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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

DISCIPLINA: TEORIA SOCIOLÓGICA CONTEMPORÂNEA


ALUNA: TEREZA RAFAELLA CORDEIRO MACIEL

UM OLHAR SOBRE O PROCESSO EDUCACIONAL À LUZ DA


ETNOMETODOLOGIA DE HAROLD GARFINKEL AO CONTINUUM
MORFOSTÁTICO-MORFOGENÉTICO DE MARGARET ARCHER

O processo educacional é um, dentre variados fenômenos sociais, que passaram por
mudanças ao longo do tempo e que, como tal, foi e continua sendo objeto de análise em
variadas teorias sociais. A sociologia clássica de Durkheim, por exemplo, já analisava a
educação como esse mecanismo utilizado para transmitir as regras e normas sociais, assim
como os hábitos e costumes para as futuras gerações de uma dada sociedade, permitindo
assim a reprodução constante de uma consciência coletiva externa aos indivíduos e coercitiva
às suas ações e às suas consciências individuais. As pessoas teriam pouco ou nenhum poder
para mudar, transformar a realidade. E, diria que, até a contemporaneidade, alguns ainda
enxergam a educação como esse método de apenas “repasse de conteúdos e informações”,
onde alunos teriam pouca ou nenhuma agência no processo de desenvolvimento da
aprendizagem.
Ao analisarmos a partir da visão weberiana ou marxista, perceberíamos uma educação muito
mais fortemente influenciada pelas ações dos estudantes que, por sua vez, teriam uma maior
participação no processo de construção do conhecimento ou até mesmo de transformação da
lógica educacional, respectivamente.
Quando avançamos e observamos as teorias sociológicas contemporâneas a fim de verificar
como se dão os processos educacionais no mundo globalizado, por exemplo, percebemos as
mudanças sofridas não só no fenômeno social em si mas também em como esse fenômeno
seria tratado e analisado. Tomemos como base os estudos em etnometologia do Garfinkel
(2018) e em seguida a relacionalidade entre estrutura, agentes e cultura do continuum de
Margaret Archer.
Garfinkel afirmava que os membros de uma dada sociedade, tinham a capacidade de refletir
sobre suas ações práticas rotineiras através da comunicação estabelecida na sociabilidade,
assim sendo também teriam seus métodos para analisar suas próprias ações. Esses métodos
utilizados pelos membros da sociedade seriam por sua vez o foco de análise dos sociólogos,
através da etnometodologia:

O estudo do conhecimento de senso comum e das atividades de senso comum


consiste em tratar como fenômenos problemáticos os métodos reais, através dos
quais os membros de uma sociedade, fazendo sociologia, leiga ou profissional,
tornam passíveis de observação as estruturas sociais das atividades cotidianas
(GARFINKEL, 2018, p. 155).

Pensando no desenvolvimento do processo educacional ao longo dos anos, podemos trazer


para a discussão aqui iniciada, as mudanças ocorridas no formato de educação: estudantes
não são vistos somente como “passivos” de uma aprendizagem, mas também a constroem,
através de uma troca de conhecimento contínua; essa aprendizagem não se concentra somente
na escola, mas também em outros campos sociais; o conhecimento construído com a presença
de uma agência mais intensa dos alunos tem como principal mediador a comunicabilidade.

Garfinkel deu a tais saberes mundanos a alcunha de etnométodos. O prefixo etno


refere-se simplesmente aos membros de um contexto social particular, enquanto o
caráter metodológico do conhecimento se manifesta em fórmulas genéricas que
sempre têm de ser criativamente adaptadas pelos agentes às demandas específicas
de um contexto de ação (PETERS, 2020, p. 54).

Avançando na discussão trazida pela sociologia clássica acerca dos dualismos entre indivíduo
e sociedade, estrutura e agência, objeto e sujeito, etc., Margaret Archer faz um esforço na
tentativa de compreender os fenômenos sociais como uma via de mão dupla, influenciando-se
reciprocamente, por meio de um continuum entre morfostase e morfogênese, onde agentes,
estrutura e cultura encontram-se em relacionalidade.
Morfogênese refere-se ‘aqueles processos que tendem a elaborar ou modificar a
forma, estrutura ou estado de um dado sistema’ (BUCKLEY, 1967, p. 58 apud
ARCHER, 2011, p. 160), ao passo que a morfostase refere-se a processos no
interior de um sistema complexo que tendem a preservá-lo sem mudanças
(ARCHER, 2011, p. 160).

Esse continuum se realiza, através do que ela chama de reflexividade comunicativa que, nada
mais é do que, a capacidade que as pessoas têm de refletir sobre suas ações por meio da
comunicação estabelecida com outros indivíduos em sociedade. Essa reflexividade é o meio
pelo qual, em determinadas situações e de variadas formas ao longo da história, a
continuidade contextual, característica predominante da morfostase e, portanto, da
reprodução social por meio de hábitos, foi cedendo lugar, diante dos obstáculos vivenciados
pelas descontinuidades e incongruências contextuais advindos do desenvolvimento do mundo
contemporâneo e suas consequentes transformações sociais, à morfogênese, ou seja, à
elaboração de novas estruturas sociais, possibilitada pelas mudanças sociais em curso,
principalmente a partir da globalização.
No campo educacional, tais mudanças se verificam quando observamos que, em
determinados contextos, apesar de alguns esforços no sentido da reprodução de um modelo
educacional baseado no “repasse de conteúdos”, onde alunos não teriam qualquer agência,
percebemos um desgaste dessa metodologia educacional que, por sua vez, dá lugar e uma
maior abertura para uma consciência crítica por parte dos alunos que, além de contribuir com
o processo educacional, buscam a todo momento transformá-lo, por exemplo, questionando o
lugar da ciência frente aos outros saberes que apesar de importantes, há tantos anos a ciência
vinha “sufocando”.

REFERÊNCIAS

ARCHER, Margaret S.. Habitus, reflexividade e realismo. Dados, Rio de


Janeiro, v. 54, n. 1, p. 157-206, 2011.

GARFINKEL, Harold. Estudos de Etnometodologia. São Paulo: Vozes, 2018


(cap. 1: O que é etnometodologia?, cap. 2: Estudos dos fundamentos rotineiros
das atividades cotidianas.

PETERS, Gabriel. Sociologias da ação: um balanço. In: FAZZI, Rita de Cássia;


LIMA, Jair Araújo de. (orgs.) Campos das Ciências Sociais: figuras do
mosaico das pesquisas no Brasil e em Portugal. Petrópolis, Rj: Vozes, 2020.

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