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SOARES DE SOUZA
Raul Santos Seixas
Cazuza
Cássia Eller
Sérgio Sampaio
jackson do Pandeiro
Luiz Gonzaga
João Soares de Souza - Meu pai, de quem não me esqueço um segundo sequer e
ao lado de quem espero estar brevemente, pois, eis que a vida passa célere.
Raul Seixas
Eu vou
A velocidade da luz pra alcançar
À Kika Seixas, que continua mantendo viva a memória de Raulzito.
Aos meus filhos, Milca, Isac e Eliezer, crias da fuzarca, estrelas que iluminam
o meu opaco céu de maluco beleza.
Ao editor e amigo de longa data, Vilson Aparecido Della Coletta, outro avatar
da cultura, que publicou meu primeiro livro Raul Seixas, O Metamorfônico.
Ao meu sobrinho, André de Souza Almeida, pela colaboração para que este
livro se tornasse real e pelas noites regadas a muito rock'n'roll e blues e porres
homéricos.
Zeca Baleiro
(Raul Seixas)
(I Coríntios, 13)
Se eu falar em línguas de homens e de anjos, mas não tiver amor, serei como
um pedaço de latão que ressoa ou címbalo que retina. E se eu tiver o dom de
profetizar e estiver familiarizado com todos os mistérios sagrados e com todo o
conhecimento, e se eu tiver toda a fé, de modo a transplantar montanhas, mas
não tiver amor, nada sou. E se eu der todos os meus bens para alimentar os
outros, e se eu entregar meu o corpo, para jactar-me, mas não tiver amor, de nada
me aproveita.
O amor nunca falha. Mas, quer haja dons de profetizar, serão eliminados; quer
haja línguas, cessarão; quer haja conhecimento, será eliminado. Pois temos
conhecimento parcial e profetizamos parcialmente; mas, quando chegar o que é
completo, será eliminado o que é parcial. Quando eu era pequeno, costumava
falar como pequenino, pensar como pequenino, raciocinar como pequenino; mas
agora que me tornei homem, eliminei as características de pequenino.
"EU SOU A LUZ DAS ESTRELAS" ................................15
O tempo é a medida de cada artista. Quando a obra de qualquer artista
transcende o tempo é porque, de fato, ela possui qualidades para ser chamada de
Arte. Neste contexto, sem nenhuma margem de dúvida, insere-se a obra de Raul
Seixas, principalmente aquela que o consagrou como o verdadeiro precursor do
rock nacional, capaz de superar a barreira do iê-iê-iê da Jovem Guarda. Fato
inconteste: além de dividir o rock em antes e depois da sua obra, Raul contribuiu
decisivamente para a evolução da Música Popular Brasileira.
Felizmente, o Raul Seixas que ficou para a posteridade foi aquele cuja obra
brotou a partir da década de 1970, mais pre cisamente 1973, quando estourou
pelas rádios de todo o país, ainda AM (quando elas tocavam qualquer gênero
musical, sem a influência das gravadoras), o sucesso "Ouro de Tolo", música que
retrata corajosamente a crise existencial de ser humano.
A propósito, com "Ouro de Tolo", Raul Seixas descobriu a sua mina para a
consolidação de uma carreira inquieta e irreverente, como ele sempre foi. Na
mesma linha, podem ser citadas outras composições: "Metamorfose Ambulante",
"Medo da Chuva", "Tente Outra Vez" e até mesmo "Trem das Sete".
Raul Seixas, junto com Paulo Coelho, também teve o desplante de lançar a
ideia de uma "Sociedade Alternativa", um movimento que pretendia ser,
digamos, anarquista (e isto sem qualquer sentido pejorativo que a palavra possa
pressupor) em plenos anos de chumbo da ditadura militar. Lógico que o
movimento seria abortado pelo regime, mas a ideia lançada no coração dos
jovens daquela geração persiste até hoje: "não sendo mais um sonho que se
sonha só...".
Raul Seixas, porém, era multifacetado, metamórfico, sim, muito mais do que
se possa imaginar. Nele também pulsava uma veia romântica de rara
sensibilidade que podemos dimensionar, por exemplo, em "A Maçã" e "Mata
Virgem", duas composições que representam o paroxismo, faces opostas de um
mesmo amor.
Quando mais maduro, antes de firmar parceria com Marcelo Nova, mas já
escaldado pelas lições e contratempos que a vida lhe pregou, Raul ressurgiu em
1987 com outro grande sucesso, "Cowboy Fora da Lei", uma síntese debochada
da sua própria vida e também, por que não dizer, um retrato fiel - e infelizmente
ainda contemporâneo - do Brasil, um país já pós-ditadura militar, mas com todos
os resquícios e preconceitos dos anos de chumbo e de uma sociedade
conservadora, embora em perene transformação.
Das obras de Raul Seixas, uma das que mais me marcou, sem dúvida, foi
"Gita", uma espécie de "antítese" do deus ocidental, ao mesmo tempo, o deus
cósmico, mais presente nas religiões orientais. Não era para menos, "Gita" se
inspira no Bhagavad Gita, poema épico hindu, quando Arjuna pergunta a
Krishna "Quem é você?" e Krishna responde: "Eu sou a luz das estrelas"...
Em suma, daí surgiu o mote para uma canção definitiva por sintetizar em si a
verdadeira essência de Deus - não um deus monocrático, mas monocósmico.
Desde sempre, como podemos perceber agora, se o tempo mede o artista,
também é capaz, numa espécie de simbiose criativa, de imitar a sua própria Arte:
Raul Seixas já era eterno muito antes mesmo de nos deixar...
Ano de 1945 - o mundo começava a esboçar os primeiros passos trôpegos
rumo à recuperação da carnificina de mais de 50 milhões de pessoas dizimadas
na Segunda Guerra Mundial, que teve seu início em 1939, quando a Grã-
Bretanha e a França declararam guerra à Alemanha de Adolf Hitler, por causa da
invasão da Polônia pelos nazistas. Cinquenta milhões de pessoas foram mortas
de forma brutal na Segunda Guerra Mundial. Milhões de refugiados
perambulavam pela Europa na tentativa de regressar para casa e retomar sua
vida, em pequenas e grandes cidades destruídas por uma avalanche de bombas.
O cheiro acre do imenso e caudaloso rio de sangue derramado e a podridão dos
corpos mutilados, ainda ascendia e pairava no ar, infectado pela estupidez do ser
humano. Muitas mulheres e meninas, especificamente na Rússia e na Alemanha,
tentavam superar o trauma do estupro pelas mãos dos exércitos invasores. Na
maior parte da Europa, havia racionamento de alimentação e vestuário. Milhares
e milhares de soldados desmobilizados procuravam emprego. Viúvas e órfãos
choravam a perda de seus maridos, filhos, irmãos e pais. O mundo parecia ter se
transformado no érebo de Dante e a sensação de total desolação era iminente.
Raul, cujo nome não tem fim nem começo, pois é luar aos avessos, é um
nome que significa "Lobo Conselheiro". E foi nessa mesma época de terror, que
se alastrou por toda a humanidade, em que o Enola Gay despejava o terror
atômico sobre Hiroshima e Nagasaki, que veio à luz o "Lobo Conselheiro", Raul
Seixas. Raul nasceu em junho e dois meses depois, precisamente no dia 16 de
agosto, às 8h15min da manhã, hora do Japão, um tremendo lampejo de luz
atravessava o céu de Hiroshima e Litlle Boy, a bomba da morte foi lançada da
superfortaleza voadora B-29, transformando Hiroshima num mar de chamas e de
mortos. Três dias depois foi a vez de Nagasaki. O homem é o lobo do homem.
Hitler sonhava com a purificação da raça ariana e não media esforços, por
mais hediondos que pudessem ser, para chegar à meta traçada. Raul Seixas, o
Lobo Conselheiro, imaginava e acreditava na possibilidade de o homem ser um
super-homem, ser seu próprio Deus e assim conquistar o planeta e implantar o
sistema pregado pela Sociedade Alternativa. Para isso, a única guerra que seria
necessária não era uma guerra armada e nem sanguinária, mas sim uma guerra
íntima, pessoal, moral e consciente.
Não tenho religião, não professo nenhuma fé, pois só acredito em mim, e
longe de mim ostentar qualquer credo religioso, mesmo porque,
independentemente de ter fé em um Deus único ou não, todas as manifestações
religiosas, cristãs ou não, conduzem todas as ovelhas ao aprisco do mesmo Deus,
embora por caminhos diferentes. Acredito que cada um de nós é a sua própria
religião, cada um é o seu próprio Deus. Como filosofava Raul: "Não tem certo
nem errado, todo mundo tem razão... O ponto de vista é que é o ponto da
questão...". Toda e qualquer organização religiosa é responsável pela estagnação
da raça humana e deturpa os ensinamentos bíblicos, pois a Bíblia contém
exemplos suficientes para revelar ao homem que o amor e respeito ao próximo
são as únicas armas capazes de nos conduzir à igualdade e à liberdade, ao Kaos,
à Sociedade Alternativa. Mas eu não poderia deixar de citar aqui tamanho
exemplo de coragem, honradez e fé. As "testemunhas de Jeová", ainda hoje
sofrem muito preconceito. Não foi à toa que, Zé Ramalho, o Profeta do Terceiro
Milênio, em parceria com o "crowleyano" Mauro Motta, compôs e gravou a
belíssima canção "Acredite quem quiser", em que ele evoca o respeito e a
liberdade de culto a todas as religiões: "Filhos de Jacob, Testemunhas de Jeová,
Bichos que habitam essa Arca de Noé, Salvem o que puder salvar, Porque o
homem veio pra acabar, E o fim tá difícil de evitar...".
Raul Seixas nos outorgou como testamento a sua lucidez para que
pudéssemos ter a coragem de construir um mundo melhor. E esse mundo melhor
(o reinado de paz) só depende da nossa própria força, fé e vontade. Somos "a
geração da luz e a esperança no ar". Por que deixar que o mundo lhe acorrente os
pés? Fingir que é normal estar insatisfeito? Será direito? Por que você faz isso
com você? Por que, homem?
Todos fazemos parte desse jogo sujo. O ser humano é jogado ao centro da
arena, em luta desigual contra os leões do sistema, para o deleite sadomasoquista
da realeza. Não foi por acaso que José Saramago proferiu palavras duras para
ilustrar a sua concepção quanto à condição humana: "Acho que a vida não passa
de uma grande sacanagem de Deus, se é que Ele existe. As pessoas sofrem,
passam o diabo e tudo para no fim acabar do mesmo jeito? Você nasce sabendo
que vai morrer, nasce e começa a morrer... isso é uma grande sacanagem,
brincadeira de mau gosto. A dignidade do ser humano é todos os dias insultada
pelos poderosos do nosso mundo, a mentira universal tomou o lugar das
verdades plurais; o homem deixou de respeitar-se a si mesmo quando perdeu o
respeito que devia ao seu semelhante. A história é mentirosa e disforme e muito
mal contada. Tudo não passa de um grande engodo e o homem só vai atingir o
ápice de sua supremacia, quando deixar de lado seus medos e receios e exigir
que a verdade venha à tona". Monteiro Lobato já dizia: "O Estado é um enorme
canteiro em que as classes sociais privilegiadas são as flores e a imensa maioria
é apenas o esterco que engorda essas flores. Esterco doloroso e gemebundo".
A Lei de Telema, a Lei da Vontade, tão cantada e ensinada por Raul Seixas,
não obedece e nem segue regras sociais ou re ligiosas impostas, e é por isso que,
para os fanáticos religiosos, Raul era a encarnação do demônio, pois ele cantava,
clara e objetivamente que: "a Lei é fazer a sua Vontade". Cada um de nós deve e
pode fazer a sua própria lei, sem deixar de respeitar as leis naturais e
contemporâneas. Questionar os valores ensinados não significa transformar tudo
num caos absoluto, mas transformar o caos em Kaos, pois é necessário e
imprescindível que a vontade alheia também seja respeitada e mantida, até que a
verdade seja uma vontade geral, aprendida inconscientemente e buscada por
todos. Fazer a própria vontade implica, obviamente enfrentar vários conflitos
internos e externos, principalmente.
Raul já nasceu póstumo, a morte física, pela primeira vez, perdeu a guerra
contra a vida, pois a lenda continua viva e ativa. Visto que a morte não mata
quem nasceu imortal, Raul, o Lobo Conselheiro, o Carpinteiro do Universo, não
morreu, atingiu a Grande Consciência Cósmica e passou para a Fase A da
Sociedade Alternativa.
"Um homem não é nada mais do que ele sabe" (Francis Bacon - 1561/1626),
com estas palavras o filósofo alemão deixou verdadeiramente lapidado na cabeça
do ser irracional, que só usa 10% de sua cabeça animal, um retrato 3x4 da
própria espécime: um homem nada mais é do que ele sabe, nada significa, é um
escravo eterno de sua própria ignorância e medo e os escravos servirão. Se tudo
sabe, é um semideus todo-poderoso, gigante e livre, se nada sabe, nada significa.
Raul Seixas lutou ferozmente contra o Monstro Sist e contra todos aqueles que
eram contrários aos direitos que ele pregava corajosamente pertencerem a todos
os seres vivos.
0 rock'n'roll e o pacto com o demônio
Certa vez Raul Seixas declarou que preferia dizer que tinha um pacto com o
demônio a dizer que tinha parte com a revolução. E já que o velho e bom
rock'n'roll é mesmo dionisíaco, Raul, implacavelmente, confirmou as suspeitas
acima ditas e foi réu confesso, quando escreveu "Rock do Diabo", em cujos
versos ele vocifera: "O Diabo é o pai do rock...".
"Eu quero é ter tentação no caminho, pois o homem é o exercício que faz...
Minha espada é a guitarra na mão... Quero ver Beethoven fazer aquilo que
Chuck Berry faz... Um pacto com Satã ainda quero tentar". Todas essas
afirmações sarcásticas proferidas pela língua ferina de Raul Seixas, em várias de
suas composições musicais e declarações à imprensa, contribuíram
sobremaneira, para dar vida e fôlego às suspeitas religiosas de que ele,
realmente, era um representante do Diabo na Terra. Sem levar em consideração a
sua tão alardeada cumplicidade com a magia negra e as sociedades esotéricas.
Fatos realmente verdadeiros, mas não da forma como foram ditos e
considerados, pois Raul, ligado mesmo a tais sociedades e à magia de Crowley, a
qual ele chamava de "magik", pois não se tratava de magia negra e sim de magia
condutora à liberdade e à Lei da Vontade, só queria mesmo era conhecimento e
não se tornar membro assíduo e fanático de nenhuma ordem e dos ensinamentos
de Crowley. Raul sugou apenas o que considerava benéfico para a humanidade.
Nessa mesma época caótica, o governo militar se viu acuado diante de tais
pregações e se sentiu incomodado com a tal Sociedade Alternativa e decidiu
acabar com aquelas pretensões idealizadas por um artista que acabara de surgir
no cenário musical, e até então, permanecia intocado pelos cães da ditadura
militar, responsáveis por torturas e assassinatos em nome de uma falsa ordem.
Havia um novo líder revolucionário que não obedecia às regras estabelecidas e
era preciso acabar com aquilo, era preciso cortar o mal pela raiz, antes que
aquela ár vore se tornasse frondosa, desse frutos e as pessoas começassem a
procurar sua sombra. A ordem de prisão veio do 1 Exército, que queria os nomes
das pessoas envolvidas com a Sociedade Alternativa. De acordo com os
militares, a Sociedade Alternativa era um movimento revolucionário contra o
governo.
Raul acabou sendo expulso do país em segredo quase absoluto, como ele
mesmo dizia: "fui convidado a sair", em 1974, e despejado em Nova York, sem
dinheiro, sem amigos e sem destino. "A história dos mortos e desaparecidos
políticos durante a ditadura militar no Brasil, incluindo o período imediatamente
após o Golpe Militar de 1964, é o mais abominável período que nosso povo e
país atravessaram. Militantes de organizações de esquerda e muitas pessoas
ligadas aos movimentos contra aquele Estado perderam a vida nas lutas contra a
opressão política e injustiça social existentes no Brasil. Artistas de todos os
gêneros culturais foram torturados e expulsos do país e centenas de pessoas
assassinadas sob tortura nos fétidos porões da ditadura. Em 1979, a conquista da
Anistia representou um marco na luta contra a ditadura, ainda que não tenha sido
ampla, geral e irrestrita como almejava a maior parte da sociedade.
Raul Seixas teve muita sorte, ele poderia ter morrido nos porões da ditadura.
Em Nova York, era ajudado pela família e pela gravadora, que sempre enviavam
dinheiro para que ele se mantivesse no exílio. A música "Gita" o trouxe de volta
do exílio e o reestruturou como artista. A ideia de fundar uma cidade onde seus
habitantes e novos munícipes seriam o antiadvogado, o antiguarda, o antitudo,
era uma loucura naquela época. Mas vejam o poder de libertação que a música
possui: Raul só voltou ao Brasil, após "ter sido convidado a sair", quando sua
música mais conhecida estourou nas paradas musicais de todo o país. Uma
mutação radical de todos os valores sociais e a edição do Gibi-Manifesto,
financiado pela gravadora Philips, que rapidamente foi recolhido pela polícia do
Exército, "O Manifesto de Krig-Há", foram os responsáveis diretos pela prisão e
expulsão de Raul Seixas do país.
Nos Estados Unidos, Raul foi para Geórgia, comprou um Cadillac do sogro e
junto com Glória Vaquer, sua companheira na época, colocaram as coisas no
veículo 57, cor-de-rosa, do tempo de Elvis Presley e atravessaram os Estados
Unidos inteiro. Acabaram indo para Nova York e passaram a residir em
Greenwich Village. Foi nessa mesma época "braba" que Raul conheceu John
Lennon. Também cantou, acompanhado ao piano por Jerry Lee Lewis (The
Killer), em Memphis, Tennessee.
Desde sua infância, Raul já era considerado uma criança problema. Repetiu
cinco vezes o ano letivo, não gostava de estudar, matava as aulas constantemente
para ouvir rock'n'roll, aprontava mil travessuras, levando sua mãe à loucura. Ela
não queria Raul nas ruas para que ele não aprendesse a falar palavrão. Raul
fundou ao lado do amigo Waldir Serrão, o primeiro fã-clube de Elvis Presley, em
Salvador, o "Elvis Rock Club". A aparente e nítida revolta diante dos valores
estabelecidos e regras sociais, religiosas e familiares, contribuiu para que todos
vissem naquela esquálida e insípida figura, a encarnação do demo, porque ele
sempre se opunha às regras e caretices estabelecidas e consolidadas. Queria e
lutaria por um mundo melhor, mais justo, no qual o homem pudesse andar de
cabeça erguida, sem medo e completamente livre.
Raul queria deixar sua impressão digital no mundo. Então ele era mesmo a
encarnação do demônio, o Opositor? Afirmo, sem receio de cometer nenhum
equívoco: Raul, quando gravou o segundo LP de sua carreira, o Sociedade da
Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez, em 1971, pela CBS, criava
naquele ano uma nova ordem mística e esotérica, pois o referido disco reuniu
pessoas com ideias novas e foi gravado de forma alternativa, sem o aval da
gravadora. Raul convidava as pessoas na rua para participarem do disco, que foi
produzido e gravado por ele, Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Edy Star. O
disco foi gravado às pressas, durante uma viagem do diretor da gravadora e em
seguida recolhido das lojas por ordem deste diretor, que não aceitou aquele ato
de insubordinação. Mas a lenda que corre de que Raul teria sido expulso da CBS
por causa desse disco não autorizado não é verdadeira. Raul apenas recebeu
advertências, mas não perdeu o emprego, justamente por ser um dos mais
sagazes e capacitados produtores musicais. E foi justamente da junção da
Sociedade da Grã-Ordem Kavernista e Sociedade Secreta da Besta do
Apocalipse, que nasceu o mais conhecido e venerado culto à liberdade, que deu
à luz o "raulseixismo": a Sociedade Alternativa.
A Sociedade Altenativa
A Bíblia relata no livro de Gênesis, que a serpente (Diabo) o mais sagaz dos
animais selváticos que o Senhor havia criado, seduzira Eva, induzindo-a a comer
do fruto da árvore do bem e do mal. A serpente (Diabo), a convenceu de que
seus olhos se abririam e que Eva, consequentemente, seria igual a Deus,
sabedora de todas as coisas, conhecedora do bem e do mal, ou seja, tomaria
consciência de si. Para a cultura eclesiástica, este foi o grande pecado, opor-se ao
Criador dos céus e da Terra. Mas, para a cultura esotérica, essa foi a grande
virtude do primeiro homem. Concluímos por meio dessa passagem bíblica,
registrada no Gênesis, que quando Deus criou o homem e o colocou como
guardião do jardim do Éden, Adão certamente conversava com os animais, pois
todos os animais selváticos estavam sob seu domínio, conforme relata a Bíblia, e
Adão fora encarregado por Deus de denominar e dominar a cada espécie de
animal.
O bode foi escolhido como figura representativa de muitas culturas por ser o
animal que melhor representava a primavera, devido à sua voraz capacidade
sexual. As próprias Escrituras Sagradas estão recheadas de figuras horrendas que
representavam as visões dos profetas. Veja, por exemplo, no Velho Testamento,
precisamente no livro de Daniel (8:5-8), numa visão da parte de Deus, Daniel vê
um "bode que tinha entre seus olhos um chifre sobressalente". Uma visão tão
assustadora para os olhos de qualquer mortal, descrita por Daniel como uma
coisa comum entre os profetas: "Eu o vi atingir o carneiro, e golpeou o carneiro e
quebrou-lhe os dois chifres, e o carneiro mostrou não ter alguém que o livrasse.
E o bode assumiu ares de grandeza, mas, assim que se tornou forte, o grande
chifre foi quebrado, e passaram a subir quatro em lugar dele".
Apregoa a religião, que a perfídia e astúcia do Diabo são suas maiores armas
secretas, pois o encantador sabe insinuar-se nos seres humanos por meio dos
sentidos, da fantasia e da concupiscência. A Bíblia afirma que o Diabo veio para
roubar, matar, subjugar e enganar. Charles Baudelaire afirma nas "Litanias a
Satã": "A maior astúcia do Diabo é convencer-nos de que não existe". Afinal,
quem é o Diabo, esta infame e temida criatura divina? Por que Deus criou o
Diabo? O Diabo é a dor de Deus... conforme criou Satã até o extremo de fazer
dele a mais bela e luminosa de suas criaturas e ao ter-lhe dotado de livre arbítrio,
não pode impedir sua queda. Deus passou a sofrer por seu anjo imediatamente
depois de tê-lo condenado.
Aleister Crowley nasceu em 1875, em Leamington e faleceu em 1947, em
Sussex, ambas cidades inglesas. De família riquíssima, desde muito jovem seu
interesse por magia negra e satanismo lhe trouxe inúmeros problemas. Chamado
de "besta 666", com a herança recebida da família, rodou o mundo, ingressando
em várias ordens secretas e seitas. Apesar de frequentemente perseguido e de ter
caminhado entre a genialidade e o charlatanismo, atraiu a atenção de intelectuais
como Ezra Pound, Dylan Thomas, Yeats e tantos outros. Quando morreu, em 2
de dezembro de 1947, a imprensa britânica qualificou-o como "o personagem
mais imundo e perverso de toda a Grã-Bretanha". Crowley foi expulso da França
em 1929 e atuou como espião da Alemanha nos Estados Unidos durante a
Primeira Guerra Mundial. Na Índia, os jornalistas imputaram a ele a autoria do
assassinato de uma mulher para sugar-lhe o sangue.
Jimmy Page, o guitarrista do Led Zeppelin, nutria seus ávidos interesses por
ocultismo e magia. Em 1970, ele comprou a Boleskine House, propriedade que
pertencera a Aleister Crowley, cuja sinistra história registra uma decapitação e o
incêndio de uma congregação da igreja. Page colecionava manuscritos de
Crowley, livros e mobílias. A mansão Boleskine House fica à beira do Loch Ness
(lago que, diz a lenda, é habitado por uma serpente pré-histórica), onde Crowley
viveu por longo tempo praticando seus rituais. Isso pontuou a carreira e a vida de
Jimmy Page e sucessivas derrocadas. Foi o fim do Led Zeppelin. Basta dar uma
olhada na capa do disco Sargeant Peppers, dos Beatles, que a perturbadora face
do maior satanista está impressa lá. John Lennon foi assassinado e George
Harrison, outro crowleyano, partiu antes do combinado, como costuma dizer o
sábio contador de "causos", ator e cantor/compositor de extrema grandeza,
Rolando Boldrin.
Aleister Crowley foi, sem sombra de dúvida, o maior mago do Século XX.
Suas explorações no campo das drogas e do sexo são enfatizadas em demasia
por quase todas as pessoas que se põem a falar sobre ele. Essa faceta poderia ser
explicada (talvez até possa ser justificada) por uma fuga genial da sociedade
superpuritana em que foi criado. O protestantismo vitoriano foi uma das
manifestações mais repressoras de que já se teve notícia, e Crowley juntamente
com alguns artistas de vanguarda de sua época tiveram a ousadia de se colocar
contra todo esse sistema de valores e criar um sistema próprio, que por pior que
fosse era melhor que o sistema imposto a ferro e fogo. A mente de Crowley, um
misto de Nietzsche e Rabelais, com uma estética egípcia e um negro senso de
humor, era de certa forma inescrutável. Crowley escreveu excelentes prosa e
poesia, mas que de forma alguma superaram o interesse do mundo pela história
de sua vida, atribulada, trágica e cheia de aventuras como foi, por si só, uma
obra de arte.
O mais abjeto dos seres humanos que já habitou este mundo, se autointitulou a
"Besta666", exatamente porque tais palavras significam "a Luz do Sol".
Crowley, foi, com certeza, um dos maiores pensadores da história e Raul
percebeu essa sapiência nas inúmeras obras de Crowley, transformando muita
coisa do mago em músicas que se tornaram verdadeiros clássicos. Hoje, a obra
literária, a poesia e o pensamento de Crowley estão sendo traduzidos e
publicados em várias línguas. Além de ter sido um exímio escritor e poeta,
Crowley foi um grande alpinista e pintor.
"Eu sou triste. Não vivo, vegeto. O vegetal é mais feliz. Estou triste
com os homens e com o mundo. Estou triste com Deus. Estou triste
comigo mesmo. Eu realmente não sei nada. O caminho da felicidade? É
vedado a mim provar desse doce cálice. Tentei controlar minha vida,
afinal, eu jamais tive êxito. Tudo mudou para mim. Não faço nada com
vontade, não tenho vontade de escrever, de tocar, só quero dormir, só
sonhando sou mais feliz. Vivo só, muito só. Trabalho contra os caretas
do mundo, contra o torpor, a imprecação, contra a arapuca que nos foi
armada e durante séculos vivemos conformados, presos nela, comendo o
alpiste que nos dão. Trabalho para sair da arapuca com todos os que
estão querendo ser pássaros livres outra vez."
Desde 1968 até 1979, quando foi promulgada a Anistia, toda e qualquer
manifestação popular e artística de resistência ao regime era severamente punida
com prisão, tortura, morte e exílio e um número muito maior de pessoas teria
sido barbaramente assassinada sob tortura se não tivesse saído de forma
clandestina do país. Alguns artistas, de vários segmentos, foram presos,
torturados, espancados, interrogados; outros foram expulsos do país e tiveram
suas obras proibidas; outros, inconformados e sob vigilância do Exército, se
autoexilaram. Raul foi um dos poucos que, apesar de ter sido preso, torturado e
exilado, teve a sorte grande de não ter sido assassinado nos calabouços da
intolerância militar. Extinta a ditadura militar (extinta?), ainda podemos
vislumbrar muitas coisas semelhantes àquele período tétrico, pois
disfarçadamente, a ditadura continua fomentando desgraças. Deixou de torturar
pessoas, de exilá-las e de prendê-las à toa, mas o que fazem para destruir a
cultura e a educação, a saúde do povo, relegando-o à miséria e inércia, confirma
a presença desaper cebida de uma ditadura ainda mais destrutiva dos sonhos e
direitos humanos.
(...) Povo que tem a PM que temos não precisa de inimigo externo. O
que é que o Presidente da República está esperando para extinguir - de
uma penada! - esse inimigo interno do povo brasileiro? Que lhe matem
mais filhos e irmãos? Que lhe ceguem os olhos e amputem as pernas? O
presidente dispõe da medida provisória, que maneja com perícia e
munificência. Pois, use-a, para acabar com esse bando de jagunços
fardados, comandados por um bando de facínoras. Temos dito! Será o
caso de pedir asilo ao estrangeiro depois dessa?
(Mylton Severiano)
Raul sabia, como ninguém, driblar a censura e a ditadura e talvez por causa
dessa artimanha tenha conseguido se safar de um destino macabro. Com o
lançamento do compacto que trazia a obra-prima "Ouro de Tolo", Raul se
tornaria um mito. O compacto foi tão procurado, que precisou ser prensado duas
vezes em apenas uma semana, um fenômeno naqueles tempos.
"Ouro de Tolo", cuja melodia é uma espécie de canto gregoriano com apenas
uma diferença essencial: naquele estilo medieval de compor hinos havia muitas
notas para pouco texto, uma única sílaba podia percorrer uma linha melódica de
mais de dez notas. Em "Ouro de Tolo", Raul colocou numa nota só, mais de dez
palavras. Ao ser convidado a abandonar o país em 1974, antes de embarcar para
os Estados Unidos, ele havia deixado gravado o disco Gita. Neste disco, o mais
conhecido e o mais vendido do maluco beleza, Raul parecia um messias pronto
para curar as dores da humanidade. Um messias indeciso. Gita estourou em todo
o país, um recorde de vendagem. O governo militar, viu-se obrigado a buscá-lo
de volta. Era o fim de um curto exílio. A messiânica Gita trata-se de um trecho,
um conjunto de versos do décimo capítulo da "Bahagavad Gita". "Bahagavad
Gita" é o terceiro capítulo do Mahabhárata, o maior poema épico escrito em toda
a história de todas as culturas. O Mahabhárata é composto de cem mil estrofes,
divididas em cem capítulos e remonta à época védica (cerca de 3.000 a.C.).
Foi com os Beatles que Raul vislumbrou a possibilidade de falar sobre todas
as coisas que o atormentavam por meio da música. Ele começou então a compor
freneticamente suas próprias letras de música.
As duas canções de Raul que Sérgio inscrevera no VII FIC: "Let me sing" e
"Eu Sou Eu, Nicuri é o Diabo" foram classificadas. A classificação levou Raul a
assinar seu primeiro contrato com a gravadora Philips. É importante dizer e
deixar registrado que, mais uma vez, neste festival, Raul conheceu as garras
afiadas da censura. Suas duas canções tinham tudo para ser ganhadoras do VII
FIC, mas os federais estavam atrás do palco, dando ordens e fazendo ameaças de
que, se ele recebesse os primeiros lugares estaria perdido. Raul ficou apavorado,
nunca tinha presenciado atitude tão absurda e insana. Ele não podia ganhar o
Festival? Tudo porque o júri, de acordo com os federais, era anarquista. Mas,
Sérgio Sampaio foi bem classificado e sua música virou um sucesso nacional.
Raul iniciou sua meteórica carreira impulsionado pelo amigo Sérgio Sampaio,
que constantemente o instigava a gravar suas composições e a cantar. Provando
desde o começo o gosto amargo da perseguição desencadeada pela censura, Raul
prosseguiu até o fim de sua carreira, transpondo obstáculos e velhos preconceitos
morais.
A única realidade é o verbo ser: "Eu sou e não admito imposições". Todo
homem tem a obrigação de questionar permanentemente todas as instituições:
Família, Igreja, Estado e Deus. Um Verbaloide chora, ri, luta, perde e ganha,
mas, antes de tudo, fraqueja muitas vezes, conquista glórias, mas não desiste
jamais, pois tem de agir como verbaloide convicto que é. Nada somos senão um
átomo de Deus. Sempre estivemos mortos antes de nascer. A estrutura mental
dos seres humanos é o verbo ser: tudo é ou tudo está. "Quem quer que seja que
ponha as mãos sobre mim para me governar é um tirano, um usurpador, e eu o
declaro meu inimigo".
Assim como Proudhon, Raul levava a sério essas palavras e nunca admitiu
que guiassem seus passos firmes rumo ao pedestal da tão almejada liberdade. Ele
não era nenhuma ficção, era um ser humano como qualquer outro, dividido, com
as mesmas angústias e fraquezas, mas extremamente corajoso e inquiridor, tinha
os pés no chão, sabia a hora exata de iniciar o combate e sabia a hora certa para a
trégua, andava de passo leve para não acordar o dia, pois era com o Sol que ele
dividia sua energia. Raul era um cidadão comum como todos nós, tanto que sua
ligação com as mulheres era um de seus assuntos preferidos: "O homem ama e
odeia a mulher, eu amo e odeio as mulheres. Eu me amo muito, certo? Eu acho
que a pessoa que não se ama não pode amar os outros. Quando eu me ligo a uma
mulher, eu tenho que dar parte do meu amor a ela. E isso me irrita
profundamente. A mulher arranca um pedaço do meu amor. Quando isso
acontece, o amor morre. Eu morro. Morro para nascer de novo para uma outra
mulher".
Raul e as mulheres
Glória Vaquer, sua segunda esposa e mãe de Scarlet Seixas, é irmã de Gay
Vaquer, guitarrista que acompanhou Raul por algum tempo. Trocou o nome por
motivos óbvios e hoje se chama Jay Vaquer, vive como as duas primeiras
esposas de Raul, nos Estados Unidos.
Jay foi marido da cantora Jane Duboc, com quem tem um filho também
chamado Jay Vaquer, cantor e compositor. Em 1999, Jay gravou um CD
intitulado Relembrando Raulzito e escreveu o polêmico livro Opus
666/Triângulo do Diabo, que gerou uma briga feia entre ele e Kika Seixas, amor
da vida de Raul e sua grande colaboradora.
Com Kika Seixas Raul viveu alguns anos e teve com ela com sua terceira
filha, a beldade e DJ Vivian Costa Seixas. Nos últimos anos de sua vida,
conheceu e passou a viver com Lena Coutinho. Viveram pouco tempo juntos e
mais uma vez aconteceu a separação.
A Era Rock começou precisamente em 1955, quando "Rock Around The
Clock", com Bill Halley, reinou absoluta durante algumas semanas no primeiro
lugar da Billboard, quando os Estados Unidos e o resto do mundo tomaram
conhecimento do nascimento do varão negro chamado rock'n'roll. Nessa época,
Raul estava completando 10 anos de idade. Ele foi contaminado por esse vírus e
não alcançaria mais a cura, embora tenha incursionado por outros caminhos
musicais e rítmicos, o rock foi sua doença incurável.
Antes de Bill Halley chegar com "Rock Around the Clock", o filme No
Balanço das Ondas (película que Raul viu seguidas vezes), a música em si era
uma coisa secundária para Raul, a sua grande preocupação eram os problemas
que afligiam o ser humano, os problemas da vida e da morte, de onde vim, para
onde vou, o que é que eu estou fazendo aqui?
"Por que nascemos para amar se vamos morrer? Por que morrer se
amamos?", "Por que falta sentido de viver, amar, morrer?". Raul vivia afundado
na biblioteca do pai, o que ele queria mesmo era ser escritor, viver da renda de
seus livros, como Jorge Amado. A febre invadiu suas veias e entranhas com Bill
Halley e Seus Cometas, veio na voz urrada de Litlle Richard e atingiu o seu
clímax com os requebros dos quadris de Elvis Presley. E o menino que vivia
trancado no quarto sonhando ser escritor e viver de literatura foi despertado de
seu sonho, pois enxergava na música uma forma mais abrangente de transmitir
seus pensamentos com maior rapidez.
Com os Panteras, Raul passou por uma fase áurea, tocavam músicas dos
Beatles, tinham aparelhagem, tinham nome e eram os mais bem pagos. Nessa
época a Bossa Nova dominava os meios musicais em Salvador. De um lado o
Teatro Vila Velha, de outro o Cinema Roma, o templo do rock, dos transviados,
organizado pelo amigo Waldir Serrão. Era uma guerra dos diabos: Rock x Bossa
Nova.
"André Midani só faz confusão, sonhei com ele e mijei no colchão." Com
esses versos provocativos e sarcásticos de "Conversa pra Boi Dormir", Raul
decretava o seu asco diante das multinacionais do disco. Rescindiu o contrato
com a WEA e separa-se de Tânia Menna Barreto. Conheceu então, Ângela Maria
Affonso Costa (Kika Seixas), com quem passou a conviver.
Sempre fiel aos seus valores, Raul hesitava em dirigir o seu trabalho rumo à
mesmice, ao sucesso óbvio em que estava chafurdada a mal fadada linha
evolutiva da música popular brasileira. Atirou-se de cabeça, cada vez mais no
precipício do álcool, que o afogava nos constantes cancelamentos de espetáculos
e crises de hepatite. Apesar do grande sucesso de crítica alcançado pelo disco
Abre-te Sésamo, considerado um dos melhores daquele ano, com direito a clipe
no Fantástico, Raul parecia estagnado e ainda descontente com tudo. Em 1982,
apresentou-se tão acidentalmente na cidade de Caieiras-SP, que terminou por ser
confundido como impostor dele mesmo. É preso e espancado pela polícia e pelo
delegado da cidade. O caso ganhou repercussão na mídia de todo o país,
causando uma grande revolta em Raul.
Arrasado e sem gravadora, sem amigos leais, pessoas que ele ajudara no
passado produzindo seus discos agora batiam a porta em seu nariz, negando-lhe
ajuda e trabalho. Inativo e sem perspectivas, justamente quando o rock nacional
passava por um novo apogeu comercial, com a proliferação e o sucesso
estrondoso de bandas e cantores, Raul, o pai do rock nacional, fiel defensor nos
anos difíceis que sua cria houvera atravessado, como Daniel, continuava jogado
entre as feras, na cova dos leões.
O disco Raul Seixas cumpriu sua nobre missão, trouxe de volta um Raul que
há muito o Brasil não via, recuperado, subido das profundezas do abismo e
pronto para começar tudo outra vez. O estrepitante sucesso da faixa "Carimbador
Maluco/ Plunct, Plact-Zum" fez Raul brilhar triunfante, em fevereiro de 1983,
com um grande show de lançamento na Sociedade Esportiva Palmeiras, em cuja
apresentação apoteótica e há muito aguardada por sua legião de seguidores, deu
uma verdadeira aula de rock'n'roll.
Nesse mesmo ano, Raul viu sua fama de arruaceiro e antiprofissional ser
engolida pelo sucesso arrebatador da música "Carimbador Maluco", que acabou
virando tema de um especial infantil na Rede Globo, "Plunct, Plact-Zum" e
levou-o novamente a uma apresentação no último Festival de Águas Claras
(Iacanga-SP). A Eldorado, aproveitando-se dos registros do show na Sociedade
Esportiva Palmeiras, lançou em meados de 1984, numa acirrada disputa
comercial com a Som Livre, o histórico disco Raul Seixas Ao Vivo/ único e
Exclusivo.
Já desligado do Estúdio Eldorado, em 1984, Raul gravou seu disco pela Som
Livre: Metrô Linha 743, um disco em "preto e branco" como ele próprio o
definiu. A faixa título e o restante do disco não traziam o colorido condicionado
dos clichês de violinos, de metais e das guitarras, apenas o violão acústico para
dar asas para cada um projetar a imaginação. Um disco totalmente acústico. A
produção do LP estourou o orçamento, não teve a divulgação esperada e o disco,
apesar de ser belíssimo, não obteve grande sucesso comercial. Raul já estava
brigado com a Som Livre por conta de um clipe da música "Metrô Linha 743",
que não havia sido gravado de acordo com o que ele planejara, desligou-se, mais
uma vez, também da Som Livre. Seu casamento com Kika Seixas, o mais
duradouro e que parecia estruturado e eterno foi se deteriorando gradativamente
até chegar a um triste final. Sua saúde estava debilitada outra vez. Separou-se de
Kika Seixas e passou um curto período na capital baiana para se recompor.
Do norte ao sul do país o disco foi muito executado mais uma vez. Raul
provara que um verdadeiro rei jamais perde a majestade, mesmo que seu trono
seja usurpado por traidores. A música "Cowboy Fora da Lei" estourou nas
paradas musicais e foi incluída na trilha sonora da novela das sete da Rede
Globo. Um clipe espetacular e cheio de humor foi gravado para o Fantástico.
Marcelo Nova, então vocalista e líder do debochado e ótimo grupo Camisa De
Vênus e discípulo confesso de Raul, convidou-o para participar do álbum duplo
que o grupo preparava. O disco Duplo Sentido, LP duplo, foi o último do Camisa
de Vênus, que viria a se separar logo depois.
Com o Camisa de Vênus, Raul dividiu os vocais com Marcelo Nova na faixa
"Muita Estrela, Pouca Constelação", cuja letra retratava o cenário pop de forma
desdenhosa, apontando a falta de respeito musical e as farsas montadas por
aqueles que se julgavam estrelas, mas não tinham nenhum brilho. Neste mesmo
álbum duplo, o Camisa de Vênus reverenciava o mestre Raulzito regravando a
música "Aluga-se".
Raul dava outra vez sinais de revigoramento, pois já no ano seguinte, 1988,
gravou no mês de setembro, o disco A Pedra do Gênesis, voltando a falar sobre a
Sociedade Alternativa com a música fortíssima "A Lei", em que conclamava
com mais rigidez todos os direitos humanos. Raul incluiu nesse disco algumas
canções que pertenceriam a um antigo projeto musical, a mesma capa do A
Pedra Do Gênesis, seriam crias do projeto musical: Opus 666 e Nuit, que ele não
chegou a gravar.
Apesar de estar musicalmente ativo, Raul não se apresentava ao vivo já há
bastante tempo, foi quando Marcelo Nova convidou-o para viajar a Salvador,
onde iria se apresentar. Raul aceitou o convite e viajou com o amigo e discípulo.
Durante o show, Marcelo chamou Raul ao palco para uma canja, meio a
contragosto ele cantou e encantou a plateia. O sucesso foi tamanho que ele
recebeu uma injeção de ânimo, iniciando na capital baiana uma série de shows
com o nome "Marcelo Nova e Raul Seixas", que culminaria numa turnê de
cinquenta apresentações por todo o Brasil.
Sob a insígnia da águia, Raul ascendia ao trono mais uma derradeira vez,
parecia que o retorno do mestre guerreiro coincidia com a milenar profecia
bíblica alardeada pelo grande profeta Isaías: um rei seria como uma ave de
rapina vindo para devorar o Império Babilônico. Isaías se referia a Ciro, O
Grande e suas tropas imbatíveis, que tinham águias nos estandartes de batalha.
Estes avançaram sobre a cidade de Babilônia como águias que se precipitam
sobre a presa.
O alarde causado pela sua inesperada volta por cima foi tão
inacreditavelmente dissecada, que toda a mídia queria desvendar o segredo da
ressurreição do maluco beleza, que o meio artístico acreditava acabado e
esquecido para sempre. Não havia nenhum segredo a ser desvendado, Raul
voltara triunfante e belo, com a mesma irreverência e inquietude, para se
despedir de todos e fechar com chave de ouro o seu testamento, sua passagem
por esta Terra. Estava na hora de elevar-se à condição de mito, de lenda viva do
rock'n'roll, mas, desta vez, em outra dimensão: a Fase A da Sociedade
Alternativa.
Precisava partir para revolucionar outras plagas além e se eternizar entre nós
"verbaloides". "Eu vou-me embora apostando em vocês, em meu testamento
deixo minha lucidez, vocês vão ter um mundo bem melhor que o meu, pois a
semente que eu ajudei a plantar já nasceu..."
O corpo de Raul foi velado por uma multidão inconsolada, que passou toda a
noite chorando lágrimas de dor esmiuçada e cantando as músicas do ídolo. Na
saída do corpo para o Aeroporto de Congonhas, de onde se daria o translado para
Salvador, houve uma confusão generalizada e repressão policial, com muitas
pessoas apanhando e sendo trancafiadas em camburões. Tamanha balbúrdia se
deu porque os fãs queriam acompanhar o corpo e o cortejo fúnebre até
Congonhas, provocando assim, a reação da polícia.
Sua obra musical continua nas bocas, mentes e corações! Toda a sua
discografia oficial foi relançada em vinil e CD, tornou-se um "long-seller", nome
que a indústria fonográfica dá aos artistas que têm vendagem garantida e
contínua mesmo depois de falecidos.
Não foi acaso que Raul Seixas considerava Marcelo Nova um verdadeiro
homem, rockeiro nato, que não fazia parte dessa panelinha dos contentes, que se
autointitulava a "nova geração do rock'n'roll". Sempre cutucando a onça com
vara curta, correndo o risco de ser devorado, Raul não poupava farpas,
distribuindo-as por todos os lados, atacava em todas as direções e incomodava
muita gente. Talvez por isso mesmo, poucos artistas e cantores compareceram ao
velório de Raul.
No entanto, mais tarde, ditos, tidos e havidos como grandes nomes da MPB,
pessoas que jamais tiveram a mínima ligação artística com Raulzito e outros que
até o execravam, repentinamente alardeavam sua admiração pela obra do mago
baiano e se achavam prontos e no direito de regravar suas músicas, vituperando
assim, o trabalho incomparável do mais corrosivo pensador brasileiro.
Ouro de Tolo, Raul era agora, uma mina de ouro redescoberta depois de
considerada maldita e inativa. E assim ocorreu. As homenagens póstumas
renderam muito dinheiro, recolocaram nomes nas paradas de sucesso, fizeram o
pé de meia de muita gente que antes tinha horror a Raul Seixas.
Acredito cabalmente que todas essas coisas já estavam traçadas pelo destino,
pois, o que realmente importa é que Raul jamais seja esquecido e que a sua obra
musical e filosófica ganhe dimensões futuristas. Discos póstumos, coletâneas
diversas, tributos, regravações e livros biográficos foram editados aos milhares.
Várias homenagens foram e continuarão sendo prestadas pelos séculos dos
séculos.
O transgressor Raul Seixas, que fez de sua vida e arte atribuladas um hino à
liberdade sem obstáculos nem dogmas, o que lhe valeu prisão, tortura e exílio,
desceu ao sétimo círculo mais abjeto do érebo de Dante, perseguido e execrado
como homem e como artista. Mas, foi elevado à condição de mito. Ele era
implacável e inflamado, como todos os homens ternos que amam a justiça, era
uma das almas autenticamen te grandiosa da música popular brasileira. Raul era
o perigo, aquele cujas palavras tinham o poder de abalar estruturas, costumes e
regimes. Sua extensa obra musical foi dedicada ao homem "verbaloide", cujas
personagens de carne e osso remetiam, entre outros, aos humilhados e ofendidos
dostoievskianos, à ralé de Gorki, aos parias de Zola. O homem que não ousa e
não pensa não poderá jamais se livrar dos grilhões que o impedem de ser livre e
feliz. Mas, Raul também reservou, em sua obra contestadora, espaço para o amor
carnal, compondo belíssimas canções do mais elevado lirismo, que parecem
subir do fundo de um lago, como as ninfas de Claude Monet. Um gênio
esboçado. Um filho fiel da dor... "Conhecereis a verdade, e a verdade os
libertará." (Jesus Cristo) - João VIII:32.
Toda a obra musical de Raul Seixas contém um paradoxo enorme com estas
palavras de Jesus Cristo, pois, traz consigo elementos capazes de despertar o
indivíduo para que este busque suas próprias verdades. Ousar é preciso. Segundo
Platão: "O profeta ou gênio é semelhante ao louco". Simplesmente porque
conheceu a verdade e a verdade o tornou livre e livre, fatalmente, não se
adequará às mentiras sociais e religiosas, passará a combatê-las ferrenhamente e
não se irmanará com os hipócritas.
A razão pela qual Raul foi perseguido e barrado é clara: ele ousou questionar
tudo e o pior, tentou por todos os meios possíveis mostrar ao homem que ele é
um indivíduo e como tal pode ser feliz e livre se acreditar em si mesmo. As
pessoas sempre tendem a transferir a responsabilidade do "realizar" para os
outros e principalmente para os condicionamentos sociais. Pois, desde os
primórdios, o homem teme o desconhecido. Não sabe das suas possibilidades e
atravessa a curta existência e a vida tão preciosa acorrentado aos grilhões da
história, mentirosa e disforme. O homem tem de aprender a agir, a pensar. Ousar
é mais do que preciso e a ousadia possibilita o "fazer".
Será que o ser humano percebe o quanto a vida é bela, mas extremamente
passageira? A gente nasce e já começa a morrer.
O primeiro livro sobre Raul Seixas foi publicado em 1983 pela Shogun Arte,
editora que era propriedade de Christina Oiticica e Paulo Coelho, As Aventuras
de Raul Seixas na Cidade de Thor, escrito pelo próprio Raul Seixas, uma espécie
de documento sobre a formação cultural e musical dele, com 98 páginas
contendo trechos de seu diário, contos, poemas, história em quadrinhos, que
Raul criava e desenhava na infância para vender ao irmão Plínio Seixas, são
apresentados como verdadeiras alucinações "raulseixistas". Este mesmo livro foi
reeditado com uma capa diferente, em 1991 pela mesma Shogun Arte,
desativada tempos depois.
Dei início à difícil tarefa, corria o ano de 1984, quando saí em busca de
material e fotos para incluir no livro que pretendia escrever. Comuniquei a Raul
a minha intenção de perpetuar seu nome e carreira em uma biografia. Ele me
enviou dezenas de fotos, pôsteres, LP's, compactos, vasto material impresso,
uma tonelada de coisas que ainda hoje preservo como peças de um raro tesouro.
E logo estavam prontos e escritos à mão os originais da tão sonhada biografia,
contendo 200 páginas e a qual intitulei: Raul Seixas, o Metamorfônico. Faltava
então o principal para que o projeto literário ganhasse vida e se viabilizasse: uma
editora para publicá-lo.
Dei início a uma acirrada batalha em busca de uma editora interessada em
publicar meu livro, mas perdi. Nenhuma editora recebeu a ideia, editores me
disseram que estavam vacinados contra o "raulseixismo" e quem sabe poderiam
pensar em publicar uma biografia de um louco-intemporal depois de sua morte.
Tomei a drástica decisão de engavetar os originais de Raul Seixas, o
Metamorfônico e somente onze anos depois, algumas destas mesmas editoras
que eu havia procurado, em 1984, mostraram interesse em rever o projeto e
possível edição do mesmo livro recusado outrora, pois agora, com a morte de
Raul e algumas biografias já publicadas com sucesso, o livro poderia ser mais
um filão para os editores.
Em dezembro de 1995, comecei a escrever este livro, que agora você lê. Em
1990, Sylvio Passos organizou textos e depoimentos e entrevistas de Raul e os
publicou pela Martin Claret, o livro mais conhecido do mito maluco beleza: Raul
Seixas por ele mesmo. Em 1992, novamente Sylvio Passos uniu-se ao talentoso
Toninho Buda e mais uma vez, pela mesma Martin Claret, publicaram o livro
Antologia, reunindo todas as letras das músicas gravadas por Raul Seixas e um
estudo de Toninho Buda sobre Raul e o esoterismo. Corria o ano de 1992,
exatamente no dia 21 de agosto, quando a Polygram lançou o LP Baú do Raul,
contendo gravações inéditas (sobras de estúdio, ensaios, aparições de Raul na
TV Itapoã/Bahia, de 1963 a 1978). Junto com este LP, saiu também o livro O
Baú do Raul, com textos e letras e poemas inéditos, organizados por Kika Seixas
e Tárik de Souza, pela Editora Globo.
Em 1993, Luciane Alves publicou pela Martin Claret o livro Raul Seixas, o
sonho da Sociedade Alternativa.
Ainda em 1993, Ayrton Mugnaini Jr. publica pela Nova Sampa Diretriz
Editora Ltda. o livro recheado de informa ções inéditas, "Raul Seixas: eu quero
cantar por cantar - Biblioteca Musical Y.
Em 1994, já no final do ano, Kika Seixas lança o "Rocle Book Raul Seixas",
com letras, fotos inéditas e partituras de vários sucessos de Raul pela Editora
Gryphus. O poeta e repentista Costa Senna publica em 1994, pela Nova Sampa,
o livro O Raulseixismo. Ainda em 1994, pela Nova Sampa, Thaís de Moraes
lança o livro Raul Seixas, musicalmente falando.
Dez anos sem Raul Seixas. De Tiago Sotero de Sá e Mirella Franco Barrella.
São Paulo: Produção Alternativa, 1999.
Eu quero cantar por cantar - Raul Seixas. De Ayrton Mugnaini Jr. São Paulo:
Nova Sampa editora, 1993.
Luar aos avessos. De Ângelo Sastre. São Paulo: Scortecci Editora, 1999.
Raul Seixas, a história que não foi contada. De Elton Frans. São Paulo:
Irmãos Vitale Editores, 2000.
Raul Seixas dez mil anos à frente. De Marco Aurélio. BA: M2 Mídia, 2003.
Raul Seixas por ele mesmo. De Sylvio Passos. São Paulo: Martin Claret,
1990.
Raul Seixas Rock Book - (Raul Seixas). Pesquisa de Kika Seixas. Rio de
Janeiro: Gryphus Editora, 1994.
Raul Seixas, uma antologia. De Sylvio Passos e Toninho Buda. São Paulo:
Martin Claret Editores, 1992.
Trem das Sete. De Luciane Alves, Toninho Buda, Drago, Jairo Ferreira,
Zelinda Hypolito, Ayrton Mugnainijr. e Sylvio Passos. São Paulo: Nova
Sampa Editora, 1995.
Novo Aeon: Raul Seixas no torvelinho do seu tempo. De Vitor Cei Santos.
Rio de janeiro: Luminária Academia/Multifoco, 2010.
Raul Seixas - Uma lenda viva na memória dos seus admiradores - Autor:
Elton Frans - GPC Edições - 2010.
Raul Seixas morreu vítima do alcoolismo, desafiou a tudo e a todos, pagou
um preço altíssimo pela sua teimosia "braba" de guerreiro, mas de maluco Raul
não tinha nada. Tanto é verdade que ele continua, até hoje, causando polêmica e
vendendo discos como poucos. Biografias e tributos incontáveis são editados
todos os anos. Isto se deve exclusivamente à garra afiada de minha amiga
querida e ex-esposa de Raul, Kika Seixas, que há anos vem mantendo vivo o
projeto "O Baú do Raul".
DISCOS PÓSTUMOS
O mais celebrado deles foi "O Baú do Raul" (Polygram, 1992, produção de
Sylvio Passos, que, sem trocadilhos, foi um passo adiante daquele dado com Let
me Sing. Neste disco, o fundador do Raul Rock Club reuniu raridades do ídolo
do período entre 1963 (as gravações do The Panters na TV Itapoá) e 1978 (a
faixa inédita "Sou o que sou", parceria de Raul com Tânia Menna Barreto). No
pacote, vieram ainda faixas como "Nanny" (de Gino Frey, gravada por Raul em
1964, mas não incluída em nenhum de seus discos), as versões em espanhol de
"Metamorfose Ambulante" e "Ouro de Tolo", encontradas apenas em CD e
gravações cruas de clássicos do rock (das sessões de Raul Rock Seixas), como
"Can't Help Falling Love" e "Kansas City".
Alguns discos ao vivo também saíram do baú após a morte do astro. Caso de
"Eu, Raul Seixas" (Polygram, 1991, com registros de um show feito em 1982,
em Santos, na Praia do Gonzaga). "Raul Vivo" (Eldorado, 1993, uma ampliação
do disco "Raul Seixas Ao Vivo - único e Exclusivo, com gravações de suas
composições de sucesso) e "Se o Rádio não Toca" (Eldorado, 1994, com
recuperação de fitas de um histórico show em Brasília, no ano de 1974).
Em 2003, foi a vez de Sylvio Passos voltar à ativa com "Anarkilópolis" (Som
Livre), uma compilação de faixas já manjadas, como "No Fundo do Quintal da
Escola", "Quero Mais" e "Que Luz é Essa". A novidade do disco ficou por conta
da inclusão da faixa-título, uma primeira versão inédita, de "Cowboy Fora da
Lei", registrada em 1984, nas sessões de Metrô Linha 743.
CAIXAS
DISCOS-TRIBUTOS
PRINCIPAIS COLETÂNEAS
As Profecias - (WEA)
Se a morte sorrateira, vestida de cetim, não o tivesse levado prematuramente,
aos 44 anos, em agosto de 1989, Raul Seixas estaria com mais de 60 anos de
idade, ele nasceu em 28 de junho de 1945. Uma verdadeira legião de
admiradores e quase uma geração inteira de novos fãs preparam por todo o país
várias comemorações em homenagem ao rockeiro baiano nas datas de seu
nascimento e na data de sua morte: junho/agosto. Em todo o Brasil, como
acontece desde a sua partida para a Fase A da Sociedade Alternativa, essas
homenagens ocorrem em shows realizados por toda a parte, em bares de
inúmeras cidades do país, apresentações dos principais covers e exposições de
objetos do cantor organizados pelos inúmeros fãs-clubes. Uma panaceia geral
que expressa a importância da obra musical desse gênio esboçado que a música
popular brasileira teve a sorte e a honra de ter.
É bom lembrar aos desesperados e fiéis seguidores do mago baiano, que não
tinha nenhuma ligação com a linha evolutiva da música brasileira, que todos os
fã-clubes ainda em atividade são responsáveis por essa "guerra" permanente,
pela luta para que o nome de Raul nunca caia no esquecimento.
Raul Seixas era único: nunca um artista brasileiro ousou tanto com sua arte
corrosiva e genial. O que ele cantava era o que ele vivia sem falsidade. Nunca
fez parte de nenhuma cúpula musical, não pertencia à linha evolutiva da MPB:
sua linha e ideologia era o "raulseixismo". Raul morreu triste como Carlos
Drummond de Andrade. Ele imprimia tão catastroficamente seu estilo próprio
em suas composições que dificilmente elas tinham significado ou aura na
interpretação de outros artistas. O Brasil precisou perdê-lo para reencontrá-lo na
eternidade de sua obra filosófica e magistral, um fato tragicômico, pois, como o
próprio Raul sempre dizia: "A sociedade assassina seus poetas para então citá-
los".
Anarkilópolis, título do disco que a Som Livre lançou e cuja música que dá
nome ao disco, assinada por Raul, Cláudio Roberto e Sylvio Passos. Mais uma
coletânea que, apesar de um pouco diferente de inúmeras outras já editadas,
cheira a caça-níqueis. Não convence a nenhum admirador da obra "raulseixista",
pois não tem nada inédito. A música "Anarkilópolis" é um country que deveria
ter entrado no disco Metrô Linha 743. Como os produtores da gravadora
entenderam na época que a música não tinha ficado bem acabada, decidiram não
incluí-la naquele disco de 1984.
Outra história contada para justificar a não inclusão desta canção no disco, é a
de que Raul, naquela época, estava com problemas cada vez mais frequentes em
sua vida particular. Depois de chegar embriagado ao estúdio por causa de uma
briga com a esposa, acabou comprometendo a gravação, que não pôde mais ser
trabalhada a tempo de entrar no álbum. Até a capa desta coletânea Anarkilópolis
é uma cópia da capa do disco Metrô Linha 743, que foi trabalhada pelo artista
gráfico e "raulseixista" Drago, amigo pessoal de Sylvio Passos para dar a
impressão de uma coisa nova. A faixa Anarkilópolis merece atenção especial,
porque trata-se de uma letra de Sylvio Passos que Raul musicou. O próprio
Sylvio é quem conta como se deu a parceria:
"Raul tinha escrito, em 1973, uma música chamada Cowboy 73, e me mostrou
a letra me convidando (eu acredito que ele estava mesmo é me dando uma
oportunidade única, generoso ao extremo que era) para fazer uma letra em cima
daquela, onde somente aproveitaríamos o refrão, que era assim:
Para que o fã menos avisado tenha uma vaga ideia, quando Raul convocou e
convidou Paulo Coelho para assumir uma parceria firme com ele, uma das mais
prolíficas do rock nacional, a primeira música que trazia o nome de Paulo
Coelho como parceiro, "Caroço de Manga", foi escrita e musicada inteiramente
por Raul e ele para incentivar o amigo, cedeu-lhe a parceria e, hoje o próprio
Paulo Coelho afirma tal coisa. Por que é que, depois do rompimento da parceria
de ambos, Paulo Coelho nunca mais compôs nada, a não ser umas três ou quatro
canções insossas? Por que é que depois da separação conjugal, suas ex-esposas -
Kika Seixas, Tânia Menna Barreto e Lena Coutinho e também a americana
Glória Vaquer -jamais retornaram a compor uma canção?
1- Ritmo Alucinante/Globo Vídeo - 1975 - RJ.
A peça "Raul Fora-da-Lei" conta ainda com uma banda em cena executando
ao vivo trechos de algumas das mais conhecidas músicas de Raul. É pena que
esta peça não tenha feito muito sucesso e deixou de ser encenada.
Raulzito na telona
Confira a seguir uma lista das músicas que alguns afirmam que Raul plagiou e
versões magníficas que ele criou para alguns clássicos do rock, blues e baião.
Raul Seixas nunca escondeu de ninguém que ele havia sim "metido a mão" em
algumas músicas e outra coisa que pouca gente conhece é o fato de que Raul
tinha uma afinidade tão grande com o estúdio e com a música, que ele inverteu
muitos clássicos do rock, trocando seus acordes para criar suas bombas musicais.
Isto não significa jamais que Raul Seixas foi um grande plagiador, muito pelo
contrário, significa o quanto ele era mesmo um gênio. Nunca ninguém ousou
contestá-lo por qualquer suposto plágio e acredito que nunca houve tal coisa
devido ao fato de os criadores originais das ditas canções plagiadas não terem
tomado conhecimento de atitude que sempre causou celeuma no meio musical,
ou porque o próprio criador plagiado não teria nenhum argumento diante da
justiça para provar o plágio, ele não saberia dizer se foi plagiado ou se plagiou.
3) Lucy In The Sky With Diamond (versão "Você Ainda Pode Sonhar") - The
Beatles;
9) 1 Was Born About Ten Thousand Years Ago (inspirou "Há 10 Mil Anos
Atrás") - Elvis Presley;
10) Got My Feet On The Ground (melodia de "Eu Sou Eu Nicuri É o Diabo") -
The Kinks;
11) Willow Garden (versão "A Beira do Pantanal") - Peter & Gordon;
13) My Baby Left Me (inicio "A Verdade sobre a Nostalgia") - Arthur "Big Boy"
Grudup;
14)No No Song (versão "Não Quero Mais Andar na Contramão") - Ringo Star;
18) Sweet Home Chicago (semelhante "Canceriano Sem Lar") - Blues Brothers;
19) Back In The USSR (versão "O Dia da Saudade") - The Beatles;
20) How Many More Times (melodia "Loteria da Babilônia") - Led Zeppelin;
'Muitas das informações contidas neste pequeno capítulo sobre Crowley foram
baseadas e retiradas da Biografia de Aleister Crowley, na Internet, de autoria de
Eduardo Pinheiro.