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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

Pós-Graduação em Práticas Pedagógicas

Regina Maria

O PROFESSOR REFLEXIVO E O ESCLARECIMENTO NO CONTEXTO


REGRESSIVO DO SÉCULO XXI

Bom Despacho
2014
Regina Maria

O PROFESSOR REFLEXIVO E O ESCLARECIMENTO NO CONTEXTO


REGRESSIVO DO SÉCULO XXI

Monografia de conclusão de curso, apresentada


no Curso de Pós-Graduação em Práticas
Pedagógicas da Universidade Federal de Ouro
Preto, como requisito parcial para a obtenção do
grau de Especialista.

Orientadora:

Bom Despacho
2014
Regina

Monografia de conclusão de curso, apresentada no


Curso de Pós-Graduação em Práticas Pedagógicas
da Universidade Federal de Ouro Preto, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Especialista.

Aprovada em ______ / ______ / ______

____________________________________________________________
Orientadora:
Ao meu marido, meus filhos e

principalmente meu pai que sempre acreditou

muito em mim.
Agradeço a Deus, a quem devo minha vida
filha e sabedoria.
“Para nossa geração, a vida é mais dura do
que foi para os nossos pais, porém, em um
sentido, somos muito mais afortunados que eles:
temos aprendido e estamos aprendendo com
rapidez a lutar, e a lutar não sozinhos, como
lutaram os melhores de nossos antecedentes, em
nome das palavras de ordem de nossa própria
classe. Lutamos melhor que nossos pais. Nossos
filhos lutarão melhor e vencerão”.
Vladimir Lênin
RESUMO

No contexto do Brasil e do mundo no início do século XXI, mais do que


nunca é necessário que o professor seja reflexivo. Essa pesquisa buscou
agregar e articular algumas reflexões sobre o contexto que o professor
enfrenta nas salas de aulas brasileiras da atualidade, dentre os quais: o
desafio da tecnologia, da falência do poder disciplinar e a crescente violência
e degradação social. O que tem verdadeiramente educado os jovens tem sido
a televisão, a parte ruim da internet e o whatsapp. A escola passou, em
algumas décadas, do autoritarismo à permissividade. A escola pública
brasileira está sofrendo com os baixos salários dos professores, a decadência
da infraestrutura, com toda uma crise social. A mera reflexão não basta, mas é
de fato um elemento fundamental para melhor compreender a realidade. Diante
disso, conclui-se que aquele que buscava o conhecimento, buscava estudar,
está desaparecendo, dando lugar a um aluno passivo. Nesse contexto, é
preciso pensar como agir para poder manter sua prática pedagógica. O que é
consensual é que, num ambiente em que os alunos estão em grande parte
descompromissados, é bastante difícil dar uma aula de qualidade,
prejudicando os que estão empenhados.

Palavras-chave: estudante, professor, aluno, poder disciplinar, reflexões, atualidade


ABSTRACT

Nowadays, in the context of Brazil and the world in the early twenty-first century,
more than ever is needed the teacher is reflective. This research sought to aggregate
and articulate some thoughts on the context that the teacher faces in the student
classes of Brazilian nowadays, among which we can ask: the challenge of
technology, the bankruptcy of disciplinary power and the increasing violence and
social degradation. What has truly educated young people has been the television,
the bad part of the Internet and the whatsapp. The school has, in a few decades,
from authoritarianism to permissiveness. The public schools are suffering with the lw
salaries of the teachers, decadent infrastructure, an entire social crisis. Therefore, it
is concluded that one who sought knowledge, sought to study, is disappearing, giving
way to a passive student. In this context, we need to think how to act in order to
maintain their teaching. What is agreed is that in an environment in which students
are largely uncommitted, it is quite difficult to give a quality class, harming those
involved.

keywords: keywords: student, teacher, student, disciplinary power, reflections,


today
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................09

1 O CONCEITO DE EDUCADOR CRÍTICO

2 O PROFESSOR REFLEXIVO NO CONTEXTO ATUAL

3 A ESCOLA HOJE EM DIA: reflexões sobre o fracasso disciplinar

4 O PROFESSOR REFLEXIVO: Ilustração num tempo de alienação e


obscurantismo?

5 OS DESAFIOS DO ESCLARECIMENTO NA ERA DA INTERNET

6 A ESCOLA E O PODER REPRESSOR

CONCLUSÃO....................................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................
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INTRODUÇÃO

Na atualidade, está em voga falar em professor reflexivo, em dizer que o


profissional de educação precisa refletir sobre sua prática. Muitas vezes esse
discurso é feito pelos centros produtores de discurso e também pelos centros de
poder, de forma a exigir uma melhor formação e um melhor preparo para o
professor. É preciso que não só o professor seja reflexivo, mas também que ele
consiga efetivamente criar um aluno crítico e capaz de refletir sobre sua condição
social e cultural, assim como sobre a sociedade em que está inserido. Analisando
melhor a teoria sobre o professor reflexivo, conclui-se que o professor precisa de
uma comunidade reflexiva para poder efetivar sua reflexão. E reflexão é teoria
crítica, é reflexão que implica em diálogo e, de preferência, conhecimento do método
dialético. O professor reflexivo como um fato isolado não é algo efetivo.
A escola tem que ser pensada como parte da superestrutura da sociedade.
Diferente de uma fábrica de ração, onde o produto efetivamente é uma unidade de
ração, um produto acabado, a escola não trabalha produzindo um produto pronto e
acabado. Ela trabalha e age no campo da reflexão, do conhecimento, da ciência, da
ética e da sabedoria. A escola sempre foi um espaço onde as práticas continuam no
tempo, um espaço de transmissão das tradições. Nela, ao mesmo tempo existe
continuidade de algumas práticas no tempo, assim como existem significativas
transformações. A escola não produz uma mercadoria acabada. Ela lida com o
campo ideológico, o campo de luta das ideias. Em geral, predominam, em nossa
sociedade, as ideias de uma classe em detrimento daquelas advindas de uma outra.
A escola é também um espaço em que o professor de Física detém um
conhecimento científico, racional, sobre a matéria, capaz de combater as
concepções idealistas e religiosas.
O professor tem que ser, então, um agente duplo: ao mesmo tempo em que
ele pode agir para reproduzir as estruturas da sociedade através da continuação das
velhas relações do passado, ele também pode agir no sentido de, ao utilizar-se da
ciência, emancipar a sociedade. A grande questão é como o professor reflexivo deve
agir no contexto de uma escola tradicional, não reflexiva. Que argumentos ele pode
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usar em prol de sua própria prática é uma dúvida, assim como a maneira como ele
poderia persuadir os alunos a agir em prol de si mesmo prossegue em aberto. Outra
questão que irá ser abordada é a cisão da escola em dois tipos de escola, a voltada
para os ricos e a dos pobres e como o professor pode refletir a respeito ao mesmo
tempo em que analisa e muda o contexto.
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1 O CONCEITO DE EDUCADOR CRÍTICO

Segundo Isabel Alarcão, o termo professor reflexivo está muito em alta


atualmente. É também um termo da moda, que muitas vezes é propagandeado junto
a um ensino que é, ao ser analisado, totalmente neoliberal. O pressuposto é que o
professor pode refletir sem a comunidade inteira refletir, ou seja, refletir
isoladamente. Ela analisa que é preciso analisar o discurso da reflexão, pois ele
tornou-se hegemônico, trazendo junto a si toda uma terminologia que também
entrou em voga (ALARCÃO, 1996).
Para ser um educador crítico, o que seria possível? 1) um método ativo,
dialogal, crítico e criticizador, participante. 2) modificar o conteúdo temático das
aulas; 3) usar novas técnicas audiovisuais. Porém, o que é o diálogo? Como diz
Paulo Freire:

É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera


criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé,
da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do
diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se
fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia
entre ambos. Só aí há comunicação. O diálogo é, portanto, o indispensável
caminho, diz Jaspers, não somente nas questões vitais para nossa
ordenança política, mas em todos os sentidos do nosso ser. Somente pela
virtude da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e significação: pela
crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença de que somente
chego a ser eu mesmo quando os demais também cheguem a ser eles
mesmos. Era o diálogo que opúnhamos ao antidiálogo, tão entranhado em
nossa formação histórico-cultural, tão presente e ao mesmo tempo tão
antagônico ao clima de transição. O antidiálogo que implica numa relação
vertical de A sobre B, é o oposto de tudo isso. É desamoroso. Não é
humilde. É desesperançoso. Arrogante. Auto-suficiente. No antiidiálogo
quebra-se aquela relação de “simpatia” entre seus pólos, que caracteriza o
diálogo. Por tudo isso, o antidiálogo não comunica. Faz comunicados
(FREIRE, 1997, p. 108).

Sendo assim, ser um educador crítico e reflexivo implica em utilizar o diálogo,


assim como ver o mundo como um universo em mudança, no qual é possível
interferir para melhor. O professor deve ser refletir sobre sua prática, rompendo com
o hábito, já registrado como característico da profissão de professor, de apenas
repetir conteúdos, inclusive reproduzindo livros didáticos. É o famoso caderninho
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amarelo do professor, com as aulas já preparadas, que ele repete ano após ano. Ao
reproduzir o livro didático, ele corre muito o risco de reproduzir ideologia. Por
exemplo: os livros didáticos de História não contemplam atualidades, mas são as
atualidades e os centenários que são completados naquele ano que o ENEM cobra.
Tais informações simplesmente não estão nos livros didáticos e supõe que o
estudante está lendo o mundo, investigando jornais e revistas, etc.
O educador deve utilizar, para isso, o método dialético. A dialética foi
inventada pelos filósofos gregos que observavam o mundo na fase “cosmológica” do
pensamento grego. Ao observar a natureza, notaram que existia uma luta de
contrários: água e fogo, frio e quente, assim como existia afirmação e negação até
mesmo dentro de um diálogo. Platão utilizou-se largamente do termo, utilizado como
sinônimo de “dialogar”. No entanto, não se pode tomar os diálogos platônicos como
exemplos de diálogos dialéticos, pois ali Sócrates conversa com interlocutores
dóceis, que não argumentam. Historicamente, a dialética foi definida por Hegel como
o processo que abrange tese, antítese e síntese. A natureza e a cultura seriam,
então, marcadas pelo seguinte processo: existe sempre uma luta de contrários em
que surge uma afirmação, essa afirmação é negada, para logo em seguida surgir
uma síntese, que seria a negação da negação anterior.
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2 O PROFESSOR REFLEXIVO NO CONTEXTO ATUAL

No atual contexto social e político, o professor sem dúvida precisa refletir


sobre sua prática, mas é bem difícil caracterizarmos todo o sistema educacional
como reflexivo. Os exemplos seriam poucos, tais como Colégio Equipe, em São
Paulo, onde estudaram os jovens que organizaram o Movimento Passe Livre, afinal
o núcleo que detonou as manifestações em junho. O nome da escola já é revelador:
“equipe”. O trabalho de reflexão tem que ser, antes de mais nada, um trabalho de
equipe, integrando funcionários, alunos e gestão.
O autor destacou-se como pioneiro ao tratar do ensino reflexivo é o norte-
americano John Dewey. Para Dewey, é o ato de pensar que possibilita o preparo e a
invenção sistemáticos:

É por meio do pensamento, igualmente, que o homem aperfeiçoa, combina


sinais artificiais para indicar-lhe, antecipadamente, consequências e, ao
mesmo tempo, modos de consegui-las ou evitá-las. Assim como esta
característica estabelece a diferença entre o selvagem e o irracional,
também a estabelece entre o homem civilizado e o selvagem (DEWEY,
2010, p. 112).

Não há, então, ação sem teoria. Para esse teórico estadunidense, não é
apenas um ato rotineiro movido por impulso e sim um ato de busca de verdade e de
justiça, pois o uso da razão é rotineiro no ser humano.
O grande desafio é que o ensino brasileiro, tanto no setor público quanto
privado, no atual contexto, é todo voltado para o capital. A educação pública
encontra inúmeras dificuldades: sua finalidade parece ser ensinar não no sentido
libertador, mas no sentido utilitário. O sistema social e econômico direciona-se nesse
sentido também.
A primeira é que, se ela refletir a fundo, verá que ela é tem que se equilibrar
entre ser crítica e ao mesmo trabalhar como braço ideológico do estado burguês. A
escola particular volta-se para o mercado e a competitividade no mundo capitalista.
Em geral, ela é voltada para o Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM. Esse
exame garante a entrada nas universidades federais, que permanecem enquanto
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centros de excelência em que se realiza pesquisa, ensino e extensão. Em vinte


anos, a configuração anterior se inverteu: o Brasil tinha a maioria do ensino superior
público. Agora, a maioria é privada. No entanto, os centros de excelência continuam
onde estiveram.
A estrutura das avaliações não valida necessariamente o saber crítico, a
argumentação, a reflexão social e política. As questões em geral têm um enunciado
longo, com palavras cultas ou eruditas. A seguir, dentre as alternativas, sempre uma
ou duas são bastante parecidas e uma delas é a correta. Embora o ensino seja de
terceiro mundo, a estrutura da avaliação, seja ENEM ou PAAE, é sempre de
primeiro mundo: uma avaliação elaborada para excluir um certo número de
candidatos. Ao contrário do que propugna a moderna pedagogia, a avaliação tem
longos enunciados, palavras difíceis, texto truncado, alternativas para marcar
sempre ambivalentes. No caso do PAAE, não se trata de uma avaliação criativa, que
abrange charges, músicas, notícias de jornal, que tem ilustrações ou desenhos,
ponto no qual o ENEM ainda é um pouco melhor. A cobrança de alto nível que vem
no PAAE surge da seguinte forma: embora as aulas sejam realizadas com manuais,
a avaliações exige a leitura dos autores originais. Assim, embora a escola fale de
Machado de Assis e Platão, não obrigando a leitura do texto original, o PAAE e o
ENEM apresentam grande preferência em transcrever o texto original e sugerir sua
interpretação.
Há, portanto, sérios entraves para a reflexão crítica da comunidade escolar:
nossa cultura, em geral, não cultua a crítica e sim a integração no sistema, a
ascensão social, o consumo individual. O professor pode fazer reflexões sobre sua
prática individualmente, mas deve sempre levar em conta o contexto social em que
está inserido. E o contexto não favorece, de forma alguma, o pensamento crítico.
Como dissemos, o sistema é cindido em público e privado, impedindo a mistura
entre classes sociais.
A crítica não se aclimatou muito bem, historicamente, na sociedade brasileira,
assim como a dialética. É mais uma sociedade vertical do que horizontal. A
sociedade brasileira tem sobrevivências do passado muito complicadas: latifúndio,
violência urbana potencializada por polícia e milícias, catolicismo inquisitorial, estado
colonial, ausência de períodos longos de democracia política, partidos pouco
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consistentes. Refletir e criticar tudo isso ainda representa, por vezes, um tabu para o
professor. Ele trabalha, muitas vezes, para o estado. Na escola particular, ele não é
pago para criticar o sistema e sim em preparar o aluno para ele, principalmente
através do vértice que é o ENEM e do que foi o vestibular. O objetivo desse tipo de
teste é excluir um certo número de candidatos, não é necessariamente desenvolver
um cidadão ético, crítico e consciente. O teste exclui, em boa parte, as Artes, que
não são ensinadas sistematicamente na escola. Elas estão praticamente ausentes
da escola pública, com carga horária mínima.
A escola é vista como o espaço da moral, da cultura respeitável e
consagrada, assim como o professor, embora atualmente uma profissão
desvalorizada, é alguém a quem é vedada a provocação, a polêmica, em muitos
casos. Ele tem que atender ao que a sociedade espera dele, a transmissão da moral
instituída e uma postura moralista. Ele tem uma gestão moral a realizar, no entender
da sociedade, o que é bastante complexo. Ele deve corrigir os alunos e
costumeiramente ele o faz associando Deus, gramática e a polícia.
Os elementos a impedirem uma reflexão crítica coletiva no Brasil são os
seguintes (e que influenciam no sistema educacional público e privado): 1) a
presença da indústria cultural e do monopólio dos meios de comunicação de massa,
que dissemina uma ideologia imediatista e hedonista bastante contrária à educação.
A juventude passa a esperar a satisfação imediata, o que a educação evidentemente
não traz, pois é um processo lento, que exige muito esforço. 2) Os avanços
tecnológicos não se traduzem em avanço humano. Pelo contrário; nunca as
Ciências Humanas no Brasil estiveram tão frágeis, com pouca pesquisa, situação
marginalizada nas universidades, ausência de jornais e revistas que discutam e
repercutam sua produção. Mesmo os suplementos de cultura e literatura nos jornais
desapareceram. Há culto das celebridades, assim como disseminação de
pornografia, drogas, redes sociais e videogames entre os jovens.
O que há em comum é todo um universo de novas interações, o que termina
por afetar a sensibilidade. Os avanços tecnológicos terminam por fazer com que os
alunos se desinteressem da aula e se concentrem e que fiquem degustando cada
um o seu “penico digital”, ou seja, ficam degustando fragmentos comunicativos e
nada aproveitam do que tem valor para a escola. Seu gosto é marcado pelo aspecto
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não-educativo. 3) a pesada herança cultural e política colonial brasileira, ainda não


superada: escravidão, colonialismo, pobreza espiritual e material, etc.
Refletir sobre uma realidade adversa, pode-se dizer que essa é a tarefa do
professor que reflete sobre sua própria prática. No entanto, quando o professor se
debruça sobre essa prática, o que ele nota que é tudo se comunica, tudo está
imbricado. Ele se dissolve e se relaciona com o coletivo, com o seu grupo e
comunidade, assim como em cada indivíduo está também a história da humanidade.
O que se pode notar é que a classe política brasileira, ao saber dos problemas da
educação pública, onde as massas entram e não aprendem aquilo que deveriam
aprender, buscam simular inovações no campo da pedagogia.
Esse seria o cerne, por exemplo, da política de distribuir “tablets” aos
professores. A prática dos governantes, no entanto, aponta para uma lógica
neoliberal. Os tablets são computadores portáteis que possibilitam que se digite
pequenos textos, acesse a internet com wireless, assim como possibilitam a
gravação de vídeos e áudio. A ideia seria registrar apresentações significativas dos
alunos. No entanto, seria preciso, primeiramente, obter as autorizações dos pais dos
alunos para o uso de sua imagem. A iniciativa esbarra na própria desmotivação dos
alunos, que não se interessam por fazer apresentações e trabalhos em grupo tão
notáveis que sejam dignos de registro. Ou melhor: pode-se seguramente dizer que
trabalhos dignos de registro são raros.
Eles precisam reduzir o custo que o aluno representa para o sistema como
um todo. A classe política, embora fale em educação, tem suas próprias ideias a
respeito. Suas ideias podem ser depreendidas de sua prática e nem tanto de seus
discursos. Embora discursem sobre a necessidade de melhorar a educação, o atual
estado do sistema garante que as lutas de classe não se agucem, o que seria
evidentemente um efeito que aconteceria se o sistema público se equivalesse ao
sistema privado. A classe política não precisa ser educada quando se trata de
educação. Ela segue, pela lógica neoliberal, o pensamento pragmático de Nietzsche:
“se quer escravos, de nada adianta educá-los como senhores”. O Brasil, por razões
culturais, sempre tem a chamada “turma do fundão”. Trata-se de uma “quarta
parede” na sala de aula. O grupo que senta-se ao fundo da sala de aula não está
distante geograficamente, mas também psicologicamente, da aula e do professor.
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Ou seja: a distância geográfica é também a psicológica. A sala, em consequência,


não se mostra um bloco coeso, são grupos conversando entre si, cada qual com seu
assunto, muitas vezes qualquer assunto, menos o assunto em questão na sala de
aula. E há um desejo insidioso de sair de sala. Na geração passada, a dos anos 80,
havia o medo de ser expulso de sala de aula. O aluno sentia-se excluído, tinha medo
e vergonha de ser expulso. Agora, o professor tem que “impulsionar” para dentro de
sala, pois sair de sala é um desejo e uma delícia. Muitos, ao saírem, afirmam que
sentem aflição ao ficarem dentro de sala, pois ela é como “uma cadeia”.
A porta da sala, mais e mais, tem sido o espaço em que o professor tem que
se postar, tal como um guardião, para controlar a vontade de ir ao banheiro e beber
água dos alunos. Na verdade, o desassossego dos alunos é com a aula teórica, o
cuspe e giz incessante. Será preciso uma sala com tecnologia, se o ensino público
quiser prosseguir minimamente.
Quando falamos em educação, devemos entender: educação para as
massas, educação para o trabalhador. Educação é um conceito mais abrangente do
que a mera instrução. A educação seria uma ação sistemática e orientada para
poder exercer um objetivo pré-concebido: transmitir determinadas qualidades
definidas pelo professor. Assim, educar seria uma tarefa complexa e das mais
difíceis de realizar. Ao educar, seria transmitida não só uma concepção de mundo,
mas uma ética, assim como regras de convivência, determinados traços de caráter,
a motivação, hábitos, gostos e até mesmo seria modelado o corpo com certas
qualidades físicas. A educação, portanto, transcende a educação na escola, que é
limitada. Existe a escola da vida onde o trabalhador é educado. O partido é uma
escola, a empresa, a televisão, o estado, as experiências políticas também fazem
parte da educação. Essa educação na qual as massas são formadas é processo
contínuo, é parte da vida. Seu entendimento também não é simples. Explica Engels
no Anti-Duhring:

Os homens, seja consciente ou inconscientemente, tiram suas ideias


morais, em última instância, das condições práticas em que se baseia sua
situação de classe: das relações econômicas em que produzem e trocam
seus produtos... A moral tem sido sempre uma moral de classe; ou
justificava a dominação e os interesses da classe dominante, ou
representava, quando a classe oprimida se tornava bastante poderosa, a
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rebelião contra essa dominação e defendia os interesses do futuro dos


oprimidos (ENGELS, 2011, p. 45).

O ensino no Brasil passou dos índices haitianos de repetência para a


aprovação automática. A aprovação automática, adotada num curto período de
tempo no ensino público, ou seja, entre os anos 80 e 2000, comprometeu o respeito
à disciplina na escola. A nota baixa era um recurso para pressionar o aluno a
comportar-se melhor em sala de aula.
No contexto social, temos a desvalorização da profissão do professor perante
a sociedade. Além de ser preterido em relação ao jornalista e ao profissional de
televisão, por exemplo, o professor passou também a ter o seu salário aviltado. O
salário ainda varia muito de região para região, aumentando a desigualdade entre as
regiões e estados brasileiros. Verifica-se, então, que muitos professores ganham
abaixo do salário mínimo e muitas prefeituras deixam de pagar o piso nacional
estabelecido pelo governo.
Os professores são, além do mais, divididos entre efetivos e contratados,
assim como há os que cumprem estágio probatório. Quando há greve, está se
tornando comum descontar os dias parados no salário, assim como ameaçar demitir
os professores. Os diretores apresentam posição favorável ao estado, pois são
cargos de confiança (do poder). Muitos regulamentos são contra a vontade do
professor, assim como há muita propaganda em torno da educação, utilizando-se de
dados falsos em comparações com outros estados.
Como fazer uma pedagogia crítica e como ser um professor reflexivo,
se as condições têm se tornado árduas? Os profissionais que trabalham na escola
têm sido reduzidos: o número de serventes, auxiliares de biblioteca, cantineiras,
entre outros, têm sido reduzidos em decorrência da crise de 2008. O número de
alunos por sala têm sido por volta de 35, mas há escolas que juntam 50 alunos por
sala. Enquanto o sistema exige melhor desempenho do sistema, fecha turmas,
acabando com o ensino noturno, que é voltado para o trabalhador. O sistema, ao
mesmo tempo, busca instalar o “Reinventando o Ensino Médio”, criando um ensino
médio profissionalizante.
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A reprovação também tem sido mais e mais evitada através da progressão


continuada. As notas e os boletins acabam sendo apenas uma formalidade. O
professor costuma criticar principalmente esse aspecto do sistema, pois ele
efetivamente desmerece os esforços do professor, que verifica que nem todos os
alunos deveriam prosseguir os estudos. Uma grande questão que atormenta o
professor nas escolas públicas de hoje em dia é o poder disciplinar.
A prática pedagógica do professor, ou seja, aquela a respeito da qual ele tem
que refletir, é atrapalhada pela ausência de medidas disciplinares efetivas. O aluno,
no dia a dia, muitas vezes fica em sala de aula sem a obrigação de estudar. A sala,
então, torna-se agitada, confusa. Aos alunos que permanecem na sala sem estudar,
somam-se os alunos portadores de necessidades especiais. O discurso interno do
sistema, no entanto, volta-se para responsabilizar o aluno e o professor.
Ao mesmo tempo em que cobram que os professores obtenham melhores
resultados, o sistema público cobra que o aluno estude mais, mas afrouxando
justamente na cobrança dos resultados, instalando a aprovação automática. As
escolas oferecem somente giz e livros didáticos. Os demais recursos precisam ser
improvisados pelo professor. Existe, então, uma cobrança de resultados que levam o
professor a forjar resultados, esquecendo a realidade em que estão. A pressão da
burocracia e dos diretores faz com que as metas estabelecidas para os resultados
apareçam à força.
Há, mais recentemente, uma busca de articular o Ensino Médio ao ensino
profissionalizante. No entanto, essa iniciativa não se faz com recursos pedagógicos
estabelecidos anteriormente, assim como não admite profissionais preparados para
isso de forma adequada. As disciplinas de intuito profissionalizante não implicam em
destinar recursos a essas disciplinas. Sendo assim, a escola de Ensino Médio
termina formando, não cidadãos críticos, mas mão de obra pouco crítica para as
empresas.
Dentro do modelo atual, o professor não tem um lugar central na educação,
pelo menos, não no plano político. Isso implica em restrição a suas reflexões, a seu
papel de intelectual crítico. Não tem, portanto, como fazer com que a instituição
adote suas ideias, suas reflexões. Há pressão por mudança do modelo, ou seja,
expansão, como implica em expansão o “Reinventado o Ensino Médio”, mas ao
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mesmo tempo há um esforço, motivado pela crise de 2008, de reduzir custos com os
alunos. As propostas dos profissionais da área são, muitas vezes, rechaçadas.
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3 A ESCOLA HOJE EM DIA: reflexões sobre o fracasso disciplinar

A escola, hoje em dia, prossegue sendo um espaço onde os corpos dos


alunos estão indóceis: eles falam, levantam, andam, comem, escutam fone de
ouvido, etc. Em sala, são presenças ausentes.
A partir dos anos 80 e 90, a escola passa a ser o lugar onde se efetuam
trocas entre mercadorias. A relação entre professor e o aluno passa a ser uma
relação de troca, não de saber, mas de notas, que passam a ser imaginadas como
uma parte de um montante a ser reunido para comprar a mercadoria-diploma. No
todo, a mentalidade imediatista e consumista dos alunos enxerga esse processo tão
complexo que é realizado para obter uma mercadoria desvalorizada no mercado,
que é o diploma, como uma formalidade vazia, que gera tédio e desinteresse, da
qual é preciso fugir sempre que possível. Os alunos e professor passam a não ter
uma relação de afeto, de discípulo e mestre: o professor é quem dá as notas e o
aluno é quem tentar reunir o montante necessário. Ambos estão numa troca
mercantil que não envolve afeto e sim relação desumana entre a mercadoria que o
professor produz e o montante de notas que o aluno consegue reunir para obter o
produto.
O preço do diploma é obter notas e freqüência. A freqüência, no entanto,
pode ser alterada se o aluno, num momento de distração do professor,
simplesmente roubar o seu diário e alterar a quantidade de freqüências e notas. A
tentação de burlar o complexo sistema onde se colocou o preço do diploma é, então,
muito reforçada pelo fato dessa “troca” ser muito mais complexa do que uma troca
comum num supermercado ou numa loja. O diploma é um tipo de mercadoria cheio
de sutilezas complexas para se obter, mas o aluno não consegue ver nele tanto
utilidade. O diploma não equivale a um saber. O diploma não é uma “commodity”, ou
seja, não é uma mercadoria que se pode obter de forma cômoda.
Mas como seus corpos mostram desassossego e indocilidade? As brigas dos
alunos em geral são indissociáveis das brincadeiras; algumas começam com uma
brincadeira e evoluem para a briga, um conflito físico. Outro elemento é que os
alunos não têm mais líderes entre eles, mas não ao ponto de existir um “chefe de
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turma”. Os alunos puxam os colegas colaborativos para a bagunça. Há também


hierarquia entre os saberes. Os alunos hierarquizam as disciplinas que reprovam e
não reprovam, que dão recuperação, outras que não dão, graças a uma visão
semelhante que é transmitida pela escola. Sendo assim, sentem que as aulas de
Filosofia, Educação Artística, Ensino Religioso, Sociologia, Inglês, são aulas em que
se pode conversar, relaxar, socializar “compartilhando histórias”, assim como expor
seus pensamentos e angústias.
Os alunos manipulam, também, uma dupla moral. Eles fazem comentários
extremamente grosseiros sobre sexualidade, pornografia na internet, etc. No
entanto, quando o professor tenta interferir trazendo informações sobre a prevenção
da AIDS, sobre o uso da camisinha, o aluno passa a utilizar o moralismo mais raso e
mais atrasado: ele afirma que a religião católica não permite o uso da camisinha,
assim como ele diz se sentir degradado por falar em “sexo anal”. Ora, como explicar
que a transmissão da AIDS pode acontecer sem dizer que ela pode ocorrer através
de sexo anal?
Bastante curiosa também é a relação grupo/indivíduo. Como não há líderes,
quando há responsabilidade o aluno se dissolve no grupo, perguntando “sou só eu”?
(O responsável pela indisciplina geral)? Quando se trata de algo coletivo para o
bem, para liderar, voltam a ser indivíduos atomizados, uma massa informe, sem
líderes e hierarquias. Os jovens não querem hierarquia, a internet mesmo não tem
hierarquia.
No passado, só era possível fazer um trabalho de grupo através da filmadora,
o famoso videotape. Agora é possível fazer vídeo em cada celular, as possibilidades
criativas são imensas – mas agora são os alunos que não querem. No entanto, a
multiplicação das imagens causou a cegueira.
Muitas das coisas que o aluno vê como normal, o professor vê como algo
horrível. Além disso, é muito comum, entre os alunos, a percepção do curso no geral
como uma luta, onde os professores buscam vencer os alunos. A tendência,
atualmente, é o aluno, que é da geração Y, nascida nos anos 90, ir direto à diretoria,
que é da geração 68, irritando o professor, que é da geração X.
É recente a vivência de uma geração brasileira toda na democracia. Há em
pouco atrás, não havia geração brasileira que tenha nascido, crescido e entrando na
23

escola durante a vigência da democracia liberal até hoje. A geração de 45 conheceu


o Estado Novo getulista, a anterior tinha conhecido ao estado de sítio nos anos 20,
quando da gestão de Arthur Bernardes, a geração 68 viveu parte da vida na
democracia, sendo essa uma das razões para eles, em peso, não aceitassem o
estado de exceção de 64 em diante.
Desde o tempo em que a geração 68 estudou, muita coisa mudou. A
educação foi submetida a critérios tecnológicos, científicos e, principalmente, passou
a ser voltada para o capital. A reforma de 71 diminuiu os conteúdos de Ciências
Humanas. Filosofia e Sociologia foram tiradas do Ensino Médio. A disciplina
retornou, aos poucos, nos anos 90. Os alunos passaram a ver a aula de Filosofia
como uma aula inútil. Os conteúdos de humanas são tidos como hierarquicamente
inferiores e os professores de Humanas estão sempre precisando mostrar a utilidade
de seus conteúdos aos alunos, que não conseguem enxergar a utilidade da Filosofia
e Sociologia na vida cotidiana, assim como não conseguem ver ligação entre esses
conteúdos e os conteúdos de um curso de Administração.
O difícil seria o professor manter acesa a reflexão e entender a si mesmo
como um pesquisador, um investigador, num contexto afinal tão adverso quanto é o
contexto brasileiro atual.
Sem conseguir, como antes, docilizar os corpos dos alunos, a escola está
falhando. Ou ela não deveria, mesmo, docilizar esses corpos? O fato é que a escola
retirou as Artes para poder ficar mais útil para a sociedade tecnocrática e acabou
não conseguindo nem uma coisa nem outra. Nem ensina de uma forma utilitária e
nem de uma forma libertadora. Os resultados em Matemática prosseguem sendo
insatisfatórios.
Reuniões quase sempre giram em torno de problemas disciplinares, ou eles
são sempre tocados e debatidos. Os professores sempre refletem,
fragmentariamente, sobre os problemas de disciplina. É preciso, então, realizar
essas discussões sob a forma sistemática, ou seja, sob a forma de debate sobre o
poder disciplinar.
Hoje em dia, quase que só se fala nos problemas disciplinares e aqueles
ligados à avaliação, que é o fator que produz as notas. As notas tornaram-se o
grande fetiche que o poder usa para poder afirmar que a educação melhorou,
24

embora, por vezes, os representantes do poder estejam tratando de dados


falseados.
O poder disciplinar ou sua ausência permeiam os diálogos. A questão
disciplinar é uma fala constante, uma preocupação que tem se sobreposto ao
universo educacional em si (MAAR, 1986, p. 55).
A hierarquia na escola é parte da domesticação dos corpos que acontece no
ambiente escolar. Os corpos dos alunos são, então, coagidos a não usarem bonés,
a não atenderem celular, a não saírem para ir ao banheiro toda hora. Todas essas
regras para docilizar os corpos são colocadas, mas os corpos dos alunos não estão
mais à nossa disposição (FOUCAULT, 2003, p. 169).
As relações de poder na escola são o que produz a escola, no sentido
foucauldiano. Elas dariam o sentido desejado à escola. A disciplina não só reproduz
relações de poder, mas ela as produz, assim como modela o corpo mesmo dos
indivíduos. Antigamente, essa modelação era mais clara: o professor amolecia o
corpo do aluno com a palmatória e o obrigava a ajoelhar no milho. Os castigos
físicos infringindo dor faziam com que o aluno visse o que aconteceria acaso ele
faltasse com a disciplina, acaso ele desafiasse o poder: desafiar o poder tem um
preço, e ele sentiria a dor (FOUCAULT, 2003, p. 176).
No entanto, pode-se saber claramente o que se está chamando de disciplina,
de disciplinar o corpo, aliás, com os exemplos de antigamente acima, não mais
viáveis hoje em dia. Na atualidade, o poder se expressa nas diversas relações
sociais, fala-se nas relações de poder. Onde existem relações de poder, pode-se
dizer que existe política (FOUCAULT, 2003, p. 177).
Na escola, assim como na vida cotidiana, o poder estaria presente na figura
do micro-poder. Os micro-poderes se relacionam com o macro-poder situado no
aparelho do estado. Para Foucault, essas duas esferas do poder, a micro e a macro,
se entrecruzam, mas não dependem uma da outra nas relações sociais. Os micro-
poderes não seriam subordinados ao poder estatal. Pode-se objetar a ele que os
micro-poderes tendem a reproduzir em escala menor os conflitos que marcam o
macro-poder, ou tendem a influenciá-los (FOUCAULT, 2003, p. 184).
Por exemplo: um aluno gay é discriminado pela maioria de seus colegas em
sua sala. Essa discriminação é fruto de uma padronização dos comportamentos que
25

se assenta no macro-poder, que é desejada por ele. Embora no dia a dia os meios
de comunicação mostrem humoristas vestidos de mulher, personagens gays ou
ambivalentes quanto à sua sexualidade, aparentando tolerância, a tendência a
padronização aumenta muito quando a burguesia busca ativamente diminuir as
diferenças e padronizar, como um todo, a sociedade.
Nem toda forma de poder, no entanto, envolve dominação direta.
Alguns indivíduos que tem poder dominam outros que, por sua vez, são destituídos
de qualquer forma de poder. O poder não deve ser visto apenas como dominação.
Ele escreve a respeito:

Deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele


‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’, ‘censura’, ‘abstrai’, ‘mascara’, ‘esconde’. Na
verdade o poder produz; ele produz realidade, produz campos de objetos e
rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se
originam nessa produção (FOUCAULT, 2007, p. 172).

Assim, o poder produz efeitos na realidade, ele produz efeitos de poder, daí
que ele não deve ser conotado como algo apenas negativo e pejorativo. As relações
de poder perpassam toda a vida social. É a partir dessas relações que a realidade
se configura. O poder está presente, portanto, até mesmo num hospital; o poder está
no presídio, hospital, escola e fábrica (FOUCAULT, 2008, p. 17). No entanto, na
escola atualmente há como fazer isso, o poder disciplinar não se exerce mais sobre
o corpo. No passado, era bem evidente esse poder. Leia-se, por exemplo, no texto
Cazuza, de Viriato Correa, narrando sua infância numa escola rural em meados do
século XX:

A sala feia, o ar de tristeza, a cara feroz dos professores, os castigos pelas


menores faltas e pelos menores descuidos tinham deixado um grande
desgosto na alma (...). O velho João Ricardo punha-se a passear entre os
bancos, de régua na mão, fingindo-se desatento, mas, de fato, estava a
vigiar a sala através dos vidros escuros dos óculos. Se um menino
cochichava com o outro, segurava mal a caneta, se se distraía a olhar os
marimbondos do teto, ele, imediatamente, lhe vibrava a régua nas mãos e
na cabeça (CORREA, 1984, p. 34).

Assim sendo, podemos dizer que em meio século fomos de um extremo a


outro. Do extremo de punição e de docilização forçada do corpo ao extremo de
26

permissividade e impotência do poder disciplinar. Não é aconselhável, também,


punir através da nota. Sendo assim, nesse percurso tivemos: uma fase em que o
poder disciplinar era imposto através da força física, a palmatória para dar “bolos”,
ou seja, um instrumento de punir ao gosto do professor, vibrando golpes nas mãos,
totalmente aceito pela sociedade e pela família. Abolido esse método, o poder
passou a se fazer sentir pela reprovação e pelas notas ruins. O medo da repetência
era a forma utilizada de fazer com que os alunos obedecessem. Finalmente,
chegamos à atualidade, onde existe a aprovação automática. Ela ridiculariza o
trabalho do professor e instala a indolência e o descompromisso dentro da escola.
Mesmo se o aluno apenas socializar, ele saberá que terá mais e mais chances, até
ser aprovado, daí ele entende que pode nem sequer anotar nada no caderno.
Embora o poder do professor não seja mais temido pelos alunos, ou seja, sua
autoridade, que antes era associada com a autoridade em geral, do regime militar,
por exemplo, agora dissolveu-se. Quando um professor reclama, a reação é o riso.
Embora a vigilância tenha afrouxado, o controle sobre a qualidade do saber
educacional continua sendo uma preocupação constante. De certa forma,
mecanismos como o “Ideb” exercem um poder de vigilância (FOUCAULT, 2008, p.
20).
A escola lança mão da disciplina através de vários mecanismos para
disciplinar os indivíduos que dela participam. Foucault comenta a respeito desses
mecanismos:

Esses mecanismos (...) permitem o controle minucioso de operações do


corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma
relação de docilidade - utilidade são o que podemos chamar as
‘disciplinas’”(...). A disciplina fabrica assim corpos ‘dóceis’. A disciplina
aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui
essas mesmas forças (em termos políticos de obediência) (FOUCAULT,
2007, p. 124).

Nas escolas, o poder se encontra em suas extremidades, em suas últimas


ramificações. Ele se torna capilar, ou seja, está em suas formas e instituições
regionais e locais. A escola é o lugar onde o poder transmite o saber, onde os
membros dessa instituição o garantem através de uma relação de hierarquia
(FOUCAULT, 2007, p. 123).
27

O professor ameaça tirar notas ou dar notas baixas, coagindo os alunos a


cumprir as normas, fazendo das notas um sistema punitivo com função de
normalizar os corpos dos alunos. O normal é o princípio de coerção e o poder de
colocar as regras está ligado à normatização (FOUCAULT, 2007, p. 125).
28

4 O PROFESSOR REFLEXIVO: Ilustração num tempo de alienação e


obscurantismo?

O que de fato complica o trabalho na escola é que, diferente de uma loja,


onde basta pagar e o produto é concedido para seu prazer, na escola o produto-
diploma não se dá tão facilmente. É preciso freqüentar aulas durante um período
relativamente longo e obter notas, assim como “suportar” professor, supervisor e
diretor para obtê-lo, pois ele se compra “a prestações”. Para tanto, talvez seja
necessário reunir o grupo de alunos e, corporativamente, buscar dobrar o professor.
As notas e avaliações se tornam, na mentalidade dos alunos, os momentos
realmente importantes, onde algo decisivo acontece em meio ao tédio generalizado.
Tanto que em sala, é constante que os professores tragam aos supervisores que os
alunos realizam com frequência a pergunta: “hoje você vai dar algo importante?”
Algo importante é algo que franqueia o produto final que é desejado, ou seja, o
diploma.
Como o prazo de transição entre a compra e a obtenção da mercadoria-
diploma é longo, os alunos gozam esses tempos mortos em que cumprem o prazo
para obtenção do diploma trazendo para a sala de aula a música em seus fones de
ouvido. Assim, ao invés da mensagem entediante da escola, eles continuam
gozando os prazeres da música de massa em sala de aula, observando a aula como
um filme mudo com música. Sendo assim, A própria realidade da escola, o professor
detestado é visto de forma vaga e ausente, quase como se fosse uma ficção. O
aluno, além de experimentar a ausência em sua mente, “apaga”, colocando um
fundo sonoro e não escutando sua voz, a voz do professor. O aluno vive, então,
fazendo muitas coisas ao mesmo tempo, experimentando a simultaneidade e
desconcentrando, ao máximo, a atenção.
O professor, embora seja visto como parte desse estado, não vê a si mesmo
dessa forma, nem está consciente desse contexto social e político. Ele se vê apenas
como agente civilizador, quando não como um Anchieta diante dos índios. Como
resultado, a resposta vem a ele sob a forma de um ataque agressivo, por vezes
atingindo sua integridade física. A explicação corrente entre a escola é que é uma
29

“questão de família”. Os pais seriam os principais responsáveis. Mas o grande


culpado é todo um contexto histórico.
O professor precisa refletir e investigar, teorizar e investigar, para poder
agir. A grande novidade que ele tem que investigar é qual o efeito das redes sociais
e da internet sobre os alunos e a escola. Analisar isso é pensar estratégias para a
prática. Em primeiro, na internet e nas redes sociais, predomina: 1) A imagem sobre
o texto. 2) redução da informação a uma frase curta, que exige baixo nível de
concentração para ser entendida. O aluno, ao deixar a leitura em sala para ler no
celular, não têm atenção, ou têm atenção fluida. Quando se pergunta o que ele leu,
ele não consegue dizer com muita segurança. O leitor e espectador conecta-se com
o mundo, mas se vê, numa sala de aula, que não há líderes, apenas algumas
patotas que, muitas vezes, não conversam ou se hostilizam entre si.
30

5 OS DESAFIOS DO ESCLARECIMENTO NA ERA DA INTERNET

A partir dos anos 90, com a voga da internet, a consciência fragmentada


dominou corações e mentes dos jovens e crianças desde a mais tenra infância. Boa
parte do que se vende em livrarias são livros propondo apresentar ideias em pouco
tempo. Mais do que nunca, a tendência à regressão dos sentidos e da experiência
social está muito evidente quando da voga da internet, celular e dos avanços
tecnológicos.
Em boa parte do tempo da aula, os alunos falam alto, pois estão com fone de
ouvido ouvindo música. A música está em todo lugar, mas ao mesmo tempo, as
pessoas perdem a capacidade de ouvir composições mais complexas. A música que
se ouve nesses fones de ouvido dos jovens, com raríssimas exceções, é apenas
uma mercadoria do entretenimento e do marketing.
Os alunos enxergam na escola pública um espaço permissivo, bem diferente
da monarquia patronal à qual são obrigados a se submeter quando entram como
funcionários em alguma empresa. Esse contraste gera a indisciplina na escola. Eles
passam, então, a desfrutar da permissividade, uma vez que estão numa fase de
rebeldia. Encontram, então, mecanismos de permanecer na permissividade que
muitas vezes a família permite e que a escola reforça. Há espaços, no entanto,
como a praça pública ou a favela ocupadas pela polícia, assim como a empresa
onde reina a monarquia patronal, em que não há permissividade, onde ela não é
admitida.
Em nosso tempo, a percepção dos jovens é marcada pela mídia e pela
regressividade da percepção. A experiência coletiva passa a ser a mera sensação, a
recepção de choques. A tecnologia, quando se analisa o mundo da internet, não
esconde, ainda a dominação:

A dominação se transfigura em administração (...) Com o progresso técnico


como seu instrumento, a não-liberdade – no sentido da sujeição humana ao
seu aparelho produtivo – é perpetuada e intensificada na forma de várias
liberdades e confortos. A nova característica é a racionalidade irresistível
nessa empresa irracional, e a profundidade do precondicionamento que
31

modela as pulsões e as aspirações dos indivíduos e obscurece a diferença


entre a falsa e a verdadeira consciência (MARCUSE, 2012).

A tendência regressiva, então, agrava-se na era da internet. O professor tem


que saber, no entanto, que a própria técnica não tem responsabilidade. O que deve
ressaltar ao educador é que na atualidade existem, mais do que nunca, belas
oportunidades de comunicação e aprendizagem. O educador deve investigar formas
de utilizar a técnica em sala de aula, assim como deve combater a coisificação e
espetacularização das relações entre as pessoas. O que se pode entender é que as
relações sociais nas redes ainda geram, mesmo assim, alienação cognitiva e
psíquica. A música que a aluna escuta é consumida apenas por seu valor
publicitário. Essa música não é artesanal, vale-se de esquemas repetitivos, melodias
adocicadas, assim como um refrão de fácil absorção. A aluna que ouve fone de
ouvido está apenas ouvindo um fundo musical, uma audição desconcentrada. A
professora Nádia, em artigo recente publicado em O Tempo, buscou explicar que
não considera que o professor teria formação deficiente, não saberia motivar os
alunos ou preparar as aulas com antecedência. Para essa professora, o que é
determinante é o que ocorre dentro da escola, não o professor. Ela explica como as
coisas estão se dando dentro das escolas:

A maioria dos alunos é indisciplinada, não traz o material necessário para as


aulas, não cumpre os deveres de casa e, durante as aulas, não presta
atenção às explicações e fica conversando o tempo todo. Muitos não dão
importância aos estudos e alegam que estão na escola porque os pais
obrigam.
As brigas entre alunos acontecem com muita frequência; são violentos e se
agridem verbalmente com muitos palavrões. A escola, para esses alunos,
serve como refúgio - uma ilha de segurança. Ela é utilizada como praça
pública, onde o que menos interessa é estudar e adquirir conhecimento. O
ambiente é utilizado pela maioria para a socialização, para namorar e, às
vezes, para o uso de drogas. Muitos não têm respeito pelos professores,
que são agredidos verbalmente e, às vezes, até fisicamente. O pior de tudo
é que, no fim do ano, esses alunos são premiados com a aprovação
compulsória nos anos iniciais do ciclo.
Com alunos comprometidos, sem disciplina em sala de aula, é um desafio
prover educação de qualidade. Dentro de um ambiente cheio de conflitos,
os bons alunos são muito prejudicados, já que não conseguem ter uma aula
de qualidade. O professor não consegue alcançar seu objetivo. É certo que,
quando estamos trabalhando com turmas de bons alunos, em que a aula
acontece da forma como foi programada, sentimos-nos realizados e
valorizados (NÁDIA, 2014).
32

A professora reflete sobre sua realidade e chega à conclusão que não é ela
que é responsável pelo que está se passando: são os alunos que estão
desinteressados. Ela observa a falência do poder disciplinar. Sem o poder
disciplinar, não há como prover educação de qualidade. Esse quadro é que pode ser
encontrado quando o professor reflete sobre o que acontece dentro da escola:
alunos descompromissados, utilizando a escola como espaço de socialização, ilha
de segurança onde há uma grande inversão: a prioridade é namorar, conversar e
marcar as baladas, etc. O professor, que intui estar em segundo plano, sente
desmotivação, adoece, assim como apresenta grande número de faltas. Algumas
disciplinas simplesmente não têm professores. O contexto atual deprime os
professores, impossibilitando-os de trabalhar. A professora reflete e toca no ponto
principal, que não é o salário baixo: são as péssimas condições de trabalho que
geram a baixa qualidade do ensino na escola pública.
No ensino médio, portanto, é muito difícil fazer um trabalho de qualidade com
uma pequena carga horária que é reservada às disciplinas de Ciências Humanas:
uma aula por semana. A dificuldade de conciliar essa carga horária é entre as várias
escolas onde os professores trabalham é grande. A preferência é dada para os
efetivos e não para os contratados. O depoimento anterior, de uma professora de
Minas Gerais, é confirmado pelo depoimento de um professor que fez concurso para
professor do estado de São Paulo e logo em seguida pediu exoneração:

Ficamos reféns dos estudantes e não há qualquer suporte. Estaria mentindo


se disser que cheguei a ser refém de violência, mas sim, afrontas são
frequentes e não existe nem a opção de deixar quem não está a fim de
assistir aula para fora e dar aulas para quem está interessado. Somos
obrigados a reter todos em sala de aula como se fosse creche, e
contraditoriamente não há como reprovar. O negócio é empurrar com a
barriga. Mas ai se não cumprir com todas as tarefas burocráticas… Aluno
fugiu correndo da sala de aula? Culpa do professor! Lá vem o inspetor
capitão do mato… Não, ambiente nada saudável para se trabalhar; (...) Mas
todos sofrendo com o salário achatado, os horários esdrúxulos, a
desvalorização, o assédio moral como regra, os acertos desfeitos, o conflito
professor x aluno que a cada dia se acirra mais, dado os estudantes que
são educados exclusivamente pela TV, a parte imbecil da internet, e o
Whatsapp (QUEIROZ, 2014).

Esse depoimento de um professor do estado de São Paulo mapeia


interessantes reflexões. O assédio moral, ou seja, a repetição de situações, por
33

parte do chefe, que tornam impossível a permanência da pessoa no emprego. Em


geral, o agressor vê sua vítima como uma pessoa inconformista, que devido a
inteligência ou preparação questiona sistematicamente as regras que lhe são
impostas no trabalho.
Pelo que se pode depreender do depoimento do professor, há todo um
exército de professores eventuais que o estado não se preocupa em efetivar,
precarizando a educação pública. Pode-se supor que não há interesse de certos
setores empresariais e oligárquicos que governam os estados em educar nem
sequer de forma utilitária, o que dirá emancipatória. Outro problema é a revista Veja
e boa parte da mídia tem feito o papel de ideólogo associado: disseminam a
explicação de que o professor é doutrinador, insinuando também que, se a
educação vai mal, a culpa é dele, ou seja, reforçando a diretriz que vem sido tomada
interiormente nas escolas.
A crítica ao aluno como principal responsável pelo descalabro da educação
está presente também no texto de Thomas Whoody Júnior, que dissocia entre
estudantes e alunos. Alunos seria o receptor passivo, estudante seria aquele que
busca o saber, o conhecimento. Os estudantes são raros, atualmente, os alunos são
muitos. Enquanto o aluno atende a um curso em busca de título, o estudante é um
ser autônomo, que busca uma nova competência e pretende exercê-la. O sistema
mostra-se falho e os estudantes, entre as massas discentes, estão desaparecendo.
Whoody Júnior também demonstra e confirma, muito bem, o que o professor anterior
observou, ou seja, a postura pouco crítica e passiva dos alunos, que,
desconcentrados, recorrem, viciados, às novas mídias como uma saída de uma
realidade que os entedia, uma fuga para um estímulo melhor, capaz de sustentar
seu vício:

Alunos entram e saem da sala de aula em bandos malemolentes, sentam-se


nas carteiras escolares como no sofá de suas casas, diante da tevê, a
aguardar que o show tenha início. Após 20 minutos, se tanto, vêm o tédio e
o sono. Incapazes de se concentrar, eles espreguiçam e bocejam. Então,
recorrem ao iPhone, à internet e às mídias sociais. Mergulhados nos
fragmentos comunicativos do penico digital, lambuzam-se de interrogações,
exclamações e interjeições. Ali o mundo gira e o tempo voa. Saem de cena
deduções matemáticas, descobertas científicas, fatos históricos e o que
mais o plantonista da lousa estiver recitando. Ocupam seu lugar o resultado
34

do futebol, o programa de quinta-feira e a praia do fim de semana


(WHOODY JUNIOR, 2014).

Para Whoody Júnior, a expansão do ensino levou a um aumento das vagas,


mas a qualidade não acompanhou a quantidade. Ao mesmo tempo, a sociedade
estaria optando pelo consumismo, pelo prazer raso e imediato, desprezando o
conhecimento, preferindo a imagem à substância. Isso estaria refletido nos alunos. A
escola estaria com infraestrutura do século XIX, professores do século XX e alunos
do século XXI. Muitas vezes, o conservadorismo é disfarçado com aula-shows,
tablets e pedagogia pop:

Outros observadores apontam um fenômeno que pode ser causa-raiz do


processo de extinção dos estudantes: trata-se da dificuldade que os jovens
de hoje enfrentam para amadurecer e desenvolver-se intelectualmente. A
permissividade criou uma geração mimada, infantilizada e egocêntrica,
incapaz de sair da própria pele e de transcender o próprio umbigo. São
crianças eternas, a tomarem o mundo ao redor como extensão delas
próprias, que não conseguem perceber o outro, mergulhar em outros
sistemas de pensamento e articular novas ideias. Repetem clichês. Tomam
como argumentos o que copiam e colam de entradas da Wikipédia e do que
mais encontram nas primeiras linhas do Google. E criticam seus mestres,
incapazes de diverti-los e de fazê-los se sentir bem com eles próprios.
Aprender cansa. Pensar dói (WHOODY JÚNIOR, 2014)

Sendo assim, as novas gerações, já nascidas a partir de 1984, ou seja, em


funcionamento na democracia neoliberal brasileira, padecem dos males dessa
democracia que tem muitos problemas e, segundo alguns, sofre com entulho
autoritário e, na prática, é democracia de exceção.
A escola é dividida em séries e classes. Os alunos ficam em filas, o que
facilita a vigilância, assim como cada aluno pode ser visto em sua posição na classe.
Os alunos da frente em geral são mais disciplinados, enquanto os “fundão” são mais
anárquicos, mais afastados realmente do centro. No Brasil, as aulas são constituídas
por um professor que fala para alguns alunos mais próximos, os da frente, enquanto
os demais formam grupos com conversas paralelas. O professor virtualmente não
tem como impedir essa conformação, que termina sendo um desafio à sua
autoridade. Igualmente, na atualidade os alunos comem, saem de sala, conversam
interrompendo o professor. Um exemplo bem claro está no filme Entre os Muros da
Escola. Ali se vê claramente como os alunos aproveitam o espaço de
35

questionamento e de crítica aberto pela escola para levar a discussões fúteis e vãs.
Conforme observa Foucault:

A sala de aula formaria um grande quadro único, com entradas múltiplas,


sob o olhar cuidadosamente ‘classificador’ do professor (...) A exigência da
distribuição das classes em fileiras, com alunos em ordem e uniformizados
tem como objetivo garantir a obediência dos alunos, e uma melhor utilização
do tempo. Cria espaços funcionais e hierárquicos, “(...) trata-se de organizar
o múltiplo, de se obter um instrumento para percorrê-lo e dominá-lo, trata-se
de lhe impor uma ‘ordem’” (FOUCAULT, 1977, p. 135).

A comparação física das escolas e das prisões procede de acordo com sua
composição arquitetônica. Classes distribuídas lado a lado sem nenhuma
comunicação, grandes nas janelas, refeitório comunitário, muros altos e com grades,
portões sem nenhuma visibilidade com o lado externo à escola (FOUCAULT, 2007,
p. 176).
36

6 A ESCOLA E O PODER REPRESSOR

Uma das obsessões das reuniões da direção com os professores, a grande


obsessão, atualmente, é o poder disciplinar e as formas pelas quais os alunos
poderiam cumpri-lo. Os professores e a diretoria têm saudade do poder disciplinar
do passado e almejam retomá-lo para poder fazer com que a escola funcione a
contento (FOUCAULT, 2004, p. 44).
Uma das grandes preocupações é com a presença dos alunos em sala de
aula até o final dos horários, o que eles se recusam a cumprir. As individualidades
devem funcionar de forma orgânica, com as ordens sendo transmitidas da diretoria
para os professores e dos professores para os alunos. A escola, como um todo,
deveria demonstrar o funcionamento orgânico de um corpo:

O corpo, do qual se requer que seja dócil até em suas mínimas operações,
opõe e mostra as condições de funcionamento próprio a um organismo. “O poder
disciplinar tem por correlato uma individualidade não só analítica e ‘celular’, mas
também natural e ‘orgânica’” (FOUCAULT, 1977, p. 22).

O professor tem, portanto, de se estabelecer como essa autoridade natural e


orgânica ao mesmo tempo. O próprio espaço da escola permite esse olhar
disciplinador e consistente. O tempo empregado também deve ser utilizado de forma
qualitativa, ou seja, ele tem de ser usado para produzir:

Procura-se também garantir a qualidade do tempo empregado: controle


ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo que possa perturbar
distrair; trata-se de constituir um tempo integralmente útil (...)
(FOUCAULT, 2007, p. 137).

A diretoria fiscaliza se o professor está utilizando o tempo de maneira


proveitosa e este fiscaliza o aluno e o vigia para que cumpra com sua tarefa.
Foucault analisa a geografia do poder na escola:
37

O edifício da Escola devia ser um aparelho de vigiar (...) mas esse aparelho
necessita para a eficácia da disciplina de uma vigilância hierárquica (...). O
olhar disciplinar teve de fato, necessidade de escala (...). É preciso
decompor suas instâncias, mas para aumentar sua função produtora.
Especificar a vigilância e torná-la funcional (FOUCAULT, 1977, p.
137).

Nessa perspectiva a vigilância se efetiva na escola com a presença do diretor,


dos vice-diretores, da supervisão pedagógica, da orientação educacional, dos
professores e finalmente dos alunos. A hierarquia é parte desse controle que a
escola exerce: “Um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função
maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e
melhor” (FOUCAULT, 2007, p. 153).
O poder disciplinar dispersa suas forças, usando várias forças interligadas e
dispersas ao mesmo tempo. Para se consolidar, ele se utiliza da hierarquia, das
punições e da coerção em geral (PARANHOS, 2000, p. 22).
Os alunos somente entram na escola mediante apresentação do uniforme e
da apresentação. Os alunos só podem sair da sala durante a aula mediante a
autorização do professor, que se apresenta, muitas vezes, sob a forma de um
crachá. A circulação dentro do estabelecimento escolar também é restrita
(PARANHOS, 2000, p. 23).
O conjunto de regras escolares compõem uma verdadeira “constelação”
punitiva. Esse sistema é composto por dispositivos que geram a disciplinam. Uma
das grandes contribuições de Foucault é analisar esses “dispositivos” que fazem a
engrenagem do processo educativo funcionar. O micro-poder é exercido através de
penas e normas tais como:

Micropenalidades do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas),


da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da maneira de ser
(grosseira, desobediência), dos discursos (tagarelice, insolência), do corpo
(atitudes incorretas, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade
(imodéstia, indecência) (FOUCAULT, 2007, p. 159).

Foucault se aproxima de um ponto de vista neo-anarquista, tal como o de


Deleuze em sua proposta de uma revolução. Para ele, o social é composto por uma
teia de relações, o poder perpassa esse espaço e instaura lutas em contextos
38

específicos. Ele se posiciona contra o intelectual universal ao estilo de Jean Paul


Sartre, que durante muito tempo se opôs a ele. Pensar com Foucault é pensar a
partir da perspectiva de quem é vítima da docilização e da domesticação de seu
corpo (FOUCAULT, 1986, p. 231).
A escola trabalha com normas e quando a norma é transgredida, a
penalidade é uma conseqüência lógica. Ao explicar uma campanha contra a
masturbação das crianças, Foucault explica que:

Ao contrário, na época o importante era a reorganização das relações entre


crianças e adultos, pais, educadores, era a intensificação das relações
intrafamiliares, era a criança transformada em problema comum para os
pais, as instituições educativas, as instâncias de higiene pública, era a
criança como semente das populações futuras. Na encruzilhada do corpo e
da alma, da saúde e da moral, da educação e do adestramento, o sexo das
crianças tornou-se ao mesmo tempo um alvo e um instrumento de poder.
Foi constituída uma “sexualidade das crianças” específica, precária,
perigosa, a ser constantemente vigiada (FOUCAULT, 1986, p. 232).

A seguir, Foucault faz uma análise que vale também para a escola. Na
escola, a verdadeira intenção não é tanto proibir e nem reprimir. É constituir uma
rede de poder sobre a escola, assim como sobre a infância e a adolescência. O
comportamento dos estudantes é constantemente objeto de vigilância, de
investigação, de cerceamento. É todo uma rede de poder sobre a juventude. A
sexualidade é reprimida também na escola: proíbe-se que casais de adolescentes
fiquem se beijando pelos cantos ou nas escadas, ou seja, na escola sua sexualidade
também é objeto de regulação. Esses fatos têm inúmeros exemplos no dia a dia
escolar (FOUCAULT, 2006, p. 22).
Os presídios brasileiros dificilmente podem ser comparados com nossas
escolas, pois eles são verdadeiros campos de concentração para pobres. Eles não
disciplinam, apenas funcionam como estímulo e escola de crimes, reforçando a
criminalidade que deveriam combater. A punição, dentro do aparelho escolar, se
espraia em todo os componentes e mesmo quem não agiu de forma a romper com a
norma é suscetível de ser punido:

Trata-se ao mesmo tempo de tomar penalizáveis as frações mais tênues da


conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente
indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possa
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servir para punir a mínima coisa; que cada indivíduo se encontre preso
numa universalidade punível-punidora (FOUCAULT, 2007, p. 159).

As sanções e punições são feitas, mesmo, para causar receio nos alunos,
acaso rompam com as normas. Isso demonstra que as penalidades são eficazes,
assim como o sistema de punições. As punições ocorrem em um crescendo, que vai
desde a mera ocorrência até o ato de chamar os pais para conversar, expulsão ou,
no caso do aluno ser menor, queixa no conselho tutelar. Há também, porém, casos
de queixa no conselho tutelar. Existe, portanto, um duplo sistema de gratificação e
de sanção (FOUCAULT, 2007, p. 160).
Se o sistema punitivo estiver funcionando, os alunos se comportam, uma vez
que as relações em sala de aula são normatizados por esse sistema de sanções e
punições. O professor é levado a usar a nota como forma de pressão e gratificação,
o que a transforma numa verdadeira moeda de troca. O comportamento dos
infratores é pressionado para se tornar a busca das gratificações e do
reconhecimento. Um dos exemplos disso é o melhor aluno, que apresenta melhor
nota e melhor comportamento (FOUCAULT, 2007, p. 161).
Tanto alunos quanto classes inteiras são submetidas a uma relação
qualitativa. Há turmas difíceis e alunos ruins que já são classificados assim em
sucessivas reuniões de diretoria. As classes são grupos que são qualificados a partir
da nota com bons, regulares e ruins. No passado a classificação chegava a
abranger até mesmo uma lista dos alunos mais pobres. O fato do aluno desejar sair
duma posição vergonhosa para uma honrosa passava pela aceitação pelo poder
disciplinar. O exame é também uma estratégia de controle a ser levada em conta.
Através dele, o aluno se torna um número no caderno de notas, tendo seu
rendimento classificado e avaliado. Ele é então rotulado e treinado a não repetir a
nota ruim. Como escreve Foucault: “O exame combina as técnicas da hierarquia que
vigia e a sansão que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que
permite qualificar, classificar e punir” (FOUCAULT, 2007, p. 164).
O exame é padronizado conforme todo um ritual que envolve sua estética, a
logomarca da escola, assim como ele deve ser feito num período padrão de tempo.
A cópia (cola) é proibida. Os exames em geral são de múltipla escolha,
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possibilitando só uma resposta, o que em filosofia, por exemplo, significa optar por
só uma linha de interpretação de forma autoritária (FOUCAULT, 2007, p. 165).
O exame, realizado de forma objetiva, renova de forma constante o poder. A
disciplina está intrinsecamente ligada ao exame, à avaliação. A disciplina tem
enorme peso no cotidiano escolar. Os alunos passam a ser analisados, comparados
e assim se decide se passarão de ano ou não. O aluno, assim, passa a ser
conhecido em suas aptidões e deficiências e de fato o professor passa a ter poder
sobre ele, uma vez que sabe ou julga saber seu grau de conhecimento. Um certo
tipo de formação do saber está ligado, subterraneamente, ao exercício do poder
(FOUCAULT, 2007, p. 166).
A psicopedagogia, em geral, espera o exame trazer as más notas e age em
função delas, tomando-as como um absoluto, assim como faz, também, a
pedagogia. O poder disciplinar é melhor quando nem mesmo é sentido como algo
não-natural. Para poder alterar algo na psicopedagogia e na forma como ela é
aplicada, é preciso questionar esse absoluto que é a nota e pensar o poder
disciplinar. A análise de Foucault é rica, mas ela ainda foca o poder disciplinar tal
como era nos anos 60 e 70 (FOUCAULT, 2002, p. 23).
Ela fala de algo ainda presente, mas que ao mesmo tempo se faz cada vez
mais fantasmático. O poder disciplinar, pouco a pouco se esvazia, torna-se um tipo
de ritual. Ela deixa de lado um elemento importantíssimo: o fetichismo da mercadoria
chegou à escola. Os alunos foram tomados do espírito do capitalismo e hoje são
pragmáticos, tão pragmáticos quanto a mídia ou quanto os pais. A cultura anticrítica
solidificou-se fortemente em todo lugar e ocupar-se de qualquer coisa que não seja
de consumo passa a ser um erro. Erudição, então, é quase um crime. As canções
de Chico Buarque, embora sejam apenas música popular, no universo do consumo
imperante tornaram-se tão “alta cultura” quanto Beethoven, Mozart e a cultura
erudita em geral.
Embora o poder disciplinar seja tudo isso que Foucault qualifica acima, na
prática esse poder tem perdido espaço e se tornado inoperante nos últimos anos. Os
alunos tem mostrado corpos cada vez mais rebeldes, não aceitam ficar em sala,
respondem o professor, atendem celular e conversam nos ifones. Os pais também
apóiam seus filhos incondicionalmente quando dos problemas ou confrontos com a
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escola, mostrando também que estão desacreditando do poder disciplinar. A


tecnologia, os meios de comunicação de massa, a sociedade do espetáculo, tudo
isso tem colaborado para tornar a escola um apêndice da mídia aos olhos dos
alunos. A escola é um lugar onde eles vão em busca de diploma e o professor é um
obstáculo a ser superado, um obstáculo que se coloca entre eles e o diploma.
O professor, com salários aviltantes, está no nível mais baixo da pirâmide
social, não tendo prestígio algum diante das figuras dos apresentadores de auditório
que aparecem nos meios de comunicação e que, de fato, entram no lugar, no
imaginário, do professor. Todo o cenário que Foucault traça existe, mas cada vez
mais inoperante, perdendo forças e sendo desafiado cotidianamente. O poder
disciplinar, atualmente, é principalmente o poder da escola de disciplinar o fala do
professor. O professor é o elo mais fraco entre a avidez de resultados dos gestores
das escolas públicas, que não deixam de ser aparelhos ideológicos do estado
neoliberal.
Mesmo se professor contrapõe esse discurso, o gestor o vigia para que ele
produza para o neoliberalismo, para que entregue resultados, provas, avaliações e
números nas datas corretas. Embora o professor tenha certa margem de manobra, o
poder disciplinar agora recai sobre ele. Em escolas particulares, o professor tem de
submeter os alunos a uma prova semanal e os alunos têm de mostrar resultados. Se
não apresenta, a culpa é do professor, pois os alunos são clientes, consumidores. A
administração cada vez mais é máquina do poder disciplinar sobre o professor, que
tem de agradar ao público consumidor. Por outro lado, o público consumidor
pressiona em obter o diploma e as notas, que fetichiza com o dinheiro, na maior
comodidade possível.
O novo modelo do poder disciplinar agora é a da mídia televisiva. A escola de
conspiração e vulgaridade dos jovens, atualmente, é o Big Brother. Assim, essa é a
grande aula que o poder disciplinar da mídia está dando aos alunos depois da
decadência do poder disciplinar da escola: industrialização do privado; delação
como regra de conduta, hipocrisia também solidificada, ao lado da delação
institucionalizada. É de se supor que o mundo do trabalho nas organizações, assim
como nas organizações Globo, espelha esse universo, ao mesmo tempo em que
esse universo sempre investiga e pesquisa essa sua audiência.
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CONCLUSÃO

Hoje em dia fala-se muito em professor reflexivo. No entanto, qual é a


realidade sobre a qual ele tem de refletir? Qual é a realidade da escola na
atualidade? São algumas dessas questões que buscamos abordar aqui. Quando o
professor reflete sobre as questões sociais propriamente ditas, chega à conclusão
de que o mundo que o circunda e contagia os alunos é muito pouco reflexivo. E
alguém nunca é reflexivo sozinho. A comunidade escolar também tem que estar
empenhada em refletir, para que essa reflexão seja efetiva.
A escola era um dos aparelhos ideológicos da sociedade e ainda é. No
entanto, ela tem mudado no decorrer do tempo e sido mais e mais influenciada por
uma mentalidade que fetichiza o diploma como uma mercadoria. Embora ainda seja
um aparelho ideológico do estado, a escola sente fortemente o influxo dos meios de
comunicação de massa, que é onde os jovens obtém suas informações sobre o
mundo. E essas informações conflitam com a escola, pois muitas vezes são
retrógradas e alienantes. O professor deve promover a diversidade, assim como
deve levar os alunos a entenderem que a moral dominante é a moral das classes
dominantes.
A grande crise na educação, tão falada nos últimos anos, é o fracasso do
poder disciplinar, o problema mais visível da escola, assim como a questão da
regressão da atenção, da audição e da concentração dos jovens, por obra do uso
constante de celulares e fones de ouvido. Além dessa tendência à regressividade,
existem outros complicadores para o trabalho do professor, mas mesmo assim esse
profissional continua a refletir, como se pode ler acima nos textos de Whoody Júnior,
Felipe Queiroz e da professora Nádia. O que sobressai nessas reflexões é o uso que
tem sido feito da escola: a escola como ambiente que os jovens usam para
socialização, como uma praça pública onde existe segurança, local onde a última
coisa que importa é estudar e aprender.
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Procuram-se estudantes. Além do mico-leão-dourado e do lobo-guará, outro


mamífero tropical parece caminhar para a extinção por Thomaz Wood Jr. —
publicado 10/04/2014. Revista Carta Capital.

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