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Os nativos também tinham “uma dieta mais equilibrada e mais nutritiva” do que em
outras partes do mundo na época, graças não somente ao milho, mas também ao
cultivo da batata, do abacate, do tomate e das abóboras, entre outros. Diferentemente
do que ocorría no “velho mundo”, não havia evidência de períodos de fome prolongada
entre eles, segundo Charles C. Mann.
As plantas também são o principal indício de que existia um intercâmbio entre norte e
sul. No entanto, até hoje os arqueólogos não sabem explicar exatamente como
espécies domesticadas na Amazônia, como o tabaco, chegaram à região do atual
Canadá ou o cacau mesoamericano à América do Sul, sem uma rota direta, animais de
carga ou caravanas.
À partir do século 15, muitos dos povos originários foram dizimados por doenças
trazidas de além-mar que chegaram através dos rios ou de animais, até mesmo antes
do contato direto com os europeus.
No choque entre dois mundos que se seguiu à chegada de Colombo, muitas das
formas de vida e das estruturas construídas no continente foram rapidamente
destruídas, deixando perguntas que os especialistas ainda tentam responder. Esse é
um dos motivos pelos quais é difícil obter informações sobre todos os que viviam na
América pré-colombiana.
Nessa reportagem especial da BBC News Brasil, nos concentramos em uma seleção,
feita com a ajuda de antropólogos e arqueólogos, das maiores e mais influentes
culturas da região logo antes da chegada dos espanhóis e portugueses.
Em alguns casos, elas deixaram mais evidências arqueológicas das suas sociedades.
Em outros, como no caso dos povos da Amazônia, descobertas mais recentes estão
mudando completamente o que se acreditava sobre a vida no continente.
Conteúdo interativo
AMÉRICA DO AMÉRICA DO
NORTE MESOAMÉRICA SUL
AMÉRICA DO NORTE
As dezenas de culturas que viviam desde o atual Canadá até o extremo norte do
México costumavam se organizar em comunidades menos monumentais e mais
igualitárias do que os grandes reinos da Mesoamérica, por exemplo — e muito mais do
que as monarquias europeias do século 15.
Estima-se que nessa parte do continente havia cerca de 5 milhões de pessoas quando
chegaram os primeiros europeus.
“Em geral, eram povos que viviam em grupos relativamente pequenos e se juntavam
para ajudarem-se mutuamente, mas colocavam limitações muito claras ao poder das
suas autoridades”, diz Charles C. Mann.
Em algumas sociedades, tudo tinha que ser decidido por consenso e os líderes podiam
inclusive ser destituídos pelo povo — ideias que continuavam impressionando os
teóricos do iluminismo francês no século 18.
AMÉRICA DO NORTE
Haudenosaunee Culturas mississipianas Culturas pueblo
Haudenosaunee
Suas aldeias eram extensas e ficavam próximas uma à outra, mas não havia uma
capital específica.
Isso impressionou os europeus que, quando chegaram à América, ainda viviam sob
monarquias absolutistas em sociedades extremamente desiguais.
Reunião dos chefes das tribos Mohawk, Onondaga, Oneida, Cayuga, Seneca e Tuscarora; esta
última se uniu aos haudenosaunee no século 18. Imagem: Getty
Charles C. Mann acredita que a semelhança entre o sistema político dos nativos e o
atual é pequena, mas diz que o impacto cultural causado pela forma de vida dessa e de
outras nações indígenas é inegável.
“Os europeus encontraram povos que não tinham medo de seus governos, que eram
autônomos e que riam da ideia de que a nobreza era hereditária. Essas foram lições
importantes que aprenderam com eles”, afirma.
Culturas mississipianas
“Em seu apogeu, pouco antes do ano 1400, a extensão territorial desses povos era
equivalente ao que chamamos de ‘cristandade’ na Europa na mesma época. Isso nos dá
uma ideia de quão influente essa cultura foi na América do Norte”, explica Charles C.
Mann.
Em seu apogeu, Moundville tinha templos e residências sobre montículos de terra, como nessa
recriação artística. Imagem: Caleb O’Connor, Museus de Universidade do Alabama
Mais que centros políticos ou comerciais, esses locais eram pontos importantes para a
vida social e mística dos mississipianos. Alí aconteciam enormes festivais religiosos e
sacrifícios em massa, segundo revelaram escavações arqueológicas.
No entanto, pouco antes da chegada dos europeus, Moundville, assim como outras
antes dela, deixou de ser habitada e passou a ser um local reservado para enterros e
peregrinação religiosa.
Entre o que hoje é o sudoeste dos Estados Unidos e o noroeste do México havia mais
de 20 comunidades com idiomas e etnias diferentes, mas com uma cultura e religião
em comum.
É o caso de Zuni e Acoma, esta última uma cidade impressionante construída sobre um
platô no atual Estado do Novo México, nos EUA.
Acoma, visto desde cima nesta foto de 1927, era um dos pueblos mais importantes da região
quando os europeus chegaram. Imagem: Getty
“Algumas cidades eram maiores do que outras, mas não havia uma dominante. Temos
evidências de que em tempos de seca ou de fome as comunidades se deslocavam de
uma cidade a outra e eram abrigadas pelos vizinhos, às vezes por anos, até que as
condições melhorassem na sua área. As culturas aprendiam umas com as outras e as
comunidades eram multinacionais”, explica à BBC News Brasil Kurtz Anschuetz.
Mas, mesmo que não houvesse na Europa naquela época uma agricultura tão
sofisticada em grande escala, a técnica e a eficiência dos nativos não impressionou os
colonizadores.
“Os europeus estavam buscando riquezas minerais e almas para catequizar. Eles
diziam que o solo americano era tão fértil que as pessoas não tinham que fazer nada,
só semear e colher. Mas não era assim”, diz Anschuetz.
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MESOAMÉRICA
Essa região foi berço de inovações e avanços tecnológicos importantes, o que fez com
que suas grandes e populosas cidades, em muitos aspectos, funcionassem melhor do
que as europeias.
MESOAMÉRICA
Império mexica Império tarasco Civilização maia
Império mexica
No final do século 15, o império mexica (que mais tarde muitos historiadores
chamariam de asteca) estava em seu auge.
Tudo isso lhes permitia manter um império hegemônico, mesmo que dentro dele se
falassem muitos idiomas além do oficial, o náuatle.
“Em muitos sentidos, não era um sistema tão diferente do que se via na Europa nessa
mesma época”, disse à BBC News Brasil a etnóloga Antje Gunsenheimer, da
Universidade de Bonn, na Alemanha.
Assim como nos reinos europeus, os mexicas exibiam seu poder através da riqueza e
do esplendor dos palácios e jardins de Tenochtitlán.
Quando os europeus chegaram, Tenochtitlán era uma cidade maior do que Paris.
Estima-se que ali podem ter vivido cerca de 250 mil pessoas, a maior densidade
populacional da América.
Cada bairro de Tenochtitlán tinha sua própria estrutura política e religiosa, com seus templos,
escolas e soldados, conta Gunsenheimer. Imagem: Getty
"Era uma cidade refinada, com banheiros públicos, mais de 30 palácios que tinham
cerâmicas finas e tecidos elegantes. E ficava em meio a mais de 2 mil km² de lagos
ricos em peixes, enquanto que a agricultura nos arredores era bastante produtiva e
permitia sustentar a população da região”, disse à BBC News Mundo, o serviço em
espanhol da BBC, Esteban Mira Caballos, doutor em História da América pela
Universidade de Sevilha, na Espanha.
Apesar de ter sido construída em meio a um lago, a capital mexica não era inundada graças a
um sistema de canais e represas. Imagem: Getty
“Os mexicas viviam num ambiente que parecia muito abundante, mas que era muito
frágil e tinha que ser muito bem administrado. E eles faziam isso perfeitamente.
Entendiam que, com tanta gente em uma só cidade, o risco de contaminação dos lagos
era alto. Sabemos hoje que eles tinham profissionais que coletavam os excrementos e
os levaram para a terra firme para que fossem usados como adubo orgânico nas
plantações, por exemplo. A cidade era muito limpa”, diz Antje Gunsenheimer.
Depois da conquista, os espanhóis destruíram o sistema hidráulico de Tenochtitlán,
que se transformou na Cidade do México, e o reconstruíram no estilo europeu. A partir
daí, a cidade foi inundada mais vezes durante o século 16 e sofreu graves epidemias
de tifo — prova de que o sistema original era melhor do que o implementado pelos
conquistadores.
Império tarasco
En sua mitologia, os mexicas se referiam aos tarascos como uma das tribos que saíram
de sua terra ancestral, Aztlán, mas que não chegaram junto com eles a Tenochtitlán.
“Falar deles nesses termos ajudava os mexicas a justificar sua incapacidade de derrotar
os tarascos e expandir sua fronteira até o noroeste. É como se eles dissessem: ‘eles são
fortes assim porque são nossos parentes, é por isso que não conseguimos vencê-los’”,
disse à BBC News Brasil Sarah Albiez-Wieck, da Universidade de Colônia, na
Alemanha.
No final do século 15, a capital tarasca, Tzintzuntzan, tinha quase 30 mil habitantes e
era parte de um centro de poder formado por três cidades-estado próximas a um lago,
assim como no império mexica. Mas, nesse caso, os especialistas acreditam que o
poder estava menos concentrado em uma só cidade.
Civilização maia
No século 15, a maioria das grandes cidades maias, com suas pirâmides e monumentos
imponentes — hoje atrações turísticas populares — já estavam em decadência. Mas
algo revolucionário vinha acontecendo com essa civilização nos últimos séculos.
“Sabemos que o sistema de reis divinos desapareceu mais ou menos no século 9 e não
ressurgiu. Então a administração das cidades maias passou a ser mais comunal. No
século 15 não acho que chegasse a ser uma democracia, mas certamente mais pessoas
participavam das decisões”, disse à BBC News Brasil Nikolai Grube, das universidades
de Texas, nos Estados Unidos, e de Bonn, na Alemanha, um dos maiores especialistas
em textos maias.
Como na Grécia antiga, o mundo maia sempre foi formado por cidades-estado que
competiam e entravam em guerras umas com as outras, apesar de compartilharem a
cultura, o idioma e a ideia de que pertenciam a um mesmo povo. Os reis tinham um
forte controle sobre as rotas de comércio.
As rotas de intercâmbio com outros povos, agora livres, permitiram que produtos
como o ouro e o cobre, entre outros, também chegassem ao mundo maia. “De certa
maneira, as pessoas ficaram mais ricas em um mundo mais globalizado”, diz Grube.
Ao mesmo tempo, a arquitetura das cidades ficou mais modesta. Sem reis que
organizassem o trabalho em obras gigantescas, chegou ao fim a era dos grandes
monumentos e palácios. Os templos, feitos por famílias, passaram a ser menores.
Na península de Yucatán, no atual México, Mayapán foi a maior cidade maia antes da
conquista, mas também já tinha sido abandonada quando os espanhóis chegaram.
Nojpetén, capital dos Itzá Maia construída sobre um lago, foi tão poderosa que chegou
a controlar todo o norte do que hoje é a Guatemala.
Essa mudança política e econômica também não foi a única revolução cultural da qual
os maias participaram na América. No fim do século 15, eles já eram os astrônomos
mais avançados do continente, baseados em um grande conhecimento matemático.
Por causa deles, a humanidade conheceu o símbolo do zero.
“Sabemos que na Mesopotâmia se faziam cálculos com a ideia do zero, mas sem um
signo que o representasse. Mas os maias tinham isso e foram os primeiros”, explica
Grube.
Apesar de que a ideia do zero já existia, um símbolo para o zero é importante porque
facilitava representar números mais longos e, portanto, fazer cálculos muito mais
complexos. Dessa forma, os maias desenvolveram um sistema de calendários que
misturava crenças religiosas, o ano solar de 365 dias e outros fenômenos astronômicos
como os ciclos de Vênus, da Lua e de outros planetas com enorme precisão.
O sistema de escrita maia era semelhante aos hieróglifos egípcios e permitia escrever
todas as palavras de seu idioma. Hoje, no entanto, só quatro livros maias foram
preservados, com textos cerimoniais e de astronomia, já que o resto foi perdido
durante e depois das batalhas contra os espanhóis.
Por outro lado, o fato de que não terem um governo unificado também deu à
civilização maia uma vantagem sobre os invasores — eles nunca foram
completamente conquistados.
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AMÉRICA DO SUL
Desde os grandes impérios andinos como o chimú e o inca até os povos do sul
conhecidos por resistir à conquista e desenhar a fronteira do império espanhol.
As sociedades pré-colombianas menos conhecidas da região até hoje são as
amazônicas, cujo encontro com os europeus, em muitos casos, não aconteceu até o
século 16.
“Não podemos dizer que eram cidades como as dos incas ou maias. Eram espaços com
valor político e religioso, que eram ocupados habitualmente, se misturavam com a
floresta e estavam hiperconectados por um sistema de estradas”, disse à BBC News
Brasil Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de
São Paulo (MAE-USP).
A costa atlântica do continente, por sua vez, também abrigava uma variedade enorme
de povos como os tupinambás, os guaranis e os charrúa, mas o colonialismo e a
fundação das cidades apagaram grande parte das evidências materiais de suas vidas
pré-colombianas.
AMÉRICA DO SUL
Império inca Império chimú Culturas dos Llanos de Moxos Povo do Xingu Aisuaris
Cultura santarém Mapuches
Império inca
No final do século 15, o império inca havia se tornado o maior do mundo — uma
expansão só comparável com a do império romano.
Sua capital, Cusco, foi redesenhada pelo líder expansionista Pachacuti para ter a forma
de um puma, um dos principais animais sagrados nos Andes.
O inca Pachacuti (à direita) foi o principal líder expansionista do império, que chegou a ser, na
época, o mais extenso do mundo. Imagem: Getty
Tudo isso era conectado por um sistema viário de pedra, bem construído e de uma
escala que ainda impressiona pesquisadores. “Havia infraestrutura por todos os lados:
pontes, escadas para subir as montanhas com lhamas. Muitas dessas estradas
continuam sendo usadas”, diz Alconini.
Para conseguir dominar uma parte tão grande do continente, os incas tiveram que
subjugar todos os povos da região, de tribos a Estados mais complexos, e estimulá-los
a trabalhar em obras de infraestrutura — que não incluíam só as estradas, mas
também templos, fortalezas e palácios.
Sem moeda e sem mercado, que mecanismos econômicos tornaram um império tão
extenso viável?
Os quipus guardavam a informação dos censos de todas as províncias imperiais. Imagem: Getty
Esse sistema também foi essencial para manter as obras e o movimento de soldados
por toda a rede de caminhos do império. O Estado colocava comida, tecidos e
sandálias nas callancas — armazéns construídos nas estradas em intervalos de um dia
de caminhada — para que os soldados, e outros funcionários, pudessem viajar sem
tanto peso.
Os viajantes em missão oficial podiam se abastecer em “callancas” como esta, que encontravam
nas estradas incas. Imagem: Getty
No entanto, isso não quer dizer que todos os povos aceitavam e gostavam de ser
dominados pelos incas, que exigiam, entre outras coisas, que se falasse o quechua,
idioma do império. Caso colaborassem, as comunidades recebiam terras melhores
como compensação. Caso se rebelassem, eram transportadas, integralmente, a outras
áreas.
“Os incas levaram gente da região do Equador para a Bolívia. O mesmo aconteceu no
Chile. Isso mostra a capacidade enorme que eles tinham de mover, organizar e planejar
a sociedade”, diz Sonia Alconini.
A mão de obra dos povos conquistados também serviu para expandir a fronteira
agrícola do império. Graças à técnica dos terraços de cultivo, construídos nas
montanhas andinas, conseguiram plantar milho e batatas, entre outros.
Esse sistema permitiu a expansão sem precedentes dos incas, mas não impediu as
crises políticas provocadas pela sucessão de seus líderes. Uma delas causou a divisão
que culminou na derrota do império para os espanhóis.
Império chimú
Até aproximadamente os anos 1470, o império chimú — que se estendia por cerca de
500 km desde o sul do atual Equador até a costa norte do Peru, talvez até Lima,
segundo alguns pesquisadores — era um dos mais poderosos dos Andes.
Chan Chan, sua capital, era uma das maiores e mais esplêndidas cidades em toda a
América.
“Ela foi tão grande quanto Tenochtitlán ou até maior. Chan Chan tinha 24 km² de
construção e se estima que em seu apogeu viveram entre 25 mil e 50 mil pessoas. Mas
se contarmos todas as comunidades-satélite, facilmente poderíamos chegar a 100 mil
habitantes”, disse à BBC News Brasil Gabriel Prieto, da Universidade da Flórida, nos
EUA.
Dentro da cidade ficavam os enormes palácios reais, alguns com até 150 hectares de
extensão e paredes de barro de 15 metros de altura. Um sistema de praças em ordem
descendente dava acesso à parte mais íntima dos palácios, para enfatizar que nem
todo mundo tinha acesso aos espaços da elite.
Os edifícios eram decorados com motivos marinhos porque, para os chimú, o mar não
era apenas a principal via de intercâmbio com outros povos da costa andina, mas
também seu lugar mitológico de origem.
Os chimú decoravam seus palácios com peixes e aves marinhas porque acreditavam ter nascido
de um homem que veio do mar. Imagem: Getty
“Essas pessoas conseguiram, sem ferramentas que hoje são básicas para a engenharia
civil, manter uma variação de nível em seus canais de menos de um metro por cada
quilômetro, algo essencial para que um sistema como esses funcione bem”, explica
Gabriel Prieto.
A capital foi construída em um vale artificial criado a partir desse sistema: um canal
principal trazia água de um rio a 80 km de distância, enquanto outros canais traziam
água das montanhas. Hoje, essa região voltou a ser desértica.
Nas áreas residenciais de Chan Chan foram encontrados vestígios de muitas oficinas
de tecelagem, cerâmica e metalurgia. Essa última foi um dos grandes legados dos
chimú à região, já que foi a primeira vez que o metal passou a ser utilizado em larga
escala pelas pessoas comuns, não apenas pelas elites, nos Andes.
A ourivesaria chimú tinha tanto prestígio que os incas adotaram seu estilo e os
espanhóis contabilizaram quantidades impressionantes de metais preciosos nas ruínas
de suas cidades após a conquista.
O império perdeu força poucos anos antes da chegada dos europeus, quando entrou
em um conflito definitivo com os incas, segundo os pesquisadores.
“Essa briga definiu o futuro da região andina porque os incas nunca tinham enfrentado
uma organização política tão poderosa quanto os chimú, mas esses últimos não
tinham o aparato militar que os incas tinham. No fim, os incas venceram e
conquistaram todo o território norte”, diz Gabriel Prieto.
Povos amazônicos
Culturas dos Llanos de Moxos
Na atual Bolívia, arqueólogos encontraram indícios de uma cultura que desafia tudo o
que se pensava sobre as pessoas que viviam na Amazônia até 1492.
“Nessa região havia muitas obras monumentais, algo que não se espera nem se diz da
Amazônia. Sempre esperamos encontrar monumentos de pedra, mas, aqui, a
monumentalidade é de terra”, disse à BBC News Brasil Carla Jaimes Betancourt, da
Universidade de Bonn, na Alemanha.
Outras estruturas que nos mostram como viviam os povos nos Llanos de Moxos são as
plataformas elevadas de cultivo de vários tamanhos encontradas no local — algumas
de até 30 metros de largura e centenas de metros de comprimento, onde se plantava
milho, mandioca, pimenta e abóboras.
“São aldeias que impressionam pelo seu tamanho. Encontramos valas circulares
delimitando áreas gigantescas, de 240 hectares. E havia uma aldeia ao lado da outra,
separadas por um sistema de valas (…). Como na região viviam povos diferentes é
possível que houvesse tensões entre eles, mas não sabemos exatamente que
fenômenos aconteciam ali”, afirma a arqueóloga.
As valas circulares funcionavam como trincheiras para proteger as aldeias e tinham até quatro
metros de profundidade. Imagem: Carla Jaimes Betancourt
Mas o mais importante é que criar todas essas estruturas requeria muita mão de obra,
o que mostra que as sociedades do Beni eram mais complexas e muito maiores do que
se imaginava.
“Para realizar essas construções era necessário uma organização social e política
estável e muita gente. Estimamos que hoje em dia a população do departamento do
Beni (cerca de 500 mil pessoas) seja cerca de 20% do que era antes da chegada dos
europeus)”, diz Carla Betancourt.
Povos amazônicos
Povo do Xingu
São 20 aldeias espalhadas em uma área de cerca de 20 mil km² na região do Alto do
Xingu, no Centro-Oeste brasileiro, descobertas por Michael Heckenberger, da
Universidade da Flórida, com a colaboração de profissionais brasileiros e indígenas
locais.
“Onde hoje há uma aldeia kuikuro havia 20 há 500 anos, e a maior de todas era cerca
de 15 a 20 vezes maior do que a atual. Estimamos que cerca de 50 mil pessoas viviam
nesse complexo em 1491”, disse o arqueólogo à BBC News Brasil.
Nessa recriação de Kuhikugu vê-se a praça principal, as áreas residenciais misturadas com a
floresta e as estradas que a conectavam ao complexo de aldeias. Imagem: Luigi Marini
“Acreditamos que toda a região do Xingu estava conectada por esta rede. Algo assim
não existia nem na Grécia antiga, nem na Europa medieval, onde havia grandes
cidades, mas elas não estavam conectadas a outras comunidades de maneira tão
precisa”, afirma Heckenberger.
“Os indígenas descobriram há 800 anos que a natureza poderia ser incorporada às
cidades. As áreas de ocupação humana se misturavam e se alternavam com a floresta,
os pomares e as plantações.”
“As pessoas não perceberam que esses sistemas complexos existiam na Amazônia
porque a expectativa era encontrar algo como uma grande cidade maia. Mas o fato de
que isso não exista não quer dizer que a população não estivesse em um processo de
urbanização, que não estivessem se organizando e administrando os recursos naturais
de maneira sofisticada”, diz Heckenberger.
“Kuhikugu tem uma trincheira dupla ao seu redor que se estende por dois quilômetros,
tem 15 metros de largura e cinco metros de profundidade. Eram construções
enormes. Seria mais óbvio para nós se fosse uma pirâmide, mas uma vala como esta
requeria a mesma mobilização de mão de obra.”
Nos últimos anos, novas escavações mostravam que havia sociedades complexas,
densas e estabelecidas como a do Xingu nas principais bacias de rios amazônicos,
segundo Heckenberger.
Povos amazônicos
Aisuaris
De acordo com os relatos dos primeiros padres espanhóis que entraram em contato
com eles (Gaspar de Carvajal em 1540 e Cristóbal de Acuña em 1639), esse povo vivia
em uma região densamente povoada — com pelo menos 30 aldeias só da sua cultura,
sem contar os povos vizinhos — nas margens do rio Amazonas, perto da atual cidade
de Tefé (AM).
Os religiosos descreveram os nativos como povos compostos de milhares de
guerreiros, com “caminhos bons e largos que saíam para as aldeias do interior” e que
criavam animais como o tracajá (uma espécie de cágado).
Durante muito tempo acreditou-se que essas descrições eram exageradas, mas, nos
últimos anos, arqueólogos brasileiros começaram a comprovar que, na verdade, elas
se aproximavam da realidade.
“Os relatos diziam que os aisuaris tinham aldeias lineares nas barrancas dos rios. Nós
encontramos sítios assim, de até um quilômetro de extensão, em um assentamento
que ocupava um total de 18 hectares. E este lugar estava bastante degradado pela
ação do tempo e do ambiente, o que nos faz pensar que a aldeia original devia ser
muito maior”, disse à BBC News Brasil Rafael Lopes, do Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá.
A ilustração dos cientistas alemães Spix e Martius mostra uma aldeia na margem do rio Japurá
no século 19. Imagem: Getty
“Isso garantia que eles teriam proteína em sua dieta, mas é importante mencionar que,
ainda que tivessem muitas bocas para alimentar, separavam uma quantidade de
tartarugas e liberavam o resto. Isso é fazer uma boa gestão de recursos naturais”, diz
Eduardo Neves, do MAE-USP.
Outra prova dessa gestão está na própria floresta. Em 2019, o Grupo de Pesquisa em
Arqueologia e Gestão do Patrimônio Cultural da Amazônia do Instituto Mamirauá, do
qual Rafael Lopes faz parte, descobriu um castanhal de 400 a 500 anos de idade
próximo a um sítio arqueológico na região. As árvores chegavam a quase exatos 500
metros da margem do rio. “Isso mostra que houve um trabalho humano para plantar e
manter isso aqui”, diz o arqueólogo.
Segundo os relatos dos padres espanhóis, a cada 15 km nas estradas aisuaris havia
abrigos rodeados de plantações para abastecer as pessoas que saíam em expedições
comerciais a outras aldeias — um conceito semelhante ao das callancas dos incas.
Esses detalhes, no entanto, ainda não foram confirmados.
As mesmas pessoas também nos permitem saber algo sobre a sua visão de mundo e
conexão com o território. Um exemplo são as urnas funerárias dos séculos 14 a 16
encontradas pela equipe de Lopes em um sítio da região, que demonstram a existência
de um ritual religioso complexo e importante.
O fato de serem pequenas, de no máximo um metro de altura, mostra que nem todo o
corpo de uma pessoa era enterrado. Em geral, enterrava-se o corpo no solo primeiro,
esperava-se sua decomposição e os ossos eram depois retirados da terra e colocados
nas urnas, às vezes junto a ossos de animais, para serem enterrados novamente.
No final do século 17, o missionário jesuíta Samuel Fritz disse que encontrou somente
poucas aldeias aisuaris onde antes havia dezenas. Como muitos povos da região, eles
teriam sofrido um enorme declínio populacional após o contato com os colonizadores.
Povos amazônicos
Cultura santarém
A cultura Santarém, como é chamada pelos pesquisadores, viveu seu apogeu entre os
anos 1200 e 1400.
Seu centro era uma grande cidade de pelo menos 400 hectares com seções
semelhantes a bairros, fileiras de casas ordenadas e construídas sobre montículos, na
região onde fica a atual cidade de Santarém, no Pará.
As muiraquitãs aparecem em muitas lendas amazônicas, e Santarém parece ter sido seu centro
de produção. Imagem: Departamento de Arqueologia do Museu Nacional/UFRJ
Essas cinzas, junto aos restos orgânicos das festas fúnebres, tiveram também um
papel vital na fertilidade do solo amazônico. Juntos, eles produziam uma “terra
preta”, que os indígenas transportavam para locais de cultivo.
“Basicamente era lixo orgânico que se transformava em adubo. Eles não o produziam
especificamente para isso, mas era uma forma de usar esses resíduos, que deviam ser
abundantes porque as populações eram grandes”, afirma Roosevelt.
A terra preta é hoje uma das principais pistas encontradas em sítios arqueológicos
que indica que, ao contrário do que se pensava, a Amazônia era bastante povoada.
Mapuches
No início dos anos 1540, quando os espanhóis chegaram ao centro-sul do que hoje são
Chile e Argentina, perto da Patagônia, encontraram uma organização social tão bem
estruturada que nunca conseguiram dominá-la.
Tanto é assim que os mapuches resistiram com sucesso à conquista mais do que
qualquer outro povo da América.
Os nativos daquela região foram os únicos com quem a Espanha teve que assinar um
acordo de paz, garantindo que respeitaria os limites de seu território. Antes disso, os
mapuches já tinham enfrentado os incas numa guerra sangrenta e perderam parte de
suas terras no norte do Chile, mas impediram o avanço do império. Tudo isso sem um
governo central.
“Os espanhóis estimaram o número de mapuches com base nas batalhas que tiveram
com eles. Hoje sabemos que houve exageros, mas calculamos que havia
provavelmente entre 1,2 e 1,3 milhão de pessoas no território deles na época”, disse à
BBC News Brasil Tom Dillehay, da Universidade Vanderbilt, nos EUA e da Universidade
Austral do Chile.
Os incas conquistaram uma parte do território mapuche, mas não conseguiram avançar mais ao
sul. Imagem: Felipe Guaman Poma de Ayala/Wikimedia Commons
“Outra vantagem que eles tinham era a utilização de táticas de guerrilha. Atacavam
em grupos pequenos e em áreas planejadas, de onde podiam sair rapidamente. A
guerra móvel era seu ponto forte”, diz o arqueólogo.
A resistência dos mapuche teve sucesso até o século 19, quando os militares chilenos
conseguiram conquistar seu território e submetê-los às autoridades do país. Hoje em
dia, descendentes desse povo continuam mobilizados politicamente, especialmente no
Chile.
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Créditos
Pesquisa e reportagem: Camilla Costa (@_camillacosta)
Design e ilustração: Cecilia Tombesi e Kako Abraham
Programação: Alex Nicolaides
Edição: Carol Olona e Ricardo Acampora
Com a colaboração de Shilpa Saraf, Adam Allen e Sally Morales
Projeto liderado por Carol Olona
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