicato sem mais nem menos? O pessoal todo está falando
que Duke se vendeu para mim e, se eu aparecer por lá, o falatório vai piorar ainda
mais! Francamente, eu acho que você não está se sentindo muito bem, cunhada.
— Pois você está completamente enganada. Estou no meu juízo perfeito.
— Não parece.
Dolores começou a rir.
— Ninguém disse que você deve ir como Wynn Carson, a dona da empresa...
— Não? Acho melhor você ser mais clara!
— Olhe aqui, Wynn, pelo que eu estou percebendo, você está louca de vontade
de voltar para ele. Certo ou errado?
Wynn hesitou por longo momento, pensando se admitia ou não.
— Estou certa ou errada? — insistiu Dolores.
Não havia outro jeito senão confessar a verdade à insistente cunhada.
— Está certa, Dolores.
— Então faça o que o seu coração manda! Vá amanhã ao sindicato e diga a
Duke que o ama!
— Mas eu já disse que não posso aparecer por lá!
— E eu já disse para você não ir vestida de você mesma! Vá disfarçada!
— Ora, Dolores, acho que você endoidou de vez!
— Não endoidei coisa nenhuma. Olhe, um dia eu tive que me disfarçar de loira
para enganar meu pai e sair com Greg. E funcionou!
— Você disfarçada de loira? Inacreditável!
— Pois foi isso mesmo que aconteceu. Agora, empregue a sua imaginação e
use o disfarce que quiser. O importante é que você vá ao encontro dele amanhã.
Wynn ainda não estava muito convencida.
— Não sei, Dolores...
— Olhe aqui uma coisa, cunhada. Pare de se autopunir e vá viver o seu grande
amor. Nunca vi você tão infeliz na vida antes. Quero ver esse sorriso lindo no seu rosto
de novo... Quero que você seja feliz, Wynn! Pare de ficar remoendo a sua infelicidade,
vá ao sindicato e diga que o ama!
Wynn deu um longo suspiro.
— Tudo bem, Dolores. Vou pensar sobre isso.
— Não pense muito, não, Wynn. Ponha na sua cabeça que é isso que você
deve fazer e faça!
Dizendo isso, desligou o telefone.
Wynn ficou por uns momentos parada, segurando o fone na mão, sorrindo e
balançando a cabeça. Sua cunhada era mesmo uma figura...
Depois, pôs o fone no aparelho, pensativa. Ir ao sindicato, ao encontro de
Duke... A simples idéia a deixava apavorada. E se ele a tratasse de maneira fria? E se
não quisesse recebê-la? Não, aquilo ela não poderia suportar. E o pior de tudo... E se
Duke estivesse lá com outra mulher?
— Ora, Wynn Carson — disse ela alto a si mesma —, você nunca teve medo de
nada!
E aquilo era uma grande verdade. Não tivera medo de assumir a presidência da
empresa, conduzira as negociações com firmeza e resolvera os problemas causados
por Noble e Court. Só tivera medo de assumir seu amor por Donato Bellini...
Voltou correndo para o seu quarto a fim de assistir ao resto da entrevista. A
repórter era bonita e parecia muito interessada em Duke...
E foi ali, naquele momento, que ela tomou sua decisão. Iria lutar por ele, sim.
Talvez já fosse tarde demais, mas, mesmo assim, iria tentar. Se não desse certo, pelo
menos ela teria lutado por sua felicidade.
E foi dormir mais tranqüila, contente com sua decisão. No dia seguinte iria ao
encontro de Duke no sindicato. E que Deus a ajudasse...

Wynn passou a noite praticamente em claro, pensando no que fazer. E quando


se levantou, às sete e meia, já tinha decidido: iria ao sindicato disfarçada de repórter.
Foi até o armário e escolheu a roupa mais esportiva possível: uma calça jeans
velha, camiseta amarela com decote em V e sandália de couro. Deixou de lado suas
carteiras pequenas e pegou uma bolsa a tiracolo imensa, onde jogou todas as suas
coisas. Depois de vestida, foi até o espelho e amarrou os cabelos num coque. Pena
que não tivesse uma peruca morena, para que o disfarce saísse ainda melhor... Mas
não fazia mal. Pegou uma boina do armário e a enterrou na cabeça. Óculos escuros
enormes completaram o novo visual e, ao se olhar bem no espelho, riu de sua própria
imagem. Ninguém poderia falar que aquela mulher era Wynn Carson.
Agora, para completar seu disfarce de repórter, só faltava uma coisa: uma
máquina fotográfica. Ainda bem que ela possuía uma, guardada no fundo da gaveta.
Nem filme tinha dentro, mas aquilo era o que menos importava. Deu uma boa
espanada na câmara para tirar o pó, colocou-a no pescoço e, decidida, deixou sua
casa.
Acabou dando graças a Deus pelo dia estar ensolarado, assim os óculos
escuros estavam plenamente justificados.
Pegou um táxi na Quinta Avenida e deu ao motorista o endereço do sindicato,
na Rua Dezoito.
O trânsito não estava muito intenso àquela hora e, no que pareceu uma fração
de segundo, o carro estacionou em frente ao prédio de concreto com portas de vidro.
Wynn nunca entrara ali antes, mas uma vez, num fim de semana, Duke havia passado
por lá com ela para lhe mostrar seu local de trabalho.
Wynn desceu do táxi e subiu a escada que levava à porta de vidro. Em cima
dela, havia o emblema do sindicato, uma roda de caminhão. Duke sempre usava um
emblema na lapela com aquele símbolo.
Entrou no prédio e, imediatamente, seu coração começou a bater com tanta
força que ela ficou com medo de que as pessoas em volta ouvissem. Mas o pior de
tudo era o suor frio que lhe invadia o corpo inteiro. Wynn Carson estava literalmente
apavorada.
Olhou em volta. Havia muitas pessoas no hall, homens, em sua maioria, e ela se
sentiu muito insegura.
Daí, percebeu que, se continuasse a manter a imagem de timidez, poria a perder
todo o seu disfarce. Afinal, como é que uma repórter poderia ser tímida e insegura?
Lembrou-se de que Duke lhe falara uma vez que a sala de reuniões ficava no
primeiro andar. Com certeza, era ali que a votação estaria acontecendo. Com passos
decididos, sem paciência para esperar o elevador, Wynn subiu a escada.
Não foi difícil achar a sala de reuniões. Assim que chegou ao primeiro andar,
ouviu som de vozes vindo de uma das portas e foi até lá.
A sala de reuniões estava lotada. Havia homens conversando, rindo, gritando,
tudo isso em meio a uma densa fumaça de cigarros e charutos, havia também, naquela
bagunça toda, câmaras de tevê e vários repórteres.
Seu medo e insegurança retornaram.
''A princípio, tudo aquilo mais parecera uma aventura. Mas, agora, as coisas
estavam se tornando muito sérias... E se alguém ali a reconhecesse? Daí, sim, ela
estaria perdida...
Bem, mas agora não era hora de ter pensamentos negativos. Estava lá e
precisava dar o melhor de si para que as coisas se arranjassem.
Wynn reparou que um repórter saía da sala de reuniões para respirar um pouco
do ar não poluído do corredor. E sentiu que tinha que agarrar aquela chance. Não
precisaria entrar na sala de reuniões para se informar onde Duke estava. Poderia
perguntar para aquele repórter mesmo.
Estava se sentindo pouco à vontade, porque havia percebido que os homens
perto da porta olhavam abertamente para ela. Também, vestida com aqueles jeans
justíssimos que mais pareciam colados em seu corpo, não era de admirar. Alguns até
assobiaram.
O repórter que fora respirar no corredor chegou perto dela e sorriu.
— Olá, boneca. Veio cobrir o evento?
Wynn procurou manter a calma e respondeu da maneira mais natural:
— Isso mesmo, companheiro. Aliás, estou querendo dar uma palavrinha com
Duke Bellini. Você sabe onde ele está? Não o vi aí dentro da sala...
— Ele está no escritório, no quinto andar. Pelo menos é o que eu acho.
Wynn respirou fundo.
— Quinto andar? Tudo bem. Obrigada, companheiro.
— Ei, você não vai me contar em que jornal trabalha, boneca?
Ela deu o nome de um semanário da cidade e, antes que o repórter pudesse
perguntar alguma coisa mais, desapareceu no corredor,
O elevador ficava ali perto e Wynn apertou o botão. Deu graças a Deus por ele
ser automático, assim não precisava explicar nada ao ascensorista.
Quando o elevador chegou ao terceiro andar, um grupo de funcionárias do
prédio entrou, mas ninguém se deu ao trabalho de olhá-la. As moças estavam muito
entretidas entre si, reclamando sobre as horas extras de serviço e combinando onde
iriam passar o fim de semana.
As funcionárias desceram no quarto andar e um homem entrou. Wynn começou
a suar frio de novo, mas foi com alívio que o viu apertar o botão do sexto andar. E
rezou baixinho para que Duke estivesse sozinho em sua sala. O pior seria se ele
estivesse acompanhado... por uma mulher. Aí, sim, Wynn teria um ataque do coração.
Ao descer no quinto andar, ela ouviu vozes de homem no corredor. Se
encontrasse Weinfeld ou qualquer um dos outros membros da diretoria do sindicato,
estaria perdida.
Então, olhando em volta desesperadamente, avistou uma porta em cuja placa se
lia: "Mulheres".
Entrou ali o mais depressa que pode e ficou com o ouvido colado na porta,
dando graças a Deus pelo banheiro estar vazio. Quando o som de vozes desapareceu
e ela ouviu o barulho da porta do elevador se fechar, saiu dali.
Olhou para o longo corredor. Havia muitas salas. Qual delas seria a de Duke?
Não podia ficar entrando em todas para descobrir...
Foi aí que se lembrou que ele lhe havia dito um dia que seu escritório dava para
a Rua Dezoito. Então, a sala de Duke só podia ser aquela no fim do corredor...
A sandália com sola de borracha era silenciosa e Wynn atravessou o corredor
inteiro sem fazer barulho.
A porta da sala estava aberta e ela entrou no que pareceu ser a recepção. Havia
uma mesa ali, provavelmente da secretária, que estava vazia. Wynn olhou em volta.
Ninguém à vista.
"Duke não está aqui", foi seu primeiro pensamento. Depois, notou uma outra
porta fechada, que devia ser a da sala dele.
Ficou parada um tempinho, pensando se batia na porta ou entrava de uma vez.
Resolveu bater.
Mas suas batidas foram tão tímidas que ninguém do outro lado respondeu.
Talvez a sala estivesse vazia mesmo...
Então ela resolveu entrar. Abriu a porta devagarinho, segurando a respiração.
Lá estava Duke, recostado numa poltrona de couro, com os olhos fechados.
Parecia estar cochilando. E as profundas marcas de preocupação em seu rosto
enterneceram o coração dela.
— Duke... — chamou Wynn, baixinho.
Ele abriu os olhos imediatamente. E levantou-se, ao vê-la.
Olhou-a com surpresa, como se não estivesse acreditando no que via.
— Meu Deus... É você mesma, Wynn?
Ela tirou a boina e os óculos.
— Em pessoa.
— Vamos, feche a porta!
Wynn obedeceu e se aproximou dele.
— Vim ver você, Duke.
— E posso saber o que é isso? Algum disfarce?
— Exatamente. Vim disfarçada de repórter.
Duke começou a rir e Wynn sentiu um desejo enorme de jogar-se nos braços
dele.
— Eu vi você ontem na televisão — continuou ela. — E, juro, não pude mais me
controlar. Senti muita saudade...
Duke não disse nada. Apenas tomou-a nos braços e a beijou com violência,
apertando-a contra seu próprio corpo, até que ambos parecessem uma só pessoa. Era
como sé o tempo não tivesse passado e eles nunca houvessem se separado.
Quando finalmente pararam de se beijar para tomarem fôlego, Wynn sussurrou:
— Eu pensei que fosse morrer de saudades, Duke... Pensei que não fosse mais
agüentar ficar sem você...
Ele acariciou-lhe o rosto, desmanchou-lhe o coque e alisou seus cabelos com as
pontas dos dedos.
— Meu amor, eu também estava a ponto de explodir... Ficar sem você durante
esse tempo todo foi a pior coisa do mundo!
Beijaram-se de novo e, entre suspiros e gemidos, Duke disse-lhe, no ouvido:
— Se nós não nos casarmos, baby, acho que vou morrer. Não dá para viver sem
você, meu amor...
Ela deitou a cabeça no ombro de Duke, sentindo a dureza masculina dele contra
seu próprio corpo.
— Eu também não posso viver sem você, Duke. Simplesmente não dá...
Subitamente, eles ouviram um forte som de vozes e de aplausos vindo do
primeiro andar, pelas janelas abertas.
— Ei, o que será que está acontecendo? — perguntou Wynn, assustada.
Duke sorriu.
— O contrato deve ter sido aprovado, baby. O pessoal acreditou em mim.
Os olhos dele estavam brilhantes de alegria e triunfo.
Gritos começaram a ser ouvidos.
— Duke! Duke!
Ainda abraçados, ele disse:
— A aprovação do contrato significa que eu continuo na presidência, Wynn. Os
meus companheiros acreditaram em mim... Eles acreditam em mim, como eu acredito
em nós dois, baby.
Wynn estava tão feliz quanto ele, exultando com seu triunfo. Mas os problemas
ainda existiam...
— Duke — disse ela, timidamente —, será que podemos mesmo ficar juntos?
Não se esqueça de que sempre estaremos em lados opostos...
Ele sorriu.
— Não necessariamente... Mas, se estivermos, vou poder olhar melhor para
você. Olhe, Wynn Carson, vou falar rápido, por que daqui a pouco o pessoal todo vai
entrar aqui. Haverá repórteres, câmaras de tevê, e a confusão vai ser geral. E eu quero
que você esteja a meu lado. E sabe por quê? Porque quero apresentá-la como a futura
Sra. Donato Bellini.
Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, Duke tirou uma caixinha do bolso da
calça. Entregou-lhe o presente e, ao abri-lo, Wynn soltou um grito. Era um solitário de
brilhante.
— Quer saber de uma coisa, baby? Comprei esse anel no dia seguinte à nossa
primeira noite e o levo por toda parte, esperando pelo momento de colocá-lo no seu
dedo. Só que já estava achando que nunca mais iria fazer isso...
Ela estava sem fala.
Duke então pegou sua mão e colocou o anel no seu dedo anular.
Nesse momento, Wynn percebeu que jamais iria tirá-lo, não importava o que
fosse acontecer, não importava o quanto a situação de ambos fosse delicada.
— Duke... Como eu te amo!
Eles se beijaram de novo e ela voltou a deitar a cabeça no ombro dele.
— Mas o que será que vai acontecer conosco, Duke querido? Você vai continuar
a ser um líder sindical... e eu vou continuar a ser a dona da empresa. Os problemas
vão sempre existir.
— Como você é pessimista, garota! Olhe, vou lhe contar uma coisa. Não
pretendo ser presidente deste sindicato para o resto da vida.
— Não?
— Isso mesmo. No próximo ano, quero deixar a presidência e me tornar um
mediador. Sei que não será fácil, porque sempre acabarei pendendo para o lado do
sindicato. Mas pretendo me esforçar muito para ser imparcial. E também estou
pensando em voltar a exercer a profissão de advogado. Você sabia que eu sou
formado em Direito Trabalhista?
Wynn balançou a cabeça.
— Duke, por acaso você está fazendo tudo isso por mim? Está largando a
presidência por minha causa?
— Não somente por você, baby. Para falar a verdade, há tempos que estou
querendo deixar essa vida louca que ando levando para me dedicar a um outro
trabalho, desde que fosse ligado a leis trabalhistas. Quem sabe um dia acabo me
transformando num grande advogado trabalhista?
Wynn estava tão feliz que mal podia acreditar no que ouvia.
— Você vai, sim, Duke. Inteligente do jeito que é, vai se transformar no maior
advogado do país!
— Eu te amo tanto, Wynn... Gostaria de poder me casar com você agora
mesmo! Se não fosse esse pessoal que está subindo para cá agora, levaria você para
o altar neste minuto!
O ruído de vozes se aproximava cada vez mais. — Olhe, Wynn — continuou
Duke —, eu sei que não vai ser fácil. Mas vamos considerar os nossos problemas
como desafios. E os perigos, como aventuras, concorda?
Ela beijou o rosto dele.
— É claro que sim.
Nesse momento, uma verdadeira multidão invadiu a sala.
Em meio a gritos, aplausos e parabéns, Wynn continuou abraçada a Duke,
pensando que agora tinha tudo o que mais sonhava na vida.
É claro que ainda havia problemas. As pessoas não iriam esquecer facilmente
que Wynn Carson e Duke Bellini estavam juntos desde o início das negociações. E que
Duke fora acusado de passar para o lado dela.
O casamento que estava para ser realizado só iria confirmar tais suspeitas.
Mas aquilo não importava mais. Importante agora era que os dois estavam
juntos. E, dessa vez, para sempre.
Afinal, como dissera Duke, eles enfrentariam desafios, não problemas. Viveriam
aventuras, não situações perigosas.
Não havia mais problemas intransponíveis para Wynn e Duke Bellini. Não agora.
O amor que sentiam um pelo outro era forte o bastante para superar qualquer barreira.
Seja lá qual fosse o jogo, os dois lados sairiam vencedores.

Você também pode gostar