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MARIA ISABEL BRAGA ABECASIS é licenciada em História pela

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e tem o curso de


Bibliotecária-Arquivista da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra.
Foi responsável pela Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra de 1990 a
1992 e pelo Arquivo Histórico do Palácio Nacional da Ajuda/Museu de 1992
a 2003. Encontra-se actualmente a trabalhar na Torre do Tombo.

2
A REAL BARRACA
A RESIDÊNCIA NA AJUDA DOS REIS DE PORTUGAL
APÓS O TERRAMOTO (1756-1794)

MARIA ISABEL BRAGA ABECASIS

3
Título: A Real Barraca. A Residência na Ajuda dos Reis de Portugal após o Terramoto
(1756-1794)

Copyright © 2009, Maria Isabel Braga Abecasis e Tribuna da História – Edição de Livros e
Revistas, Unipessoal Lda
Rua Pinheiro Chagas, 27-r/c

Imagem da capa: Vue et perspective du Tage et de l’entrée de la Barre de Lisbonne prise


depuis de la Tour Sam Juliam jusques et comprit le Fauxbourg et porte d’alcantara et couvent
de Necessidades (…). Desenho à pena de Bernardo de Caula. 1763. Cópia de Herman
Schutte, 1886 (pormenor). Lisboa, Museu da Cidade – Câmara Municipal de Lisboa

Editor: Pedro de Avillez

Edição on line : Fernando Rebelo

Paginação: Fernando Rebelo

Capa: Arqnet Design

Revisão: Manuel Amaral, Fernando Rebelo, Isabel Abecasis

Depósito Legal: 298443/09

ISBN: 978-989-8219-11-4

Esta obra teve o patrocínio da Câmara Municipal de Lisboa

4
À memória
de minha mãe, Maria Leonor
e de meu irmão Miguel

5
INDICE

Listagem de imagens ------------------------------------------------------------------------- 8


Abreviaturas ----------------------------------------------------------------------------------- 12
Agradecimentos ------------------------------------------------------------------------------ 13
Prefácio ---------------------------------------------------------------------------------------- 15
Introdução-------------------------------------------------------------------------------------- 18

1. OS ESPAÇOS ----------------------------------------------------------------------- 31

As salas do dossel ------------------------------------------------------------------- 31


Os oratórios do paço ---------------------------------------------------------------- 36
Viadores e porteiros da cana ------------------------------------------------------- 41
A sala dos archeiros ----------------------------------------------------------------- 44
Médicos e cirurgiões ---------------------------------------------------------------- 47
A música na corte -------------------------------------------------------------------- 53
A capela real -------------------------------------------------------------------------- 63
A biblioteca --------------------------------------------------------------------------- 75
Outras divisões do paço ------------------------------------------------------------- 80
Outros espaços ----------------------------------------------------------------------- 87
Os espaços que a planta não refere ------------------------------------------------ 94

2. O ESPÍRITO DA ÉPOCA ----------------------------------------------------------- 100

O dia-a-dia ---------------------------------------------------------------------------- 100


A ligação ibérica --------------------------------------------------------------------- 103
A influência francesa ---------------------------------------------------------------- 104

6
3. OS ARREDORES ------------------------------------------------------------------- 107

Belém --------------------------------------------------------------------------------- 120


O Bom-Sucesso ---------------------------------------------------------------------- 150
Pedrouços ----------------------------------------------------------------------------- 162
Uma pequena incursão à Junqueira ----------------------------------------------- 190
Os servidores do paço ---------------------------------------------------------------- 195

4. O JARDIM BOTÂNICO DA AJUDA -------------------------------------------- 200

CONCLUSÃO: O FIM DA REAL BARRACA ----------------------------------- 205

Anexos:
Descendência de D. José I -------------------------------------------------------------------- 210
Descendência de D. Maria I ------------------------------------------------------------------ 211
Descendência de D. João VI ----------------------------------------------------------------- 212

Índice Remissivo ------------------------------------------------------------------------------- 213

7
LISTAGEM DE IMAGENS
EXTRA TEXTO – Carta topográfica de Lisboa e seus subúrbios levantada no ano de 1807 sob a
direcção de Duarte José Fava. Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas

IMAGEM 1 – Vista do bairo de Nª Srª D’ajuda, a onde esta coñtruido ô Palacio ou baraca Naquel
assiste Sª Mde fidellissima D. José p. Rey de Portugal, depois do terramoto do 1 ro de noro 1755 in
Giuseppe Gorani, Portugal A corte e o País de 1765 a 1767, Lisboa, Lisóptima Edições, 1989. Gabinete
de Estudos Olisiponenses – Câmara Municipal de Lisboa

IMAGEM 2 a) b) – Vue et perspective du Tage et de l'entrée de la Barre de Lisbonne prise depuis de


la Tour Sam Juliam jusques et comprit le Fauxbourg et porte d'alcantara et couvent de Necessidades...
Desenho à pena de Bernardo de Caula. 1763. Cópia de Herman Schutte, 1886 (pormenor). Lisboa.
Museu da Cidade – Câmara Municipal de Lisboa

IMAGEM 3 – Paso Real incendiado edificado depois do Terremoto de 1755 no Alto da Ajuda dicto
vulgarmente a Baraca. Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal

IMAGEM 4 – O rei D. José a rainha D. Mariana Vitória. Quadro anónimo. Lisboa. Palácio das
Necessidades

IMAGEM 5 – Alegoria ao nascimento da infanta D. Maria Teresa em 1793. Gravura a buril e água-
forte. Desenho Francisco Leal Garcia. Gravura Gaspar Fróis Machado. Lisboa. Biblioteca Nacional de
Portugal

IMAGEM 6 – Gravura alusiva à inauguração da Basílica da Estrela, 1790. Desenho Jerónimo de


Barros Ferreira, gravura Gregório F. A. de Queirós. Lisboa. Biblioteca Nacional de Portugal

IMAGEM 7 – Trecho de uma planta topográfica de 1817. Colecção do Tombo dos Bens da Coroa –
Caixa A, Proc. 118, Doc. 99 in Mariana A. Machado Santos, Alexandre Herculano e a Biblioteca da
Ajuda, Coimbra, Separata de O Instituto, 1965, Vol. CXXVII. Biblioteca de Arte – Fundação Calouste
Gulbenkian

IMAGEM 8 – Planta topográfica das imediações do Paço da Ajuda em 1862. Arquivo Histórico do
Ministério das Obras Públicas in Mariana A. Machado Santos, ob. cit.

8
IMAGEM 9 – Planta do Real Palácio da Ajuda e das suas cercanias, 1869, Planta por J.A. de Abreu,
Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas

IMAGEM 10 – Torre da Ajuda e casa de Alexandre Herculano vendo-se por trás a biblioteca da Real Barraca.
Início do século XX, fotografia de Alberto Carlos Lima, Arquivo Municipal de Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 11 – William Beckford. Óleo sobre tela de George Romney, 1781-1782. The National Trust.
Grâ-Bretanha

IMAGEM 12 – Domingos António de Sequeira. Auto-retrato. Desenho a lápis preto e sanguínea c.


1785. Lisboa. Museu Nacional de Arte Antiga

IMAGEM 13 – Painel de azulejos com cena marítima pertencente a Vila Garcia. Fotografia de João
Miguel dos Santos Simões, 1960-1970. Lisboa. Biblioteca de Arte. Fundação Calouste Gulbenkian

IMAGEM 14 – Choque do Alvito. Desenho à pena atribuído ao Cavaleiro Faria in Notícias dos
Sucessos das Guerras de Espanha, códice manuscrito, c. 1762. Lisboa. Biblioteca da Academia Militar

IMAGEM 15 – Planta do destricto da Bateria do Bom Sucesso e sitio de Pedrouços, levantada pelo
coronel do Real Corpo de Engenheiros Pedro Folque tendo debaixo das suas ordens dois officiaes
subalternos: segundo as ordens do Commandante do mesmo corpo. Aprezentada em Abril 1816.
Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar/Direcção de Infra-Estruturas do Exército

IMAGEM 16 – Edifício do antigo Seminário da Patriarcal

IMAGEM 17 – Antiga residência do Marquês de Pombal

IMAGEM 18 – Casa do Galvão

IMAGEM 19 – Pátio das Vacas, fotografia de Eduardo Portugal, 1939, Arquivo Municipal de
Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 20 – Junta de Freguesia de Belém

9
IMAGEM 21 – Casas do Capitão da Torre, fotografia de Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de
Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 22 – Vista aérea da zona de Pedrouços e Restelo, [Lisboa]: [s.n], [19--] Gabinete de
Estudos Olisiponenses – Câmara Municipal de Lisboa

IMAGEM 23 – Quinta da Princesa, fotografia de Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de


Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 24 – Prédio setecentista da Rua de Pedrouços

IMAGEM 25 – O Palácio Cadaval. Ano de 1938, fotografia de Eduardo Portugal, Arquivo Municipal
de Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 26 – A Torrinha, fotografia de Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 27 – Palácio Vila Garcia, fotografia de Eduardo Portugal. Arquivo Municipal de


Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 28 – Rua do Arco da Torre, fotografia de Eduardo Portugal. 1940. Arquivo Municipal de
Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 29 - Acesso à Torre de Belém, passando a linha-férrea, vindo do Arco da Torre. Fotografia
de Eduardo Portugal. 1938. Arquivo Municipal de Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 30 – Calçada da Ajuda, 1939, fotografia de Eduardo Portugal. Arquivo Municipal de


Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 31 – Demolição de dependências do Palácio da Ajuda, 195- Fotografia de Judah Benoliel .


Arquivo Municipal de Lisboa/Arquivo Fotográfico

IMAGEM 32 - Largo da Ajuda - Vista do local onde se situava a antiga ‘Tapeçaria’ da Real Barraca.
Nele está hoje em dia o «Lar de Stª Isabel da Casa Pia de Lisboa». Foi, no século XIX, a casa de
Alexandre Herculano.

10
CADERNO ENTRE AS PÁGINAS 134 e 149

1 – Terramoto de Lisboa em 1755. Alegoria. Óleo sobre tela de João Globe Stroberle. Museu
Nacional de Arte Antiga
2 – D. José I. Óleo sobre tela de Miguel António do Amaral. Paço Ducal de Vila Viçosa
3 – D. Mariana Vitória. Óleo sobre tela atribuído a Miguel António do Amaral. Paço Ducal de Vila
Viçosa
4 – D. Maria Francisca Isabel, princesa do Brasil. Óleo sobre tela atribuído a Vieira Lusitano.
Palácio Nacional de Queluz
5 – A infanta D. Maria Ana Francisca Josefa. Óleo sobre tela de autor desconhecido. Palácio
Nacional da Ajuda
6 – D. Maria I. Óleo sobre tela atribuído a Giuseppe Troni. Palácio Nacional de Queluz
7 – D. Pedro III. Óleo sobre tela de autor desconhecido. Palácio Nacional de Queluz
8 – D. José, príncipe do Brasil. Óleo sobre tela atribuído a Giuseppe Troni. Centro de Apoio Social de
Runa
9 – D. Maria Francisca Benedita, princesa do Brasil. Óleo sobre tela atribuído a Giuseppe Troni.
Museu Nacional dos Coches
10 – D. João, príncipe regente. Óleo sobre tela de Domingos Sequeira. Palácio Nacional da Ajuda
11 – D. Carlota Joaquina. Óleo sobre tela de M.S. Maella. Museu do Prado
12 – Infanta D. Maria Teresa. Óleo sobre tela atribuído a A. Fuschini, entre outros. Palácio Nacional
de Queluz
13 – A família real em 1793. Óleo sobre tela de Giuseppe Troni. Academia Militar
14 – D. Miguel Caetano Álvares Pereira de Melo, 5º duque de Cadaval e família. Óleo sobre tela.
Colecção particular
15 – Martinho de Melo e Castro (esq.). Gravura aguarelada. Arquivo Histórico Militar
16 – Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal. Óleo sobre tela de Joana do Salitre.
Museu da Cidade
17 – Fachada sul do Palácio da Ajuda (projecto). Academia Nacional de Belas Artes

11
ABREVIATURAS

A.H.M. – Arquivo Histórico Militar


A.H.M.F. – Arquivo Histórico do Ministério das Finanças
A.H.M.O.P. – Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas
A.H.T.C. – Arquivo Histórico do Tribunal de Contas
A.N.T.T. – Arquivos Nacionais /Torre do Tombo
A.P.N.A. – Arquivo Palácio Nacional da Ajuda
B. A. – Biblioteca da Ajuda
B.N.P. – Biblioteca Nacional de Portugal
Cód. – Códice
C.R. – Casa Real
Cx. – Caixa
D. – Desenho
D.R.L. – Direcção Regional de Lisboa
F.F – Feitos Findos
F.C.G. – Fundação Calouste Gulbenkian
G.E.O. – Gabinete de Estudos Olisiponenses
A.N.T.T. – Arquivos Nacionais /Torre do Tombo
I. P. C. C., – Instituto Português de Cartografia e do Cadastro
I.P.P.A.R. – Instituto Português do Património Arquitectónico

12
AGRADECIMENTOS

André Doures, Antónia Tintoré, António Lucas Serra, Arquivo Fotográfico Municipal de
Lisboa, Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas, Céu Sereno, Conceição Geada,
Cristina de Almeida, Cristina Pinto Basto, Diogo Abecasis Teixeira, Francisco Guimarães da
Cunha Leão, Gabinete de Estudos Olisiponenses, Isabel Carneiro, João Vaz, José Miguel
Magalhães, Lídia Mendonça, Margarida Braga Abecasis, Margarida Magalhães Ramalho,
Maria Leonor Braga Abecasis, Maria Magalhães Ramalho, Mário Fortes, Miguel Pintão da
Costa, Paula Ucha, Paulo Barata, Paulo Fernandes, Rita Quadros Vaz, Rosário Braga Soares
Carneiro, Teresa Maria Braga Abecasis, Teresa Rocha Abecasis, Vítor Vladimiro

E ainda a todos os habitantes das zonas de Ajuda e Belém que frequentes vezes prestaram
valiosas informações

13
14
PREFÁCIO

Poucas são as zonas de Lisboa que ofereçam tantas referências de uma época como as de
Ajuda1, Belém, Bom Sucesso e Pedrouços. O observador interessado que se disponha a perder
parte do seu tempo em algumas incursões nesses lugares e tente descobrir o seu passado verá
sucederem-se a par e passo testemunhos de um tempo em que nestes locais residiu a corte
portuguesa.
Se resolver inquirir junto dos seus habitantes esclarecimentos sobre a história de um ou outro
local dificilmente obterá respostas consistentes, pois a maioria deles desconhece que os espaços
que os rodeiam formaram no seu conjunto um cenário vivo e interessante de uma época que foi
o século XVIII português2. Deste modo ignoram, por exemplo, o porquê de muitas das
designações do sítio onde residem. Nomes como Calçada do Galvão, Estrada de Pedro
Teixeira, Pátio das Vacas, Travessa do Desembargador , Travessa do Forte da Areia, Largo
da Princesa e muitos outros, nada lhes dizem, desconhecendo a sua origem. E ficarão até

1
No século XVI a freguesia da Ajuda abrangia as terras de reguengo compreendidas entre as Ribeiras de Alcântara e de Algés.
Só mais tarde esta situação se alteraria quando foi criada, em 1770, a freguesia de Alcântara com a sede paroquial numa igreja
do Calvário, cf. Francisco Santana e Eduardo Sucena, direcção de, Dicionário da História de Lisboa, Lisboa, Carlos Quintas
& Associados – Consultores, Lda., 1994.
2
Com a vinda da família real para a Ajuda a população desta zona teve um enorme incremento. Só de 1755 para 1758 o número
de fogos aumentou de 1052 para 1822. Quase 800 fogos em 3 anos, quando desde o início do século, ano de 1700, tinha 508
fogos. Róis dos confessados da freguesia da Ajuda, 1692-1908, cit. por Constança Moreira Rato, Teresa Lourenço, Elementos
para a História da freguesia de N. Sra. da Ajuda. Lisboa, trabalho universitário não publicado, 1991/1992, pág. 6.
15
admirados ao ter conhecimento que os monarcas portugueses habitaram, depois do terramoto
que destruiu Lisboa em 1 de Novembro de 1755, um enorme barracão de madeira tosco e
desagradável situado no Alto da Ajuda em local aproximadamente correspondente ao do actual
palácio 3, construção que veio a ser conhecida pelo nome singular de Real Barraca4.

3
«Il est bâti o actual Paço da Ajuda à peu près sur le même local que celui qui a été incendié il y a quelques années» in Adrien Balbi,
Essai statistique sur le royaume de Portugal et d’Algarve, Paris, Chez Rey et Gravier, Libraires, 1822, pág.180. Estudos arqueológicos
provaram o mesmo: a fachada nascente do actual paço está numa posição recuada em relação à da Real Barraca. Esta era, além disso,
mais estreita e comprida cf. Maria Magalhães Ramalho, Carla Lopes, Real Barraca e Patriarcal da Ajuda (1756-1843) Estudo
histórico e arqueológico in 3º Encontro de Arqueologia Urbana, Almada, 1997.
4
A Real Barraca era feita em madeira e tijolo, à semelhança de muitos edifícios erguidos na época, na sequência do terramoto de 1755:
«Era para causar justa admiração, ver o breve tempo, em que se levantarão mais de nove mil barracas muitas dellas edificios nobres,
acabados com grossas despesas» in Amador Patrício de Lisboa, Memorias das principaes providencias, que se derao no terremoto
que padeceo a corte de Lisboa no anno de 1755, ordenadas, e offerecidas á Magestade Fidelissima de ElRey D. Joseph I Nosso
Senhor, Lisboa, [s.n.], 1758, pág. 25.
16
17
INTRODUÇÃO

Qual a razão de tão estranha habitação da família real portuguesa 5? Porquê a curiosa
designação por que veio a ser conhecida?
Tudo se deve ao terrível terramoto de 1 de Novembro de 1755, ao qual a família real
portuguesa foi poupada por se encontrar, desde Maio desse mesmo ano, a residir na «casa de
campo real de Belém» actual palácio de Belém. Segundo jornais da época só se deslocava a
Lisboa por ocasião da representação das óperas.
Como o violento sismo ocorreu no início da manhã, hora muito improvável para a celebração
de tais espectáculos, a família real escapou ilesa a uma catástrofe que dizimou grande parte da
população de Lisboa
Outra feliz circunstância, que beneficiou os monarcas, foi o facto de se encontrarem numa
das zonas «mais bem livradas»6 do terramoto cujo solo, de características basálticas 7, evitou o
desmoronamento de muitos edifícios.
Foram estas as razões porque a família real foi poupada ao horroroso cataclismo que tão
nefastas consequências teve para o país e que tanto impressionou a Europa do tempo. Decidiram
assim os monarcas escolher, daí em diante, como local de residência a zona de Belém/Ajuda.
Os abalos sísmicos não terminaram no primeiro de Novembro de 1755. Até ao fim desse ano e
ao longo de todo o seguinte repetiram-se com maior ou menor intensidade, tanto em Portugal
como em diversos pontos do globo 8. Este facto associado ao deplorável estado em que ficou a
cidade de Lisboa obrigou grande parte da população sobrevivente a abrigar-se em tendas, numa

5
A família real era à data do terramoto constituída pelo monarca D. José, sua mulher D. Mariana Vitória e suas filhas D. Maria
Francisca Isabel Josefa … Joana (1734-1816) que sucedeu no trono com o nome de D. Maria I, D. Maria Ana Francisca Josefa
(1736-1813), D. Maria Francisca Doroteia (1739-1771) e D. Maria Francisca Benedita (1746-1829). Ver ÁRVORE
GENEALÓGICA
6
O padre Manuel Portal refere mesmo que «a freguesia de Nossa Senhora da Ajuda foy a mais bem livrada» cit. por Francisco
Luís Pereira de Sousa, O terremoto do 1º de Novembro de 1755 em Portugal e um estudo demográfico, vol. III, Lisboa,
Tipografia do Comércio, 1923, pág. 699.
7
Francisco Luís Pereira de Sousa, Effeitos do terremoto de 1755 nas construcções de Lisboa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1909,
pág. 39.
8
Isabel Maria Barreira de Campos, O grande terramoto (1755), Portugal, Editorial Parceria, 1998, pág. 382.
18
solução de emergência. O mesmo aconteceu à família real: «...nous somes sous de tentes dans
le grand jardin...» 9 10 informa a rainha Mariana Vitória11, a sua mãe Isabel Farnésio, 3 dias após
o terramoto aludindo ao jardim do Palácio de Belém.
No início de Julho de 1756 a família real ainda permanecia em tendas de campanha, em
condições de grande desconforto: «La Famille Royale, qui continuë de camper sous des tentes,
a essuié une terrible tempête, que nous avons euë les 24, 25 & 26 du mois dernier. La pluie y
entra & le vent étoit si violent, que ce ne fût qu’à force de bras, qu’on vint à bout de faire
ensorte, qu’il n’emportât pas les tentes pendant la nuit» 12.
A despeito da incómoda situação em que viviam os monarcas não deixam de prosseguir o
seu ritmo de vida dentro de uma normalidade relativa, de acordo com hábitos antigos: em
Fevereiro de 1756, 4 meses depois do terramoto, a corte efectuará as costumadas jornadas a
Samora e Salvaterra, despendendo-se na jornada a Salvaterra 635$840 réis em embarcações e
toda a comitiva13.
Apavorado com o terramoto D. José14 não quererá mais habitar em casas de pedra: « ... le
Roy veut faire un petit palais de bois proche de notre maison de Belem... Quelques uns disent
au Roy de sans aler a Mafra ... mais il ne veut pas parce qu’il ... a peur de se metre dans un
batiment si grand et si haut»15 informa ainda Mariana Vitória a sua mãe.

9
«...estamos em tendas no jardim grande...» Carta de Maria Ana Victória a sua mãe Isabel Farnésio, Belém, 4 de Novembro
de 1755, Arquivo Histórico Nacional de Madrid, legajo 2312, in Caetano Beirão O Terramoto de Lisboa de 1755 - Novos
Documentos, Panorama, III Série, Nº1 (1956).
10
O «Jardim Grande» estava localizado no Palácio de Belém cf. José António Saraiva, O palácio de Belém, Lisboa, Editorial
Inquérito, 1985, pág. 48.
11
D. Mariana Vitória (1718-1781), filha de Filipe V e Isabel Farnésio. Casou em Janeiro de 1729 com o rei D. José.
12
«A família real, que continua a acampar em tendas de campanha, suportou uma terrível tempestade que tivemos em 24, 25 e
26 do último mês. A chuva entrou nas tendas e o vento era tão violento que só à força de braços se conseguiu que as tendas não
fossem levadas durante a noite» Gazette de Cologne, LIII, 2 Juillet 1756, citado por Isabel Maria Barreira de Campos, ob. cit.,
pág. 385.
13
I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3095, Despesas de Fevereiro de 1756.
14
Filho e sucessor de D. João V, D. José (1714-1777) governou durante cerca de 27 anos. Casou em Janeiro de 1729 com D.
Mariana Vitória.
15
«...o Rei quer mandar construir um pequeno palácio de madeira próximo da nossa casa de Belém... . Alguns dizem ao Rei
para ir para Mafra... mas ele não quer porque...tem medo de se meter num edifício tão grande e tão alto...» Carta de Maria Ana
Victória a sua mãe Isabel Farnésio, Belém, s.d, Arquivo Histórico Nacional de Madrid, legajo 2312, in Caetano Beirão, art.cit.
19
Em finais de Julho a família real irá fixar residência na Real Barraca da Ajuda.: «Suas
Magestades e Altezas se mudaram hontem para a sua nova Barraca...» 16 informa, em 23 de
Julho de 1756, o secretário de estado de D. José, D. Luís da Cunha a Martinho de Melo e
Castro17 , secretário em Londres.
A Real Barraca da Ajuda albergará a família real portuguesa durante perto de quarenta anos.
O quotidiano monárquico da segunda metade do século XVIII, irá passar-se, em grande parte,
neste enorme barracão de madeira, tosco e desagradável, segundo a maioria dos observadores
da época18.
Será na Ajuda que se desenrolarão alguns dos acontecimentos mais marcantes da história
portuguesa deste período. Aqui se tentará alterar as estruturas e mentalidade de um país marcado
pelo obscurantismo; aqui se extinguirá a todo-poderosa Companhia de Jesus19 e se limitará a
excessiva influência duma nobreza autoritária e arrogante20. Será também na Ajuda que o
principal promotor destas mudanças, Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido para a
posteridade como marquês de Pombal, se verá arredado da gestão dos negócios do estado: «Eu
mudei de Ministro pª o meu gabinete espero q nelle achara V. Mg de sinceridade, e boa fe ...». A
rainha D. Maria I21 anuncia assim a seu tio Carlos III, monarca espanhol, o afastamento do todo-
poderoso ministro de seu pai, D. José, em carta escrita na Real Barraca a 24 de Março de 177722.

16
I.A.N./T.T., Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maço 61, Despacho de D. Luís da Cunha a Martinho de Melo e Castro, 23
de Julho de 1756 in Guilherme G. de Oliveira Santos O Caso dos Távoras, Lisboa, Livraria Portugal, 1959, pág. 93, nota 49.
17
Martinho de Melo e Castro (11.11.1716-24.3.1795) – Estadista e diplomata. Entrou em 1751 na carreira diplomática, tendo
sido representante de Portugal junto dos Estados Gerais das Províncias Unidas, de onde transitou para Londres. Em 1770
regressa a Portugal ocupando a pasta da Marinha e do Ultramar, cargo que viria a exercer até 1795.
18
A opinião de Ana Miquelina, que acompanhou a infanta D. Carlota Joaquina a Portugal quando do seu casamento com o
infante D. João, futuro D. João VI, em 1785, era contudo diferente: «Estamos numa barraca mui linda» diria ela a Maria Luísa
de Bourbon Parma mãe da infanta. B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-20 (103), Carta de Ana Miquelina aia da infanta D.
Carlota Joaquina para a mãe desta última Maria Luísa de Bourbon Parma, princesa das Astúrias e futura rainha de Espanha
[Ajuda 1785 - 11-9-1788].
19
Decreto de 3 de Setembro de 1759 expulsando a Companhia de Jesus de Portugal e seus domínios.
20
O poder da nobreza portuguesa sofreu um rude golpe com a execução, a 13 de Janeiro de 1759, dos Marqueses de Távora e
de seus dois filhos, do Duque de Aveiro e do Conde de Atouguia acusados do atentado contra o monarca D. José ocorrido a 3
de Setembro de 1758.
21
D. Maria sucedeu no trono a seu pai D. José no ano de 1777, ficando para a história como D. Maria I.
22
Arq. Gen. de Simancas, Leg. 7421, pub. Caetano Beirão D. Maria I., 1777-1792, subsídios para a revisão da história do seu
reinado, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1934, pág. 423.
20
A Real Barraca estava situada a Norte da Quinta de Cima «em terrenos …que... já pertenciam
ao chamado Casal do Tojal»23. A Quinta de Cima tinha sido adquirida no ano de 1727 pelo rei
D. João V24. A construção do paço de madeira deverá ter sido iniciada pouco tempo depois do
terramoto. É o que se pode deduzir de referências feitas, em Dezembro de 1755, «aos operários
que trabalham na obra da Quinta da Ajuda»25. A primeira alusão clara a esta construção surge,
contudo, em 14 de Fevereiro de 1756: «Resumo das folhas da obra q se fas no sitio da Ajuda
em a Igreja nova e Baraca pª S. Mag.de q. Ds g.de»26. Terá sido projectada por João Carlos
Bibiena, italiano vindo para Portugal no ano de 175227.
No ano de 1756 sucedem-se as encomendas de madeira para o novo paço trazidas por
diversas embarcações28. Em Abril de 1756 surge pela primeira vez uma referência à designação
Real Barraca - «Resumo das folhas ... da obra da Rial Balaca de Sua Majestade que Deus
guarde da semana que findou com 3 de Abril de 1756»29.
São poucas as imagens que ficaram para a posteridade da Real Barraca e mesmo essas pouco
esclarecedoras de como era de facto o paço de madeira. Conhecem-se, por exemplo, um desenho
da época que apresenta o «Alçado do Paço Real da Ajuda»30 e também uma “Vista do Bairro

23
Mário de Sampaio Ribeiro, As quintas reais do lugar de Belém in Anais das Bibliotecas, Museus e Arquivos Historico
Municipais, [Oficina]s Industriais da C. M.L., Fevereiro 1935, Ano V, nº 15, pág. 10.
24
Jordão de Freitas Real quinta do meio em Belém in Voz de Belém, Lisboa, Tip. Costa Sanches, 6 de Maio de 1935, Ano 1º,
n.º 20, pág. 3.
D. João V, (1689-1750). Filho do segundo casamento de D. Pedro II com a princesa Maria Sofia de Neubourg foi aclamado
rei em 1 de Janeiro de 1707. Casou a 9 de Julho de 1708 com D. Maria Ana de Áustria (1683-1754), filha do imperador
Leopoldo I.
25
I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3095, Despesas de Dezembro de 1755.
26
I.A.N./T.T, A.H.M.F., Documentos de Despeza do Thezoureiro, Contas diversas (1755-1756) - Caixa 2 cit. por Ayres de
Carvalho, Os três arquitectos da Ajuda, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1979, pág. 23.
27
Gian Carlo Galli Bibiena (Bolonha 1717 – Lisboa 1760). Arquitecto e pintor italiano. Fixou-se em Lisboa em 1752. Dirigiu
o Teatro da Corte, fez os desenhos para os teatros da Ajuda e de Salvaterra, foi o arquitecto do Teatro Real da Ópera. Fez o
risco para a Igreja da Memória. Segundo Cyrillo Volkmar Machado: «Bibiena depois do terremoto, fez a Capella Real, e Paço
d’Ajuda tudo abarracado» Cyrillo Volkmar Machado, Colecção de memorias relativas às vidas dos pintores, e escultores,
architetos, e gravadores portugueses, e dos estrangeiros, que estiverão em Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1922, pág. 151.
28
Entre elas os navios Aliança, Governador-geral, Augustus Ehrenswerd, Paciência e João Moço.
29
I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3094, Despesas de Abril de 1756.
30
Paço Real da Ajuda in Gustavo de Matos Sequeira, O Palácio Nacional da Ajuda (resenha histórica), Lisboa, Edições da
Direcção-Geral da Fazenda Pública, Ministério das Finanças, 1961.
21
de Nª Srª da Ajuda” onde se apercebe ao fundo a Real Barraca indicada como Palacio del Rey.
Ver Imagem 1, nº 1.
Uma imagem da zona da Ajuda e arredores executada no ano de 1763 pelo capitão Bernardo
de Caula31 indica com o nº 28 o Palácio de Nossa Senhora da Ajuda onde se encontra a corte.
Ver imagem 2a)
O testemunho mais importante é, no entanto, uma planta do paço, Imagem 3 que, embora
não datada, presume-se ter sido elaborada em período compreendido entre 1767, ano do
nascimento do infante D. João32 e 1773, data do falecimento de Pedro José da Silva Botelho,
porteiro da câmara, cujos aposentos são assinalados na planta com o nº 31. Só durante este
período poderia apresentar em simultaneidade os aposentos destes dois moradores do paço de
madeira que coexistiram num espaço de tempo de cerca de 6 anos.

31
A imagem 2 apresenta uma vista da zona de Belém, Ajuda e arredores no ano de 1763. Foi executada pelo capitão Carlos
Frederico Bernardo de Caula, oficial engenheiro do reino de Portugal, um dos 9 responsáveis pela execução da Carta Geográfica
do Reino, que exerceu a sua comissão num dos quartéis de Belém, cf. Christovam Ayres de Magalhães Sepúlveda, Historia
orgânica e politica do exército português, Lisboa, Imprensa Nacional, 1910, pág. 239.
32
Infante D. João, mais tarde rei D. João VI (1767 – 1826).
Segundo a planta referida o quarto do infante é assinalado com o nº 7 em que se refere: Quarto do Príncipe e do sr. Infante que
esta no seu ... o príncipe é seu irmão D. José (1761-1788) que mudou para o seu quarto com 7 anos de idade. Biblioteca Pública
e Arquivo Distrital de Évora, CXXIX/1-17, Diário de Frei Manuel do Cenáculo, fl. 231.
22
23
24
São contraditórias as informações sobre a Real Barraca. Enquanto alguns infor mam
ser edifício térreo 33, outros testemunhos apresentam-na como tendo dois pavimentos34.
De início parece-nos ter sido mais viável a primeira hipótese. É pelo menos o que se
afirma em correspondência da época da sua construção: «... se lhe pode chamar hum
bom Palacio, só com o defeito de não ter segundo andar pelo receyo em que ainda
estamos dos tremores de terra ...» informa D. Luís da Cunha , a Martinho de Melo e
Castro na carta já mencionada, enviada em 23 de Julho de 1756.
Com o decorrer dos anos, o paço de madeira sofreu acrescentos. É o que demonstram
documentos da época como este do ano de 1777, após a morte do monarca D. José:
«Despesa que fez o Mestre Armador Pedro Alexandrino Nunes 35 com vários ornatos para
os Quartos Novos que se acrescentaram tanto no andar de baixo como no andar de cima
no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda por ordem de Sua Majestade... Setembro de
1777»36. Quem estuda o quotidiano do paço verifica, aliás, que este sofreu obras variadas
ao longo de toda a sua existência, algumas de dimensão considerável como as ocorridas
por ocasião do falecimento do rei D. José e subida ao trono de sua filha D. Maria I 37.

33
«... nó tiene mas que quarto bajo» B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-20(103), Carta de Ana Miquelina, aia da infanta D.
Carlota Joaquina para a mãe desta última Maria Luísa de Bourbon Parma, princesa das Astúrias e futura rainha de Espanha
[ Ajuda ?] [1785 - 11-9-1788].
«Durante a minha estadia em Portugal a corte habitava o Palácio de Belém que não merecia este nome porque consistia apenas
num grande andar térreo em madeira e que não tinha beleza nenhuma» in Giuseppe Gorani, Portugal A corte e o País de 1765
a 1767, Lisboa, Lisóptima Edições, 1989, pág. 140.
34
«O alçado que se conserva na Academia Nacional de Belas-Artes, mostra-nos a nova edificação da Ajuda construída pelos
dois mestres a que se aludiu, com esses dois pavimentos.» Gustavo de Matos Sequeira, O Palácio Nacional da Ajuda (resenha
histórica), Lisboa, Edições da Direcção-Geral da Fazenda Pública, Ministério das Finanças, 1961, pág. 11.
35
«O mestre-armador Pedro Alexandrino Nunes dirigiu durante um longo período os trabalhos de armação do paço de madeira
que consistiam na montagem de tapeçarias, colocação de cortinas, reposteiros, instalação de camas e de toda a espécie de
tecidos, chegando a encarregar-se também da colocação de móveis» Augusto Cardoso Pinto, Alcatifas portuguesas (Tavira –
Real Tesouro – Mafra) in Revista e boletim da Academia Nacional de Belas Artes, 2ª Serie, Lisboa, 1961, nºs 16-17, pág. 15.
36
I.A.N./T.T, A.H.M.F., C.R., Cx. 3107, «Despesa que fez o Mestre Armador Pedro Alexandrino Nunes por ordem de Sua
Majestade e espedida pelo Senhor João António Pinto em o mês de Setembro de 1777».
37
Aviso de 3/7/1777. João António Pinto da Silva participa a Anselmo José da Cruz para que pela Junta fossem dadas todas as
providências necessárias, a ordem régia de «que no Paço de Nossa Senhora da Ajuda se façaõ com a maior brevidade várias
obras recomendadas á direcção dos Architectos Matheus Vicente de Oliveira, e Reinaldo Manoel dos Santos, havendo-se já
repartido a parte, que cada hum delles deve dirigir ordenando-me igualmente a mim a Inspecção das ditas Obras. Deviam as
mesmas ser concluídas «com a maior brevidade, para estarem completas antes que sua Magestade [D. Maria I] se recolha de
Queluz». Francisco Santana , Documentos do cartório da Junta do Comércio respeitantes a Lisboa I (1755-1804), Câmara
Municipal de Lisboa, 1976, pág. 407.
25
Obras onde foram empregues os mais diversos materiais, por vezes de curiosas origens como
os provenientes da extinta casa do Duque de Aveiro condenado à morte pelo alegado
envolvimento no atentado contra D. José38.
A planta do paço de madeira, Ver imagem 3, permite formar uma ideia da localização dos
diversos recintos, localização que, a despeito das obras efectuadas, poderá não ter sofrido
grandes alterações ao longo dos anos, no que se refere a determinados espaços de utilização
comum (Salas de Dossel39, Oratório40, Livraria41 e outras áreas). Outras divisões sofreram
mudanças. Umas derivadas dos normais acontecimentos da vida do paço: nascimentos,
casamentos42, óbitos. Outras ditadas por alterações da rotina diária: caso, por exemplo, da
passagem do príncipe D. José43 para novos aposentos quando atingiu os sete anos de idade 44.
Para além destas modificações, muitas outras terão ocorrido no decurso dos quase 40 anos de
existência da Real Barraca. Sabe-se, por exemplo, que, no ano de 1784, foi construído o recinto,
na altura denominado Jardim Novo das Senhoras que poderá ter vindo substituir o Jardim da

38
Luís de Bivar Guerra, Inventário e sequestro da casa de Aveiro em 1759, Lisboa, Edições do Arquivo do Tribunal de Contas,
1952, pág. 166.
Com o Alvará de 17 de Janeiro de 1759 que extinguiu a casa de Aveiro, por crime de lesa-majestade, os bens desta mesma casa
reverteram a favor da coroa.
39
Na planta com os nºs 10, 11 e 12.
40
“ “ o nº 14.
41
“ “ o nº 23.
42
A propósito de mudanças, registem-se as ocorridas na Real Barraca por ocasião do casamento do infante D. João com a
infanta espanhola D. Carlota Joaquina, no ano de 1785. De acordo com Ana Miquelina, criada da infanta, Carlota Joaquina veio
habitar espaçosos aposentos, construídos na ocasião, situados por cima do quarto do infante D. João. Foram decorados com
tapeçarias da Real Fábrica de Santa Bárbara de Madrid executadas segundo desenhos de Francisco Goya (1746-1828). Estão
hoje expostas na Sala das Tapeçarias Espanholas do actual Palácio da Ajuda. Feitas segundo a vontade da corte espanhola,
evocam o quotidiano madrileno da época, com cenas campestres, festivas e alegres, em substituição da velha temática flamenga
caída em desuso. A tapeçaria Partida para a caça pertence a uma primeira série de desenhos feita por Goya em 1775 e
destinava-se à Sala de Jantar dos Príncipes das Astúrias, pais da infanta (esta sala estava localizada no Palácio do Escorial); a
Merenda (1776) corresponde a uma segunda série de cartões feita por Goya nos anos de 1776-1777, onde se incluem ainda O
passeio na Andaluzia (1777), A fonte (1777), Jogos de cartas e A dança (1776-1777). Esta segunda série destinava-se
igualmente à Sala de Jantar dos Príncipes das Astúrias, mas desta vez no Palácio do Prado , cf. José Luís Sancho, Guia del
Museu del Prado, Aldeasa, 2000, pp. 158 e seguintes.
43
D. José (1761-1788). Filho primogénito de D. Maria I e D. Pedro III. Casou em 1777 com sua tia materna D. Maria Francisca
Benedita (1746-1829). Faleceu aos 27 anos vítima de varíola.
44
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3139
26
Senhora (nº 53 na planta). Aquele ainda hoje existe a norte do Palácio da Ajuda e é conhecido
actualmente por Jardim das Damas.
Pedro Alexandrino Nunes, responsável pelos trabalhos de decoração do paço apresenta, em
Março de 1756, poucos meses depois do terramoto, despesas relativas aos aposentos do
monarca45 46, espaço considerado prioritário. Mais tarde47 dedicar-se-á às armações dos
Gabinetes de El-Rei e Salas do Dossel. As Salas do Dossel do monarca 48, área de «poder e
prestígio»49, estavam situadas na zona central do paço50.

45
D. José (1714-1777)
46
Guarda-roupa do rei. I.A.N./T.T, A.H.M.F., C.R., Cx. 3584, Despesas de Março de 1756.
47
Em Março de 1757; I.A.N./T.T, A.H.M.F., C. R., Cx. 3097.
48
Na planta com o nº 10.
49
«Das múltiplas funções desempenhadas pelas casas nobres o destaque vai sem dúvida para a representação do poder e
prestígio do senhor» in Nuno Luís Madureira, Cidade espaço e quotidiano (Lisboa 1740-1830), Lisboa, Livros Horizonte,
1992, pág. 127. Madureira baseia-se na obra de Lawrence Stone, An Open Elite, England 1540-1880, Oxford, Clarendon Press,
1984.
50
Supondo que não tenha havido alterações na disposição das Salas do Dossel desde o início da construção do paço e a data já
referida da provável elaboração da planta. A numerosa documentação consultada relativa aos trabalhos efectuados na Real
Barraca não menciona qualquer alteração na disposição destas salas.
27
28
29
30
As salas do dossel

As Salas do Dossel incluíam na sua decoração, para além do trono da audiência, bufetes e
mesas51 cobertos por panos e diversas portas de cortina. Eram ainda revestidas de numerosas
tapeçarias52, pesados panejamentos sem qualquer beleza no entender de observadores da época,
como o milionário inglês William Beckford53 que critica duramente a decoração destes espaços
de audiência54. Contudo, nas estações mais frias, estes revestimentos deveriam tornar-se
acolhedores: caso do Inverno de 1764 em que a neve começou a cair pelo Natal e se prolongou
por seis semanas55.

51
As mesas da altura denominavam-se bancas: «Não hesitaríamos hoje em chamar mesas, aos móveis que outrora eram
conhecidos por bancas» in Nuno Luís Madureira, Cidade espaço e quotidiano...pág. 195.
52
I.A.N./T.T, A.H.M.F., C.R., Cx. 3096. Despesas de 1764 referem-se aos panos de parede da Sala de Dossel da rainha.
Beckford alude, em 7 de Novembro de 1787, a tapetes persas e tapeçarias que fariam parte da decoração da Sala do Dossel in
Diário de William Beckford em Portugal e Espanha, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1983, pág. 167.
53
Escritor e milionário inglês (1760-1844). Coleccionou livros, pinturas e obras de arte. Deixou, no seu Diário, importantes
informações sobre a vida portuguesa de finais do século XVIII.
54
«A sala de audiências é como um pequeno e pobre celeiro, que não tem mais de quatro metros e meio de altura, forrado de
sujos tapetes persas e revestido das mais grosseiras tapeçarias» in Diário de William Beckford em Portugal e Espanha, Lisboa,
Biblioteca Nacional, 1983, pág. 187.
55
«Não há lembrança d’um Inverno mais frio do que o que temos tido agora em Portugal. A neve começou a cair pelo Natal
durante perto de seis semanas» Carta de Mr. Hay Ministro Britânico em Lisboa in John Smith, Memórias do Marquez de
Pombal contendo extractos dos seus escriptos e da correspondência inedita existente em diferentes secretarias d’estado,
Lisboa, Livraria António Maria Pereira, 1872, pág. 218.
31
Era nas Salas do Dossel que os monarcas concediam as suas audiências 56. Estas revestiam-
se de certas precauções, segundo se pode depreender pelas grades de bronze aí colocadas 57, que
separavam os monarcas dos seus interlocutores. Foram instaladas depois do segundo atentado
sofrido por D. José, em Vila Viçosa, em 3 de Dezembro de 176958. Após duas tentativas de
homicídio era necessário reforçar os cuidados com a protecção do rei.
Da forma como se processavam estes cerimoniais dá um testemunho vivo o marquês de
Bombelles59 ao descrever o modo como foi aqui recebido pela família real, em 31 de Outubro
de 1786: «Après trois révérences, je me suis approché de la Reine 60 et lui ai adressé un
compliment; ensuite il m’a fallu faire des harangues au prince 61 et à la princesse du Brésil62 à
l’Infant63, à l’Infante64 et à l’infante D. Mariana»65 66. O marquês ilustra bem a morosidade
deste tipo de cerimónias: «Ces princes et princesses sont rangés auprès de la Reine et il est aussi
embarrassant que fastidieux de les louer tous sans trop répéter les lieux communs reçus en

56
«A Rainha Nossa Senhora dá audiência geral ao Povo nas terças feiras de manhã, e particular aos fidalgos, ministros, e
officiaes de maior graduação nos sabbados tambem de manhã» in Almanach de Lisboa para o anno de 1783 na Typ. da
Academia Real das Sciencias, pág. 217.
Às audiências da rainha refere-se também o Marquês de Bombelles in Journal d’un ambassadeur de France au Portugal 1786-
1788, Paris, Presses Universitaires de France, 1979, pág. 304.
57
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3011, Despesas de Maio 1778. Francisco Câncio, O Paço da Ajuda, Lisboa, Imprensa
Barreiro, 1955, pág. 154.
58
Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa, Lisboa Typhographia Universal, 1910, Tomo
XVII, pág. 266.
59
Marc-Marie, marquês de Bombelles (1744-1822), embaixador de França em Portugal, de 26 de Outubro de 1786 até 30 de
Abril de 1788, deixou no seu Diário um testemunho de grande importância sobre a vida em Portugal de finais do século XVIII.
Observador privilegiado, devido às suas estreitas relações com a corte, relata na sua obra diversos momentos vividos no país:
visitas ao paço e a outros grandes do reino, bailes e banquetes, passeios efectuados na capital e fora dela.
60
Nesta altura tratava-se de D. Maria I (1734-1816)
61
Príncipe D. José (1761-1788).
62
D. Maria Francisca Benedita (1746-1829). Irmã mais nova da rainha D. Maria I. Tornou-se Princesa do Brasil ao casar, em
1777, com seu sobrinho D. José herdeiro do trono.
63
D. João (1767-1826). Foi filho segundo da rainha D. Maria I. e de D. Pedro III. A morte de seu irmão D. José em 1788, viria
a colocá-lo na linha directa da sucessão ao trono, vindo mais tarde a assumir a coroa com o nome de D. João VI.
64
Infanta D. Carlota Joaquina (1775-1830), filha do príncipe das Astúrias, mais tarde Carlos IV de Espanha e de D. Maria
Luísa de Bourbon Parma. Casada com o Infante D. João, filho segundo de D. Maria I ascendeu, por morte do príncipe D. José,
primogénito da rainha, a princesa herdeira vindo mais tarde a ser rainha.
65
D. Maria Ana Francisca Josefa (1736-1813). Segunda filha do rei D. José I e da rainha D. Mariana Vitória. Dotada para as
artes e para a leitura segundo testemunhos da época.
66
«Depois de três reverências aproximei-me da rainha e fiz uma saudação; em seguida foi necessário fazer vénias ao príncipe
e à princesa do Brasil, ao Infante, à Infanta e à Infanta D. Mariana.»
32
pareille occasion»67. Não deixa no entanto de notar a forma elegante como a rainha D. Maria I
se expressava: «La Reine, après m’avoir répondu en portugais, m’a parlé en très bon termes et
avec grâce en français» 68.
A forma como decorriam alguns preparativos para as audiências de gala e beija mão é
descrita por Ana Miquelina69 quando se refere à indumentária da infanta D. Carlota Joaquina «
el dia de los anos de la Reine … puso S.A. el vestido devazo blanco bordado de tercio pelo de
color de cereza con plata y todas las esmeraldas y ese dia estrenó las hevillas correspondientes
a lo aderezo, y estava mui brillante. Al otro dia que fue el nombre de la Reine tanbien huvo
besamanos y puso S.A. un vestido de vaso blanco bordado de talcos verdes com oro y plata, y
los diamantes que aqui le han dado»70. Os diamantes eram, na altura, adereço inevitável na
toilette de gala da família real e mesmo em ocasiões em que as circunstâncias requeriam
menor ostentação: «Le jour de naissance de l’infante D. Mariana Vitória nous a fait aller ce
matin à la cour où il y avait demi-gala, c’est-à-dire petit deuil avec diamants» 71 refere o
marquês de Bombelles em 15 de Dezembro de 178672. O luto aliviado devia-se ao falecimento
do rei D. Pedro III73 ocorrido em Maio desse ano. Testemunhos da época, aludindo à
indumentária usada em certas cerimónias pela rainha, princesas e infantas, referem que estas

67
«Estes príncipes e princesas estão colocados perto da rainha e é tão embaraçoso como fastidioso elogiá-los a todos sem repetir
demasiado os lugares comuns recebidos em semelhantes ocasiões».
68
«A rainha, depois de me ter respondido em português, falou-me em muito bons termos e com graça em francês», Bombelles,
ob. cit., pág. 29.
69
A infanta D. Carlota Joaquina foi acompanhada a Portugal, em 1785, ano do seu casamento, pela Camarista D.ª Emilia
ODensy, a «Moza de retrete» [criada particular] Ana Miquelina, e o Padre Filipe mestre da infanta cf. Ângelo Pereira, D. João
VI príncipe e rei, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1953-1956, Vol. I, pág. 34.
70
«…o dia de anos da Rainha, vestiu S.A. o vestido «évasé» branco bordado de veludo de cor de cereja com prata e todas as
esmeraldas e nesse dia estreou as fivelas correspondentes ao adereço, e estava muito brilhante. No dia a seguir que foi o nome
da Rainha, também houve beija-mão e vestiu S.A. um vestido «evasé» branco bordado de talcos [matéria mineral branca, lisa,
transparente] verdes com ouro e prata e os diamantes que aqui lhe deram» B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-20 (65), Carta
de Ana Miquelina, aia da infanta D. Carlota Joaquina para a mãe desta última Maria Luísa de Bourbon Parma princesa das
Astúrias e futura rainha de Espanha, Ajuda [Dezembro, 178..].
71
«O dia de nascimento da infanta D. Mariana Vitória fez-nos ir esta manhã à corte, onde havia cerimónia de meia - gala isto
é, luto aliviado com diamantes».
72
Bombelles, ob. cit., pág. 66.
73
D. Pedro III (1717-1786): «Quinto filho de D. João V, casou-se com sua sobrinha D. Maria, filha de D. José, mais tarde
rainha D. Maria I. Indolente, pouco inteligente e incapaz de qualquer esforço de ânimo...; intervinha muito pouco no governo
embora a rainha o pusesse sempre em primeiro plano. Nunca mostrou desejo de possuir maior importância e autoridade» cf.
Joel Serrão Pequeno dicionário de História de Portugal, Porto, Figueirinhas, 1987, pp. 536/537.
33
apareciam «cobertas de diamantes». A exploração brasileira destas pedras preciosas
proporcionava o seu uso e abuso por parte da família real portuguesa74: «sendo nós os Senhores
dos Diamantes deveríamos fazer todas as Joyas guarnecidas destas Pedras» diz João António
Pinto da Silva75 a Vicente de Sousa Coutinho 76 em carta escrita na Ajuda, em 23 de Novembro
de 178477.
Para além das salas de audiência do rei e rainha localizadas, como referido, no núcleo central
do paço é de notar, ainda, a existência de outras salas do dossel pertencentes a alguns membros
da família real, nomeadamente os herdeiros da coroa e seus consortes. Na planta pode ver-se a
Sala do Dossel da filha mais velha de D. José, futura rainha D. Maria I, situada numa zona
menos central, entre dois pátios interiores78. Em inícios da década de 1760 surgem referências
à Sala do Dossel do infante D. Pedro79, irmão de D. José, monarca na altura reinante. Esta
estaria, provavelmente, localizada nos aposentos do infante.
Mas as Salas do Dossel não eram apenas utilizadas em recepções ou audiências. Também a
elas se recorria em ocasiões de luto como sucedeu quando do falecimento, em Janeiro de 1771,
da infanta D. Maria Francisca Doroteia com apenas 31 anos de idade, vítima de um tumor
maligno no peito80. Na Sala do Dossel81 da Rainha82 foram colocadas 6 tocheiras e 5 altares de
damasco roxo, dosséis e espaldares. Na Sala do Dossel da Princesa 83, que lhe era contígua,

74
Quer em Portugal, quer noutros países da Europa os diamantes estavam na moda nesse final do século XVIII: « Les femmes
n’avaient rien de très nouveau pour cet hiver de 1787. Les belles étoffes et les diamants continuaient à primer, c’est -à-dire le
luxe et la richesse» Baronne d’Oberkirch, Mémoires, cit. por Arnaud de Maurepas, Florent Brayard, Les français vus par eux-
mêmes, Le XVIIIe siècle, Paris, Éditions Robert Laffont, 1996, pág. 555.
75
Guarda – Jóias da rainha D. Maria I.
76
Embaixador em Paris.
77
Documento do Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros – Lº 8-41 citado em Boletim da Academia Nacional de
Belas-Artes, Documentos relativos a ourivesaria-pintura-arquitectura-tapeçaria côches, &c (II) Lisboa Imprensa Moderna,
1936, pág. 12.
78
Na planta com o nº 12.
79
Futuro D. Pedro III.
80
D. Maria Francisca Doroteia (1739-1771), terceira filha do monarca D. José e de sua mulher D. Mariana Vitória. A
informação sobre a doença de D. Maria Francisca Doroteia foi retirada de documentação da época apresentada na obra de
Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa, Lisboa, Typographia Universal, 1911, Vol.
XVII, pág. 292.
81
Na planta com o nº 11.
82
D. Mariana Vitória.
83
Mais tarde rainha D. Maria I.
34
armou-se igualmente um altar com seu dossel de damasco de ouro roxo, tapeçarias e um
mausoléu de veludo preto, guarnecido também por um dossel com galões e franjas de ouro,
tendo dentro uma essa84 forrada de veludo preto. Foi também em Salas do Dossel do paço que
foram celebradas outras cerimónias fúnebres como as da rainha D. Mariana Vitória em Janeiro
de 178185.
Eram ainda utilizadas em outras ocasiões de carácter religioso: a tradicional cerimónia do
lava-pés86, que tinha lugar na Quaresma quer em Portugal, quer noutros países da Europa87; «os
perdões da semana santa»88; ou mesmo uma cerimónia de imposição do barrete cardinalício
ocorrida no ano de 1773.
Recorria-se também às Salas de Dossel em outras circunstâncias curiosas: em Março de
178489 foi retirado o trono e colocadas umas bancas forradas de panos de veludo para «o exame
vago90 dos bacharéis»; no ano de 1777 os aposentos do infante D. João e de sua irmã D. Mariana
Vitória foram provisoriamente instalados na Sala de Dossel91 de sua tia a princesa D. Maria
Francisca Benedita, casada na altura com o herdeiro da coroa, príncipe D. José. Procurava-se
evitar que os infantes fossem contagiados pelo sarampo que tinha atingido sua tia D. Maria Ana.
Não deixa de ser original este recurso a uma Sala de Dossel para a instalação de doentes e leva
a pensar que não deveria haver grande disponibilidade de espaços no paço de madeira.

84
Estrado onde se coloca o caixão quando se procede a cerimónias fúnebres.
85
Gazeta de Lisboa, Suplemento, n.º III, sexta-feira, 19 de Janeiro de 1781.
86
Nomeadamente nos anos de 1766, 1771 e 1773.
87
Nomeadamente em França, em Espanha e em Itália.
88
Nos anos de 1771, 1772 e 1773 a sala de dossel da princesa D. Maria, futura D. Maria I foi arranjada para os «perdões da
semana santa».
89
I.A.N./T.T, A.H.M.F., C.R., Cx. 3132, Despesas de Março de 1784.
90
Exame universitário em que os examinadores podiam fazer perguntas sobre qualquer matéria cf. Raphael Bluteau,
Vocabulario portuguez e latino, Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, Impressor de Sua Magestade, 1721, Vol. VIII, pág. 347.
91
I.A.N./T.T, A.H.M.F., C.R., Cx. 3011, Despesas... desde o mês de Janeiro de 1777 até último de Dezembro do dito ano.
35
Os oratórios do paço

Como qualquer outro palácio o paço de madeira tinha os seus espaços dedicados à oração.
No núcleo central podem ver-se o Oratório e Tribuna92, espaços revestidos a damasco
carmesim, galão de ouro e veludo 93: «Le galon d’or sur du damas cramoisi y brille de toute
part»94 afirma o marquês de Bombelles ao descrever uma cerimónia, de Te Deum de acção de
graças, celebrada em 31 de Dezembro de 1786, no Paço da Ajuda 95. Para além do recheio
característico de um espaço deste género, sabe-se que incluiu na sua decoração dois painéis de
pequenas dimensões, representando o coração de Jesus e de Maria 96, da autoria de Pedro
Alexandrino de Carvalho 97.

92
Na planta com os nºs 14 e 15.
93
«Huma largura de Damasco Carmesim, guarnecidos a galão de Palheta, e franja, pertencente à armação de parede do
Oratorio» I. A.N./T.T., XX/Z/77 (14), Espollio que re[ce]berão as Pessoas Mencionadas em as Rellaçoes que Vão dentro, doq.
Se depozitou em Caza do Sr. Joao Antonio Pinto da Sª na ocazião do Incendio do Paço da Ajuda em 10 de Novembro de 1794.
94
«O galão de ouro sobre damasco carmesim brilha por toda a parte»
95
O espaço inicial do Oratório terá sido considerado exíguo pois foi por mais que uma vez sujeito a acrescentos.
96
Carta do sargento-mor Matheus Vicente d’Oliveira a João Antonio Pinto da Silva, Lisboa, 21 de Dezembro de 1778 in
Boletim da Academia Nacional de Belas Artes... 1936, pág. 76.
97
Pedro Alexandrino de Carvalho (1730-1810); «...tinha as encommendas de quasi todos os paineis de Igreja, que se fazião de
novo; mas tiravão-se muitos mais antigos dos seus lugares para se collocarem os delle...»; «Pintou com grande facilidade a
oleo, a tempera, a fresco...»; «...não há Templo, ou Convento moderno aonde senão encontrem muitas cousas de Pedro
Alexandrino», Cyrillo Volkmar Machado, ob. cit., pp. 95, 96 e 97.
36
37
O oratório foi cenário de várias cerimónias importantes na vida do paço que tiveram por
intervenientes principais os príncipes ou infantes. Caso da primeira comunhão do príncipe
herdeiro D. José, com 10 anos de idade, em quinze de Abril de 1772, Quarta-feira de Trevas98;
ou da atribuição das insígnias militares da Ordem de Cristo ao Infante D. João, mais tarde D.
João VI num sábado de manhã, dia 25 de Maio de 1782, com assistência de toda a família real.
Armado cavaleiro da Ordem o infante teve por padrinho seu pai D. Pedro III. Cerimónia de
aparato em que o monarca, o príncipe herdeiro D. José e o duque de Lafões 99, envergando
mantos, administraram as insígnias ao infante, na altura com 15 anos de idade 100.
Outros eventos realizados no Oratório tiveram por protagonistas figuras de destaque da
nobreza portuguesa. Uma delas o duque de Cadaval: em 10 de Agosto de 1761 foi aqui
efectuado o «recebimento»101 do quarto duque de Cadaval D. Nuno Caetano Álvares Pereira de
Melo (1741-1771) com D. Leonor da Cunha (1735-1796) , dama da Rainha D. Mariana Vitória.
Os padrinhos foram os monarcas reinantes. Realizou-se depois uma magnífica ceia no palácio
do duque em Pedrouços102. Este casamento ia contra a tradição até aí seguida pela casa Cadaval,
pois era norma os senhores desta casa casarem com estrangeiras ou bastardas reais. D. Leonor
da Cunha não se incluía neste quadro: era filha do 5º conde de S. Vicente (Miguel Carlos
Silveira e Távora). Tal casamento teria sido realizado por intervenção do Marquês de Pombal103
sob influência do cardeal da Cunha104 também ele um membro daquela casa, a quem de

98
Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, Cód. CXXIX/1-17, Diário de Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, pág. 40.
99
João Carlos de Bragança Sousa e Ligne Tavares Mascarenhas e Silva, (1719-1806) 2º duque de Lafões. O absolutismo do
marquês de Pombal fê-lo exilar-se em Londres. Aí foi admitido, pela sua grande cultura, na Royal Society. Após a queda do
marquês de Pombal regressou a Portugal. Foi um dos fundadores da Academia das Ciências de Lisboa (1779).
100
B.A., Documentos Avulsos, 54-IV-33 (5-5a), Extractos da Gazeta. Episódio citado igualmente por Ângelo Pereira, D. João
VI príncipe e rei, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1953-1956, vol. I, pág. 23.
101
«Recebimento - ... o acto de receberem-se os noivos». Na prática significa casamento. Diccionario da lingua portuguesa
composto pelo Padre D. Rafael Bluteau, reformado e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, Lisboa na Officina de Simão
Thadeo Ferreira, Anno de 1789, tomo segundo, pág. 294.
102
Resenha das famílias dos titulares de Portugal dos pares do reino e dos fidalgos que tem exercício no paço, por João Carlos
Feo Cardoso de Castello Branco e Torres, Lisboa, Livraria Central de J. M. Melchiades & Cª Editores, 1863, pág. 77, citando
Gazeta de Lisboa de 11.8.1761.
103
«...manifestamente com intervenção do todo-poderoso secretário de estado» in Nuno Monteiro, O crepúsculo dos grandes,
A casa e o património da aristocracia em Portugal (1750-1832), 2ª edição revista, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda,
2003, pág. 137.
104
D. João Cosme da Cunha (? - 1783).
38
sobremaneira interessava a realização de tal enlace 105. Criatura de toda a confiança de Pombal
o cardeal da Cunha acabou depois por traí-lo, quando do afastamento do Carvalho e Melo, após
o falecimento do monarca.
Uns dias após o casamento do duque de Cadaval no Oratório do paço, em 28 de Agosto,
teria lugar no paço da Ajuda o baptismo do príncipe herdeiro D. José. Durante a cerimónia
caberia ao duque, um dos grandes do reino, o transporte da vela 106. Os quatro filhos do duque
de Cadaval foram baptizados no Oratório do Paço da Ajuda 107 . Um deles, D. Miguel Caetano
(1765-1808) mais tarde o 5º duque de Cadaval casou tal como seu pai na Ajuda, não no Oratório
do Paço, mas na Real Capela em 7 de Outubro de 1791, com Maria Madalena de Montmorency
Luxembourg, filha dos duques de Pinay Luxembourg e Chatillon108. À noite houve uma ópera
no teatro do palácio da Ajuda 109.
Entre as várias outras cerimónias que tiveram lugar no Oratório contou-se a imposição do
barrete cardinalício a monsenhor Gregor, a 24 de Junho de 1785110.
Era na tribuna do Oratório do paço que a família real assistia à missa diária 111. Dever que era
cumprido com certa dificuldade por alguns dos seus membros: «El Senor Infante 112 […] dijo
[…] que le custava mucho el levantar-se, […] mas queria tener essa incomodidad, que no hacer

105
O Alvará pombalino de 5 de Outubro de 1768 intervém nas alianças matrimoniais da aristocracia tutelar proibindo às casas
puritanas [casas consideradas limpas sem contaminação de sangue judeu ou maometano, contando-se entre elas a do duque de
Cadaval] de casarem entre si in Nuno Monteiro, ob. cit. pp. 130, 133
106
B.N., Reservados, C.0., Cx 28, Baptismo do Principe ou Instrucção Ceremonial pª a solemnissima função do Baptismo do
Serenissimo Princepe Primogenito da Serenissima Senhora D. Maria Princesa do Brazil... cujo feliz Nascimto proximamente
esperamos... Agosto de 1761.
107
Jordão de Freitas, A capella real e a igreja patriarchal na Ajuda, Separata do Boletim da Real Associação dos Architectos
Civis e Archeologos Portugueses, Lisboa, 1909, pág. 9;
I.A.N./T.T, A.H.M.F., C.R., Cx. 3096, Despesas de Pedro Alexandrino Nunes, Janeiro a Maio 1766; Novembro de 1763 a
Março de 1764.
108
João Carlos Feo Cardoso de Castello Branco e Torres, Resenha das famílias titulares de Portugal, pág. 41.
109
Gazeta de Lisboa de 11 de Outubro de 1791 citada por João Carlos Feo Cardoso de Castello Branco e Torres, Resenha das
famílias titulares de Portugal, pág. 78.
110
A Gazeta de Lisboa, suplemento n.º XXV, sexta-feira, 24 de Junho de 1785.
111
B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-20 (58), Carta de Ana Miquelina, [s.l.]178.... I.A.N./T.T, A.H.M.F., C.R., Cx. 3097,
Despesas de Pedro Alexandrino Nunes de 1755 até 1760.
112
O infante D. João
39
falta à la Reina»113 refere Miquelina, aia da infanta Carlota Joaquina em carta à mãe desta
última, Maria Luísa de Parma. Carlota Joaquina não teria de todo esta preocupação: «está muito
perezosa para salir de la cama […] quatro dias de seguida ha hecho falta a la Reina para ir a La
tribuna»114 115.
Vários testemunhos indicam a existência de mais que um Oratório no Paço da Ajuda. O
simples facto de ser apelidado Oratório principal do Paço116 deixa perceber que não era o único
recinto do género. As alusões surgidas a oratórios de membros da família real levam a pensar
que cada um deles deveria possuir um Oratório, de maiores ou menores dimensões, nos seus
aposentos onde efectuava as orações particulares 117. A própria princesa da Beira Maria
Teresa118, nascida no ano de 1793, possuía um Oratório com apenas um ano de idade 119.

113
«O Senhor infante disse que lhe custava muito levantar-se, mas preferia ter essa incomodidade, a fazer falta à rainha» B.A.,
Documentos Avulsos, 54-IX-20 (97), Carta de Ana Miquelina.... [Ajuda?] [1785 /11-9-1788].
114
«Tribuna - ...tribuna entre nõs he hum lugar alto nas igrejas, recolhido, & separado, aonde principes, senhoras & pessoas de
respeito assistem com menos sogeição que no publico, aos officios , & mysterios divinos.» Raphael Bluteau, Vocabulario
portuguez e latino, Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, Impressor de Sua Magestade, 1721, Vol. VIII, pág. 280.
115
«... Está muito preguiçosa para sair da cama (...) quatro dias seguidos fez falta à Rainha para ir à Tribuna» B.A., Documentos
Avulsos, 54-IX-20 (97), Carta de Ana Miquelina [Ajuda?] [1785 /11-9-1788].
116
Carta do sargento-mor Matheus Vicente d’Oliveira a João Antonio Pinto da Silva, Lisboa, 21 de Dezembro de 1778 in
Boletim da Academia Nacional de Belas Artes... 1936, pág. 76.
117
Poderia tratar-se de uma capela pequena ou de um armário com suas portas que tinha dentro um Cristo crucificado e outras
imagens que convidavam a orar in Conhecer Portugal, A arte de trabalhar madeira, Terminologia, definição de oratório,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, pág. 36.
118
D. Maria Teresa Francisca de Assis... de Bragança e Bourbon (1793-1874), primeira filha de D. João VI e de D. Carlota
Joaquina. Casou em primeiras núpcias (no Rio de Janeiro em 1810) com seu primo D. Pedro Carlos de Bourbon e Bragança.
Desta união nasceria o Infante D. Sebastião. Casou em segundas núpcias com seu tio materno e cunhado, D. Carlos José Isidoro
de Bourbon, pretendente à coroa de Espanha sob o nome de Carlos V (1788-1855).
119
«Todos os santos pertencentes ao Oratorio da Princezinha da Beira, q.’deo á Mesma Srª, D. Anna Margarida» I.A.N./T.T.,
XX/Z/77 (14) Espollio que receberão as Pessoas Mencionadas...na ocaziao do Incendio do Paço da Ajuda em 10 de Novembro
de 1794.
40
Viadores e porteiros da cana

Tal como as Salas do Dossel do rei e da rainha e o Oratório, também a Sala dos Viadores120
e a Sala do Porteiro da Cana121 faziam parte do núcleo central do paço
Qual o papel dos viadores no serviço do paço? Funcionários superiores da Casa Real os
viadores estavam ao serviço da rainha e dos infantes 122. Eram presença certa nas diversas
cerimónias da corte123, como a que adiante se descreve, onde foi lançada a primeira pedra da
Basílica da Estrela: «Cada huma das Reaes Pessoas poz huma pedra de marmore vermelho
sobre a cuberta da primeira Pedra, onde o Mestre pedreiro tinha estendido a cal a este fim ...:
as pedras lhes forão administradas em cestos dourados, a El Rei pelo seu Mordomo mór e as
mais Reaes Pessoas pelos seus respectivos Viadores, e Camaristas» 124. Tal como outros
funcionários da Real Barraca os viadores possuíam os seus aposentos no paço. Eram-lhes
destinadas seis divisões na ala norte125. À semelhança de outros servidores126, eram substituídos
semanalmente. São, no entanto, pouco conhecidas as suas restantes atribuições 127. É também
imprecisa a origem do seu cargo: «Na creaccão deste officio se procede com incerteza» diz D.
Luís Caetano de Lima128, em 1734, ao referir-se ao cargo de viador129. Certo é que era um cargo
exercido apenas por elementos pertencentes à classe nobre: «M. de Fronteira est un des

120
Na planta com o nº 9.
121
Na planta com o nº 8.
122
Diccionario da lingua portuguesa composto pelo Padre D. Rafael Bluteau, reformado e accrescentado por Antonio de
Moraes Silva, Tomo segundo, Lisboa, na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, pág. 512.
123
Por exemplo quando das solenidades ocorridas por ocasião do casamento da infanta D. Mariana Vitória com D. Gabriel,
infante espanhol, o embaixador extraordinário de S.M. Católica foi conduzido, em determinado momento, por um viador da
rainha. A Gazeta de Lisboa, suplemento extraordinário, nº XVII, sábado, 30 de Abril de 1785.
124
Cerimónia de lançamento da primeira pedra da Basílica da Estrela. Gazeta de Lisboa segundo suplemento, nº XLIII,
sábado, 30 de Outubro 1779.
125
Na planta com o nº 18.
126
Entre eles os camaristas e os guarda-roupas.
127
Entre estas sabe-se que lhes competia a recepção de pedidos de esmolas enviados aos monarcas e seus entes mais próximos
e pouco mais.
128
Membro da Academia Portuguesa de História no século XVIII.
129
Luís Caetano de Lima, Geografia historica de todos os estados soberanos da Europa com as mudanças que houve nos seus
dominios... Lisboa Occidental, na Officina de Joseph Antonio da Silva, Impressor da Academia Real, 1734, tomo I, pág. 515.
41
veadores, places ... qui sont occupées à cette cour par des gens de la première qualité tels que
les comtes d’Aveiras, de São Vicente, MM. de Vilhena, de Lorena, de Mendonça et le Marquis
de Lavradio»130.
Em algumas ocasiões a Sala dos Viadores foi utilizada em momentos de grande festividade
da vida do paço. Por ocasião do baptismo do príncipe D. José este espaço foi ornamentado de
um dossel de veludo lavrado guarnecido com galões de veludo, franjas e cachos131. Em mesa
coberta de pano de veludo encarnado estavam a opa rica132 e o cendal133 que seriam vestidos
pelo mordomo-mor da rainha134, encarregado de transportar o príncipe. Em outra mesa
semelhante encontravam-se o círio lavrado, a veste cândida, e a coroa de maccapam135. Ali foi
também colocado o pálio136 sob o qual o príncipe deveria ser trazido para a igreja onde viria a
ser baptizado. Seria ainda nesta divisão que se formaria o cortejo que haveria de acompanhar o
príncipe. Cerca de 30 anos mais tarde por ocasião do baptismo da princesa da Beira D. Maria
Teresa137, a Sala dos Viadores seria de novo utilizada nesta função, repetindo-se sensivelmente
o mesmo aparato: mesas cobertas de panos de veludo, colocação de opa rica, cendal, etc138.
Tal como os viadores os porteiros da cana eram presença habitual no paço de madeira. Na
ala nascente, contígua à Sala dos Viadores, localizava-se a Sala do Porteiro da Cana, figura
indispensável em diversos cerimoniais da corte. Quando do funeral do monarca D. José, em 26
de Fevereiro de 1777, seis porteiros da cana acompanharam o enterro a cavalo «com suas

130
«M. de Fronteira é um dos veadores, lugares [...] ocupados nesta corte por pessoas de primeira qualidade tais como os
Condes de Aveiras, de São Vicente, MM. de Vilhena, de Lorena, de Mendonça e o Marquês de Lavradio» Bombelles, ob.
cit., pág. 102.
131
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3097, Despesas desde o mês de Junho de 1760 até 1 de Novembro de 1762.
132
Opa – espécie de capa sem mangas e com aberturas por onde passam os braços.
133
Cendal – Tecido transparente e fino com que se cobre o rosto ou parte do corpo.
134
D. Mariana Vitória avó do recém-nascido.
135
Maçapão – bolo redondo, feito com amêndoas pisadas, farinha, ovos e açúcar.
136
Pálio – Sobrecéu portátil, sustentado por varas, que se leva nos cortejos ou procissões para cobrir a pessoa que se festeja ou
o sacerdote que leva a hóstia consagrada.
137
Ver nota 118
138
Ignacio de Souza e Menezes, Memorias historicas dos applausos com que a corte, e cidade de Lisboa celebrou o nascimento e
baptismo da serenissima senhora princeza da Beira... , Lisboa, Na Offic. de Joze de Aquino Bulhoens, Anno de 1793, pág. 18.
42
canas»139. Quando do baptismo do príncipe herdeiro
D. José foram diversas as tarefas do porteiro da
cana: transporte e guarda de apetrechos necessários
ao desempenho da função140; integração nos
cortejos da cerimónia ocupando a parte dianteira
ostentando a sua massa de prata; acompanhamento
constante do príncipe, sua aia e restantes elementos
que lhe estavam próximos, nas ocasiões em que o
recém-nascido, interveniente principal da função,
não era chamado a tomar parte na cerimónia. Tais
foram as tarefas do porteiro da cana ou porteiro da
massa forma por que era designado indistintamente.
A designação massa poderá estar relacionada com
uma das funções originais do cargo de porteiro:
antigo cobrador de direitos reais. A palavra massa
quereria assim referir-se à massa ou renda que
recolhia, tal como sucedia com funcionários
similares dos bispados ou arcebispados que em dias
festivos traziam ao ombro uma massa de prata,
sendo esta uma alusão à massa ou renda que
cobravam para o arcebispado141.

139
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Secção Histórica, Cx. 735, Pac.1 Funeral do Augustissimo Senhor Rey Dom Joseph Iº
falecido no Real Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em 23 de Fevereiro de 1777.
140
Termo muito utilizado no século XVIII para designar qualquer tipo de festividade: «Festa ou festim em casa ou nos templos»
Diccionario da língua portuguesa composto pelo Padre D. Rafael Bluteau , reformado e accrescentado por Antonio de Moraes
Silva, Lisboa, na officina de Simão Thaddeo Ferreira, Anno 1789, tomo primeiro, pág. 642.
141
Raphael Bluteau, Vocabulario portuguez e latino, Lisboa, na Officina de Pascoal da Sylva, 1716, vol. 5, pág. 229; Francisco
Solano Constancio, Novo diccionario critico e etymologico da lingua portugueza, 2ª ed., Paris, 1844, pág. 789.
43
A sala dos archeiros

A entrada principal do paço fazia-se através da Sala dos Archeiros142. O archeiro era o
homem de alabarda da guarda real143. A alabarda, arma de haste que combinava a lança e o
machado, era, ao tempo, um dos símbolos destes funcionários.
Para além da vigilância que faziam no interior do paço, os archeiros eram protagonistas em
diversos cerimoniais: «Les archers de la garde bordaient la haie dans la même salle ou
m’attendaient Messieurs de la marine française»144 refere o marquês de Bombelles ao descrever
a primeira audiência que a rainha D. Maria I lhe concedeu na Real Barraca. Serviam também
de escolta ao monarca nas suas saídas: «acompanhão S. Magestade quando sahe» 145 (diz
Raphael Bluteau no seu dicionário). Marcavam presença noutras ocasiões: quando do
falecimento da rainha viúva D. Mariana Vitória «acompanhavão a pé de ambos os lados do
corpo os... Archeiros da Guarda Real»146; ou em procissões como os festejos do Corpo de
Deus: «O vasto lanço de escadas na Sé] estava guarnecido pelos archeiros da Guarda Real,
com os seus ricos uniformes de veludo multicolor»147.
Momentos festivos ou de luto incluíam inevitavelmente a presença dos archeiros. Por ocasião do
baptismo do príncipe D. José coube-lhes a guarda ao baptistério, a permanência em diversos locais
no decorrer da cerimónia e o acompanhamento de outros funcionários no transporte de alguns itens
necessários à função: sal e toalha fina de renda, água para a pia baptismal. Na Sala dos Archeiros

142
Na planta com o nº 1.
143
Diccionario da lingua portugueza composto pelo Padre D. Rafael Bluteau, ... Lisboa na Officina de Simão Thaddeo Ferreira,
Anno 1789, Tomo Primeiro, pág. 108.
144
«Os archeiros da guarda formavam alas na mesma sala onde me esperavam os senhores da marinha francesa» Bombelles,
ob. cit, pág. 29.
145
Raphael Bluteau, Vocabulário portuguez e latino, Coimbra, No Collegio das Artes da Companhia de Jesu. Anno de 1712,
Vol. I, A, pág. 473.
146
A Gazeta de Lisboa, suplemento, n.º III, sexta-feira, 19 de Janeiro de 1781.
147
Diário de William Beckford citado por Piedade Braga Santos, Teresa Rodrigues, Margarida Sá Nogueira, Lisboa setecentista
vista por estrangeiros, Lisboa, Livros Horizonte, 1992, pág. 82.
44
estaria um «concerto de clarins e ataballes148 pª tocarem na passagem do Principe»149. Concerto
que também tocaria por ocasião do baptismo da princesa D. Maria Teresa 150.
Por ocasião do funeral do rei D. Pedro III os archeiros foram também chamados a cumprir
as suas funções: «...todas as guardas da guarnição desta Corte se postarão em todo o serviço
com as armas em funeral até se sepultar o corpo de Sua Magestade que Deos haja em gloria» 151.
Ordem dada, em 25 de Maio de 1786, no quartel-general do Paço de Nossa Senhora da Ajuda.
A indumentária da guarda real era luxuosa quer em Portugal, quer noutras nações
europeias152. Em Portugal o azul e o encarnado 153 sobressaíam nos «ricos uniformes de veludo
multicolor»154. No início do século XIX ainda se mantinham como cores predominantes155.
Veludo, cavalim e cambraia156 contavam-se entre os tecidos que compunham estes fardamentos.
Eram confeccionados no Real Tesouro, «espécie de depósito ou de garde-meuble da Coroa»

148
«Atabale – o mesmo que Timbale – espécie de tambor de metal em forma de meio globo e coberto de uma pele tensa, sobre
que se toca» in Cândido de Figueiredo, Grande dicionário de língua portuguesa, Lisboa, Bertrand Editora, 1991, Vol. 1 e 2.
149
B. N. Reservados C.0., Cx 28, Baptismo do Principe ou Instrucção Ceremonial pª a solemnissima função do Baptismo do
Serenissimo Princepe Primogenito da Serenissima Senhora D. Maria Princesa do Brazil... cujo feliz Nascimento proximamente
esperamos... Agosto de 1761.
150
Ignacio de Souza e Menezes, Memorias historicas dos applausos ... senhora princeza da Beira... Lisboa, na Offic. de Joze’
de Aquino Bulhoens, Anno de 1793, pág. 18.
151
A.P.N.A., 10.1.2., Documentação relativa a mensagens de condolência, elogios e cerimónias fúnebres.
152
« Les gardes du corps, au nombre de mille trois cents, sont habillés de bleu avec veste, culotte et bas rouges, le tout galonné
d’argent.... . Les gardes de la porte, qui sont, de jour, à la principale grille de la cour royale, sont habillés de même, à l’exception
du galon, qui est moitié or, moitié argent. Les gardes de la manche, qui ne doivent jamais s’éloigner de la manche du roi,
mettent sur leurs uniformes des hoquetons, sortes de tuniques couvertes de broderies d’or et d’argent relevés en bosse» in
Madeleine Delpierre, Se vêtir au XVIIIe siècle, Paris, Société Nouvelle Adam Biro, 1996, pp. 117 e 118.
153
No ano de 1728, foi estabelecido por D. João V que a guarda real dos archeiros usasse farda de «pano encarnado, com os
cabos, e vesteas azues agaloadas de ouro» in D. Antonio Caetano de Sousa, História genealogica da casa real portugueza,
Lisboa, Na Regia Officina Sylviana e da Academia Real, 1746, Tomo VIII, pág. 275.
154
Beckford citado por Piedade Braga Santos,... ob. cit., pág. 82.
155
A farda compunha-se em 1816 de casaca vermelha com punhos azuis, “colete” azul, galões dourados, calção até ao joelho,
luvas brancas, colarinho branco e camisa com rendas no peitilho, sapato preto de fivela, meias azuis ou brancas, chapéu....
Arquivo Histórico Militar, 3ª Divisão/26ª Secção/nº 17777, folha 53, Colecção de vários uniformes (1732-1856) - Uniformes
portugueses, archeiro sargento da guarda real.
156
Em Abril de 1777 surge uma referência a um pagamento feito a João Lefranc de cavalins e cambraias para o fardamento dos
soldados da guarda, I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3103, Despesas de Abril de 1777. Boletim da Academia Nacional de
Belas-Artes (I), Documentos, Lisboa, 1935, pág. 80.
45
onde se recolhiam as mais diversas peças «que se adquiriam ou que de momento não estavam
afectos ao guarnecimento dos palácios e suas dependências» 157.
Os Estatutos Gerais para a Guarda Real158 determinavam o uso de libré quando em serviço
no paço, ou fora dele acompanhando a família real. Referiam ainda a existência de três
companhias - Portuguesa, Alemã e do Príncipe159 160, e estipulavam variadas normas, entre elas
a obrigação «de se confessarem pelo menos huma vez no anno como a Igreja Catholica o
ordena»161. Os estatutos da guarda alemã eram bem mais rígidos que os da portuguesa,
nomeadamente no que respeitava ao consumo de bebidas alcoólicas 162.
Os archeiros deveriam possuir autonomia financeira, isto é, «ter estabelecimento de que
possão viver independentemente, sendo fabril, comercial ou civil» 163. Tal independência não
obstava, contudo, que nas ocasiões festivas recebessem gratificações de alguns membros da
família real, caso da princesa viúva Maria Francisca Benedita que, em Abril de 1789, manda
distribuir pela guarda real quatro mil e oitocentos reis «em o dia de Páscoa da Resução [sic]».
A Sala dos Archeiros, onde se encontrava a guarda real era também conhecida por Sala dos
Tudescos, numa alusão à companhia alemã que dela fazia parte 164.

157
Na segunda metade do século XVIII o Real Tesouro funcionou no Palácio das Necessidades. Aqui os objectos eram sujeitos a
operações de limpeza e reparação dos estragos cf. Augusto Cardoso Pinto, Alcatifas portuguesas (Tavira -Real Tesouro – Mafra)
in Revista e boletim da Academia Nacional de Belas Artes, nºs 16-17, 2ª série, Lisboa, [Tip. da E. N.P.], 1961, pp. 14 e 17.
158
Estatutos geraes para a guarda real Portugueza e Alemã, Lisboa, Tip. de José Baptista Morando, 1832. Datados de 1586
e reconfirmados por várias ocasiões, sendo a última em 1730.
159
Esta última foi criada por D. João IV para seu filho o príncipe D. Teodósio cf. Abade A.D. de Castro e Sousa, Origem da
guarda real dos alabardeiros hoje archeiros no paço, Lisboa, Imprensa Nacional, 1849, pág. 12.
160
Estas companhias eram em 1730 compostas por 68 elementos cada. Sargentos, cabos e soldados com idades compreendidas
entre os 25 e os 40 anos deveriam ter de altura mínima 60 polegadas.
161
Estatutos geraes para a guarda … cap. XIX, pág. 23. Era aliás obrigatória para toda a população a confissão na Quaresma.
162
Estatutos geraes...pp. 54, 63, 64 e 67.
163
Estatutos geraes...pág. 78.
164
I.A.N./T.T., M.N.E., Livro 147, Escrito de recado ao Conde de Fernan Nunes (D. Carlos, conde de), Embaixador de El Rey
Catholico, Belém, 9 de Abril de 1785; B. N., Reservados, C.0., Cx 28, Baptismo do Principe... Agosto de 1761.

46
Médicos e cirurgiões

Na ala norte da Real Barraca situavam-se os aposentos dos Cirurgiões e Médicos da câmara165.
Perto daqueles ficava o quarto chamado de Domingos Carvalho 166. Segundo o Rol dos
Confessados167 do ano de 1768168, Domingos Carvalho era cirurgião169 e morava na Calçada
Nova da Ajuda. As instalações independentes poderiam indicar que gozava já de um certo
estatuto.
Ao tempo era considerado que o médico ou físico devia «ser perfeito e consumado em o
conhecimento da natureza»170. No entanto os progressos da medicina eram, na altura, ainda
muito incipientes. Os tratamentos reduziam-se a pouco mais que sangrias e purgas utilizadas
frequentemente e sob qualquer pretexto: «...a Serenissima Senhora Infanta D. Maria Francisca
Doroteia171, que Domingo passado se sangrou, por lhe haver repetido a febre que há poucos
tempos tinha padecido»172; «A El Rei Nosso Senhor que sentia alguma opressão no peito
aplicaram os Médicos o remédio da sangria e havendo sido sangrado cinco vezes no braço sem
se sujeitar à cama se acha S. Magestade inteiramente livre da sua queixa» 173; «...foi S.M.
acometido d’alguns insultos paralíticos, que se julgaram remediaveis com a extracção de algum
sangue por meio de bichas o mal porém se tem agravado esta semana». Esta última referência
alude à doença de D. Pedro III ocorrida pouco antes do seu falecimento174. A sangria era na

165
Na planta com os nºs 35 e 36.
166
Na planta com o nº 33.
167
A obrigação da confissão e da comunhão (para os indivíduos com idade superior a 8 anos) deu origem à elaboração dos Róis
de Confessados ou Róis de Desobriga (lista de pessoas ordenadas por arruamentos e outros locais de residência). Hoje em dia
são uma importante fonte histórica para o estudo da população e da evolução das localidades.
168
B. A., 51-III-23, Quaresma do ano de 1768.
169
Mantinha-se activo no ano de 1788 como cirurgião da Câmara de S. Majestade, Almanack para o ano de 1788, Lisboa, na
Off. da Academia Real das Sciencias, pág. 74.
170
Fr. Joaquim de Santa Rosa Viterbo, Elucidário das palavras, termos e frases, Edição crítica por Mário Fiúza, Volume II,
Livraria Civilização, Porto - Lisboa, 1966, 274.
171
Ver nota 80.
172
Gazeta de Lisboa, n.º XI, terça-feira, 17 de Março de 1761.
173
Gazeta de Lisboa, n.º XXI, quinta-feira, 26 de Maio de 1757.
174
Gazeta de Lisboa, n.º XX, sexta-feira, 19 de Maio de 1786.
47
altura considerada terapia para os mais diversos males: «bacia e jarro para sangria de pé», «prato
e tigela para sangria de braço» são utensílios usados com frequência na época175.
Não sendo um tratamento agradável a sangria necessitava por vezes de ser acompanhada de
algum lenitivo, especialmente quando aplicada aos mais novos: «A Ambrozio Pollet, de hum
fio de perolas do pescoso, que se deu por prezente de sangria a Senhora Infanta D. Carlotta
...480$00»176. A infanta D. Carlota Joaquina tinha nesta altura perto de onze anos de idade.
Tal como a sangria, a purga era outro dos tratamentos efectuados com frequência para a
evacuação dos «humores», medida de prevenção e terapêutica de qualquer médico que se
prezasse. As purgas eram muitas vezes aplicadas antes da temporada dos banhos de mar: «La
Reina177 el Sabado se purgó, para empesar a tomar los banos»178, «Esta manãna el Principe179
se hà purgado para emprezar à tomar los baños de mar...»180. Reduzida a pouco mais que
sangrias e purgas era notória a insuficiência da terapêutica medicinal na época. Cite-se, a este
propósito, o médico e historiador espanhol Gregório Marañon que comenta desta forma, embora
com certo exagero, a maioria dos remédios da época: «ninguno de ellos servia para nada» 181.
A medicina era impotente para solucionar muito dos males com que se deparava. Recorria-
se então ao divino sendo a doença usada, por vezes, como motivo para um discurso
moralizante182: «...se Deus quer castigar os nossos pecados com achaques, ou morte, o Medico

175
«Prata que he mais necessaria alem da que sestá sic fazendo... Bacia e Jarro pª Sangria de pé...Hum aparelho pª Sangria de
Braço... Nª Srª da Ajuda, 11 de Agosto de 1784» Arquivo dos Extintos Paços Reais Cx. 26 Documentos relativos a ourivesaria
- pintura – arquitectura - tapeçaria - coches, &c (II) in Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes, Lisboa Imprensa
Moderna, 1936, pág. 25.
«Hum apparelho de prato e tigella pª sangria de braço... Conta da Pratta que fez Antonio Roiz de Leão para a Função das
Passagens; e para o Quarto da Snrª Inf. D. Carlotta...Fevereiro de 1785» idem, ibidem, pág. 28.
176
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 30, Março 1786, citado em Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes, (V) Documentos
relativos a ourivesaria e joalharia, 1ª parte, Lisboa Sociedade Industrial de Tipografia, Lda, 1948, pág. 58.
177
D. Maria I.
178
«... a rainha no Sábado purgou-se para começar a tomar os banhos...» B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-20 (75), Carta de
Ana Miquelina, [s.l] [1788?] [Jun.].
179
Príncipe D. José.
180
«Esta manhã o Príncipe purgou-se para começar a tomar os banhos de mar» B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-20 (82)
Carta de Ana Miquelina [1785 / 11-9-1788].
181
«Nenhum deles servia para nada» Gregório Marañon, Vida e História, Madrid, Edição Espasa - Calpe, 1962, pág. 115 cit.
por João B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém, Lisboa, Livros Horizonte, 1994, pág. 33.
182
Jacques Le Goff, As doenças têm história, Lisboa, Terramar Editores, 1997, pág. 152.
48
mais sabio erra a cura... . E se alguem nesta materia tem culpa, não he certamente em tempo
algum o medico... he sim absolutamente o enfermo; porque offendeu a Deos, e tambem porque
nunca cuidou na saude, quando estava são...»183. O apelo ao sobrenatural como método para a
resolução dos problemas de saúde era frequente: « ... e remeto a medida dum frazquinho de
agoa da chaga do Sor morto pª V. Magde tomar algums gollos pª o fastio se dezvanecer comer e
nutrir e não Ter tristezas...» diz Madre Teresa de Jesus 184 a D. Maria I185.
Alguns problemas de saúde dos habitantes da Real Barraca ficaram para a história, como foi o
caso do atentado de que foi alvo o monarca D. José em Setembro de 1758. O rei recolheu-se de
imediato em casa de António Soares Brandão, cirurgião-mor do reino residente na Junqueira, onde
foi submetido aos primeiros tratamentos. Foi posteriormente tratado no paço onde lhe tiraram «das
feridas muitos grãos de grossa munição»186. Outros males da família real estão hoje completamente
esquecidos como o mal hereditário da casa de Bragança – problemas na perna sentidos durante
largos anos pelo rei D. José187 e seu irmão D. Pedro; estão também esquecidas as doenças da infanta
D. Maria Francisca Doroteia a mais frágil das filhas de D. José. Com frequência os periódicos da
época aludiam aos problemas de saúde da infanta que ficara bastante debilitada após uma queda da
carruagem e perdera «muito da beleza e alegria natural»188.
As doenças da família real levavam a que, no paço de madeira fossem tomados cuidados de
diversa ordem, que incluíam até alterações na decoração dos aposentos de forma a torná-los

183
Academia dos Humildes e Ignorantes, conferencia XI, Lisboa, na Officina de Ignacio Nogueira Xisto, Anno de 1760,
pág. 82.
184
Carmelita de Santa Teresa de Jesus. A propósito de Madre Teresa de Jesus registe-se o que refere o periódico Mercúrio
histórico político e literário, em Dezembro de 1794: «No dia 8 do... mez de Dezembro [1794] tinha fallecido a Madre Tereza
de Jesus da casa dos Excellentissimos Monteiros Móres do Reino, e Prioreza do Real convento do Santíssimo Coração de Jesus,
tendo de idade 59 anos, 4 mezes, e 11 dias» Lisboa, na off. Simão Thaddeo Ferreira, pág. 115.
185
B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-41 (214), Carta de Teresa [de Jesus futura prioresa do convento do Santíssimo Coração
de Jesus] para [D. Maria I] Após Fevereiro 1777.
186
Transcrição de autor anónimo contemporâneo in A. Pedro Gil, direcção de, O processo dos Távoras, Lisboa, Amigos do
Livro, s.d., pág. 23.
187
Voyage du Duc du Chatelet en Portugal, a Paris, chez F. Buisson, An IX (1801), pág. 100 [obra escrita em 1778].
São numerosas as referências à manufactura de variado tipo de cadeiras para o monarca D. José descansar a perna: I.A.N./T.T.,
A.H.M.F., C.R., Cx. 3097, Despesas de Junho de 1771; A.N.T.T., A.H.M.F, C.R., Cx. 3096, Despesa que fez o Mestre Armador
Pedro Alexandrino Nunes de 1 de Janeiro de 1776 até Agosto do mesmo ano: «Por feitio de 10 cadeiras rasas que se
“percútaram” e estufaram com China e se foraram de Damasco carmesim e cravadas com cravos dourados que serviram para
Sua Majestade descansar a perna – 8$000».
188
Giuseppe Gorani, Portugal A corte e o país de 1765 a 1767, citado por Piedade Braga Santos, ob. cit., pág. 34.
49
mais confortáveis. Caso das modificações feitas no quarto do rei D. José, no ano de 1771, por
ocasião de uma doença do monarca: «alcatifaram os ditos corredores com colchões, e por cima
deles os ditos papagaios189 estendidos para não se sentir passadas no Quarto de sua magestade
que Deus guarde»190. A dar crédito à seguinte carta de um ministro inglês para o seu governo,
os males dos monarcas e seus entes mais próximos eram acompanhados de costumes curiosos:
«...por ser costume n’esta Corte andar-se de gala quando alguma pessoa real se acha doente»
refere Mr. Hay, ministro britânico em Setembro de 1758191.
Várias foram as doenças epidémicas entre os habitantes da Real Barraca: sabe-se que o
infante D. João foi por mais de uma vez atingido por sarampo ou pelo menos tal foi a opinião
dos peritos da época192. No ano de 1777 foi, como já referido, a vez de sua tia a infanta D. Maria
Ana193 sofrer do mesmo mal. Contava na altura cerca de 41 anos de idade.
Se o sarampo não causou grande dano entre os membros da família real já o mesmo não se
pode dizer da terrível doença epidémica que ao tempo grassava na Europa – a varíola. O infante
D. João foi atingido por este mal em finais de 1782 tendo, por sorte, saído ileso: «As bexigas
do meu filho o infante D. João tem sido muitas e fortes, porem vão direitas» diz a rainha D.
Maria I a sua prima a infanta Maria Josefa de Bourbon, em Janeiro de 1783194. O mesmo não
se passou com seus irmãos, D. Mariana casada com D. Gabriel infante espanhol e D. José o
herdeiro da coroa que haveriam de falecer, no ano de 1788, afectados por este mal. Embora na
segunda metade do século XVIII a inoculação da varíola já fosse praticada em Portugal por

189
«Papagaios» - Tapetes de penas de papagaio com os quais se atapetava o chão.
190
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3096 «Despesas que fez o mestre armador Pedro Alexandrino Nunes com jornais de
oficiais para desarmar e armar várias coisas precisas dentro do paço... do 1º de Janeiro de 1771 até 23 de Abril do dito ano».
191
Carta de Mr. Hay, ministro britânico ao governo inglês em 13 de Setembro de 1758 in John Smith, Memórias do Marquês
de Pombal, Lisboa, Livraria de António Maria Pereira, 1872, pág. 90.
192
«Por armar na Casa da Ópera o camarote para o Príncipe por estar o Senhor Infante com sarampo 4 oficiais - meio dia 240
réis - $960 réis» I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3096, «Despesa que fez o Mestre Armador Pedro Alexandrino Nunes com
jornais de oficiais e comedorias e mais despesas precisas para vários ornatos de armar e desarmar tudo o que foi preciso no
Paço - desde o 1º de Janeiro de 1769 até o último de Dezembro do dito».
«No Despacho de 18 de Março vem a dezagradavel noticia de se achar o Senhor Infante D. João com sarampo 23.III.1785»
Extractos da correspondência do embaixador Marquês do Louriçal em Madrid para o Secretário de Estado Aires de Sá e Melo
em Lisboa in Ângelo Pereira, D. João VI príncipe e rei, A Retirada da família real para o Brasil (1807), Lisboa, Empresa
Nacional de Publicidade, 1953-1956, Volume I, pág. 35.
193
Ver nota 65.
194
Cartas autografas de D. Maria I. para a família real espanhola in Caetano Beirão D. Maria I, 1777-1792, subsídios para
a revisão da história do seu reinado, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1934, pág. 436.
50
alguns membros da classe médica 195, com resultados globalmente positivos, D. Maria I não era
adepta desta medida preventiva. Profundamente religiosa, a rainha foi talvez influenciada por
opiniões como a do médico Duarte Rebelo Saldanha que consideravam a inoculação da varíola
uma acção «contra o... direito, natural, civil e divino e contra a própria caridade» 196.
Doença agravada pela falta de asseio, a varíola espalhou-se numa Europa onde as condições
de higiene eram verdadeiramente deploráveis 197. O mesmo sucedia na capital portuguesa: são
numerosos os relatos de observadores que descrevem as péssimas condições sanitárias que se
verificavam na altura em Lisboa.
Nem a Real Barraca escapava a esta falta de asseio generalizada. Os piolhos eram presença
habitual no paço de madeira: «Por jornais de dois oficiais que desarmaram o mosquiteiro do
Príncipe Nosso Senhor para se tirarem os persevejos...»198; os ratos eram também frequentes:
«Por jornais de oficiais que consertaram 2 panos de veludo do quarto do Príncipe nosso Senhor
os quais os roeram os ratos»199; «Por 12 folhas inglesas com que se tapavam vários buracos dos
ratos nos quartos de suas Altezas...»200. De quando em vez era necessário desarmar camas,
mosquiteiros e armações das paredes nos aposentos da família real ou efectuar outro tipo de
operações, numa tentativa de acabar com estes habitantes indesejáveis ou minimizar os efeitos
da sua presença201. Tarefas bastante inglórias e com resultados pouco animadores pelo menos
no que respeita aos piolhos: sabe-se que os membros da família real eram volta e meia atacados
por estes insectos, caso da infanta D. Carlota Joaquina em Dezembro 1785202. Como se não
bastasse era preciso também combater a presença de formigas: «Jornais de 2 oficiais que

195
«A inoculação da varíola [...] já muito empregada em Inglaterra e França, começou a praticar-se entre nós na segunda metade
do século XVIII [...] foram efectuadas experiências em Lisboa...tendo-se verificado que as crianças [...] inoculadas quando
submetidas a contágio apenas apresentavam erupções discretas, correspondentes a varíolas muito atenuadas» M. Ferreira de
Mira, História da medicina portuguesa, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1947, pág. 314.
196
Idem, Ibidem, pág. 239.
197
Lewis Mumford, A cidade na história, suas origens, transformações e perspectivas, Martins Fontes, Ed. Universidade de
Brasília, Abril 1982, pág. 418.
198
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3096, Despesas de 1 de Maio de 1771 até último de Dezembro do mesmo ano.
199
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3096, Despesas de 1 de Janeiro de 1773 até último de Dezembro do mesmo ano.
200
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3011, Despesas da semana que findou em 13 de Março de 1779.
201
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3096, «Despesa que tem feito o mestre Armador com jornais de oficiais... do 1 de Maio de
1771 até último de Dezembro do mesmo ano»; I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3011, Despesas de Pedro Alexandrino Nunes
Maio 1778; I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3096 «Despesa que fez o Mestre Armador Pedro... Nunes...desde 1/1/1772 até
último de Dezembro do dito ano».
202
B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-20 (88), Carta de Ana Miquelina, Ajuda [Dezembro de 1785].
51
desarmaram uns panos de rás na Antecâmara da
rainha Nossa Senhora e se descozeram por
estarem cheios de formigas e se limparam, se
puseram no seu lugar»203. Acrescente-se a tudo
isto uma grande insuficiência em hábitos de
limpeza.
Perante este cenário não é de admirar que as
Ligação doenças fossem uma presença frequente no paço,
ao
Paço doenças que os médicos da altura eram na maioria
Velho
das vezes impotentes para combater, estando
normalmente o êxito das suas terapias ligado a
factores puramente fortuitos. A sorte ou o azar
condicionavam quase completamente os
7-
resultados dos tratamentos prescritos. Sorte que
não teve, por exemplo, o médico que acompanhou
o príncipe herdeiro D. José quando da doença que
acabou por o vitimar aos 27 anos de idade: «O...
Medico do Palacio, e no qual a Rainha 204 tinha
pôsto toda a sua confiança, sempre tratou de
bagatella, a gravidade daquella doença,... pois
parece incrivel, mas ... três horas antes de espirar, disse a hum dos criados qe dissesse à Princesa205
qe ele respondia pela vida do Princepe»206.
Apesar de confrontado diariamente com a sua manifesta incapacidade no que respeitava ao
diagnóstico e terapia adequados o médico não deixou de desempenhar um papel determinante na
sociedade portuguesa setecentista. A ele se deve a implementação de diversas medidas de limpeza

203
«15 de Maio de 1778 – Jornais de 2 oficiais que desarmaram uns panos de raz, I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3011,
«Despesas que fez o Mestre Armador Pedro Alexandrino Nunes em todo o ano de 1778».
204
D. Maria I.
205
D. Maria Francisca Benedita
206
B.A., 51-XII-11, Cartas de cônsules e diplomatas estrangeiros em Lisboa, carta de Francisco X er Stocqueler pª o duque
d’Almodovar na corte de Madrid, Colares em 19 de Setembro 1788.
52
na cidade de Lisboa que atenuaram os danos das variadas doenças que assolavam a capital 207.
A ele se deve também a promoção da inoculação da varíola208.
No paço o médico era uma figura prestigiada: possuía camarote no teatro real209 e participava
no quotidiano da corte e nas suas ocasiões festivas: quando dos baptismos do príncipe D. José
e da princesa D. Maria Teresa 210, o Físico Mor da corte é chamado a colaborar na cerimónia,
temperando a água do baptismo 211. Entre os médicos e cirurgiões da família real contavam-se,
aliás, os melhores nomes da medicina portuguesa que ao tempo se encontravam no país 212:
Manuel Constâncio, um dos grandes anatomistas portugueses de finais do século XVIII;
Francisco de Melo Franco, um notável higienista da época; Manuel Gomes de Lima, criador da
imprensa médica portuguesa; Francisco Tavares, autor da primeira farmacopeia oficial e vários
outros nomes de realce que muito contribuíram para o desenvolvimento das ciências médicas
em Portugal.

A música na corte
À semelhança de outras monarquias europeias a família real portuguesa tinha na música um
dos passatempos preferidos213. Como era hábito possuía a sua Casa da Música214. Localizava-
se bem perto da Sala do Dossel, onde os monarcas davam audiências e servia por vezes de ponto

207
Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa, Lisboa, Typhographia Universal, 1910,
Tomo XVI, pág. 223.
208
A despeito de algumas excepções dentro da classe médica que advogaram o contrário (caso, como se viu, de Duarte Rebelo
Saldanha).
209
Gustavo de Matos Sequeira, Teatro de outros tempos, Elementos para a história do teatro português Lisboa, Ottosográfica
Ltd, 1993, pág. 292.
210
Em Agosto de 1761 e em Maio de 1793, respectivamente.
211
B. N., Reservados, C.0., Cx. 28, «Baptismo do Principe...Agosto de 1761».
212
Grandes nomes da medicina portuguesa como António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782) e Jacob de Castro Sarmento
(1691? -1762) foram obrigados a abandonar o país devido às perseguições da Inquisição.
213
Como por exemplo Frederico II da Prússia. Excertos do seu quotidiano retratam bem o seu gosto pela música «...La lecture
dure jusqu’a sept heures , elle est suivie du consert qui dure jusqu’a neuf heures, le roi est grand musicien, joue de la flute
supérieurement son concert journalier n’est presque composé que d’instruments à vent que sont les meilleurs de l’Europe» B.A.,
Documentos Avulsos, 54-VI-11(14) Idée de la personne de la manière de vivre et de la cour du roi de Prusse [s.l.] ; [s.d.] .
214
Na planta com o nº 44.
53
de referência para combinação de encontros de carácter mais reservado: «Vossa Excelência
poderá deixar o dito Marquês na sala de local de Sua Majestade em que lhe possa falar na
passagem para a música...»215 sugere, em Março de 1779, Ayres de Sá e Melo 216 ao conde de
Fernão Nunes217, embaixador dos reis de Espanha em Portugal ao combinar um encontro do
marquês de Castillo, nobre espanhol da corte de Carlos III, com a rainha D. Maria I.
Embora na planta Ver Imagem 3, a Casa da Música apareça independente do quarto da
rainha, era, na prática, considerada parte integrante dos seus aposentos. As referências da época
à «casa da música da Rainha Nossa Senhora»218 indicam-na como estando integrada no seu
quarto219, tanto no reinado de D. José e D. Mariana Vitória como mais tarde no de D. Maria
I220. Vê-se aliás na planta que a Casa da Música (n º 44) se encontra rodeada por aposentos
destinados à Rainha (nº 4 – Quarto da rainha, nº 43 – Casa da espera da rainha e nº 45 –
Guarda roupa da rainha e princesa).
Mas existiu no paço outro espaço com características especiais de sonoridade e acústica 221
apropriadas para sessões musicais: o recinto, ainda hoje existente, actualmente conhecido como
Sala dos Serenins.

215
I.A.N./T.T., M.N.E., Legação de Espanha em Portugal, Caixa 427, Ofício do Conde de Fernando Nunes embaixador de Sua
Magestade Católica em Portugal para Ayres de Sá e Melo, 7 de Março de 1779 em que propõe a apresentação do Marquês de
Castillo à Rainha D. Maria I. Analisando a planta imagem 3, supõe-se que Ayres de Sá e Melo esteja a referir a Casa da espera
da rainha, com o nº 43.
216
Ayres de Sá e Melo (1715-?) , secretário de estado adjunto do marquês de Pombal nos últimos anos do reinado de D. José e
secretário de estado dos negócios estrangeiros e da guerra no 1º governo formado pela rainha D. Maria I. Foi ministro
plenipotenciário nas cortes de Berlim e Nápoles e embaixador em Madrid.
217
Fernão - Nunes (D. Carlos, conde de) (1742-1795), militar e diplomata espanhol. Nomeado em 1776 embaixador de Espanha
em Portugal. Teve um papel preponderante na negociação que levou ao duplo casamento dos infantes de Espanha e Portugal
em 1785 (infante D. João / infante D. Carlota Joaquina; infanta D. Mariana Vitória / infante D. Gabriel) cf. Bombelles, ob. cit,
pág. 342, Índice analítico.
218
«Rol da Obra que fiz para este Paço no sítio de Nossa Senhora da Ajuda na semana que findou em 30 de Janeiro de 1779,...
2 chaves novas ... para a Casa da Música da Rainha Nossa Senhora - $600 réis... Joaquim José das Neves» I.A.N./T.T.,
A.H.M.F., C.R., Cx. 3011.
219
A designação Quarto não equivale a um espaço único mas «tem uma acepção mais lata» sendo «o conjunto de divisões
funcionais onde reside uma mesma pessoa» in Nuno Luís Madureira, Cidade espaço e quotidiano..., pág.121.
220
«Rol das esteiras que fiz para o quarto da Rainha Nossa Senhora... A Casa da Música faz 64 varas... 22 de Fevereiro de
1777» I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3103.
221
«... a sala apresenta uma tipologia de espaço elíptico, razões que se ligam à sonoridade e acústica» in Maria Alexandra T.
Gago da Câmara, Lisboa espaços teatrais setecentistas, Lisboa, Livros Horizonte, 1996, pág. 62.
54
Esta sala foi edificada, no ano de 1783 (reinado de D. Maria I) numa das divisões do
Conselho de Estado222 223, mais propriamente na última do lado norte, a única que ainda
permanece. (Ver imagem 7 – o nº 3 assinala a Sala dos Serenins da rainha D. Maria I) As
outras duas divisões daquele recinto foram destruídas em data próxima dos finais do século
XIX, como mais adiante se verá224.
A Sala dos Serenins foi, na altura da sua construção, conhecida como Casa da Música ou
Nova Casa Da Música225 226 e veio provavelmente substituir a sala com o mesmo nome, referida
anteriormente, situada nos aposentos da rainha. Por ocasião dos anos do infante D. João em
Maio de 1783, a serenata Il Palladio Conservatto cantou-se já na Nova Casa da Música 227.
Os 12 óculos com temas musicais que ainda hoje figuram no tecto da Sala dos Serenins são
da autoria do pintor Francisco José228. Para os trabalhos de pintura do recinto contribuiu também
o arquitecto Giacomo Azzolini229. Pedro Alexandrino Nunes o conhecido armador, colaborou
na decoração executando «um Pavilhão de nobreza cor-de-rosa guarnecido de galões, e franjas
de ouro para o Trono da Sala nova de Música que se fez por ordem da Rainha Nossa

222
Na planta com o nº 27.
223
«Despesa pertencente à nova obra da Casa da Música que se faz onde era a Casa do Conselho de Estado» I.A.N./T.T.,
A.H.M.F., C.R., Cx. 3127, Despesas de Julho de 1783.
224
Ainda existiam no ano de 1857, consoante informação de um funcionário da biblioteca da altura, o padre Vicente Ferreira
de Sousa Brandão: O padre Vicente Ferreira de Sousa Brandão primeiro-oficial bibliógrafo da biblioteca do palácio da Ajuda
(antiga biblioteca da Real Barraca que sobreviveu ao incêndio que destruiu no ano de 1794 o paço de madeira), refere, no ano
de 1857, ao descrever a Sala dos Serenins: «esta Sala tem lindo tecto, he magestosa, bem pintada, e com o chão de embutidos
[...] Seguem-se 2 Salas que se podião fazer de egual grandeza, elevar os tectos pª condizerem pelo menos na altura, com a 1ª»
cit. por Mariana A. Machado Santos, Alexandre Herculano e a Biblioteca da Ajuda, Coimbra, Separata de O Instituto, 1965,
Vol. CXXVII, pág. 67. Ainda existiam também no ano de 1862 como pode ver-se na imagem 8 assinaladas com o nº 2. Foram
depois destruídas.
225
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3129, Despesas de Novembro de 1783.
226
Mais tarde, no ano de 1790, viria a ser conhecida como Casa da Serenata I.A.N./T.T., A.H.M.F., Cartório da Casa Real
(Livros) nº 3076, Inventário do Palácio da Ajuda, 1790.
227
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3126, Despesas de Maio de 1783.
228
Recebeu pelo trabalho 24$000 réis, I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R, Cx. 3129, Despesas de Novembro de 1783.
229
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3129, Despesas de Novembro de 1783.
Giacomo Azzolini (1720 - 1791), responsável pelo projecto do picadeiro hoje Museu dos Coches e pintor de numerosos cenários
para os teatros régios da Ajuda, Queluz e Salvaterra cf. Ayres de Carvalho Os Três arquitectos … pp. 29, 30 e Ayres de
Carvalho, A influência da cenografia barroca da escola de Bolonha in Revista e boletim da Academia de Belas-Artes, Lisboa,
1980, 3ª série, nº2, pág. 63.
55
Senhora»230. O entalhador Silvestre Faria Lobo executou «um parapeito de 29 palmos de
comprido»231 que assentava sobre um plinto de dois palmos de «alto» e como referia o autor do
trabalho: «toda a referida obra é dispendiosa tanto em mãos, como em madeira por ser toda
torta...»232. Esta estrutura em madeira seria, muito provavelmente, destinada a separar o trono
do restante espaço do recinto233.
A obra da Sala dos Serenins foi orientada por Petroni Mazzoni234. Maquinista e cenógrafo
italiano, Mazzoni colaborou na Ajuda nas construções do paço de madeira, do Teatro da Ópera
e da Capela Real235.
Fontes documentais informam das aquisições feitas quando da execução dos trabalhos 236.
Indicam que o vidro foi largamente utilizado na decoração, fornecido, entre outros237, por
personagens ao tempo bem conhecidas, como Guilherme Stephens238 ou Gérard de Visme239

230
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3130, Despesas de Dezembro de 1783.
231
«Formado de três porções circulares e dois ressaltos rectos, com seu vazamento em cornija, com dezasseis balaustres nos
lados entalhados, e no meio um ornamento transformado de nove palmos de comprido...» I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx.
3130, Despesas de Dezembro de 1783.
232
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3130, Despesas de Dezembro de 1783.
233
Em 17 de Dezembro de 1787 o marquês de Bombelles assiste a um concerto no Teatro da Ajuda e descreve de forma muito
semelhante as acomodações da família real: «La Reine et sa famille sont sous un dais dont les draperies couleur de rose sont
relevées avec assez de grâce; une estrade fermée en avant par une balustrade sépare la souveraine et ses enfants des musiciens
et des assistants au concert» Marquês de Bombelles, Journal d’un ambassadeur de France au Portugal 1786-1788, Paris,
Presses Universitaires de France, 1979, pág. 225.
234
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3129, Despesas de Novembro de 1783.
235
«Rezumo de toda a despesa ... na obra q. se faz do palasete no sitio de N. Srª da Ajuda e ... folha dos pintores q.
trabalharão p.ª a Capela Real de N.Srª da Ajuda ... 10 de Abril de 1756... Petronio Mazzoni...» A.H.M.F. «Docs. de
despeza do thezoureiro –Contas diversas (1755-56)-Caixa 2» cit. por Ayres de Carvalho, Os três arquitectos..., pág. 25.
236
Permitem saber que foram adquiridas variadas madeiras: vinhático, gandaru encarnado, espinheiro, madeira de Secupira,
madeira pandaru, freichal de carvalho, entre outras. I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3127, Despesas de Agosto de 1783, Cx. 3129,
Despesas de Outubro e Novembro de 1783.
237
Agostinho Simmerman, Gaspar Miller, José Signay, I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3129, Despesas de Novembro de 1783.
238
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R, Cx. 3130, Despesas de Dezembro de 1783.
Guilherme Stephens ( ? -1802) «Súbdito inglês a quem a Junta do Comércio – de harmonia com a política proteccionista da
economia pombalina -, por Alvará de 7 de Julho de 1769, concedeu um subsídio de 8000 cruzados (32 contos), para o
estabelecimento da Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande. [A] fábrica deu ao fabrico do vidro “um impulso e uma actualização
que nunca mais perdeu” [...] conseguiu criar uma verdadeira escola de vidraria. [...] À sombra da fábrica criou-se, [...], a vila da
Marinha Grande» in Joel Serrão, Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas, 1989, Vol. VI, pág. 86.
239
Gérard de Visme (1713-1795 ?), descendente de uma família huguenote originária da Picardia que emigrou para Inglaterra com
a revogação do Édito de Nantes, veio na sua juventude para Portugal onde enriqueceu rapidamente. Comprou, em 1767, uma quinta
em Benfica muito referenciada por autores da época. cf. Bombelles, ob. cit., pág. 384.
56
que, tendo vindo muito novo para Portugal, aqui fez fortuna. A ele se encomendaram «144
vidros para candeeiros e dirandelas 240 da Casa da Música a $120 réis cada um»241 242.
O pavimento da Sala dos Serenins recorda, na sua parte central, outro dos passatempos da
família real: a dança. Indispensável à vida em sociedade a dança era «a forma mais perfeita e
mais complexa da apresentação cuidada de si próprio»243.
Várias são as referências de vindas dos mestres de dança Pedro Colonna e François
Sauveterre ao Paço da Ajuda244.
Para além da arte da dança a família real cultivava com agrado o canto e dedicava-se à
aprendizagem de diversos instrumentos musicais, entre eles o cravo, o bandolim e o piano
forte245. O clavicórdio instrumento de cordas de som muito suave, muito popular na altura,
contava-se também entre as suas preferências: «...Tambien ahora tiene todos los dias leccion de
clave lo que dá sin la menor repugnancia»246 refere Miquelina, a Maria Luísa de Bourbon
Parma ao mencionar as lições da infanta D. Carlota Joaquina.
É conhecida a verdadeira paixão do rei D. José pela ópera, paixão que o levou à construção
da grandiosa ópera do Tejo nos Paços da Ribeira que veio a ser destruída pelo terramoto de
1755. Paixão que o levou ainda ao dispêndio de enormes somas, muitas delas pagas com o ouro
do Brasil, para comprar o que de melhor havia na área da música a nível internacional. Caso do

240
Dirandela – O mesmo que arandela: peça que se põe na boca do castiçal para amparar os pingos da vela.
241
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3129, Despesas de Novembro de 1783.
242
Da casa parisiense Girardo Haller & Companhia vieram 4 lustres no valor de 585$638 réis. Ao português Caetano Rodrigues
foram encomendados uma dúzia de tamboretes e uma dúzia de cadeiras mouras que se instalaram no recinto, A.N.T.T.,
A.H.M.F., C.R., Cx. 3130, Despesas de Dezembro de 1783.
243
Philippe Ariès e Georges Duby, História da vida privada – do renascimento ao século das luzes, Porto, Edições
Afrontamento, 1990, pág. 199.
244
Deslocavam-se em sege paga pela Casa Real: «A Pedro Colonna de aluguer de seges para a Lição de Dança de Suas Altezas»
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3151, Despesas de Outubro de 1788. +«Félix Vicente de Almeida pagará a Francisco
Sauveterra os alugueres das seges em que veio ao Paço à lição de Dança do Príncipe Nosso Senhor em todo este ano de 1772 a
saber 120 seges a 800 - 96$000 réis»; I.A.N./T.T., A.H.M.F, C.R., Cx. 3100, Bom Sucesso, 30 de Dezembro de 1772.
245
I.A.N./T.T., XX/Z/77 (14) «Espollio que receberao as Pessoas Mencionadas em Rellações que vão dentro... na ocazião do
Incendio do Paço da Ajuda em 10 de Novembro de 1794».
246
«... Também agora tem todos os dias lição de clave o que faz sem a menor repugnância...» B.A., Documentos Avulsos, 54 -
IX-20 (72), Cartas de Ana Miquelina… s.l. [178...].
57
grande compositor italiano Niccolo Jommelli247 que se comprometeu, mediante dispendiosa
pensão, a enviar cópias de obras da sua lavra para serem executadas em Portugal. É da sua
autoria a ópera Armida Abbandonata exibida no Teatro da Ajuda na Primavera do ano de 1773,
por ocasião dos anos da rainha D. Mariana Vitória
Entre o elenco destacava-se o cantor castrati e primo uomo Carlo Reina um dos caríssimos
«divos» contratados pelo monarca. Sendo a presença feminina absolutamente interdita no palco
e fora dele248, o papel de prima donna era interpretado nesta peça por Giambatista Vasquez, o
conhecido Battistini que veio a abandonar Portugal no ano de 1784, vendo-se D. Maria I
obrigada a procurar quem o substituísse: «...com a falta de Battistino não se pode aqui remediar
huma primeira Dama para Opera...havendo por esses theatros algum Suprano capaz que possa
bem fazer a dita primeira parte de Dama, o queira V. Exa convidar...», palavras de Pinto da
Silva guarda-jóias da rainha, a D. Diogo de Noronha ministro de Portugal em Roma 249.
Os monarcas portugueses estavam presentes nos ensaios preliminares 250 e interessavam-se
vivamente pelos textos e músicas apresentados, chegando mesmo tal entusiasmo a dificultar a
rotina diária dos artistas: quando da exibição da ópera Demofoonte, também da autoria de
Jomelli, na Ajuda em 6 de Junho de 1775, a rainha Mariana Vitória guardou ciosamente a
partitura dificultando assim a sua consulta a Caetano Martinelli, poeta italiano ao serviço da
corte portuguesa251.
A ópera de corte envolvia custos dispendiosos a nível instrumental, vocal e cénico. Quando
subiu à cena Alexandre na Índia, apresentada no Teatro da Ajuda em 6 de Junho de 1776,
contava entre os seus figurantes com 90 combatentes ensaiados pelo mestre Pedro António
Faveri252.

247
Niccolo Jommelli (1714-1774), compositor italiano, autor de óperas e de música religiosa.
248
Exceptuando os membros da família real.
249
A escritura de um cantor para a ópera de Lisboa in J.M. Cordeiro de Sousa, Notícias do passado, Lisboa, Empresa Nacional
de Publicidade, 1938, pág. 38.
250
«Por armar a Casa da Ópera da Ajuda para Sua Majestade que Deus guarde ver os ensaios – 1$920» I.A.N./T.T., A.H.M.F.,
C.R., Cx. 3096, Despesas que se fizeram entre Novembro de 1763 a Março de 1764.
251
Manuel Carlos de Brito, Estudos de história da música em Portugal, Lisboa, Editorial Estampa, 1989, pág. 118.
252
«Recebi do Senhor João António Pinto da Silva pelo trabalho que tive na ópera Alexandre na Índia que se fez no Teatro da
Ajuda em 6 de Junho de 1776…» I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3108, Despesas de Abril de 1778 [relativas ao ano de 1776],
Despesas de Maio de 1778.
58
Visitantes estrangeiros referem com admiração estes espectáculos da corte. A ópera italiana
tinha uma influência predominante, de acordo com a moda da altura. Eram italianos grandes
parte dos instrumentistas da orquestra, bem como os bailarinos, cabeleireiros, pontos, alfaiates,
mestres de esgrima, fiéis de guarda-roupa e poetas como Caetano Martinelli, arquitectos como
Giovanni Bibiena253 ou Giacomo Azzolini e compositores como David Perez.
A orquestra da Real Câmara foi, nesta época254, uma das mais importantes na Europa, tanto
pelo número dos seus executantes 255, como pelo nível musical: «uma orquestra magnífica com
os seus naipes bem equilibrados em toda a sua riqueza e personalidade sonora»256.
Os músicos seguiam os monarcas onde quer que se deslocassem nas suas jornadas periódicas
(Sintra, Vila Viçosa, Mafra, Caldas da Rainha, etc.): «...se va acercando la jornada de Salvaterra
que es el dia 18 de este mez...Los Operistas y los musicos marchan manana» informa Miquelina
a Maria Luísa de Bourbon Parma 257. Os apetrechos necessários aos espectáculos musicais
acompanhavam constantemente o vaivém da corte: «Aos Algarves de 2 escaleres que
conduziram de Salvaterra a barcaça com vistas para esta ópera» assim refere uma nota de
despesa de Junho de 1776, mencionando o transporte do cenário da ópera La Contadina
Superba, apresentada em Salvaterra e repetida na Ajuda naquele mês 258.

253
Ver nota 27.
254
Reinados de D. José e de D. Maria I.
255
Tinha no ano de 1782 51 efectivos: 20 violinos, 4 violas, 4 violoncelos, 4 contrabaixos, 3 oboés, 2 flautas, 2 fagotes, 9
clarins e trompas e 2 cravos cf. Joseph Scherpereel, A orquestra e os instrumentistas da Real Câmara de Lisboa de 1764 a
1834, Documentos Inéditos, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de Música, 1985, pág. 60.
256
Idem, Ibidem, pág. 62.
257
«Vai-se aproximando a jornada de Salvaterra que é o dia 18 deste mês... Os Operistas e os músicos vão embora amanhã»
B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-20 (79), Cartas de Ana Miquelina Ajuda? Janeiro? 178….
258
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3101, Despesas de Junho de 1776.
59
Com D. Maria I a ópera vem a ser, por razões de ordem económica, parcialmente substituída
pela serenata259, pela oratória260 e pelos saraus de música de câmara261, de execução menos
dispendiosa. Assiste-se então a uma maior participação de autores portugueses. Alguns de
grande qualidade como João de Sousa Carvalho, (1745-1798), considerado o maior compositor
português da segunda metade do século XVIII. A sua ópera L’amor industrioso foi apresentada
no teatro da Ajuda em 31 de Março de 1769 com tal êxito que voltou a subir à cena mais nove
vezes nesse ano262. Era mestre de música da família real muito apreciado pelos monarcas:
«...fiquei infinitamente satisfeita, q fosse do seu gosto a Serenatta, q remetti, he certo que João
de Souza compoem de modo, q agrada, e conforme as Regras da Muzica...» diz D. Maria I, em
carta escrita na Ajuda, em 12 de Maio de 1783, a sua prima a infanta Maria Josefa de
Bourbon263.
Embora já não ocasionasse os enormes dispêndios do reinado de D. José a música continua,
sem qualquer dúvida, a ter uma enorme importância no dia-a-dia da família real. Permanece o
hábito de encomendar composições estrangeiras: «...de música de Boccherine que se mandou
vir para o Real Serviço – 16$250 reis»264 diz uma nota de despesa de Novembro de 1780
referindo-se ao conhecido compositor Boccerini265 que era apreciado na corte.
Veja-se também a correspondência entre a família real portuguesa e espanhola, em que é
frequente a troca de impressões sobre temas musicais. Em Junho de 1785, pouco tempo depois

259
“A form midway between cantata and opera was the Serenata a semidramatic piece usually written for some special
occasion, which frequently had allegorical texts and typically was performed by a small orchestra and several singers” in Donald
Jay Grout, A History of Western Music, New York, W.W. Norton & Company, Inc., 1960, pág. 326 cit. por Joseph Scherpereel,
ob. cit., pág. 69.
260
Oratória – Espécie de drama lírico religioso executado com orquestra sem decoração nem guarda-roupa.
261
Rui Vieira Nery, Paulo Ferreira de Castro, História da música, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2ª edição, 1999,
pág. 118.
262
Mário de Sampaio Ribeiro A música em Portugal nos séculos XVIII e XIX, Lisboa, Tip. Inácio Pereira Rosa, 1938,
pág. 37.
263
Caetano Beirão D. Maria I, 1777-1792....pág. 439.
264
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3115, Despesas de Novembro de 1780.
265
Luigi Boccerini (19.2.1743-28.5.1805), compositor e violoncelista italiano: «Mais conhecido pelas obras instrumentais que
o tornam um dos grandes do período clássico, compôs em Espanha vilancicos de Natal para quatro vozes e orquestra», cf. João
de Freitas Branco, ob. cit., pág. 109.
60
do casamento de D. Mariana Vitória com D. Gabriel266, este último solicita a seu cunhado D. João
o envio de um livro de ópera; «...eu pude perceber era que o Infante queria um livro de ópera eu
verei como lho posso mandar porque para ir debaixo do subscrito julgo que fará muito volume
mas eu farei todo o possível para lho mandar» diz o infante D. João a sua irmã D. Mariana Vitória,
em carta escrita no Paço de Nossa Senhora da Ajuda em 17 de Junho de 1785267.
Parece também ser vulgar entre as duas cortes o envio de serenatas: «Aqui no dia 5 tivemos
Serenata a qual não mando por me parecer sem novid[ad]e foi feita por hu principiante, porem
se V.ª a quizer a remeterei» de novo palavras de D. Maria I a Maria Josefa de Bourbon, datadas
de 7 de Julho de 1783268. A rainha referia-se à composição Siface e Sofonisba executada por
ocasião do aniversário do rei D. Pedro III, em 5 de Julho desse ano 269, pelo maestro português
António Leal Moreira (1758-1819)270. A fraca impressão da rainha acerca do compositor veio
mais tarde a desaparecer. António Leal Moreira voltou a apresentar no paço outras serenatas:
dois anos depois, por ocasião do mesmo aniversário, a serenata Ascanio in Alba271 da sua
autoria272 e ainda no mesmo ano a serenata L’Imeneo di Delfo, quando das cerimónias de
celebração do casamento da infanta D. Mariana Vitória que tiveram lugar em Abril273. António
Leal Moreira, considerado um dos melhores “produtos” do Seminário da Patriarcal 274, foi
mestre da Capela Real e Patriarcal275.

266
Ver nota 123.
267
Carta do infante D. João a sua irmã D. Mariana Vitória, Paço de Nossa Senhora da Ajuda em 17 de Junho de 1785 in
Ângelo Pereira, D. João VI príncipe e rei,... vol. I, pág. 53.
268
Caetano Beirão D. Maria I, 1777-1792.... pág. 439.
269
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3127, Despesas de Julho de 1783.
270
Joseph Scherpereel, A orquestra e os instrumentistas da Real Câmara de Lisboa de 1764 a 1834, Documentos Inéditos,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de Música, 1985, pág. 78.
271
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3140, Despesas de Julho de 1785.
272
Joseph Scherpereel, ob. cit., pág. 69.
273
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3138, Despesas de Abril de 1785.
Joseph Scherpereel, ob. cit., pág. 70.
274
Joseph Scherpereel, ob. cit., pág. 72. António Leal Moreira é considerado, com Marcos Portugal (1762-1830), o último
representante musical de relevo do ancien regime em Portugal cf. Rui Vieira Nery, Paulo Ferreira de Castro, ob. cit., pág. 130.
275
«A escola de música do Seminário da Patriarcal preparava cantores, organistas e compositores e só se podia ser admitido
nela muito jovem, segundo a velha tradição das escolas de meninos de coro, onde vários grandes compositores fizeram os seus
primeiros estudos» in Joseph Scherpereel, ob. cit., pág. 90.
61
Às serenatas executadas no paço assistiam, para além da família real, damas e nobres da
corte e membros do corpo diplomático. Enquanto os nobres e diplomatas permaneciam de pé,
às damas da corte era permitido sentarem-se no chão e era nesta posição que presenciavam estas
sessões musicais 276.
Mesmo quando impossibilitados de se apresentarem em público os membros da família real
não deixavam de querer usufruir do prazer da música. No ano de 1779 estando a rainha-mãe D.
Mariana Vitória já bastante doente foram, por diversas vezes, convenientemente preparados
espaços próximos do local das serenatas a fim de que a rainha as pudesse ouvir
confortavelmente: «Jornais de dois oficiais que armaram o corredor ao pé da antecamara de
tapeçarias e cortinados para a rainha-mãe ouvir a serenata e desarmaram outra vez tudo»277. Tal
sucedeu por ocasião do seu aniversário, em 31 de Março, quando foi apresentada a composição
de Jerónimo Francisco de Lima 278 Gli Orti Esperidi; o mesmo aconteceu, quando das
festividades de S. Pedro, com a composição L’Omaggio de Pastori de João Cordeiro da Silva e
em outras ocasiões no mesmo ano e no ano seguinte279. Em Dezembro de 1780, dias antes da
sua morte, ainda a rainha-mãe se interessava por estas sessões musicais. A última que
provavelmente escutou ocorreu, na sua própria Sala do Dossel a 17 de Dezembro, dia de anos
da rainha sua filha, tendo sido decorado um espaço nesta sala para a doente poder, discreta e
confortavelmente, ouvir a serenata280.

276
Marquês de Bombelles, ob. cit., pág. 164.
277
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3112, Despesa que fez o mestre Armador Pedro Alexandrino Nunes, Abril de 1779.
278
Jerónimo Francisco de Lima (1743-1822), aluno do Seminário Patriarcal de Lisboa, estudou em Nápoles na qualidade de
bolseiro do rei. No seu regresso foi nomeado mestre naquela escola. Compôs música dramática e religiosa.
279
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3112, Despesas de Abril de 1779.Despesas de Junho de 1779. Cx. 3116, Despesas de
Abril, Maio e Junho de 1780.
280
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3117, Despesa que fez o mestre Armador Pedro Alexandrino Nunes, Dezembro de 1780.
62
A capela real

Os músicos da Real Câmara estavam invariavelmente presentes nas cerimónias religiosas da


corte que decorriam na Capela Real281, junto ao paço de madeira. Ver Imagem 3. Tal como o
paço, a capela foi projecto de João Carlos Bibiena: «Bibiena, depois do terramoto fez a Capella
Real, e o Paço d’Ajuda tudo abarracado».
Em 17 de Janeiro de 1756 surgem já referências à «Capela que Sua Magestade que Deus
guarde fez no sítio de Nossa Senhora da Ajuda em Belém» 282 ou à obra da «igreja nova da
quinta da Ajuda»283. Perto da Capela Real foi construída uma torre de madeira com quatro
sinos284 que viria, mais tarde, quando da instalação da Patriarcal 285 na Capela da Ajuda, a ser
substituída por uma de pedra 286 ainda hoje existente, obra do arquitecto Manuel Caetano de
Sousa287. No ano de 1757 a Capela Real já estaria pronta288. Dois anos mais tarde, em 1759,
sofreu importantes obras. Das modificações nela surgidas dá conta o arquitecto Bibiena a sua
família: «Agora trabalha-se a toda a força para aumentar e erigir a...Capela Real a qual por
dentro será forrada de madeira, e por fora de pedra...»289.

281
Na planta com o nº 22.
282
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3095, Despesas de Janeiro de 1756. Veja-se ainda Padre João Baptista de Castro, Mappa
de Portugal antigo e moderno, Lisboa, Na Oficina Patriarcal de Francisco Luís Ameno, 1763, tomo terceiro, parte V, pág. 208.
283
Documentos avulsos, sem cota e apenas identificáveis pelas datas e assinaturas dos intervenientes cit. por Ayres de Carvalho,
Os três arquitectos da Ajuda ..., pág. 24.
284
Padre João Baptista de Castro, ob. cit., pág. 209.
285
Relativa ao Patriarcado de Lisboa. Este título honorífico foi atribuído à arquidiocese de Lisboa em 1716. D. Tomás de
Almeida foi o 1º patriarca de Lisboa. Entre os vários privilégios que passou a usufruir contava-se a elevação à dignidade de
cardeal.
286
B.A., 51-XII-20, Adittamento ao Código da Stª Igreja de Lisboa. Progresso da capela real até ao fim do ano de 1796 in
Compendio do Código da Stª Igreja Patriarcal de Lisboa, 1796.
287
Manuel Caetano de Sousa, arquitecto e engenheiro militar português (1742 - 1802). Desempenhou os cargos de arquitecto
da Casa do Infantado e das Obras Públicas. São da sua autoria a biblioteca do convento de Mafra e, em Lisboa, a igreja paroquial
da Encarnação, a capela do paço da Bemposta e o palácio dos duques de Palmela.
288
«[Na] Capela Real de Nossa Senhora da Ajuda se disseram em 20 e 21 do mês de Outubro do presente ano de 1757: vinte
e duas missas aplicadas pela alma do Sr. Infante D. António» B.A, 51-I-59, Lembrança das Missas que se disseram pela alma
do Sereníssimo Sr. Infante D. António...manhã..
289
Carta de João Carlos Bibiena a sua família Lisboa 14.2.1759 cit. por Ayres de Carvalho, Os três arquitectos da Ajuda
pág. 15.
63
A capela comunicava com o paço por um
passadiço que possuía, em finais da década de
1750, vidraças corrediças seguras por tranças e
borlas em retrós carmesim290. Em dias festivos o
passadiço era, por vezes, ocupado pelos músicos
como sucedeu no baptizado da princesa D. Maria
Teresa: nele esteve um «concerto de Atabales,
charamelas, e outros instrumentos, que desde
antigos tempos da Monarchia concorrêram sempre
a celebrar semelhantes funçoens»291.
Recorrendo a fontes documentais292 é possível
fazer uma ideia de alguns espaços da Capela Real.
Uns exteriores como o adro ou pátio293 que lhe
estava anexo a poente, de forma rectangular e com
acesso que estabelecia a passagem entre o espaço
denominado na altura «terreiro do Sul» e o
designado por «terreiro do norte»294. Este acesso
foi fechado em determinadas ocasiões como
quando do baptismo do príncipe D. José: «O vão
anterior a Igreja e que lhe serve de átrio ou pátio
terá as paredes da circunferência cobertas de
pannos de raz, e não lhe ficará passagem do

290
«... por feitio de 5 tranças com 2 prisões com suas borlas de retrós carmesim para prender as vidraças corrediças que estão
no passadiço que bota para o corpo da igreja...»I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3097, Despesas que fez o mestre armador
Pedro Alexandrino Nunes com vários ornatos para o Real Paço de Nossa Senhora da Ajuda desde o ano de 1755 até ao de
1760.
291
Ignacio de Souza e Menezes, ob. cit., pág. 19.
292
B.N., D. 28R. «Paso Real incendiado edificado depois do Terremoto de 1755 no Alto da Ajuda dicto vulgarmente a
Baraca...». B. N., Reservados, C.0., Cx. 28, «Baptismo do Principe....Agosto de 1761».
293
Na planta com o nº 21.
294
B. N. Reservados C.0., Cx 28, «Baptismo do Príncipe …Agosto de 1761».
64
terreiro do sul para o do norte e estará coberto de hum toldo»295. Esta passagem manteve-se
por longo tempo, como se deduz da comparação da planta da Real Barraca (Imagem 3) com
outras plantas de época posteriores. Ver Imagem 8. É ainda visível em fotografias como a da
Imagem 10 datada de finais de oitocentos ou inícios de novecentos, não posterior no entanto a
1917, pois nela se vê ainda a biblioteca da Real Barraca que foi destruída nesta data, como se
verá mais adiante.
Conhecem-se também alguns espaços interiores da Capela Real, como o Baptistério da
freguesia, situado à direita de quem entrava. Aqui foi instalada a ama do príncipe D. José no
dia do seu baptizado, numa cama ali colocada para o efeito. Esta condizia com a solenidade da
ocasião: revestida a damasco carmesim com tecto da mesma cor 296. A longa cerimónia exigia a
presença da ama que necessitava ser convenientemente acomodada. Para a ama foram
preparadas mais duas camas: uma na Capela do Santo Cristo fronteira a outra capela
denominada do Santíssimo Sacramento; e outra na Tribuna situada num plano superior. Surgem
ainda menções à Capela-Mor debaixo da tribuna real, zona onde estaria instalado o órgão, à
Sacristia e a uma área identificada como sendo o Presbitério. Sabe-se também que, quando do
baptismo daquele príncipe, o acesso à igreja se fazia por uma escada que, curiosamente, tinha
por baixo uma casa: «caza por Baixo da escada por onde se vem pª a Igreja»297. Nesta ocasião,
nela estavam preparados os paramentos e capas necessários e nela se reuniram os criados da
casa real que os haviam de transportar.
Outras notícias esclarecem sobre mais alguns espaços da capela quando referem a assistência
a que se destinavam – surgem menções à Tribuna das criadas da Rainha Nossa Senhora298, à
Tribuna da rainha mãe299 300, ou à Tarimba das damas301. Documentação do ano de 1784

295
Idem, Ibidem.
296
I.A.N./T.T., C. R., Repartição do Tesouro, liv. 3076
297
Idem, Ibidem.
298
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3126, Despesa da semana que findou em 19 de Abril de 1783.
299
D. Mariana Vitória
300
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3116, Despesas de Abril de 1780.
301
B.N., Reservados, C.0., Cx. 28, «Baptismo do Príncipe... Agosto de 1761».
65
menciona a existência de um zimbório na Capela Real302. Sabe-se ainda que o lugar reservado
ao monarca estava bem de acordo com a dignidade da sua pessoa: «Dossel de veludo carmesim
com sanefas e espaldar tudo guarnecido com galões e franjas de ouro que serve na Igreja para
trono de Sua Majestade que Deus guarde...»303.
A Capela Real estava situada num nível superior ao do paço de madeira como está hoje a
Torre da Ajuda em relação ao actual palácio. Em Maio de 1793304 a sua localização é dada, nos
seguintes termos: «A porta do paço, que tambem o é d’aquella Sala dos Tudescos, vê para fora
diante de si o terreiro do mesmo Paço correndo em comprimento para o Nascente e como a
Capela Real fica ao lado esquerdo, ou do Norte, separada do Paço com uma servidam pública
em meio; se levantou um estrado de madeira igual ao pavimento da mesma Sala, e ao da Capela
desde a porta de uma, athé à porta da outra; para se evitar a descida dos degraos da porta do
Paço, e a subida dos da porta da Igreja, e facilitar com altura, em que ficou, o lograr-se esta
passagem da vista de todo o Povo»305.
Um ano antes, em 1792, a Basílica Patriarcal306 tinha vindo instalar-se na Capela Real da
Ajuda. Foram executadas na altura as obras necessárias para o efeito. Deverão ter sido obras de
vulto307 mas pouco se conhece acerca delas. Surgem somente algumas indicações que referem
estar a capela pintada e «dourada na sua maior parte»308 e que descrevem os pavimentos da
Capela – Mor, Sacramento e Basílica como «cobertos de ricas e vistosas alcatifas panos verdes,
panos de raz com emblemas de países, verduras...»309. Sabe-se ainda que permaneciam os

302
«Rol da despesa que se fez no Zimbório da Capela Real esta semana», I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3131, Despesas de
Fevereiro de 1784.
303
Idem, C.R., Cx. 3097, Despesas que fez o mestre armador Pedro Alexandrino Nunes...desde o ano de 1755 até ao mês de
Junho de 1760.
304
Quando do baptismo da princesa D. Maria Teresa.
305
Ignacio de Souza e Menezes, ob. cit., pág. 19.
306
Ver nota 285.
307
«Para este fim S. Magestade rezolveu que a Stª Igreja Patriarcal se trasladasse pª a Capella do Paço de Nossa Senhora da
Ajuda e onde se fizessem as obras interinas e totalmente necessárias...projectando na Mente Real construir um soberbo edificio
e Magestoso Templo...» B. A., 51-XII-20, Adittamento ao Código da Stª Igreja de Lisboa... in Compêndio do código da Stª
Igreja Patriarcal...1796.
308
Ignacio de Souza e Menezes, ob. cit., pág. 19.
309
B.A., 51-XII-20, «Adittamento ao código da Stª Igreja de Lisboa...» in «Compêndio do código da Stª Igreja Patriarcal
1796».
66
degraus como meio de acesso à igreja: «... a descida dos degraos da porta do Paço, e a subida
dos da porta da igreja»310.
Os trabalhos de construção da Patriarcal estenderam-se para Norte da Capela como se vê
pela Imagem 9. De notar nesta imagem a posição da torre do relógio, ainda hoje existente (nº 6)
em relação à zona nº 5 denominada Vestígios da antiga patriarcal311.
Na descrição do baptismo da princesa D. Maria Teresa, em Maio de 1793, são mencionadas
a Capela-Mor e do Santíssimo Sacramento, não se falando da Capela do Santo Cristo o que leva
a colocar a questão se esta teria desaparecido com as obras realizadas.
Muita da obra de talha realizada na Capela Real da Ajuda foi feita pelo entalhador António
Ângelo 312 que esteve ao serviço da Casa Real em finais do século XVIII e princípios do
seguinte.
A Capela Real haveria de ficar lembrada pelo luxo que ostentava. Há quem afirme que, na
sua fuga para o Brasil D. João VI se teria preocupado fundamentalmente com o cofre de
diamantes e os tesouros da Capela Real, «as grandes riquezas amontoadas no serviço divino» 313.
Entre estas contava-se uma custódia toda em ouro guarnecida com numerosos diamantes, rubis,
safiras, esmeraldas e jacintos, obra de Joaquim Caetano de Carvalho que «dispendeu cinco anos
e meio na sua factura» tendo-a apresentado ao monarca D. José em 22 de Maio de 1760.

310
Idem, Ibidem.
311
De notar que a planta da imagem 9 é datada de 1869. A Capela Real havia sido destruída em 1843.
312
António Ângelo, entalhador, activo entre 1766 e a primeira década do século XIX. Colaborou na decoração dos paços régios
– Ajuda, Belém, Bemposta. Foi mestre entalhador da casa das obras e paços reais, cargo que obteve em 1805. Na Ajuda foi
obra sua «A Capela Mor... e também os acrescentamentos dos Coretos da dita Capela como também a Capela da Basílica e as
do Corpo da Igreja e também o painel do Baptistério....» in Conhecer Portugal, A Arte de trabalhar madeira, Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1996, pág. 37.
313
«De riquezas o príncipe regente só mandou embarcar o cofre de diamantes e o Thesouro da Capela Real» Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro, I-31, 30, iii, Apontamentos para a história da transladação.
Autores como Rocha Martins afirmam igualmente que o monarca na sua fuga se preocupou principalmente em recolher os
tesouros da Patriarcal: «Na noite de 25 de Novembro de 1807... o almoxarife geral Joaquim José de Azevedo... correu para as
Necessidades e tratou com o padre João Eloi do transporte dos bens da Patriarcal, as custódias, os cálices, cruzes, lampadários,
vestes prelatícias, vasos sacros, tocheiros e resplendores; as grandes riquezas amontoadas no serviço divino» Rocha Martins,
Episódios da guerra peninsular, vol. 1 cit. por Francisco Câncio O Paço da Ajuda, Lisboa, Imprensa Barreiro, 1955, pág. 190.
67
Paramentos riquíssimos bordados a ouro ou coroados de diamantes, esmeraldas e rubis faziam
igualmente parte dos seus tesouros314.

314
B.A., 51-XII-20, «Adittamento…».
68
Como nota curiosa assinale-se ainda a
existência de uma Biblioteca composta por
uma «colecção abundante dos melhores
autores litúrgicos em estampas e
manuscritos», «volumes de Teologia
dogmática e especulativa... de Direito
Canónico, História Eclesiástica e História
Genealógica» cujo «resguardo e conservação»
foi entregue a um bibliotecário escolhido para
o efeito315.
Escasseiam as imagens da Capela Real.
Este edifício é apenas visível no atrás
referido desenho da Real Barraca, feito por
um autor da época e apresentado por
Gustavo de Matos Sequeira316. Para além
daquele, restam somente um ou outro
depoimento escrito que se refere à
disposição de alguns dos seus espaços, à
decoração interior e às enormes riquezas
que possuía. Infelizmente e tal como refere
uma frase da época: «nam há expressam,
que manifeste a enorme differença, que vai
do lêr... ao vêr.... que differente coiza lêr-se
este papel, a vêr-se aquella Igreja, para
assim me explicar toda de oiro»317.

315
Idem, ibidem.
316
Ver nota 30.
317
Ignacio de Souza e Menezes, ob. cit., pág. 38.
69
A Capela Real possuía, como já referido, uma excelente orquestra: «Nunca ouvi, e talvez
nunca mais torne a ouvir música tão grandiosa e comovente...»318 assim diz Beckford o célebre
autor inglês que visitou Portugal.
Perto da Capela ficava o já referido Seminário da Patriarcal319, a principal escola de música
em Portugal durante todo o século XVIII320. Os músicos da orquestra da Real Câmara321 tinham
por obrigação tocar em qualquer função litúrgica em que fossem necessários incluindo as da
Capela Real «hanno l’obbligazione d’intervenire a cantare a tutte le Sacre Funzioni, che ivi
costumansi celebrare»322 é o que escreve no ano de 1788 D. Pasparo Mariani, músico bolonhês,
na altura em Portugal323. A actuação destes músicos regia-se por rígidas regras que deveriam
ser meticulosamente cumpridas. Entre elas algumas proibições como falar em voz alta, passear
ou andar em círculo, usar luvas no Inverno ou leque no Verão e aparecer com flores nas mãos
ou no peito324.

318
Diário de William Beckford em Portugal e Espanha cit. por Francisco Câncio O Paço da Ajuda, Lisboa, Imprensa Barreiro,
1955, pág. 160.
319
«A Quinta Nova foi adquirida por D. Lucas Giovine (mestre de música que fora da Rainha Dona Mariana Victória, ainda
quando Princesa do Brasil) e veio mais tarde a servir para instalação do Seminário da Patriarcal» Mário de Sampaio Ribeiro ,
Do sítio de Nossa Senhora ao actual largo da Ajuda in Anais das Bibliotecas, Museus e Arquivo Histórico Municipais, Outubro
a Dezembro, 1935, nº 18, pág. 159.
320
Em finais do século XVIII as aulas do seminário funcionavam no edifício que foi mais tarde o Asilo da Infância Desvalida,
por concessão de D. Fernando II em 1857: «Propriedade denominada do Seminário....uma caza onde eram as aulas; actualmente
o asylo de infancia desvalida» in A.P.N.A., 4.3.1.1.- Almoxarifado do palácio da Ajuda: apontamentos sobre as propriedades
rústicas pertencentes a este almoxarifado 1878.
321
Ver notas 255 e 275.
322
«Têm o dever de intervir a cantar em todas as solenidades religiosas que ali era costume celebrar»
323
B.A., 54-XI-37 (192), «Osservazioni correlative alla Reale e Patriarcal Capella di Lisbona falte da D. Pasparo Mariani
Bolognese per unici suo profitto, e commodo...» L’Anno di Nostra Salute 1788, pág. 36.
324
B.A., Documentos Avulsos, 54-XI-37 (192), «Constituições para governo do coro dos músicos da capela real e
patriarcal...» [s.l] [s.d.].
70
Para além das cerimónias litúrgicas celebraram-se na capela a maioria dos baptizados dos
príncipes325 e nela ocorreram também alguns casamentos da família real326 e mesmo de outros
membros da nobreza327.
Na noite de 10 de Novembro do ano de 1794 um fogo destruiu a quase totalidade da Real
Barraca. A capela escapou ao fogo por se ter cortado o «passadiço que communicava do palácio
para a igreja»328. A Patriarcal da Ajuda continuou até à terceira década do século XIX, altura
em que foi extinta, a ser local de celebração de numerosas cerimónias religiosas, contando
muitas delas com a assistência da família real portuguesa.
A estreita ligação da Capela Real da Ajuda à história portuguesa da segunda metade do
século XVIII e parte do século XIX é um facto inquestionável. A capela esteve presente em
alguns dos momentos mais significativos deste período: quando da ausência da família real no
Brasil, por ocasião dos primeiros movimentos de insurreição contra o poder central, «foi apeada
a cadeira e Docel do Patriarcha na Igreja Patriarchal por ordem das Cortes»329; quando da vinda
da família real do Brasil, um dos primeiros locais onde o monarca se dirigiu foi à Capela Real
e Patriarcal da Ajuda330; em 1833, pouco depois da entrada de D. Pedro IV em Lisboa,

325
Entre outros baptizados o do infante D. João no ano de 1767: «Domingo 24 do corrente vos achareis no Paço pelas duas
horas da tarde, para assistires com hua tocha ao Bautismo do Serenissimo Senhor Infante, Neto de S. Magde, que se ha de
celebrar na Capella Real de Nossa Senhora da Ajuda a 22 de Mayo de 1767. Como Mordomo-mor Conde de Oeyras .» (Aviso
original para o Marquês de Valença, D. Fernando de Portugal - col. do autor) in Ângelo Pereira, D. João VI príncipe e rei,
Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1953-1956, Vol. I, pág.13.
326
Jordão de Freitas na sua obra A capella real e a igreja patriarchal na Ajuda, Lisboa, Boletim da Real Associação dos
Architectos Civis e Archeologos Portugueses, 1909, pp. 7, 8 e 9, afirma que, até 1777, os baptizados e casamentos reais se
realizaram na capela paroquial da Ajuda. Tal não é o que transparece de alguns relatos da época. Na descrição da preparação
para o baptismo do príncipe D. José, em Agosto de 1761, referem-se espaços como a Capela do Santo Cristo ou a Capela do
Sacramento que não existiam na igreja paroquial da Ajuda, como se depreende desta afirmação feita, em Setembro de 1783,
por Herculano Henrique Garcia Galhardo, reitor da real paróquia de Nossa Senhora da Ajuda: «De uma Igreja que carece de
toda a elevação, sem abóbadas, sem capela, sem zimborio algum....» B.A., 51-V-11, Pro memoria do requerimento que ...
entreguei a S.M. ...D. Maria I. suplicando-lhe a construção do novo cemitério desta paróquia em 30 de Setembro de 1783,
Herculano Henrique Garcia Galhardo Pro memorias dos direitos desta paroquial Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, e de seus
reverendos párocos, Livro II, pág. 90.
327
Em 7 de Outubro de 1791 celebrou-se o casamento do 5º duque de Cadaval com a filha do duque de Luxemburgo na Real
Capela da Ajuda cf. Gazeta de Lisboa, nº 41, terça-feira, 11 de Outubro de 1791.
328
Segundo Suplemento à Gazeta de Lisboa, numero XLV, Sábado, 15 de Novembro de 1794
329
«Em 9 [?] de 182 [1?] no sabado ... antes de vesperas foi apeada a cadeira e Docel do Patriarcha na Igreja Patriarchal por
ordem das cortes» B.N., Reservados, cod. 8.604, Memórias de acontecimentos 1755-1840, pág. 36.
330
B.N., Reservados, cod. 8.604, Memórias de acontecimentos 1755-1840, pág. 69.
71
anunciando-se já a vitória do movimento liberal foi celebrada missa na Patriarcal da Ajuda por
ordem do monarca constitucional.
No entanto foi o regime constitucional que, meses depois, em 4 de Fevereiro de 1834,
determinou a extinção da igreja patriarcal331, uma entre as várias medidas tomadas para
enfraquecer o poder da igreja e, como no caso presente, abolir tudo o que pudesse ter qualquer
ligação com o antigo regime absolutista. Deixada ao abandono a Capela Real foi-se, pouco a
pouco, arruinando, acabando por ser mandada demolir em Agosto de 1843. A lembrá-la só
permanece hoje a Torre de Manuel Caetano de Sousa. Ver Imagem 10.
O poder da igreja nunca mais seria o mesmo. Nada ficaria da grandiosidade e intensa
religiosidade dos finais de setecentos, altura em que a influência da igreja era uma realidade
incontestável traduzida, por exemplo, nestas palavras do príncipe D. José com apenas nove anos
de idade, ao seu camareiro Breyner: «se eu não fosse herdeiro havia de ser clerigo» 332. E, no
entanto, a numerosa comunidade religiosa que pesava na sociedade portuguesa era, não obstante
algumas excepções, parasitária e com uma vivência caracterizada pelos maus costumes. A este
estado de coisas pretendera obviar o marquês de Pombal «Vi então que a sua ideia (de Pombal)
seria reformar a insuportável vaidade e luxo da patriarcal, a vida dissoluta dos padres e
totalmente irregular dos monges de todas as ordens, que me parece estar em estado de garantir
que em nenhuma parte são mais escandalosos...»333 .
O marquês não conseguiu, no entanto, grandes resultados. Com D. Maria I o peso das
comunidades religiosas era ainda, ou talvez mesmo mais do que anteriormente, nocivo para o
país: «D’innombrables communautés religieuses absorbent la plus grand part du revenu de la
nation. Sur deux millions et demi d’habitants on compte jusqu’à 220.000 religieux»334. Situação

331
Maria do Carmo Cortez, Alto da Ajuda in Dicionário da história de Lisboa, Direcção de Francisco Santana e Eduardo
Sucena, Lisboa, 1994, pp. 45 a 49.
332
«Assim o tenho dito a meu Pai e Mãe [...] Frade não, porque clerigo tem mais liberdade = que havia de ser clerigo a não ser
herdeiro me tinha Elle já dito» Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, Cód. CXXIX/1-17, Diário de Frei Manuel do
Cenáculo Vilas Boas.
333
Carta escrita pelo núncio Acciaiuoli, pouco depois do terramoto ao cardeal Valenti in Pe José de Castro, O cardeal nacional,
pág. 225, citado por Castel-Branco Chaves in Gorani, Portugal A corte e o País nos anos de 1765 a 1767, Lisboa, Lisóptima
Edições, 1989, pág. 286, notas finais.
334
«Numerosas comunidades religiosas absorvem a maior parte do rendimento da nação. Em dois milhões e meio de habitantes
contam-se quase 220.000 religiosos» Bombelles, ob. cit., pág.14.
72
que se coadunava com a vivência dos monarcas reinantes, eles próprios excessivamente
religiosos. Do ambiente religioso da corte de D. Maria I é dado um bom exemplo na seguinte
declaração feita por Julião Pereira, Gabriel Fernandes e Miguel de Araújo 335, certificando que
receberam o pagamento das suas rezas: «2 novenas que fizemos com a Princesa Nossa Senhora
pelos partos da Senhora Infanta D. Maria Clementina e da Senhora D. Maria Isabel336 que
contados todos os referidos dias a 8 homens, a rezam de 10 tostões por dia e cada um faz a
referida soma; e de como recebemos a dita quantia assinamos por todos»337.
Da exagerada influência da igreja se queixavam alguns portugueses, mais esclarecidos,
obrigados a refugiar-se no estrangeiro: «...provem da educação que temos Fradesca... na terra
onde se tem pello mayor serviço de Deos fazer hum convento, do que huma ponte, ou hum
caminho para atravessar hua serra...»338.
Reinava em Portugal uma «tirania eclesiástica» que havia criado os seus antecedentes em
reinados anteriores, nomeadamente com D. João V339. D. Maria I, apesar de bondosa e
inteligente, denotava uma profunda insegurança que a colocava à mercê de personagens
influentes que a rodeavam e que acabaram por ter sobre ela o mais completo domínio,
nomeadamente em assuntos da governação. Caso do seu confessor, o arcebispo de
Tessalónica340, personagem assim comentada por Beckford: «O Marquês de Pombal, de um
aldeão fez um cabo-de-esquadra, de um cabo-de-esquadra fez um frade, e assim por diante até

335
Em Nossa Senhora da Ajuda a 29 de Janeiro de 1777. Embora D. Maria I ainda não tivesse nesta altura assumido
formalmente o poder, estaria prestes a fazê-lo. Seu pai o rei D. José já se encontrava à data gravemente doente e completamente
desligado dos negócios da governação. Viria a falecer cerca de um mês depois.
336
Últimas filhas de D. Maria I falecidas ainda crianças. VER ÁRVORE GENEALÓGICA
337
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3102, Despesas de Janeiro de 1777.
338
Carta de António Ribeiro Sanches a Francisco de Pina e Mello, 16 de Setembro de 1760 in Moses Bensabat Amzalak, O
Economista José Joaquim Soares de Barros , Lisboa, Livraria Moraes, 1930, pág. 65.
339
Deste monarca diria Frederico II da Prússia.: «Ses plaisirs étaient des fonctions sacerdotales, ses batîments des couvents,
ses armées des moines et ses maîtresses des religieuses» citado por Manuel Carlos de Brito, Estudos de história da música em
Portugal, Lisboa, Editorial Estampa, Imprensa Universitária, 1989, nº 78, pág. 96.
«Teófilo Braga utilizou a expressão “ópera ao divino” para descrever a paixão deste monarca pela música de igreja e pelo
espectáculo religioso em geral» Idem, Ibidem, pág. 109.
340
«Frei Inácio de São Caetano (1719-1788), arcebispo titular de Tessalónica e confessor de D. Maria I. Filho de um pequeno
lavrador ou camponês, começou por se alistar no exército, mas depois trocou as fileiras pelo estudo, fazendo-se frade carmelita.
Em 1787 era também inquisidor -geral e passou a fazer parte do Gabinete em Agosto de 17[87], como ministro assistente ao
despacho» Diário de William Beckford em Portugal e Espanha.... Notas de Body Alexander, pág. 184, nota 156.
73
que lhe apeteceu nomear este homem confessor de sua Majestade, então princesa do Brasil. A
partir daí passou a ser arcebispo in partibus341, grande-inquisidor e a mola fundamental do
presente e errado governo do País»342. Não têm fundamento as críticas de Beckford. Frei Inácio
de São Caetano, arcebispo de Tessalónica, foi uma personagem de bom senso que teve uma
influência benéfica no espírito da rainha, conseguindo evitar os grandes distúrbios que se
previam a seguir à queda do marquês de Pombal.
As cartas da carmelita Madre Teresa de Jesus 343, outra personalidade com uma influência
preponderante junto da rainha, são amplamente esclarecedoras do espírito hesitante de D. Maria
I e do pouco ânimo que tinha em relação ao acto de governar. Madre Teresa aconselha-a com
frequência a livrar-se das «imaginações que tanto a afligem» e assegura-lhe que tem todos os
talentos para ser rainha344. Procura sossegá-la quanto ao seu medo de enlouquecer:
«...não ade emtontecer nem tem geito nem signaes diço, nem tambem tem falta de
memoria; não»; «...e já vejo q a memoria não tem perigo nem o discurço que esta
mto bom pª o exercitar no governo do Reino em q o S. C. [Sagrado Coração?] a
quer empregada, tontice não tem nenhua»345.
Apelando à religiosidade da rainha a madre exorta-a a abstrair-se de pensamentos negativos
e a pensar antes na Fundação que irá ser realizada:
« [mete?] mta pena q.se deiche levar de pensamtos tristes cem fundamento tomara
que os rebatece com o que deve ao S.C. [Sagrado Coração?] e com considerar aonde
deve ser a fundação eu peço qto poso e rezo todos os dias o Himno do Espirito
Santo por V. Mage e agora fico pedindo ao S.C. prenda a sua imaginação...»346.
O projecto da Fundação está aliás presente em várias cartas da religiosa. Insistência que vem a
dar os seus frutos pois D. Maria I viria a consagrar enormes somas à edificação do Convento

341
In partibus – Os titulares, de carácter meramente honorífico, que recebem o título de uma antiga diocese, hoje ocupada por
não cristãos [Neste caso o arcebispado de Tessalónica]
342
Diário de William Beckford... pág. 83
343
Ver nota 184.
344
B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-41 (203), Carta de Teresa [de Jesus futura prioresa do convento do Santíssimo Coração
de Jesus] para [D. Maria I] [ s.l.] [ s.d.].
345
B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-41 (214), Carta de Teresa [de Jesus…] para [D. Maria I.], [ s.l.] [ s.d.].
346
B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-41 (184), Carta de Teresa [de Jesus …] para [D. Maria I], [ s.l.] 22 Março ....
74
do Sagrado Coração de Jesus, hoje Basílica da Estrela 347. Viria a ser uma «obra de mas coste
que el Escorial» no dizer de observadores da época348.
As cartas de Madre Teresa são esclarecedoras do empenho que tinha na construção da futura
basílica:
«... a mim me lembrou mto falar-lhe na fundação e por essa razão estava desejando
que visse V.M. o convtº»349; «...ade ver a Fundação acabada e aproveitarce mto
della faça toda a [diligencia?] possível pª q se adiante pª o S.C. ser mto
glorificado»350.
D. Maria I haveria, de facto, de ver a Basílica da Estrela acabada no ano de 1790, mas já em
condições físicas e mentais muito debilitadas após o grande desgosto sofrido pelo
desaparecimento de quase todos os seus filhos e do seu confessor. Dois anos mais tarde seu
filho D. João acabaria por assumir formalmente a regência do reino.

A biblioteca

Por vontade do monarca D. José foi criada «junto do ... paço» uma «Bibliotheca351 de
Bellas Lettras» «para instrucção e recreio dos descendentes da Sua Real Dynastia» 352. A leitura
era um dos passatempos dos habitantes do paço de madeira. Ainda hoje a actual Biblioteca da
Ajuda possui catálogos de colecções de alguns membros da família real: caso de Carlota
Joaquina ou da princesa viúva Maria Francisca Benedita.

347
«Southey escreve com estranheza que a Rainha se apronta para despender um milhão de libras na Basílica da Estrela e no
Convento das Carmelitas Descalças, quando a Praça do Comércio estava ainda por concluir e a cidade – ao contrário das suas
congéneres europeias – não possuía iluminação ou esgotos» in Piedade Braga Santos,.... ob. cit., pág. 21.
348
Carta de Cornide a Don Joseph Ayllon, Lisboa y Henero 29 de 1799 in Fidelino de Figueiredoo, Viajantes espanhoes em
Portugal, Universidade de S. Paulo, Boletins da faculdade de filosofia, ciências e letras, LXXXIV, Letras, nº 3, 1947, pág. 47.
349
B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-41 (214), Carta de Teresa [de Jesus…] para [D. Maria I],[ s.l.] [ s.d.].
350
B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-41 (229), Carta de Teresa [de Jesus…] para [D. Maria I], [ s.l.] [ s.d.].
351
Na planta com o nº 23.
352
I.A.N./T.T., M.R., Maço 444, Cx. 555, Carta de Avelar Brotero a Filipe Ferreira de Araújo e Castro, Museu e Jardim
Botânico, 16 de Novembro de 1822.
75
76
Observando atentamente a planta verifica-se353 que, tal como a Capela, a Livraria foi
construída em pedra e não em madeira. Desconhece-se a data exacta da construção deste
edifício. Referências do ano de 1760 aludem já à existência de espaços designados como
«Livraria grande» e «Livraria pequena»354. Tal como outros recintos da Real Barraca a Livraria
era utilizada em diversas cerimónias ligadas à vivência da corte: «Por armar a Casa da Livraria
Pequena para servir de conselho de Estado toda de panos de Rás»; «Por armar a Casa da Livraria
grande para se paramentar Sua Eminência»355. Nela seria também celebrada a cerimónia do
Lava-pés realizada na Semana Santa: «Por armar a Casa Grande da Livraria para a função da
Mesa de Estado do Lavapés»356.
Formada de início com as obras salvas da Biblioteca Régia destruída pelo terramoto e os
livros da Casa do Infantado357, a Biblioteca da Ajuda foi pouco a pouco enriquecida com
volumes de outras proveniências. Por uma feliz circunstância escapou intacta ao fogo da noite
de 10 de Novembro de 1794. Foi provavelmente a destruição do passadiço 358 que, tal como
sucedia com a capela, fazia a ligação do edifício com o paço de madeira, que levou a que não
fosse consumida pelo fogo e conservasse o seu valioso acervo.
Mais tarde com a partida da família real para o Brasil, em 1807, fugindo às invasões
napoleónicas, a Livraria veio a perder grande parte do seu espólio: em 1810 cerca de 60.000
volumes sairiam do país indo formar o núcleo inicial da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro359. Parte deles seguiriam na fragata «Princeza Carlota» em viagem que seria realizada
em condições muito atribuladas, segundo as palavras de Luís Santos Marrocos, oficial da
biblioteca que acompanhou os livros ao seu destino: «...tudo aqui é húa desordem, pela falta de
prov.as em tudo: todas as cordas da Fragata estão podres...; todas as velas estão avariadas, de
sorte que se rasgão com qualq.r viração: a tripulação não presta; e em semelhante estado
ficaremos perdidos, se por nossa desgraça formos acometidos de algum temporal rijo. [...]

353
Pelo seu traçado carregado.
354
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3097, Despesas desde o ano de 1760 até 1761.
355
Idem, Ibidem.
356
Idem, Ibidem.
357
Francisco Guimarães da Cunha Leão, Guia da Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 1990.
358
Segundo Suplemento à Gazeta de Lisboa, numero XLV, Sábado, 15 de Novembro de 1794
359
Francisco Guimarães da Cunha Leão, Guia da Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 1990.
77
Finalmente para dizer tudo de uma vez, se eu soubera o estado em que existe a fragata Princeza
Carlota repugnava absolutamente de metter-me nella e a Livraria,e nisto m.mo fazia um grande
serviço a S.A.R.»360.
Com a construção do actual paço da Ajuda em local aproximadamente coincidente com o da
Real Barraca361 a antiga biblioteca do paço de madeira ficará ligada ao novo palácio por um
passadiço. Tal é o que se pode observar na planta datada de 1817, representada na Imagem 7
onde é assinalado com o nº 5 O passadiço.
O desaparecimento de grande parte do seu acervo levará a que a Biblioteca da Ajuda seja
considerada, em 1824, como «uma pequena livraria»362. Foi, naturalmente, para obviar a este
facto que D. João VI, por aviso de 5 de Novembro de 1825, determinou o envio à Biblioteca da
Ajuda de todas as obras duplicadas existentes na Real Biblioteca Pública. Também seu filho D.
Miguel se preocupou em enriquecer a Livraria da Ajuda determinando o envio à «Real
Biblioteca Particular» de um exemplar de todos os escritos impressos no Reino 363.
A grande instabilidade derivada das guerras internas que abalaram o país, na primeira metade
do século XIX, será extremamente prejudicial para a Biblioteca que ficará em «mísero estado».
São frequentes os pedidos de funcionários, de arranjos de estantes, de telhados, etc. 364.
No ano de 1831, reinando D. Miguel, projecta-se proteger o edifício da Livraria por meio
«de hum muro com altura suficiente para tornar a Real Biblioteca independente e livre de avulsa
e externa comunicação, havendo n’este muro de curta extensão huma porta para o serviço
particular da dita Real Biblioteca»
Anos mais tarde, em 1839, Alexandre Herculano é nomeado director da Biblioteca da Ajuda
vindo habitar um edifício que é hoje o Lar de Stª Isabel da Casa Pia de Lisboa situado em
posição fronteira à ala do palácio em que está instalada a actual Biblioteca da Ajuda.

360
B.A., 54-VI-12, Carta de Luís de Santos Marrocos para seu Pai, 12 de Abril de 1811 cit. por M.M.F., Biblioteca da Ajuda
- Esboço histórico in Biblioteca da Ajuda, Revista de divulgação, Lisboa, 1980, pág. 7.
361
Ver nota 3.
362
«Há uma pequena livraria na Ajuda q. está incumbida a Fran.co Joze dos Santos Marrocos...» I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R.,
Cx. 3751, 1824.
363
Por Alvará de 6 de Fevereiro de 1832.
364
Mariana A. Machado Santos, Alexandre Herculano e a Biblioteca da Ajuda, Coimbra, Separata de O Instituto, 1965, Vol.
CXXVII, pág . 6.
78
A grave crise política, ocasionada pelas lutas liberais e absolutistas, teve também o seu
reflexo nas variadas movimentações registadas na Livraria. Bibliotecas como as do duque da
Terceira, marqueses de Sampaio, condes de Linhares e de Óbidos e outras foram confiscadas
aos seus donos no período absolutista e posteriormente devolvidas no regime liberal 365. O
mesmo não sucederia, no entanto, com os milhares de volumes da Biblioteca do Convento das
Necessidades que, considerados propriedade régia 366, ingressaram na Livraria na sequência da
extinção das ordens religiosas e aí permaneceram até hoje. O mesmo sucedeu com muitos outros
volumes de proveniências várias.
Em meados do século XIX o padre Vicente Ferreira de Sousa Brandão, primeiro-oficial
bibliógrafo, faz a seguinte descrição da velha biblioteca da Real Barraca: «3 salas se achão
guarnecidas de Estantes, e varandas, ao gosto antigo sim, porem bem arranjadas, e bem pintadas
e invernisadas, e por isso decentes e aproveitaveis [...] seguem-se os Gabinetes igualmente
aproveitaveis pª Manuscritos, e Livros raros, mudando-se-lhes as janelas, q por m.to máo gosto
se fiserão de abrir pª fora». Em relação ao passadiço, Ver imagem 7 que unia a biblioteca ao
palácio, diz o mesmo padre: «He certo que a Livraria actual não tem entrada decente...: hum
estreito e sujo corredor, (de inverno sempre alagado) conduz à porta principal, aberta a qual,
huns poucos de degraos conduzem a hum pequeno patamar com o tecto sobre a cabeça de quem
entre na Livraria; e desta mesma dimensão he a porta principal, que dá entrada p.ª a 1ª Sala, que
he algum tanto escura e he a mais pequena das tres»367.
Com o andar do tempo tornar-se-ia cada vez mais complicado acomodar convenientemente
os livros na Livraria. As cerca de 20.000 obras da Biblioteca do Convento das Necessidades
seriam empilhadas, em completa desordem, em recintos que lhe estavam próximos como a Sala
dos Serenins e a Casa da Física, divisão concebida para o estudo dos príncipes, filhos do
monarca D. José. Aí permaneceram anos. Foram por fim acomodadas em estantes provisórias
nestes mesmos espaços e nas salas anexas à Sala dos Serenins. O «andar alto» da residência de

365
Idem, pág. 7.
366
Paulo J. S. Barata, Os livros e o liberalismo. Da livraria conventual à biblioteca pública, Lisboa, Biblioteca Nacional, 2003,
pág. 131.
367
I.A.N./T.T., A.H.M.F., Cx. 425, Doc. 252, Reflexões do Padre Vicente Ferreira de Sousa Brandão, Lisboa, 30 de Setembro
de 1857, cit. por Mariana A. Machado Santos, ob. cit., pág. 67.
79
Herculano serviu também para acomodação de parte destes volumes368. No ano de 1862 todos
estes recintos eram considerados parte integrante da biblioteca com excepção da residência de
Herculano. Ver Imagem 8.
A velha biblioteca seria descrita em 1876 como um «modesto edifício, que se torna notavel
tão somente pela ausência completa de estylo e de caracter architectonico, que não é na
realidade senão um grande armazem formado de quatro paredes rasgadas de algumas aberturas
para dar entrada, luz e ar...»369.
Eram cada vez mais insustentáveis as deficientes condições da Livraria e a exiguidade do
seu espaço disponível. Impunha-se, com urgência, uma mudança de instalações o que veio a
acontecer no ano de 1880, data em que é inaugurada a actual Biblioteca da Ajuda situada na ala
norte do palácio. Três anos antes havia sido destruído o passadiço que ligava o Paço da Ajuda
à antiga Livraria. Com o passadiço foram também demolidos o corredor que ficava contíguo e
«mais appendices arruinados», tendo em vista a desobstrução «de uma parte da fachada do lado
nascente do mesmo Palacio». Estes «apêndices arruinados» eram muito provavelmente as duas
salas anexas à Sala dos Serenins, antigas divisões do Conselho de Estado.
O edifício setecentista da Biblioteca perduraria até 1917, altura em que seria, também,
demolido370.

Outras divisões do paço

Na planta com o nº 41 situavam-se os aposentos da Camareira-Mor. Cabia à camareira-mor


o governo interno do paço estando-lhe sujeitas todas as damas e elementos femininos da corte.
Eram muito pretendidos os lugares de damas do paço pela importância de que se revestiam:
«casar com uma dama do paço era, muitas vezes, a forma mais fácil de arranjar os serviços dos

368
Mariana A. Machado Santos, ob. cit., pp. 18, 19, 20, 21 e 75.
369
Manuel Pinheiro Chagas, Diccionario popular, Lisboa, Lallemant Frères typ., 1876, 1º vol., pág. 286.
370
A.P.N.A., 10.3.1, Carta de [?  dirigida ao chefe de repartição da Direcção Geral da Fazenda Pública, Lisboa,
11.7.1941.
80
quais as casas careciam… [Este oficio era] um dos …mais selectos e mais procurados da
monarquia»371.
Mais prestigiante ainda era o cargo da Camareira-Mor cuja nomeação era «quase sempre
acompanhada pela elevação transitória no título em favor da senhora que o exercia»372. A
Camareira-Mor gozava de uma autoridade incontestável, respondendo unicamente perante a
rainha. No entanto, no dia-a-dia, a sua situação não era invejável como dá conta o marquês de
Bombelles «Nous avons été voir la grande maîtresse ; nous y avons appris qu’ils est impossible
d’être moins grande et moins maîtresse dans ce palais que l’est la personne revêtue de la dignité
de Camareira-Mor. La reine nomme jusqu’a ses filles de garde robe. Seulement lorsque cette
basse classe veut sortir, elle a besoin de la permission de la grande maîtresse et celle-ci, comme
la dernière açafata, est obligée de demander à Sa Magesté la permission de sortir du
palais…»373.
D. Ana de Lorena de Sá Almeida e Meneses (1691 – 1761) , duquesa de Abrantes, foi
camareira-mor374 da rainha D. Mariana Vitória de Bourbon, mulher do rei D. José. Sucedeu-
lhe no cargo D. Maria Caetana da Cunha 375. Esta última foi substituída, após a morte de D.
Mariana Vitória, por D. Constança Manuel (1719- 1791), marquesa de Tancos que passou a
exercer estas funções junto de D. Maria I. D. Maria Caetana da Cunha continuou, no entanto,
no paço376. Para evitar confusões com D. Constança Manuel documentos da época designam-
na, então, sem cerimónias, de «camareira mor velha» 377.

371
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro, ob. cit., pp. 533, 534.
372
Idem, Ibidem.
373
«Fomos ver a Camareira-Mor; ficámos a saber que é impossível a alguém neste palácio ser menos dona de si própria que a
Camareira-Mor. A rainha nomeia as suas próprias açafatas. Só que quando estas funcionárias de menor categoria querem sair
basta-lhes pedir autorização à Camareira-Mor e esta, tal como a última das açafatas, é obrigada a pedir a Sua Magestade licença
para sair do palácio», Bombelles, ob. cit, pág. 293.
374
Foi também aia de D. Maria I e de suas irmãs cf. Francisco António Martins Bastos, Breve resumo dos privilégios da
nobreza, Lisboa, na Imprensa Silviana, 1854, pág. 204.
375
Ângelo Pereira, As camareiras-mores das rainhas portuguesas, [sl.] [s.n.], 1941 [Lisboa: Tip. Augusto Duarte].
376
Almanach de Lisboa para o ano de 1782, Lisboa, na Typ. da Academia Real das Sciencias, pág. 104.
377
I.A.N./T.T., A.H.M.F, C.R., Cx. 3122, Despesas de Novembro de 1782.
81
Na planta com o nº 31 podem ver-se os aposentos de Pedro José, Porteiro da Câmara.
Referem-se a Pedro José da Silva Botelho 378, guarda-roupa de D. José e cavaleiro de Cristo.
Como porteiro da câmara transmitia as mensagens de quem pretendia falar ao monarca e
advertia os outros funcionários de como se processariam as suas actividades diárias 379. Estas
funções e as de guarda-roupa380 permitiam-lhe o acesso directo ao rei o que lhe conferia notória
influência. Para além disso foi ainda director dos teatros reais, cargo para o qual possuía natural
predisposição pois tinha, segundo fontes da época, «grande inteligência da arte scenica».
Assistia aos ensaios, «dava licença aos músicos e instrumentistas, e superintendia em tudo.
Contratos, informações, encomendas de partituras, tudo lhe passava pelas mãos...Botelho era
um potentado»381. Daí a forma «louvaminheira e subserviente» com que era tratado pelos
grandes fidalgos do reino em cartas a ele dirigidas 382.
De notar a divisão intitulada Estevão Pinto383. Refere-se a Estêvão Pinto de Morais
Sarmento384, guarda-jóias da casa real, posto que ocupou na década de 1760 e em parte da de
1770. Faleceu em 1776, sendo substituído por João António Pinto da Silva 385. Mesmo após o
falecimento de Estêvão Pinto os aposentos que ocupara mantiveram o seu nome. Cerca de vinte
anos mais tarde, em 1794 após o incêndio do paço, este espaço era ainda identificado como
«quarto chamado de Estêvão Pinto»386.
Quer o cargo de guarda-jóias, quer o de porteiro da câmara e de guarda-roupa eram lugares
de peso pela proximidade que tinham do poder central. Peso ainda acrescido no caso do guarda-
jóias, pois intervinha em todos os pagamentos feitos pela casa real.

378
Idem, Cx. 3100, Despesas de Agosto de 1770.
379
Bombelles, ob. cit., pág. 181.
380
Na planta com o nº 32.
381
Gustavo de Matos Sequeira, Teatro de outros tempos…, pág. 293.
382
Idem, ibidem, pág. 294.
383
Na planta com o nº 19.
384
Em Setembro de 1756 era oficial maior da Secretaria de Estado dos Negócios do Ultramar, e já se encarregava nesta altura
de alguns pagamentos feitos pela Casa Real I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3584, Despesas de Setembro de 1756.
385
I.A.N./T.T., Mordomia da Casa Real, Lvº 2, fls. 93V, 516V; Gustavo de Matos Sequeira, Teatro de outros tempos..., pág. 294.
386
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Lv. 3060, «Inventário de toda a Fazenda e Prata que existe em (...) 1794».
82
Na planta com o nº 27 encontra-se o Conselho de
Estado. Nele se encontrava um painel, pintado em pano,
representando o rei D. José «repartindo justiça aos seus
povos»387. De acordo com o conceituado autor Rafael
Bluteau (1638-1734), no Conselho de Estado reuniam-
se as maiores dignidades eclesiásticas e seculares para
tratarem «as cousas mais importantes do governo do
reyno»388. Esta afirmação datada do início de setecentos
já não correspondia à realidade da segunda metade do
século. Há muito que o Conselho de Estado perdera as
suas funções de «principal centro de decisão política».
Encontrava-se agora esvaziado de poder. As secretarias
de estado tinham-se tornado definitivamente os centros
do «governo»389.
As três divisões do Conselho de Estado e uma sala
anexa escaparam, tal como a Livraria e a Capela, ao
incêndio de 1794. Como já referido, delas ainda hoje se
conserva a Sala dos Serenins (antiga Sala da Música),
com a divisão anexa a nascente.
Veja-se agora o espaço ocupado pelos Camaristas390.
11 – William Beckford, 1781-1782
O camarista tinha por insígnia «huma chave doirada na
aba do bolso, a qual he da Camara Real, serve nella ao Rei e pessoas Reaes»391. Quer isto dizer
que «assistia na Camara do seu Senhor»392 e muitas vezes fora dela, a tudo o que se relacionava
com o seu quotidiano. Tarefa bem fastidiosa no entender de William Beckford que comenta a este
propósito: «Partindo do princípio de que Sua Majestade me daria a honra de me conceder uma

387
I.A.N./T.T., C.R., Repartição do Tesouro, Lv. 3076
388
Raphael Bluteau, Vocabulario portuguez e latino, Coimbra, no Collegio das Artes da Companhia de Jesu sic, Anno de
1712, pág. 473.
389
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro, ob. cit. pp. 514, 537.
390
Na planta com o nº 17.
391
Diccionario da lingua portugueza..., Padre D. Rafael Bluteau reformado e accrescentado por Antonio de Moraes e Silva,
Lisboa, na Officina de Simão Thadeo Ferreira, Anno 1789, tomo primeiro, pág. 220.
392
Raphael Bluteau, Vocabulario portuguez e latino... pág. 71.
83
chave dourada e um título pomposo, que mal eu me iria sentir escravizado pela prisão e a etiqueta
de uma sala de visitas! Daria um péssimo cortesão e acabaria por cair em completa desgraça no
dia em que me visse obrigado a acompanhar a Rainha numa das suas visitas a conventos ou a
ficar sentado a uma mesa de jogo»393 394. Ver Imagem 11
De facto as funções de camarista requeriam predisposição especial para lidar com algumas
situações complicadas. Como as que ocorriam, por exemplo, nos aposentos da infanta Carlota
Joaquina cujos acessos de mau génio atingiam principalmente os que lhes estavam mais
próximos: «Tambien ...Sabado estando comiendo com el Sr. Infante tomó um peaso de leguado,
y le tiró a una camarista, que la estava serviendo a la mesa» 395.
Era difícil lidar diariamente com o carácter da infanta. Os atrasos matinais eram outros dos
seus hábitos que desagradavam à rainha: «y ahora há mandado la Reina que todas las mañanas
venga una delas camaristas de su quarto para saber si se levanta, y en que gasta tanto tiempo»396.
Estas eram as ordens dadas por D. Maria I às camaristas da infanta D. Carlota Joaquina que
tinham a espinhosa missão de indagar a causa das demoras da infanta.
Não obstante as difíceis situações que por vezes se lhe deparavam, o camarista era uma figura
prestigiada. Com frequência era nomeado encarregado de educação dos príncipes e infantes397.
Como sucedeu por exemplo com Francisco Xavier de Meneses Breyner com residência no alto
da Calçada da Ajuda que foi camarista e encarregado de educação do príncipe D. José398.
À semelhança do que sucedia com os viadores os camaristas acompanhavam os membros da
família real nas diversas cerimónias da corte399.

393
Diário de William Beckford..., pág. 85.
394
Beckford não incorreria nesse perigo porque nunca chegou, sequer, a ser recebido pela rainha D. Maria I durante a sua
estadia em Portugal.
395
«...também.... no Sábado estando a comer com o Sr. Infante tomou um pedaço de linguado e o atirou a uma camarista, que
estava servindo à mesa...» B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-20(71), Cartas de Ana Miquelina, [s.l.]  1785.
396
«e agora mandou a rainha que todas as manhãs vá uma das camaristas do seu quarto para saber se se levanta, e em que gasta
tanto tempo» B.A., 54-IX-20 (97), Documentos Avulsos, Cartas de Ana Miquelina... [s.l.]  1785 - 11/09/1788.
397
«quasi sempre os Senhores Reis encarregaram a estas Personagens os camaristas seus filhos, para lhes servirem de Ayos»
Francisco António Martins Bastos, Breve resumo dos privilegios da nobreza, Lisboa, na Imprensa Silviana, 1854, pág. 25.
398
Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, Cód. CXXIX/1-17, Diário de Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, pág. 30v.
399
Cerimónia de lançamento da primeira pedra da Basílica da Estrela, Gazeta de Lisboa, segundo suplemento, nº XLIII,
sábado, 30 de Outubro 1779.
84
No nº 26 situavam-se os quartos dos Porteiros da Cana Varredores e Reposteiros. Fontes da
época informam das atribuições destes últimos: «armão as tapeçarias & põem a mesa & adornão
as Casa Reaes dos mais adereços; & a seu cargo està tambem mandar guardar as mesmas
armações»400. Figura indispensável nos cerimoniais da corte, o reposteiro aparece a cada passo
em relatos do tempo: «hum reposteiro lhe poz em sima do caixão huma cubertura de veludo
preto, e sobre ela huma almofada com huma Coroa»401; «lhe chegou um reposteiro uma cadeira
em que S.Eminência se sentou»402; «...dois Reposteiros no acto da função se acharão promptos
na Sacristia com agoa quente em quarta de prata e jarro dourado»403. Entre os seus encargos
contava-se ainda a liquidação de diversas despesas: «Ao Reposteiro Domingos Gonçalves para
pagar quatro roes de despezas pertencentes ao Quarto do Principe o Sr D. Jozé»404. Reposteiro
foi Pedro Alexandrino Nunes405, figura imprescindível nos constantes trabalhos de armar e
desarmar os diversos aposentos do paço. Reposteiro foi também Paulo Martins que morou perto
do paço, naquela que é hoje em dia conhecida por Travessa de Paulo Martins. Reposteiros e
varredores eram figuras de segunda categoria, não lhes sendo permitida qualquer familiaridade
com os seus amos: «A dignidade; a decencia e o costume das Cozas fazem necessario que as
conversações com o Princepe sejão reduzidas somente aos Gentis Homens da Camara, moços
do guarda Roupa que servem, e aos Ministros do Meo Concelho de Estado, sem que se possa
permitir que os Reposteiros, Varredores, ... ou quaesquer outras Pessoas destes...tenhão com o
mesmo Princepe a menor pratica» assim referem os rígidos regulamentos praticados nos
aposentos do príncipe D. José 406.
No nº 25 situava-se a Casa da Cera, substância indispensável na rotina diária e nas
celebrações religiosas em que ardiam uma quantidade prodigiosa de velas. Indispensável
também nos espectáculos de corte: na ópera «Faetonte», exibida em 7 de Junho de 1769,

400
Padre D. Raphael Bluteau, Vocabulario portuguez & latino, Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, 1720, Tomo VII, pág. 262.
401
Descrição do enterro de D. Mariana Vitória, Gazeta de Lisboa, n.º III, sexta-feira, 19 de Janeiro de 1781.
402
Cerimónia de imposição do barrete cardinalício no oratório do paço, Gazeta de Lisboa, n.º 34, terça-feira, 19 de Agosto
de 1788.
403
B. N., Reservados, C.0., Cx. 28, «Baptismo do Principe ... Agosto de 1761».
404
I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3151, Despesas de Dezembro de 1788.
405
Jordão de Freitas, A capella real..., pág. 625.
406
Copia da Instrucção e Ordens que Sua Magestade foi servido dar para se observarem no Quarto do Príncipe Nosso Senhor,
in Diario de Frei Manuel do Cenaculo, Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, Cód. CXXIX/1-17, pág. 232.
85
utilizaram-se 165 velas só «da cortina para dentro»407. A cera era ainda utilizada em ocasiões
menos rotineiras: como foi o caso quando se tornou necessária para uma máscara aplicada ao
príncipe D. José, quando do seu falecimento vítima de varíola. O príncipe tinha ficado com o
rosto totalmente deformado pela doença sendo preciso expô-lo «com o decoro devido». A
máscara foi feita por Machado de Castro coadjuvado pelos cirurgiões da câmara da corte. Um
deles era o já citado Domingos de Carvalho, morador na Calçada da Ajuda 408.
A Tapeçaria409, local de acondicionamento das numerosas armações410 e o Tesouro411 onde
estariam guardados os bens mais valiosos eram outros recintos da Real Barraca. Refira-se ainda,
com o nº 16, a Meza de estado destinada às refeições dos fidalgos: em diversas solenidades
armavam-se, nesta divisão, tapeçarias e cortinados para os fidalgos «fazerem mesa», como
sucedeu, por exemplo, quando dos festejos do aniversário do infante D. João no ano de 1783.
Na planta com o nº 53 pode ver-se o Jardim da Senhora. Como já referido, este deu
provavelmente lugar, na década de 1780412, ao Jardim Novo das Senhoras ainda hoje existente
a norte do Palácio da Ajuda e conhecido actualmente por Jardim das Damas. Tal como o nome
indica era destinado às senhoras da corte. Incluía lagos, fontes e cascatas e a água, que nele
corria em abundância, vinha de um nível superior e transitava do Jardim para o paço abarracado
e dali para jardins e hortas localizados em níveis inferiores. Um mirante donde se desfrutava
uma bela vista413, muros, balaustradas e canteiros de buxo faziam deste espaço um local
agradável que chegou a contar com uma gaiola ou jaula para animais 414.

407
Francisco Câncio, O Paço da Ajuda, Lisboa, Imprensa Barreiro, 1955, pág. 108.
408
Carta de Joaquim Machado de Castro aos redactores do Jornal de Coimbra, Lisboa, Casa da Esculptura das Obras Públicas,
31 de Outubro de 1812 in Jornal de Coimbra, Novembro de 1812, Num. XI, Lisboa, Na impressão Régia, anno de 1812,
pág.349.
409
Na planta com o nº 20.
410
«Armaçam - Toma-se genericamente por todo o tecido que se arma nas casas, para ornato dellas» Raphael Bluteau, Vocabulário
portuguez e latino... Coimbra, no Collegio das Artes da Companhia de Jesu [sic], Anno de 1712, Vol. I, A, pág. 497.
411
Na planta com o nº 24.
412
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3637, 3641, 3642, 3643 e 3644, Despesas do ano de 1784.
413
Ayres de Carvalho supõe que o mirante foi delineado pelo arquitecto Manuel Caetano de Sousa. Este viria a ser o primeiro
responsável pela construção do actual paço da Ajuda.
414
Informações prestadas pelo arquitecto Mário Fortes – Departamento de Obras – IPPAR.
86
Outros espaços

Os quartos dos membros da família real são outros dos espaços da planta. Funcionavam
como autênticas habitações independentes entre si415. Situavam-se maioritariamente na ala sul.
O termo quarto nada tem a ver com a designação actual. Por quarto entendia-se o espaço em
que se movimentava cada membro da família real e os que a serviam. Era formado por várias
divisões onde decorriam as diversas actividades do dia-a-dia: pintura, música, leitura, jogos e
outras, feitas muitas vezes em conjunto com familiares ou outros acompanhantes. Nos quartos
eram também servidas as refeições.
O quarto do monarca D. José, com o nº 3, é o maior do paço. Foi a ele que o rei recolheu
após ter sido vítima do atentado de que foi alvo em 3 de Setembro de 1758 e ter recebido os
primeiros socorros em casa do cirurgião da sua câmara, António Soares Brandão. A ida do rei
para casa do médico foi providencial e salvou-o de morte certa pois ao longo do percurso, que
era hábito o rei fazer de volta para o paço, haviam sido armadas sucessivas emboscadas416. A
sua carruagem foi atravessada a tiros de bacamarte. Permaneceu depois em exposição na
cocheira do paço de madeira417. Quanto ao rei teve a sorte de ser ferido sem gravidade no braço
e espádua do lado direito. Foi recuperando durante meses, no maior sigilo, sendo o acesso aos
seus aposentos vedado quase por completo, de acordo com ordens dadas pelo todo-poderoso
Sebastião José de Carvalho e Melo. Quase vinte anos depois seria este último que veria
impedida a entrada no quarto do rei quando este se encontrava já muito doente. Após o seu
falecimento o marquês foi, como já dito, sem demora afastado.
Com o nº 2 pode ver-se o quarto de D. Pedro, irmão do rei D. José. Encontrava-se nesta
época já casado com sua sobrinha a princesa D. Maria Francisca Isabel, futura D. Maria I.
Documentação mais tardia, já da época em que foi rei, regista no seu quarto divisões com nomes

415
O número de divisões varia consoante o prestígio e poder do seu ocupante: o monarca dispõe de 10 divisões (na planta com
o nº 3), enquanto seu irmão o infante D. Pedro apenas de 5 (na planta com o nº 2). Já a rainha D. Mariana Vitória habita em 5
divisões (na planta com o nº4).
416
Francisco Santana, Documentos do Cartório da Junta do Comércio respeitantes a Lisboa, Vol I, 1755-1804, Câmara
Municipal de Lisboa, 1976, pág. 88.
417
Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa, Lisboa Typhographia Universal, 1910,
Tomo XVI, pág. 378
87
originais como a Casa dos Vidros418, a Casa dos Relógios419 ou a Casa das Cómodas420. Dá
notícia também de uma Livraria e, facto raro para a época, de uma Casa de Banho421. Do mesmo
modo as tinas de banho dispersas pelos aposentos dos vários membros da família real, não eram
vulgares na época sendo um privilégio dos altos estratos sociais 422.
D. Pedro é visto como uma figura desinteressada das questões de estado. O jogo era ao que
parece uma das suas distracções. Nos seus aposentos no paço de madeira divertia-se com
partidas de cartas jogadas a dinheiro na companhia de familiares e outros. Entre estes últimos
contava-se o malogrado duque de Aveiro423, que afirmou na véspera de ser executado (pelo
alegado envolvimento no atentado contra D. José) dever ao infante D. Pedro 12.800 moedas de
jogo424. Outro dos recintos assinalados no paço de madeira é o Jogo da bola d’el rei (1783),
designação que sugere entreter-se o rei com este passatempo parecido com o actual bowling. O
nome de D. Pedro surge associado à construção do palácio de Queluz onde passava longas
temporadas.
Com o nº 4 assinale-se o quarto da rainha D. Mariana Vitória. Em finais de 1776, quando
do agravamento do estado de saúde de D. José, iniciaram-se alterações nos aposentos do paço.
Para D. Mariana Vitória, mulher do monarca doente foi preparada uma Sala de Despacho425. A
rainha iria, ainda que por pouco tempo, tomar posse do governo. Durante muitos anos figura de

418
I. A.N.T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3110, Despesas de Setembro de 1779.
419
Existiam numerosos relógios no paço de madeira muitos deles de proveniência francesa - I. A.N.T.T., A.H.M.F., C.R., Cx.
3110, Despesas de Setembro de 1779; Cx. 3113, Despesas de Outubro de 1779; Cx. 3124, Despesas de Março de 1783; Cx.
3129, Despesas de Novembro 1783;
420
I. A.N.T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3113, Despesas de Outubro de 1779; Cx. 3110, Despesas de Setembro de 1779.
421
Idem, Cx. 3113, Despesas de Outubro de 1779.
422
Maria Manuela Santana, A decoração do paço in Maria Isabel Braga Abecasis, Maria Manuela Santana – A Real Barraca
in IPPAR - Palácio da Ajuda - Museu «A Família Real na Ajuda», Lisboa, 2002 (trabalho policopiado), pág. 103.
De referir também a existência de equipamentos de higiene - as retretes em vários quartos de membros da família real . Objecto
de luxo de algumas elites «…a retrete é uma cadeira, com bacia metálica por baixo» Nuno Luís Madureira, Lisboa luxo e
distinção, 1750-1830, Lisboa, Editorial Fragmentos, 1990, pág. 48.
423
Exposição lúgubre da desastrada desumana e cruel morte de D. João Mascarenhas que foi duque de Aveiro e de outros
mais fidalgos…feita por hua testemunha ocular que se achou na Praça de Belém no dia da execução. I.A.N./T.T., Manuscrito
da Livraria 2661, pág. 11.
424
Luís de Bívar Guerra, ob. cit., pág. 272. As dívidas do duque estendiam-se também ao conde barão do Alvito a quem devia
100 moedas.
425
I. A.N.T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3101, Despesas de Dezembro de 1776.
88
segundo plano, D. Mariana Vitória iria, agora, ter uma preponderância há muito ambicionada.
Longe iam os tempos em que se queixava amargamente a seus pais, Filipe V e Isabel Farnésio
da rotina triste e enfadonha dos seus dias em Portugal: «on ne parle plus de me faire sortir dici
ni de me donner (permission de) me promener; j’ai des jours dune melancolie horrible; je vous
assure ma cher mere que cela me devient chaque jour plus insuportable [...] je prie Dieu qu’il
me donne pacience car je des jours ou je nen puis plus»426, situação que lhe deveria ser quase
intolerável e que a leva a colocar a hipótese de voltar ao seu país natal: «je vous prirois et a mon
cher Pere de me tirer dun si grand esclavage car je ne lui puit donner dautre nom» 427.
Com a morte de D. José ocorreram grandes obras no paço nas quais se aprontaram novos
aposentos para membros da família real: para D. Mariana Vitória foram concluídas instalações
distribuídas por dois pisos428. Quando viúva, a rainha-mãe D. Mariana Vitória manteria nos seus
aposentos uma Casa das Embaixatrizes429. Entre os espaços do seu quarto contam-se uma
Livraria e uma Casa das Gaiolas430, esta última reflectindo o seu gosto pelas aves.
O nº 5 na planta assinala o quarto da princesa D. Maria Francisca Isabel, mais tarde D. Maria
I. Junto àquele encontravam-se os aposentos de seus filhos, o príncipe D. José e o infante D.
João. Tal como sucedera no quarto de sua mãe, também o de D. Maria I foi alterado após a
morte de D. José, passando a constar de dois pisos. No seu quarto são assinalados espaços como
a Casa dos armários431 e, a partir do ano de 1785, a Casa dos retratos. Era também tradição no
paço de madeira os aposentos da rainha incluírem uma Casa das Embaixatrizes432.

426
«…já não se fala de me fazer sair daqui nem de me dar permissão para passear; tenho dias de uma melancolia horrível;
asseguro-vos minha querida mãe que isto se torna cada vez mais insuportável [...] peço a Deus que me dê paciência pois tenho
dias em que já não aguento mais» Carta escrita em 26/3/1743 in Cartas da rainha D. Mariana Vitória para sua família de
Espanha [...], (1721-1748) apresentadas e anotadas por Caetano Beirão Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1936,
pp.200-201 cit. por Maria Antónia Lopes, Mulheres espaço e sociabilidade, Lisboa, Livros Horizonte, Lda, 1989, pág. 62.
427
«…pedir-vos-ia e ao meu querido pai para me tirarem duma tão grande escravidão pois não posso dar-lhe outro nome»
Idem, Ibidem
428
I.A.N.T.T., A.H.M.F., C.R., Cx.3105, Despesas de Novembro de 1777.
429
Idem, Ibidem, Cx. 3115, Despesas de Setembro de 1780.
430
Idem, Ibidem, Cx. 3103, Despesas de Março de 1777.
431
Idem, Ibidem, Cx. 3115, Despesas de Outubro de 1780.
432
A propósito da Sala das Embaixatrizes diz o Marquês de Bombelles «Le cérémonial pour les ambassadrices ne diffère qu’en
ce qu’elles ne sont pas reçues par des introducteurs et qu’elles ne voient que les princesses. Leur audience se passe dans un
appartement beaucoup mieux décoré que celui où l’ambassadeur est admis; elles font comme lui trois révérences et des
harangues; ... Le 5 (Novembre 1786)» Bombelles, ob. cit., pág. 31.
89
O marquês de Bombelles, visita frequente do paço, foi por vezes recebido nos aposentos de
D. Maria I com quem mantinha uma relação de alguma proximidade. O marquês deixou no seu
diário alguns registos interessantes desses momentos com a rainha de quem deixou uma imagem
de pessoa inteligente, mas frágil e influenciada pelos que a rodeavam.
No nº 7 encontravam-se os aposentos do príncipe herdeiro D. José e seu irmão D. João. Aos
sete anos de idade, altura em que de acordo com os novos cânones da época se considerava dever
ter início a educação escolar da criança, D. José passou a ocupar novos aposentos. A partir daí
foi dada especial atenção às pessoas que o rodeavam, sendo rigorosamente restringido o acesso
ao seu quarto. - «a elle não subirão Pessoas algumas que não sejão Reaes de qualquer Estado, e
Condição que possão ser»433. Para além dos seus servidores nele só podiam entrar os ministros,
o confessor e o professor António Domingos do Passo. Abria-se uma excepção para o
cabeleireiro Carlos de Sousa que seria imediatamente despedido logo que terminasse o seu
trabalho. O príncipe recebeu uma educação exemplar para a época baseada em normas
escrupulosamente estabelecidas.
Do cuidado posto na educação do príncipe herdeiro dá-nos conta o Diário do seu confessor
e preceptor Frei Manuel do Cenáculo: acordaria cedo para poder «cumprir com as suas
obrigações de Christão, de Filho e de Princepe» e após a oração iria cumprimentar seus pais e
avós «pela porta de tranzito interior»434; sempre que tal se proporcionasse assistiria à missa com
sua mãe e logo após voltaria para o seu quarto «via recta, sem que nunca se perca de vista na
hida, e na volta, de sorte que seja divertido pr conversações que lhe tomem o tempo
desnecessariamte»435. Entre as normas de comportamento ensinadas é de realçar a afabilidade
que deveria ter com os seus vassalos.
A obediência era apontada como uma virtude a ter em conta e a teimosia como um defeito a
evitar. Os estudos deveriam ser ministrados de forma ponderada e equilibrada, fundamentando-

A «inexistência de canais próprios para a circulação da moda proporcionava uma intensa curiosidade pelas indumentárias das
mulheres dos embaixadores (especialmente do embaixador de França). Copiava-se disfarçadamente um modelo de vestido
chegado de Paris cf. Nuno Luís Madureira, Lisboa luxo e distinção,...pág. 96.
433
Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, CXXIX/1-17, Cópia da Instrucção, e Ordens que Sua Magestade foi servido
dar para se observarem no Quarto do Príncepe Nosso Senhor in Diário de Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, pág. 232.
434
Idem, Ibidem, pág. 232 v.
435
Idem, Ibidem.
90
-se a razão do ensino desta ou daquela matéria. A História mostraria por exemplo que «a
reputação pode m.to mais que os Exercitos para a conservação das Monarquias; e porque sem
ella não pode Princepe algum subsistir sobre o trono» 436. Seria assim demonstrado ao príncipe
«o zelo que deve ter do seo bom Nome»437.
Sublinhava-se a importância das ciências exactas e vantagens que traria o seu estudo. Entre
elas a Geometria, cujo conhecimento traria diversos benefícios: com ele podiam os príncipes
«discorrer, e obrar sobre Principios certos, e demonstrados ... conhecer, e reprovar os sophismas,
com q m.tos por hironya; por interesse proprio; e por falta de zelo intentão enganallos»438. A
ausência de noções de geometria deixara muitos monarcas e seus reinos na ruína, tal como o
infeliz rei D. Sebastião que levado à África pelos jesuítas lá deixara sepultado «com a sua Real
Pessoa a honra, a fama, o cabedal, e a liberdade destes Reinos, e seos dominios» 439. Após a
expulsão da Companhia de Jesus todas as ocasiões eram boas para se sublinhar «a sua pratica
sanguinaria mortifera e attentatoria contra a segurança dos soberanos»440.
À semelhança de Frei Manuel do Cenáculo, o italiano Miguel Franzini virá a ter também
marcada influência na educação do príncipe D. José inculcando-lhe uma vertente científica que
valorizava o ensino da mecânica e da física, sobretudo nas suas aplicações práticas. Deve-se a
Miguel Franzini a organização do Gabinete de Física perto do paço da Ajuda de que adiante se
falará.
Que o príncipe tirou proveito da sua esmerada educação, não restam quaisquer dúvidas. Era
notório o seu entusiasmo pelas ciências. Já adulto, são várias as referências feitas às máquinas e
ferramentas de vários ofícios idas para o quarto do príncipe 441: «as carinholas de artes e ofícios
que estão postas em duas peças piramidais que ficam no quarto do príncipe» 442. Outras alusões
revelam este interesse, algumas curiosas como a que refere o relógio «de medir os caminhos

436
Idem, Ibidem, pág. 236.
437
Idem, Ibidem.
438
Idem, Ibidem, pág. 236 v.
439
Idem, Ibidem.
440
Sentença do Parlamento de Pariz em virtude da qual as Escolas Publicas, e particulares foram prohibidas aos Padres
denominados da Companhia de Jesu […] Lisboa, na Officina de Antonio Rodrigues Galhardo, 1761.
441
I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3143, Despesas de Janeiro e Fevereiro de 1786.
442
Idem, Cx. 3121, Despesas de Julho de 1782.
91
concertado e acertado em uma sege por ordem do Príncipe Nosso Senhor», esta última relativa
a uma despesa feita por D. José com cerca de 21 anos de idade.
Os cuidados postos na educação do príncipe herdeiro vieram a dar os seus frutos: «q não
tendo eu com Sua A. g.de familliarid.e soo com hum par de dias q o tratey nas Caldas conheci o
amavel do seu genio e o agrado com q sabia tratar aos Seos vassalos ...»443 , refere o conde de
Lumiares em carta escrita a Frei Manuel do Cenáculo datada de 16 de Setembro de 1788, quando
lhe apresenta as condolências pela morte do príncipe ocorrida uns dias antes.
O falecimento do príncipe herdeiro, aos 28 anos deixou o país na mais completa
consternação: «e pode V.E. ter por certo qe não hà memoria de que huma morte em Portugal,
ferisse tão geralmente os coraçoens dos seus naturaes»444; «Il est incontestable combien la mort
du Prince Héréditaire a consterné tout ce pays...»445. D. José seria substituído, no trono, por
seu irmão D. João. O reinado deste monarca 446 ficaria lembrado como um dos períodos mais
conturbados da história de Portugal. As invasões francesas a ausência da corte no Brasil, as
lutas liberais e absolutistas mergulhariam o país numa grave crise interna. De carácter brando e
indeciso, D. João teria enormes dificuldades no exercício da governação. Acabaria por ser
assassinado, aos 59 anos, por envenenamento com uma elevadíssima dose de arsénico: «64 vezes
superior à necessária para matar uma pessoa»447 - tal foi o resultado das análises recentemente
efectuadas ao seu cadáver.
No quarto com o nº 6 estavam alojadas as irmãs da princesa D. Maria Francisca Isabel, futura
D. Maria I: Maria Francisca Benedita, Maria Ana Francisca Josefa e Maria Francisca Doroteia.
Esta última foi a primeira a desaparecer em 1771. As outras duas beneficiaram de uma vida

443
Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, Carta do Conde de Lumiares, Lisboa, 16 de Setembro de 1786 in Catálogo
da correspondência dirigida a Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, Évora, 1945, vol. II, pág. 37, doc. 1126.
444
B.A., 51-XII-11, Carta de Francisco Xer Stocqueler, pa o Duque d’Almodovar na corte de Madrid, Colares, 19 de Setembro
de 1788 in Cartas de Consules e Diplomatas estrangeiros em Lisboa, pág. 427.
445
«É incontestável quanto a morte do príncipe herdeiro consternou todo este país» B.A., 51-XII-11, Carta do cônsul da Rússia
para o conde d’Osterman, Lisboa, 23 de Setembro de 1788, in Cartas de Cônsules e Diplomatas estrangeiros em Lisboa, pág.
429 v.
446
D. João VI.
447
As vísceras do monarca foram analisadas através de exames laboratoriais feitos no Instituto Superior Técnico e de
investigações realizadas com o auxílio de um microscópio óptico e electrónico que concluíram do envenenamento por arsénico
in Arsénico utilizado para matar D. João VI, Jornal O Público, 2 de Junho de 2000.
92
bem mais longa. Maria Ana Francisca Josefa (1736-1813) viria a falecer no Brasil tal como sua
irmã D. Maria I (1734-1816) que lhe sobreviveu três anos. Maria Francisca Benedita faleceu
aos 83 anos, já não no Brasil mas em Lisboa no actual palácio da Ajuda. Maria Francisca
Benedita casou, como já dito, com seu sobrinho o príncipe herdeiro D. José, cerca de 15 anos
mais novo. Não deixou descendência. Após a morte prematura do príncipe, a princesa, na altura
com 42 anos, encerrou-se dias a fio nos seus aposentos no mais completo silêncio,
profundamente alheada dos que a visitavam. Só lentamente veio a recuperar, passando depois
a ter uma vida mais isolada e independente dos seus familiares. «Vivendo no mesmo paço era
estranha a todos os acontecimentos delle…»448.
Tal como suas irmãs D. Maria Ana e D. Maria Francisca Isabel ou como D. Carlota Joaquina,
mulher do príncipe D. João, mais tarde D. João VI, D. Maria Francisca Benedita tinha na
pintura um dos seus passatempos preferidos. O quarto que ocupou quando princesa incluía uma
Casa da pintura e também uma Livraria, tal como outros do paço. Ainda hoje se encontram no
museu do Palácio da Ajuda pinturas da autoria da princesa D. Maria Francisca Benedita 449 e da
infanta D. Carlota Joaquina450. Esta última teve por mestre o grande pintor Domingos António
de Sequeira451.

448
Elogio historico da princeza D. Maria Francisca Benedita escripto em Fevereiro de 1834, Paris: Chez Paul Renouard, 1836,
pág. 11.
449
Retracto a pastel representando seu sobrinho o príncipe da Beira D. Pedro de Alcântara, futuro D. Pedro IV - Nº Inv. 3859.
450
Óleo sobre tela representando uma figura de um velho - Nº Inv. 2930. Pintura feita por D. Carlota Joaquina, quando princesa
do Brasil.
451
Francisco António Martins Bastos, Breve resumo …. pág. 214.
93
Os espaços que a planta não refere
Para além dos recintos que se tem vindo a tratar, são dadas referências de muitos outros em
documentação da época. Todos eles ligados por um autêntico emaranhado de corredores:
«Corredor de dentro», «Corredor de fora», «Corredor que vai para o mirante», «Corredor da
Tribuna», «Corredor do quarto da rainha Nossa Senhora» e muitos outros452.
Alguns espaços dão conta dos trabalhos que ocorriam na Real Barraca: a Casa da Cal, a
Casa dos Pintores e a Casa das Ferramentas453 testemunham as permanentes obras que ali
tinham lugar. A Casa da Água454, divisão própria de habitações privilegiadas, demonstra que o
Paço da Ajuda, servido por nascentes situadas nas suas proximidades 455, não tinha problemas
com esse bem precioso, caro e pouco acessível ao vulgo comum456. A Casa onde se metem as
figuras do presépio457 lembra os elaboradíssimos presépios feitos no mês de Dezembro para os
vários membros da família real; a Casa dos Retratos referenciada, a partir de Junho de 1785458,
nos aposentos da rainha D. Maria I, lembra os vários retratos feitos, nessa época, para enviar
para Espanha, por ocasião do duplo casamento real459. E também outros, de diversos membros
da família real, feitos ao longo dos anos por pintores como José Trono, Hickey, Servang460,

452
Curiosamente no meio de tantos corredores surge a referência a uma «porta dos corredores» I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R.,
Cx. 3109, Despesas de Agosto de 1778. Poderá querer referir-se a uma «porta de tranzito interior» assinalada em documentos
da época, Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, Cód. CXXIX/1-17, Diário de Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas,
pág. 232 v.
453
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3133, Despesas de Agosto de 1784, Cx. 3131, Despesas de Fevereiro de 1784, Cx. 3110,
Despesas de Dezembro de 1778.
454
Idem, A.H.M.F., C.R., Cx. 3102, Despesas de Janeiro 1777.
455
«...duas nascentes situadas, uma na terra das Sardinheiras, pertencente ao Casal do Tojal, e outra nos caboucos do Palacio
novo da Ajuda. Sala da Comissão 16 de Agosto de 1847» I.A.N./T.T., A.H.M.F., C. R., Cx. 6464.
456
O privilégio da água, cf. Nuno Luís Madureira, Lisboa luxo e distinção, 1750-1830, Lisboa, Editorial Fragmentos, 1990,
pág. 36 e seguintes.
457
I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3133, Despesas de Julho de 1784.
458
Idem, Cx. 3139, Despesas de Junho de 1785.
459
Entre o infante D. João e a infanta D. Carlota Joaquina de Bourbon (1775-1830) e a infanta D. Mariana Vitória Josefa (1768-
1788), 3ª filha de D. Maria I e o infante D. Gabriel António Francisco Xavier de Bourbon , filho de Carlos III
460
Cyrillo Volkmar Machado, Colecção de memorias relativas às vidas dos pintores, e escultores, architetos, e gravadores
portugueses, e dos estrangeiros, que estiverão em Portugal, Lisboa, na Imp. de Victorino Rodrigues da Silva, 1823, pág. 131.
94
Domingos da Rosa, Carpineti, ou Pedro Alexandrino 461. Nesta Casa dos Retratos os príncipes
e infantes recebiam aulas de música e provavelmente de dança: «ella tem dado lisão com o João
de Souza462, e com o Pedro463 na forma do costume na caza dos retratos» informa o infante D.
João a sua irmã D. Mariana Vitória referindo-se às lições de sua futura mulher a infanta D.
Carlota Joaquina464; a Casa da Academia, espaço onde provavelmente ocorreriam sessões
musicais presume-se que foi, a determinada altura, substituída pela Casa da Música465 e mais
tarde pela Nova Casa da Música, hoje conhecida como Sala dos Serenins466. O Viveiro de Suas
Altezas, a Capoeira do Senhor Infante, ou o Pombal da Senhora Infantinha467 revelam o gosto
dos príncipes e infantes pelos animais patente, aliás, em variada documentação onde surgem
referências aos cãezinhos e pássaros de suas altezas468, ou aos periquitos do quarto do senhor
infante D. João e outras alusões do género. A Casa do Sineiro e a Torre dos Sinos469 470 lembram
a intensa religiosidade do tempo. A Casa do Café471 aprovisionava este produto colonial tão
consumido na época. No Jogo da Bola d’El-Rei472 o monarca e seus familiares divertiam-se
com este passatempo que, como já dito, apresentava certas semelhanças com o actual bowling.
Segundo fontes da época o jogo da bola jogava-se «derribando uns tantos paos com bolas de

461
Documentos relativos a ourivesaria -pintura arquitectura -tapeçaria coches, &c (II), Boletim da Academia Nacional de
Belas-Artes, Lisboa Imprensa Moderna, 1936, pp. 72 e 73.
462
João de Sousa Carvalho, professor de música.
463
Provavelmente Pedro Collona, professor de dança.
464
Paso de N.Srª da Ajuda, 20 de Junho 1785, Biblioteca Nacional de Madrid (Secção de Manuscritos), Assª 2590-91-92 in
Ângelo Pereira, ob. cit., pág. 46.
465
Na década de 1770.
466
As despesas da Real Barraca até inícios da década de 1770 referem-se apenas a uma Casa da Academia. Esta designação
desaparece na década de 1770 surgindo agora a da Casa da Música; mais tarde, no ano de 1784, surge a Nova Casa da Música,
actualmente conhecida como Sala dos Serenins.
467
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3109, Despesas de Agosto de 1778, Cx. 3118, Despesas de Abril de 1781, Cx. 3118,
Despesas de Maio de 1781.
468
Neste caso as infantas D. Maria Benedita, D. Maria Francisca Doroteia e D. Maria Ana, irmãs de D. Maria I.
469
I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3133, Despesas de Julho de 1784, Cx. 3126, Despesas de Maio de 1783.
470
Torre de madeira edificada ao lado da Real Capela.
471
I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3101, Despesas de Dezembro de 1776.
472
Idem, Cx. 3129, Despesas de Outubro de 1783.
95
madeira»473. Para além do jogo da bola surgem referências a outros divertimentos designados
como o jogo do cache ou o do truco do taco. É também mencionado um bilhar474. São várias as
encomendas de diversos apetrechos para jogos. Na Casa do Jogo475 os habitantes do paço
sofriam dessa febre de jogar tão característica dos finais do Antigo Regime. O loto476, o gamão
e as cartas eram alguns dos passatempos apreciados. Tal como noutras cortes europeias, o jogo
a dinheiro era frequente: «Tambem ha ido dos noches a
juar a los naipes al quarto delRey, La primera noche ganó
quatro duros y la segunda noche ganó ocho duros»477 diz
Ana Miquelina a Maria Luísa de Bourbon Parma ao
referir os jogos de cartas da infanta D. Carlota Joaquina.
As obras realizadas, no ano de 1777, permitem ainda
concluir da existência de uma Galeria no paço: «Reais
obras de um dos quartos da galeria do paço do sítio de
N. Sra da Ajuda »478.
Na planta pode observar-se a presença de numerosos
pátios: são os «Pátios lá de dentro»479 que aparecem por
diversas vezes em despesas da época. As Cozinhas são
assinaladas com os números 50 e 51. Os aposentos da
família real e de grande parte dos funcionários do paço
possuíam também uma cozinha própria: «Cozinha da
rainha», «Cozinha da camareira-mor», «Cozinha das

473
Diccionario da lingua portugueza ... Padre D. Rafael Bluteau, reformado e accrescentado por Antonio de Moraes Silva,
Tomo I, Lisboa, na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, pág. 187.
474
I. A.N./T.T., C.R., Repartição do tesouro, liv. 3076
475
I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3115, Despesas de Dezembro de 1780.
476
Bombelles refere que em 6 de Janeiro de 1787 ofereceu o seu jogo de loto à rainha D. Maria I sabendo que a soberana se
divertia com este passatempo e que gostaria de ter um para presentear uma infanta, cf. Bombelles, ob. cit., pág. 79. Presente
que, certamente, agradou muito à rainha, pois meses mais tarde, em Julho, Beckford refere que o marquês de Marialva é
obrigado «a organizar no Paço um interessante jogo de loto, todos os domingos e dias de festa», Beckford, ob. cit , pág. 79.
477
«Também foi duas noites jogar aos naipes ao quarto do Rei. A primeira noite ganhou quatro duros e a segunda noite ganhou
oito duros» B.A., Documentos Avulsos, 54-IX-20 (76), Cartas de Ana Miquelina [Ajuda?] [5-1785 / 25-5-1786].
478
I. A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3103, Despesas de Maio 1777.
479
Idem, Cx. 3132, Despesas de Abril de 1784; Cx. 3126, Despesas de Abril de 1783; Cx. 3127, Despesas de Agosto de 1783.
96
engomadeiras», «Cozinha da Maria Antonieta»480, etc. Note-se ainda a existência de diversos
mirantes para os monarcas e familiares: Mirante do senhor infante, Mirante do quarto da
Senhora Infanta, Mirante d’El-Rei481.
De mencionar igualmente a Casa da Óptica482 que parece tratar-se do Gabinete de Física
dos príncipes instalado, por vontade do rei D. José, «junto ao Paço da Ajuda... para instrucção
e recreio dos descendentes da sua Real Dynastia»483. Localizava-se em sítio anexo à Sala dos
Serenins. Gabinete bem arranjado e bem cuidado, segundo apreciação dos que o visitavam,
como por exemplo o marquês de Bombelles em 6 de Março de 1788484. Notícias deste mesmo
ano de 1788 dão conta da compra de alguns materiais para este gabinete: um barómetro, um
óculo inglês de punho, uma lanterna mágica e vistas pintadas em vidro para esta lanterna foram
algumas das aquisições realizadas485.
Tal como a Capela, Biblioteca e Sala dos Serenins, também o Gabinete de Física escapou
ao fogo de 1794. Não escapou, contudo, aos tumultos ocorridos, mais tarde, no início do século
XIX por ocasião das invasões francesas tendo desaparecido alguns dos bens nele existentes.
Deste facto dá conta João Diogo de Barros Leitão e Carvalhosa, 1º visconde de Santarém (1757-
1818), em Setembro de 1808: «No Gabinete Real de Physica que me estava encarregado, e se
achava estabelecido no Paço da Ajuda faltão dois Mappas Particulares, hum d’America
Setemptrional e outro da Meridional Portuguesa, em muito grande ponto unicos originaes, e
feitos por despeza da Caza, e de muito particular estimação de S.A.R. Os quaes forão entregues
por ordem do General Junot...»486. É talvez para obviar a estes incidentes que parte dos

480
Idem, Cx. 3109, Despesas de Agosto de 1778; Cx. 3131, Despesas de Fevereiro de 1784; Cx. 3129, Despesas de Outubro
de 1783.
481
Idem, Cx. 3107, Despesas de Fevereiro de 1777; Cx. 3113, Despesas de Novembro 1779; Cx. 3122, Despesas de Novembro
de 1782.
482
Idem, Cx. 3140, Despesas de Setembro de 1785.
483
Idem, M.R., Maço 444, Cx. 555, Carta de Avelar Brotero a Filipe Ferreira de Araújo e Castro, Museu e Jardim Botânico,
16 de Novembro de 1822.
484
Bombelles, ob. cit., pp. 271, 272.
485
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. Nº 37, Despesas do ano de 1788, Maço de Dezembro cit. em No 2º Centenário da morte
do Príncipe D. José (1761-1788) - exposição organizada pela Sociedade portuguesa de estudos do século XVIII, Lisboa, 1988,
pág. 60.
486
Documentos relativos a ourivesaria -pintura arquitectura -tapeçaria coches, &c (II), Boletim da Academia Nacional de
Belas-Artes, Lisboa Imprensa Moderna, 1936, pág. 53.
97
instrumentos do Gabinete de Física virão a ser transferidos para o Brasil, tal como tinha
sucedido com os volumes da Livraria 487.
Do que restou do Gabinete de Física dos príncipes estava encarregue, no ano de 1824,
Caetano Mateus Pinetti auxiliado por dois colaboradores488. Nesta altura funcionava, ao que
parece, de forma regular: «Antes de 1833 havia nas Salas contiguas a esta Livraria hum
Gabinete de Phisica regularmente organisado tanto no material como no pessoal». A partir deste
ano (1833) o Gabinete entrou em situação de decadência: «depois da dita epocha padeceu o
Gabinete hum desarranjo total, sendo removido daqui quase todo o trem de machinas e
instrumentos». Decadência que se viria a revelar irreversível: «os objectos do antigo Gabinete
se achavão totalmente extraviados». O Gabinete era agora «hum simulacro...huma cousa que
erradamente appelidão Gabinete de Phisica.»489.
Como já referido este recinto foi utilizado posteriormente, para acomodar os livros vindos
da Biblioteca das Necessidades.

487
O decreto de 29 de Outubro de 1810 alude à instalação dos instrumentos do Gabinete de Física e dos livros da Real Livraria
no Rio de Janeiro: «Havendo ordenado por Decreto de 27 de Junho do presente anno, que nas casas do Hospital da Ordem
Terceira do Carmo... se colocassem a minha Real Biblioteca e gabinete dos instrumentos de physica e mathematica, vindos
ultimamente de Lisboa...» cit. por M.M.F., Biblioteca da Ajuda - esboço histórico in Biblioteca da Ajuda revista de divulgação,
Lisboa, Instituto Português do Património Cultural, 1980, nº 1, pág. 15.
488
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3751, Despesas do ano de 1824.
489
Carta de Vicente Ferreira de Sousa Brandão, Encarregado da Organização do Real Gabinete de Phisica a D. Manoel de
Portugal e Castro, Vedor da Casa Real, Real Bibliotheca do Palacio da Ajuda, 30 de Agosto de 1842 cit. por Mariana Machado
Santos, Alexandre Herculano e a Biblioteca da Ajuda, Coimbra, Separata de O Instituto, vol. CXXVII, 1965, pp. 53 e 54.
98
99
O dia-a-dia

A numerosa documentação consultada muito revela sobre a vivência na Barraca Real. Notas,
correspondência, despesas deixam transparecer uma realidade com mais de dois séculos que
permite reconstituir a rotina diária dos monarcas e seus familiares: rotina comum a qualquer
época e qualquer lugar, como os frequentes arranjos de cadeiras muitas vezes deterioradas pelas
pegadas das crianças do paço - quer do príncipe herdeiro: «para estofar uma cadeirinha com
suas pegadas – da lição do Príncipe que Deus guarde – e já é a segunda vez renovado»; quer de
seus irmãos: «Por feitio de forrar, e estofar e cravar uma cadeira com pegadas para se pentear o
Senhor Infante D. João»490.
Revela também a forma de pensar da família real e seus acompanhantes: «Ayer noche fueron
a la Comedia... y parece que nó se divertiron, pues hicieron la Comedia de D. Ines de Castro»491
– os episódios marcantes da História portuguesa não se contavam entre os temas preferidos da
corte que tinha nítida inclinação para as obras mais ligeiras 492.
Mostra ainda aspectos da privacidade dos monarcas e seus familiares: a gaveta das jóias e
das flores da rainha D. Maria I; os «papeis de segredo de S. Magestade» em que só a rainha
mexia guardados na cómoda da sua câmara 493 e os toucados de suas altezas - complicados
penteados feitos em cadeirinhas rasas, são indícios desse quotidiano, normalmente sem
sobressaltos, no dizer de observadores da época.
A cerimónia do Lava-Pés, efectuada em dia de Quinta-feira Santa incluía-se na rotina
tradicional da Real Barraca. Consistia na lavagem dos pés a treze pobres feita, em separado,

490
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3096, Despesas de 1 de Maio de 1771 até último de Dezembro do mesmo ano.
491
«Ontem à noite foram à Comédia... e parece que não se divertiram, pois fizeram a Comédia de D. Inês de Castro» B.A.,
Documentos Avulsos, 54-IX-20 (79), Cartas de Ana Miquelina,... [s.l.] [s.d.].
492
Cf. Joseph Scherpereel, ob. cit., pág. 82....; José Sasportes, António Pinto Ribeiro, História da dança sínteses da cultura
portuguesa, Comissariado para a Europália 91-Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1991, pág. 28.
493
I.A.N./T.T., XX/Z/77 (14) «Espollio que receberão as Pessoas mencionadas em as Rellações que vão dentro, do q. Se
depozitou em Caza do Sr. Joao Antonio Pinto da Sª, na ocasião do Incendio do Paço da Ajuda em 10 de Novembro de 1794».
100
pelo rei e pela rainha. Para além de «hum esplendido jantar, [com] várias iguarias expostas em
meza magnífica»494, os pobres recebiam uma quantia em dinheiro 495. Eram muito desejados, na
época, os lugares do Lava-Pés: «na Real piedade de Vossa Majestade lhe suplica pela sagrada
paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, se digne dar à suplicante um dos lugares para o lava-pés
da presente semana Santa... vista a sua qualidade e grande pobreza» – é assim que Quitéria Rosa
de Saldanha Portugal suplica, em Abril de 1778 à rainha D. Maria I autorização para estar
presente entre os pobres do lava-pés, pedido que foi, aliás, recusado pois a rainha limitou-se a
conceder-lhe uma quantia de 10$800 réis em dinheiro 496. Mesmo em alturas difíceis para
Portugal a cerimónia do Lava-Pés não era esquecida: em Abril de 1756 497, uns meses após o
grande terramoto foi celebrada na presença da Corte vestida de negro, como era de tradição na
Semana Santa498.
O consumo do chocolate servido frequentemente nos aposentos da família real era outro dos
hábitos desse dia-a-dia. Considerado na altura como um alimento salutar e agradável o chocolate
era recomendado para casos de debilidade física e mesmo psicológica. De início olhado com
desconfiança pela igreja, esta depressa mudou de atitude quando o chocolate líquido começou a
ser oferecido, aos membros da comunidade eclesiástica, pelas assistentes das cerimónias
religiosas. Foi, assim, rapidamente estipulado: « Liquidum non frangit jejunium» 499 500.
Diversas actividades ocupavam os monarcas e seus familiares. Se o prazer da família real
pela caça é, hoje em dia, sobejamente conhecido 501, já o mesmo se não pode dizer da pesca,
outro dos seus passatempos preferidos: «O rei e a rainha passavam, por vezes, muitos dias
seguidos no Tejo, metidos num barco, para se entregarem a este singular género de
494
Padre João Baptista de Castro, Mappa de Portugal antigo e moderno, Tomo Terceiro, parte V, Lisboa, na Oficina Patriarcal
de Francisco Luiz Ameno, 1758, pág. 198.
495
Bombelles, ob. cit. pág. 125.
496
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3108, Despesas de Abril de 1778.
497
Gazeta de Lisboa, nº 15 – 113, quinta-feira, 15 de Abril de 1756.
498
Almanach de Lisboa para o ano de 1785, Lisboa, na Typ. da Academia Real das Sciencias.
499
«o líquido não infringe o jejum».
500
«Enfin, le révérend père Escobar, dont la métaphysique était aussi subtile que sa morale accommodante, déclara
formellement que le chocolat à l’eau ne rompait aucunement le jeûne, proclamant ainsi en faveur de ses belles pénitentes
l’ancien adage : Liquidum non frangit jejunium» Alexandre Dumas, Mon dictionnaire de cuisine, Paris, U.G.E. Poche, Éditions
10/18, 1998, pág. 240.
501
A rainha D. Mariana Vitória era considerada uma excelente caçadora, segundo testemunhos da época.
101
divertimento. Ali permaneciam quase sem comitiva e a rainha sem nenhuma dama. Era o rei
quem a servia e até, em caso de necessidade, quem a abotoava» 502 informa o conde de Saint-
Priest referindo-se ao monarca D. José e a sua mulher D. Mariana Vitória. Várias são as alusões,
na época, a este passatempo entre elas, esta de Ana Miquelina, ao referir uma pescaria da infanta
D. Carlota Joaquina e da rainha D. Maria I.: «alli acharon las redes y pescaron bastante»503.
Os banhos de mar do Estoril504 e de Caxias505 eram também uma forma de passar o tempo
numa época em que se considerava a hidroterapia «panaceia infalível para todos os males».
Tomados com frequência pelos membros da família real, entre eles o príncipe herdeiro D. José
e sua mulher D. Maria Francisca Benedita, cujos banhos, em Caxias, eram assistidos por um
verdadeiro séquito incluindo «dois patrões metidos na água»506. Seguidos com verdadeira
expectativa e ansiedade chegavam a ser acompanhados por cerimónias religiosas: «ao Padre
que disse as Missas [por ocasião] dos Banhos do Mar que em Caxias tomaram o Príncipe, e
Princesa, Nossos Senhores em Outubro de 1783 - 72$000 réis »507. Tudo leva a crer que eram
considerados remédio para a infertilidade do casal: do seu casamento, efectuado há mais de seis
anos, não havia ainda qualquer descendência; «Deus queira que aproveitem» diz D. Maria I a
Maria Josefa de Bourbon, em Maio de 1783, comentando estes banhos de mar 508. O mesmo
expressa a Gazeta de Lisboa de 18 de Julho de 1783 que, na expectativa de um feliz desfecho
para este «tratamento», faz os seus votos para que tal aconteça e incentiva outros a fazer o
mesmo: «a cujo bom sucesso devem dirigir-se os votos de todos os portugueses»509.

502
Conde de Saint-Priest, Uma missão diplomática, 1763-1766 in Portugal nos séculos XVII & XVIII Quatro testemunhos,
Apresentação, Tradução e Notas Castelo-Branco Chaves, Lisboa, Lisóptima Edições, 1989, pág. 156.
503
«Ali acharam as redes e pescaram bastante» B.A., Documentos Avulsos, 54-II-20 (111), Cartas de Ana Miquelina, s.l. [ s.d.].
504
José Pedro Gramosa, Sucessos de Portugal: memórias históricas políticas e civis em que se descrevem os mais importantes
sucessos ocorridos em Portugal desde 1742 até ao anno de 1804, Lisboa, Typ. do Diário da Manhã, 1882-1883, Tomo I, pág.
52.
505
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3129, Despesas de Outubro de 1783.
506
Idem, Ibidem.
507
Idem, Ibidem.
508
Carta de D. Maria I a sua prima a infanta Maria Josefa de Bourbon, Belém, 12 de Maio de 1783, Caetano Beirão D. Maria I....,
pág. 439.
509
A Gazeta de Lisboa, n.º XXVIII, sexta-feira, 18 de Julho de 1783.
102
A ligação ibérica

A guerra com a Espanha no início da década de 1760, foi um dos acontecimentos que
perturbaram a relativa calma do quotidiano da Real Barraca nesta segunda metade do século
XVIII. De curta duração e resumida a poucas escaramuças passou a ser conhecida pelo nome
original de guerra fantástica. Eram na altura muito estreitas as relações entre as duas nações
ibéricas e dificilmente poderiam ser alteradas. Isabel Farnesio não pactuaria com acções que
pudessem prejudicar sua filha, rainha de Portugal, a despeito do que pudessem pensar os seus
aliados. Ao general francês Duque de Crillon, a quem causara estranheza a mesquinhez da
campanha em Portugal, diria a rainha: «Então que mais
queria o duque? Que se retirasse o trono a minha
filha?»510. Após a morte de D. José, sua mulher D.
Mariana Vitória partiria para Espanha de visita a seu
irmão Carlos III. São várias as referências aos
preparativos para esta viagem, nomeadamente aos
presentes enviados para o país vizinho, entre eles uma
zebra vinda, provavelmente, do Pátio das Zebras, local
onde se acolhiam estes animais oriundos de Angola. A
recordá-lo ainda hoje existe a Travessa das Zebras,
perpendicular à Calçada da Ajuda
O duplo casamento entre as duas coroas, realizado no
ano de 1785, seria naturalmente consequência deste
estreitamento de relações com o país vizinho. Deste
viria D. Carlota Joaquina e para lá iria D. Mariana
Vitória casar com D. Gabriel, filho de Carlos III. Ficou
conhecido para a história o mau génio de D. Carlota
Joaquina e as tempestuosas relações que viria a ter com
seu marido, o monarca D. João VI
510
Boutatic, Correspondance secrète, cit. II, 195 cit. por J. Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal e a sua época, Lisboa,
Clássica Editora, 1990, pág. 201.
103
Já D. Mariana Vitória de melhor índole, manteria relações cordiais com D. Gabriel. É o que
deixa transparecer esta carta enviada, em Setembro de 1785, ao conde de Fernão Nunes 511: «La
que nos bino de allá, segue com poca diferencia como al principio, y en ciertos terminos la eallo
combeniente, pues segun nuestros modos de pensar, ..., y fuera outro el genio, puderia originar-
se mil desgustos... El esposo al parecer está contente...»512. Infelizmente este casamento pouco
duraria devido ao falecimento dos cônjuges, vitimados por varíola em Novembro de 1788. Seu
filho o infante D. Pedro Carlos de Bourbon e Bragança seria educado em Portugal para onde
viria, no ano de 1789, com apenas três anos de idade513.

A influência francesa

Um dos aspectos que marcaram profundamente o quotidiano da corte portuguesa, nesta


época, foi sem dúvida a influência francesa: «Toute la cour s’habille à la francaise» 514 afirma o
duc du Chatelet em 1778. A Europa da época era «uma Europa afrancesada»515: «Si le bon goût
... se trouve dans un endroit du monde, je sais et je conviens que c’est à Paris»516 assim afirma
Frederico II da Prússia em carta a Voltaire.
O traje francês era largamente copiado na corte. De França vinham as bonecas que ditavam
a moda. Em 1764 foram remetidas de Paris três caixas de bonecas, modelos da moda

511
Ver nota 217.
512
«A que nos veio de além, segue com pouca diferença como ao principio, e em certos termos a acho conveniente, pois
segundo os nossos modos de pensar...e fora outro o feitio, poderia originar mil desgostos...O esposo pelo que parece, está
contente...» B.A., Documentos avulsos, 54- II-20 (134), Carta de .... para o Conde de Fernão Nunes, seu sobrinho St.
Ildefonso 1785, Setembro, 29.
513
Sobre a vinda de D. Pedro Carlos para Portugal ver: Cartas autografas de D. Maria I para a família real espanhola in Caetano
Beirão D. Maria I.... pág. 442; A.N.T.T., M.N.E., Correspondência das legações estrangeiras, Espanha (1782-1785), Cx. 429,
Mç.1789, Ofícios do Conde de Sifuentes para Luís Pinto de Sousa Coutinho.
514
«Toda a corte se veste à francesa» Voyage du Duc du Chatelet en Portugal, a Paris, chez F. Buisson, 1801, second edition,
tome premier, pág. 105.
515
Piedade Braga Santos,...., ob. cit., Lisboa, Livros Horizonte, 1992, pág. 73.
516
«Se há lugar no mundo onde o bom gosto se encontra reconheço que é em Paris» Jochen Schlobach, L’image des princes
éclairés au 18e siècle in Sociedade Portuguesa de Estudos do Século XVIII, Congresso Internacional - Portugal no século XVIII
de D. João V à revolução francesa, Lisboa, Universitária Editora, 1991, pág. 35.
104
endereçados a D. Mariana Vitória, duas delas em trajes de caça, desporto preferido da rainha.
Uma outra usava ainda o tradicional panier517, acessório terrivelmente incómodo cuja roda
chegava a alcançar 3,60m518 e que irá desaparecer completamente com o findar do século519.
A remessa das bonecas modelo era um costume que já vinha de longa data, considerado de
tal forma importante que na própria Guerra da Sucessão de Espanha (1702-1714) foi acordado
pelos beligerantes, França e Inglaterra, deixar passar os mensageiros da moda: «A toilette da
mulher era uma questão política pela influência que exercia sobre o comércio e as
manufacturas»520. Em 23 de Dezembro de 1791 o embaixador português em Paris avisa Luís
Pinto de Sousa Coutinho, secretário de estado dos negócios da guerra, que o mau tempo em
Paris impedira de sair o navio que levava as bonecas 521.
De França vinham muitos dos bens entrados em Portugal nesta segunda metade do século
XVIII: vestuário, mobiliário ou outras aquisições, como as 400 garrafas de Chateau Margout,
da colheita de 1764, adquiridas em 1770 para uso do monarca D. José. De lá vinham também
professores como Jacques Le Beau, mestre de espada do príncipe D. José, ou Pedro Collona,
mestre de dança; ou ainda o vendedor Borde a quem a rainha adquiria cautelas; ou Pedro de
Lava com o «carrinho que anda por si para verem suas Magestades». À semelhança do teatro e
da música, estes passatempos eram também muito do agrado da corte: caso por exemplo das
habilidades com «bonecos de sombra» que a família real viu fazer em Setembro de 1780.

517
Sousa Viterbo, Curiosidades Históricas e Artísticas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1919, pág. 2.
518
Madeleine Delpierre, Se vêtir au XVIII siècle, Paris, Adam Biro, pág. 120.
519
Idem, pág. 35.
520
Idem, pág. 138
521
Latino Coelho História politica e militar de Portugal, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1885, pág. 370.
105
15 – Planta do distrito da Bateria do Bom Sucesso e sítio de Pedrouços levantada pelo coronel do Real
Corpo de Engenheiros Pedro Folque, Abril de 1816

106
«Havendo como há no Sitio da Ajuda, e Belém tantos Edificios da Coroa, e
do Estado, e muitos de Particulares; que a destruirem-se..., seria irreparavel a
sua perda, pela sua riqueza e custo, e pelos Monumentos, que ainda se contém
dentro de alguns delles,...»522

Assim falava Joaquim da Costa e Silva, inspector da obra do Paço da Ajuda no início do
século XIX. Estas palavras poderiam ser de agora. São numerosos os testemunhos da época em
que a corte trouxe uma nova animação àqueles locais. Qualquer um que por aí passeie
facilmente confirmará este facto.
Logo no Largo da Ajuda e suas proximidades verá algumas lembranças desses tempos idos.
No espaço ocupado actualmente pelo nº 2 do Largo da Ajuda encontrava-se a Igreja Paroquial,
antiga ermida que foi durante muitos anos local de culto a Nossa Senhora. A Igreja da Ajuda
«com o cemitério paroquial contíguo formava uma ilha sobre si...» 523.
Na área ocupada pela igreja está hoje uma casa com seu quintal onde foram encontradas
numerosas ossadas provenientes do cemitério ali existente524 que veio a ser substituído, no ano
de 1787525, pelo actual cemitério da Ajuda.

522
Demonstração do que o conselheiro Joaquim da Costa e Silva praticou, como inspector que foi da obra do Palácio da Ajuda
desde 17 de Janeiro de 1818, ate ao dia 9 de Abril de 1821, Lisboa, na Regia Typografia Silviana, 1821, pág. 17.
523
«.. limitada do poente pelo Largo da Ajuda, (portas nº 1 e 2) [actualmente só existe a porta nº 2] e Rua Augusto Gomes
Ferreira (antiga Rua de Carlos Príncipe) e contornada pela actual Travessa da Ajuda (antiga Travessa de Carlos Príncipe). O
prédio que nesse local se construiu e o seu jardim ocupam exactamente o mesmo terreno da paroquial e do cemitério» in Augusto
Vieira da Silva, Dispersos, Lisboa, Câmara Municipal, 1954, vol. I, pág. 258.
524
Segundo informações do anterior proprietário. Nesta casa está actualmente instalada a Associação de Protecção à Infância
da Ajuda (A.P.I.A.) Instituição Particular de Solidariedade Social.
525
«…se principiaram a abrir os seus alicerces [do cemitério] no Inverno do ano de 1786 [...] No fim do mês de Abril de 1787
se concluiu toda a obra do sobredito cemitério...» B.A., 51-V-11, Herculano Henrique Garcia Camilo Galhardo, Pro memória
dos direitos desta paroquial igreja de Nossa Senhora da Ajuda e de seus Reverendos Párocos, [s.d.].
107
A Torre do Relógio situada no Largo da Torre526, a norte do Largo da Ajuda, lembra o fausto
da Capela Real e Patriarcal que lhe esteve anexa, desaparecida no ano de 1843527; a nascente
do Largo o Pátio do Seabra deve o nome a José Seabra da Silva (1732-1813) ministro e
secretário de estado, caído em desgraça no tempo de Pombal e posteriormente reabilitado por
D. Maria I 528.
Bem perto do Pátio do Seabra, no nº 18 do Largo da Ajuda, fica o edifício do antigo
Seminário da Patriarcal, escola dos músicos da casa real, que tem agora uma função bem
diferente da primitiva, estando nela instalada uma associação para crianças deficientes
mentais529. Ver Imagem 16
Ali perto, com entrada pela Rua D. Vasco, encontram-se o Pátio e Quinta do Seminário530,
ainda hoje conhecidos por este nome. O edifício do antigo Seminário da Patriarcal confina a
leste com a Rua do Guarda-Jóias que termina no Largo da Ajuda. Esta e a Travessa com o
mesmo nome, situada nas imediações, referem-se ao funcionário do paço que aqui morou, João
António Pinto da Silva, frequentemente citado nos mais variados documentos de despesa da
casa real. Assumiu o cargo de Guarda-Jóias no ano de 1776531.
A poente da Rua do Guarda Jóias, terminando no lado sul do mesmo Largo, a Rua D. Vasco
evoca D. Vasco da Câmara (1705-1777), governador das armas do Alentejo 532, que aí residiu533.

526
Largo da Torre – Começa no Largo da Ajuda. Termina na Calçada do Mirante
527
Jordão de Freitas, A capella real e a igreja patriarchal na Ajuda, Lisboa, Boletim da Real Associação dos Architectos Civis
e Archeologos Portugueses, 1909, pág. 633.
528
«Ainda sob a regência de D. Mariana Vitória foi ordenado que imediatamente Seabra da Silva saísse do seu degredo. D.
Maria I, a 3 de Março de 1777 reiterava» as mesmas ordens, citado por Castel-Branco Chaves in Gorani , Portugal, a corte e o
país nos anos de 1765 a 1767, Lisboa, Lisóptima Edições, 1989, pág. 267, notas finais.
529
Hoje Associação Portuguesa dos Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental - Centro Bonny Stilwell
530
Pátio do Seminário Velho– situa-se na Rua D. Vasco.
531
I.A.N./T.T., Mordomia da Casa Real, Livro 2, Fls. 93V, 516V; Gustavo de Matos Sequeira, Teatro de outros tempos,
Elementos para a história do teatro português, Lisboa, Ottosográfica Ltd, 1933, pág. 294.
532
Felgueiras Gayo, Nobiliário de Armas de Portugal, Vols. VII-X, pág. 86; Genea-Portugal –‘
http://www.geneall.net/site/home.php; B.A., 51-XII-20, Compendio do codigo da Stª Igreja Patriarcal de Lisboa, Decreto,
Belas, Setembro de 1776.
533
Em 1766 a propriedade de D. Vasco da Câmara avaliada em 180 mil reis constava de «duas casas nobres...» A.H.T.C.,
Decima da cidade, Arruamentos, N.S. Ajuda, Maço 2, 1765 - 1766.
A D. Vasco da Câmara sucedeu seu filho D. Pedro da Câmara que foi estribeiro mor do Rei D. Pedro, Almanach de Lisboa
para o ano de 1782, Lisboa, na Typ. da Academia Real das Sciencias. Gazeta de Lisboa, 30 de Abril de 1785.
108
16 – Edifício do antigo seminário da Patriarcal

109
Nesta rua, no nº 73, encontra-se o Pátio das Damas534 em adiantado estado de degradação.
Foi assim designado porque as damas do paço, quando não estavam de serviço, residiam no
palácio aqui situado.
Nele viveu D. Ana de Lorena de Sá Almeida e Meneses 535 (1691 – 1761), duquesa de
Abrantes, camareira mor da rainha D. Mariana Vitória de Bourbon, mulher do rei D. José. Ver
imagem 2 a): com o nº 29 - Duquesa de Abrantes.
A filha de D. Ana de Lorena, D. Margarida de Melo e Lorena (1713-1780) casou em
segundas núpcias com D. João de Bragança, filho natural do infante D. Francisco, irmão de D.
João V536. Este palácio passou, na altura, a ser conhecido por palácio de D. João de Bragança537.
Situava-se por cima da quinta de D. Vasco da Câmara538. Refira-se, a título de curiosidade, que
no ano de 1803 foram arrendadas no Pátio das Damas, pelo primeiro pintor da corte, Domingos
António de Sequeira (1768-1837), umas casas destinadas a acolher a Academia de Pintura
durante as obras do novo Paço da Ajuda 539, que veio substituir a Real Barraca quando do
incêndio que a destruiu.
Em sítio um pouco mais distante, mas ainda nas redondezas do Largo da Ajuda, a norte do
Largo da Torre, verá o observador a Travessa do Armador540, cargo ao tempo desempenhado
por Pedro Alexandrino Nunes que executou para o paço numerosas tarefas de decoração. A
propriedade que habitou ficou conhecida por Quinta do Armador541.

534
Existe outro Pátio das Damas na mesma zona. Este fica no Palácio de Belém situado em posição lateral ao Pátio dos Bichos
localizado no mesmo palácio.
535
B. A., 51-III-18, Rol de Desobriga, Quaresma do ano de 1758.
536
João Carlos Feo Cardoso de Castello Branco e Torres, Resenha das famílias dos titulares de Portugal dos pares do reino e
dos fidalgos que tem exercício no paço. Lisboa, Livraria Central de J. M. Melchiades & Cª Editores, 1863, pág. 63. Frederico
Gavazzo Perry Vidal, Vista panorâmica de Lisboa datada de 1763 in Olisipo, Lisboa, Edição do Grupo «Amigos de Lisboa»,
Abril 1938, Ano I, nº 2, pág. 12.
537
Mais tarde foi designado por outros nomes: no início do século XX era chamado «palacete das damas» Disto dá conta um
ofício dirigido ao presidente da comissão executiva... Lisboa, 10.2.1915, proc. 646, inf. 38 da Polícia Municipal, Câmara
Municipal de Lisboa, Arquivo do Alto da Eira.
538
Mário de Sampaio Ribeiro, Mais toponímia, in O Comércio da Ajuda, 20 de Julho de 1935.
539
Luís Xavier da Costa, O ensino das Belas-Artes nas obras do Real Palácio da Ajuda (1802 a 1833). Lisboa, Academia
Nacional de Belas-Artes, 1936, pág. 21.
540
Travessa do Armador – Começa na Rua Prof. Cid dos Santos. Termina na Calçada do Mirante à Ajuda
541
Mais tarde, em duas casas, nºs 15 a 17, na Rua do Mirante do lado do Norte, viveu sua filha Sebastiana Leonel Alexandrina.
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 42, pág. 534.
110
Deixando agora o Largo da Ajuda encontrará a poente do actual palácio a Calçada da Ajuda,
que era na época «campo descoberto, porque não havia nele mais que umas barraquinhas muito
ordinárias»542. Ver imagem 2 a): com o nº26 - Calçada da Ajuda. Aí descobrirá numerosas
reminiscências dessa época setecentista. Anos após a instalação da corte no Alto da Ajuda ainda
era conhecida como Calçada Nova543.
Ao descer a calçada o observador verá, no seu lado poente, um pouco abaixo do actual
palácio, o Paço Velho antiga propriedade da casa real e actual sede do regimento de cavalaria
da Guarda Nacional Republicana. O Paço Velho situava-se na Quinta de Cima, que era, no
início do século XVIII, propriedade dos condes de Óbidos 544. Aqui estiveram aquarteladas em
época anterior ao terramoto, muito provavelmente nas primeiras décadas de setecentos, forças
inglesas comandadas por Earl545 Kivers546. No ano de 1727 a Quinta de Cima, foi como já
referido, adquirida por D. João V.
Ao ingressar no quartel da G.N.R. irá deparar, logo após a passagem da porta da guarda, com
o antigo Pátio das Cozinhas que tinha por perto as cozinhas principais da Real Barraca547.
Comparando imagens do início do século XX e de hoje em dia verifica que este espaço pouco
mudou.
O Pátio da Ópera era outro dos pátios do Paço Velho. Ao entrar neste edifício, mas desta
vez pelo lado oposto, isto é pela Calçada do Galvão a poente da Calçada da Ajuda, verá o recinto

542
Nesta época a «Calçada Direita da Ajuda era campo descoberto, porque não havia nele mais que umas barraquinhas muito
ordinárias» Manuscrito da época da autoria de J.M. [?] citado por Artur Pedro Gil, O processo dos Távoras, Lisboa, Discolivro,
1983, pág. 22.
543
B.A., 51-III-23, Róis de Desobriga Quaresma do ano de 1768; 51-III-27, Quaresma do ano de 1772, pág. 27 v.
544
O conde de Óbidos era meirinho mor (toca-lhe prender pessoas de estado e grandes fidalgos e senhores de terras. Nos actos
de cortes assiste com vara na mão esquerda e provê o lugar de meirinho da corte) António de Oliveira Freire, Descrição
corográfica do reino de Portugal. Lisboa, Na Officina de Bernardo Anton de Oliveira, 1755, pág. 87.
545
Earl – Título de nobre inglês situado entre o de marquês e o de visconde; correspondente ao título de conde na Europa
continental.
546
Segundo um mapa da zona de Belém feito por G. Lemprier datado de época anterior ao terramoto: «View from Belem...before
the Late earthquake». Museu da Cidade. Oferecido a George Prince of Wales gravado por Fourdrinier, publicado em 1756.
Tudo leva a crer ter sido produzido na primeira ou segunda década de setecentos. Várias das quintas nele assinaladas que vieram
mais tarde a ser adquiridas por D. João V, são aqui apontadas como ainda pertencentes aos anteriores proprietários: Correio-
Mor, Conde de S. Lourenço, Conde de Aveiras, etc.
547
B. A., Documentos Avulsos, 49-XI-27, José Manuel de Carvalho e Negreiros «Explicação do Mapa topográfico de todo
terreno unido pertencente à Coroa no sítio da Ajuda nº 73 - Entrada e pátios das cozinhas... ...29 de Maio de 1795».
111
do antigo Pátio da Ópera identificado por uma placa aí colocada. Ao contrário do Pátio das
Cozinhas, o Pátio da Ópera548 sofreu grandes transformações e só com esforço poderá imaginar
naquele sítio os espectáculos musicais tão apreciados na corte. Tinham lugar no antigo Teatro
Real da Ajuda que se situava do lado esquerdo, após o portão de acesso ao pátio 549. Um artigo
de Alfredo Gameiro intitulado A Ajuda de outros tempos, ajuda a perceber a anterior localização
deste teatro. Afirma o autor: «Convergentemente ao muro da Calçada do Galvão, existia um
outro muro em sentido oblíquo e ... paralelamente a este é que o Teatro foi construído, ficando
a sua frontaria logo à esquerda de quem transpunha o portão que ainda hoje dá acesso ao
pátio»550. Hoje em dia este espaço está ocupado por oficinas de viaturas militares.
Os espectadores eram trazidos por carruagens que, após deixarem os seus passageiros,
faziam inversão de marcha numa meia laranja situada no início da actual Rua Conselheiro
Martins de Carvalho551 localizada no cimo da Calçada do Galvão (lado poente), defronte ao
quartel. Esta meia laranja desapareceu com a construção dos prédios do alto do Restelo 552.
Embora se desconheça a data precisa da construção do Teatro da Ajuda, conhecido na época
como Casa da Ópera, sabe-se que foi edificado depois do terramoto de 1755 e que no ano de
1758 já aqui se encontrava553. Após a saída da família real da Ajuda, depois do incêndio do

548
B.A., «Explicação do Mapa Topográfico.... Nº 66 - Corredor descoberto e Pátios da Casa da Opera... ».
549
Defronte ao cemitério da Ajuda. Em 1786 o cemitério então em construção era referido como o «…cemitério que S. M.
Manda fazer fronteiro aos muros das Casas da Ópera deste sítio. Nossa Senhora da Ajuda em 30 de Junho de 1786» I.A.N./T.T.,
A.H.M.F., C.R., Cx. 3144, Despesas de Junho de 1786.
550
Alfredo Gameiro, A Ajuda de outros tempos in O Comércio da Ajuda, 17 de Dezembro de 1932, Ano II, nº 32.
551
Começa na Calçada do Galvão. Termina na Rua Tristão Vaz.
552
Conjunto de prédios localizado perto do actual Ministério da Defesa, Escola Paula Vicente e Parque Recreativo dos Moinhos
de Santana . Limitado pelas Rua Gonçalves Zarco, Avenida Ilha da Madeira, Rua Mem Rodrigues, Rua Tristão Vaz, Rua
Conselheiro Martins de Carvalho, Calçada do Galvão.
553
Embora vários autores afirmem que foi inaugurado em 1737, não foi encontrado qualquer documento que o comprove. De
concreto existem referências, anteriores ao terramoto a uma Caza da Comédia da Quinta de Cima da Ajuda. I.A.N./T.T.,
A.H.M.F., C.R., Cx. 3094, Despesas de Outubro de 1755. Pouco tempo depois do grande sismo (Dezembro de 1755, Janeiro
de 1756) surgem menções às obras «da Caza da Opera de Sua Mag.de» não identificando, contudo, onde estava situada esta
última. I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3095, Despesas de Janeiro de 1756. De assinalar, ainda, que o Rol dos Confessados,
relativo à Quaresma do ano de 1755 no Lugar de Nossa Senhora da Ajuda, em Belém não menciona qualquer área intitulada
como Casa da Ópera. B.A., 51-III-17, Rol de confessados, Quaresma do Ano de 1755. Contudo no Rol dos Confessados de
1758, residindo a família real na Ajuda, este nome já aparece quando surge a referência aos Trabalhadores que assistem em
Barracas por detrás do Muro da Quinta: “Trabalhadores que assistem em Barracas por detras do Muro da Quinta... Casa das
Ferramentas....No corredor.....Na Casa da opera”. Uma dessas barracas, onde assistia o trabalhador Manuel José de Azevedo,
é designada como a Casa da Ópera. B.A., 51-III-18, Rol de confessados, Quaresma do ano de 1758.
112
paço, deverá ter entrado em degradação. Em finais do século XIX, documentos assinalam-no
como estando em ruínas.
Deixando o edifício do Paço Velho e continuando a descer a Calçada da Ajuda verá o
observador, um pouco mais abaixo do seu lado esquerdo, nos nºs 234-238, o edifício da Junta
de Freguesia e o Pátio do Bonfim, antiga residência de Sebastião José de Carvalho e Melo, 1º
marquês de Pombal (1699-1782)554 555que aqui veio habitar após o terramoto556. Ver imagem 2
a): com o nº27 Conde de Oeiras . Ver imagem 17
Nela vivia com a sua família mais chegada 557, que incluía seus dois irmãos Francisco Xavier
de Mendonça (1700-1769) e Paulo de Carvalho e Mendonça (1702-1770).
Não se sabe o que teria sido de Lisboa, após o terramoto sem a mão de ferro de Sebastião
José de Carvalho e Melo que rapidamente assumiu o domínio de uma situação desgovernada e
criou as condições para a criação de uma nova capital. A ele se deve, também, a tentativa de
mudança de um país marcado pelo obscurantismo, nomeadamente através das alterações que
operou no sistema de ensino, entre elas a reforma do ensino universitário. Foram numerosas as
medidas que empreendeu procurando fomentar a indústria e comércio do Portugal de
setecentos. Teve sempre em vista o fortalecimento do estado português e a diminuição da sua
tradicional dependência em relação a Inglaterra. Em permanente oposição a uma nobreza
maioritariamente conservadora e ciosa dos seus privilégios, foi ele o responsável pelo cruel
castigo infligido aos alegados autores do atentado contra D. José. Quando da execução dos
elementos da nobreza, acusados da tentativa de regicídio, a residência do marquês foi reforçada
com uma forte guarda de infantaria 558. Foi também o responsável pela expulsão do território
português da Companhia de Jesus. Sebastião José de Carvalho e Melo foi quem de facto
governou o país nos vinte anos subsequentes ao terramoto.

554
A.H.T.C., Decima da cidade, Arruamentos, N.S. Ajuda, 1762-1763, DC 1 PRU, pág. 178. Mário de Sampaio Ribeiro, A
Calçada da Ajuda Lisboa, [Inácio Pereira da Rosa, imp.] 1940, pág. 46.
555
Pouco depois do terramoto, em 7 de Maio de 1756, Sebastião José de Carvalho e Melo é feito Secretário de Estado dos
Negócios do Reino. Nomeado conde de Oeiras, em Julho de 1759 e marquês de Pombal, em Setembro de 1769.
556
No entanto na Quaresma do ano de 1758 ainda não é assinalada na Calçada da Ajuda a residência do marquês de Pombal.
Há apenas referências à Secretaria da Guerra.
557
A.H.T.C., Décima da cidade, N.S. Ajuda, Arruamentos.
558
Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a história do município de Lisboa, Lisboa Typhographia Universal, 1910, Tomo
XVI, pág. 364.
113
17 - Antiga residência do marquês de Pombal

114
Dez anos depois do grande sismo em Dezembro de 1765, contando 66 anos, caiu gravemente
doente mas, para grande consternação dos seus inimigos, conseguiu recuperar.
E no entanto este poderoso homem estava inteiramente dependente da vontade do monarca
a quem servia. A cerimónia em que ia a despacho com o rei expressa bem essa dependência:
prostrado de joelhos em almofada de veludo, como de resto acontecia com qualquer ministro.
Cerimonial que devia ser seguido à risca: em Março de 1768 Carvalho e Melo não pode ir ao
paço trabalhar com el-rei por ter uma ferida na perna que não lhe consentia ajoelhar-se559.
Pombal tinha plena consciência da fragilidade da sua posição e sabia que se veria em sérias
dificuldades depois do desaparecimento de D. José. No ano de 1772, tentando precaver-se para
esta ocasião que se adivinhava próxima, pois a saúde do monarca tornava-se dia a dia mais
precária, nomeia para ministro assistente ao despacho o Cardeal da Cunha, D. João Cosme da
Cunha, personagem que o Marquês muito tinha favorecido e em quem julgava poder depositar
toda a sua confiança. Tais medidas de nada serviram pois a sua queda foi rápida e irremediável.
D. João Cosme da Cunha foi, aliás, um dos primeiros a afastá-lo quando da morte de D. José
em 1777: «Vossa Excelência aqui já não tem nada a fazer». Foram as palavras que lhe disse ao
afastá-lo da câmara do rei moribundo 560.
Perante a fúria dos populares e os desejos de vingança dos seus múltiplos inimigos, Sebastião
José de Carvalho e Melo foi forçado a retirar-se para Pombal onde passou os seus últimos dias.

559
Tal regra foi abolida em Julho de 1772, autorizando o rei que os ministros se sentassem em tamboretes quando com ele
despachavam in José Maria Latino Coelho, História política e militar de Portugal desde os fins do séc. XVIII até 1814, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1874, tomo I, pág. 122.
560
Ouçamos o que a este respeito diz Walpole [embaixador inglês] quando escreve a Earl de Rochford em 24.7. 1772 [carta
comentada por um observador inglês]: «His analysis of the portuguese cabinet members personalities and the steps taken by
Pombal such as the inclusion of Cardinal da Cunha to secure his position in the event of the king’s death, or at least « in letting
him down lightly and without disgrace». All the royal family save only the king dislike Pombal intensely.» Academia das
Ciências de Lisboa, Descriptive list of the state papers Portugal 1661-1780 in the Public Record Office London Vol. III (1759-
1780), published by Acad. Das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1983, pág. 106.
“Instrumento obediente de Pombal a quem servilmente obedecia e no qual o marquês depositava a sua inteira confiança o
Cardeal da Cunha foi por este facto amplamente recompensado por Pombal que o cumulou de cargos… Dele dizia Pombal:
«…um homem a quem sou dedicado extremamente pelos laços da estima, da veneração e da amizade» ” in Latino Coelho, ob.
cit., I, 218.
115
A propriedade do marquês na Ajuda englobava os jardins que lhe estavam anexos para sul.
Foi, no ano de 1766, avaliada em 400.000 reis, valor bastante elevado para a época que indica
ter tido dimensões consideráveis561, estendendo-se aos jardins que lhe estavam anexos para sul.
Neste local funcionaram as secretarias de estado562 e aqui viveu, após a queda de Pombal,
João Pedro Mariz563 guarda-roupa da rainha D. Maria I e mais tarde porteiro da câmara564.
Documentação do início do século XIX refere a utilização dada a este edifício no período
conturbado das invasões francesas «no tempo das nossas maiores desgraças as Casas da
Secretaria de Estado dos Negocios do Reino na Calçada da Ajuda» serviram de enfermaria aos
oficiais ingleses convalescentes. A citada documentação menciona as providências que foram
tomadas na altura para dar guarida a estes novos ocupantes: «foi necessario despejallas
precipitadamente mudando-se os Livros e os Papeis dellas para o Pateo das Vacas». Refere
ainda o estado em que ficaram as instalações após a saída dos ingleses: «Deixarao-nas
arruinadas»565. Mais tarde, segundo informa documentação datada de 1831, residiram aqui as
«damas do paço»566.
Continuando a descer a calçada o transeunte cruzará, em seguida, do seu lado esquerdo, com
a Rua da Bica do Marquês que evoca, ainda, o todo-poderoso ministro de D. José. Prosseguindo
o seu caminho irá verificar que a segunda transversal do lado poente, após a Rua da Bica do
Marquês é a Travessa de Paulo Martins. Refere-se ao reposteiro da Casa Real activo no tempo

561
A.H.T.C., Décima da cidade, arruamentos, freguesia da Ajuda, DC2 AR, 1766, nº 692. Notar que dezassete anos mais tarde,
no ano de 1783 «…a propriedade de S. Magestade que consta de Palacio dado ao Exmo. Marques de Marialva» era também
avaliada em 400 mil reis. Era a Quinta dos Marialvas, ou Quinta da Praia, situada onde é hoje o Centro Cultural de Belém que,
como se irá ver mais adiante, se estendia para norte e sul da Rua Bartolomeu Dias, no Bom Sucesso.
562
A Décima da Cidade do ano de 1770 menciona a habitação do conde de Oeiras e refere à margem: «Nesta Propried e se acha
a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino” in Francisco Santana A Lisboa de Pombal in Lisboa, Revista municipal, Ano
XLVI-2ª, série-nº13, 1985, pág. 6.
563
No ano de 1780 já aqui residia. Rol de confessados. Quaresma do ano de 1780. B.A. 51-III-34.
564
Notícia sobre incêndio na Real Barraca in Gazeta de Lisboa, segundo suplemento, nº XLV, sábado, 15 de Novembro de
1794.
565
Archivo Nacional da Republica dos Estados Unidos do Brasil, Cx. 670, Pac. 01, doc. 22, [assinado] Marquez de Borba,
Principal Souza, João Ant. Salter de Mª., Lisboa, no Palácio do Governo, 28 de Março de 1816.
566
Do actual Palácio da Ajuda. Informação datada de 1831. I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés,
Livro 429, pág. 109.
116
do príncipe herdeiro D. José (1761-1788)567, primogénito de D. Maria I. «A Paulo Martins de
compras que fez para a Guarda-Roupa do Príncipe Nosso Senhor [pagou-se] 302$00». Assim
menciona uma nota de despesa de Junho de 1785568. Embora os reposteiros fossem considerados
funcionários de segunda categoria, Paulo Martins não se encontrava propriamente em precárias
condições. As propriedades em que vivia na Calçada da Ajuda rendiam 144 mil réis no ano de
1763, o que era uma quantia razoável para a época569.
Logo abaixo da Travessa de Paulo Martins deparará, no lado nascente, com o antigo Quartel
de Infantaria do Conde de Lippe570, comandante das forças anglo - portuguesas no último ano
da guerra dos sete anos (1756-63). É hoje o Centro de Classificação e Selecção de Lisboa e
pertence ao Ministério da Defesa Nacional.
Pouco abaixo da porta do quartel verá, no lado poente da calçada, mais concretamente nos
nºs 33 a 37, um «conjunto algo degradado, com jardins ao abandono»571. Nele esteve, até há
uns anos, a Associação de Protecção à Infância da Ajuda. Actualmente encontra-se
desocupado. Aqui residia João Pedro Ludovice 572, filho do bem conhecido arquitecto Ludovici
figura de grande relevo do seu tempo ligada à construção do Convento de Mafra. As contas e
pagamentos de várias obras reais eram revistos por João Pedro Ludovice, formado em leis573.
A sua residência compunha-se de umas «casas com quintal em que estava acommodado», mercê
feita por D. José em 22 de Setembro de 1759574. Estendia-se para sul até à esquina da Calçada
da Ajuda com a actual Rua General João de Almeida. Nela morou mais tarde o secretário de
estado Martinho de Melo e Castro575: «Il habite à Belem assez près du palais une barraque fort

567
Ver nota 43.
568
I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3139, Despesas de Junho de 1785.
569
A.H.T.C, Décima da Cidade, Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda, 1762-1763, DC1 PRU, pág. 185 V.
570
Frederico-Guilherme, conde de Schaumburg-Lippe (1724 - 1777).
571
Carlos Consiglieri, Filomena Ribeiro, José Manuel Vargas, Marília Abel, Pelas freguesias de Lisboa, Lisboa Ocidental,
Câmara Municipal de Lisboa, Pelouro da Educação, 1996, pág. 114.
572
A este respeito diz Mário de Sampaio Ribeiro: «A casa de João Pedro Ludovice ...fica, na Calçada da Ajuda, à mão
esquerda de quem sobe, estende-se da esquina do Largo do Museu Agrícola Colonial hoje Rua General João de Almeida  até
defronte dos quartéis, in Mário de Sampaio Ribeiro, Do sítio do Restelo…pág. 296.
573
Ayres de Carvalho, Os três arquitectos da Ajuda, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1979, pág. 22.
574
Noticia acerca das aguas que abastecem os almoxarifados das reaes propriedades quer proprias quer nacionais no
usufructo da corôa, 1904, Lisboa, Typographia da «A Editora», 1905, pág. 31.
575
Ver nota 17.
117
logeable et bien meublée»576 diz o marquês de Bombelles referindo-se à residência de Martinho
de Melo e Castro. O trabalho deste último como enviado extraordinário e ministro
plenipotenciário em Londres foi francamente apreciado pela competência com que foi
executado577. Foi, a partir de 1770, secretário de estado da marinha e ultramar, cargo que
desempenhou com igual capacidade impulsionando o desenvolvimento da armada real e de
vários sectores da actividade marítima portuguesa. Após a queda do Marquês de Pombal foi a
qualidade do trabalho desempenhado que o segurou no seu lugar, pois mais ninguém estava à
altura de o realizar segundo rezam testemunhos da época578. As suas tendências laicas não eram
no entanto bem vistas na devota corte de D. Maria I 579.
Relatos do tempo comentam o conforto e decoração da sua propriedade e os bons momentos
passados nos jardins que possuíam bonitos caramanchões de jasmins cobertos de flores e uma
bela vista. Já em finais do século XVIII580 residiu nesta mesma morada o diplomata, cavaleiro
de Lebzeltern, que durante muitos anos exerceu as suas funções na corte portuguesa581.
Lebzeltern tinha três filhas do seu casamento com uma espanhola. Eram, ao que parece,
chamariz para os numerosos cavaleiros e oficiais franceses residentes em Lisboa nos finais de
setecentos o que leva a crer que esta residência tivesse, a dado momento, beneficiado de uma
certa animação.

B.A. Róis de Confessados. Na Quaresma do ano de 1772 Martinho de Melo e Castro é apontado como residente na Calçada
Nova.
576
«Ele habita em Belém, bastante perto do palácio, numa barraca muito confortável e bem mobilada» Marquês de Bombelles,
ob. cit., pág. 27.
577
Despacho de Walpole [embaixador inglês] ao governo inglês, em 21 de Julho de 1772 in Smith’s Memoirs, cit. por Latino
Coelho, ob. cit., tomo I, p. 200; Ofício de Clermont [d’Amboise, embaixador francês] ao governo francês em 13 de Junho de
1769 in Quadro Elementar cit. por Latino Coelho, ob. cit., tomo I, pág. 201.
578
Despacho de Walpole de 19 de Março de 1777 em Smith’s Memoirs cit. por José Maria Latino Coelho, ob. cit., Tomo I, pág.
208.
579
José Maria Latino Coelho, ob. cit., tomo I, pág. 197 e seguintes.
580
A.H.T.C., Décima da cidade, arruamentos, freguesia da Ajuda, anos de 1794, 1795, DC14 AR.
581
«M. de Lebzeltern Envoyé de la Cour de Vienne, quoique bien vieux soit un homme très instruit, mais il est abimé de dettes,
par conséquent en dépendance de la Cour, qui lui fait quelques avantages pour lesquelles elle attend des complaisances. Sa
femme est une espagnole intriguante et les trois filles attirent beaucoup de chevaliers et officiers français, dont il y a ici une
abondance» Ofício de Piotr Fiodorovitch Maltits, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário da Rússia em Lisboa para
Fiodor Vassilievitch Rostoptschin, presidente do colégio de estado dos negócios estrangeiros da Rússia, 1799, 1/12 Outubro,
Lisboa in Relações Diplomáticas Luso-Russas: colectânea documental conjunta: 1722-1815, Portugal - Ministério dos
Negócios Estrangeiros, Lisboa, Instituto Diplomático, 2004, pág. 495.
118
Esta propriedade permaneceu, no entanto, na posse da família Ludovice 582. Na terceira
década do século XIX ali vivia João José Ludovice da Gama 583. Plantas de meados do século
XIX indicam que nesta altura a propriedade era conhecida como a casa do Ludovice584.
Prosseguindo a sua descida irá o observador cruzar, no lado nascente, a Travessa do
Desembargador cargo desempenhado na época por João Rodrigues Vilar responsável por
numerosas obras da Casa Real, entre elas as do Picadeiro Régio em Belém que irá adiante ser
referido
Já na parte inicial da calçada surgem outros lugares ligados à vivência da corte portuguesa
de finais de setecentos: no lado esquerdo a Travessa das Zebras onde se situava o pátio do
mesmo nome. Nele se albergavam vários destes animais, vindos de Angola, oferecidos ao
monarca D. José. As zebras eram utilizadas nos atrelados das caleches reais: «J’ai ... de plaisir
à voir un attelage de zèbres qui trainent des calèches de la Reine; ils sont marqués très
régulièrement; ils sont grands et très bien faits»585 afirma o marquês de Bombelles em 22 de
Dezembro de 1786.
Mais abaixo, também à esquerda, a Rua do Embaixador, lembra o local de residência do
embaixador espanhol, conde de la Mazeda 586 que substituiu provavelmente o seu conterrâneo
com o mesmo cargo, D. Bernardo de Rocaberti 587, conde de Peralada, desaparecido nos
escombros do terramoto. A sua cuja casa estava situada no fim da rua, perto da «enfermaria dos
creados de Sua Magestade». O Beco da Enfermaria ainda hoje existe a assinalar o local onde
aquela funcionou588.
No início da calçada encontrará, à direita, o antigo Picadeiro Régio, hoje Museu Nacional
dos Coches, mandado construir no reinado de D. Maria I.

582
Até ao ano de 1799 a Décima indica que a propriedade é da família Ludovice.
583
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda. Tombo do Reguengo de Algés, Livro 429, pág. 9.
584
Planta do Real Palácio e Quinta de Belém levantada pelo capitão engenheiro José António de Abreu, 1845. Instituto
Português de Cartografia e do Cadastro.
585
«Dá-me prazer [...] ver uma parelha de zebras que puxam as carruagens da rainha; elas são listadas de forma muito regular,
são grandes e muito bem feitas» Bombelles, ob. cit., pág. 71.
586
B.A., 51-III-18, Rol de confessados, Quaresma do ano de 1758.
587
Cláudio da Conceição, Em que se dá notícia do terramoto do 1º de Novembro, Lisboa, Frenesi, 2005, pág. 29
588
Mário de Sampaio Ribeiro A Ajuda antiga, in O Comércio da Ajuda, 5 de Janeiro de 1935.
119
Belém
E assim chegará à Praça Afonso de Albuquerque onde se encontra o Palácio de Belém,
conhecido nessa época por Paço dos bichos porque nele estavam albergados animais vindos de
África. O Paço dos bichos estava situado na Quinta de Baixo, adquirida por D. João V ao conde
de Aveiras, João da Silva Telo de Meneses em 1726, em troca do padrão de juro da alfândega 589.
Constava a propriedade, segundo a escritura de venda, de dois prazos590 «confinantes
originalmente pertencentes ao vizinho mosteiro de Santa Maria de Belém da ordem de S.
Jerónimo» : um a sul denominado “prazo de baixo” que havia sido aforado por D. Manuel de
Portugal (c.1525-1606) comendador de Vimioso, em meados de quinhentos, aos frades
Jerónimos. Outro a norte, o “prazo de cima” adquirido no ano de 1674 por João da Silva Telo
de Meneses, 3º conde de Aveiras.
D. Manuel de Portugal e a sua família possuíram várias propriedades na zona de Belém. Ele
próprio era proprietário da Quinta da Praia591, local onde hoje se encontra o Centro Cultural
de Belém. Seu pai, D. Francisco de Portugal, 1º conde de Vimioso (c. 1485 – 1549), comprara
na primeira metade do século XVI uma propriedade localizada entre a actual Travessa das
Galinheiras592 e o Largo dos Jerónimos593. Por morte de D. Francisco as suas terras foram
herdadas pela filha D. Guiomar de Vilhena (c.1510 -?), meia-irmã de D. Manuel de Portugal.
A Quinta de Belém de D. Manuel de Portugal, na altura conhecida por Quinta do Outeiro,
veio mais tarde a ser objecto de litígio entre os vários descendentes da sua única filha Joana de

589
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro, O crepúsculo dos grandes, A casa e o património da aristocracia em Portugal (1750-1832),
2ª edição revista, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2003, pág. 397.
Padrão de Juro - Tença perpétua [pensão dada em remuneração de serviços] cobrada do Erário Régio, concedida por mercê do rei.
590
Prazo – Terra ou propriedade constituída em enfiteuse. Transferência de um senhorio para outrem do domínio útil através
de arrendamento anual (foro).
591
João B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso, Lisboa, Livros Horizonte, 1998, pág. 161,
citando Norberto de Araújo, Inventário de Lisboa, fascículo IV, Lisboa, 1946, pág. 25.
592
Começa na Rua de Belém. Termina na Travessa dos Ferreiros a Belém. Terceira transversal do lado norte à Rua de Belém
para quem se desloque da Praça Afonso de Albuquerque para ocidente.
593
Documentação coeva apresentada pelo autor Sampaio Ribeiro ajuda a localizar esta última quando informa estar em sítio
aproximadamente idêntico àquele em que o duque de Aveiro fundou mais tarde «o seu palácio», isto é a nascente do mosteiro,
mais precisamente entre a Travessa das Galinheiras e o Largo dos Jerónimos, depois expropriado devido ao alegado
envolvimento daquele no atentado contra o rei D. José. Sampaio Ribeiro, Do sítio do Restelo…, pág. 276.
120
Mendonça Corte Real (c. 1570 -?)594. A propriedade acabou por ficar nas mãos da filha mais
nova desta última, D. Maria de Portugal (c. 1600 -?) mulher de D. Álvaro Pires de Castro (c.
1590 -?), 6º conde de Monsanto. Anos mais tarde, através do casamento da primogénita do
casal, D. Joana Inês de Portugal (16 -?) com Luís da Silva Telo, 2º conde de Aveiras (c. 1620-
1672), a propriedade entrou na posse dos condes de Aveiras.
Para além dos dois prazos referidos, faziam parte desta propriedade 15 moradas de casas
pequenas localizadas a poente na Rua Direita de Belém (hoje Rua de Belém) e nas suas
imediações e outras casas595 «voltadas para a Ribeira dos Gafos»596. Incluía ainda o salgado597
e a praia que se estendia até ao Tejo.
Em finais do século XVII residiu por algum tempo nesta Quinta de Belém D. Catarina de
Bragança (1638-1705), mulher de Carlos II de Inglaterra, quando do seu regresso a Portugal,
alguns anos após o falecimento do marido (1685). Retirou-se depois para o Palácio da Bemposta
onde veio a falecer em 31 de Dezembro de 1705.
Em 1726 a Quinta de Baixo é, como já dito, adquirida por D. João V. A família real veio a
passar aqui muitos dos seus momentos de lazer, nomeadamente quando se dedicava à pesca,
praticada com verdadeiro entusiasmo pelos monarcas e seus familiares. A seguinte carta do
príncipe D. José para seu pai D. Pedro III598 refere uma pescaria à linha feita pela família real,
em Novembro de 1779, não no mar, mas nos tanques e lagos dos jardins da Quinta de Belém
que eram previamente preparados com lançamento de engodos599. Diz o príncipe: «... fomos a

594
Do casamento de sua filha Joana de Mendonça Corte Real (c. 1570 -?) com seu primo D. Nuno Alvares de Portugal (c. 1565 -?),
governador do reino surgiram vários descendentes que entraram em litígio pela posse da Quinta do Outeiro. Foi objecto de contenda
entre os filhos mais velhos, D. Luís (1603 -?) e D. António (1604 -?) de Portugal (após terem seguido a vida religiosa passaram a
chamar-se “fr. Luís da Cruz e fr. João de Portugal”) e o conde de Monsanto, marido da filha mais nova. I.A.N./T.T., Manuscritos da
Livraria 571 (4), Alegações de direito numa demanda sobre quinta…junto a Belém
595
“…localizadas na Rua Direita que corria defronte das «casas nobres» reconstruídas pelo conde D. João da Silva Telo…do
lado sul e …subindo a Travessa dos Ferreiros e ainda outras casas …voltadas para a ribeira dos Gafos” in Lina Maria Marrafa
de Oliveira, O palácio de Belém: origem, transformação e vivências até ao final do século XVIII in Portugal - Presidência da
República - Museu, coord. Diogo Gaspar, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Presidência da República, 2005.
596
Esta ribeira descia a encosta, paralela à Calçada da Ajuda no seu lado poente.
597
Salgado - Terra marginal do Tejo até onde chega o efeito das marés.
598
Ver nota 73.
599
Lina Maria Marrafa de Oliveira, Arquitectura dos séculos XVII e XVIII. Do Palácio de Belém in Portugal - Presidência da
República - Museu, coord. Diogo Gaspar, ob. cit., pág. 327.
121
Quinta de Baixo entramos polo Elevante pescamos eu nada Mª May ... ha Benedicta600 tirou
o mayor pexe e meus manos esses mais tirarão depois vimos os pasarilhhos e ...o jardim grande
nas cazas merendamos ... eu mais meus manos a Caza que tem os Globos e dai viemo-nos
embora»601.Ver imagem 2 a), com o nº23: Palácio e quinta de Belém.
A Praça Afonso de Albuquerque chamava-se na altura Real Praça de Belém e tinha uma área
muito menor que actualmente. Dava para um cais de pedra, em meia laranja, que havia sido
construído no ano de 1753. Ver imagem 2 a). O cais602 veio a desaparecer em finais do século
XIX com a construção do aterro entre Alcântara e a Torre de S. Vicente de Belém, feito pela
Companhia Real dos Caminhos-de-Ferro, quando dos trabalhos preparatórios da linha de
caminho-de-ferro entre o Cais do Sodré e Cascais. A Praça Afonso de Albuquerque, nessa altura
designada Praça D. Fernando603, foi então significativamente aumentada para sul.
A Praça de Belém foi palco de momentos inesquecíveis da história portuguesa da segunda
metade de setecentos, início de oitocentos. Cite-se por exemplo a execução dos nobres
alegadamente implicados no atentado ao monarca D. José. A expulsão dos jesuítas. Ou o embarque
da família real para o Brasil, em 27 de Novembro de 1807, quando das invasões napoleónicas.
Belém era na época um animado porto de entrada e saída de navios, uma zona de intenso
tráfego. Ao que parece o contrabando era aqui praticado com certo à vontade: «a facilidade dos
contrabandos depende muito mais dos guardas de Belém por serem as praias livres e distantes
da alfandega», assim diz um documento coevo604. No decorrer do século XVIII o porto de
Belém deparou-se por mais de uma vez com falta de guardas605, problema que procurou
solucionar com a inclusão de supranumerários.

600
D. Maria Francisca Benedita (1746-1829). Ver nota 62.
601
B.N., Reservados, C.O., cx. 28, Carta do príncipe D. José a seu pai o rei D. Pedro III, Belém, 18 de Novembro de 1779.
602
O cais começava naquele que é hoje o limite norte da actual estátua de Afonso de Albuquerque in João B. M Néu, Em volta
da Torre de Belém; Evolução da zona ocidental de Lisboa, Lisboa, Livros Horizonte, 1994, pág. 98.
603
Mudou o nome para Praça Afonso de Albuquerque em 5.11.1910 in Luís Pastor de Macedo, Lisboa de Lés-a-Lés cit. por
João B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém, Evolução da zona ocidental de Lisboa, pág. 98.
604
Francisco Santana Documentos do Cartório da Junta do Comércio respeitantes a Lisboa, 1755-1804, consulta de 11.8.1757,
Câmara Municipal de Lisboa, 1976, pág. 28.
605
Documentação do início do século XIX indica que a profissão de guarda era frequentemente exercida por antigos servidores
do paço «ordinariamente são criados de V.A R....a quem se costumam dar estes lugares». É o que refere uma consulta datada
de 1815. Francisco Santana Documentos do Cartório da Junta do Comércio respeitantes a Lisboa, vol. II, (1804-1833), Câmara
Municipal de Lisboa, 1978, pág. 116.
122
Os guardas eram indispensáveis nos mais diversos trabalhos de vigilância, nomeadamente
naqueles que se relacionavam com o cumprimento dos regulamentos de saúde a observar pelas
embarcações entradas no Tejo 606. Segundo os Róis de Confessados da época os homens do
escaler da saúde encontravam-se em Belém da parte do mar607, em local situado perto do Caes
de Belém. Na casa de despacho da saúde, localizada mais a ocidente, perto da Torre de Belém
e de que adiante se falará, eram examinados as pessoas e géneros entrados no reino, medida
indispensável para evitar a propagação de epidemias.
Belém tinha, para além de um médico e de um cirurgião, um meirinho e um escrivão da
provedoria da saúde608. A Décima da cidade assinala, no ano de 1766, a propriedade de
Francisco Xavier da Silva, escrivão da Saúde no lado sul da Rua Direita de Belém. Uma das
artérias da zona era, aliás, a Travessa do Guarda-Mor da Saúde609, que é actualmente a, já
referida, Travessa das Galinheiras.
O transeunte continuará agora a sua marcha deixando a Praça Afonso de Albuquerque e
ingressando na Rua de Belém localizada a poente da praça.
Encontrará, já no final da rua do lado norte, o Beco do Chão Salgado onde se encontra o
Pelourinho610 que assinala a tragédia do duque de Aveiro (1708-1759)611, e de outros dos seus
pares612. Aqui localizava-se o palácio do duque, mandado arrasar pelo Marquês de Pombal.

606
Francisco Santana, Documentos do Cartório da Junta do Comércio respeitantes a Lisboa, vol. I, 1755-1804, Câmara
Municipal de Lisboa, 1976, pág. 69.
607
B.A Quaresma do ano de 1768… pág. 91 v.; Quaresma do ano de 1772… pág. 80.
608
Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a história do município de Lisboa, Lisboa Typhographia Universal, 1910, Tomo
XVII, pág. 542
609
Refira-se ainda o importante papel desempenhado pelo guarda-mor e pelo provedor-mor da saúde principalmente em ocasiões
de epidemia. Deve-se ao provedor-mor da saúde a defesa de determinadas causas ligadas à higiene pública, nomeadamente o seu
empenho na construção de cemitérios fora da cidade e não nas igrejas como era uso na época. Eduardo Freire de Oliveira Elementos
para a história do município de Lisboa, Lisboa Typhographia Universal, 1910, Tomo XVII, pág. 300.
610
Na base do pelourinho encontra-se a seguinte inscrição: "AQUI FORAO AS CAZAS ARAZADAS E SALGADAS DE
JOSÉ MASCARENHAS, EXAUTORADO DAS HONRAS DE DUQUE DE AVEIRO E OUTRAS E CONDEMNADO
POR SENTENÇA PROFERIDA NA SUPREMA JUNTA DA INCONFIDENCIA EM 12 DE JANEIRO DE 1759
JUSTIÇADO COMO HUM DOS CHEFES DO BARBARO E EXECRANDO DESACATO QUE NA NOITE DE 3 DE
SETEMBRO DE 1758 SE HAVIA COMMULADO CONTRA A REAL E SAGRADA PESSOA DE EL REI NOSSO
SENHOR D. JOSÉ. NESTE TERRENO INFAME SE NÃO PODERA EDIFICAR EM TEMPO ALGUM".
611
D. José Mascarenhas da Silva e Lancastre, 5º marquês de Gouveia , 8º conde de Santa Cruz e 8º duque de Aveiro - Acusado
de ter participado no atentado contra o monarca D. José (3 de Setembro de 1758), foi condenado e executado no dia 13 de
Janeiro de 1759. A sentença condenatória extinguiu para sempre o ducado de Aveiro.
612
Ver nota 20.
123
A propriedade ocupava a área hoje compreendida entre a Travessa das Galinheiras e o Largo
dos Jerónimos613. Depois de arrasada, o terreno foi salgado a fim de que nem uma erva nele
pudesse voltar a crescer. No entanto, não eram passados muitos anos e já ali estavam instaladas
as barracas das galinheiras que exerciam o seu comércio na Praça de Belém. Foram elas que
deram o nome à travessa e também, provavelmente, à actual Travessa do Marta Pinto, antiga
Travessa do Matta Pintos614, segunda transversal do lado norte à Rua de Belém, vindo o
observador do palácio da Presidência da República no sentido do mosteiro dos Jerónimos.
No final da Rua de Belém situa-se o Largo dos Jerónimos (praça, a nascente do mosteiro,
onde os eléctricos, até há uns anos atrás, invertiam a sua marcha). A norte deste último fica a
Calçada do Galvão615. Pelas suas imediações tentaram escapar os responsáveis pelo atentado
ao rei ocorrido na noite de 3 de Setembro de 1758 616. Este acto ocorreu em local onde se
encontra hoje a Igreja da Memória situada no Largo com o mesmo nome617.
À semelhança do que acontece em tantos outros lugares desta área, que aludem a personagens
da época, a designação Calçada do Galvão 618 refere-se a António José Galvão funcionário oficial
maior da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra do tempo de D. José I. Coube
a António José Galvão a inclusão no real serviço de grande parte dos bens do duque de Aveiro 619
quando estes foram inventariados e sequestrados. Habitou neste local designado, na altura, por
Alcolena. No ano de 1758 foram-lhe dados de foro dois pedaços de terra 620. A sua residência estava
situada no espaço compreendido entre os actuais números 23 e 27. Ver Imagem 18.

613
Mário de Sampaio Ribeiro, Do Sítio do Restelo …pág. 282 e seguintes.
614
Itinerário Lisbonense, 1804, Lisboa, Imprensa Régia, pág. 79.
615
Calçada do Galvão – Começa no Largo dos Jerónimos e termina no Largo do Cemitério da Ajuda.
616
Declaração do duque de Aveiro in O Processo dos Távoras cit. por Jordão de Freitas , «Real quinta do meio em Belém» in
Voz de Belém, 6 de Maio de 1935, Lisboa, Tip. Costa Sanches, Ano 1º, nº 20, pág. 3.
617
Largo da Memória - Começa na Travessa da Memória. Termina na Calçada do Galvão
618
No Rol dos confessados do ano de 1785 surge já a designação Calçada do Galvão, B.A., 51-III-39.
619
Entre eles as peças de prata da famosa Baixela Germain. Luís de Bívar Guerra, Inventário e sequestro da casa de Aveiro em
1759, Edições do Arquivo do Tribunal de Contas, Lisboa, 1952, pág. 40
620
I.A.N./T.T., Índice da Chancelaria de D. José. Doações, ofícios, mercês, privilégios (Próprios), vol. 139, pág. 203.
Quaresma do ano de 1758…, p. 140 V.
124
18 – Casa do Galvão

125
No ano de 1781 ainda aqui habitava, sendo na altura já considerado «um homem velho» pela
Décima621 desse ano622.
Outros lugares da zona lembram, ainda que de forma menos directa, os acontecimentos dessa
noite em que o rei escapou ao atentado de que foi alvo. A Estrada de Pedro Teixeira623, no Alto
da Ajuda, alude ao fiel criado de D. José que o acompanhava na altura. Acompanhante do
monarca nas suas sortidas, Pedro José beneficiava de um estatuto privilegiado. Mesmo antes do
atentado já tinha sido nomeado, por Alvará, Sargento-mor dos Privilegiados da Corte624, tendo
recebido várias mercês entre elas a de Cavaleiro da Ordem de Cristo, em 1751. Ao que parece
tais benesses e tal protecção, tornaram este «confidente do rei» uma personagem enfatuada e
pouco simpática, havendo até quem afirme que o atentado teria sido concebido pelo duque de
Aveiro e dirigido contra a sua pessoa e não contra o monarca 625. Após esta ocorrência manteve,
se não mesmo reforçou, o estatuto de privilegiado, continuando a ser alvo de mercês e doações.
Entre elas contaram-se várias terras no reguengo de Algés, das quais ficou isento de pagar o
quarto626, por mercê de D. José I feita por decretos dos anos de 1765 e 1769, mercê esta
concedida «em virtude dos serviços que fizera a S. M.»627. Entre as propriedades que possuía
incluía-se «huma terra no sítio da serra junto a Belém» 628, muito provavelmente no local ou
perto do local onde hoje se situa a Estrada de Pedro Teixeira.
O atentado foi cometido logo após o monarca sair da Quinta do Meio, propriedade que havia
sido adquirida por seu pai, D. João V ao conde de Calheta em 1726. É hoje ocupada pelo Jardim
Museu Agrícola Tropical. O acesso a este jardim faz-se pelo seu lado Sul, através do Largo dos
Jerónimos. Anexo à parte superior do actual Museu Agrícola Tropical encontra-se o recinto
outrora denominado Pátio das Vacas onde, tal como nome indica, eram guardadas as vacas

621
Em 1641 foi lançado o imposto directo e universal (exceptuando os eclesiásticos) da Décima, com o fim de se obterem as
receitas necessárias para ocorrer às despesas da Guerra da Independência que acabara de romper com a Espanha.
622
A.H.T.C., Décima da cidade, N.S. Ajuda, arruamentos 1781, DC 11 AR
623
Começa na Calçada do Galvão. Termina na Estrada de Queluz
624
Alvará de 27 de Março de 1756. I.A.N./T.T., Índice da Chancelaria de D. José… (Próprios), vol. 143, p. 25 V.
625
Francis A. Dutra, The Wounding of king José I, Accident or Assassination Attempt?, Separata da revista Mediterranean
Studies, VII, Manchester University Press, 1988, p. 221-229.
626
Imposto régio. Foro do Quarto das colheitas
627
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Reguengo de Algés, livro 430, pág. 365, livro 427 (2), pág. 15 v.
628
Carta de doação de 15 de Julho de 1761, idem, pág. 25 V.
126
«nas coxeiras de S. Magestade»629 e onde vieram a funcionar as secretarias de estado630. Ver
imagem 2 a): com o nº24 - Pátio das Vacas.
Hoje em dia não existe na área qualquer placa que identifique o Pátio das Vacas 631. No
entanto esta designação ainda surge em recentes roteiros de Lisboa632 e continua a ser assim
conhecida por alguns habitantes da zona Ver Imagem 19.
O espaço do primitivo Pátio das Vacas é atravessado pela Rua General João de Almeida633
anteriormente designada por Travessa do Pateo das Vacas e originalmente conhecida por Rua
da Ponte que vay para o Pateo das Vacas», ponte que atravessava a Ribeira dos Gafos, hoje
desaparecida634. Na Travessa do Pateo das Vacas nasceu, no ano de 1768, o grande pintor
português Domingos António de Sequeira 635. Aqui residiu, após ter regressado de Roma em
finais do século XVIII636.

629
Os Arruamentos da Freguesia da Ajuda de 1770 indicam o Pátio das Vacas como «Propried e de S.M. que consta de duas
coxeiras, seis logeas e noves quartos de sobrado... As coxeiras servem de recolher as vacas de S. Mage» A.H.T.C., Décima da
Cidade, Arruamentos, Freguesia da Ajuda, DC 5, AR, 1770. No ano de 1780 residia aqui Vitorino José, guarda das vacas
B.A., 51-III-34, Rol dos confessados, Quaresma 1780.
630
«Pateo das Vacas- Propriedade de S. Magestade em que estão as Secretarias de Estado» A.H.T.C., Décima da cidade,
arruamentos, freguesia da Ajuda, DC 14, AR, 1792, 93, 94. Já no ano de 1756, em Setembro, há referência aos trabalhos de
construção da Secretaria de Estado, «na Quinta chamada do Meio». I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3584, Despesas de
Setembro de 1756.
631
Foi demolido no século XX. J. B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém. Evolução da zona ocidental de Lisboa, Lisboa,
Livros Horizonte, 1994, pág. 50.
632
«Bairro Novo da Memória – Entre o Pátio das Vacas e a Calçada da Memória». Roteiro actualizado guia de ruas da cidade
de Lisboa, Oeiras, Edições Plama Lda, 1999, pág. 39.
633
Rua General João de Almeida – Começa na Calçada da Ajuda. Termina na Calçada do Galvão.
634
Em 1890 esta ribeira ainda existia. Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego, Planta de 1890, doc. 541,
11156 CX 9/Op. «A designação parece indicar a proximidade de uma gafaria, de que não há a menor notícia nem vestígio»;
«...a ribeira dos Gafos - que serpenteava encosta abaixo seguindo aproximadamente pelas trazeiras das casas do lado ocidental
da Rua das Mercês até a antiga Travessa do Buraco hoje Travessa da Memória de onde ia rente com o muro da quinta que
foi do Ludovice e, após ser cruzada pela ponte que ia para o pátio das Vacas» «Tal ponte ficava sensivelmente no lugar onde a
Rua de João de Castilho hoje Rua General João de Almeida] entronca no Largo do Museu Agrícola Colonial» Mário de
Sampaio Ribeiro Do sítio do Restelo e das suas igrejas de Santa Maria de Belém, Lisboa, Academia Portuguesa de História,
1949, pág. 296.
635
Luís Xavier da Costa, Onde nasceu o pintor Sequeira, quem foram seus pais e onde moraram. Quadros genealógicos
referentes ao artista, Lisboa, Separata de Brasões e Genealogias, 1927, pág. 3.
636
Luís Xavier da Costa, Domingos António de Sequeira, Lisboa, Edição dos Amigos do Museu, 1939, pág. 14.
127
19 – Pátio das Vacas, em 1939

Perto do Pátio das Vacas, para poente, confinando com a Calçada do Galvão, situava-se o
Pátio do Elefante637. Foi construído em 1762 e, tal como outros locais desta zona que adiante
se referirão, albergava animais trazidos das possessões africanas portuguesas.
Tal como o Pátio das Vacas e o Pátio do Elefante, já desaparecidos, também já nada resta da
Ribeira dos Pocinhos, «braço de rio que entrava pela terra dentro» e corria pelo lado nascente
do mosteiro dos Jerónimos. Em meados do século XIX a carta topográfica de Lisboa de Filipe
Folque638 ainda a assinala parcialmente, denominando-a Rio dos Jerónimos.

637
José António de Abreu, Planta do Real Palácio de Belém e Quinta de Belém [Lisboa]: Lith. do Depósito dos Trabalhos
Geodésicos do Reino, 1845.
638
Atlas da Carta Topográfica de Lisboa sob a direcção de Filipe Folque: 1856-58, Planta 60, Câmara Municipal de Lisboa,
2000.
128
Diversa documentação setecentista fornecerá a qualquer interessado um conhecimento ainda
mais completo do que era a Belém no século XVIII. Caso da Décima da Cidade, dos Róis de
Desobriga ou dos Confessados e também dos almanaques e plantas da época ou, na ausência ou
escassez destas últimas, de épocas imediatamente posteriores.
Segundo os Róis de Confessados, nas imediações da Rua Direita de Belém da parte do mar
existiam algumas ilhas denominadas Ilha da Gonzalla, Ilha da Morgada de Oliveira e Ilha do
Taleiga639. Tanto a proximidade das margens do Tejo como os braços de rio que por ali se
encontravam, caso da Ribeira dos Pocinhos e da Ribeira dos Gafos (esta última, como atrás
referido, descia a encosta, paralela à Calçada da Ajuda no seu lado poente), propiciavam o
aparecimento destas ilhas. Para tentar conter as águas do Tejo foram construídos no ano de 1753
o cais e a muralha de Belém.
Os Róis de Desobriga e a Décima da Cidade fazem referência ao edifício da Cadeia de
Belém, na altura localizado na Rua da Cadeia, designando-o como estando na «Banda da
Praia». Após o terramoto e tendo a cadeia do Limoeiro ficado seriamente arruinada, «se deu
logo ordem de fazer a cadeya principal em a Praya de Belém». Feito um novo edifício ou
melhorado e ampliado um já existente, certo é que, em finais de Fevereiro de 1756, já tinham
dado entrada presos na cadeia de Belém640. Aqui estiveram vários prisioneiros de «menor
categoria» alegadamente implicados no atentado contra D. José641. A cadeia de Belém dispunha
de «quatro quartos em baixo e vários no pavimento superior para os que pagam»642. As funções
de carcereiro foram tradicionalmente exercidas por membros de uma família de nome Castelão.
O primeiro a exercer esta tarefa foi Luís Gomes Castelão que residiu no próprio edifício da

639
B.A, Quaresma do ano de 1768, pág. 79 v., 80 v., 82 v.; Quaresma do ano de 1772, pág. 74., 75 v., 76 v. Quaresma do ano
de 1780, pág. 143, 144 e 148, Quaresma do ano de 1799 pág. 190 V e 195.
640
Tude Martins de Sousa, Cadeia de Belém: Notas de investigação prisional [s.l:s.n.] Sep. do Bol. do Instituto de Criminologia
de Lisboa, Lisboa, [Tipografia da Cadeia Penitenciária], 1941 pp. 3 e 4.
641
Os fidalgos acusados do mesmo crime foram recebidos nos cárceres da Quinta do Meio, actual Jardim Museu Agrícola
Tropical. As senhoras e crianças, familiares destes últimos, recolheram aos conventos. Idem, pp. 7 e 8.
642
John Howard, The state of the prisons cit. por Tude M. de Sousa, ob. cit., nota final.
129
prisão com sua família. A ele sucedeu seu filho «Arcenio» 643 que ocupou o cargo até 1821 e
depois seu neto Hermenegildo Gomes Castelão 644.
A Rua da Cadeia era a continuação, para ocidente, da actual Rua Vieira Portuense645 (na
altura Rua do Cais). Veio a desaparecer com as obras de preparação da exposição do Mundo
Português em 1940646.
Os Róis de Desobriga, os almanaques e a Décima da cidade de Lisboa são também um precioso
auxílio na identificação dos habitantes da zona. Caso por exemplo do marquês de Alegrete e conde
de Vilar Maior, Fernando Teles da Silva647, que residia, no ano de 1758648, em sítio designado
por Belém da parte da terra. Fernando Teles da Silva era, quando se deu o terramoto, Presidente
do Senado da Câmara649 cargo equivalente ao do actual Presidente da Câmara de Lisboa. Foi
então encarregue por Sebastião José de Carvalho e Melo de uma série de providências que
evitassem o alastramento da fome na cidade de Lisboa650. Fernando Teles da Silva vem a falecer
alguns anos mais tarde, em 1759, sendo sepultado no mosteiro dos Jerónimos651.

643
«Luis Gomes Castelão, provisão para seu filho Arcenio Gomes Castelão servir nos seus impedimentos de carcereiro
na cadeia de Belém 8.11.1787». I.A.N./T.T., Chancelaria de D. Maria I. Doações, ofícios, mercês, privilégios (Próprios),
Liv. 32.
Arcenio Gomes Castelão - Carta de carcereiro da cadeia de Belém de 22 .10.1798. I.A.N./T.T., Chancelaria de D. Maria I.
(Próprios), Liv. 166.
644
Tude M. de Sousa, ob. cit., págs. 6 e 7.
Em 24.12. 1768 era corregedor do crime do Bairro de Belém Diogo Inácio de Pina Manique cf. José Maria Latino Coelho, ob.
cit., Tomo I, pág. 109.
A cadeia de Belém parece ter sido extinta no final do ano de 1838, mantendo-se como prisão municipal ou policial para curtas
detenções até 1857 in Tude M. de Sousa., ob. cit., pág. 10.
Mais tarde o edifício da cadeia de Belém foi destruído, quando dos preparativos para a exposição do mundo português, já no
século XX, na década de 40.
645
Começa na Praça Afonso de Albuquerque. Termina na Travessa da Praça.
646
João B. M. Néu , Em volta da Torre de Belém. Evolução da zona ocidental de Lisboa…pág. 50.
647
4º Marquês de Alegrete, Fernão Teles da Silva, 5º conde de Vilar Maior nasceu a 8-10-1703. Genea-Portugal
http://www.geneall.net/site/home.php
648
B.A, Róis de Desobriga do ano de 1758.
649
Fernão Teles da Silva, carta de presidente do Senado da Câmara de Lisboa de 20 de Junho de 1752; carta do dito cargo por
mais três anos, de 7 de Agosto de 1755. I.A.N./T.T., Índice da Chancelaria de D. José. … (Próprios), Livro 140.
650
Cláudio da Conceição, Em que se dá notícia do terramoto do 1º de Novembro, Lisboa, Frenesi, 2005, pág. 35 e seguintes.
651
Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico, Lisboa, Impressão Régia - Imprensa Nacional, 1818-1894, vol. 14, pág. 75.
130
A Fernando Teles da Silva sucedeu seu filho Manuel Teles da Silva 652, 6º conde de Vilar
Maior, também ele residente na zona de Belém. Se o leitor consultar a Décima de Lisboa, dos
anos de 1762-1763 e 1766, verá que assinala este último como morador no início da Rua de S.
Jerónimo hoje Rua dos Jerónimos653. Diz a Décima que residia «do lado direito em palácio de
S. Majestade»654. Sabe-se que, neste caso, o lado direito designa o lado nascente.
Em «palácio de S. Majestade»655 e na mesma zona residiu, uns anos mais tarde, em 1780,
Aires de Sá e Melo (1715-1786), Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra.
Vivia em Belém da «parte do Norte» nas proximidades do monumento dos Jerónimos, em local
situado entre a Rua de S. Jerónimo e a Travessa do Ferreiro, actual Travessa dos Ferreiros a
Belém656, transversal do lado norte à Rua de Belém. Esta Travessa dos Ferreiros vinha na época,
tal como hoje, desembocar no Largo dos Jerónimos. Os almanaques do tempo adiantam ainda
que Aires de Sá e Melo residia junto ao convento de Belém. Morava assim, tal como outros
governantes, próximo da sua secretaria localizada na Quinta do Meio, hoje Jardim Museu
Agrícola Tropical. Aires de Sá e Melo fora nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros e da
Guerra em 1757. Três anos mais tarde é designado ministro plenipotenciário junto ao rei das
Duas Sicílias657. Em Novembro de 1764 irá exercer o cargo de embaixador em Madrid 658 que
manterá por longos anos. Em 15 de Fevereiro de 1775 regressa à corte portuguesa 659. Após o
afastamento de Carvalho e Melo é nomeado Secretário de Estado dos Estrangeiros e da
Guerra660, cargo que exercerá até ao ano da sua morte, em 1786.
Aires de Sá e Melo e Manuel Teles da Silva poderão ter residido no edifício que é hoje a
Junta de Freguesia de Belém661, imóvel cuja estrutura leva a supor tratar-se de um antigo

652
Manuel Teles da Silva (1727-1789), capitão da guarda real. I.A.N./T.T., Índice da Chancelaria de D. José I … (Próprios),
Livro 138, pág. 175.
653
Começa no Largo dos Jerónimos. Termina na Avenida Ilha da Madeira.
654
A.H.T.C, Décima da cidade, Ajuda, 1762-1763, DC 1 PRU, pág. 104, 1766, pág. 186 V.
655
A.H.T.C, Décima da cidade, Ajuda DC 11 AR – Arruamentos 1781, pág. 95 V.
656
B.A., Rol de Desobriga do ano de 1780.
657
Região do sul de Itália - Antigo estado independente e soberano do reino das Duas Sicílias, Cláudio da Conceição, Gabinete
Histórico, Lisboa, Impressão Régia - Imprensa Nacional, 1818-1894, vol.15.
658
Cláudio da Conceição, ob. cit., vol. 16, pág. 99.
659
José Maria Latino Coelho, ob. cit., Tomo I, pág. 208 e seguintes.
660
Decreto de 14 de Março de 1777.
661
Situado no Largo dos Jerónimos 3.
131
palácio 662. Voltando a analisar a atrás referida planta de G. Lemprier 663 pondera-se, de igual
forma, se aquele imóvel terá servido de residência, no início do século XVIII, a um agente
inglês responsável pelo fornecimento de víveres: «the office of Dwelling-House of Mr. Bilse
agent victualler»664.Ver Imagem 20
O terreno em que se encontra a actual Junta de Freguesia, como outros que lhe ficam
circundantes, foi adquirido por D. João V, no ano de 1727, aos monges de São Jerónimo. Tudo
leva a crer pela leitura do documento da compra que o terreno em causa seja o que é descrito
como a Palmeira 665 666.
Tem sido dado nota ao longo deste trabalho das várias propriedades adquiridas pelo monarca
D. João V, na zona de Belém nos anos de 1726 e 27: Quinta de Cima, Quinta do Meio, Quinta
de Baixo. As estas irão acrescentar-se a Quinta da Praia, e Quinta do Correio-Mor como se
verá mais adiante. Não se ficou por aqui o monarca. Em Julho de 1727 fez uma importante
aquisição aos religiosos de Santa Maria de Belém que incluía «todas as terras que possuem
naquele limite fora dos muros da cerca do mesmo mosteiro com o Casal de Payo Calvo e vinha
que está dentro dele e de tudo o mais declarado na mesma escritura»667. Tratava-se de uma
enorme quantidade de terrenos, vários deles apenas descritos e delimitados sem lhes ser

662
A análise da planta Papel de Plancheta entre a Rua do Bom Sucesso e o Largo de Belém Lisboa, 20.2.1854, Instituto
Geográfico Cadastral 20 D, leva a supor que este edifício terá sido habitado em meados do século XIX (1854) pelo duque da
Terceira, na altura comandante da 1ª Divisão Militar e Governador da Torre de Belém. O Duque da Terceira pertencia a um
ramo da família Manuel que deu vários governadores à Torre de Belém.
663
Ver nota 546.
664
“O escritório da residência de Mr. Bilse agente de víveres”. Uma fotografia do Largo dos Jerónimos, do ano de 1939, da
autoria de Eduardo Portugal, deixa em aberto as hipóteses acima levantadas pois regista, anexo ao lado poente do edifício da
actual Junta de Freguesia, um outro edifício depois destruído quando do arranjo da zona de Belém para a exposição do Mundo
Português. Este facto leva a questionar qual foi de facto a residência das pessoas acima mencionadas
665
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 433, pág. 594 V.: «Uma terra a que chamam a
Palmeira, parte do nascente com estrada que vai junta ao muro da Quinta que foi de Pedro de Vasconcelos [Quinta do Meio]
e com terras de Maria da Conceição, de Marco António de Azevedo e das religiosas do bom sucesso ; do sul com a estrada que
vai junto á quinta do Marquês de Gouveia [propriedade do duque de Aveiro] para Belém do poente com Regueira d’agoa de
Inverno e terras de António Moreira de Queluz e do norte com terras de Marco António de Azevedo e leva de semeadura 36
alqueires de trigo». Cf. tb. Mário Sampaio Ribeiro Do sítio do Restelo… pág. 283, em que assinala, no mesmo local, as terras
da Palmeira com o nº 4.
666
O «Auto de diligência e averiguação feito sob as propriedades urbanas sitas na Rua de S. Jerónimo em Belém» em 1828 in
I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, livro 433, pág. 633, confirma também este facto quando diz: «.. e todas as mais [barracas e
casas] que se acham da parte do nascente, do meio da Rua [de S. Jerónimo] para baixo, encostadas ao muro da Quinta de S. M.
e pertencem a real coroa…»
667
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 433, pág. 597 V.
132
atribuída qualquer designação 668. O monarca entrou, desta forma, de posse de uma vasta área
de terreno669 nas zonas da Ajuda, Belém, Alcolena, Restelo e Caselas, que lhe era necessária
para apoio das «reais quintas e outras acomodações» que tinha no local 670.

20 – Junta de Freguesia de Belém

668
Outros são identificados. Dá-se aqui nota de vários: Paio Calvo [a poente e norte da cerca do mosteiro de Belém] cf.
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 432, pág. [57], Junqueirinha, Redonda, Os Vales, o
Restelo, a Contramina, o Outeiro de S. Jerónimo, a Chicola e Retorta, a Pessa das donas, a Chicara grande, a Chicara pequena,
os Ratinhos, o Outeiro do Cramão, a Serra Grande de Cima, o Enxofral, os Canhestros, A Vargia, o Ervançal, a Figadeira, A
Lage de Alcolena, o Cramão, a Palmeira, a Pessa, as Lages, o Serrado Grande de Alcolena, as Serras, o Rego Comprido das
Serras, a Várzea do Passo. I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 433, pág. 588 e seguintes.
669
Idem, Ibidem
670
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 433, pág. 582.
133
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148
149
O Bom-Sucesso

Retomando agora o seu caminho o transeunte irá prosseguir na direcção do ocidente e


percorrer a Praça do Império, fronteira ao mosteiro dos Jerónimos. Passada a Praça do Império
irá entrar na zona do Bom Sucesso671.
Começará por encontrar, do seu lado esquerdo, o Centro Cultural de Belém. Aqui ficava, no
século XVIII, a Quinta da Praia, que, à época, já havia conhecido vários donos. No século
XVI tinha sido, como já referido, propriedade de D. Manuel de Portugal, filho do 1º conde de
Vimioso. Entrou depois na posse dos condes de S. Lourenço. Posteriormente, cerca do ano de
1726, foi adquirida por D. João V672.
Depois do terramoto de 1755 foi habitada, por concessão régia, pelo 3º marquês de
Marialva673, D. Diogo de Noronha (1698-1759), estribeiro mor e governador de armas da
Estremadura e Corte. Quando se deu o terramoto foi encarregue por Carvalho e Melo de uma
série de acções tendentes ao restabelecimento da ordem na cidade de Lisboa. Foi-lhe ainda
ordenado, logo a 3 de Novembro de 1755, «mandar guarnecer as torres e as praias, de Belém
até ao Bom Sucesso a fim de evitar alguma tentativa dos argelinos, que havia notícia andarem
na barra de Lisboa».
A Quinta da Praia prolongava-se para norte da que é hoje a Rua Bartolomeu Dias, na época
Rua Direita do Bom Sucesso. Tinha, a norte, uma área aproximada de 40.000 m2. Aqui situava-
se o picadeiro entre outras instalações674. A quinta tinha um arco que ligava os dois lados da
estrada – o Arco do Bom Sucesso do qual existe registo fotográfico. No ano de 1908 ainda se

671
Estabeleceremos aqui, para melhor funcionamento em termos práticos, a distinção feita pelo autor J.B.M. Néu, quanto às
zonas de Bom Sucesso e Pedrouços reportando-se aos séculos XVIII e XIX «chamarei Pedrouços à zona entre a Ribeira de
Algés e a Avenida da Torre de Belém e Bom Sucesso aquela que vai da mesma avenida ao extremo poente da Praça do Império»
J. B. M. Néu Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso …pág. 19.
672
Idem, pág. 166.
673
D. Diogo de Noronha, 3º marquês de Marialva por via do casamento com D. Joaquina de Menezes, 3ª marquesa de Marialva.
Moradia de Estribeiro-mor de 19 de Julho de 1753. I.A.N./T.T., Índice da Chancelaria de D. José… Próprios, vol. 140, pág.
171. Cf. tb. Cláudio da Conceição, Em que se dá notícia do terramoto do 1º de Novembro …. pág. 37 e seguintes.
674
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 428, pág. 142 «casas, Palheiro, Picadeiro coberto
e descoberto, Orta com Lago de Água, Poço de nora e terra murada em roda»
150
mantinha e era na altura conhecido por Arco do Duque de Loulé675, designação que identificava
o então proprietário da quinta. Veio mais tarde a ser destruído. Medições efectuadas em inícios
do século XIX revelam que, neste lado norte, a Quinta da Praia confinava pelo nascente com a
«Mercearia do senhor Infante D. Luís 676 e muro da Cerca dos Monges Jerónimos, pelo norte
com terras da princesa Maria Francisca Benedita filha mais nova do rei D. José, pelo poente
com propriedades de vários locatários, a saber: a princesa Maria Francisca Benedita, as
religiosas do Bom Sucesso, o major Joaquim Rebelo Palhares escrivão do Juízo da Saúde do
porto de Belém677, Dom José Lobo (3º marquês do Alvito)678 e uma outra locatária identificada
como Maria José Baeta.
Para Sul a Quinta da Praia estendia-se até à beira Tejo ocupando uma área aproximada de
14.000 m2. A nascente confinava com uma Calçada que dava acesso a umas escadas com saída
para o mar e a poente com o palácio real habitado pelo marquês do Alvito 679. Na imagem 2 a)
poderá o observador ver, que a designação Marquês de Marialva, a que é dado o nº 20, identifica
a Quinta da Praia. A propriedade veio mais tarde a ser doada aos marqueses de Marialva em
remuneração dos seus serviços, por carta de 30 de Maio de 1796 680.
Prosseguindo na Rua Bartolomeu Dias, o visitante encontrará agora, do mesmo lado sul, nos
nºs 43 e 45681, um edifício que apresenta portas e janelas emparedadas682. Neste local situava-se
o Palácio do Correio-Mor. O seu primitivo possuidor Luís Vitorio de Sousa Coutinho da Mata

675
Francisco Simões Ratolla, Roteiro de Pedrouços da freguesia de Santa Maria de Belém, Lisboa, Imp. Luso-Africana, 1908,
pág. 5.
676
Mercearias - Instituições com fins religiosos e caritativos onde eram recolhidos inválidos de ambos os sexos de «bons
costumes, boa fama e vergonha» com a obrigação expressa de assistirem a missas e rezarem diariamente por alma dos seus
benfeitores. Esta, a que se refere o texto, foi fundada pelo infante D. Luís, duque de Beja (1506-1555) filho do rei D. Manuel
I.
677
Morador em propriedade foreira à real coroa. I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 428,
pág. 190.
Segundo indicam os almanaques do tempo residia na Rua do Bom Sucesso, nº 105 (numeração da época) in Almanach de
Lisboa para o anno de 1814, Lisboa, Academia Real das Ciências, pág. 120.
678
D. José António Plácido Lobo da Silveira Quaresma, 3º marquês do Alvito (1769-1844).
679
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 428, pág. 142.
680
Idem, pág. 143.
681
Em edifício situado entre o Centro Cultural de Belém e o colégio anexo ao convento do Bom Sucesso.
682
Apresentava, até há bem pouco tempo na fachada as palavras Cordeiro, Santos, Ferreira, Limitada, nome de uma antiga
fábrica que esteve activa durante parte do século XX.
151
(1688-1735) foi correio-mor do reino. A ele deram os monges do mosteiro de São Jerónimo de
aforamento «o foro da testada da terra do Restelo». A propriedade, conhecida por Quinta do
Correio-Mor, veio a ser adquirida por D. João V no ano de 1727683. Mais tarde, após o
terramoto de 1755, nela residiu, por concessão régia, o conde barão do Alvito. O título de conde
barão do Alvito constituía motivo de orgulho para os seus possuidores, pois remontava ao
reinado de D. Afonso V, mais propriamente a 1475, ano em que havia sido concedido 684. O
conde barão do Alvito era, à data do terramoto D. José António Francisco Lobo da Silveira
(1698-1773)685. Acumulou vários cargos. Foi nomeado Presidente da Câmara de Lisboa por
carta régia de 28 de Agosto de 1749686. Foi além disso membro do Conselho de Estado, veador
da rainha D. Mariana Vitória, gentil-homem da câmara do rei D. José, vedor da fazenda e
general da província da Estremadura. No ano de 1762, quando da invasão de Portugal por
ocasião da Guerra dos 7 anos, colaborou com o conde de Lippe 687, tendo a sua actuação sido
exercida com «distinta aplicação e préstimo»688. No ano de 1766 foi elevado a marquês 689. A
propriedade onde viveu prolongava-se para norte da que é hoje a Rua Bartolomeu Dias690. Para
sul estendia-se até à beira rio. Ver imagem 2a): com o nº19 – Conde Barão. Mais tarde, ainda
na primeira metade do século XIX, entrou na plena posse dos marqueses de Alvito 691 que não
a mantiveram por muito tempo, tendo-a vendido na segunda metade de oitocentos692.

683
J. B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso…pág. 150.
684
João Carlos Feo Cardoso Castello Branco Motta e Torres, atrib. a, Resenha das famílias titulares do reino de Portugal,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1838, pág. 17. Também os marqueses de Marialva, de Niza, de Penalva, de Ponte de Lima, os
duques de Aveiro e os condes de Atouguia tinham recebido o título no século XV cf. Nuno Gonçalo Freitas Monteiro, ob. cit.,
pp. 262, 263.
685
D. José António Francisco Lobo da Silveira, 10º barão do Alvito, 3º conde de Oriola e 1º marquês do Alvito in Bartolomeu
de Sousa e Mexia, Elogio do ilustrissimo e excellentíssimo senhor D. Joze Antonio…, Lisboa, Na Off. de Miguel Rodrigues,
1773, págs. 15, 16, 19.
686
Manuel Amaral, Portugal, Dicionário Histórico, Edição electrónica, 2000-2003; Documentos do Arquivo Histórico da
Câmara Municipal de Lisboa in Livro de Reis, VI, pág. 259, doc. 221.
687
Memoria do conde de Lippe sobre a campanha de Portugal em 1762 in Jornal Militar, nº 15, 1 de Junho de 1846.
688
I.A.N./T.T., Conselho de Guerra, Decretos 1756 a 1799, vol. 19, Fevereiro de 1763 - nomeação do barão-conde D. Fernando
Lobo da Silveira ao posto de ajudante general que exercitara com distinta aplicação e préstimo na campanha de 1762.
689
I.A.N./T.T., Índice da Chancelaria de D. José (Próprios), vol. 141, pág. 166.
690
João B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém, Evolução da zona ocidental de Lisboa…pág. 27.
691
Só por volta de 1825, 1826, os Alvitos conseguiram receber o respectivo aforamento por reduzido foro in Nuno Gonçalo
Freitas Monteiro, ob. cit., pp. 437
692
J. B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso…pág. 153.
152
Ao Convento do Bom Sucesso, (nº 53 da Rua Bartolomeu Dias), propriedade anexa, a poente,
à Quinta do Correio-Mor693, é atribuído o nº 18 na imagem 2a). Este convento de dominicanas
irlandesas foi fundado em 1639, no reinado de Filipe III (IV de Espanha). Os terrenos do
convento ocupavam áreas a norte e sul da Rua Direita do Bom Sucesso, estendendo-se a sul até
à beira rio. Em parte deles haviam estado situadas as «casas nobres» pertencentes à 1ª condessa
da Atalaia, D. Iria de Brito (c. 1570 -?). Aqui se havia feito um recolhimento e depois o convento
das dominicanas. A poente do convento localizavam-se ainda propriedades pertencentes às
religiosas: em 8 de Janeiro de 1645 haviam-nas comprado a D. Rodrigo de Lancastre (1620-
1657), comendador de Coruche e a sua mulher D. Inês Teresa de Noronha (c. 1620 - ?): tratava-
se de um «Casal … foreiro aos padres Vicentes …contíguo ao convento pela parte do poente e
abaixo da estrada que vem de Belém e vai para Pedrouços»694.
Segundo a Décima da segunda metade do século XVIII695 eram várias as propriedades no
Bom Sucesso pertencentes às religiosas dominicanas, alugadas a diversos locatários.
As religiosas possuíam ainda numerosos terrenos696 em área mais distante a nordeste, na
zona de Alcolena e arredores. Entre estes contava-se a terra das Lajes de Cima que foi tomada
pela coroa para construção da Capela da Memória – permaneceu propriedade das freiras a terra
situada defronte da Capela da Memória, a poente da Calçada do Galvão. A maioria dos terrenos
era pertencente a um Casal denominado Casal das Freiras697, que as religiosas tinham adquirido
por compra e era foreiro aos Padres Vicentes de Lisboa.
A Décima indica ainda que outro habitante da zona do Bom Sucesso, residente durante
largos anos nas proximidades do convento, foi Pedro José da Silva Botelho, Porteiro da
Câmara698 e pessoa de grande influência na corte. Viveu em propriedade alugada às

693
Entre o antigo palácio do conde barão do Alvito e o convento situa-se o edifício mais moderno do Colégio do Bom Sucesso
694
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 428, pág. 103.
695
De acordo com elementos recolhidos na Décima de 1763 e 1766. Cf. tb., J.B.M. Néu, Em volta da Torre de Belém, vol. II,
Pedrouços e Bom Sucesso…pág. 126.
696
Entre eles: Terra das Minas, Gravançal Pequeno, Borda da Rigueira, Tombo Velho à Cova da Clara (junto do muro da Cerca
dos padres de Belém – lado norte), Ratinho e Poço, Terra dos Moinhos, Val de Baixo, Val de Meio e Val de Ribas, Terra e
Moinho do Cuco, Terras do Bauto, Cadeirinha (ou Terra do Galvão) e Val Bom e ainda outros terrenos na mesma zona aforados
a diversas pessoas. Algumas destas terras foram-lhes retiradas pela coroa «para o seu real serviço» sendo substituídas por outras
in I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 428, pág. 156 e seguintes.
697
Idem, pág. 174 V.
698
B.A. Rol de Confessados, Quaresma do ano de 1758, pág. 130 v., Quaresma do ano de 1772 pág. 90 v.
153
religiosas699, no lado sul da Rua Direita do Bom Sucesso. Convém esclarecer que esta indicação
não deverá ser tomada rigorosamente à letra, querendo isto dizer que a habitação de Pedro José
da Silva Botelho, tal como outras em iguais circunstâncias, poderia não estar exactamente
localizada na Rua Direita do Bom Sucesso, mas em local ou arruamento próximo a ela do seu
lado sul. O nome da rua funcionava, aqui, apenas como uma referência.
Continuando na direcção do poente o observador encontrará, já no final da Rua Bartolomeu
Dias do seu lado esquerdo, a Casa dos governadores da Torre de Belém, outro edifício relevante
na história de Pedrouços/Bom Sucesso. De momento não pode ser convenientemente apreciada
pois encontra-se em obras de restauro. Situa-se no quarteirão contido entre a Avenida da Torre
de Belém, Avenida da Índia, Rua Bartolomeu Dias e Travessa da Saúde. Ver imagem 21.
Ao governador da Torre de Belém, também conhecida ao tempo por «Torre do Registo de
Belém» cabia, entre outras atribuições, assinar o «bilhete do termo» 700 e o passaporte necessário
ao despacho de embarcações701. Todos os navios que largassem do porto de Lisboa, ou a ele
chegassem702, eram obrigados a ancorar perto da Torre e a pagar uma taxa à sua guarnição. Este
pagamento manteve-se até 1833703. O controle às embarcações já vinha de longa data: «Não
entra nem sai navio algum sem licença e registro». Assim fala Frei Nicolau de Oliveira, em
começos do século XVII704, na sua obra «Livro das Grandezas de Lisboa», referindo-se às
funções de vigilância exercidas pela Torre.

Nomeado Porteiro da Câmara Real por carta do dito ofício em 30 de Abril de 1756, IAN/TT, Índice da Chancelaria de D. José,
…(Próprios), Livro 140.
699
A.H.T.C, Décima da cidade, Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda, 1762-1763, DC1 PRU, pag. 113 V. e 1766, pág. 114 V.
700
Termo – Limite ou marca divisória na extremidade de uma área circunscrita.
701
Francisco Santana, Documentos do Cartório da Junta do Comércio respeitantes a Lisboa, vol I, 1755-1804… pág. 21.
No ano de 1780 foi determinado que todos os navios mercantes nacionais ou estrangeiros «depois de concluídos os seus
despachos para fazer viagem, vão dar fundo debaixo da artilharia da torre de Belém para serem visitados pela Intendência da
Policia» e poderem depois fazer-se à vela. Idem, pág. 460.
702
Idem, pág. 55.
703
Pagamento até 1833 por todos navios que largassem do porto de Lisboa de uma taxa à guarnição da Torre de Belém in João
B. M. Néu Em volta da Torre de Belém, Evolução da zona ocidental de Lisboa…pág. 159.
704
Frei Nicolau de Oliveira, Livro das grandezas de Lisboa, Impressão régia, 1804. pág. 13. A 1ª edição data de 1620.
154
21 – Casas do capitão da Torre

155
O cargo de governador era muito lucrativo pelos largos emolumentos que recebia dos navios.
Em inícios do século XIX era olhado como uma sinecura705, tendo grandes atractivos para quem
o desempenhava706.
Falar na Casa dos governadores da Torre de Belém no século XVIII, é falar na família dos
marqueses de Tancos /condes da Atalaia que aqui residiu longos anos. O primeiro marquês de
Tancos e sexto conde da Atalaia, D. João Manuel (1679-1761) exerceu o cargo de governador
da Torre, entre diversos outros de que foi incumbido 707. Após a sua morte foi substituído pelo
genro, D. Duarte António da Câmara (1693-1779), conde de Aveiras que veio a ser 2º marquês
de Tancos708, por via do casamento com D. Constança Manuel, filha mais velha do primeiro
marquês. O posto foi-lhe atribuído, com 50$000 de ordenado, em 19 de Maio de 1761709.
A Casa dos governadores da Torre é assinalada na imagem 2 b)- com o nº 16 Marquês de
Tancos. Como já referido a imagem reporta ao ano de 1763. Em finais da década de 60, de
acordo com os Róis de Confessados710, residiam na casa do Bom Sucesso os três filhos de D.
Constança Manuel e de D. Duarte António da Câmara: D. José Manuel, oitavo conde da Atalaia
(1751-1774), D. Domingas Manuel (1753-1827) e D. Constança Manuel (1755-1774). D. José
Manuel e D. Constança Manuel morreriam muito novos e, por estranha coincidência,

705
Reflexões sobre Código Mercantil sobre tribunaes do comércio e sobre navegação mercantil por Diogo Ratton, Lisboa, 27
de Outubro de 1821, págs. 12 e 17, s.d., s.l., I.A.N./T.T., Papeis Diversos, 3345.
706
Um deles era ao que parece os rendimentos do contrabando, B.A., 51-XII-1, Cartas de cônsules e diplomatas estrangeiros
em Lisboa, Carta d’off. do cônsul da Rússia em Lisboa para o conde d’Osterman na corte de S. Petersburgo, 18 de Março de
1788.
Esta prática levantava as mais vivas objecções por parte de Associações como a Junta do Comércio: em 8 de Novembro de
1757 numa consulta da Junta levanta-se o problema da dificuldade que existia em reprimir os contrabandos e a suspeita de que
«se introduzião fazendas de contrabando e descaminhadas por alguns fortes da marinha». Diz-se: «pelos vassalos de V.
Magestade a quem a distinta grandeza e profissam devera obrigar mais ao cumprimento das reaes determinaçõens, se dá entrada,
e passagem a toda a sorte de contrabandos...». E acrescenta-se: «Não há distinção de pessoas para a execução da lei...» in
Francisco Santana Documentos do Cartório da Junta do Comércio respeitantes a Lisboa, vol. I, 1755-1804 …pág. 37.
707
Entre eles o de governador das armas e exército da província do Alentejo e governador das armas da corte e província da
Estremadura in Frei Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico, vol. 15, Lisboa, Imprensa Nacional, 1881, pág. 143.
708
Foi também, tal como seu sogro, governador das armas da corte e província da Estremadura.
709
I.A.N.T.T., Índice da Chancelaria de D. José I… (Próprios), vol. 137, pág. 146 v.
710
B.A. Rol de Confessados, Quaresma do ano de 1768.
156
exactamente no mesmo dia, a 13 de Junho de 1774. Sobreviveu D. Domingas Manuel, 3ª
marquesa de Tancos e 9ª condessa da Atalaia 711.
Por esta altura vivia também com os marqueses de Tancos D. Maria Manuel (1723 -?),
marquesa de Niza, irmã de D. Constança Manuel712. Casara com o 5º marquês de Niza 713, D.
Vasco da Gama (1733 - 1757), em 18 Agosto de 1754, mas enviuvara cedo, tendo o casamento
durado apenas três anos.
Em 1779, após a morte do 2º marquês de Tancos D. Duarte António da Câmara, a Casa dos
Governadores da Torre de Belém irá ficar devoluta714 permanecendo assim por largos anos.
Nesta altura assumiu o cargo de governador da Torre o marquês de Angeja, residente na
Junqueira.
D. Constança Manuel, mulher de D. Duarte António da Câmara foi nomeada, após o
falecimento do marido, camareira-mor da rainha D. Maria I .
Os condes da Atalaia, marqueses de Tancos, não voltaram a assumir as funções de
governadores da Torre de Belém. Houve alturas em que estiveram associados ao governo da
Torre mas apenas como tenentes, não ocupando já o lugar de topo715.
O caminhante chegou ao final da Rua Bartolomeu Dias. Se olhar agora na direcção do Tejo
poderá ver a Torre de Belém, de que se tem vindo a falar, notável referência arquitectónica desta
zona, considerada património mundial sob a égide da UNESCO. Construída no início do século
XVI, foi projectada para assegurar a guarda «da barra do Tejo e consequentemente da cidade
de Lisboa». Entre a Casa dos Governadores da Torre (pertencente à coroa) e a Torre de Belém
propriamente dita ficava a praia que era na época identificada como a «Grande Praia da referida
711
Que casou em primeiras núpcias com D. Francisco de Portugal e Castro, 10º Conde de Vimioso. Em segundas núpcias casou,
a 24.10.1774, com D. António de Meneses e Noronha (1743-1807), filho do 4º Marquês de Marialva (D. Pedro de Alcântara
de Meneses Coutinho). Frei Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico, vol. 15, Lisboa, Imprensa Nacional, 1881, pp. 146,
147.
712
António Caetano de Sousa Memorias históricas e genealógicas dos grandes de Portugal, Lisboa, na Regia Officina Sylviana
e da Academia Real, 1755, pág. 294.
713
Havia sido o casamento no oratório do palácio do Marquês de Tancos na Costa do Castelo. Diário do 4º Conde Asseca.
I.A.N./T.T, Manuscritos da Livraria, nº 2652.
714
[Lado esquerdo da Rua de Pedrouços, nº 1192:] «Palácio de S.M. que se encontra devoluto» A.H.T.C., Décima da cidade,
Ajuda, DC 11 ARR – Arruamentos 1781.
715
Assim foi o caso de D. Duarte Manuel e Noronha, (1775-?), 4º marquês de Tancos filho mais velho de D. Domingas Manuel
e D. António de Meneses e Noronha
157
Torre pertencente a Real Fazenda»716. A torre foi edificada «cerca de 250 metros da praia,
constituindo-se entre as duas um canal que no máximo foi navegável por barcos pequenos visto
haver pedra fixa e pouca profundidade»717. Ver imagem 2 b) - com o nº 17 – Torre de Belém.
Para além de fortaleza para guarda e defesa do Tejo e da costa e, como se viu, ponto de
paragem indispensável para navios, a Torre de Belém servia também de ancoradouro para
pequenas embarcações. Era ainda prisão para muitos detidos, designadamente o marquês de
Alorna que aqui esteve encarcerado por estar supostamente implicado na conspiração que deu
origem à tentativa de assassinato do rei D. José. Ao relatar os infortúnios passados na Torre o
marquês de Alorna dá conta de um curioso episódio revelador da animação que por vezes havia
neste local: uma pescaria efectuada pela família real junto das muralhas do forte. Os monarcas
faziam-se transportar em embarcações conduzidas por barulhentos Algarvios718.
O observador irá então descer a Avenida da Torre de Belém (transversal à Rua Bartolomeu
Dias) que, nesta segunda metade do século XVIII, estava ainda bem longe de existir. Verá, a
ocidente da Torre, o Forte do Bom Sucesso. Esta construção, datada de finais do século XIX,
veio substituir uma outra projectada pelo tenente general Luís António de Valleré, que havia
sido chamado a Portugal pelo conde de Lippe 719. Os estudos para a construção do forte foram
efectuados por Valleré em 1763 720 e a construção propriamente dita foi, ao que parece,
começada em 1780. Entendeu-se que a sua localização era estrategicamente ideal para a defesa
do Tejo.
Valleré pretendeu transformar em área agrícola o terreno localizado na retaguarda do forte,
na altura designado como Esplanada da Bateria do Bom Sucesso. A mesma preocupação teve
a administração central que, no ano de 1800, procedeu ao aforamento, a diversos cultivadores,
do terreno adjacente à bateria, estipulando várias condições para a concessão das terras que

716
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 428, pág. 96.
717
João B.M. Néu, Em volta da Torre de Belém, Evolução da zona ocidental de Lisboa…pág. 137.
718
João de Almeida Portugal, Marquês de Alorna, As prisões da Junqueira, Lisboa, Frenesi, 2005 [conforme a 1ª edição 1857],
pág. 87.
719
Christovam Ayres de Magalhães Sepúlveda, História orgânica e politica do exercito português, Provas, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1910, vol. 5, pág. 143.
720
Lívio da Costa Guedes, O Arco de Belém - S. Julião da Barra, contorno da enseada de Paço de Arcos, Lisboa, Imprensa
Portuguesa, 1986, pág. 41.
158
seriam devolvidas à coroa em caso de incumprimento daquelas por parte dos seus ocupantes:
estes seriam obrigados a cuidar dos caminhos e passeios (a fim de que nestes se pudesse passear
livremente a pé, a cavalo ou em carruagem) e a plantar, ao longo deles, árvores silvestres
(álamos, olmos, choupos, freixos e outras) no caso de se tratar de caminhos mais largos, ou
árvores de fruto (damasqueiros, pessegueiros e ameixoeiras) no caso de passeios mais estreitos.
Os cultivadores do terreno da Esplanada da Bateria, localizado a noroeste deveriam plantar
oliveiras. Para resguardo das árvores e abrigo dos terrenos os agricultores ficariam encarregues
de estabelecer um cordão de canavial em torno das suas propriedades e de manter os canaviais
perfeitamente alinhados. Eram ainda obrigados a arrasar as elevações e a entulhar as covas nos
terrenos que lhes pertencessem. O aforamento era concedido por um período determinado (seis
+ três anos) podendo depois ser ou não renovável, visto as terras serem então submetidas a
licitação e atribuídas a quem oferecesse lanço mais vantajoso 721.
No entanto tais cuidados não resolveram o problema principal: a infertilidade da terra.
Medições efectuadas, em inícios do século XIX, indicam que «o terreno era de má qualidade
por ser arioso e fraco»722.
Foi aliás o excesso de areia que provavelmente veio a dar origem a outra das designações
porque o Forte do Bom Sucesso veio a ser conhecido: Bateria Nova da Areia723 ou Forte da
Areia 724: do lado ocidental da Torre de Belém formou-se um banco de areia bastante elevado
que, segundo comentadores de inícios do século XIX, impossibilitava a utilização da «bateria
casamatada»725. O nome de Forte da Areia veio depois a designar não só a Bateria de Valleré
mas também a zona envolvente, pois documentação de começos de oitocentos designa por este
nome a área de terreno, a ocidente da Torre de Belém por baixo da Rua de Pedrouços. A Bateria
de Valleré foi também conhecida por Torre do Bom Sucesso ou Bateria do Bom Sucesso. À data

721
I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Escrituras de vendas e de aforamentos, Livro 144, pág. 3 e seguintes.
722
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 428, pág. 19 V.
723
A.H.M., 3ª Divisão, 47ª secção, Plantas dos fortes e fortalezas da costa norte do reino de Portugal acompanhadas do mapa
de huma parte da costa...por Maximiano José da Serra no anno de 1796.
724
Os Rois de Confessados do ano de 1799 assinalam já a presença desta construção, designando-a por «Forte da Areia».
725
Marquês de la Rozière, Memoire sur l’Embouchure du Tage et sur le port de Lisbonne…14 Août 1803 cit. por Costa Guedes,
ob. cit. pág. 43.
159
da morte deste, em 12 de Maio de 1796, o forte não estava ainda terminado 726, tendo as obras
prosseguido sob a direcção do coronel D’Alincourt.
A bateria teve uma vida curta. Anos mais tarde já se encontrava em ruínas. Foi, ao longo dos
anos, sendo objecto de sucessivas reparações. Numa tentativa de reforçar as suas defesas foram
construídas a ocidente e a oriente novas baterias que vieram igualmente a entrar em ruínas 727.
Ver Imagem 15 728. Em finais do século XIX foi substituída pelo actual Forte do Bom Sucesso.
Em época muito anterior à construção da Bateria do Bom Sucesso foi edificado neste local
um edifício conhecido como a Casa da Saúde, que tinha por encargo examinar os navios que
aportavam ao Tejo 729. Já em inícios do século XVII os navios lançavam ferro, para cumprirem
formalidades sanitárias e outras igualmente necessárias, em sítio na altura designado por «da
torre para dentro» ou «por debaixo da Torre de Belém ».
Depois de feito o despacho com o comandante da Torre, o mestre do navio era obrigado a
vir a terra mostrar o passaporte ao Provedor da Saúde e assegurar através de juramento, feito
com mais dois marinheiros, que não vinha de «terra impedida», isto é de nenhum porto
contaminado. Se este pressuposto não ficasse estabelecido o navio teria de ficar sob vigilância,
sendo a sua fazenda despejada e posta a «soalhar» 30 dias na Trafaria. Caso alguém precisasse
de vir a terra não seria impedido disso, mas teria, utilizando uma expressão da época: «que
despir o vestido do seu uso e vestir outro que lhe vem da cidade» 730.
Depois de construída a primitiva Bateria do Bom Sucesso, a Casa da Saúde passou a
funcionar dentro deste forte. É o que se depreende da imagem 15 que nele assinala a «nova casa

726
Marie Louise Valleré, Elogio histórico de Guilherme Luís António de Valleré, Paris, Firmin-Didot, 1808, pág. 170. Cf. tb.
Brigadeiro... de Ville [Esclarecimento das fortalezas da barra de Lisboa-1798] in A.H.M. Fundo 4, Série 1, Cx. 4, nº 9 e Lívio
da Costa Guedes, ob. cit., pág. 41.
727
João B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém. Evolução da zona ocidental de Lisboa…pp. 186/187.
728
A.H.M., Direcção de Arma de Engenharia, Arquivo de Desenhos, Documento nº 7239, Armário 1, Prat. 5, Pasta 9 Planta
do destricto da Bateria do Bom Sucesso e sitio de Pedrouços, levantada pelo coronel…Pedro Folque…Abril 1816. Pode ver-
se a nascente e poente da fortificação de Valleré uma bateria projectada e outra já construída mas danificada.
729
Documentos da Câmara Municipal de Lisboa aludem já no ano de 1563 ao guarda da bandeira da saúde do porto de Belém
- Livro 1º do Provimento da Saúde, fl. 148 cit. em Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa in Livros
de Reis, vol. VIII, doc. 47, Lisboa, 1964.
730
Frei Nicolau de Oliveira, Livro das Grandezas de Lisboa, Impressão Régia, 1804, pág. 264 [1ª Ed. 1620].
160
da saúde» e a oriente dos muros da Bateria, as suas anteriores instalações designadas: «casa que
foi da saúde».
Posteriormente mudou de local. Desconhece-se a data exacta da mudança, sabendo-se,
contudo, que foi posterior a 1821, pois num periódico deste mesmo ano refere-se a necessidade
da Casa de Saúde sair do Forte do Bom Sucesso 731. No ano de 1857 a deslocação já se tinha
realizado, segundo atesta a planta topográfica de Lisboa de Filipe Folque elaborada neste ano732.
Encontrava-se agora situada a nordeste, mais concretamente no lado sul da Rua da Praia do
Bom Sucesso, no ângulo feito por esta última com a Travessa da Saúde, na altura denominada
Boqueirão da Saúde. Esta Travessa é a ultima transversal do lado esquerdo à Rua Bartolomeu
Dias, para quem vai no sentido Pedrouços – Algés. Mais tarde a Casa da Saúde veio a sofrer
nova mudança, sendo instalada a poente da doca do Bom Sucesso 733, em edifício expressamente
construídos para o efeito e concluído em 1901 734. Nele encontra-se hoje um edifício da Brigada
Fiscal.
Após a visita à Torre de Belém o visitante irá agora inverter a sua marcha e regressar à
Avenida da Torre de Belém, subindo esta mesma avenida. Verá no seu topo norte a Capela de
São Jerónimo. No adro da capela fazia-se, em tempos recuados, uma feira que passou depois a
realizar-se em Belém, em sítio identificado como o Largo da Praia defronte do Mosteiro [dos
Jerónimos] e Igreja735.
Já vai longo o passeio. Está no entanto longe de estar terminado pois, à semelhança das zonas
de Bom Sucesso, Belém e Ajuda também Pedrouços, que irá visitar em seguida, serviu, após o
terramoto e instalação da corte na Ajuda, de residência a vários membros da nobreza e a outras
personagens da época.

731
«Propuz, que como era de suppor, que concluída a batteria, que então se estava construindo da necessidade devera sahir a
casa da saude do Forte do bom Sucesso e construir-se huma nova casa de sanidade …» in Rezumo dos abuzos que existem na
Comissão de Policia no Porto de Belém e os meios que propuz para remediallos, no Plano…e na Memoria…remetida à
comissão de saude publicada em 1 de Dezembro de 1821, assina por J.J.C. in Astro da Lusitânia, num. 210, Lisboa 28 de
Outubro, Ano 1822.
732
Atlas da Carta Topográfica de Lisboa sob a direcção de Filipe Folque. 1856-58, Planta 63, 1857.
733
Construída em finais do século XIX, está situada nas imediações da Torre de Belém. Actualmente nela funciona uma marina
para embarcações de recreio.
734
João B.M. Néu, Em volta da Torre de Belém. Evolução da zona ocidental de Lisboa…pág. 200.
735
I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 433, pág. 581.
161
Pedrouços

Irá então o transeunte enveredar pela primeira transversal do seu lado esquerdo, mais
precisamente a Rua de Pedrouços, antiga Rua Direita de Pedrouços.
A designação Pedrouços parece ser bastante remota. Em finais do século XVI frei João
Vicente Cazale736, frade servita mandado vir de Nápoles por Filipe II de Espanha (I de Portugal)
já apontava, num mapa por ele executado, em local a norte da Torre de Belém, um rio que
assinalava como Rio de Pedroza. Com mais ou menos variantes o termo manteve-se. Repare-
se que o mapa de Bernardo de Caula imagem 2 b), denomina esta zona de Pedroeza, (com o nº
13), termo muito semelhante ao de Pedroza, tendo-se-lhe acrescentado apenas um «e» no meio
da palavra. Sabe-se que o nome Pedrouços significa «monte de pedras». Tal designação parece
estar relacionada com a costa local que não era de abordagem fácil, segundo afirma o mesmo
frade João Cazale a Filipe II de Espanha, ao mencionar que junto à Torre de Belém os fundos
eram rochosos e pouco abaixo do nível das águas 737.
Situado perto do mar o Lugar de Pedrouços era, na primeira metade do século XVIII, pouco
povoado e cultivado, constituindo local de eleição para as paradas militares que aqui se
realizavam738. A última que há conhecimento ocorreu a 19 de Junho de 1757. Nesta altura,
quase dois anos depois do terramoto já a família real havia fixado residência no Alto da Ajuda.
Na parada foram feitos exercícios marciais pelos regimentos a cavalo da guarnição de Lisboa
comandados pelo marquês de Távora. Cerca de um ano e meio mais tarde, a 13 de Janeiro de
1759, eram executados perto dali, na Praça de Belém, os nobres acusados do atentado ao rei D.
José. Entre eles contava-se o mesmo marquês de Távora. Na altura, no entanto, nada fazia prever
este drama. A parada decorreu sem sobressaltos e teve a assistência dos monarcas, seus
familiares, principais do reino e representantes de potências estrangeiras. O espectáculo foi

736
Aspectos do reino de Portugal nos séculos XVI e XVII - A «Descripção» de Alexandre de Massaii (1621) (II Tratado) .
Copia dos trabalhos de Fr. João Vicencio Cazale relativos à defeza da embocadura do Tejo (1589) – A «Descripção do reino
de Portugal» in Boletim do Arquivo Histórico Militar, vol. LVIII, 1989.
737
J. B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso…pág. 21, citando Augusto Vieira da Silva,
Torre de Belém in Dispersos, vol. II, Lisboa, 1960, pp. 134/35.
738
J. B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso…pp. 22/23.
162
também observado por imenso povo que a ele assistiu quer em terra, quer em numerosas
embarcações739.
Logo no início da Rua de Pedrouços o observador encontrará o Largo da Princesa. Evoca
Maria Francisca Benedita a filha mais nova de D. José. Em 1797, nove anos depois de ter
enviuvado de seu sobrinho o príncipe herdeiro D. José, estando a corte já instalada em Queluz,
a princesa tomou posse de uma quinta neste local740. É o que refere a Décima desse ano ao
afirmar que a propriedade, a que atribui o nome de Quinta do conde de S. Tiago741, fora tomada
pela princesa. Quando viúva Maria Francisca Benedita iniciou uma vida retirada e distanciada
dos outros membros da família real.
A Quinta da Princesa estendia-se para um e outro lado da actual Avenida da Torre de Belém742.
Situava-se, segundo as palavras do autor João B. M. Néu : «no seu troço mais ou menos entre a Rua
Tristão da Cunha e o Largo da Princesa». O palácio da quinta encontrava-se ligeiramente a norte do
edifício onde estão hoje o supermercado Pingo Doce e o banco Millennium BCP743. Na Imagem 15
(1816) pode ver-se a Quinta da Princesa a ocidente da Rua do Bom Sucesso. Em fotografia aérea
tirada na primeira metade do século passado744 é também visível a referida quinta, tendo por detrás
os terrenos ainda desertos que viriam mais tarde a dar lugar ao actual bairro do Restelo. Ver Imagem
22 - A Quinta da Princesa é assinalada com o nº 1.

739
Gazeta de Lisboa, 23 de Junho de 1757.
740
A.H.T.C, Décima da Cidade, Ajuda, Arruamentos, DC 15 AR, 1797, pág. 343.
741
A Décima da segunda metade do século XVIII (anos 60, 70, 80, 90) identifica esta propriedade até ao ano de 1797 como
sendo do Conde de Santiago. O mesmo é referido no mapa de Bernardo de Caula (1763), imagem 2 b): com o nº 14: «Quinta
Velha do Conde S. Iago».
A Décima do ano de 1797 refere concretamente que a quinta que identifica como do conde de S. Tiago «he da princesa»
742
Como se pode observar na Carta municipal de 1987 com implantação do hipódromo e da carreira de tiro in J.B.M. Néu,
Em volta da Torre de Belém vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso…, pág. 278.
743
Idem, pág. 131: «ligeiramente a norte do sítio do moderno edifício do encerrado Cinema Restelo». Nele se encontram hoje
o supermercado Pingo Doce o banco Millenium BCP.
744
Provavelmente dos anos 30 ou 40 mas anterior a 1948-1949.Vista aérea da zona de Pedrouços e Restelo, [Lisboa]: [s.n],
[19--] Gabinete de Estudos Olisiponenses, FT 13757 CMLEO.
163
Legenda:

1 - Palácio e excerto de Quinta


da Princesa

2 - Casa e Pátio do Barbosa

3 - Casa e Pátio de D. Fernando


(antiga casa de D. Inês de
Saldanha)

No topo da imagem podem


ver-se os terrenos, ainda
desertos, daquele que viria a
ser o actual bairro do Restelo

164
A quinta de Maria Francisca Benedita não era nova em Pedrouços. A sua existência
remontava, pelo menos, a inícios do século XVI. Daí a designação de Quinta Velha porque foi
conhecida em determinada fase da sua história.
Diz esta mesma história que a propriedade constava de dois prazos. Um deles, localizado a
nascente, foi aforado, em 2 de Dezembro de 1519, pelos monges de São Jerónimo a Gaspar de
Paiva, capitão da Torre de Belém. Passou depois, em data incerta, para as mãos de um novo
dono identificado como Francisco da Costa. Mais tarde, em 30 de Janeiro de 1608, foi adquirido
por Diogo de Póvoa, Provedor Mor das Alfandegas que neste mesmo ano, no mês de Agosto,
aforou outro prazo localizado a poente aos frades de São Jerónimo 745. Enquanto o prazo a
nascente tinha como limite sul a estrada que ia de Belém para Pedrouços, cujo percurso se
mantém idêntico actualmente, o prazo situado a poente ultrapassava esta estrada pelo sul em
cerca de 43 varas, isto é cerca de 47 metros, estando nestes incluída a largura da estrada746.
Diogo de Póvoa murou a sua propriedade.
No ano de 1620 Frei Nicolau de Oliveira irá mencionar esta última ao aludir às primeiras
quintas que o visitante encontra quando chega a Lisboa do lado do ocidente. Refere-a como sendo
a «fermosa Quinta do Provedor da Alfandega ficando-lhe fronteira a do conde d’Atalaya »747.
Desconhece-se se a quinta se terá mantido por muito tempo nas mãos de Diogo de Póvoa.
Sabe-se que em finais do ano de 1620 este último devia ainda residir na zona pois é assinalado
como padrinho de baptismo nos registos paroquiais da freguesia da Ajuda, na qual se incluía a
zona de Pedrouços. Certo é também, que no ano de 1647, a propriedade continuava a manter a
designação de Quinta do Provedor da Alfandega 748. O que já não acontecia em 1697, pois

745
Como comprova a seguinte documentação da primeira metade do século XIX: «…examinar os títulos pertencentes às
propriedades que ficam medidas e que foram deixadas em testamento a excelentíssima condessa da Ribeira pela Sereníssima
Princesa Viúva a senhora Dona Maria Benedita; e por eles se viu que o Primeiro Prazo que fica dentro da Quinta do lado
nascente fora feito em 2 de Dezembro de 1519 pelos [monges] de S. Jerónimo a Gaspar de Paiva pelo foro em fatiota de 200
reis e uma galinha; que sendo comprado este prazo por Diogo de Povoa Provedor Mor das Alfandegas deste reino em 30 de
Janeiro de 1608 aforara este o outro terreno que fica ao poente e está dentro e fora da Quinta aos mesmos frades de São
Jerónimo…» I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 428, pág. 185 v.
746
I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 428, pp. 183 e 185.
747
Frei Nicolau de Oliveira, ob. cit., pág. 219.
748
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 429, pág. 433.
165
quando se procede, neste ano, à medição das terras do duque de Cadaval 749, situadas nas
imediações desta propriedade, ela é identificada como Quinta Velha não se indicando o seu
possuidor. Mais tarde, já no século XVIII, Carlos Mardel assinala-a graficamente na sua
planta750 não lhe atribuindo qualquer identificação ou proprietário.
Sabe-se contudo que, em período anterior a 1750, a Quinta Velha de Pedrouços já tinha por
donos os condes de Santiago que a mantiveram até finais do século XVIII e lhe deram o nome
que perduraria por longo tempo. D. Aleixo de Sousa da Silva e Menezes (2º conde de Santiago
de Beduído - 1675-1744) recebeu-a por herança de D. Antónia de Sousa de Menezes 751.
Desconhece-se a relação desta última com o conde. Poderá tratar-se de uma familiar pelo lado
de seu pai Lourenço de Souza Menezes, 1º conde de Santiago de Beduído (c. 1640-1675). Pouco
se conhece sobre a doadora excepto que esteve em litígio com o Mosteiro de Belém sobre
questão relacionada com o aumento do foro da propriedade de Pedrouços. Ao que parece o
mosteiro ganhou a causa752.
Após a morte de D. Aleixo a quinta ficou na posse de sua mulher D. Leonor Maria Josefa de
Menezes (1680 -?) e posteriormente na de seu filho mais velho herdeiro, o 3º conde de Santiago
de Beduído – D. Lourenço António de Sousa Silva e Menezes (1708-1786)753. Este veio a ter
grandes atribulações a nível financeiro derivadas em primeiro lugar e segundo palavras suas,
do terramoto de 1755 e incêndio que se lhe seguira, desastres que o tinham levado a contrair
sucessivos empréstimos. Naqueles «perdera os móveis de sua casa sem salvar coisa alguma e
uma grande parte da sua renda». Posteriormente havia participado nas campanhas da guerra dos
sete anos (1756-1763) onde ainda mais se havia endividado. Foram estes os argumentos que
utilizou para solicitar moratórias ao rei D. José tendo em vista o prorrogamento do pagamento
das suas dívidas. Invocou ainda o facto de «estar na assistência do Quartel-general». D. Lourenço

749
I.A.N./T.T., Chancelaria de D. Pedro II livro 10, folha 271 e seguintes.
750
Carlos Mardel A planta do cais novo de Pedrouços ao Cais de Santarém. Desenho a tinta-da-china, aguarelado a cores
s/papel A.H.M.O.P. [1733-1763].
751
I.A.N./T.T., Desembargo do Paço, Estremadura, maço 1410, nº 4, pág. 3 e seguintes.
752
Escritura do Cartulário do Mosteiro de Belém, citado por J.B.M. Néu, Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e
Bom Sucesso…, pág. 133.
753
III Conde de S. Tiago – D. Lourenço António de Sousa Silva e Menezes (1708-1786), Governador da Torre de S. Julião da
Barra in Armorial Lusitano, Nobreza de Portugal e Brasil, Ed. Enciclopédica, vol. III, pág. 305, Lisboa, 1961. Cf. tb.
I.A.N./T.T. - Índice da Chancelaria de D. José …(Próprios), vol. 138, pág. 163.
166
referia-se desta forma ao aluguer, à data existente, da sua Quinta de Pedrouços para o Quartel-
general754 755.
É enquanto Quartel-general que esta quinta é habitada pelo conde de Lippe no início da
década de 1760, mais propriamente nos anos de 1763-64. Finalizada a guerra dos sete anos
(1756-63), foi entregue ao conde de Lippe a árdua tarefa de reorganização das forças militares
portuguesas. Muita da sua correspondência, datada desses anos de 1763 e 1764, foi escrita em
Pedrouços ou no Bom Sucesso756, sítios com que indiferentemente referenciava o local onde se
encontrava757. Ao deixar Portugal em Setembro de 1764 considerou ter o seu trabalho concluído
«no essencial». Ver imagem 2b) – Com o nº 14 pode ver-se a quinta do conde de Santiago e
com o nº 15 o palácio da dita quinta que Bernardo de Caula indica estar habitado pelo conde
de Lippe.
Após a saída do conde de Lippe de Portugal, a Décima da cidade informa que a propriedade
de Pedrouços permanece arrendada para o quartel-general.
Por morte do 3º conde de Santiago a quinta ficou na posse de seu irmão D. Nuno Aleixo, 4º
conde de Santiago de Beduido (1713-1798)758. Quando do falecimento deste último passou para
uma de suas irmãs D. Luzia de Menezes. É esta última que, em Julho de 1797, faz doação da
propriedade à princesa D. Maria Francisca Benedita. No acto de doação afirma que a
propriedade «parece muito proporcionada para o recreio da Sereníssima Senhora Princesa D.
Maria Francisca Benedita». D. Luzia de Meneses era dama da rainha D. Maria I e camarista da
princesa Maria Francisca Benedita tendo, segundo afirma, servido esta última «desde a sua tenra
idade de quatro anos»759 .

754
I.A.N./T.T. Desembargo do Paço, Estremadura, maços 2033 nº 5, 1765 doc. 1, 1311 nº 8, 2085 doc. 4.
755
Ao que parece o 3º conde de Santiago D. Lourenço não residiu em Pedrouços. Sabe-se que, entre meados de 1779 e Março
de 1783, viveu em casa alugada sita aos Cardais de Jesus e no ano de 1785 residia na Travessa do Açougue Velho a Santa
Marta, I.A.N./T.T., Feitos Findos, Fundo Geral, Letra C, Caixa 6192.
756
Cartas escritas pelo conde nos anos de 1763 e 1764 que indicam como sua residência indiferenciadamente as zonas de
«Pedrouços» e «Bom Sucesso» in Maria Luiza de Valleré, Elogio historico de Guilherme Antonio de Valleré, Paris: Firmin
Didot, 1808, pp. 196, 198.
757
Os criados do conde de Lippe residiam, aliás, nas proximidades em casa alugada às religiosas do Bom Sucesso, perto de
Pedro Botelho, porteiro da câmara. A.H.T.C., Décima da Freguesia N. S. Ajuda, ano 1763, pág. 113 v.
758
I.A.N./T.T. Desembargo do Paço, Estremadura e Ilhas, maço 247, nº 60.
759
I.A.N./T.T. Desembargo do Paço, Estremadura e Ilhas, maço 244, nº 19. Com efeito António Caetano de Sousa assinala D.
Luzia de Menezes como dama da rainha em 1750, altura em que a princesa Maria Francisca Benedita tinha 4 anos de idade in
D. António Caetano de Sousa Memórias Históricas e genealógicas dos grandes de Portugal, Lisboa, Publicações do Arquivo
Histórico de Portugal, pág. 367, 1933.
167
Medições efectuadas anos mais tarde (1830), indicam que a quinta da Princesa tinha pela
frente do sul ao longo da estrada [de Pedrouços] 178,2 metros limitados pela mesma estrada
(excepto, como se viu, no prazo situado a poente), pelo nascente 128,7 metros confinando com
terras das freiras do Bom Sucesso, pelo norte 136,4 metros limitados por terras da mesma
princesa e pelo poente 130,9 metros confinando com «a serventia da Quinta» 760. Era, utilizando
uma descrição da época, uma «quinta murada em roda que se acha neste sítio, de Pedrouços,
defronte da Torre de Belém e junto da Estrada que se compõem de Casas nobres, e de Caseiro,
Abogoaria, Orta, Jardim, Poços de Nora e Tanques, Pomar, Arvores de fruto e Silvestres, com
Ruas de Buxo» 761. Ver imagem 23. Era, ao que parece, uma das melhores propriedades desta
área: «La seule maison de plaisance remarquable est celle de la princesse douairière do Brésil
à Pedrouços»762 afirma um autor de inícios do século XIX.
A princesa empreendeu obras de vulto nos seus novos domínios. São assinaladas na Décima
dos anos de 1798 e 1799 onde se afirma sobre esta propriedade: «he de S. Alteza que consta de
cazas e quintas que anda fazendo». Documentação localizada na Biblioteca da Ajuda refere-se
também a grandes obras efectuadas por Maria Francisca Benedita na zona de Pedrouços e Bom
Sucesso em propriedades que designa por Quinta Velha e Quinta Nova da Sereníssima
Princesa763. Depreende-se que as obras começaram na Quinta Velha, doada por D. Luzia de
Menezes, passando depois para a Quinta Nova. Desconhece-se ao certo o que refere esta última
designação.
Sabe-se sim que a princesa veio, em 1799, a tomar posse de uma grande extensão de terreno
anexa à sua quinta de Pedrouços: por carta de doação de 25 de Fevereiro deste ano a rainha D.
Maria I deu em perpetuum a sua irmã as terras que possuía em Pedrouços, doação feita com o
fim de aumentar a propriedade da princesa viúva. Aquelas terras formavam no seu conjunto
uma extensão de terreno considerável, bem maior que a da referida Quinta. Estendiam-se para
norte até à Capela de São Jerónimo confinando com terras do mosteiro. A poente eram limitadas
por terras do duque de Cadaval e a nascente e sul por propriedades do marquês de Marialva,

760
I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Lv. 428, pág. 183 e 185.
761
Idem, pág. 183.
762
«A única [casa de recreio] digna de nota é a da princesa viúva do Brasil em Pedrouços» Adrien Balbi, Essai statistique sur
le royaume de Portugal et d’Algarve, Paris, Chez Rey et Gravier, Libraires, 1822, pág. 181.
763
Conjunto de documentos que se refere a obras de grande vulto efectuadas de Janeiro a Junho de 1798 na Quinta da Princesa
Maria Francisca Benedita em Pedrouços. Pela análise da documentação parece tratar-se da construção do palácio B.A. 54-VIII-
47 (35).
168
das freiras do Bom Sucesso, dos frades Jerónimos e da Quinta da Princesa propriamente dita.
Para se ter uma noção da sua extensão basta dizer que foram avaliadas, em termos de cultivo,
em «90 alqueires de trigo de semeadura», enquanto à quinta de Pedrouços foram apenas
atribuídos 18 alqueires764.

23 – Quinta da Princesa

764
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Lv. 428 pág. 183 a 185.
169
Na doação feita por D. Maria I a sua irmã estavam incluídos alguns dos terrenos,
anteriormente referidos, adquiridos nesta zona, no ano de 1727, por D. João V, aos frades
Jerónimos. A princesa comprou depois outras terras pertencentes a particulares 765. Todos estes
terrenos são referidos no testamento de Maria Francisca Benedita datado de 1827, como «um
casal e terras que lhe pertencem» junto da sua Quinta de Pedrouços. São legados à Condessa da
Ribeira Grande766 quando do falecimento da princesa ocorrido em 1829.
Na segunda metade de oitocentos (1860) o palácio da Quinta da Princesa é praticamente
destruído por um incêndio (salvaram-se apenas as cavalariças e o palheiro), tendo sido depois
reconstruído767.
A Quinta da Princesa e os terrenos que depois lhe foram anexados por doação da rainha D.
Maria I conhecerão outros proprietários. Um deles é o «capitalista» António Ribeiro Seabra
que adquiriu a propriedade na segunda metade do século XIX 768. É aos herdeiros deste último
que a Casa Cadaval virá, a comprar parte dos terrenos do Casal da Princesa769. Estes irão ser
vendidos à Câmara Municipal de Lisboa no ano de 1938770. A Quinta propriamente dita
desaparecerá nos anos de 1939 – 1940 com a abertura da Avenida da Torre de Belém e a
construção do bairro do Restelo771.
Seguindo agora para ocidente o observador verá que a primeira transversal do lado direito à
Rua de Pedrouços se denomina Travessa de Ribeiro Seabra, aludindo ao antigo proprietário da

765
Idem, pág. 185 verso: «Viu-se mais que ficando dentro daquela medição das terras…duas terras que eram do duque de
Cadaval três pertencentes... a Manoel Luís Vaz, outras de Matias João Ramos e outras das Freiras do Bom Sucesso; todas elas
vieram para o domínio e posse [d]a Sereníssima Princesa viúva…».
766
Testamento [da princesa Maria Francisca Benedita] 17 de Maio de 1827. I.A.N./T.T., Gaveta 16, Maço 3, nº 10.
767
J.B.M. Néu, , Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso…, pág. 135.
768
Idem, pág. 136.
769
«Há umas boas dezenas de anos a Casa Cadaval comprou aos herdeiros do capitalista Ribeiro Seabra – que adquirira a
Quinta e Palácio da Princesa…em Pedrouços – uma parte dos terrenos hoje ditos Casal da Princesa in Diário de Lisboa, 26 de
Julho de 1938.
Em 1874 é inaugurado o hipódromo de Belém situado em terrenos um pouco a norte da Rua Bartolomeu Dias alugados ao
Duque de Cadaval, ao Duque de Loulé (parte norte da antiga quinta da Praia) e às freiras do Bom Sucesso. Os terrenos alugados
ao Duque de Cadaval faziam parte do anteriormente chamado Casal da Princesa, agora do Duque cf., J.B.M Néu. , Em volta da
Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso …, pág. 185 e 186 (Mapa 40).
770
Diário de Lisboa, 26 de Julho de 1938.
771
João B.M. Néu, Em volta da Torre de Belém, Evolução da zona ocidental de Lisboa…pág. 118. J.B.M.,Néu, Em volta da
Torre de Belém vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso…, pág. 137.
170
Quinta da Princesa. Esta designação veio substituir a de Travessa do Barbosa com que
anteriormente era identificada. Anexa a ela para poente situava-se a Casa e Quinta do Barbosa
personagem que é identificada pela Décima da segunda metade do século XVIII e outra
documentação da época como sendo Manuel Barbosa 772 ou Manuel Barbosa Torres, filho de
Maria Teresa de Abreu, viúva de Estêvão Martins Torres. Logo após o terramoto, em finais de
Novembro de 1755, Manuel Barbosa Torres e sua mãe vieram habitar estas terras, junto à
«estrada de Pedrouços pertencentes aos duques de Cadaval. Com o andar do tempo aqui se
foram fixando em «habitação... de pedra e cal [e] frontaes de tijolo». Era um edifício de
consideráveis proporções. Segundo descrições datadas de 1781 constava de um quadrado de
«cazas baixas com seu pátio no meio por forma de claustro em que há o numero de 32 casas
entre grandes e pequenas…e nestas entra a caza do Oratório e Sacristia…». Incluía ainda:
«oficinas de coxeiras, cavalariças, palheiros e casas para criados». Tinha também «terras de
semeadura», jardim, uma horta, pomar, plantação de árvores, um armazém e um forno de cal773.
Era em suma, utilizando palavras da época: «uma magnifica barraca». A casa do oratório e
sacristia formariam provavelmente aquilo que ficaria conhecido em finais do século XVIII
como a Ermida do Barbosa774. A propriedade estendia-se também para sul da Rua de
Pedrouços775.
No ano de 1757 teve início aquela que viria a revelar-se uma autêntica guerra judicial entre
Maria Teresa de Abreu e seus descendentes e a casa Cadaval. Ir-se-ia estender por mais de 60

772
A Décima da cidade do ano de 1763 informa que no lado direito da Rua de Pedrouços (neste caso o lado Norte), na altura
designada por «Rua Direita que vai do Bom Sucesso» se encontra, logo de seguida à Quinta do Conde de S. Tiago, que regista
com o nº 1), «huma barraca de Manoel Barbosa com seu quintal em que vive avaliada em 80 mil reis» (que regista com o nº 2).
773
I.A.N./T.T., F.F., Casa da Suplicação – Administração de Casas, maço 6, nº 1, nº 2, pág. 418 V., 419.
774
J. B. M. Néu, Em volta da Torre de Belém vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso …, pág. 137.
775
Medições feitas à propriedade de Manuel Barbosa Torres: «… vimos que a terra da Estrada para a terra em que está edificada
a dita barraca tem de comprido, de nascente ao poente à face da Estrada Real que vai para Pedrouços 136 varas e 3 palmos e
do sul para o norte fazendo frente ao nascente tem 110 varas e 2 palmos e do nascente fazendo frente ao norte para o poente
124 varas e 3 palmos e do norte para o sul que se acha este cordeamento tem 124 varas e 4 palmos e a terra que fica defronte
da dita barraca e da estrada para a parte do mar tem de comprimento 136 varas e 3 palmos e a largura que vai da estrada ao mar
se não medio por não nos parecer ser preciso…» in I.A.N./T.T. Desembargo do Paço, Estremadura, Maço 2076, doc. 37 Causa
que traz o Duque de Cadaval com Manuel Barbosa Torres e sua mãe, pág. 9.
Vara – Antiga medida linear equivalente a 1,1 m.
171
anos. Teve origem na contestação do duque de Cadaval, D. Nuno Álvares Pereira de Melo 776 à
ocupação feita por Maria Teresa de Abreu daquela propriedade de Pedrouços. Alegava o duque
ter havido abuso por parte dos locatários, pois o terreno tinha sido cedido temporariamente e
«por caridade» após o terramoto não havendo qualquer autorização para uma ocupação com
carácter de permanência. Pretendia o despejo e demolição do edifício e seus anexos.
Defendiam-se os ocupantes afirmando que haviam sido autorizados pela duquesa do Cadaval,
D. Henriqueta de Lorena777 mãe de D. Nuno, a construir no local um edifício de pedra e cal,
tendo sido convencionado com a duquesa um futuro contrato de aforamento. Anuíam, contudo,
em deixar a propriedade desde que o duque os indemnizasse pelas despesas nela realizadas.
O duque recusava-se a pagar qualquer indemnização e desejava, segundo dizia, poder sair
com sua família a passear e lograr «dos prazeres do campo sem terem pessoas que lhes façam
sujeição e … devacidão». Queria «semear as suas terras» sem ter «semelhante edifício na
vizinhança do seu palácio»778.
Conforme referido no processo judicial os terrenos ocupados por Manuel Barbosa Torres e
sua mãe serviam também, para «o exercício do seu negócio»779. Este último incluía o tráfico de
escravos de Angola e Brasil780, negócio que já estivera nas mãos de seu pai Estêvão Martins
Torres.
Neste longo processo judicial intervieram personagens como a rainha D. Mariana Vitória de
Bourbon (1718-1781), o príncipe herdeiro D. José prematuramente falecido (1761-1788) e o

776
D. Nuno Caetano Álvares Pereira de Melo, (1741-1771), 4º duque de Cadaval.
777
Henriqueta Júlia Gabriela de Lorena - Lambesc (1724-1761), 3ª duquesa de Cadaval,.
778
I.A.N./T.T. FF Casa da Suplicação – Administração de Casas, maço 6, nº 2.
779
«…habitarem…os suplicantes o citio de Pedrouços por ser o que naquelle tempo lhes aparecia mais acomodado aos seus
negócios» I.A.N./T.T. Desembargo do Paço, Estremadura, Maço 2076, doc. 37, Causa que traz o Duque de Cadaval com
Manuel Barbosa Torres e sua mãe.
780
Por alvará de 26 de Fevereiro de 1753 o Conselho Ultramarino assinou com Manuel Barbosa Torres um contrato de 6 anos
relativo ao comércio de escravos daquela colónia. O contrato teve início em 5 de Janeiro de 1754 in Biblioteca da Academia
das Ciências de Lisboa, Legislação Portuguesa, 14, (1751-54), nº 62: Alvará de 26 de Fevereiro de 1753 cit. por Veríssimo
Serrão, História de Portugal, Vol. VI, pág. 137. Cf. tb. Castro e Almeida, Inventário dos documentos relativos ao Brasil
existentes no Archivo de Marinha e Ultramar, Rio de Janeiro, Bibliotheca Nacional, 1934, docs. 3856-3857, 9610 a 9612, 9986,
9987, 12557, – 10191 a 10199-12681-12682-12921 e I.A.N./T.T. Índice da Chancelaria D. José (Próprios) pág. 263, Entrada
Manuel Barbosa Torres.
172
conhecido negociante Jacome Ratton (1736 – c.1822)781. Só terminou no ano de 1818, tendo os
herdeiros de Manuel Barbosa sido obrigados a abandonar a propriedade depois de estabelecido
o valor das benfeitorias que deveriam receber.
Se o observador analisar agora o mapa da Imagem 2 b) verá que o edifício que se encontra
imediatamente a poente da propriedade que nele se designa por Quinta Velha do Conde de S.
Tiago (nº 14), deverá ser a dita Casa do Barbosa identificada com a letra C. Entre as duas
propriedades situava-se a referida Travessa do Barbosa, nome que se manteve na segunda
metade do século XVIII e grande parte do século XIX782. A Casa e Travessa do Barbosa foram
uma referência na zona. Ver imagem 15. Esta propriedade pode ainda ser observada na
fotografia aérea atrás referida, datada da primeira metade do século XX. Ver Imagem 22 - com
o nº 2 Casa e Pátio do Barbosa
O nome Casa do Barbosa veio depois a desaparecer, mantendo-se apenas a designação Pátio
do Barbosa identificando o recinto anexo à casa em questão. Mesmo recentemente, no ano de
2005, o Pátio do Barbosa ainda era referido no Roteiro Profissional de Lisboa como estando
localizado na Travessa de Ribeiro Seabra783. A substitui-lo encontra-se agora a Rua António de
Abreu.
Prosseguindo no lado norte da Rua de Pedrouços o observador irá deparar, após ter passado
o nº 24, com o Largo Maria Isabel Aboim Inglês, designação que veio substituir a de Pátio de
D. Fernando, que por mais de um século identificou este espaço 784. Referia-se a D. Fernando

781
Industrial e negociante da praça de Lisboa. Sendo francês de nascimento, tornou-se português por naturalização. Teve
grande actividade e arrojada iniciativa nos mais variados assuntos do comércio, indústria e agricultura. Escreveu e publicou,
em 1813, a obra intitulada: Recordacoens de Jacome Ratton fidalgo cavalleiro da Caza Real, cavalleiro da ordem de Christo,
ex-negociante da praça de Lisboa, e deputado do tribunal supremo da Real Junta do Commercio, Agricultura, Fabricas e
Navegação…Esta obra é «de uma grande importância pela vasta cópia de informações e de esclarecimentos que encerra, tudo
acompanhado de reflexões, quase sempre judiciosas, e de anedotas interessantes, relativas principalmente ao governo do
marquês de Pombal e à reacção que se lhe seguiu».
782
O Itinerário Lisbonense de 1804 identifica aquela artéria como sendo a «1ª à direita, entrando na Rua de Pedrouços vindo
do Bom Sucesso e termina nas terras de Pedrouços» Itinerário Lisbonense…, Lisboa, na Imp. Regia, 1804, pág. 60.
783
Lisboa - Roteiro Profissional, 2ª Edição, Lisboa, ClipArte, Design e Mapas Turísticos, Lda, 2005, pág. 78.
784
Francisco Simões Ratolla, Roteiro de Pedrouços da Freguesia de Santa Maria de Belém Lisboa, Imprensa Luso - Africana,
1908, pág. 6.
173
António de Almeida e Silva (1769-1834), trinchante - mor da casa real (1791)785 e mais tarde
conde de Oliveira dos Arcos (1829), título que lhe foi atribuído, já nos últimos anos de vida,
pelo rei D. Miguel786. O palácio onde residiu, conhecido por Casa de D. Fernando, ainda existia
nas décadas de 40 e 50 do século passado, estando nele a funcionar uma escola primária onde
estudaram os irmãos da signatária deste estudo. Ocupava os actuais nºs 3 e 4 do largo em
questão787. No nº 3 encontram-se hoje em dia instalados os Correios. D. Fernando possuía ainda
outras propriedades a sul da Rua de Pedrouços788, parcelas de terreno que são visíveis na
imagem 15 com os nºs 21 e 22.
À semelhança de muitos dos seus pares D. Fernando viu-se ao longo da vida envolvido em
constantes dificuldades financeiras. A impossibilidade de satisfazer os credores, entre os quais
se viria a incluir o duque de Cadaval a quem estava aforada esta propriedade de Pedrouços,
levou D. Fernando, no ano de 1793, a suplicar ao príncipe D. João que o ajudasse a pagar as
suas dívidas pois, segundo disse «succedendo na sua caza» achou-a «no estado mais deploravel
de empenho». O seu pedido foi atendido, sendo-lhe concedida uma consignação anual de 2
contos e 400 mil reis, montante que foi depois reduzido devido às vicissitudes atravessadas pelo
país, nomeadamente as exigências financeiras das campanhas militares com a Espanha, nas
quais D. Fernando também colaborou. Mais tarde, no ano de 1803, D. João aproximou de novo
a consignação a valores próximos dos iniciais.
D. Fernando foi o primogénito de D. João de Almeida e Silva Vasconcelos e Sousa (1743 -?)
e de D. Inês Antónia da Câmara (1748 -?), ambos residentes nesta propriedade de Pedrouços.
A primeira inquilina da casa foi sua avó D. Inês Maria de Saldanha (1723 -?) que logo no início
de 1756, poucos meses depois do terramoto, aqui iniciou a construção de uma barraca com
licença de Henriqueta de Lorena, duquesa do Cadaval789. Quatro anos mais tarde790 aforou a

785
I.A.N./T.T. Chancelaria de D. Maria I. Próprios, Livro 167, Carta de Trinchante da Casa Real, de 28 de Março de 1791,
passada a D. Fernando de Almeida.
786
No ano de 1829 D. Fernando é feito, pelo rei D. Miguel, conde de Oliveira dos Arcos in Araújo Affonso & Travassos Valdez,
Livro de Oiro da Nobreza, Tipografia «Pax», Braga, 1934, Tomo III, pág. 729.
787
J.B.M. Néu, Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso…, pág. 35.
788
I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 428, pág. 22, Escrituras de vendas e de aforamentos,
Livro 144, p. 16 v.
789
I.A.N./T.T., Desembargo do Paço, Estremadura, Maço 2076, doc. 37, pág. 14.
790
I.A.N./T.T., Índice da Chancelaria de D. José I, Extinção de Capelas, (Comuns), vol. 160, pp. 117/118.
174
propriedade ao 4º duque de Cadaval, D. Nuno Caetano Álvares Pereira de Melo 791. Constava
na altura de uma casa nobre, térrea com seu quintal792. D. Inês Maria de Saldanha era senhora
do morgado de Oliveira dos Arcos. Pertencia à «primeira nobreza da corte» embora não fizesse
parte dos denominados Grandes do reino que incluíam as casas Cadaval, Aveiro, Tancos e
outros. Como dama do paço viera, tal como muitos nobres e altos dignitários da época, residir
perto da corte após o grande terramoto. Era a 4ª filha de João Pedro de Saldanha de Oliveira e
de sua segunda mulher, Inês Antónia da Silva. Foi casada com o almotacé - mor do reino D.
Lourenço da Câmara Coutinho (1710-?) 793.
A Décima da segunda metade de setecentos assinala em Pedrouços, de seguida à propriedade
de D. Inês de Saldanha, uma outra pertencente a sua irmã D. Francisca de Saldanha (1727-?)
que fontes genealógicas indicam ter permanecido solteira.
Ao examinar a Décima do ano de 1763 o observador verá que as propriedades assinaladas
como Quinta do Conde de São Tiago, Manuel Barbosa e Maria de Saldanha (Maria Inês de
Saldanha) são numeradas sequencialmente de 1 a 3. Examinando a Imagem 2 b), elaborada no
mesmo ano, reparará que a ocidente da propriedade, que se considerou provável ser a de Manuel
Barbosa, encontra-se um imóvel de certa dimensão relativamente aos que o rodeiam que é
possivelmente o de D. Inês de Saldanha, (Identificado com a letra B). Esta propriedade é
igualmente mencionada na imagem 15 a ocidente da Casa do Barbosa e da Quinta da Princesa,
mas agora (1816) conhecida como Casa de D. Fernando, neto de D. Inês que à data aí residia.
Tal como a Quinta da Princesa e a Casa e Pátio do Barbosa também a Casa e Pátio de D.
Fernando é visível na fotografia aérea da primeira metade de novecentos que tem vindo a ser
referida. Ver Imagem 22

791
Na Décima do ano de 1763, de seguida à casa de Manuel Barbosa, encontra-se uma propriedade a que é atribuído o nº 3,
descrita como sendo a «barraca da Exma. D. Maria Saldanha em que vive» avaliada em 100 mil réis. A.H.T.C. Décima da
Cidade, Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda1762-1763 DC 1 PRU pág. 114 V.
792
A.H.T.C., Décima da Cidade, Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda, 1766, pág. 117.
793
Genea Portugal – http://www.geneall.net/site/home.php
Felgueiras Gayo, Nobiliário das famílias de Portugal.
Silva Canedo, A descendência portuguesa de El Rei D. João II.
António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Tomo XI, Coimbra, Atlântida Editora - Livraria,
1953, pág. 145.
175
Ao deixar o Largo Maria Isabel Aboim
Inglês e prosseguir para ocidente o observador
irá, pouco depois, desembocar na esquina da
Rua de Pedrouços com a Rua Duarte Pacheco
Pereira. Aqui, no espaço compreendido entre
os números 84 a 88, situa-se um prédio de três
andares cuja estrutura e outras características
(entre as quais se contam o emparedado do seu
piso térreo), indicam que se trata
provavelmente de um edifício setecentista.
Plantas desta zona, do início do século XIX
(1811)794 assinalam neste local um edifício em
posição aproximadamente coincidente
(tomando-se como referência a Travessa das
Piteiras - localizada no lado sul da Rua de
Pedrouços um pouco a oriente daquele edifício
- artéria já existente em finais do século
XVIII795). Na Imagem 2 b) é assinalado, a
oriente da quinta do duque de Cadaval
(identificada com o nº 12), um imóvel que se
destaca pelas suas consideráveis proporções
em relação aos restantes. Poderá tratar-se do
prédio em questão. Ver Imagem 24
Este antigo edifício possuía, até há cerca de
24 – Prédio setecentista da Rua de Pedrouços
10 anos atrás, na escada e no salão do primeiro

794
Carta de Pedrouços com a planta da bateria do Bom Sucesso e do Terreno que lhe pertence e sua explicação oferecida ao
Illmo … Miguel Pereira Forjaz, Dezembro 1811, Martinho José de Perne A.H.M., Arquivo da Direcção de Arma de Engenharia,
D.A.E. – Arquivo de Desenhos, Doc. 815, Armário 1, Prateleira 6, Pasta 10.
795
Pela qual passava a Ribeira do Duque, visível tanto na, atrás referida, planta de 1811, como na planta de 1816, Imagem 15
e em mapas de finais de setecentos.
176
andar, alguns painéis de azulejos setecentistas representando cenas de caça 796. Infelizmente
parte deles foram roubados numa noite da década de noventa. Os restantes foram retirados pela
Câmara de Lisboa para que não sofressem igual sorte.
Seguindo para ocidente e cruzando a Avenida Duarte Pacheco Pereira que, tal como a
Avenida da Torre de Belém, estava ainda muito longe de existir nesta segunda metade de
setecentos, o observador irá encontrar o Instituto de Estudos Superiores Militares. Neste vasto
recinto situavam-se a Quinta e o Palácio dos Duques de Cadaval. Na época a Rua de Pedrouços
terminava na Quinta Cadaval797. O palácio de campo do duque ficava onde é hoje o
«Departamento de Apoio»798 do referido Instituto. Ver Imagem 25

25 – O palácio Cadaval

796
Gilberto Monteiro, Notas sobre o sítio de Pedrouços in Revista Olisipo, Janeiro de 1964, nº 105 Amigos de Lisboa, Lisboa,
1964, pp. 26 e 27.
797
Itinerário Lisbonense 1804, Lisboa, na Imprensa Régia, pág. 44.
798
O Instituto de Altos Estudos Militares, [Lisboa], Edição comemorativa dos 60 anos da criação da Escola Central de Oficiais,
1987, pág. 11.
177
Mas as propriedades do duque de Cadaval estendiam-se muito para além desta quinta.
Embora seja difícil estabelecer rigorosamente os seus limites, sabe-se que subiam pela encosta
e alargavam-se por uma extensa área ocupando grande parte do actual Bairro do Restelo.
Alcançavam o lugar de Pai Calvo, onde hoje se encontra hoje o Bairro de Caselas. O duque
tinha ainda dois terrenos no sítio do Caramão da Ajuda e mais um localizado «acima da Estrada
que vai para Linda-a-Velha» chamado o «Barro da Cova».
São mais fáceis de limitar as possessões do duque a sul da Rua de Pedrouços. Não incluíam
os terrenos denominados da Esplanada da Bateria do Bom Sucesso que como se disse foram
aproveitados por Valleré para o estabelecimento de terras de cultura. Não abrangiam também
os terrenos localizados a este e nordeste destes últimos: a, atrás referida, «grande praia
pertencente a Real Fazenda» e outras propriedades já mencionadas neste estudo: Quinta da
Princesa, Casa dos Governadores da Torre de Belém, Convento e terrenos das freiras
irlandesas, Quinta do Correio-Mor, Quinta da Praia. Se o observador examinar a planta da
Imagem 15 e a comparar com o Tombo das Propriedades do duque de Cadaval datado de 16
anos mais tarde (1832), verificará que as terras do duque se iniciavam a norte do sítio onde está
assinalada na planta a Rua Nova da Praia799. Prosseguiam depois para ocidente, sempre
confinando com as terras da Esplanada da Bateria do Bom Sucesso cujo limite é bem visível,
pois está em traço carregado a negro no mapa e engloba várias parcelas de terreno numeradas.
Pertenciam assim ao duque diversas propriedades a norte da Esplanada do Bom Sucesso
alugadas a terceiros, a saber: o Pateo da Fabrica da Sola, a Fabrica da Sola, a Fabrica da
Chita, a Caza do Exmo. Marquês de Borba, as Ortas do Agard (excluindo-se as terras 25 e 26
da Esplanada do Bom Sucesso, que como se verá, foram aforadas a Agard pela Real Fazenda).
Pertenciam-lhe obviamente as Terras do Duque e também os terrenos a ocidente destas últimas.

799
Tombo das propriedades que o Excelentíssimo Duque de Cadaval possue no citio de Pedouços dentro das quais tem o seu
palácio e quinta, Ano…1832 «indo a medição por detrás das Cazas dos herdeiros de Bernardo Pires de Carvalho até à Rua que
vai por detrás das courellas da Esplanada da Bateria do Bom Sucesso se achou ter 63 varas confinando pelo nascente ou sueste
com as ditas dos ditos herdeiros; e voltando a medição mais para poente pela dita Rua abaixo até a hum marco do reguengo e
que serve de deviza às courelas de que he foreiro António Agard se achou ter 172 varas confinando pelo sul com o valado e
casas foreiras à Real coroa e courelas da dita esplanada…» I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés,
Livro 428, pág. 201.
178
As propriedades numeradas de 1 a 29 na planta faziam parte da Esplanada da Bateria do Bom
Sucesso e pertenciam à coroa800.
Quer a norte quer a sul da Rua de Pedrouços o duque tinha propriedades alugadas, incluindo-
se nelas, a norte, como se viu, as de Manuel Barbosa Torres e de D. Fernando de Almeida e
Silva.
Embora se saiba que as propriedades lhe foram concedidas por doação real801 desconhece-
se a data exacta em que delas tomou posse. Em 1620, o já mencionado autor Frei Nicolau de
Oliveira não faz qualquer menção às terras do duque nesta zona. Citando novamente as suas
palavras, diz este autor que quem chega a Lisboa «da parte do ocidente a primeira cousa que
encontra… he a fermosa quinta do Provedor d’Algandega ficando-lhe fronteira a do conde
d’Atalaya as quais ficando no meio delas a estrada são como duas balizas do fim desta cidade
daquela parte occidental»802. Esta afirmação não deixa qualquer dúvida quanto à inexistência,
à data, da propriedade dos Cadavais na zona.
Sabe-se que «boa parte das casas titulares portuguesas» não morava em Lisboa no início do
século XVII. Várias delas residiam no Alentejo: entre estas o próprio duque de Cadaval na
altura conde de Tentúgal e marquês de Ferreira, que vivia em Évora. Outras moravam noutros
pontos do país e também nas ilhas. Refira-se, ainda, a título de curiosidade, que, nos últimos
tempos da monarquia Filipina, uma parte considerável da nobreza portuguesa residia na capital
espanhola porque «a política deliberada de Madrid conseguiu atrair para lá parte da nobreza do
reino»803.
Acrescente-se que os Registos Paroquiais804, compreendidos entre os anos de 1582 a 1681,
relativos à freguesia da Ajuda (na qual Pedrouços estava incluído) não contêm qualquer
referência aos duques de Cadaval, embora mencionem frequentemente os nobres detentores de
propriedades nesta freguesia. Caso de D. Manuel de Portugal, dos condes de Calheta, Óbidos,
Monsanto, Aveiras e outros. Referem igualmente personagens como Diogo de Póvoa, dono da

800
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 428, pp. 15 a 80.
801
Idem, ibidem.
802
Frei Nicolau de Oliveira, ob. cit., pág. 219.
803
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro, ob. cit., pp. 427, 428
804
De baptismo.
179
Quinta do Provedor da Alfandega, mais tarde propriedade dos condes de Santiago e depois da
princesa Maria Francisca Benedita.
No ano de 1692 a Quinta Cadaval surge já mencionada nos Róis de confessados da freguesia
de Nossa Senhora da Ajuda805. Mas como são os primeiros róis conhecidos da freguesia
permanece a dúvida sobre a existência da quinta em anos anteriores.
O que parece evidente é que os Cadavais tomaram posse dos terrenos após a Restauração.
Evidência comprovada, para além de outros factos, pela leitura de um alvará do ano de 1697806
no qual o monarca D. Pedro II807 (1648-1706) concede ao duque a redução do quarto que era
obrigado à coroa pela posse de dois casais em Pedrouços, convertendo-o no pagamento de um
foro808 anual. Neste documento é revelada a identidade dos anteriores proprietários: o mais
pequeno dos casais havia pertencido a um dito Manuel Guterres e o maior ao conde de Linhares.
Trata-se do 4º conde de Linhares D. Miguel de Noronha (c.1585-1647), que não tendo aderido
à causa da Restauração viu a sua casa extinta e os seus bens confiscados e doados a terceiros.
As terras que possuía em Pedrouços deverão ter transitado para o 1º duque de Cadaval D. Nuno
Alvares Pereira de Melo (1638-1727), um dos nobres com maior influência política do seu
tempo. É depois integralmente transcrita a medição destes casais, efectuada a pedido do duque.
Verifica-se que no, seu conjunto, formam uma vasta área e constituem a parte predominante
das propriedades da casa Cadaval nesta zona.
Cerca de oitenta anos mais tarde por Decreto de 6 de Maio de 1777 e Suplimento de 12 de
Março de 1779 a casa Cadaval obtém nova concessão: por mercê da rainha D. Maria I é isenta
do pagamento do quarto nos «Casais e Foros e Quinta» do lugar de Pedrouços809.

805
J.B.M. Néu, Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso …, pág. 21. A Quinta do Duque de Cadaval é
também assinalada no grande painel intitulado “Vista de Lisboa anterior ao terramoto” de c. 1700, atribuído ao pintor Gabriel
del Barco, que se encontra no Museu Nacional do Azulejo.
806
I.A.N./T.T., Chancelaria de D. Pedro II, Livro 10, Folha 271 V e seguintes.
807
D. Pedro II (1648-1706) – Filho de D. João IV e de D. Luísa Francisca de Gusmão. Casou em primeiras núpcias com a
cunhada D. Maria Francisca Isabel de Sabóia (1646-1683) e em segundas núpcias com D. Maria Sofia de Neubourg (1666-
1699).
808
Quantia que um enfiteuta paga ao senhorio directo.
809
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Reguengo de Algés, livro 427 (2), pág. 15 V.
180
D. Pedro II e seu filho D. João V passaram algumas temporadas na Quinta Cadaval810. Nela
realizavam-se animadas touradas e exercitava-se a arte da equitação. Entre as várias
dependências da propriedade incluía-se o edifício do picadeiro, hoje desaparecido. Foi mandado
fazer, já no século XVIII, pelo 3º Duque de Cadaval, D. Jaime de Mello (1684-1749) «que era
eminente na arte de cavallaria» e aqui exercitava os seus cavalos. Era também destro na arte de
tourear811. Os painéis de azulejos, alusivos a esta arte, que se encontram hoje no Departamento
de Ensino do Instituto de Estudos Superiores Militares, pertenciam ao antigo picadeiro. Este
dava directamente para a Rua Direita de Pedrouços hoje Rua de Pedrouços e situava-se em
frente da entrada da Travessa da Torrinha, já conhecida por este nome no ano de 1800. Ver
Imagem 15. A transversal à Rua Direita de Pedrouços em frente ao Picadeiro é a Travessa da
Torrinha.
Em 2 de Junho de 1761 era noticiado em jornais da época o falecimento, no seu palácio de
Pedrouços, da duquesa de Cadaval, Henriqueta de Lorena, de 38 anos, viúva de D. Jaime de
Mello. Na época era também conhecida por Mademoiselle de Braine 812.
Não haviam sido fáceis as relações da duquesa de Cadaval, com seu filho, o 4º duque D.
Nuno (1741-1771), que no ano de 1756 demandara judicialmente sua mãe para prestar contas
«pela administração dos rendimentos da casa e pelo destino dado aos bens vinculados em
testamento pelo avô, o 1º duque do título»813.
Apesar de se tratar de uma das primeiras casas nobres portuguesas com estreitas relações
com a família real, a Casa Cadaval vivia, nesta altura, em difícil situação financeira. O 1º duque,
D. Nuno foi o único que pode afirmar em testamento «declaro que não devo nada» 814. Já não se
passou o mesmo com seu filho D. Jaime 815 que se viu em sérias dificuldades económicas,

810
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, vol. V, 1640-1750, Lisboa, Editorial Verbo, 1982, pág. 135.
811
João Carlos Feo Cardoso de Castello Branco e Torres, Resenha das famílias titulares de Portugal dos pares do reino e dos
fidalgos que tem exercício no paço…, Lisboa, Livraria Central de J. Melchiades & Cª Editores, 1863, pág. 34.
812
Era filha do conde de Braine que era também príncipe de Lambesc e conde de Brione in Gazeta de Lisboa de 2 de Junho de
1761, nº XXII.
813
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro, ob. cit., pág. 166.
814
Idem, pág. 358.
815
D. Luís Ambrósio de Melo, 2º duque de Cadaval (1679-1700) falecera cedo, com apenas 20 anos de idade. Sucedeu-lhe
seu irmão D. Jaime, o 3º duque do título in Genea Portugal http://www.geneall.net/site/home.php
181
situação aliás comum à generalidade da nobreza portuguesa setecentista que vivia em
«tendência crónica para o endividamento»816. Foram sem dúvida os apertos financeiros que
levaram Henriqueta de Lorena a empenhar as suas jóias ao duque de Aveiro. Quando da
fatalidade que atingiu a Casa de Aveiro e levou à execução do duque e extinção dos seus
domínios, estas jóias foram prontamente recuperadas, sem obrigação de juros817. Foram também
as dificuldades económicas que levaram seu filho D. Nuno, 4º duque de Cadaval a solicitar, em
Novembro de 1761, ao rei D. José autorização para realizar, no seu palácio de Pedrouços, um
leilão de jóias e peças de ouro e prata. Pedido que o monarca satisfaz, embora considere o
palácio de Pedrouços pouco indicado para este efeito por ser longe do centro da cidade. Contudo
a permissão é dada pois: «algumas das jóias não devem expor-se aos incómodos que são falíveis
quando se queirão transportar a diferente lugar»818 .
Esta permanente situação de crise financeira da nobreza portuguesa devia-se,
principalmente, a uma má gestão dos seus recursos. Esta é pelo menos a explicação apontada
para o facto por Ricardo Raimundo Nogueira (1746-1827) que afirmava em inícios do século
XIX: «Os fidalgos... em Portugal geralmente são pobres pela má administração das suas
fazendas»819.
Ao 4º duque D. Nuno sucedeu seu filho D. Miguel Caetano (1765-1808). Enquanto D. Nuno
tinha feito da quinta de Pedrouços a sua residência habitual já o mesmo não sucedeu com D.
Miguel que não consta que aqui tivesse vivido com carácter de permanência 820.

816
«Num plano muito geral, é possível sustentar que a tendência para o endividamento crónico é o resultado da lógica do
consumo de prestígio, por seu turno o elemento definidor do ethos das aristocracias europeias…» in Norbert Elias, A sociedade
de corte, cit. por de Nuno Gonçalo Freitas Monteiro, ob. cit., pág. 370. No entanto «…a recorrência das dívidas era uma
característica ainda mais marcante na aristocracia em Portugal do que em outras monarquias da época», Idem, pág. 372.
817
Luís de Bívar Guerra, Inventário e sequestro da casa de Aveiro em 1759, Edições do Arquivo do Tribunal de Contas, Lisboa,
1952, pág. 212.
818
I.A.N./T.T. Desembargo do Paço, Maço 2063, doc. 21, Estremadura.
819
Ricardo Raimundo Nogueira, Apontamentos e documentos para a História de Portugal desde 1807 in Christovam Ayres de
Magalhães Sepúlveda, História orgânica e política do exército português, Provas, Volume X, Guerra Peninsular, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1913, pág. 39.
Ricardo Raimundo Nogueira – Notável jurisconsulto foi professor da Universidade de Coimbra e reitor do colégio dos nobres.
820
Nos almanaques da época é indicado como residente no Rossio.
182
26 – A Torrinha

183
A propriedade dos Cadavais confinava a ocidente com a Ribeira de Algés821. Esta era
atravessada por uma ponte em pedra, construída no ano de 1618. Era a denominada «ponte de
Pedrouços» citada por diversas vezes em periódicos da época822 como ponto de referência para
venda de propriedades neste local.
O observador chegou, agora, ao final da Rua de Pedrouços. Irá iniciar o seu caminho de
regresso, na mesma rua em sentido inverso. Para sul, à sua direita, situavam-se igualmente as
terras do duque. Após o nº 103 irá encontrar a Travessa da Torrinha. A designação Torrinha
alude a um edifício, que aqui existiu, identificado à data como o Torreão do Duque de
Cadaval823 ou a Torrinha de Recreio. A Torrinha surge em fotografia da primeira metade do
século passado. Ver Imagem 26. Por ela se vê que não tinha, na altura, qualquer semelhança
com uma torre o que leva a pensar que já teria sofrido grandes transformações. Veio a ser
vendida pelos Cadavais à Câmara de Lisboa, no ano de 1938, tal como os restantes terrenos da
casa ducal. Foi depois destruída.
Uns metros adiante da Travessa da Torrinha encontra-se um portão, com o nº 99 A, que dá
acesso a um pátio onde se acha um belo edifício, antigo palácio, na mais completa degradação.
Esta propriedade com os jardins anexos para sul é já assinalada em plantas de finais do século
XVIII824. Pela leitura dos documentos da Décima da segunda metade de setecentos depreende-
se foi pertença dos Duques de Cadaval825. É descrito na Décima do ano de 1763 como «Palácio
do Exmo. Duque de Cadaval avaliado com o jardim e acomodações em 400 mil reis» 826. No
século XIX a propriedade e terras anexas (a sul e oriente) vieram a ser adquiridas ou arrendadas
por um tal Garcia. Numa planta do início do século XX (1909) são assinaladas neste local como

821
Pinho Leal, Portugal antigo e moderno, Lisboa, Livraria Editora de Matos Moreira & Companhia, 1873, vol. 1, pág. 127,
Entrada: Algés: «Teem aqui próximo, na margem do rio, uma boa casa de campo e grande matta de corpulentas arvores
silvestres os srs. Duques de Cadaval».
822
Vários números do Correio Mercantil e Económico do ano de 1790.
823
Referido por personagens como Maria Louise Valleré, filha do general Luís António de Valleré in Marie Louise Valleré,
Elogio Histórico de Guilherme Luís… pág. 68.
824
I. P. C. C., Armário 3, nº 127, Planta do terreno em volta da Torre de Belém, Projecto de Valleré. A fotografia desta planta
encontra-se no A.H.M., Direcção de Arma de Engenharia, Gabinete de Estudos Arqueológicos, 6662 2A/29A/107.
825
A.H.T.C., Décima da Cidade, Ajuda, 1777 DC 9P, pág. 183. Assim o afirma também Luís Pastor de Macedo na sua Planta
[manuscrito] in Bibliografia Olisiponense: recortes de jornais/Pastor de Macedo, vol. 23, pág. 9, G. E. O., REC 1, CMLEO 1.
826
A.H.T.C., Décima da Cidade, Ajuda, 1762-1763, DC1 PRU, pág. 124, nº 11.
184
a Horta do Garcia827. A propriedade ainda hoje é conhecida por Vila Garcia828. No ano de 1945
é posto a leilão o valioso recheio deste palácio 829. Ver imagem 27

27 – Palácio Vila Garcia

Prosseguindo no mesmo sentido e passado o nº 85 encontra-se a Travessa das Piteiras. Em


inícios do século XIX era conhecida por Travessa das Galinheiras. Ambas as designações
sugerem actividades ligadas à criação ou ao comércio de galinhas.

827
Júlio António Vieira da Silva Pinto, Planta da cidade de Lisboa, 2-B, 1909, MC 29.1, Câmara Municipal de Lisboa, G.E.O.
828
Mapa de Lisboa Interactiva, 2004, Câmara Municipal de Lisboa.
829
Diário de Notícias, 22 de Dezembro de 1945.
185
Aqui corria a Ribeira do Duque [de Cadaval], que pode ser observada na Imagem 15: seguia
em percurso coincidente com o da Travessa das Piteiras até alcançar aquele que é hoje o Largo
Luís Alves Miguel (à data este largo estaria em posição fronteira ao que é representado no mapa
como os jardins da caza do Exmo. Marquez de Borba). De seguida a ribeira inflectia o seu
percurso e continuava pela actual Travessa do Forte da Areia (na altura Travessa do Exmo
Marquez de Borba). Desviava depois o trajecto para ocidente indo desembocar à praia.
Continuando o seu caminho, na Rua de Pedrouços, o visitante encontrará, após o nº 75, a
Rua da Praia de Pedrouços que surge designada por Travessa do Xampellão em planta de
1811830. Na Imagem 15 não se atribui qualquer identificação a esta rua. Apresenta na sua
esquina nascente a caza do Exmo Marquêz de Borba. Era, como se disse, uma propriedade
foreira ao duque de Cadaval831. Foi utilizada como casa de veraneio, em inícios do século XIX,
pelo 2º marquês de Borba, D. Fernando Maria de Sousa Coutinho, (1776-1834), casado com D.
Eugénia Manuel de Noronha (1776-1846), filha de D. António Luís de Menezes e de D.
Domingas Manuel de Noronha, 3ª marquesa de Tancos, já mencionados a propósito da Casa
dos Governadores da Torre de Belém, residência de D. Domingas Manuel de Noronha, quando
solteira. Desconhece-se a data exacta em que D. Fernando Maria de Sousa Coutinho tomou
posse da casa de Pedrouços. Sabe-se, no entanto, que, em Dezembro de 1811, sua mulher D.
Eugénia Manuel aforou à Real Fazenda as courelas de terra nºs 9, 10, 11, 12, 27, 28, e 29
pertencentes à Esplanada da Bateria do Bom Sucesso que são visíveis na Imagem 15. Há
também registo que cinco anos mais tarde aforou quatro dessas courelas (nºs 9, 10, 11 e 12) a
D. Antónia de Lima de Carvalho. As courelas 27 e 28 indicadas na imagem como pertencentes
a Manuel Nunes deverão ter sido arrendadas a este último pela marquesa. Este agricultor já as
cultivava desde o ano de 1805832.
Se o transeunte seguir agora, por uns instantes, pela Rua da Praia de Pedrouços irá
desembocar no atrás referido Largo Luís Alves Miguel. Ao prosseguir neste Largo, no sentido

830
Carta de Pedrouços com a planta da bateria do Bom Sucesso e do Terreno que lhe pertence e sua explicação oferecida ao
Illmo … Miguel Pereira Forjaz, Dezembro 1811, Martinho José de Perne, A.H.M., Arquivo da Direcção de Arma de
Engenharia, D.A.E. – Arquivo de Desenhos.
831
Luís Pastor de Macedo, Em que casa faleceu José Agostinho de Macedo? in Revista Municipal, Lisboa, nº 103 (1964), pp.
19-25.
832
I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Escrituras de vendas e de aforamentos, Livro 144, p. 51, Livro 145, p. 15.
186
nascente, encontrará o prolongamento actual da Rua da Praia de Pedrouços identificado na
época como Rua da Fábrica da Sola, nome que referia uma fábrica de curtumes aqui instalada
por João Agard, no ano de 1786 (imagem 15)833 834. A fábrica manteve-se cerca de um século
na posse dos descendentes de Agard 835. Um destes, António Agard, iria, no ano de 1805, aforar
à coroa os terrenos indicados na imagem com os nºs 25 e 26. António Agard obrigar-se-ia,
segundo indica o Termo de Aforamento, sob pena de perder as terras em questão, a dar saída,
por meio de um encanamento, às águas da sua fábrica de sola 836. O que efectivamente cumpriu
como indica na mesma imagem o Cano que atravessa os referidos terrenos.
A fábrica passou mais tarde para as mãos de Henriques e Cª 837. Em meados do século XIX
veio a ser responsável pelo acumular de imundícies na praia de Pedrouços que iriam ter sérias
consequências para a saúde dos habitantes da zona, levando ao aparecimento de doenças como
a febre tifóide838.
Mas para além da fábrica de Agard, e ainda em finais do século XVIII, outras havia
estabelecidas na zona. Caso de uma fábrica de chitas que, no ano de 1796, estava instalada no
lado sul da Rua Direita de Pedrouços (Imagem 15). Não demorou a entrar em falência. No ano
de 1824 o edifício já se encontrava para venda 839.
Outra fábrica da mesma época foi a de cordoaria da viúva Gaffari e filho. Surgiu também em
Pedrouços em finais do século XVIII, mais concretamente no ano de 1795840.

833
João Agard pediu e foi-lhe concedida autorização de exclusividade in Francisco Santana, Documentos do Cartório da Junta
do Comércio respeitantes a Lisboa, Vol. I, 1755-1804 …pp. 539, 540.
834
Segundo o autor J. B. Néu ficava situada no «lado norte da Rua da Praia de Pedrouços junto à ligeira curva que esta rua faz
aproximadamente a meio do seu traçado, em grande parte ocupando o espaço do largo ou terreno vago agora existente nesse
sítio, mais ou menos como alargamento da mesma rua, e do estaleiro naval que se encontra imediatamente a oeste» J.B.M. Néu,
Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso, pág. 41.
835
No ano de 1875 permanecia na sua posse in Pinho Leal, Portugal antigo e moderno, Lisboa, Livraria Editora de Matos
Moreira e Cª, 1875, vol. 6, pág. 542.
836
I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Escrituras de vendas e de aforamentos, livro 144, p. 23.
837
J.B.M. Néu, Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso …, pág. 40.
838
Ofício de 1850 dirigido pelo marquês da Fronteira, governador civil de Lisboa, ao presidente da câmara in Notícia do
chafariz de Pedrouços, Francisco Simões Rattola, Lisboa, Imp. Luso-Africana, 1907, pág.11.
839
J.B.M. Néu, , Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso……, pág. 42.
840
Francisco Santana, Documentos do Cartório da Junta do Comércio respeitantes a Lisboa, vol. I, 1755-1804 …pág. 617.
187
Esta família Gaffari era provavelmente descendente de Patrício Gaffari que a Décima do ano
de 1781 refere como vivendo (pelo menos sazonalmente) na Rua de Pedrouços, lado sul, em
residência que consta de «casas com seu quintal que ocupa para recreio» 841.
No ano de 1800 um membro da família, João Miguel Gaffari, aforou perpetuamente ao
Duque de Cadaval a propriedade intitulada «quinta … da Praia ou debaixo em Pedrouços»842,
que já anteriormente trazia arrendada e onde, segundo dizia, tinha estabelecido a sua fábrica de
cordoaria. Esta era na época considerada «uma grande e importante fábrica de cordoaria»843.
Com este aforamento certo pretendia Gaffari aproveitar em segurança «pelo menos a metade
da agua, que nasce junto ao Palácio de V. Exa. da parte do poente da qual o suplicante se serve,
e sem a qual nada fica valendo a quinta». Queria ainda «fechar e vedar toda a comunicação que
há entre a dita Quinta aforada e o Jardim de V. Exa. de maneira que o seu uso fique privado ao
suplicante e não possa ser devassada»844.
Examinando a descrição que é feita dos limites da quinta aforada a Gaffari verifica-se que
esta ocupava, na planta da Imagem 15, as terras a ocidente das que são designadas por Terras
do Duque. Ou, por outras palavras, as terras a ocidente da actual Travessa da Torrinha. O
aforamento não incluía o celeiro, as cavalariças grande e pequena e uma outra casa pertencentes
ao duque (estas instalações são assinaladas na imagem como uma faixa rosa localizada do lado
sul da Estrada de Oeiras – constituindo esta última o prolongamento da Rua Direita de
Pedrouços para poente (e a ocidente da Travessa da Torrinha). O aforamento não incluía
também a Torrinha de recreio. Esta é apresentada como um pequeno quadrado cor-de-rosa
inserido no vértice sudeste da figura trapezoidal que delimita parte da área da quinta, visível na
planta. Para sul, até à beira-mar, situavam-se também terrenos pertencentes a esta propriedade
limitados por um traço carregado a negro845. As terras aforadas por Gaffari para a sua fábrica

841
A.H.T.C. Décima da Cidade, Ajuda, DC 11, Arruamentos, 1781, nº 1194.
842
I.A.N./T.T. Chancelaria de D. Maria I, Comuns, vol. 185, fl. 159.
843
I.A.N./T.T. Desembargo do Paço – Estremadura, maço 1437, nº 3, pág. 4.
844
Idem, pág. 3.
845
Idem [Descrição dos limites da quinta]: «parte do Norte com Estrada Real, do sul com o mar do nascente com serventia do
Jardim do Exmo. duque de Cadaval cuja serventia se chama a Travessa da Torrinha e do poente com o Rio de Argeis que vem
ter ao mar e há [?] muitos anos que todo o sobredito tem andado de renda…….E dentro do Terreno da dita Quinta com frente
e portas para a Estrada Real junto as cazas pequenas que vão declaradas há mais 4 cazas que se chamão huma o Celeiro pequeno,
Cavalarice Grande e pequena e outra caza as quaes não entrão no sobredito aforamento e ficão pertencendo sempre ao duque
de Cadaval ficando mais fora do aforamento sobredito uma Torrinha de recreio no fundo da dita Quinta para a parte do mar
que fica pertencendo ao mesmo Exmo. Duque, etc, etc..».
188
de cordoaria seriam as mesmas que, anos mais tarde (1852), Domingos António Abreu,
personagem que viria a ser conhecido pelo Abreu dos Cabos, ocuparia com a sua fábrica de
cordoaria: «toda a área que, a sul da Rua de Pedrouços vai desde a Travessa da Torrinha às
antigas Portas de Algés»846.
Voltando novamente à Rua de Pedrouços e progredindo sempre pelo lado Sul, na direcção
de Lisboa, o observador irá desembocar novamente no Largo da Princesa. Verá então, do seu
lado direito, a Travessa do Arco da Torre847. Esta era denominada, em inícios do século XIX,
Travessa do Forte da Areia848, designação que, como já referido, aludia à Bateria do Bom
Sucesso. Imagem 15. Quem, partindo do Largo da Princesa, enveredasse pela Travessa do Forte
da Areia iria dar à Rua Nova da Praia (hoje Rua da Praia do Bom Sucesso). Aqui prosseguiria
por aquela que é hoje a Rua do Arco da Torre849 (passaria debaixo do arco850 que hoje possibilita
a comunicação entre a Rua da Praia do Bom Sucesso e a Avenida da Índia) Ver Imagem 28 e
iria desembocar perto dos terrenos pertencentes à Bateria do Bom Sucesso, (hoje desembocará
na Avenida da Índia). Ver imagem 15, onde o arco referido é assinalado (uma cruz inserida num
rectângulo) ligeiramente a sudeste da Travessa do Forte da Areia. Na mesma imagem pode ver-
se, em posição fronteira ao arco, o caminho que dava acesso à Bateria e à Torre de Belém. Ver
também Imagem 29

846
J.B.M. Néu, Em volta da Torre de Belém, vol. II, Pedrouços e Bom Sucesso…… pp. 43, 44.
847
Começa na Rua de Pedrouços. Termina na Rua da Praia do Bom Sucesso
848
Hoje em dia a Travessa do Forte da Areia tem, como já se viu, outra localização: inicia-se na já referida Rua da Praia de
Pedrouços e termina na Avenida da Índia. Forma o lado nascente do Largo Luís Alves Miguel.
849
A Rua do Arco da Torre está actualmente na mais completa degradação. O arco encontra-se entaipado e, do edifício em que
está enquadrado, já só restam as paredes que se apresentam apoiadas por estruturas metálicas.
850
O edifício do arco é bem visível na planta desta área datada de 1811. A.H.M., Direcção de Arma de Engenharia, Carta de
Pedrouços com a planta da Bateria do bom Sucesso e do terreno que lhe pertence e sua explicação, Dezembro 1811.
189
Uma pequena incursão à Junqueira

Terminada a sua digressão, recomenda-se agora ao observador mais um pequeno passeio,


desta vez à zona da Junqueira apenas para observar alguns locais dessa área que lembram a
corte setecentista pós terramoto.

28 – Rua do Arco da Torre em 1940

190
Caso da Travessa dos Algarves851 e da Travessa dos Escaleres852, na Rua da Junqueira853.
Na época conhecidas por Algarves de El-Rei e Escaleres de El- Rei854 lembram as frequentes
viagens por mar da família real. As deslocações da corte envolviam sempre um enorme aparato,
nada sendo esquecido do que era necessário ao dia-a-dia dos monarcas. A construção, em finais
do século XIX, do já referido aterro entre Alcântara e a Torre de S. Vicente de Belém viria a
destruir a rampa de instalação destes escaleres reais855, ainda visível na planta elaborada por
Filipe Folque no ano de 1857856.
O Largo do Marquês de Angeja857 é outro sítio que merece uma visita. Estranha personagem
retratada em gravuras da época, o 3º marquês de Angeja (1716-1788)858 era um amante das
ciências da natureza, chegando a criar um jardim botânico no seu palácio do Lumiar. Depois da
queda do Marquês de Pombal foi nomeado para o importante cargo de presidente do Real
Erário. Era uma figura polémica: ‘Mal por mal antes Pombal’ diziam alguns que certamente
não se contavam entre os seus admiradores. Acumulou cargos no reinado de D. Maria I. Um
deles foi o de governador da Torre de Belém. Outro o de inspector-geral das obras públicas.
Uma das suas primeiras medidas ao assumir este último foi suspender as obras da cidade de
Lisboa que bastante tinham progredido no tempo de Pombal. Segundo os Róis de Confessados
e documentos da Décima o Marquês de Angeja vivia no Forte da Estrela859. Ocupava parte
deste edifício bem como um outro, hoje em dia parcialmente ocupado pela Biblioteca Municipal
de Belém: esta última informa na sua página Web estar instalada na ala poente do antigo Palácio
do Marquês de Angeja860. Por Aviso de 20 de Janeiro de 1787, confirmado por Decreto de 14

851
Travessa dos Algarves - Começa na Rua da Junqueira. Termina na Avenida da Índia.
852
Travessa dos Escaleres - Começa na Rua da Junqueira. Termina na Avenida da Índia
853
Começa na Rua 1º de Maio. Termina na Praça Afonso de Albuquerque.
854
B.A., 51-III-23, Rol de confessados, Quaresma do ano de 1768.
855
João B.M. Néu, Em volta da Torre de Belém. Evolução da zona ocidental de Lisboa…pág. 97.
856
Atlas da Carta Topográfica de Lisboa sob a direcção de Filipe Folque 1856-58, Planta 61, Câmara Municipal de Lisboa,
2000.
857
Começa na Rua da Junqueira. Termina na Rua do Cais da Alfândega Velha.
858
D. Pedro José de Noronha Camões de Albuquerque Moniz e Sousa, 4º Conde de Vila Verde e 3º Marquês de Angeja.
859
B.A., Quaresma do ano de 1768…pág. 105 v. O Forte da Estrela é visível no grande painel intitulado “Vista de Lisboa
anterior ao terramoto” de c. 1700, atribuído ao pintor Gabriel del Barco, que se encontra no Museu Nacional do Azulejo.
860
Bibliotecas Municipais de Lisboa http://blx.cm-lisboa.pt/blx
191
de Novembro de 1802, foi feita mercê ao Marquês de Angeja da propriedade em que vivia
(excluindo o Forte da Estrela por ser da real coroa)861.
Outro dos lugares a visitar é o Palácio do Pátio do Saldanha, situado na Calçada da Boa
Hora nº 30. Nele residiram importantes intervenientes da história portuguesa de finais de
setecentos, inícios de oitocentos. Caso do 2º conde da Ega, Aires de Saldanha de Albuquerque
(1755-1827). Foi, entre vários outros cargos, gentil-homem da câmara da rainha D. Maria I e
do príncipe regente D. João. Segundo consta foi particularmente favorecido por este último 862.
Tal como sucedia com os duques de Cadaval, na sua quinta de Pedrouços, também o conde
da Ega estava isento do pagamento do quarto na sua propriedade. Mas enquanto os duques de
Cadaval alcançaram esta prerrogativa em finais do século XVIII, o conde da Ega há muito que
beneficiava de tal mercê. Mais concretamente desde o século XV: a 8 de Julho de 1423 D. João
I isentara de tal contribuição a quinta «de Rastello a que chamão a Amoreira» 863.
A propriedade do conde da Ega incluía uma vasta extensão de terreno que se estendia pela
Rua da Junqueira864 e zonas da Boa-Hora e Santo Amaro. Para sul da Rua da Junqueira
alargava-se até às praias. No ano de 1779 uma pequena parte desta propriedade passou para o
domínio da coroa: os terrenos das praias da Junqueira onde se recolhiam os escaleres reais, bem
como os da Fábrica da Cordoaria situados a oriente desse local 865.

861
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 433, pág. 227.
862
Ofício de Piotr Fiodorovitch Maltits, Enviado extraordinário e ministro plenipotenciário da Rússia em Lisboa para Fiodor
Vassilievitch Rostoptschin, presidente do colégio de Estado dos Negócios Estrangeiros da Rússia, 1799, 1/12 Outubro, Lisboa :
«…Il parait qu’on est encore à observer le prince régent, il ne distingue personne particulièrement, cependant le Conde da Ega
Ayres de Saldanha, gentil-huomo da caméra (sic) de Son Altessse Royale est celui qui jouit de la faveur et qui probablement
dans la suite aura une grande influence dans les affaires….» in AVPRI [Arquivo da política externa do império da Rússia], f.
72, op. 5, d. 165, 1. 1-2 ob. , in Relações diplomáticas luso-russas, Colectânea documental conjunta, (1722-1815), Volume 1 ,
Ministério dos Negócios Estrangeiros, Instituto Diplomático, Lisboa, 2004, pág. 496.
863
I.A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, livro 429, pág. 432.
864
[Medição da] «Quinta, terraço e mais propriedades tanto rústicas e urbanas que no citio da Junqueira e Santo Amaro possue
o Exmo conde da Ega tanto próprias como aforadas a diferentes possuidores». [Termina-se a medição dizendo]: «…e voltando
a medição para o nascente indo para a rua acima de toda a Junqueira a face das casas até Santo Amaro aonde começou a medição
se achou ter 1004 varas.» in I.A.N./T.T. Conselho da Fazenda, Tombo do Reguengo de Algés, Livro 429, pág. 428.
865
Idem, livro 429, pág. 439.
192
O conde da Ega viria a evidenciar-se como partidário da causa francesa por ocasião da estadia
de Junot866 em Portugal. Este último era assíduo frequentador do palácio do Pátio do Saldanha.
Ficaram célebres nesta ocasião os bailes dados pela condessa da Ega, Juliana Maria Oyenhausen
e Almeida (1782-1864). O estreito convívio mantido com o ocupante impediu o conde da Ega de
permanecer em Portugal após a sua saída. Deixou o país juntamente com sua mulher e duas filhas.

29 – Acesso à Torre de Belém, passando a linha-férrea, vindo do Arco da Torre, em 1938

866
Documentos relativos a ourivesaria –pintura- arquitectura- tapeçaria- côches, &c (II), Boletim da Academia Nacional de
Belas-Artes, Lisboa Imprensa Moderna, 1936, pág. 53.
193
Anos mais tarde a Condessa da Ega, separada do marido e totalmente arruinada, pedirá
perdão a D. João VI das atitudes tomadas quando da ocupação francesa atribuindo-as à sua
pouca idade: «Se existem crimes que tal nome mereçam na suplicante, são nascidos senhor da
inconsideração da pouca idade em que esta infeliz se achava nas circunstâncias difíceis em que
a sua desgraça a colocou. É destes erros que a suplicante espera o perdão da magnanimidade de
V. Alteza Real e sua alta piedade. E será só contra uma infeliz mulher vítima da inconsideração
dos seus poucos anos que Vossa Alteza Real recusará mostrar a grandeza da sua alma, a
magnanimidade do seu coração e sua inata bondade?»
Não será atendida867. Ficando viúva, em 1827, casou em segundas núpcias com o conde de
Strognoff Gregório Alexandre Ironwisch. Veio a falecer em S. Petersburgo, em 14 de
Novembro de 1864.
Menos penalizado foi seu marido que, apesar de condenado à morte (1811), acabou por ser
totalmente absolvido, por sentença de 18 de Janeiro de 1823. Voltou à pátria onde veio a falecer
em 1827.
Depois da saída dos franceses o palácio dos condes da Ega foi sequestrado passando para as
mãos das tropas britânicas. Foi primeiro utilizado como hospital de campanha e de seguida
esteve nele instalado o quartel-general de Beresford. No final das campanhas peninsulares D.
João VI concedeu-o de juro e herdade àquele general, como agradecimento pelos serviços
prestados. Esta dádiva irá mais tarde ser anulada através duma sentença do ano de 1823, que
devolverá ao conde da Ega todos os seus bens anteriormente confiscados. Tal facto dará origem
a um longo e complicado processo judicial que ocupou tribunais ingleses e portugueses e
finalmente acabou, no ano de 1839, com a devolução efectiva da propriedade aos sucessores do
conde da Ega868. Em 1919 é adquirido pelo estado. No palácio está hoje instalado o Arquivo
Histórico Ultramarino.

867
Carta de Condessa da Ega a D. João VI pedindo perdão. S. Petersburgo [Ano] 1815 in I.A.N./T.T., Ministério dos
Negócios Estrangeiros, Correspondência da Legação de Portugal em S. Petersburgo, Caixa 851 (fls. 1-2 v) in Relações
diplomáticas luso-russas, Colectânea documental conjunta, (1722-1815), Volume 1, Ministério dos Negócios Estrangeiros,
Instituto Diplomático, Lisboa, 2004, pp. 744 e 755.
868
Pinto de Carvalho, Lisboa de outros tempos, Lisboa, Fenda Edições, Lda, 1991, vol. II, pág. 272.
194
Os servidores do paço

O visitante terminou o seu passeio.


Não esgotou no entanto a curiosidade. Quererá ainda saber onde viveram vários outros
servidores do paço que até agora não foram mencionados. Poderá fazê-lo caso se disponha a
perder mais um pouco do seu tempo na consulta de plantas da época.
Estas dar-lhe-ão a conhecer lugares como o Pátio das Castelhanas onde se alojavam as
damas da rainha espanhola D. Mariana Vitória. Situava-se nas imediações da Real Barraca -
no cimo da Calçada da Ajuda, a poente do actual palácio. Desapareceu ao ser construído o
terceiro troço da calçada869. Parte do espaço ocupado pelo Pátio das Castelhanas é hoje local de
estacionamento de viaturas.
Ficará também a saber da existência da Rua dos Cozinheiros870 onde, tal como o nome indica,
se alojavam estes trabalhadores do paço. É actualmente conhecida por Travessa da
Madressilva871.
Tal como os cozinheiros, muitos outros servidores do paço residiram nas zonas de Ajuda,
Belém e arredores. Dada a escassez e o elevado custo dos meios de transporte (normalmente
reservados às classes mais abastadas) não podiam morar em áreas mais longínquas. Nesta época
era enorme o tempo despendido nas deslocações feitas em Lisboa: «Le temps qu’on perd ici par
les distances qu’il faut atteindre est une chose vraiment cruelle» afirma o marquês de Bombelles
no seu Diário em 7 de Dezembro de 1786872.
Os archeiros, necessários em qualquer cerimonial da corte, tinham que estar próximos. A
lembrá-los existe a Rua dos Archeiros873 situada no Alto da Ajuda. Documentos da época

869
I.P.P.A.R., D.R.L., Divisão Salvaguarda e Valorização, Plano de salvaguarda e valorização da zona da Igreja da
Memória, Processo 92/23-6 (78).
870
José Manuel de Carvalho e Negreiros, Explicação do Mapa Topográfico de todo terreno unido pertencente à Coroa no sítio
da Ajuda, 29 de Maio de 1795, B.A., Documentos avulsos, 49-XI-27.
871
Travessa da Madressilva – Começa na Calçada da Ajuda. Termina na Rua Brotero.
872
«O tempo que se perde aqui, por causa das distâncias que é preciso percorrer, é uma coisa verdadeiramente cruel» Bombelles,
ob. cit., pág. 59.
873
Rua dos Archeiros – Começa na Rua Irene Isidro. Termina na Estrada de Queluz ao Bairro Caramão.
195
identificam várias habitações de archeiros nesta zona. Como as casas de Manuel Massa
Archeiro, de José António Archeiro ou do Archeiro Martinho dos Santos874.
Os músicos eram imprescindíveis no quotidiano da corte. Com maior ou menor proximidade
do paço, mas de qualquer forma nas suas redondezas residiram David Perez, João de Sousa
Carvalho, Caetano Martinelli, António Tedesqui, Octávio Principi, Luís Trajano e Carlos Reina.
Uns beneficiavam de fabulosos salários como David Perez, (1711-1778)875, grande compositor
e maestro setecentista. Foi mestre de música da família real876. David Perez ajudou a tornar
conhecida a cantora portuguesa Luísa Todi (1753-1833)877 de quem foi professor. Residiu na
Rua do Jardim Botânico, anterior Travessa de David Perez878, originalmente conhecida por
Travessa «da Gorita»879. Morou em casa dada pelo monarca880. A Rua do Jardim Botânico é
uma transversal à Calçada da Ajuda no seu lado poente. João de Sousa Carvalho (1745-1798),
grande compositor português, foi também mestre de música da família real. Viveu no Paço
Velho881, hoje quartel da Guarda Nacional Republicana e tal como David Perez morou em casa
dada pelo monarca. António Tedesqui e Octávio Principi habitaram no Lugar de Nossa
Senhora da Ajuda desconhecendo-se, no entanto, o local exacto da sua residência. O filho deste
último, Carlos Principi882 viria a dar o nome a duas ruas próximas do paço, situadas nas
imediações do Largo da Ajuda: a Rua de Carlos Príncipe883, hoje Rua Augusto Gomes

874
«N. 144 - Casas de José António Archeiro, tem de frente Palmos 41; Nº 189 – Casas de Manuel Massa Archeiro que tem de
frente palmos 26; nº 596 – Casa do Archeiro Martinho dos Santos, tem de frente palmos 25; nº 464 – Casas do Archeiro J[os]e
António Rodrigues tem de frente palmos 30» in B. A., Documentos Avulsos, 49-XI-27, José Manuel de Carvalho e Negreiros
Explicação do Mapa topográfico de todo terreno unido pertencente …
875
David Perez, compositor napolitano, antigo mestre da Real Capela Palatina de Palermo, consagrado nos principais teatros
de ópera italiana de Nápoles e Viena. Veio para Portugal ganhar o fabuloso salário anual de 2.000$00 reis cf. Rui Vieira Nery,
Paulo Ferreira de Castro, História da música, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2ª edição, 1999, pág. 100.
876
Francisco António Martins Bastos, Breve resumo dos privilégios da nobreza, Lisboa, na Imprensa Silviana, 1854, pág. 206.
877
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Vol. VI, Lisboa, Editorial Verbo, 1982, pág. 460.
878
B.A., Quaresma do ano de 1772, pág. 37 v.
879
B.A., Quaresma do ano de 1768, pág. 38 v.
880
A.H.T.C., Décima da cidade, Arruamentos, freguesia da Ajuda, DC5 Ar, 1770, pág. 254.
881
B.A., 51-III-42, Quaresma de 1790.
882
Mário de Sampaio Ribeiro, A Ajuda antiga, in O Comércio da Ajuda, 5 de Janeiro de 1935.
883
A Rua de Carlos Príncipe manteve este nome até inícios do século XX .
196
Ferreira884 e a Travessa de Carlos Príncipe depois denominada Travessa da Ajuda885. No lado
nascente da Calçada da Ajuda, um pouco abaixo do actual paço residiu Luís Trajano 886. Em
local um pouco mais longe, na Junqueira, da parte do mar887, viveu o cantor castrati888 italiano
e primo-uomo Carlos Reina. Era um dos músicos mais bem pagos da corte possuindo sege
própria o que lhe facilitava as deslocações 889. Sege própria possuía igualmente o poeta italiano
Caetano Martinelli890 morador na zona do Bom Sucesso do lado sul891. Os estrangeiros ao
serviço da corte, muitos deles italianos, eram geralmente bastante bem pagos, beneficiando de
diversas benesses, entre elas sege para se deslocarem. Em ocasiões de festividades eram
gratificados com ricos presentes. Assim sucedeu com David Perez, que, por ocasião da
inauguração da estátua equestre de D. José recebeu uma jóia no valor de 412$800, quantia
significativa para a época. De igual tratamento não beneficiavam os portugueses que, muitas
vezes ocupando as mesmas funções, não eram pagos durante anos a fio. Caso do padre José
Gomes Veloso, mestre de música da princesa D. Maria, futura D. Maria I que esteve mais de
10 anos sem ser pago 892.
Para além dos músicos, archeiros e cozinheiros também os professores eram presença diária
no paço. Indispensáveis à formação dos vários membros da família real, nomeadamente os
príncipes. Sabe-se do cuidado posto na educação do príncipe herdeiro, D. José, que seu avô o

884
Começa na Rua do Cruzeiro. Termina no Largo da Ajuda.
885
Começa no Largo da Ajuda. Termina na Rua Augusto Gomes Ferreira.
886
A.H.T.C., Décima da cidade, arruamentos, freguesia da Ajuda, DC5 AR, 1770.
887
B.A., 51-III-27, Rol de confessados, Quaresma do Ano de 1772.
888
Submetidos a uma intervenção cirúrgica antes da muda de voz, que motivava o não desenvolvimento da laringe, os castrati
conservavam até idade avançada vozes agudas, de soprano ou de contralto. Tiveram uma enorme influência na evolução da
arte do canto, cf. João de Freitas Branco, História da música portuguesa, Lisboa, Publicações Europa - América, 1959, pág.
117.
889
«Felix Vicente de Almeida pagará a Francisco Vieira da Costa a despesa que fez com a sege do cantor Carlos Reina em que
por ordem de sua Magestade se mandou por [pôr] um jogo dianteiro e fazer o mais a ele pertencente - 71$120 réis, Junqueira
27 de Julho de 1773» A.N.T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3100, Despesas de Julho de 1773.
890
«Conserto dos arreios e sege do poeta Caetano Martinelli -23$070 réis - Bom Sucesso, 27 de Junho de 1771» I.A.N./T.T.,
A.H.M.F., C.R., Cx. 3100, Despesas de Junho de 1771.
891
B.A., 51-III-27, Rol dos confessados, Quaresma do ano de 1772; B.A., 51-III-34, Quaresma do ano de 1780.
892
O padre José Gomes Veloso, à semelhança de David Perez foi mestre de música da princesa D. Maria, futura D. Maria I e
de suas irmãs e não foi pago desde 1765 a 1776, I.A.N./T.T., A.H.M.F., C.R., Cx. 3136, Dezembro de 1784. O mesmo aconteceu
com vários outros elementos do pessoal da casa real.
197
monarca com o mesmo nome quis que fosse exemplar, por sugestão do marquês de Pombal.
Para isso devia levar uma vida regrada a fim de «viver com methodo que em tão altas pessoas
se faz indispensavel»893. Eram criteriosamente seleccionadas as pessoas que o rodeavam. Teve
por preceptor e confessor Frei Manuel do Cenáculo Vilas-Boas, figura de relevo da cultura
portuguesa setecentista e por encarregado de educação 894 e camarista Francisco Xavier de
Meneses Breyner895. Este possuía uma propriedade no lado nascente da Calçada da Ajuda896,
um pouco abaixo do actual paço, que no ano de 1770 estava arrendada a servidores do paço: ao
padre Manuel Baptista, capelão de S. Majestade, a João António Pinto da Silva na altura oficial
da Secretaria de Estado da Repartição da Marinha e mais tarde guarda-jóias e a Luís Trajano
músico do monarca897.
Domingos Franzini, residente no cimo da Calçada da Ajuda no lado poente898, em casa dada
pelo rei, foi igualmente professor do príncipe herdeiro e de seu irmão D. João, mais tarde D.
João VI. Um pouco mais distante, na zona de Belém, viveu Jacques Le Beau, mestre de espada
do príncipe D. José899. Mais longe ainda, no Alto de S. Amaro residia, no ano de 1768, um outro
professor do príncipe, que o ensinou quando criança, António Domingos do Paço900.
Refiram-se ainda algumas figuras ligadas aos trabalhos de construção e decoração do paço e
das suas dependências: Manuel Piolti, encarregue dos desenhos de várias salas no Paço Velho901
e mais tarde dirigente das decorações de pintura e cenografia no actual Paço da Ajuda 902, residiu

893
Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, CXXIX/1-17, Cópia da Instrucção e Ordens que Sua Magestade foi servido
dar para se observarem no Quarto do Príncepe Nosso Senhor in Diário de Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, pág. 232 V.
894
Exposição organizada pela Sociedade Portuguesa de Estudos do Século XVIII, No 2º Centenário da morte do príncipe D.
José Lisboa, 1988, pág. 11.
895
Em 1777 ainda era camarista in Auto do Levantamento e juramento…na tarde de 13 de Maio de 1777 cit. por Latino Coelho,
ob. cit. vol. I, pág. 247.
896
A.H.T.C., Décima da cidade, arruamentos, freguesia da Ajuda, DC5 AR, 1770.
897
Idem.
898
A.H.T.C., Décima da cidade, arruamentos, freguesia da Ajuda, DC 13, p. 224 V.
899
B.A., 51-III-39, Rol dos confessados, Quaresma de 1785.
900
B.A., Rol de Confessados, Quaresma do ano de 1768, pág. 154. António Domingos do Paço era provavelmente jurista, pois
a ele se deve a execução de algumas leis e alvarás do tempo do rei D. José.
901
«Pelo Pintor Arquitecto Manuel Piolti encarregado dos Desenhos das seis salas do Paço velho executado pelos Pintores
Empreiteiros...» 24/4/1821, A.H.M.F. – do Livro dos Termos (IX-X-122) cit por Ayres de Carvalho Os três arquitectos..., pág. 204.
902
Idem, pág. 25.
198
no lado nascente da Calçada da Ajuda. Petroni Mazzoni (? – 1793) a quem estiveram entregues
as decorações dos teatros régios903 e que era na época denominado o ‘mestre das óperas de Sua
Magestade’904, viveu na Rua do Embaixador no lado norte. A sua propriedade constava de
«duas logeas e dum andar com seu Quintal»905. Giacomo Azzolini responsável pelo projecto do
picadeiro, hoje Museu dos Coches viveu na zona do Bom Sucesso 906.
A presença dos médicos era indispensável nas proximidades da corte. Domingos de
Carvalho, cirurgião da câmara do monarca durante mais de vinte anos residia na Calçada da
Ajuda segundo indicam os Róis de Confessados907. Possuía além disso aposentos no paço. Já
mais longe, na Rua da Junqueira, vivia o cirurgião - mor do reino908 e guarda-mor da saúde
António Soares Brandão, em casa de quem se refugiou D. José após o atentado de que foi alvo.
António Soares Brandão foi ao longo da vida cumulado com benesses. Para além destes
médicos, vários outros habitavam a zona da Ajuda e redondezas. Só no ano de 1783, contavam-
se 15, cinco deles na Calçada da Ajuda.
Após calcorrear a zona da Ajuda e arredores e consultar mapas e documentos poderá o
transeunte visitar, perto do actual Paço da Ajuda, o Jardim Botânico construído na segunda
metade do século XVIII para estudo e recreio do herdeiro da coroa, príncipe D. José e de seu
irmão D. João. Tal como outros recintos do tempo o Jardim Botânico surgiu num contexto de
verdadeiro entusiasmo pela natureza que predominava na Europa da altura.

903
Mário de Sampaio Ribeiro citado por Ayres de Carvalho Os três arquitectos…. Pág. 25.
904
A.H.T.C., Décima da cidade, arruamentos, freguesia da Ajuda, 1766, pág. 88.
905
A.H.T.C., Décima da cidade, arruamentos, freguesia da Ajuda, DC5 AR, 1770, nº 686.
906
B.A., 51-III-34, Rois de Confessados, Quaresma do ano de 1780.
Ver nota 229.
907
B.A., 51-III-23, Quaresma do ano de 1768.
908
Gazeta de Lisboa, 18 de Maio de 1758.
199
No século XVIII assiste-se em toda a Europa e também em Portugal a um grande
desenvolvimento da botânica e das suas aplicações práticas, nomeadamente na agricultura, no
tratamento das florestas e dos jardins, na farmácia e na medicina. Esse interesse pela natureza
trouxe consigo a vontade de a ordenar e classificar de forma a permitir que dela se tivesse uma
compreensão mais profunda.
Viajantes naturalistas percorrem terras de além-mar inventariando novas espécies vegetais,
cujas amostras são depois trazidas para os seus países de origem e expostas nos jardins da
Europa. No século XVIII os jardins botânicos são numerosos no velho continente. Neles a
natureza é sujeita a uma ordem inteligível, sendo cada espécie vegetal identificada e classificada.
É neste contexto que surge o Real Jardim Botânico da Ajuda situado no lado poente da
Calçada da Ajuda, a sudoeste do actual palácio. Encontra-se no lado sul do actual edifício da
GNR, antigo Paço Velho. Faz parte, tal como este, da antiga Quinta dos Condes de Óbidos que
foi, como já dito, adquirida por D. João V no ano de 1727.
O troço norte da Calçada da Ajuda era, à data, inexistente. Por este facto o Jardim Botânico,
bem como o Paço Velho enquadravam-se no conjunto de instalações anexas ao paço de madeira.
É o que se verifica na Imagem 1 em que é nomeado com o nº 1 o Palácio do rei (mencionando
a Real Barraca), com o nº 5 a Comunicação ao antigo palácio e com o nº 6 o Antigo palácio
chamado Ajuda (designando o Paço Velho). A passagem do paço de madeira para o Jardim
Botânico fazia-se, segundo Beckford, por «escuros corredores»909.
A construção do Jardim Botânico foi iniciada no ano de 1768. Foi uma obra dispendiosa e
demorada. No ano de 1787 não estava ainda terminado 910.

909
Diário de William Beckford..., pág. 47.
910
Beckford, ob. cit, pág. pág. 91.
200
30 – Calçada da Ajuda em 1959. Na imagem pode ver-se o arco que ligava o palácio da Ajuda ao que seriam,
muito provavelmente dependências da Real Barraca que faziam a ligação ao Paço Velho. Foram destruídos na
d´cada de 5 do século passado.

O jardim permite a quem o visita uma esplêndida vista sobre o rio Tejo e a zona de Belém.
Apresenta uma óptima localização com excelentes condições para o desenvolvimento das
plantas. Mesmo em alturas de grande adversidade, em que a manutenção foi reduzida ou nula,
muitas plantas sobreviveram911. Estende-se por dois planos diferentes (superior e inferior). O
traçado dos canteiros do tabuleiro superior, semelhante ao do Jardim Botânico de Pádua, é da
autoria de Júlio Mattiazzi, jardineiro chefe em Pádua que veio a exercer funções similares na
Ajuda. Mattiazzi terá feito este trabalho em colaboração com Domingos Vandelli 912,

911
Cristina Castel -Branco, O Lugar da Ajuda, in Jardim Botânico da Ajuda..., pág. 37.
912
Cristina Castel-Branco, Ana Luísa Soares, Teresa Chambell, O aparecimento do jardim: Domingos Vandelli in Jardim
Botânico da Ajuda, Lisboa, SOCTIP, S.A., 1999, pág. 62
201
conceituado botânico, licenciado na universidade daquela cidade italiana e primeiro director do
Jardim Botânico da Ajuda.
Anexo ao Jardim foi também criado um Museu de História Natural apoiado por um
Laboratório Químico e uma Casa do Risco. O Museu teria sido edificado, segundo Vandelli,
«para conservar-se as amostras das produções das colonias que se analysarão e experimentarão».
O Jardim Botânico e o Museu de História Natural destinavam-se, tal como a Sala da Física,
ao estudo e recreio dos príncipes. Reflectem o desejo do marquês de Pombal de proporcionar
ao herdeiro da coroa, o príncipe D. José e a seu irmão D. João uma educação cuidada nas mais
diversas vertentes: «Um jardim de estudo de rapazes e não de ostentação de príncipes»: eram
estes os desígnios do marquês de Pombal respeitantes ao Jardim Botânico da Ajuda.
No entanto o projecto do marquês acabou por nada ter a ver com «a belíssima obra de
arquitectura paisagística» que é hoje o jardim, na qual ressalta a imponente balaustrada de
«efeito grandioso de perspectiva profunda»913. A concepção arquitectónica do recinto é atribuída
a Manuel Caetano de Sousa914, responsável quer pelo projecto inicial do actual palácio da Ajuda
quer, como já referido, pela torre da Capela Real.
São vários os testemunhos da presença da família real no jardim botânico: «... y esta tarde
han de ir a las visperas a la Capilla de la Ajuda y despues a paseo al Jardin Botanico por estar
alli cerca...»915; «... Esta tarde que fueron al Paseo publico digo al Jardin Botanico mandó la
Reina a S.A. que fuese hacer una visita al Padre Filipe»916 917; «Esta tarde estaban para salir el
Jardin botanico, pero no han ido a motivo, que empesó a llover» 918; «A nossa Quinta, q temos
perto deste Paço tem o Jardim, q cahe sobre elle, o q faz a mais bella vista, hu destes dias fui a
elle tomar hu pouco de Ar, […]»; estas últimas palavras foram escritas, em 12 de Maio de 1783,

913
Idem, pág. 40 e seguintes.
914
Idem, Ibidem.
915
«E esta tarde irão às vésperas à Capela da Ajuda e depois passear ao Jardim Botânico por estar aí perto...» B.A., Documentos
Avulsos, 54-IX-20 (68), Carta de Ana Miquelina,..., [s.l], [178..].
916
Mestre da infanta D. Carlota Joaquina. Ver nota 69.
917
«Esta tarde foram ao Passeio Público digo ao Jardim Botânico mandou a Rainha a S.A. que fosse visitar o Padre Filipe»
B.A., Documentos Avulsos, Carta de Ana Miquelina... 54-IX-20 (132) [s.l], [178..].
918
«Esta tarde estavam para sair ao Jardim Botânico, mas não foram por motivo, que começou a chover» Idem, Ibidem, 54-IX-
20 (83) [s.l], [178..].
202
pela rainha D. Maria I a Maria Josefa de Bourbon, referindo-se à bela vista que do Jardim
Botânico se desfrutava sobre o rio Tejo 919.
Nos finais do século XVIII e inícios do século XIX foram muitos os cuidados na manutenção
do jardim e aumento das suas colecções. Foram enviados exploradores aos domínios
ultramarinos portugueses com o intuito de recolher amostras vegetais. Entre eles, Alexandre
Rodrigues Ferreira a quem se deve, juntamente com outros companheiros, a realização de uma
prolongada expedição de cerca de 9 anos em terras brasileiras percorrendo as capitanias do Pará,
Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá onde, em condições inteiramente inóspitas, recolheram e
desenharam inúmeras espécies animais, vegetais e minerais. Alexandre Rodrigues Ferreira deu
conta, de forma pormenorizada, dos locais por onde passava, no que se referia à «população,
agricultura, navegação, comércio, manufacturas». O grande mérito com que desempenhou a sua
missão valeu-lhe ser premiado no ano de 1794 com o Hábito da Ordem de Cristo, prémio que
foi acompanhado de um valor pecuniário como recompensa pelos serviços prestados920.
O jardim contou mais de 5.000 espécies, nos primeiros anos da sua formação, oriundas de
diversos hortos botânicos e das colónias ultramarinas. Periódicos da época comentam com
admiração alguns dos seus exemplares. Caso da «especie de Idisaro» vinda da America que
atraía a atenção dos visitantes com as movimentações espontâneas e cadenciadas das suas
folhas921.
Todos estes cuidados tornaram o jardim e museu apreciados pelos seus visitantes. Dizia um
deles, em Janeiro de 1799: « He visto en estos dias el Gavinete de Historia natural, y el Jardin
Botanico, en el sitio llamado da Ajuda el Gavinete es pequeño pero arreglado systematicamente
y tiene cosas muy preciosas, especialmente en aves y conchas: El Jardin dudo que ocupe una
quarta parte del nuestro, esta bien arreglado, hay en el algunas Plantas americanas que no tenenos
alla, pero tambien tenemos otras de que aca se carece...»922.

919
Cartas autografas de D. Maria I para a família real espanhola, Belém, 12 de Maio de 1793 in Caetano Beirão D. Maria I,
1777-1792..., pág. 439.
920
José Silvestre Ribeiro, Historia dos Estabelecimentos scientificos, literários e artisticos de Portugal nos sucessivos reinados
da monarchia, Tomo III, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1873, pág. 122, 123.
921
Jornal Enciclopedico dedicado á Rainha N. Senhora e destinado para instrucçaõ geral, com a noticia dos novos
descobrimentos em todas as sciencias, e artes, Lisboa, na officina de Antonio Rodrigues Galhardo, Anno 1779, Caderno 1 de
Julho de 1779, pág. 79.
922
«Tenho visto nestes dias o Gabinete de História Natural e o Jardim Botânico no sítio chamado da Ajuda. O Gabinete é
pequeno mas arranjado sistematicamente e tem coisas muito preciosas, especialmente em aves e conchas: O Jardim duvido que
203
Com a ida da família real para o Brasil, em 1807, o Jardim Botânico e o Museu de História
Natural entraram num lento processo de degradação. Logo em 1808, quando das invasões
francesas, foram retiradas do museu e levadas para Paris, por Geoffroy Saint-Hillaire, mil
quinhentos e oitenta e três exemplares zoológicos, dez fósseis, cinquenta e nove minerais e dez
herbários entre os quais o que fora organizado por Alexandre Rodrigues Ferreira com mil cento
e catorze plantas. Mesmo após o regresso da família real, em 1821, as condições do jardim não
melhoraram, devido à grande instabilidade política que o país atravessava. O Jardim Botânico
só conhece melhores dias quando a família real923 voltou a residir na Ajuda, já em finais do
século XIX924.

ocupe uma quarta parte do nosso, está bem arranjado, há nele algumas plantas americanas que não temos aí, mas também temos
outras de que cá se carece...» Carta de Cornide a Don Joseph Ayllon, Lisboa y Henero 26 de 1799 in Fidelino de Figueiredo,
Viajantes Espanhoes em Portugal, Universidade de S. Paulo, Boletins da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, LXXXIV,
Letras, nº 3, 1947, pág. 46.
923
D. Luís I (1838-1889) e D. Maria Pia de Sabóia (1847-1911) e seus filhos D. Carlos I (1863-1908) e D. Afonso Henriques
(1865-1920).
924
Cf. Maria Isabel Braga Abecasis, A família real e o gosto pela natureza : o Jardim Botânico e o museu de História Natural
in Jardim Botânico da Ajuda, Lisboa: Jardim Botânico d' Ajuda, 1999, pág. 123.

204
Em 10 de Novembro de 1794 um incêndio, principiado num dos quartos de baixo, destrói o
paço de madeira deixando-o impróprio para habitação da família real. Esta irá acolher-se na
noite do fogo, perto do paço, na antiga casa do marquês de Pombal, à época residência de João
Pedro Mariz925. No dia seguinte partirá para Queluz. A Ajuda deixara de ser residência da corte.
Logo dois anos depois foi lançada, aproximadamente no mesmo local, a primeira pedra
daquele que viria a ser o actual palácio da Ajuda 926.
Como é sabido nem tudo foi destruído pelo fogo. Ficaram de pé a Biblioteca, a Sala de
Serenins e seus anexos, a Capela e a Sala da Física. Escaparam ainda outras dependências da
Real Barraca, como se depreende da seguinte nota da Gazeta de Lisboa, de 15 de Novembro de
1794: “Do Palácio só ficou salva a parte Ocidental, para lá do Arco Fronteiro à Calçada d’Ajuda,
e as Cozinhas, por se acharem para a mesma banda”. Apesar de incorrecta (pois não menciona
os edifícios atrás referidos), esta notícia vem chamar a atenção para outras divisões ou
dependências do paço, salvas do fogo, localizadas na parte ocidental e que fariam a ligação ao
Paço Velho e ao jardim botânico, através do arco referido Ver plantas das imagens 7 e 8 em
que é visível esta ligação. A fotografia da imagem 30 apresenta estas dependências do paço
bem como o arco que as ligava ao actual palácio. Mantiveram-se até à década de 50 do século
passado, altura em que foram demolidos. Ver imagem 31

925
A.H.T.C., Décima da cidade, arruamentos, Freguesia da Ajuda DC 14 AR, 1794.
926
Segundo indica o retrato de José Pedro Carvalho, mestre pedreiro da obra do novo Paço da Ajuda pintado por Bartolomeu
António Calisto. Nele se indica ter sido aquele trabalhador a lançar a primeira pedra da obra da Ajuda em Maio de 1796: «Joze
Pedro d’ Carvº Gradº no Foro d’Repostrº e M e da Repartição dos Pedreiros, Nesta R. Obra do Novo Pº d’Ajuda de S. Mage.
Fidelma com 72 ans d’ide e o primo q. Assentou a primeira pedra nesta da. Obra em Maio 1796» Retrato de José Pedro Carvalho,
mestre pedreiro da obra do novo Paço da Ajuda. Pintado por Bartolomeu António Calisto. Palácio Nacional da Ajuda/Museu,
Inv. nº 2785 cit. por Ayres de Carvalho, Os três arquitectos da Ajuda, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1979, pág.
52.
205
31 – Demolição de dependências do Palácio da Ajuda, na década de 50

206
E hoje o que se mantém da Real Barraca?
Dela restam a Sala dos Serenins e a Sala da Física que fazem hoje parte da Divisão de
Documentação Fotográfica do Instituto dos Museus e da Conservação. O acesso a eles é feito
através da Calçada do Mirante à Ajuda927, nº 10-A, artéria situada a norte do actual palácio.
A norte deste último mantém-se o Jardim das Damas.
Na Calçada da Ajuda o Jardim Botânico é outro recinto do tempo do paço de madeira.
A Capela e a Biblioteca desapareceram, como se sabe, nos anos de 1843 e 1917,
respectivamente. Da antiga capela real só resta a Torre do Relógio de Manuel Caetano de Sousa.
Pode ainda ser visto no Largo da Ajuda um outro edifício, que se crê ter sido uma divisão da
Real Barraca. Trata-se da antiga Tapeçaria (nº 20 na planta - Imagem 3) destinada, ao tempo,
ao acondicionamento das numerosas armações. Situa-se em posição fronteira à ala do palácio
em que está instalada a Biblioteca da Ajuda, no sítio onde se encontra hoje o Lar de Stª Isabel
da Casa Pia de Lisboa, edifício que foi, no século XIX, residência do historiador Alexandre
Herculano (1810-1877)928. Ver Imagem 32.
No final de 1807 a família real sairá para o Brasil na sequência das invasões francesas. Não
voltará a estabelecer residência na Ajuda senão muitos anos mais tarde, em 1861, quando D.
Luís decide fixar-se no actual palácio, por ocasião do seu casamento com D. Maria Pia de
Sabóia. Após a morte do rei em 1889, o paço continuará a servir de morada a D. Maria Pia e
seu filho o infante D. Afonso que aqui residirão até à partida para o exílio depois da queda da
monarquia, em 1910.

927
Começa na Rua do Cruzeiro. Termina na Calçada da Ajuda
928
Examinando com atenção a planta da Real Barraca - Paso Real incendiado… e comparando-a com plantas posteriores
(Planta do Real Palácio da Ajuda e suas cercanias, 1869) (Planta topográfica das imediações do Paço da Ajuda em 1862)
verifica-se que a localização da casa de Herculano (hoje em dia Lar de Stª Isabel da Casa Pia de Lisboa) nestas últimas plantas
coincide exactamente com a localização da divisão denominada Tapeçaria, com o número 20 na planta da Real Barraca. Análise
feita pela estudante finalista do curso de Arquitectura Rita Quadros Vaz cf. Maria Isabel Braga Abecasis, Maria Manuela
Santana , – «A Real Barraca» in IPPAR - Palácio da Ajuda- Museu A Família Real na Ajuda, Lisboa, 2002 (trabalho não
publicado), pág. 53.
207
32 - Vista do edifício que se crê ter sido a “Tapeçaria” da Real Barraca. Nele está hoje em dia o Lar de
Santa Isabel da Casa Pinta de Lisboa. Foi, no século XIX, a casa de Alexandre Herculano

208
No alto da Ajuda o palácio volta hoje para a Calçada o seu lado inacabado. É actualmente
sede do Ministério da Cultura e de alguns organismos sob a sua tutela. Por várias ocasiões foram
projectadas obras para a sua conclusão que não chegaram a ser concretizadas. Já em 1934
Duarte Pacheco, então ministro das Obras Públicas, acentuava a urgência da conclusão deste
monumento que, segundo as suas palavras: «domina pela sua posição magnífica toda a beira do
Tejo e vertente sul até Santos».

Oeiras, Abril de 2009

209
1729
D. José I (1714 – 1777) D. Mariana Vitória (1718 – 1781)

D. Maria I (1734-1816), D. Maria Ana Francisca Josefa D. Maria Francisca Doroteia D. Maria Francisca Benedita
que sucedeu no trono (1736-1813) (1739-1771) (1746-1829)

1777

D. José (1761-1788)
(sobrinho)

210
D. MARIA I E D. PEDRO III

1760
D. Maria I (1734 – 1816) D. Pedro (1717-1786) (tio)

D. José (1761-1788) D. Maria Isabel


(Príncipe da Beira e (1776-1777)
Duque de Bragança)

D. João (1763-1763 )
1777 D. Maria Clementina
D. João VI (1767-1826), (1774-1776)
que sucedeu no trono
D. Mariana Vitória Josefa
(1768-1788)
D. Maria Francisca Benedita
(1746-1829) (tia)

1785

Gabriel António Francisco Xavier


de Bourbon (infante de Espanha)

211
D. JOÃO VI E D. CARLOTA JOAQUINA

1785
D. João VI (1767-1826) D. Carlota Joaquina (1775-1830)

D. Ana de Jesus Maria


D. Maria Teresa
(1806-1857)
(1793-1874)

1810
1º D. António Pio D. Maria da Assunção 1827
(1795-1801) (1805-1834)
D. Pedro Carlos António de
Bourbon e Bragança D. Maria Isabel 2º. Marquês
(1786-1812) (1797-1818) de Loulé
D. Pedro IV (1798-1834), D. Miguel I (rei de 1828 a
que sucedeu no trono 1834)
1838 1816

Fernando VII de Espanha (tio) D. Isabel Maria (1801-1876)


D. Carlos Maria Isidoro (Duque (viúvo de D. Maria Antónia de (regente do Reino, de 6-3-
de Madrid, Conde de Montemolin 1826 a 26-2-1828)
Bourbon y Lorena)
e de Molina) (viúvo de D. Maria
Francisca de Assis)

D. Maria Francisca de
Assis (1800-1834)

1816

D. Carlos Maria Isidoro


(infante de Espanha (tio)

212
ÍNDICE REMISSIVO

Abecasis, Maria Isabel Braga, 88, 204, 207 Alvito, conde barão do, 88, 152, 153
Abel, Marília, 117 Alvito, marquês do, 151, 152
Abrantes, duquesa de, 81, 110 Alvito, marqueses de, 152
Abreu dos Cabos, 189 Alvitos, 152
Abreu, Domingos António, 189 Amaral, Manuel,, 152
Abreu, José António de, 119, 128 Amzalak, Moses Bensabat, 73
Abreu, Maria Teresa de, 171 Angeja, marquês de, 157, 191, 192
Academia das Ciências de Lisboa, 38 Ângelo, António, 67
Academia de Pintura, 110 António, Infante, 63
Academia Nacional de Belas-Artes, 25, 34, 45, 48, Aposento dos Camaristas, 83
95, 97, 193 Aposentos da Camareira-Mor, 80
Academia Portuguesa de História, 41 Aposentos de Pedro José, Porteiro da Câmara, 82
Acciaiuoli, núncio, 72 Aposentos dos Viadores, 41
Afonso Henriques, infante (1865-1920, 204, 207 Araújo, Miguel de, 73
Afonso V, rei de Portugal, 152 Araújo, Norberto de, 120
Agard, António, 178, 187 Archeiro, José António, 196
Agard, João, 187 Archeiro, Manuel Massa, 196
Ajuda, 63, 119, 157, 179, 201, 205 Archeiro, Martinho dos Santos, 196
Albuquerque, Aires de Saldanha de, 192 Arco do Bom Sucesso, 150
Alcântara, 15, 122, 191 Arco do Duque de Loulé, 151
Alcolena, 124, 133, 153 Arco Fronteiro à Calçada
Alegrete, marquês de, 130 da Ajuda, 205
Aleixo, Nuno, 167 Ariès, Philippe, 57
Alexander, Body, 73 Arquivo Histórico Ultramarino, 194
Alexandrina, Sebastiana Leonel, 110 As Serras, 133
Algés, 15, 110, 116, 119, 126, 132, 133, 151, 161, Asilo da Infância Desvalida, 70
184, 189, 192 Associação de Protecção à Infância da Ajuda, 107,
Almeida, Felix Vicente de, 197 117
Almeida, Félix Vicente de, 57 Associação Portuguesa dos Pais e Amigos do
Almeida, Juliana Maria Oyenhausen e, 193 Cidadão Deficiente Mental - Centro Bonny
Almeida, Tomás de, 63 Stilwell, 108
Almodôvar, duque de, 52, 92 Atalaia, conde da, 156, 165, 179
Alorna, marquês de, 158 Atalaia, condes da, 156, 157
Alto da Ajuda, 16, 72, 111, 126, 162, 195 Atalaia, condessa da, 153, 157
Alto de S. Amaro, 198 Atouguia, condes de, 152

213
Aveiras, conde de, 111, 120, 121, 156 Beirão, Caetano, 19, 20, 50, 60, 61, 89, 102, 104,
Aveiras, condes de, 42, 121, 179 203
Aveiro, Casa de, 26, 182 Belém, 15, 19, 21, 118, 120, 161, 198
Aveiro, duque de, 88, 120, 123, 124, 126, 132, 182 Beresford, 194
Aveiro, duques de, 26, 152 Bibiena, Gian Carlo Galli, 21, 59, 63
Avenida da Índia, 154, 189 Biblioteca, 55, 65, 69, 75, 78, 80, 97, Ver também
Avenida da Torre de Belém, 150, 154, 161, 163, Livraria
170, 177 Biblioteca da Ajuda, 168
Avenida Duarte Pacheco Pereira, 177 Biblioteca do Convento das Necessidades, 79, 98
Avenida Ilha da Madeira, 112, 131 Biblioteca do Convento de Mafra, 63
Avenida. da Torre de Belém, 158 Biblioteca do duque da Terceira, 79
Ayllon, Joseph, 75, 204 Biblioteca dos condes de Óbidos, 79
Azevedo, J. Lúcio de,, 103 Biblioteca dos condes deLinhares, 79
Azevedo, Joaquim José de, 67 Biblioteca dos marqueses de Sampaio, 79
Azevedo, Marco António de, 132 Biblioteca Municipal de Belém, 191
Azzolini, Giacomo, 55, 59, 199 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 67, 77
Baeta, Maria José, 151 Bilse, Mr, 132
Bairro Caramão, 195 Bluteau, Rafael, 35, 38, 40, 41, 43, 44, 83, 85, 86,
Bairro de Belém 96
Corregedor do crime do, 130 Boa-Hora, 192
Bairro Novo da Memória, 127 Boccerini, 60
Baixela Germain, 124 Bom Sucesso, 15, 82, 116, 150, 153, 154, 156, 161,
Balbi, Adrien, 16, 168 167, 168, 197, 199
Banco Millennium BCP Bombelles, marquês de, 32, 33, 36, 42, 44, 54, 56,
Pedrouços, 163 62, 72, 81, 89, 90, 96, 97, 101, 118, 119, 195
Baptista, padre Manuel, 198 Boqueirão da Saúde, 161
Baptistério, 65, 67 Borba, marquês de, 116, 178, 186
Barata, Paulo J. S., 79 Borbon, Gabriel de (1752-1788), 41, 50, 61, 94,
Barco, Gabriel del, 180, 191 103
Barro da Cova, 178 Borda da Rigueira, 153
Basílica da Estrela, 41, 75 Borde, vendedor, 105
Bastos, Francisco António Martins, 81, 84, 93, 196 Botelho. Ver Pedro José da Silva Botelho, Porteiro
Bateria de Valleré da Câmara, Ver Pedro José da Silva Botelho,
Ver Bateria do Bom Sucesso, 159 Porteiro da Câmara, Ver Pedro José da Silva
Bateria do Bom Sucesso, 158, 159, 160, 176, 178, Botelho, Porteiro da Câmara
186, 189 Botelho, Pedro José da Silva, 22, 82
Bateria Nova da Areia Botelho, Pedro José da Silva, 153
Ver Bateria do Bom Sucesso, 159 Botelho, Pedro José da Silva, 167
Beckford, William, 31, 44, 45, 70, 73, 83, 96, 200 Bourbon, Carlos José Isidoro de (1788-1855), 40
Beco da Enfermaria, 119 Bourbon, Maria Josefa de (1744-1801), 50, 60, 61,
Beco do Chão Salgado, 123 102, 203
Boutatic, 103
214
Braga, Teófilo, 73 Calçada Nova da Ajuda, 47
Bragança João de, 110 Caldas da Rainha, 59
Bragança, ,Pedro Carlos de Bourbon e (1786-1812), Calheta, conde de, 126
40, 104 Calheta, condes de, 179
Bragança, Catarina de, 121 Calisto, Bartolomeu António, 205
Bragança, Sebastião de Borbon e (1811-1875), 40 Calvário, 15
Braine, conde de, 181 Câmara Municipal de Lisboa, 110, 117, 122, 128,
Branco, João de Freitas, 60, 197 152, 160, 170, 177, 184, 185, 191
Brandão, António Soares, 49, 87, 199 Câmara, Duarte António da, 156, 157
Brandão, padre Vicente Ferreira de Sousa, 55, 79, Câmara, Inês Antónia da, 174
98 Câmara, Maria Alexandra T. Gago da, 54
Brasil, 57, 67, 71, 77, 92, 93, 98, 204, 207 Câmara, Pedro da, 108
Brayard, Florent, 34 Câmara, Vasco da, 108, 110
Breyner, Francisco Xavier de Meneses, 72, 84, 198 Campos, Isabel Maria Barreira de, 18
Brione, conde de, 181 Câncio, Francisco, 32, 67, 70, 86
Brito, Iria de, 153 Canedo, Silva, 175
Brito, Manuel Carlos de, 58, 73 Canhestros, 133
Brotero, Avelar, 75, 97 Capela da Memória, 153
Cadaval, Casa, 38, 170, 171, 180, 181 Capela de São Jerónimo, 161, 168
Cadaval, duque de, 38, 39, 166, 168, 170, 171, 172, Capela do Paço da Bemposta, 63
174, 175, 178, 179, 180, 181, 182, 184, 186, 188 Capela do Sacramento, 71
Cadaval, duques de, 171, 177, 179, 184, 192 Capela do Santíssimo Sacramento, 65
Cadaval, duquesa do, 172, 174, 181 Capela do Santo Cristo, 65, 71
Cadeia de Belém Capela Real da Ajuda, 56, 61, 63, 64, 65, 67, 70,
Carcereiro da, 130 71, 72, 77, 83, 97, 108, 202, 205
Cadeia de Belém, 129 Capela-Mor, 65
Cadeia do Limoeiro, 129 Caramão da Ajuda, 178
Cadeirinha (ou Terra do Galvão), 153 Carlos I, rei de Portugal, 204
Caetano, Frei Inácio de São, 74 Carlos II, rei de Inglaterra, 121
Caetano, Miguel, 39, 182 Carlos III rei de Espanha, 20, 54, 94, 103
Cais de Belém, 122, 123 Carlota Joaquina, infanta, 20, 25, 32, 33, 40, 48, 51,
Cais do Sodré, 122 57, 84, 93, 94, 95, 96, 102, 103, 202
Calçada da Ajuda, 84, 86, 103, 111, 113, 116, 117, Carlota Joaquina, princesa, 40, 93
119, 121, 129, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 207 Carlota Joaquina, rainha de Portugal, 75, 93
Calçada da Boa Hora, 192 Carpineti, 95
Calçada da Memória, 127 Carvalho, Antónia Lima de, 186
Calçada Direita da Ajuda, 111 Carvalho, Ayres de, 21, 55, 56, 63, 86, 117, 198,
Calçada do Galvão, 15, 111, 112, 124, 127, 128, 199, 205
153 Carvalho, Bernardo Pires de, 178
Calçada do Mirante, 108 Carvalho, Domingos de, 47, 86, 199
Calçada do Mirante à Ajuda, 110, 207 Carvalho, João de Sousa, 60, 95, 196
Calçada Nova, 111, 118 Carvalho, Joaquim Caetano de, 67
215
Carvalho, José Pedro, 205 Casal das Freiras, 153
Carvalho, Pedro Alexandrino de, 36, 95 Casal de Paio Calvo, 132
Carvalho, Pinto de, 194 Casal do Tojal, 21, 94
Carvalhosa, João Diogo de Barros Leitão e, 97 Cascais, 122
Casa da Academia, 95 Caselas, 133, 178
Casa da Água, 94 Castelão, família, 129
Casa da Cal, 94 Castel-Branco, Cristina, 201
Casa da Cera, 85 Castillo, marquês de, 54
Casa da Espera da Rainha, 54 Castro, Álvaro Pires de, 121
Casa da Física. Ver Gabinete de Física Castro, Filipe Ferreira de Araújo e, 75, 97
Casa da Música, 53, 54, 55, 57, 95 Castro, Francisco de Portugal e, 157
Casa da Ópera, 50, 58, 112 Castro, Joaquim Machado de, 86
Casa da Óptica, 97 Castro, Manuel de Portugal e, 98
Casa da Pintura, 93 Castro, Martinho de Melo e, 20, 25, 117
Casa da Saúde, 160, 161 Castro, Padre João Baptista de, 63, 101
Casa da Serenata, 55 Castro, Padre José de, 72
Casa da Tapeçaria, 86 Castro, Paulo Ferreira de, 60, 61, 196
Casa das Cómodas, 88 Caula, Bernardo de, 22, 162, 163, 167
Casa das Embaixatrizes, 89 Caxias, 102
Casa das Ferramentas, 94, 112 Caza da Comédia, 112
Casa das Gaiolas, 89 Caza da Opera, 112
Casa de Banho, 88 Cazale, João Vicente, 162
Casa de D. Fernando, 174, 175 Cemitério da Ajuda, 112
Casa de Herculano, 207 Centro Cultural de Belém, 116, 120, 150, 151
Casa do Barbosa, 173 Centro de Classificação e Selecção de Lisboa, 117
Casa do Café, 95 Cerca dos Monges Jerónimos, 151
Casa do Infantado, 63, 77 Chagas, Manuel Pinheiro, 80
Casa do Jogo, 96 Chambel, Teresa, 201
Casa do Ludovice, 119 Chateau Margout, 105
Casa do Risco, 202 Chatelet, Duc du, 49, 104
Casa do Sineiro, 95 Chatillon, duques de Pinay Luxembourg e, 39
Casa dos Armários, 89 Chaves, Castel - Branco, 72, 102, 108
Casa dos Governadores da Torre de Belém, 154, Chicara grande, 133
156, 157, 178, 186 Chicara pequena, 133
Casa dos Pintores, 94 Chicola, 133
Casa dos Relógios, 88 Coelho, José Maria Latino, 105, 115, 118, 130, 131,
Casa dos Retratos, 89, 94 198
Casa dos Vidros, 88 Colégio do Bom Sucesso, 153
Casa e Pátio do Barbosa, 173, 175 Colona, Pedro, 105
Casa e Quinta do Barbosa, 171 Colonna, Pedro, 57, 95
Casa onde se metem as figuras do presépio, 94 Comedia de D. Ines de Castro, 100
Casal da Princesa, 170 Companhia de Jesus, 20, 91, 113, 122
216
Companhia Real dos Caminhos-de-Ferro,, 122 D. José, 20, 54, 199
Companhia, Girardo Haller &, 57 D. Lima, Luís Caetano de, 41
Conceição, Cláudio da, 119, 130, 131, 150, 156, D. Maria I, 54
157 D’Alincourt, coronel, 160
Conceição, Maria da, 132 D’Amboise, Clermont, 118
Conselho de Estado, 55, 80, 83, 85 D’Oberkirch, Baronne, 34
Consiglieri, Carlos, 117 Décima, 123, 171, 188, 191
Constâncio, Francisco Solano, 43 Delpierre, Madeleine, 45, 105
Constâncio, Manuel, 53 Doca do Bom Sucesso, 161
Contrabando, 156 Duas Sicílias
Contramina, 133 rei, 131
Convento das Carmelitas Descalças, 75 Duby, Georges, 57
Convento de Belém. Ver Mosteiro dos Jerónimos Dutra, Francis A., 126
Convento de Mafra, 117 Ega, conde da, 192, 193, 194
Convento do Bom Sucesso, 151, 153 Ega, condessa da, 193
Convento do Sagrado Coração de Jesus. Ver Elias, Norbert, 182
Basílica da Estrela Eloi, padre João, 67
Cordeiro, Santos, Ferreira, Limitada, 151 Enxofral, 133
Cornide, 75, 204 Ermida do Barbosa, 171
Corpo de Deus, 44 Ervançal, 133
Correio-Mor, 111 Escobar, père, 101
Correios Escola dos músicos da casa real, 108
Pedrouços, 174 Escola Paula Vicente, 112
Cortez, Maria do Carmo, 72 Espanha, 20, 31, 32, 35, 40, 54, 60, 73, 89, 94, 103
Costa Esplanada da Bateria do Bom Sucesso, 159, 178,
Francisco Vieira da, 197 179, 186
Costa, Francisco da, 165 Estados Gerais das Províncias Unidas, 20
Costa, Luís Xavier da, 110, 127 Estátua de Afonso de Albuquerque, 122
Coutinho, Fernando Maria de Sousa, 186 Estoril, 102
Coutinho, Lourenço da Câmara, 175 Estrada [de Pedrouços], 168
Coutinho, Luís Pinto de Sousa, 104, 105 Estrada de Oeiras, 188
Coutinho, Pedro de Alcântara de Meneses, 157 Estrada de Pedro Teixeira, 15, 126
Coutinho, Vicente de Souza, 34 Estrada de Queluz, 126, 195
Cozinhas, 96, 205 Estrada Real que vai para Pedrouços, 171
Cramão, 133 Évora, 179, 198
Crillon duque de, 103 Exposição do Mundo Português, 130
Cruz, Anselmo José da, 25 Fabrica da Chita, 178
Cunha, cardeal da, 38, 115 Fábrica da Sola, 178
Cunha, João Cosme da, 38, 115 Faveri, Pedro António, 58
Cunha, Leonor da, 38 Fernandes, Gabriel, 73
Cunha, Luís da, 20, 25 Fernando II, rei de Portugal, 70
Cunha, Maria Caetana da, 81 Fernão Nunes, conde de, 54, 104
217
Ferreira, Alexandre Rodrigues, 203, 204 Gayo, Felgueiras, 108, 175
Ferreira, marquês de, 179 Gazeta de Lisboa, 35, 39, 41, 44, 47, 71, 85, 101,
Figadeira, 133 102, 108, 116, 205
Figueiredo, Cândido de, 45 George Prince of Wales, 111
Figueiredo, Fidelino de, 75, 204 Gil, Artur Pedro, 49, 111
Filipe I de Portugal, (II de Espanha), 162 Gilberto Monteiro, 177
Filipe III, de Portugal, (IV de Espanha), 153 Giovine, Lucas, 70
Filipe V, rei de Espanha, 19, 89 Gorani, Giuseppe, 25, 49, 72, 108
Filipe, padre, 33, 202 Gouveia, marquês de, 123, 132
Fiúza, Mário, 47 Gramosa, José Pedro, 102
Folque, Filipe, 128, 161, 191 Gravançal Pequeno, 153
Folque, Pedro, 160 Gregor, monsenhor, 39
Forte da Areia, 159 Grout, Donald Jay, 60
Forte da Estrela, 191 Guarda Nacional Republicana, regimento de
Forte do Bom Sucesso, 158, 160, 161 cavalaria da, 111, 196
Fortes, Mário, 86 Guarda Real
Fourdrinier, 111 Estatutos Gerais, 46
Frades de São Jerónimo, 165 Guarda roupa da Rainha e Princesa, 54
França, 35, 51, 90, 104 Guedes, Lívio da Costa, 158, 160
Francisco, infante, 110 Guerra da Independência, 126
Franco, Francisco de Melo, 53 Guerra da Sucessão de Espanha, 105
Franzini, Domingos, 198 Guerra dos 7 anos, 117, 152, 166
Franzini, Miguel, 91 Guerra Fantástica, 103
Frederico II, rei da Prússia, 53, 73, 104 Guerra, Luís de Bívar, 26, 88, 124, 182
Freiras do Bom Sucesso, 132, 151, 167, 168, 169, Guterres, Manuel, 180
170 Hay, Mr., 31, 50
Freire, António de Oliveira, 111 Henriques e Cª, 187
Freitas, Jordão de, 21, 39, 71, 85, 108, 124 Herculano, Alexandre, 55, 78, 80, 98, 207
Fronteira, marquês da, 187 Hickey, 94
Gabinete de Física, 79, 91, 97, 98, 202, 205 Hipódromo de Belém, 170
Gabinetes de El-Rei, 27 Horta do Garcia, 185
Gaffari, família, 188 Hospital da Ordem Terceira do Carmo, Rio de
Gaffari, João Miguel, 188 Janeiro, 98
Gaffari, Patrício, 188 Howard, John, 129
Gaffari, viúva, 187 Igreja da Memória, 124, 195
Galhardo, Herculano Henrique Garcia Camilo, 71, Igreja Paroquial
107 da Ajuda, 107
Galvão, António José, 124 Igreja paroquial da Encarnação, 63
Gama, João José Ludovice da, 119 Ilha da Gonzalla, 129
Gama, Vasco da, 157 Ilha da Morgada de Oliveira, 129
Gameiro, Alfredo, 112 Ilha do Taleiga, 129
Gaspar, Diogo, 121 Incêndio de 1794, 205
218
Inglaterra, 51, 56, 105 Junqueira, 49, 157, 190, 191, 192, 197
Inquisição, 53 Junqueirinha,, 133
Instituto de Altos Estudos Militares. Ver Instituto de Junta de Freguesia da Ajuda, 113
Estudos Superiores Militares Junta de Freguesia de Belém, 131, 132
Instituto de Estudos Superiores Militares, 177, 181 Kivers, Earl, 111
Instituto Português de Museus, 207 Laboratório Químico, 202
Invasões francesas, 204 Lafões, duque de, 38
Ironwisch, Gregório Alexandre, 194 Lage de Alcolena, 133
Isabel Farnésio, rainha consorte de Espanha, 19, 89, Lages, 133
103 Lajes de Cima, 153
Itália, 35 Lambesc, Henriqueta Júlia Gabriela de Lorena -,
Jardim Botânico, 199, 207 172, 174, 181, 182
Jardim Botânico da Ajuda, 200 Lambesc, príncipe de, 181
Jardim Botânico de Pádua, 201 Lancastre, José Mascarenhas da Silva e, 123
Jardim das Damas, 27, 86, 207 Lancastre, Rodrigo de, 153
Jardim Museu Agrícola Tropical, 126 Lar de Stª Isabel da Casa Pia de Lisboa, 78, 207
Jesuítas. Ver Companhia de Jesus Largo da Ajuda, 70, 108, 110, 196, 197, 207
Jesus, madre Teresa de, 49, 74, 75 Largo da Memória, 124
João I, rei de Portugal, 192 Largo da Princesa, 15, 163, 189
João IV, rei de Portugal, 46, 180 Largo da Torre, 108, 110
João V, rei de Portugal, 19, 21, 33, 45, 73, 104, Largo do Cemitério da Ajuda, 124
111, 120, 121, 132, 150, 152, 170, 181, 200 Largo do Marquês de Angeja, 191
João VI, rei de Portugal, 20, 32, 38, 40, 61, 67, 71, Largo do Museu Agrícola Colonial, 117, 127
78, 92, 93, 103, 194, 198 Largo dos Jerónimos, 120, 124, 126, 131
João, infante, 22, 32, 35, 38, 39, 50, 55, 61, 71, 84, Largo Luís Alves Miguel, 186, 189
86, 89, 94, 95, 100, 202 Largo Maria Isabel Aboim Inglês, 173, 176
João, príncipe regente, 67, 75, 93, 192 Lava, Pedro de, 105
Jogo da Bola d’El-Rei, 95 Lava-pés, 35, 77, 100
Jommelli, Niccolo, 58 Lavradio, marquês de, 42
Jornal O Público, 92 Le Beau, Jacques, 105, 198
José I, rei de Portugal, 18, 19, 20, 25, 27, 32, 33, Le Goff, Jacques, 48
34, 42, 49, 54, 57, 59, 60, 67, 75, 79, 81, 87, 88, Leal, Pinho, 184, 187
97, 102, 103, 105, 110, 113, 115, 116, 117, 119, Leão, Antonio Roiz de, 48
122, 124, 126, 129, 130, 151, 158, 162, 166, 182, Leão, Francisco Guimarães da Cunha, 77
197, 199 Lebzeltern, cavaleiro de, 118
José, Francisco, 55 Lefranc, João, 45
José, príncipe herdeiro. (1761-1788), 22, 26, 32, 35, Lemprier, G., 111, 132
38, 39, 42, 43, 44, 48, 50, 51, 52, 53, 57, 64, 71, Leopoldo I da Áustria, 21
72, 84, 85, 90, 91, 93, 97, 100, 102, 105, 117, Lima, Jerónimo Francisco de, 62
121, 163, 172, 197, 198, 202 Lima, Manuel Gomes de, 53
José, Vitorino, 127 Linhares, conde de, 180
Junot, general, 97, 193 Lippe, conde de, 117, 152, 158, 167
219
Lisboa, Amador Patrício de, 16 Maria de Saldanha, 175
Livraria, 73, 77, 78, 83, 88, 89, 93, 98 Maria Francisca Benedita, infanta (1746-1829)., 95
Livraria grande, 77 Maria Francisca Benedita, princesa (1746-1829).,
Livraria pequena, 77 18, 26, 32, 35, 46, 52, 75, 92, 102, 117, 122, 151,
Lobo, José, 151 163, 165, 167, 168, 170, 180
Lobo, Silvestre Faria, 56 Maria Francisca Doroteia infanta, (1739-1771), 18,
Londres, 118 34, 47, 49, 92, 95
Lopes ,Maria Antónia, 89 Maria Francisca Isabel de Sabóia, rainha consorte
Lopes, Carla, 16 de Portugal, 180
Lorena, Margarida de Melo e, 110 Maria I, rainha de Portugal, 18, 20, 25, 26, 32, 33,
Loulé, duque de, 170 34, 44, 48, 49, 50, 52, 54, 55, 58, 60, 61, 71, 72,
Lourenço, Teresa, 15 73, 74, 81, 84, 87, 89, 92, 94, 95, 96, 100, 101,
Louriçal, marquês do, 50 102, 104, 108, 116, 117, 118, 119, 130, 157, 167,
Ludovice, 117, 119, 127 168, 170, 174, 180, 188, 191, 192, 197, 203
Ludovice, João Pedro, 117 Maria Isabel, infanta, 73
Lugar de Nossa Senhora da Ajuda, 196 Maria Pia de Sabóia, rainha consorte, 204, 207
Luís I, rei de Portugal, 204, 207 Maria Sofia de Neubourg , rainha consorte de
Luís, infante, duque de Beja (1506-1555), 151 Portugal, 21, 180
Luísa de Gusmão, rainha consorte de Portugal, 180 Maria Teresa, princesa da Beira, 40, 42, 45, 53, 64,
Lumiares, conde de, 92 66, 67
Luxembourg, Maria Madalena de Montmorency, 39 Marialva, marquês de, 96, 116, 150, 151, 157, 168
Mª , João Ant. Salter de, 116 Marialva, marquesa de, 150
Macedo, José Agostinho de, 186 Marialva, marqueses de, 151, 152
Macedo, Luís Pastor de, 122, 184, 186 Mariana Vitória, infanta, 33, 41, 50, 61, 94, 95, 103
Machado, Cirilo Volkmar, 21, 36, 94 Mariana Vitória, rainha consorte de Portugal, 18,
Madrid, 95, 131, 179 19, 32, 35, 38, 42, 44, 54, 58, 62, 65, 70, 81, 85,
Madureira, Nuno Luís, 27, 31, 54, 88, 94 87, 88, 101, 102, 103, 105
Mafra, 19, 59 Mariana Vitória, rainha consorte de Portugal, 19
Maltits, Piotr Fiodorovitch, 118, 192 Mariana Vitória, rainha consorte de Portugal, 108
Manuel, Constança, 81, 156, 157 Mariana Vitória, rainha consorte de Portugal, 110
Manuel, Domingas, 156, 157, 186 Mariana Vitória, rainha consorte de Portugal, 152
Manuel, João, 156 Mariana Vitória, rainha consorte de Portugal, 172
Manuel, José, 156 Mariana Vitória, rainha consorte de Portugal, 195
Manuel, Maria, 157 Mariani, Pasparo, 70
Marañon, Gregório, 48 Mariz, João Pedro, 116, 205
Mardel, Carlos, 166 marquês de Pombal, 54
Maria Ana de Áustria, rainha consorte de Portugal, Marrocos, Luís Santos, 77
21 Martinelli, Caetano, 58, 59, 196, 197
Maria Ana, infanta, 1736 1813, 18, 32, 35, 50, 93, Martins de Sousa, Tude, 129, 130
95 Martins, Paulo, 85, 117
Maria Ana, Infanta, 1736 1813, 92 Martins, Rocha, 67
Maria Clementina, Infanta, 73 Mata, Luís Vitorio de Sousa Coutinho da, 151
220
Mattiazzi, Júlio, 201 Mosteiro de Belém. Ver Mosteiro dos Jerónimos
Maurepas, Arnaud de, 34 Mosteiro dos Jerónimos, 120, 124, 130, 133, 150,
Mazeda, conde de la, 119 161, 166, 168
Mazzoni, Petroni, 56, 199 Mumford, Lewis, 51
Mello, Francisco de Pina e, 73 Muralha de Belém, 129
Melo, Aires de Sá e, 50, 54, 131 Museu Agrícola Tropical, 126, 129, 131
Melo, Luís Ambrósio de, 181 Museu de História Natural, 202, 203, 204
Melo, Nuno Álvares Pereira de, 38, 172, 175, 180 Museu Nacional do Azulejo, 180, 191
Melo, Sebastião José de Carvalho e. Ver Pombal, Museu Nacional dos Coches, 119, 199
Marquês de Nantes, Édito de, 56
Mendonça Corte Real, Joana de, 121 Nápoles, 62
Mendonça, Francisco Xavier de, 113 Negreiros, José Manuel de Carvalho e, 111, 195,
Mendonça, Paulo de Carvalho e, 113 196
Meneses, Ana de Lorena de Sá Almeida e, 81, 110 Nery, Rui Vieira, 60, 61, 196
Meneses, João da Silva Telo de, 120 Néu, João B. M., 48, 120, 122, 127, 130, 150, 152,
Menezes,, 166 153, 154, 158, 160, 161, 162, 163, 166, 170, 171,
Menezes, Aleixo de Sousa da Silva e, 166 174, 180, 187, 189, 191
Menezes, Antónia de Sousa de, 166 Neves, Joaquim José das, 54
Menezes, Ignacio de Souza e, 42, 45, 64, 66, 69 Niza, marquês de, 157
Menezes, Joaquina de, 150 Niza, marquesa de, 157
Menezes, Lourenço António de Sousa Silva e, 166 Niza, marqueses de
Menezes, Lourenço de Souza, 166 Nogueira, Margarida Sá, 44
Menezes, Luzia de, 167, 168 Nogueira, Ricardo Raimundo, 182
Mercearia do senhor Infante D. Luís, 151 Noronha, Inês Teresa de, 153
Mesa de estado, 86 Noronha, António de Meneses e, 157, 186
Miguel I, rei de Portugal, 174 Noronha, Diogo de, 58, 150
Miguel, rei de Portugal, 78 Noronha, Duarte Manuel e, 157
Miller, Gaspar, 56 Noronha, Eugénia Manoel de, 186
Ministério da Cultura, 209 Noronha, Miguel de, 180
Ministério da Defesa, 112 Nossa Senhora da Ajuda, 18, 54, 61, 71, 96, 112
Miquelina, Ana, 20, 25, 33, 39, 40, 48, 51, 57, 59, Nova Casa da Música, 95
84, 100, 102, 202 Nunes, Pedro Alexandrino, 25, 27, 39, 49, 51, 55,
Mira, M. Ferreira de, 51 62, 64, 66, 85, 110
Mirantes, 97 Óbidos, conde de, 111
Monges de São Jerónimo, 120, 132, 152, 165, 169, Óbidos, condes de, 111, 179
170 Obras, 168, 209
Monsanto, Conde de, 121 Oeiras, conde de. Ver Pombal, Marquês de
Monsanto, condes de, 179 Oliveira , Eduardo Freire de, 123
Monteiro, Nuno Gonçalo Freitas, 38, 83, 120, 152, Oliveira dos Arcos, conde de, 174
179, 181, 182 Oliveira, Eduardo Freire de, 32, 34, 53, 87, 113
Moreira, António Leal, 61 Oliveira, Frei Nicolau de, 154, 160, 165, 179
Morgado de Oliveira dos Arcos, 175 Oliveira, João Pedro de Saldanha de, 175
221
Oliveira, Lina Maria Marrafa de, 121 Parma, Maria Luísa de Bourbon, 20, 25, 32, 33, 40,
Oliveira, Mateus Vicente de, 36, 40 57, 59, 96
Oliveira, Mateus Vicente de, 25 Parque Recreativo dos Moinhos de Santana, 112
Ópera, 57, 112, 196 Passadiço, 64, 78, 79, 80
Ópera do Tejo, 57 Pateo da Fabrica da Sola,, 178
Oratório, 26, 36, 38, 39, 41 Pátio da Ópera, 111
Ordem de Cristo, 38, 126, 203 Pátio das Castelhanas, 195
Ordem de S. Jerónimo, 120 Pátio das Cozinhas, 111, 112
Orquestra da Real Câmara, 59, 70 Pátio das Damas, 110
Os Vales, 133 Pátio das Vacas, 15, 116, 126, 127, 128
Osterman, conde de, 92 Pátio das Zebras, 103
Outeiro de S. Jerónimo, 133 Pátio de D. Fernando, 173, 175
Outeiro do Cramão, 133 Pátio do Barbosa, 173
Pacheco, Duarte, 209 Pátio do Bonfim, 113
Paço da Ajuda, 199, Ver Palácio da Ajuda Pátio do Elefante, 128
Paço dos bichos, 120 Pátio do Saldanha, 193
Paço Velho, 111, 113, 196, 198, 200 Pátio do Seabra, 108
Paço, António Domingos do, 90, 198 Pátio do Seminário Velho, 108
Paços da Ribeira, 57 Pátio dos Bichos, 110
Padres Vicentes de Lisboa, 153 Pátio e Quinta do Seminário, 108
Pai Calvo. Ver Paio Calvo Patriarcal, 66, 70, 72, 108
Paio Calvo, 133 Patriarcal da Ajuda, 16, 61, 63, 67, 71, 75, 108
Paiva, Gaspar de, 165 Pedro II, rei de Portugal, 21, 166, 180, 181
Palácio da Ajuda, 16, 27, 39, 40, 55, 57, 80, 86, 97, Pedro III, rei consorte, 33, 34, 38, 45, 47, 61
110, 116, 198, 202, 205 Pedro III, rei consorte de Portugal, 26, 32, 117, 121
Palácio da Bemposta, 67, 121 Pedro IV, rei de Portugal, 71, 93
Palácio da Presidência da República, 124 Pedro, infante, 34, 49, 87
Palácio das Necessidades., 46 Pedroeza, 162
Palácio de Belém, 18, 19, 67, 110, 120, 121 Pedrouços, 15, 38, 150, 151, 153, 154, 160, 161,
Palácio de D. João de Bragança, 110 162, 165, 166, 167, 168, 172, 174, 175, 179, 180,
Palácio de Queluz, 88 181, 182, 188, 189, 192
Palácio do Correio-Mor, 151 Pedrouços,, 168
Palácio do Duque de Aveiro, 123 Pelourinho, 123
Palácio do Marquês de Angeja, 191 Penalva, marqueses de, 152
Palácio do Pátio do Saldanha, 192 Peralada, conde de, 119
Palácio dos Condes da Ega, 194 Pereira, Ângelo, 33, 38, 50, 61, 71, 81, 95
Palácio dos Duques de Palmela, 63 Pereira, Julião, 73
Palácio e quinta de Belém, 122 Perez, David, 59, 196, 197
Palhares, major Joaquim Rebelo, 151 Perne, Martinho José de, 176, 186
Palmeira, 132, 133 Pessa, 133
Paris, 34, 43, 90, 93, 104, 204 Pessa das donas, 133
Picadeiro, 199
222
Quinta Cadaval, 181 Principi, Octávio, 196
Picadeiro Quaresma, José António Plácido Lobo da Silveira,
Quinta da Praia, 150 151
Picadeiro Régio, 119 Quartel - general
Pina Manique , Diogo Inácio de, 130 Paço de Nossa Senhora da Ajuda, 45
Pinetti, Caetano Mateus, 98 Pedrouços, 166
Pinto, Augusto Cardoso, 25, 46 Quartel de Infantaria do Conde de Lippe, 117
Pinto, Júlio António Vieira da Silva, 185 Quartel-general
Piolti, Manuel, 198 de Beresford, 194
Poço, 153 Pedrouços, 167
Pollet, Ambrozio, 48 Quarto, 126, 180, 192
Pombal, marquês de, 20, 38, 71, 72, 73, 87, 108, Quarto da Rainha, 54
113, 115, 116, 118, 123, 130, 131, 150, 173, 191, Quarto de Estevão Pinto, 82
198, 202, 205 Queluz, 25, 55, 126, 163, 205
Ponte de Lima, marqueses de, 152 Queluz, António Moreira de, 132
Ponte de Pedrouços, 184 Quinta Cadaval, 180, 181
Portal, padre Manuel, 18 Quinta da Ajuda, 21
Porto de Belém, 122, 151, 160, 161 Quinta da Praia, 116, 120, 132, 150, 151, 170, 178
Portugal, António de, 121 Quinta da Princesa, 163, 168, 169, 170, 171, 175,
Portugal, Fernando de, 71 178
Portugal, Francisco de, 120 Quinta da Princesa, Palácio, 170
Portugal, Joana Inês de, 121 Quinta de Baixo, 120, 121, 122, 132
Portugal, João de Almeida, 158 Quinta de Belém, 119, 120, 121, 128
Portugal, Luís de, 121 Quinta de Cima, 21, 111, 112, 132
Portugal, Manuel de, 120, 150, 179 Quinta de D. Vasco da Câmara, 110
Portugal, Marcos, 61 Quinta de Pedro Vasconcelos, 132
Portugal, Maria de, 121 Quinta de Pedrouços, 167, 170
Portugal, Nuno Alvares de, 121 Quinta do Armador, 110
Portugal, Quitéria Rosa de Saldanha, 101 Quinta do Conde de S. Tiago, 163, 167, 171, 175
Póvoa, Diogo de, 165, 179 Quinta do Correio-Mor, 132, 152, 153, 178
Praça Afonso de Albuquerque, 120, 122, 123, 130, Quinta do Duque de Cadaval, 176
191 Quinta do Marquês de Gouveia, 132
Praça D. Fernando, 122 Quinta do Meio, 129, 131, 132
Praça de Belém, 88, 122, 124, 162 Quinta do Outeiro, 120, 121
Praça do Comércio, 75 Quinta do Provedor da Alfandega, 165, 180
Praça do Império, 150 Quinta do Seminário, 108
Praia de Belém, 129 Quinta dos Condes de Óbidos, 200
Praia de Pedrouços, 187 Quinta dos Marialvas. Ver Quinta da Praia
Praias da Junqueira, 192 Quinta Nova da Sereníssima Princesa, 168
Praias, de Belém, 150 Quinta Velha, 163, 165, 166, 168
Presbitério, 65 Quinta Velha do Conde de S. Tiago. Ver Quinta do
Principi, Carlos, 196 Conde de S. Tiago
223
Ramalho, Maria Magalhães, 16 Róis de Confessados, 46, 47, 110, 111, 123, 129,
Ramos, Matias João, 170 130, 131, 156, 180, 191, 199
Ratinho, 153 Róis de Desobriga, 129, Ver Róis de Confessados
Ratinhos, 133 Rol dos Confessados, 112
Rato, Constança Moreira, 15 Roma, 127
Ratolla, Francisco Simões, 151, 173, 187 Rosa, Domingos da, 95
Ratton, Diogo, 156 Rostoptschin, Fiodor Vassilievitch, 118, 192
Ratton, Jacome, 173 Rozière, marquês de la, 159
Real Barraca, 116 Rua 1º de Maio, 191
Real Biblioteca Pública, 78 Rua António de Abreu, 173
Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, 56 Rua Augusto Gomes Ferreira, 107, 197
Real Livraria no Rio de Janeiro, 98 Rua Bartolomeu Dias, 116, 150, 151, 152, 153,
Real Praça de Belém. Ver Praça de Belém 154, 157, 158, 161, 170
Real Tesouro, 45, 46 Rua Brotero, 195
Redonda, 133 Rua Conselheiro Martins de Carvalho, 112
Rego Comprido das Serras, 133 Rua D. Vasco, 108
Reina, Carlos, 58, 197 Rua da Bica do Marquês, 116
Restauração, 180 Rua da Cadeia, 129, 130
Restelo, 112, 124, 127, 133, 152, 163, 170, 178 Rua da Fábrica da Sola, 187
Retorta, 133 Rua da Junqueira, 191, 192, 199
Ribeira de Algés, 150, 184 Rua da Ponte que vay para o Pateo das Vacas, 127
Ribeira do Duque, de Cadaval, 176, 186 Rua da Praia de Pedrouços, 186, 187, 189
Ribeira dos Gafos, 121, 127, 129 Rua da Praia do Bom Sucesso, 161, 189
Ribeira dos Pocinhos, 128, 129 Rua das Mercês, 127
Ribeira Grande, condessa da, 165, 170 Rua de Belém, 120, 121, 123, 124, 131
Ribeiro, António Pinto, 100 Rua de Carlos Príncipe, 107, 196
Ribeiro, Filomena, 117 Rua de João de Castilho, 127
Ribeiro, José Silvestre, 203 Rua de Pedrouços, 157, 159, 163, 170, 171, 173,
Ribeiro, Mário de Sampaio, 21, 60, 70, 110, 113, 174, 176, 177, 178, 179, 181, 184, 186, 188, 189
117, 119, 120, 124, 127, 132, 196, 199 Rua de S. Jerónimo. Ver Rua dos Jerónimos
Rio de Argeis Rua Direita, 121
Algés, 188 Rua Direita de Belém, 121, 123, 129
Rio de Pedroza, 162 Rua Direita de Pedrouços, 162, 181, 187, 188
Rio dos Jerónimos, 128 Rua Direita do Bom Sucesso, 150, 153, 154
Rio Tejo, 101, 121, 123, 129, 151, 157, 158, 160, Rua Direita que vai do Bom Sucesso, 171
201, 203, 209 Rua do Arco da Torre, 189
Rocaberti, Bernardo de, 119 Rua do Bom Sucesso, 151, 163
Rochford, Earl de, 115 Rua do Cais, 130
Rodrigues, Archeiro José António, 196 Rua do Cais da Alfândega Velha, 191
Rodrigues, Caetano, 57 Rua do Cruzeiro, 197, 207
Rodrigues, Teresa, 44 Rua do Embaixador, 119, 199
Rua do Guarda Jóias., 108
224
Rua do Jardim Botânico,, 196 Santana, Francisco, 15, 25, 72, 87, 116, 122, 154,
Rua do Mirante, 110 156, 187
Rua dos Archeiros, 195 Santana, Maria Manuela, 88, 207
Rua dos Cozinheiros, 195 Santarém, visconde de, 97
Rua dos Jerónimos, 131, 132 Santiago de Beduído, conde de, 163, 166, 167
Rua Duarte Pacheco Pereira, 176 Santiago de Beduído, condes de, 166, 180
Rua General João de Almeida, 117, 127 Santo Amaro, 192
Rua Gonçalves Zarco, 112 Santos, 209
Rua Mem Rodrigues, 112 Santos, Guilherme G. de Oliveira, 20
Rua Nova da Praia, 178, 189 Santos, Mariana A. Machado, 55, 78, 79, 98
Rua Prof. Cid dos Santos, 110 Santos, Piedade Braga, 44, 45, 49, 75, 104
Rua Tristão da Cunha, 163 Santos, Reinaldo Manuel dos, 25
Rua Tristão Vaz, 112 São Vicente, condes de, 42
Rua Vieira Portuense, 130 Saraiva, José António, 19
Rússia, cônsul da, 92 Sarampo, 50
S. Lourenço, conde de, 111 Sarmento, Estêvão Pinto de Morais, 82
S. Lourenço, condes de, 150 Sarmento, Jacob de Castro, 53
S. Pedro, festividades, 62 Sasportes, José, 100
S. Petersburgo, 156, 194 Saúde, regulamentos de, 123
S. Vicente, conde de, 38 Sauveterre, François, 57
Sacristia, 65, 85 Scherpereel, Joseph, 59, 61
Saint-Priest, conde de, 102 Schlobach, Jochen, 104
Sala da Física. Ver Gabinete de Física Seabra, António Ribeiro, 170
Sala de Audiências, 31 Sebastião, rei de Portugal, 91
Sala de Despacho, 88 Secretaria da Guerra, 113
Sala de Serenins, 205 Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, 116
Sala do Dossel, 53 Secretaria de Estado dos Negócios do Ultramar, 82
Sala do Porteiro da Cana, 41, 42 Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e
Sala dos Archeiros, 44, 46 da Guerra, 124
Sala dos Serenins, 54, 55, 56, 79, 83, 95, 97 Seminário da Patriarcal, 61, 62, 70, 108
Sala dos Tudescos, 46, 66 Sepúlveda, Christovam Ayres de Magalhães, 22,
Sala dos Viadores, 41, 42 158, 182
Salas do Dossel, 26, 27, 31, 35, 41 Sequeira, Domingos António de, 93, 110, 127
Saldanha, Duarte Rebelo, 51, 53 Sequeira, Gustavo de Matos, 21, 25, 53, 69, 82, 108
Saldanha, Francisca de, 175 Serra Grande de Cima, 133
Saldanha, Inês Maria de, 174, 175 Serrado Grande de Alcolena, 133
Saldanha, Maria, 175 Serrão, Joaquim Veríssimo, 172, 181, 196
Salvaterra, 19, 21, 55, 59 Serrão, Joel, 33, 56
Samora, 19 Servang, 94
Sanches, António Nunes Ribeiro, 53, 73 Sifuentes, Conde de, 104
Santa Cruz, conde de, 123 Signay, José, 56
Silva, Fernando Teles da, 130
225
Silva, António de Morais e, 38, 41, 43, 83, 96 Tavares, Francisco, 53
Silva, Augusto Vieira da, 107, 162 Távora, marquês de, 162
Silva, Fernando António de Almeida e, 174, 179 Távora, Miguel Carlos Silveira e, 38
Silva, Fernando Teles da, 131 Távoras, 111, 124
Silva, Inês Antónia da, 175 Teatro da Ajuda. Ver Teatro Real da Ajuda
Silva, João António Pinto da, 25, 34, 36, 40, 58, 82, Teatro da Ópera, 56
100, 198 Teatro real, 53
Silva, João Carlos de Bragança Sousa e Ligne Teatro Real da Ajuda, 56, 58, 60, 112
Tavares Mascarenhas e, 38 Teatros régios, 55
Silva, João Cordeiro da, 62 Tedesqui, António, 196
Silva, Joaquim da Costa e, 107 Teixeira, Pedro, 126
Silva, José Seabra da, 108 Telo, Luís da Silva, 121
Silva, Manuel Teles da, 131 Tentúgal, conde de, 179
Silveira, Fernando Lobo da, 152 Teodósio, príncipe, 46
Silveira, José António Francisco Lobo da, 152 Terceira, duque da, 132
Simmerman, Agostinho, 56 Terra das Minas, 153
Sintra, 59 Terra dos Moinhos, 153
Smith, John, 31, 50 Terra e Moinho do Cuco, 153
Soares, Ana Luísa, 201 Terras das Freiras do Bom Sucesso, 132, 168, 178
Sousa, Manuel Caetano de, 63, 72, 75, 207 Terras de António Moreira de Queluz, 132
Sousa, Abade, A.D. de Castro e ,, 46 Terras de Marco António de Azevedo, 132
Sousa, António Caetano de, 45, 157, 167 Terras de Maria da Conceição, 132
Sousa, Carlos de, 90 Terras do Bauto, 153
Sousa, D. Pedro José de Noronha Camões de Terras do Duque, 178, 188
Albuquerque Moniz e, 191 Terras do duque de Cadaval, 166
Sousa, Francisco Luís Pereira de, 18 Terreiro do norte, 64
Sousa, J.M. Cordeiro de, 58 Terreiro do Sul, 64
Sousa, João de Almeida e Silva Vasconcelos e, 174 Tesouro, 86
Sousa, Manuel Caetano de, 86, 202 Tessalónica, arcebispo de, 73
Sousa, Principal, 116 Todi, Luísa, 196
Southey, Robert, 75 Tombo Velho à Cova da Clara, 153
Stephens, Guilherme, 56 Torre da Ajuda, 66, 67, 72, 202, Ver também Torre
Stocqueler, Francisco Xavier, 52, 92 do Relógio, Ver também Torre do Relógio
Stone, Lawrence, 27 Torre de Belém, 123, 132, 154, 157, 159, 160, 161,
Strognoff, conde de, 194 162, 165, 168, 191
Sucena, Eduardo, 15, 72 Torre de S. Vicente de Belém, 122, 191
Supermercado Pingo Doce Torre do Bom Sucesso, 159
Pedrouços, 163 Torre do Relógio, 207, Ver também Torre da Ajuda
Tancos, marquês de, 156, 157 Torre dos Sinos, 95
Tancos, marquesa de, 81, 157, 186 Torreão do Duque de Cadaval, 184
Tancos, marqueses de, 156, 157 Torres, Estêvão Martins, 171, 172
Tapeçaria, 207
226
Torres, João Carlos Feo Cardoso de Castello Tribuna, 36, 39, 65
Branco Motta e, 38, 39, 110, 152, 181 Trono, José, 94
Torres, Manuel Barbosa, 171, 173, 175, 179 UNESCO, 157
Torrinha, 181, 184, 188 Val Bom, 153
Trajano, Luís, 196, 197, 198 Val de Baixo, 153
Travessa «da Gorita», 196 Val de Meio, 153
Travessa da Ajuda, 107, 108, 197 Val de Ribas, 153
Travessa da Madressilva, 195 Valença, marquês de, 71
Travessa da Memória, 124, 127 Valenti, cardeal, 72
Travessa da Praça, 130 Valleré, Luís António de, 158, 160, 178, 184
Travessa da Saúde, 154, 161 Valleré, Marie Louise, 160, 184
Travessa da Torrinha, 181, 184, 188 Vandelli, Domingos, 201
Travessa das Galinheiras, 120, 123, 124, 185 Vargas, José Manuel,, 117
Travessa das Piteiras, 176, 185 Vargia, 133
Travessa das Zebras, 103, 119 Várzea do Passo, 133
Travessa de Carlos Príncipe, 107, 197 Vasconcelos, Pedro de, 132
Travessa de David Perez, 196 Vasquez, Giambatista (Battistini), 58
Travessa de Paulo Martins, 116, 117 Vaz, Manuel Luís, 170
Travessa de Paulo Martins., 85 Vaz, Rita Quadros, 207
Travessa de Ribeiro Seabra, 170, 173 Veloso, padre José Gomes, 197
Travessa do Açougue Velho a Santa Marta,, 167 Vidal, Frederico Gavazzo Perry, 110
Travessa do Arco da Torre, 189 Vila Garcia, 185
Travessa do Armador, 110 Vila Verde conde de, 191
Travessa do Barbosa, 171, 173 Vila Viçosa, 32, 59
Travessa do Buraco, 127 Vilar Maior, conde de, 130, 131
Travessa do Desembargador, 15, 119 Vilar, João Rodrigues, 119
Travessa do Exmo Marquez de Borba, 186 Vilas - Boas, Frei Manuel do Cenáculo, 198
Travessa do Ferreiro. Ver Travessa dos Ferreiros Vilas-Boas, Frei Manuel do Cenáculo, 22, 38, 72,
Travessa do Forte da Areia, 15, 186, 189 84, 85, 90, 91, 92, 94
Travessa do Guarda-Mor da Saúde, 123 Vilhena, Guiomar de, 120
Travessa do Marta Pinto, 124 Vimioso, conde de, 157
Travessa do Matta Pintos, 124 Visme, Gérard de, 56
Travessa do Pateo das Vacas, 127 Viterbo, Joaquim de Santa Rosa, 47
Travessa do Xampellão, 186 Viterbo, Sousa, 105
Travessa dos Algarves, 191 Voltaire, 104
Travessa dos Escaleres, 191 Walpole, 115, 118
Travessa dos Ferreiros, 120, 121, 131

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