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Saúde mental

e trabalho: uma
urgência prática
WANDERLEY CODO
USP-R.PRETO

Embora alguns pesquisadores gos-


tem de considerar as pesquisas sobre
Saúde Mental e Trabalho como uma
"área nova", já em 1917, quando o
Dr. Freud publicava suas "Noções in-
trodutórias sobre Psicanálise", o pri-
meiro número do jornal "Mental hy-
giene" trazia um artigo alertando pa-
ra o fato de que "pacientes desempre-
gados apresentam sérios problemas,
agrupados em três classificações: per-
sonalidades paranóides, personalida
des inadequadas e instabilidade emo
ciona?', dois anos depois Southard
foi solicitado pela "Engineering
Foundation of New York" a investi-
gar "problemas emocionais entre os
trabalhadores". Em 1933 foi aprova-
da a jornada de 6 horas para os ban-
cários, argumentando-se com bases
na "psiconeurose bancária".
Não poderia ser de outra forma:
qualquer estudioso sabe que tem obri-
gação de partir de alguns pressupos-
tos sem o qual o seu trabalho se torna
impossível, assim um biólogo que
queira estudar uma espécie, um ta-
manduá, por exemplo, deve partir do
que a espécie é, ou seja, do que o
diferencia do não-tamanduá. Caso es-
ta resposta, a priori, não seja possível
há que partir do que o animal faz,
como sobrevive. Mais do que isto, os
biólogos sabem que uma resposta le-
va a outra.
Destes parâmetros, a Psicologia
(também) não escapa. O que diferen-
cia os Homens dos outros animais?:
Seu Trabalho. Como Sobrevivemos?
Pelo nosso trabalho. Se quisermos ser
mais pretensiosos, o que ESTE Ho-
mem é? Qualquer que seja a resposta
a estas questões, impossível se afastar
das condições concretas em que ESTE
Homem vive.
Se antiga e óbvia é a constatação desgaste do trabalhador. O capitalis- 1976, ou seu equivalente a ser elabo-
de que a vida dos homens explica a mo cada vez mais monopolizado e rada pela Constituinte, equiparando-
vida dos homens, infelizmente isto financeiro empurra uma massa de tra- a, portanto, como qualquer outra
não significou grandes avanços do balhadores para ofícios onde a ques- doença profissional ou do trabalho, a
ponto de vista técnico-teórico. Por tão não é mais a da "desvinculação um acidente de Trabalho, pois atual-
razões que discutimos em um outro entre o produto e o produtor" mas a mente as doenças "psíquicas" não são
artigo, ainda hoje encontramos auto- inexistência mesma do produto, tra- atingidas por aquela legislação.
res como Alan Mc. Lean, consideran- balho "vazio", carente de valor de A razão maior da existência desta
do, de um lado, que "as relações entre uso, trabalho que impede a confor- mesa-redonda é a proximidade da
a satisfação e o trabalho têm sido mação da identidade de quem o reali- Constituinte; nos interessa passar em
largamente sugeridas, por vezes assu- za. A recessão carrega o aumento bru- revista a legislação sobre saúde/doen-
mida, mas permanece sem provas"... tal do desemprego e com ele o desam- ça mental e contribuir ao debate. No
Na outra ponta autores como o clás- paro. Enfim, cada vez mais se torna entanto, no que tange à minha contri-
sico de Le Guillant, reportando "A urgente uma ação concreta buscando buição, creio que o seu locus mais
neurose das telefonistas", ou Wisner, prevenir/remediar/conhecer os efeitos apropriado seja o que os juristas cha-
apontando para o trabalho como ca- desta nossa velha crise sobre a Saúde mam de legislação ordinária, o que
paz de "fazer surgir manifestações Mental dos nossos trabalhadores, ca- nos permite mais tempo para debate
que configurariam esta síndrome"... da vez mais se torna incômoda a sen- da proposta que apresento aqui.
ou ainda Bugard e Crocq que conside- sação doce de "pasmo" erudito que Antes de discutir a lei e as possibili-
ram o trabalho apenas como desenca- nós, Psicólogos e Psiquiatras, elege- dades de enquadramento, alinhare-
deante de sintomas em pessoas já por- mos como nossa profissão. mos as razões que embasam nossa
tadoras de "neurose latente". Em proposta.
nossas pesquisas, temos procurado de- Existe uma vantagem econômica
senvolver a hipótese de que o traba- O quê? E como fazer? (aliás, irrisória) para o trabalhador
lho teria função determinante, embo- quando acidentado, se conclui tratar-
Impossível discordar com o docu-
ra não exclusiva nos distúrbios men- se de um acidente de trabalho, por
mento distribuído neste encontro
tais. exemplo o período de inatividade
quando se propõe a uma "delimita-
Tal miríade de interpretações tem ção do campo de ação em saúde men- provocado por causas outras é "re-
sido apontada como uma das causas t a l " : "A totalidade da população munerado" a cerca de 70% do seu
para que as descobertas neste territó- compete-nos a comunicação de co- pagamento atual, nos casos de doen-
rio não desdobrem em providências nhecimento sobre quais e como os ças profissionais chega-se a algo em
práticas visando proteger a saúde fatores ambientais, sociais, familiares, torno de 90% do salário percebido,
mental do trabalhador. Veremos individuais e genéticos podem atuar além disso podem ocorrer indeniza-
adiante se esta assertiva se justifica. no sentido de favorecimento à saúde ções, pecúlios e outros itens. No en-
mental, ou inversamente, ao adoeci- tanto, não nos parecem ser estas as
As pesquisas e publicações denun-
mento mental... Há sem dúvida co- razões para a inclusão da doença
ciando o comprometimento da Saúde
nhecimentos a serem debatidos com a mental, mesmo porque, ao corpo
Mental e Trabalho proliferam, a
população, como por exemplo, os e/ou espírito mutilado, incapaz para
consciência dos trabalhadores mais
efeitos psíquicos das intoxicações pe- o trabalho, qualquer remuneração é
atingidos (como os bancários) admite
la poluição industrial ou pela agro- pouca e a definida atualmente, irrisó-
sem surpresas o risco da "loucura" e,
indústria... pelo "stress" crônico do ria. Nossa defesa vai em outra di-
no entanto, nenhuma providência
trabalho penoso e alienante..." reção:
concreta a nível preventivo ou reme¬
diativo é tomada. Sobre a "doença Embora todos nós reconheçamos a O possível enquadramento das
mental" paira uma espécie de conluio importância dos "movimentos de doenças mentais como "doença pro-
do silêncio, a sociedade se cala, res- conscientização", somos também to- fissional" arranca a discussão e o
tringe a atuação aos consultórios e dos nós forçados a reconhecer que diagnóstico do foro privado e o reme-
hospitais especializados, como a lepra são insuficientes quando se trata de te a uma instância pública, necessa-
há alguns anos, tudo se passa como se combater condições objetivas. O mas¬ riamente política.
estivéssemos diante de uma realidade caramento da doença mental atende a 1. Do ponto de vista do Trabalhador,
que envergonha a sociedade ou a fa- forças econômicas e políticas eviden- deve fazer bem o reconhecimento de
mília, a ser confinada, não apenas tes, desnecessário inumerá-las aqui, que sua loucura não é tão sua como
longe de nossos olhos, mas principal- por elas a doença mental se vê alijada parecia, é produto das suas condições
mente de nossas consciências. aos porões da sociedade, produto in- objetivas de vida, ameaça de sua clas-
No entanto, segundo as precárias desejável, vergonhoso dela mesma se, portanto, pelo menos não haveria
estatísticas oficiais, os transtornos que sempre foi. mais razões para escondê-la do mun-
neuróticos são os responsáveis pela Trago a debate, neste fórum nacio- do. Abre-se a possibilidade de reivin-
segunda causa em magnitude na "in- nal, a proposta de que as Doenças dicações por um ambiente de traba-
capacidade temporária" ao trabalho. Mentais sejam consideradas, para lho psicologicamente sadio, arquite-
O alto ritmo de informatização deslo- efeitos legais como Doença Profissio- tam-se modos de aferição dos mes-
ca do braço para o cérebro o principal nal, enquadrando-a na lei n. 6.367, de mos, enfim reduz-se a impotência pe¬
rante o "stress" e a tensão no traba- lho assume a configuração entre um tar à fábrica (por exemplo) a respon-
lho. Um processo onde bancários rei- 'livre' vendedor e 'livre' comprador sabilidade por sua saúde ou doença,
vindicassem mudanças na estrutura de força de trabalho, mascarando por exigir dela os ressarcimentos sobre a
de trabalho, reduzindo a probabilida- isso a outra face do trabalho, sua força de trabalho danificada. Aos do-
de do que Dejour chamou de "sindro¬ transformação em mercadoria como nos dos meios de produção compete a
me subjetiva pós-traumática", por outra qualquer. Fundamentalmente o tarefa avessa, o que implica uma atri-
exemplo, promoveria "a socialização dinheiro permite e concretiza este du- buição pelo acidente à própria vítima,
dos conhecimentos", até agora de plo caráter: De um lado a presença de em última instância recortando no
posse dos profissionais especializa- um trabalhador, indivíduo em sua le- trabalhador a figura de um sujeito
dos, "de forma democrática, partici- gítima expressão, cidadão em exercí- "responsável por seus atos"; um indi-
pativa e dialética". cio da soberania tal como se apresen- víduo livre. No jargão jurídico a dis-
2. Do ponto de vista da empresa, ta no consumo. Do outro et pour puta assume a forma de comprovação
haveria razões objetivas para uma cause, mero instrumento de produção sobre o nexo causal, a quem pode ser
maior preocupação com investimen- de valor genérico, artífice da expro- atribuído o acidente. Nesta farsa cada
tos em mudanças na estrutura organi- priação de si mesmo. Perante um aci- qual transveste pelo avesso os seus
zacional de trabalho, visando elimi- dente de trabalho a dupla representa- próprios desígnios. Para o trabalha-
nar ou diminuir fatores de risco à ção se esvai, a venda do corpo a pre- dor que pode responsabilizar a fábri-
saúde mental. ços de mercado aparece exatamente ca pelo seu corpo resta a ratificação
3. Do ponto de vista do Estado, mobi- como a venda do corpo a preços de jurídica de sua impotência, ganhar a
lizar-se-ia, sob riscos de arcar com os mercado, e o marceneiro que perdeu luta jurídica significa o reconheci-
prejuízos, para uma fiscalização dos o dedo recebe em troca uma indeniza- mento da transformação do seu corpo
ambientes de trabalho no que tange ção, maior quanto mais prejudicado em mera força de trabalho, amputar
ao bem-estar psíquico, assim como estiver a força de trabalho a ser vendi- do braço sua dimensão humana, sub-
investiria em pesquisas visando à de- da amanhã, medida com requintes jetiva, a vitória implica destruição da
tecção em caráter preventivo dos fa- anatômicos (a falange dos destros va- capacidade de autodeterminação. Pa-
tores de risco ou em modos alternati- le uma indenização maior do que o ra a fábrica a absolvição se identifica
vos de organização do trabalho nos equivalente da mão esquerda). Agora à livre determinação do indivíduo, em
casos em que o comprometimento o trabalho assumiu uma representa- última instância, a ruptura com a sua
mental já está detectado, como na ção unívoca; mercadoria como outra própria essência, compradora da for-
informática, por exemplo. qualquer, comprada a preço de sua ça de trabalho.
reprodução, indenizada na medida da
4. Do ponto de vista dos profissionais
sua venda futura. O outro braço, li- Na outra face do infortúnio está o
que fizeram da lide com a saúde men-
vre, artífice da subjetividade humana, reconhecimento jurídico, portanto
tal sua profissão, seríamos convoca-
desapareceu durante o processo que público, do caráter predatório do tra-
dos a emitir laudos, ou pelos tribu-
corre entre o INAMPS ou nas malhas balho nestas relações de produção, e
nais, ou por representantes de traba-
da justiça do trabalho, e só foi possí- pelo avesso um instrumento impor-
lhadores, ou patronais. Com isso,
vel ignorá-lo porque ele já não estava tante de "conscientização" do traba-
substituímos o solilóquio das "linhas
na fábrica. lhador, no sentido de reapropriação
e áreas" imiscíveis em que nos apri-
sionamos, por um acirrado debate Por ser sintético, o acidente de tra- do seu próprio corpo. Na medida em
público, onde a competência tomaria balho e a legislação trabalhista permi- que expulsa da tragédia a ideologia
o lugar da mera sedução. Veríamos tem a recorrência, a revelação do du- da culpa individual, da incompetên-
necessariamente crescer as contribui- plo caráter da mercadoria (seu valor cia. Quando a legislação de acidentes
ções científicas que abordassem a lou- de uso e de troca) e da força de traba- de trabalho consagra a responsabili-
cura a partir das condições sociais lho enquanto mercadoria, promotora dade do empregador, pode realizar o
concretas, nossas formulações se tor- da identidade e usurpadora do sujei- trânsito entre as representações indi-
nariam obrigatoriamente menos exo¬ to. Entre o trabalho e a força de tra- vidualistas e o caráter coletivo do tra-
téricas. Não é do confronto com a balho as discussões sobre segurança e balho, por isso da segurança no tra-
vida que a ciência se nutre? Não é o suas legislações se concretizam, para balho; uma visão coletiva da relação
rigor objetivo que diferencia a ciência em seguida eliminar o trabalhador. Se saúde-doença. Até agora a pendenga
do ocultismo? é mister reconhecer a crueldade im- jurídico-técnica que percorre os aci-
Acidentes de Trabalho, acidentes porta também reconhecer que a legis- dentes de trabalho diluiu-se em seu
profissionais, doenças profissionais, a lação trabalhista não é o demiurgo da verdadeiro locus: nem mais nem me-
Lei 6.367, 1976 e toda a legislação alienação do trabalhador de seu pró- nos do que aguerrida luta de classes,
que "protege o trabalhador" das ma- prio corpo, mas sim apenas a mani- porque reveladora do duplo caráter
zelas do trabalho são a revelação mais festação sincrética e pública daquela do trabalho em nossa sociedade, por-
eloqüente, e por isso mais cruel, do conformação que o trabalho já assu- que confronta o trabalho/trabalho e o
caráter das relações trabalho-capital, mira, e aqui residem as suas contradi- trabalho/mercadoria — o indivíduo,
porque são a manifestação pública de ções. o sujeito, o cidadão contra o capital, a
uma contradição com vocação sub- De um ponto de vista concreto mercadoria, a força de trabalho. Por-
terrânea. Em seu modo corrente, o (con-crescere) a luta dos trabalhado¬ que tal disputa assume o caráter pú-
estabelecimento do contrato de traba- res passa necessariamente por impu- blico, político. No seio desta guerra
consumiu-se a neutralidade da técni- a disputa individual e sorrateira do Desnecessário dizer que o quadro
ca, esvaiu-se a parcimônia da lei. trabalhador pela economia dos ges- se agrava quando o locus se transfere
tos, dos tempos (alongando matreira- para as 'doenças do espírito', aqui o
É que a articulação obrigatória en- mente o tempo que dispõe para ir ao preconceito se agiganta, o silêncio se
tre o "empregado" e o "empregador" banheiro, por exemplo). E agora, com impõe.
livres, possuidores de si mesmo, e a as máquinas paradas, a negociação É hora de escancarar a discussão
mera compra e venda da força de pública e escandalosa do valor dos sobre saúde mental e trabalho, torná-
trabalho sempre se deu (e só poderia) gestos alugados. Não é por essas vias la despudoradamente pública, políti-
através da ostentação prosaica da pri- que o trabalhador posto como indivi- ca. Se surge da vida dos homens, que
meira e a escaramuça da segunda, dual se reencontra com sua classe? A compareça ao mundo dos homens,
ato-contínuo, a luta pela dignidade arquitetura das relações saúde-doen- pela porta da frente, sem subterfú-
do trabalho é empurrada a trajetória ça no trabalho tem o mesmo destino, gios.
oposta: não é o que acontece, a nível muda o "mote" segue a mesma "me- Uma luta possível
superestrutural, em uma greve? Antes lodia". Por acidente ou doença do traba¬
lho, nossas leis atuais entendem: Não somos apenas os profissionais mas que podem ser causadas per ra-
"Acidente de trabalho é o evento ca- de saúde mental os incomodados por zões profissionais, no caso impõe-se a
sual, danoso para a vida ou para a uma "doença latente", nos outros ca- necessidade de um laudo técnico que
capacidade laborativa do empregado sos, como a cardiopatia, é perfeita- estabeleça os nexos causais. Aqui,
e relacionada com o trabalho" (Cesa¬ mente possível e já foi realizado con- apesar da omissão da legislação, e
rino Jr.) siderar-se doença de trabalho o indi- sem necessidade de alteração da mes-
Note-se que a palavra utilizada é víduo já portador da doença, cujo ma, podemos ou devemos atuar ime-
relacionada, voltaremos a isto mais agravamento,ou, eclosão foi provoca- diatamente, levando aos tribunais os
adiante. do pelas condições de trabalho, esta- sujeitos que nos procuram profissio-
Para efeitos jurídicos o fundamen- mos diante de um "nexo causal" tão nalmente, com isto conquistando ju-
tal para que uma "lesão ou perturba- claro quanto qualquer outro, do pon- risprudências que constituiriam arse-
ção funcional" venha a ser caracteri- to de vista legal. nal suficiente para a caracterização da
zada como "de trabalho" é preciso Em uma outra formulação: o tra- "doença mental" já com a rubrica de
que se prove, o "nexo causal", "a lei balho seria apenas uma das causas de doença "profissional". Pude encon-
quer dizer que entre o evento (aciden- um complexo de fatores determinan- trar alguns casos julgados em uma
te ou doença) e a morte, perda ou tes da doença mental. O jurista Cesa¬ rápida pesquisa, vale a pena citá-los:
redução, haja uma cadeia de causa e rino Jr. interpretou e a prática forense "E devida indenização acidentária se
efeito". Aqui parecem residir as difi- consagrou o princípio da "concausa- verificada a ocorrência de direta rela-
culdades quando estamos no territó- lidade", ou seja, "doutrinariamente ção de causa e efeito entre o acidente
rio da Saúde Mental, são confusos e em matéria de infortunística, o aci- e a morte do operário suicida."
mal determinados os nexos causais de dente não precisa ser causado exclusi- "E indenizável o acidente que, embo-
qualquer doença mental, talvez a pos- vamente e unicamente pelo traba- ra de nenhuma gravidade em si mes-
tura teórica mais correta seja a de lho", assim, a lei... reconhece a exis- mo, resultou um fator desencadeante
eliminar o modelo simplista de mera tência de infortúnio mesmo que o aci- de psicose de que foi acometido o
atribuição causa-efeito, ou como que- dente não tenha causa única. É a con¬ operário, para torná-lo inapto ao tra-
rem alguns, partir, a priori, da múlti- causalidade, que resulta da causa úni- balho."
pla causação, ao traçar a Etiologia ca, ou nexo etiológico,associada com Evidentemente esta proposta (espe-
psicopatológica. Por isso objetar-se-á outras causas independentes. ro) é polêmica, no que posso antever
tornar impossível o enquadramento Uma outra jurisprudência deve ser existe toda uma discussão sobre a
legal da doença mental. Felizmente as lembrada aqui, já nos chamaram de questão da monetarização do risco
coisas não se dão exatamente desta profissionais da dúvida. Segundo os que deve ser travada, por outro lado
forma, vejamos. juristas é "pacífico" que: "Em caso de nos baseamos aqui na legislação já
Nos referimos acima a várias teo- dúvida sobre o nexo causal, a questão existente, a mesma que se encontra
rias sobre as relações entre Saúde se solve a favor do operário", citam- em mudança quer na Constituinte
Mental e Trabalho, retomemos aque- se a seguir várias jurisprudências. quer nos seus desdobramentos, no en-
la discussão. Alguns autores acredi- As outras teorias que citamos não tanto, tenho a impressão que qual-
tam que a Doença mental não é deter- necessitam ser comentadas, pois de- quer que seja a trajetória de um
minada pelo trabalho, estaria sitiada, fendem exatamente a existência de debate entre os trabalhadores em saú-
por exemplo, na formação básica da nexo causal entre Trabalho e Saúde de mental, nossa vitória fundamental
personalidade. Aqui o trabalho apa- Mental. Os argumentos acima me pa- estará não apenas no resultado final,
receria como mero desencadeante dos recem suficientes para provar, mesmo mas também no caminho percorrido,
distúrbios que "já estariam ali em a partir do Direito atual — que todos necessariamente uma discussão o
estado latente". (Desconsideremos reconhecemos falho e esperamos mais ampla possível sobre um tema
por ora o simplismo desta formula- aperfeiçoar com a Constituinte — é até agora "tabu".
ção, tomemo-la como verdadeira.) perfeitamente possível do ponto de Uma síntese destas reflexões? Será
Como se sabe a jurisprudência (ca- vista jurídico o enquadramento das possível? Pelo menos palavras finais.
sos já julgados) é quem dimensiona "doenças mentais" como "doenças Em 1981 defendi minha tese de douto-
concretamente a aplicação da lei, re- profissionais". ramento, de lá para cá tenho estado a
solve pela prática jurídica suas impre- E politicamente, esta luta é viável? serviço de algumas linhas que compu-
cisões ou omissões, veja o que ocor- Sim, porque estamos em pleno perío- nham a conclusão: "Parafraseando
reu com as cardiopatias, estabelecen- do Constituinte, ao qual se seguirá o Engels, só existe um fato psicológico:
do uma maneira doutrinária de inter- necessário ajuste das leis complemen- o homem precisa sobreviver". Ou de
pretação dos "nexos causais": "têm a tares, mas também por outra razão maneira um pouco mais provocativa:
jurisprudência e a doutrina admitido que considero importante destacar de onde vem a dor, a infelicidade, o
que as lesões cardíacas provocadas entre os profissionais, como estamos infortúnio dos homens. Sem dúvida
por traumatismo ou por esforço físico agora. virá da vida dos homens mesmos. Os
violento e prolongado, em paciente A legislação atual distingue as doen- homens, o senso comum, o sentimen-
predisposto já afetado por moléstia ças profissionais das "doenças de tra- to comum já sabe há muito tempo
cardíaca, em estado latente, podem balho", estas últimas seriam aquelas isto, nós, Psicólogos e Psiquiatras,
ser consideradas acidentes de traba- "atípicas", ou seja, não definidas, a trabalhadores em saúde mental, ainda
lho (grifos nossos). priori, como resultado do trabalho, necessitamos aprender?

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