Você está na página 1de 185

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

ANA CAROLINA ROBIN DE OLIVEIRA

EGON SCHIELE E O CONCEITO DE DEGENERAÇÃO NA ARTE MODERNA

CAMPINAS - SP
2016
ANA CAROLINA ROBIN DE OLIVEIRA

EGON SCHIELE E O CONCEITO DE DEGENERAÇÃO NA ARTE MODERNA

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de


Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de
Mestre em Artes Visuais (Fundamentos teóricos).

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL


DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA
ANA CAROLINA ROBIN DE OLIVEIRA E ORIENTADA
PELA PROFA. DRA. LUCIA HELENA REILY

CAMPINAS – SP
2016

2
3
4
Dedico este trabalho ao meu noivo, pais e irmão.

5
Agradeço à família pelo apoio incondicional em todos estes anos,
À Profa. Dra. Lucia Reily, por sua dedicação e respeito por este trabalho,
Aos amigos de dentro e de fora da Universidade,
Aos Professores do Programa de Artes Visuais do Instituto de Artes e ao Prof. Mauro Cardoso
Simões da FCA Unicamp, por seus ensinamentos e gentileza,
Aos Professores Marco Antonio Alves do Valle e Christiane Wagner por suas contribuições no
exame de qualificação,
Aos alunos e equipe do SESI 340, pelo apoio e incentivo,
Aos membros do Museu Lasar Segall, por suas informações e acolhida.

6
Resumo

A dissertação trata sobre a obra do artista austríaco Egon Schiele (1890-1918) e o processo
póstumo de avaliação de sua obra como degenerada pelo regime nazista no contexto da ascensão
do Nacional-Socialismo, período no qual diversos artistas modernos foram perseguidos na
Europa e tiveram obras confiscadas, entre outras razões, porque os trabalhos artísticos não se
enquadravam no ideal estético do regime. Depois de situar historicamente o trabalho e formação
de Schiele e seus pares, a pesquisa investiga duas importantes listas de documentação sobre a
Entartete Kunst e discute as divergências de informações entre as listas e as biografias sobre o
artista. Buscou-se dados sobre a aquarela Autorretrato, obra produzida entre 1910 e 1912 por
Egon Schiele, e que chegou ao Brasil durante a fuga de famílias judaicas da Europa nazista,
atualmente localizada por comodato no Museu Lasar Segall. Para melhor compreender os
discursos e critérios de censura do período, foi realizada análise visual de três autorretratos de
Emil Nolde, Oskar Kokoschka e Lasar Segall, artistas contemporâneos de Schiele também
enquadrados pelos nazistas como artistas degenerados, em diálogo com a análise do Autorretrato
de Schiele. Essa análise comparativa abre espaço para falar sobre o grotesco e o erótico como
pontos estéticos para marcar a obra de Schiele como degenerada, ao mesmo tempo que
acrescentou aos seus trabalhos valor comercial e de colecionismo.

Palavras-chave: Egon Schiele, 1890-1918; Expressionismo (Arte); Nazismo e arte.

7
8

Abstract

The dissertation deals with the work of the Austrian artist Egon Schiele (1890-1918) and the
posthumous process of rating of his work as degenerated by the Nazi regime in the context of the
rise of National Socialism, a period in which several modern artists were persecuted in Europe
and had works confiscated, among other reasons, because the artistic works did not fit the
aesthetic ideal of the regime. After historically situating the work and studying by Schiele and his
peers, the research investigates two important lists of documentation on Entartete Kunst and
discusses the divergences of information between lists and biographies about the artist. Data on
the watercolor Self-portrait, a work produced between 1910 and 1912 by Egon Schiele, was
sought and arrived in Brazil during the flight of Jewish families from Nazi Europe, currently
located by lending at the Lasar Segall Museum. To better understand the discourses and
censorship criteria of the period, a visual analysis of three self-portraits of Emil Nolde, Oskar
Kokoschka and Lasar Segall, contemporary artists of Schiele, who were also framed by the Nazis
as degenerate artists, in dialogue with the analysis of the Schiele’s Self-portrait. This comparative
analysis opens space to talk about the grotesque and the erotic as aesthetic points to mark
Schiele's work as degenerate, while at the same time adding to their work commercial value and
of collectivism.

Keywords: Egon Schiele, 190-1918; Expressionism (Art); National socialism and art.
9

Lista de ilustrações

Figura 1. Fotografia da vista frontal do prédio da Secessão. Autor e data desconhecidos


___________________________________________________________________________ 26
Fonte: BOSTON COLLEGE. Disponível em: <
http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/arch/19thc/vienna_secess2.jpg> Acesso em: 05 ago.
2016.
Figura 2. Egon Schiele em seu ateliê. Autor desconhecido, 1917 _______________________ 37
Fonte: BR KULTUR. Egon Schiele. Disponível em:
<http://www.br.de/themen/kultur/inhalt/kunst/egon-schiele-leben100.html> Acesso em 16 out.
2016.
Figura 3. Retrato de Bertha von Wiktorin. Egon Schiele, 1907 _________________________ 39
Fonte: PAINTING STAR. Portrait of Bertha von Wiktorin. Disponível em:
<http://www.paintingstar.com/item-portrait-of-bertha-von-wiktorin-s166408.html > Acesso em
05 out. 2016.
Figura 4. De cima para baixo: Espíritos aquáticos I. Egon Schiele, 1907; Serpentes da água II.
Gustav Klimt, 1904 ___________________________________________________________ 43
Fonte (Schiele): FIRST ART GALLERY. Water sprites. Disponível em: <http://www.1st-art-
gallery.com/Egon-Schiele/Water-Sprites-II.html> Acesso em: 15 out. 2016.
Fonte (Klimt): STEINER, 2006, p. 26.
Figura 5. Autorretrato feito na prisão. Egon Schiele, 1912 ____________________________ 45
Fonte: FISCHER, 2007, p. 31.
Figura 6. De cima para baixo: Morte e donzela. Schiele, 1915; A tempestade. Oskar Kokoschka,
1914_______________________________________________________________________ 49
Fonte (Schiele): STEINER, 2006, p. 71.
Fonte: WIKIART. Bride of the wind. Disponível em: < http://www.wikiart.org/en/oskar-
kokoschka/bride-of-the-wind-1914> Acesso em 05 out. 2016.
Figura 7. Da esquerda para a direita: Retrato de Max Oppenheim, Egon Schiele, 1910. Retrato de
Egon Schiele, Max Oppenheim, c. 1910 ___________________________________________ 50
10

Fonte (Schiele): WIKIART. Portrait of the painter Max Oppenheim. Disponível em: <
https://www.wikiart.org/en/egon-schiele/portrait-of-the-painter-max-oppenheimer-1910> Acesso
em 20 set. 2016.
Fonte (Oppenheim): LESSING IMAGES. Oppenheim, Max (MOPP). Disponível em: <
https://www.lessingimages.com/viewimage.asp?i=40170538+&cr=11&cl=1> Acesso: 03 set.
2016.
Figura 8: Retrato de Pais von Gütersloh. Egon Schiele, 1918 _________________________ 55
Fonte: FISCHER, 2007, p. 143.
Figura 9. Cenas gravadas de Pass the Blut Wurst, Bitte. John Kelly, 2010 ________________ 58
Fonte: JOHN KELLY PERFORMANCE. Pass the Blut Wurst, Bitte. Disponível em: <
http://johnkellyperformance.org/wp2/performances/pass-the-blutwurst-bitte-2010> Acesso em:
10 ago. 2016.
Figura 10. Egon Schiele. Al Farrow, 1990 ________________________________________ 59
Fonte: AL FARROW. Egon Schiele. Disponível em: < http://www.alfarrow.com/egon-
schiele.html> Acesso em 04 abr. 2016.
Figura 11. Egon Schiele em 1914 e David Bowie em 1977. Anton Peschka, 1914; Masayoshi
Sukita, 1977 ________________________________________________________________ 59
Fonte (Schiele): THE IMPROPER. Egon Schiele paintings at Center of Lawsuit over plundered
Nazi art. Disponível em: <http://www.theimproper.com/art/2581/egon-schiele-paintings-lawsuit-
nazi-art> Acesso em: 10 set. 2016.
Fonte (Bowie): WIKIPEDIA. Heroes. Disponível em: <
https://en.wikipedia.org/wiki/File:David_Bowie_-_Heroes.png> Acesso em 28 ago. 2016.
Figura 12. Obras finalizadas e uma das peças em processo criativo. Lucretia Schmidt, data
desconhecida ________________________________________________________________ 60
Fonte: LUCRETIA SCHMIDT. Egon Schiele. Disponível em: <
https://lucretiaschmidt.carbonmade.com> Acesso em: 15 set. 2016.
Figura 13. Mathieu Carrière como Egon Schiele em Excesso e punição. Reprodução do filme em
dvd, 2016 __________________________________________________________________ 61
Figura 14. John Malkovich e Nikolai Kinski em Klimt. Reprodução do filme em dvd, 2016
___________________________________________________________________________ 61
11

Figura 15. Órbita de 11338 Schiele, exterior à órbita de Marte. Site Planety, 2016
___________________________________________________________________________ 63
Fonte: PLANETY. 11338 Schiele. Disponível em: < http://planety.astro.cz/planetka-11338>
Acesso em 24 ago. 2016.
Figura 16. Performance inspirada em Egon Schiele. Divulgação, 2005 ___________________ 63
Fonte: AZIZBEKKAOUI. Egon Schiele/Marina Abramovic/De Chatel. Disponível em:
<http://www.azizbekkaoui.com/arts/egon-schiele-van-gogh-museum> Acesso em: 07 set. 2016.
Figura 17. Retrato de Wally Neuzil. Egon Schiele, 1912 ______________________________ 64
Fonte: FISCHER, 2007, p. 26.
Figura 18. Autorretrato. Egon Schiele, 1910/1912 __________________________________ 66
Fonte: MUSEU LASAR SEGALL, 2011, p. 7.
Figura 19. Paleta de cores decomposta em Autorretrato ______________________________ 68
Figura 20. Da direita para esquerda: Assinatura e data. Símbolo e faixas de clareamento nas
margens ___________________________________________________________________ 69
Figura 21. Detalhe de Autorretrato com destaque para os pontos de desgaste da obra
___________________________________________________________________________ 69
Figura 22. Nu masculino sentado. Egon Schiele, 1910 _______________________________ 72
Fonte: FISCHER, 2007, p. 165.
Figura 23. Autorretrato com braço torcido sobre a cabeça. Egon Schiele, 1910 ___________ 74
Fonte: KUHL, 2010, p. 80.
Figura 24. Autorretrato com família à mesa. Daniel Chodowecki, 1771
___________________________________________________________________________ 77
Fonte: ALCHETRON. Daniel Chodowiecki. Disponível em: <http://alchetron.com/Daniel-
Chodowiecki-1088507-W> Acesso em 06 ago. 2016.
Figura 25. Cópia de Doríforo. Autor e data desconhecidos __________________________ 86
Fonte: FARNESINA. Scultura del 'Doriforo' di Policleto. Disponível em:
<http://www.esteri.it/mae/it/sala_stampa/archivionotizie/approf_postingdettaglio/2011/03/20110
331_frattini_buenos_airesfoto1.html> Acesso em: 04 set. 2016.
Figura 26. Dança da Morte, Michael Wolgemut, 1493 _______________________________ 87
12

Fonte. WIKIPEDIA. Danse macabre. Disponível em:


<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Danse_macabre_by_Michael_Wolgemut.png>
Acesso em: 20 set. 2016.
Figura 27. Primavera e Verão, Giuseppe Arcimboldi, c. 1580 _________________________ 89
Fonte: NATIONAL MUSEUM. Giuseppe Arcimboldi. Disponível em: <
http://collection.nationalmuseum.se/eMuseumPlus?service=direct/1/ResultDetailView/result.inlin
e.list.t1.collection_list.$TspTitleImageLink.link&sp=13&sp=Sartist&sp=SelementList&sp=0&sp
=0&sp=999&sp=SdetailView&sp=0&sp=Sdetail&sp=1&sp=T&sp=0&sp=SdetailList&sp=0&sp
=T&sp=1> Acesso em 10 set. 2016.
Figura 28. Fotografia de Isadora Duncan, Arnold Genthe, data desconhecida
___________________________________________________________________________ 97
Fonte. WIPIKEDIA. Isadora Duncan. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Isadora_Duncan_(grayscale).jpg> Acesso em 14 set.
2016.
Figura 29. Fotografias de paciente em Iconographie photographique de La Salpêtrière. Albert
Londe, 1878 ________________________________________________________________ 102
Fonte: WIKIPEDIA. Jean-Martin Charcot Chronophotography. Disponível em: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean-Martin_Charcot_chronophotography.jpg> Acesso
em 10 mai. 2016.
Figura 30. Retrato de Mime von Osen. Egon Schiele, 1910 ___________________________ 104
Fonte: KUHL, 2010, p. 74.
Figura 31. Egon Schiele e Anton Peschka. Anton Peschka, 1910 ______________________ 105
Fonte: SCHIELE ART CENTRUM. Egon Schiele. Disponível em:
<http://www.schieleartcentrum.cz/en/dokumentation/43> Acesso em 15 mai. 2016.
Figura 32. Desenho da Catedral Oedensplatz. Adolf Hitler, data desconhecida ___________ 107
Fonte: THE TELEGRAPH. Fine art and the Führer: paintings by struggling artist Adolf Hitler.
Disponível em: < http://www.telegraph.co.uk/culture/culturepicturegalleries/6066904/Fine-art-
and-the-Fuhrer-paintings-by-struggling-artist-Adolf-Hitler.html?image=8> Acesso em: 18 set.
2016.
Figura 33. O grande portador da Tocha, Arno Brecker, 1939 _________________________ 113
13

Fonte: WIKIPEDIA. Arno Brecker. Disponível em: <


https://commons.wikimedia.org/wiki/File:ArnoBrekerDiePartei.jpg> Acesso em: 01 out. 2016
Figura 34. Entartete Kunst em Munique, 1937 _____________________________________ 115
Fonte: BARRON, 1991, p. 55.
Figura 35. Páginas do catálogo da Entartete Kunst. Frases: “Um perfil racial muito revelador” e
“A prostituta foi elevada a um ideal moral” _______________________________________ 116
Fonte: MASSEY, Laura. Entartete Kunst. Degenerate art. Disponível em:
<http://www.peterharrington.co.uk/blog/entartete-kunst-degenerate-art> Acesso em 25 mar.
2016.
Figura 36. Esquema de dados em página da Lista Harry Fischer _______________________ 120
Figura 37. Fotografia de Oskar Kokoschka. Trude Fleischmann, 1939
__________________________________________________________________________ 127
Fonte: LEOPOLD MUSEUM. Kokoschka the self in focus. Disponível em: <
http://www.leopoldmuseum.org/en/exhibitions/50/kokoschka-the-self-in-focus> Acesso em: 20
set. 2016.
Figura 38. Retrato de Emil Nolde. Minya Diez-Dührkoop, 1929 _______________________ 128
Figura 39. Retrato de Lasar Segall. Autor desconhecido, 1925 ________________________ 129
Fonte: MUSEU LASAR SEGALL. Biografia. Disponível em:
<http://www.museusegall.org.br/mlsTexto.asp?sSume=11> Acesso em 01 out. 2016.
Figura 40. Fotografia de Eternos caminhantes em exposição no Museu Lasar Segall. Fotografia
por Carolina Robin, 2016 _____________________________________________________ 131
Figura 41. Autorretrato, Oskar Kokoschka, 1913 ___________________________________ 134
Figura 42. Comparação da paleta de cores nos rostos de Kokoschka e Schiele (detalhes)
__________________________________________________________________________ 135
Figura 43. Comparação das mãos nos autorretratos de Kokoschka e Schiele (detalhes)
__________________________________________________________________________ 136
Figura 44. Cabeça com chapéu. Emil Nolde, 1907 __________________________________ 137
Fonte: MOMA. Emil Nolde. Disponível em:
<http://www.moma.org/collection_ge/object.php?object_id=73810> Acesso em 04 out. 2016.
Figura 45. Comparação de formas incompletas em Nolde e em Schiele (detalhes) ________ 138
14

Figura 46. Autorretrato II. Lasar Segall, 1919 ____________________________________ 139


Figura 47. Comparação dos rostos em Segall e Schiele (detalhes)
__________________________________________________________________________ 140
Figura 48. O sono da razão produz monstros. Francisco de Goya, 1797-1799 ____________ 145
Fonte: WIKIPEDIA. Franscico de Goya. Disponível em: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Goya_-_Caprichos_(43).jpg> Acesso em :14 out. 2016.

Lista de quadros

Quadro 1. Dados sobre Egon Schiele na lista Harry Fischer


__________________________________________________________________________ 122
Quadro 2 Dados sobre artistas falecidos antes da Entartete Kunst de 1937
__________________________________________________________________________ 125
Fonte: WIKIPEDIA. Emil Nolde. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:WP_Emil_Nolde.jpg> Acesso em14 set. 2016.
Quadro 3. Obras de Kokoschka, Nolde e Segall expostas na Entartete Kunst de 1937 e suas
localizações ________________________________________________________________ 131
FONTE: MOMA. Self-portrait. Disponível em:
<https://www.moma.org/learn/moma_learning/oskar-kokoschka-self-portrait-1913> Acesso em:
02 out. 2016.
Fonte: MUSEU LASAR SEGALL. Autorretrato II. Disponível em:
<http://museusegall.org.br/mlsObra.asp?sSume=1&sObra=6> Acesso em: 04 out. 2016.
15

Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

Manoel de Barros
16

Sumário

Apresentação ________________________________________________________________ 17
Introdução – a Viena de Egon Schiele_____________________________________________ 22
Capítulo 1 – Egon Schiele, arte e vida ____________________________________________ 37
1.1. A “eterna criança” ______________________________________________________ 38
1.2. Legado pós-Guerras e recepção contemporânea _______________________________ 50
1.3. Uma raridade no Museu Lasar Segall _______________________________________ 65
1.4. Concepções estéticas ao longo dos séculos ___________________________________ 82
1.1.4. O feio, o grotesco e Egon Schiele ___________________________________________ 98
Capítulo 2 – Encontros entre a arte e a ciência: a visão dos artistas e a censura nazista ______ 100
2.1. Os almanaques psiquiátricos e as vanguardas: Schiele e Charcot ___________________ 201
2.2. Arte degenerada em domínios nazistas _______________________________________ 206
Capítulo 3 – Três degenerados e Egon Schiele _____________________________________ 123
Conclusão _________________________________________________________________ 142
Referências ________________________________________________________________ 148
Anexos ____________________________________________________________________ 160
Anexo I: notícias da mídia sobre Verdade – fraternidade - arte ________________________ 161
Anexo II: Parecer da especialista Jane Kallir sobre Autorretrato _______________________ 169
Anexo III: Termo de consentimento para entrevista _________________________________ 170
Anexo IV: Páginas selecionadas da Lista Harry Fischer _____________________________ 173
17

Apresentação

Em 1906 um jovem de 16 anos ingressou na Wiener Akademie der Bildenden Künste1,


sendo o aluno mais novo até então. No ano posterior, a mesma instituição rejeitou, entre tantos
concorrentes de seu processo seletivo, um rapaz com muitas aspirações artísticas, porém sem os
requisitos esperados. O novato de 1906 se chamava Egon Schiele; o recusado de 1907, Adolf
Hitler 2.
A Academia de Belas Artes de Viena é apenas um dos pontos históricos intercruzados
entre Schiele e Hitler, alguns dos quais serão apontados ao longo da dissertação. Apesar de não
terem convivido e de trilharem caminhos opostos, ambos estavam na capital austríaca em torno
do mesmo período – os primeiros anos do século XX. Os dois vivenciaram tanto o desmoronar de
um império quanto a experiência da Grande Guerra, apenas um deles sobrevivendo a ela –
Schiele morreu vítima de gripe espanhola em 31 de outubro de 1918 (a Guerra teve seu fim em
11 de novembro do mesmo ano). Posteriormente, as escolhas políticas de um afetariam o destino
da obra do outro, além da trajetória de inúmeros artistas das gerações modernas. Minha
curiosidade pelas Guerras Mundiais e as narrativas em torno das suas repercussões no mundo da
Arte me acompanham desde a adolescência. Apesar de possuir ascendência alemã tive pouco
contato com as histórias de meus antepassados, apenas sabendo desde a infância que os tataravôs
maternos saíram da Alemanha “em tempos difíceis”; as respostas para as perguntas aos mais
velhos da família eram o silêncio na maioria das ocasiões. Já adulta veio a percepção de que a
procura pela história e cultura germânica, de certa forma, foi uma tentativa de preencher os hiatos
sobre o próprio histórico familiar, saciando parte de minhas curiosidades juvenis.
Aos 20 anos iniciei meus estudos superiores em Artes Visuais e justamente os assuntos
por mim mais esperados nas aulas de História da Arte eram os movimentos do Entre Guerras. Em
uma dessas aulas, o professor Dirceu Fidelis da Faculdade de Administração e Artes de Limeira
nos mostrou livros e reproduções de Egon Schiele para ilustrar características formais e temáticas
da vertente expressionista. O fascínio foi imediato e logo passei a colecionar tudo ao alcance
referente ao artista, de publicações novas às edições esgotadas e encontradas apenas em sebos de

1
“Academia de Belas Artes de Viena”.
2
Sobre a não aprovação de Hitler, informações biográficas podem ser verificadas em KERSHAW, 2010, p. 48.
18

outros estados. De toda a produção de Schiele o que me despertou maior interesse foram os seus
quadros de maternidades e seus autorretratos, que produziu quase que obsessivamente. Egon
Schiele foi o tema de meus dois trabalhos de conclusão de curso: sua Mãe Morta I em 2011, e
dois de seus autorretratos em 2012 (Auto-observadores II e Profetas).
A obra de Schiele é composta, segundo seus biógrafos, de cerca de 300 pinturas e mais de
2500 desenhos. Minha pesquisa focaliza os autorretratos, especificamente a aquarela
Autorretrato, sob guarda de uma associação de cultura vinculada ao Museu Lasar Segall (São
Paulo), exemplar que oficialmente consta como o único do artista em todo o país. Rodeada de
incógnitas, tanto em relação ao ano de sua produção quanto aos meios pelos quais chegou a terras
brasileiras, a obra apenas recentemente passou pela análise da especialista norte-americana Jane
Kallir (da galeria St. Etienne, NY), sendo hoje reconhecida como parte dos trabalhos autenticados
de Egon Schiele.
A partir de entrevistas públicas cedidas pelo diretor do Museu Lasar Segall Jorge
Schwartz e outras realizadas pela pesquisadora com membros da equipe do Museu, há indicativos
de que Autorretrato saiu da Áustria e foi posteriormente adquirido no Brasil através de meios
legais. Não é pretensão questionar tal versão ou tampouco averiguar a veracidade dos fatos; o que
aponto como relevante é o contexto da provável chegada da obra ao Brasil, a década de 1940.
Não é meu objetivo apontar uma única explicação para a chegada de Autorretrato ao Brasil,
também não intenciono eleger um caminho como legítimo para o entendimento da suposta
rotulação de Egon Schiele como degenerado. O que se propõe é uma discussão do contexto
histórico e o mapeamento do léxico visual daquilo que um dia foi considerado arte degenerada,
ou especificamente, dos autorretratos degenerados, tendo como referência central a pintura de
Schiele sob tutela do Museu Lasar Segall.
O período em questão abrange parte da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) e do domínio
político-militar do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (1920-1945) em
diversos territórios europeus. A época encampa os anos nos quais os órgãos nazistas
hediondamente empreenderam não apenas a perseguição de determinados grupos sociais, mas o
confisco e a destruição de incontáveis bens materiais, inclusive obras de arte. Tendo em vista que
o nosso país passou também por um regime totalitário e militar, com cerceamento da liberdade de
expressão, torturas, assassinatos e ocultamento dos fatos, destaco que o conhecimento histórico
19

acerca dos períodos de crise e de guerra, tenham sido no Brasil ou no exterior, se apresentam
ainda como ponto de necessária investigação e reflexão contemporânea.
Não bastassem as tragédias humanas e as atrocidades perpetradas em nome de falsos
ideais na Era nazista, foi cometido ainda outro tipo de crime, aquele contra o patrimônio cultural.
Apropriando-se de pesquisas sobre a produção gráfica de pacientes de hospitais psiquiátricos,
além de outros discursos das ciências tal como a teoria evolutiva de Charles Darwin (1809-1882),
a ideologia nazista difundiu um cânone para a arte de seu “povo”, padrão sustentado pela
desvalorização da produção dos artistas modernos. Surgiram nessa conjuntura o conceito de Arte
degenerada e a exposição itinerante Entartete Kunst, que procuravam levar o público a ver as
obras modernas como deformações, selecionando exemplos entre os quais constavam Emil
Nolde, Lasar Segall e o compatriota de Egon Schiele, Oskar Kokoschka. São justamente estes os
três artistas os selecionados para empreender, em paralelo a Schiele, um estudo visual-
comparativo sobre a poética moderna.
Retomar os estudos sobre Egon Schiele auxilia-nos a compreender a relevância de sua
obra após um momento histórico de grande repercussão, a Segunda Guerra Mundial,
especificamente durante a perseguição nazista contra os artistas modernos. Além disso, a
dissertação é guiada pelo desejo de ressignificar a posição de sua obra de Schiele no Brasil, já
que agora há a ciência de uma obra conservada em uma instituição pública. Neste sentido, o
objetivo primordial dessa dissertação é destacar a importância da obra de Egon Schiele em geral,
contextualizada historicamente, com destaque para a existência da obra Autorretrato sob custódia
do Museu Lasar Segall. Com base nessa elaboração, pretendi traçar conexões temáticas e poéticas
com artistas contemporâneos ao artista que foram incluídos na lista de “arte degenerada” pelos
nazistas.
Essas discussões e o mapeamento propostos se relacionam com uma postura de pesquisa
interdisciplinar, na qual os saberes da Arte e de suas teorias se encontram com os conteúdos de
áreas como as Ciências Sociais e a Psiquiatria para que, em uma relação de diferentes, seja
possível o florescer de um terceiro conhecimento, híbrido e multifacetado.
A fim de obter os dados necessários para a execução da pesquisa, adotei como parte do
método a realização de procedimentos complementares: a revisão da bibliografia, as visitas
técnicas ao Museu Lasar Segall, a busca em arquivos (análise documental) e a leitura de imagens.
20

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp e foi aprovado sob a
Resolução 466/2012 CNS/MS, em função da expectativa de entrevistar o diretor do Museu Lasar
Segall, bem como a museóloga da instituição. Foi realizada a entrevista com a museóloga, mas,
apesar de inúmeros contatos, não houve resposta da direção em tempo hábil para inclusão neste
estudo.
As visitas técnicas foram realizadas no 2º semestre de 2016, com o agendamento
juntamente à equipe do Museu Lasar Segall. Objetivou-se nessas ocasiões a análise documental
dos dados da instituição, sobretudo conhecer o acervo sobre Lasar Segall, observar pessoalmente
Autorretrato de Egon Schiele, que estava na reserva técnica para compreender acerca da
procedência da obra de Egon Schiele nomeada Autorretrato. Nessa ocasião foi realizada
entrevista com Pierina Camargo, museóloga que há décadas trabalha na instituição e esteve
presente na época da redescoberta da obra e da montagem da exposição Verdade – fraternidade –
arte. No entanto, não foi concretizado o encontro com o filho de Lasar Segall, o Sr. Mauricio
Segall, diretor emérito do museu que se encontra em estado de saúde debilitado.
Como etapa posterior, as leituras de imagens foram baseadas na comparação de elementos
visuais, compositivos e temáticos dos autorretratos selecionados de Egon Schiele, Emil Nolde,
Oskar Kokoschka e Lasar Segall, datados de antes de 1933. Tais análises foram baseadas nos
métodos e reflexões propostos nos livros Introdução à análise da imagem, de Martine Joly, e
Lógica da sensação, de Gilles Deleuze.
Assim sendo, a presente dissertação se divide em três núcleos temáticos. No capítulo 1,
encontram-se as informações biográficas sobre o artista austríaco, assim como os dados históricos
levantados para a compreensão da abrangência de sua obra e da recepção da mesma pelo público
e crítica da época. Em seguida, exponho observações e comentários acerca da atual aceitação das
obras em mercados não europeus, assim como a influência do artista em produções artísticas
contemporâneas. Ofereço também um olhar sobre a sociedade e cultura vienense no início do
século XX. A unidade se baseia nos alicerces conceituais dos dados apresentados pelo historiador
Carl Emil Schorske, cujo livro Viena fin-de-siècle (1998) permanece como bibliografia essencial
sobre o tema, mesmo após quase trinta anos de sua publicação no Brasil. Por fim, discorro acerca
das informações sobre a obra Autorretrato, atualmente parte da coleção do museu paulistano
Lasar Segall. Igualmente são relatados os supostos vestígios de sua trajetória Áustria-Brasil, sua
21

permanência por duas décadas no arquivo da instituição brasileira, o processo de autenticação por
Jane Kallir e a exposição Verdade, fraternidade, arte, que em 2011 apresentou o autorretrato de
Schiele ao público nacional pela primeira e única vez.
O capítulo 2 tem como ponto de partida as pesquisas da equipe do francês Jean-Martin
Charcot, centralizando a relação entre os estudos psiquiátricos focados nas expressões corporais e
algumas das experimentações da arte moderna. Posteriormente, relato indicadores pelos quais os
artistas podem ter tido acesso aos materiais científicos, como os almanaques psiquiátricos
publicados em diversos países europeus, e os modos como o Nacional Socialismo idealizado por
Adolf Hitler se apropriou de tais aproximações entre arte e ciência para criar justificativas de
censura contra os artistas modernos. Apresento ainda os mecanismos pelos quais os órgãos de
censura cultural nazista se apropriaram de discursos científicos para elaborarem argumentos
antiarte moderna, e legitimar o confisco de obras e trato sobre os documentos que sobreviveram
ao fim da Guerra e hoje são fonte de pesquisa sobre o Nazismo e suas ações contra a arte e a
cultura modernas.
Por fim, no capítulo 3, concentro-me em paralelos e comparações entre os autorretratos de
Egon Schiele e os realizados por Emil Nolde, Oskar Kokoschka e Lasar Segall. Como parte da
metodologia aplicada para o estudo dos casos, defino que os outros autorretratos escolhidos de
Egon Schiele são apenas os realizados entre 1910 e 1912, mesmo período de Autorretrato.
Pensamento similar foi aplicado para a seleção dos autorretratos de Nolde, Kokoschka e Segall:
são discutidos somente os datados de antes de 1933, ano da primeira Entartete Kunst, exposição
de arte degenerada.
Por fim, apesar das distâncias física, temporal e cultural entre o nosso país e a Áustria
enquanto domínio nazista, aponto que através da obra de Egon Schiele a dissertação trata de um
tema ainda hoje relevante para os pesquisadores brasileiros, a censura em tempos de
totalitarismos. Como foi destacado por Morris et. al. (1990), em um pensamento comum aos
historiadores, o de que o estudo e a compreensão do passado são necessários para que os erros
não se repitam e tomem proporções maiores. Vivemos hoje no Brasil um período de instabilidade
política, na qual os preceitos da democracia têm sido desrespeitados em prol da ascensão de
grupos específicos. Da mesma forma, se pode observar um número significante de personagens
políticos com discursos extremistas e intolerantes, ao mesmo tempo em que são divulgados casos
22

nos quais a imprensa nacional alega perseguição a fim de não cobrir os fatos sociais. Assim, o
risco do retorno do totalitarismo é uma possibilidade que ainda paira na atualidade.
A pergunta que pretendo esclarecer através da dissertação é se hoje, transcorrido mais de
meio século dos acontecimentos relatados, é possível olhar para os vestígios do passado e
averiguar quais elementos constituíram os critérios para a caracterização de um artista
degenerado e como isso foi aplicado na prática.
Para começar esta jornada, cito o pensamento da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi
Adichie, que ministrou em 2009 a palestra O perigo de uma história única3:

A história única cria estereótipos. E o problema com os estereótipos não é que


eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história
tornar-se a história única. [...] Histórias importam. Muitas histórias importam.
Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem
também ser usadas para capacitar e humanizar. Histórias podem destruir a
dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade
perdida.

É assim, evitando os perigos de (re)afirmar uma história única, que ofereço um outro
olhar sobre a arte de Egon Schiele, sua época e seu único autorretrato no Brasil.

Introdução – a Viena de Egon Schiele

O novo século é tão rico dos mais profundos antagonismos, a unidade do seu
conceito de vida está tão profundamente ameaçada, que a combinação dos
extremos mais opostos, a unificação das maiores contradições torna-se o tema
principal, muitas vezes, o tema único da sua arte. (HAUSER, 1982, p. 1124).

Baseei parte significativa das leituras da paisagem cultural de Viena na historiografia dos
anos 1900 escrita pelo recém-falecido historiador Carl Emil Schorske (1915-2015) no premiado
livro Viena fin-de-siècle. 4
Viena, com seus dois milhões de habitantes, era a capital do Império Austro-Húngaro.
Sendo desde a Idade Média uma cidade cosmopolita, do século XIII até 1918 esteve
predominantemente sob o poder da linhagem Habsburgo, autoridades do Sacro Império Romano 5.

3
Audiovisual disponível em: http://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story
4
Publicado em 1980, vencedor do Prêmio Pulitzer na categoria não-ficção.
23

O Império Austro-Húngaro, também denominado Áustria-Hungria, foi o Estado sucessor


do extinto Império Austríaco (1804-1867). Sendo umas das maiores monarquias do mundo,
estima-se que tenha chegado ao número de 46 milhões de habitantes (ARTINGER, 2001). Sua
origem remonta à união das nobrezas austríaca e húngara: com o Compromisso austro-húngaro
de 1867 foi estabelecido que cada uma das capitais, Viena e Budapeste, comandaria uma das
metades do Império.
A derrota na Primeira Guerra (1914-1918) levou ao desmembramento do Império,
conforme as exigências dos tratados estabelecidos entre 1919 e 1920 (Versalhes, Saint-Germain e
Trianon, sucessivamente). O que resta do antigo território austro-húngaro atualmente se encontra
dividido entre Áustria, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Itália,
Montenegro, Polônia, República Tcheca, Romênia, Sérvia e Ucrânia. Em termos culturais, a
Áustria-Hungria esteve intimamente ligada à Alemanha.
Ainda no início do século XX coexistiam realidades opostas na capital da Áustria-
Hungria: se por um lado a metrópole era um dos epicentros intelectuais da Europa, também não
era possível se fechar os olhos às tensões sociais que se intensificavam na cidade.
O momento em questão situava-se especificamente o final da chamada Belle Époque:
entre 1880 e 1914 ocorreram transformações culturais que modificaram o modo de vida da
sociedade de então. De um lado a população pobre se amontoavam nas periferias da cidade em
reformas. De outro, as camadas mais favorecidas propagavam um clima de otimismo e se
deslumbravam com os frutos do desenvolvimento científico-tecnológico, na convicção de que
esse era o estilo de vida e modo de pensar que levariam ao progresso. No entanto, as camadas de
racionalidade apresentavam fissuras, aspectos observados e estudados pela primeira geração de
psicanalistas guiados por Sigmund Freud. A ideia do homem centrado na racionalidade, portanto,
começou aos poucos a se desgastar e a abrir espaço para outras existências conflitantes:

A cultura liberal tradicional tinha se concentrado sobre o homem racional, cujo


domínio científico sobre a natureza e o controle moral sobe si deveriam criar a
boa sociedade. No nosso século, o homem racional teve de dar lugar àquela
criatura mais rica, mas mais perigosa e inconstante, que é o homem psicológico.

5
O Sacro Império Romano-Germânico (926-1806) foi uma união política de territórios da Europa central.
24

Esse novo homem não é simplesmente um animal racional, mas uma criatura de
sentimentos e instintos. Tendemos a fazer dele a medida de todas as coisas em
nossa cultura. (SCHORSKE, 1998, p. 26).

Enquanto os ares da Guerra se manifestavam pelas periferias, as altas camadas viviam os


últimos raios luminosos da Belle Époque. A manifestação desse fenômeno em Viena é
denominada por Le Rider (1993) como Wiener Moderne – a modernidade vienense. Enquadrando
o auge desse momento entre 1890 e 1910, porém indicando suas origens em 1848, o autor
caracteriza-o como uma grande oportunidade de renovação para a cidade. Possivelmente movidos
pela necessidade de se desvincular da imagem imperial dita como decadente e ultrapassada,
vários setores da sociedade se empenharam na busca de um renascimento cultural. Cabe
correlacionar que após a Independência e a Proclamação da República no Brasil, os hábitos e os
fatos culturais vinculados à Corte e ao Império foram similarmente rechaçados pela população
republicana.
Inseridos nesse florescer da cultura local, Schorske (1988) identificou novos movimentos
nos campos da filosofia (positivismo e epistemologia em Ernst Mach, fenomenologia e filosofia
da linguagem em Franz Brentano), em ciências humanas (a psicanálise de Sigmund Freud, a
história da arte em Alois Riegel e Franz Wiekhoff), em ciências sociais (a renovação da
economia política em Carl Menger e do direito em Hans Kelsen), em literatura (com a Jovem
Viena de Hugo von Hofmannsthal e de Hermann Bahr), nas artes plásticas (Gustav Klimt e a
Secessão, artes decorativas e Wiener Werkstätte, erupção do expressionismo em Oskar
Kokoschka e Egon Schiele), em arquitetura (entre Otto Wagner e Adolf Loos), em música (de
Gustav Mahler e Arnold Schöenberg), como também em política (nascimento do antissemitismo
moderno e do sionismo, formação do austro-marxismo), aspectos também salientados por LE
RIDER (1993) e Artinger:

Era em Viena que ficavam a Academia das Ciências e a Academia de Belas-


Artes. Numerosas sociedades científicas e institutos de investigação, bem como
importantes colecções de arte pertencentes a museus, justificavam a fama da
cidade como centro cultural e intelectual. Pintores, arquitectos, escritores e
músicos de renome sentiam-se atraídos por este clima inspirador, dando por sua
vez impulso à vida intelectual da cidade. (ARTINGER, 2001, p. 12).
25

No campo das artes, com o novo século a cidade passou a receber diversas exposições
estrangeiras promovidas pelo governo, e houve uma supervalorização de seus de intelectuais,
críticos e artistas. Acompanhando uma tendência de aproximação entre as artes nobres (pintura,
arquitetura e escultura) e as aplicadas (decoração, design e construção civil, etc.), a capital passou
também por reformas urbanísticas – arquitetos e artistas, compartilhando ideais de uma arte total,
trabalharam para erguer construções que unificassem tudo de melhor que essa nova situação
oferecesse: beleza, funcionalidade e ícones da modernidade.
Em 1860 o partido dos liberais assumiu o poder em Viena e passou a remodelar a cidade
até meados de 1890, sendo o grande exemplo dessa proposta de reconstrução urbana a
Ringstrasse, complexo de edifícios públicos e residências particulares que circunda o distrito de
Innere Stadt, separando a parte antiga da cidade dos subúrbios. Com cerca de cinco quilômetros
de extensão e 55 metros de largura, suas duas extremidades eram unidas pelo cais Francisco José,
no canal do Danúbio.
O estilo arquitetônico aplicado na Ringstrasse foi definido como um “historicismo
eclético” (HOFMANN, 1996), manifestando referências de 500 a.C. a 1700: o Parlamento à
maneira grega, a Prefeitura em estilo gótico, a Universidade de Viena e os Museus de Arte e de
História Natural ao estilo da Renascença, a Igreja do Divino Salvador em neogótico e o
Burgtheater em estilo barroco, apenas para citar alguns dos prédios e suas referências, muitas das
quais não pertenciam à cultura austríaca. Nos novos quarteirões ao longo dos bulevares foram
construídas grandes residências privadas – morar na Ringstrasse tornou-se símbolo de status.
Apesar da miscelânea, o chamado “estilo Ringstrasse” foi copiado em muitas cidades da Áustria-
Hungria.
Um dos arquitetos mais ligados a esse estilo foi Otto Wagner (1841-1918), responsável
também pelo projeto de expansão urbana e de transporte da cidade a partir de 1893, no qual
incorporou elementos Jugenstil, ou seja, ricamente ornamentalista. Em fase posterior de sua
carreira Wagner dispensou a ornamentação, enfatizando o funcionalismo e a eficiência.
Assim como Otto Wagner, a grande maioria dos arquitetos, pintores e escultores que
atuaram na edificação da Ringstrasse pertenciam à Associação dos Artistas Visuais de Viena, de
cunho conservador. Alguns afiliados, no entanto, defendiam as experimentações modernistas e
demonstravam interesse por correntes artísticas como o Impressionismo, Simbolismo e Art
26

Nouveau, além de serem incentivados por um grupo literário conhecido como Jung Wien6
(“Jovem Viena”).
Em abril de 1897 dezenove membros da Associação abandonaram a instituição sendo
liderados pelo pintor Gustav Klimt (1862-1918) e pelo arquiteto Otto Wagner, dois nomes
ligados à Ringstrasse – fundou-se então outro grupo, a Secessão. Desafiadoramente os
secessionistas construíram sua sede próxima à Academia de Arte, sendo o projeto assinado por
Josef Maria Olbrich (1867-1908), discípulo de Otto Wagner. O prédio, em estilo assírio-egípcio,
foi iluminado por claraboias, não por janelas, estrutura que se manteve até os dias atuais.

Figura 1. Fotografia da vista frontal do prédio da Secessão. Autor e data desconhecidos

Em seu interior estavam dispostas divisórias móveis, ajustáveis conforme as necessidades


de cada exposição. Posteriormente, o grupo secessionista também se dividiu em novas facções
modernistas, que passaram a promover suas próprias propostas e exposições.
Na visão de Le Rider (1993), a modernidade vienense, consequência de uma
modernização tardia e parcial, se apresentou antimoderna em muitos de seus aspectos. No
entanto, segundo o autor, o caso de Viena apresentou o reconhecimento dos modelos antigos.
Demonstração desse reconhecimento é o caso do grupo secessionista liderado por Klimt, que
enquanto instituição revelou-se tão oficial quanto os Salões e a Academia, recebendo similar

6
Grupo de autores e poetas vienenses que se reuniam no Café Griensteidl, liderado pelo escritor e diretor Hermann
Bahr (1863-1934).
27

apoio dos poderes públicos. Como exemplo, em 1894 Klimt foi encarregado pelo ministro da
Educaçãode executar alegorias das faculdades para o salão nobre da universidade residida na
Ringstrasse: Medicina, A Filosofia e A Jurisprudência. Klimt, por certos períodos, também foi
membro honorário do corpo docente da Universidade de Viena. Em 1908, a administração postal
imperial-real encomendou uma série de selos comemorativos do 60º aniversário do governo de
Francisco José ao desenhista gráfico Koloman Moser (1868-1918), também secessionista.
Posteriormente, as cédulas em circulação também adotaram modelos da estética da Secessão.
(HOFMANN, 1996, p. 120).
Apesar das renovações e novas propostas, cabe também apontar uma crítica
contemporânea à Viena do período analisado. Devido ao peso da tradição em suas estruturas
sociais, econômicas e políticas, a cidade apresentou um relativo atraso cultural em comparação
com outras capitais como Paris, Berlim e Londres. Por conta disso a Wiener Moderne começou
importando modelos alemães, franceses, italianos, escandinavos e americanos (LE RIDER,
1993), um dos fatos que levaram muitos a duvidarem da autonomia da cultura vienense (LE
RIDER, 1984).
Em contraposição ao otimismo e aos investimentos em prol de uma sociedade mais
moderna, enquanto a nobreza e alta burguesia vienenses usufruíam da atmosfera renovadora da
Belle Époque, vivenciando um mundo marcado pelo glamour da metrópole e pelo conforto
proporcionado pelas tecnologias, em meio às parcelas menos favorecidas circulavam os ares da
revolta. Os benefícios e o esplendor da era moderna definitivamente não estavam destinados a
todos e essa desigualdade resultava em cobranças cada vez mais intensas ao governo imperial.
A insatisfação com a administração dos Habsburgos se misturava à propagação de ideais
de cunho nacional-imperialista, socialista e anarquista. Imigrantes eslovenos, croatas, tchecos,
sérvios, entre outras etnias, incluindo os judeus, representavam uma quantia significativa da
população vienense do período, no entanto não possuíam plenos direitos de cidadania. Esses
grupos deixavam seus países de origem e instalavam-se nas grandes cidades do Império,
sobretudo em Viena, com a esperança de obterem melhores condições de vida. No entanto, a
realidade que encontravam, na grande maioria dos casos, resumia-se a trabalho em longas
jornadas nas indústrias de maquinaria, submetendo-se a condições perigosas de trabalho e a
habitar os bairros mais pobres e marginalizados. Praticamente metade da população de Viena
28

trabalhava no setor industrial e metade desse montante de trabalhadores, por sua vez, era de
imigrantes. (KUHL, 2010). O governo, politicamente dividido entre Áustria e Hungria, era
impopular pelas inúmeras minorias étnicas, pois não as representava.
Os conflitos político-sociais chegaram ao seu ápice em 1914, quando foram somados ao
assassinato do herdeiro do trono, Franz Ferdinand, por um nacionalista bósnio-sérvio. O crime
serviu de estopim para a deflagração de combates armados, que, partindo de sistemas de alianças,
culminaram na formação dos grupos que se enfrentaram na Primeira Guerra Mundial. Áustria-
Hungria, Alemanha, Império Otomano e Bulgária aliaram-se no grupo denominado “Potências
Centrais”, respeitando tratados de mútuo apoio em caso de conflitos armados.
Iniciada a guerra, Viena primeiramente foi tomada por uma onda de patriotismo,
inflamando a camada intelectual, sobretudo os de esquerda 7, que se posicionou a favor da guerra
e incitou a população através de manifestos e publicações nos jornais. Porém, com o desenrolar
do conflito os aliados do Império sofreram inúmeras baixas e o clima social, já conturbado, foi
intensificado pela violência.
O início da Grande Guerra, portanto, marcou o fim da Belle Époque europeia. Tanto o
avanço das ciências quanto o deslumbre das artes de nada adiantaram perante o horror pleno do
conflito. O clima próspero da era moderna cedeu lugar às tensões, ao medo e às incertezas entre
todos os níveis sociais. Foram quatro anos de guerra na Europa e de progressiva ruína no
Império, situação que se evidenciava ainda mais na capital. Ao longo do combate, a Áustria-
Hungria e seus aliados sofreram sucessivas derrotas. Em 1916 Francisco José, imperador e
símbolo de toda uma tradição política, morreu. A derrocada definitiva veio em 1918, causando o
colapso econômico e a dissolução do Estado.
No último ano dos combates, com as restrições de envio de alimentos, a população
vienense viu restringido o acesso a itens essenciais, situação agravada pela intensa emigração de
refugiados. Entre outubro e novembro de 1918, somou-se ao frio e à fome a epidemia de
influenza, que durou meses em Viena. A Gripe espanhola, entre 1918 e 1920 matou cerca de 20
milhões de pessoas no mundo. Em Viena, entre personalidades célebres vítimas da doença

7
O Partido Social-democrata, oposicionista ao Império, era a favor da guerra e prontamente muitos de seus líderes
mais ativos se alistaram. (HOFMANN, 1996, p. 163).
29

estavam Gustav Klimt, o arquiteto Otto Wagner e o próprio Egon Schiele (HOFMANN, 1996). O
fim da guerra coincidiu, portanto, com a ruína do governo Habsburgo na Áustria.
O conflito na Europa expôs ao mundo as características mais negativas e obscuras da
sociedade pré-guerra: a passividade, o hedonismo e a indiferença dos privilegiados, além de toda
uma carga de sofrimento, violência e degradação do mundo dos miseráveis. E foi justamente o
contraste entre essas duas realidades da metrópole, tão opostas e ao mesmo tempo tão próximas,
que se tornou um dos principais temas para a geração de artistas vienenses mesmo nos anos antes
da eclosão da Grande Guerra: uma arte que, oscilando entre o belo e o grotesco, expôs ao mundo
a dualidade tão marcante na Viena no final de seu império.
Dentro desse contexto turbulento, é compreensível o aparecimento de uma classe artística
e intelectual disposta a denunciar aquilo que considerava ser as mazelas do mundo. De fato, na
cidade coração do Império as tensões eram encontradas em níveis intensificados e o que não
faltavam eram transgressores – pensadores, políticos e artistas – que questionavam os valores da
tradição, da moral e da razão da própria modernidade. No caso de Viena, as questões humanas
essenciais como vida, morte e sexualidade eram amplamente discutidas:

O clima social e a actualidade política constituíam o pano de fundo para a


problematização de temas relacionados com a existência humana. Em nenhum
outro lugar da Europa ocorria uma discussão tão intensa sobre a sexualidade,
tanto na literatura como na medicina ou na psicologia. (ARTINGER, 2001, p.
13).

O processo de modernização na Europa ao final do século XIX caracterizou-se por


mudanças sociais e culturais resultantes do fortalecimento dos Estados e do avanço científico-
tecnológico. Uma das decorrências culturais da era moderna foi o questionamento e a perda de
determinadas tradições. Enquanto o termo “moderno”, em séculos anteriores, designava uma
ideia de oposição ao antigo, ou seja, o passado ainda como uma fonte de comparação, no
princípio do XX era empregado para definir um ideal de total independência do passado. Havia
uma indiferença latente pelo passado por parte do homem moderno porque a história era
entendida como “tradição nutriz contínua” (SCHORSKE, 1988, p. 13), portanto inútil para aquilo
que era atual. A modernidade em questão designou um estilo de vida e uma visão doutrinária do
30

mundo, difundida principalmente entre o meio intelectual e artístico, no qual houve um


endurecimento das ideias modernas, no entanto sem o impedimento de uma distância crítica: a
exaltação ao progresso era inseparável de um sentimento paradoxal de revolta contra a sociedade
industrializada.
Durante os primeiros anos do século XX, o foco dos pintores europeus esteve nas
tentativas de renovação por meio de experimentações dentro das linguagens, manipulando as
cores e formas. Os primeiros passos para essas propostas foram dados pelos impressionistas
franceses, cuja arte aspirava à representação das impressões momentâneas através do uso
sistemático das cores. A arte impressionista foi uma das respostas à revolução introduzida com o
advento da fotografia nas primeiras décadas do século XIX (KOSSOY, 2003). Se a nova
tecnologia aos poucos era empregada para fins anteriormente de exclusivo domínio artístico (os
retratos, por exemplo), os artistas estavam, a partir de então, definitivamente desassociados dos
compromissos de representação da realidade: mudava a função social do artista.
As modernas incursões artísticas se manifestaram de diversas maneiras na Europa, o que
resultou no aparecimento, muitas vezes simultâneo, de inúmeros movimentos – as ditas
vanguardas:
Por volta de 1910, quando ao entusiasmo pelo progresso industrial sucedeu-se a
consciência da transformação em curso nas próprias estruturas da vida e da
atividade social, formar-se-ão no interior do Modernismo as vanguardas
artísticas preocupadas não apenas em modernizar ou atualizar, e sim em
revolucionar radicalmente as modalidades e finalidade da arte. (ARGAN, 2004,
p. 185).

Tais correntes propunham-se a produzir uma nova arte, mais compatível à época em que
viviam. A virada do século, a crença na modernidade e os sentimentos de otimismo em relação ao
futuro resultaram em uma tendência de rejeição a tudo que fosse ultrapassado.
Nos territórios hoje pertencentes à Áustria e à Alemanha havia duas vertentes em
destaque na década de 1900: Art Nouveau e Expressionismo.
O Art Nouveau (Arte Nova) – ou Jugendstil (Estilo da Juventude) na Alemanha, e
Secessionstil (Estilo da Secessão) ou Stilkunst8 (Estilo da Arte) na Áustria – foi um importante
precursor do Expressionismo.

8
YAMASAKI, 2007, p.22.
31

Apesar de muitas de suas significativas contribuições terem sido na área de design e da


decoração, os artistas dessa vertente compartilhavam com os pintores simbolistas um desejo de
reintegração entre arte e vida, ou seja, princípios da arte total. O intuito era aproximar o grande
público à arte; seu espaço não mais deveria ser apenas os museus, as galerias ou espaços
similares, locais onde o observador invariavelmente era submetido a uma distância do objeto
apreciado. A arte, segundo essa proposta, deveria ser acessível a todos, fazer parte do dia-a-dia
das pessoas em suas casas, roupas, móveis, etc. Como demonstra Argan (2004, p. 202) “a difusão
dos traços estilísticos essenciais do Art Nouveau se dá por meio de revistas de arte e moda, do
comércio e seu aparato publicitário, das exposições mundiais e espetáculos”. Esses conceitos de
uma arte total e presente em todos os aspectos da vida mais tarde foram base para a fundação de
escolas como a Bauhaus alemã, uma famosa escola de artes aplicadas e de arquitetura, fundada
em 1919 a partir da fusão da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de
Weimar.
De fato, os produtos desse estilo foram amplamente difundidos, mas não da forma
igualitária, conforme seus criadores almejavam: a alta burguesia tinha acesso à produção em
materiais nobres, assinada pelos mais qualificados artistas e artesãos; a média e a baixa burguesia
consumiam o mesmo gênero, todavia os produtos eram de qualidade inferior e passavam por um
processo de banalização ao serem submetidos aos procedimentos industriais de confecção.
O fator psicológico da moda, do “fazer parte do moderno”, é importante para a
compreensão do fetichismo 9 da arte nesse período, vista como mercadoria e símbolo de status
pelos burgueses. O Art Nouveau ia ao encontro do gosto da burguesia industrial – com uma
grande crença no modo como vivia, hedonista e adepta a tudo que era atual e avançado. Essa
camada da sociedade considerava o repúdio ao antiquado e o apoio à renovação artística e
cultural como um privilégio e espécie de responsabilidade social. Além disso, o acesso e a posse
de obras de arte ou de artigos com aplicação artística eram formas de afirmação da posição
ocupada pela elite. Em contrapartida, do mesmo modo que o ritmo industrial diminuiu o tempo

9
Fetichismo aqui entendido como um culto aos objetos, de modo que lhes são atribuídos características
originalmente não concedidas a seres inanimados. O conceito de fetichismo, proposto por Massimo Canevacci (2001,
p. 21) em Antropologia da Comunicação Visual, admite que as mercadorias, dentro do processo de aquisição e
consumo, são vistas como sujeitos, portadoras de uma biologia e vida social.
32

de produção, o “prazo de validade” dos produtos também foi reduzido. Tudo era rapidamente
consumido e substituído, enquanto o interesse e busca por novidades permanecia acelerado.
Em termos estéticos, o Art Nouveau apresentava como características a presença de
elementos decorativos que remetiam à arte japonesa e às formas orgânicas, uma temática
naturalista (flores e animais dispostos entre arabescos e espirais), a distribuição formal seguindo
ritmos criados pelas curvas, além da predileção por cores em tons pálidos e neutros. Todas as
particularidades dessa vertente reforçavam as ideias de leveza, otimismo e juventude, tão
apreciados pelo seu público.

[...] na imagem do mundo traçada pelo Art Nouveau não há nada que revele uma
clara consciência da problemática social inerente ao desenvolvimento industrial.
Parece, pelo contrário, que se pretende dissimular a dramática condição de
sujeição ao capital, de aviltamento econômico e moral, de desesperadora
“alienação” da nova classe trabalhadora, protagonista do progresso tecnológico.
[...] (ARGAN, 2004, p. 202).

O Art Nouveau, com seu ornamentalismo, não pode ser considerado como uma revolta,
mas uma “manifestação narcisista” (LE RIDER, 1993, p. 125), uma visão proveniente da mesma
estética de correntes neorromânticas e simbolistas que reagiram ao relaxamento formal do
Naturalismo.
Em Viena o estilo se manifestou com predominância na mencionada Secessão de 1897,
movimento cultural que se definia como “uma nova secessio plebis romana, onde os plebeus,
repudiando desafiadoramente o mau governo dos patrícios, retiravam-se da república”
(SCHORSKE, 1988, p. 207). Como um ato de proclamação de seus princípios, que aspiravam à
renovação, a Secessão também publicava uma revista intitulada Ver Sacrum (Primavera Sagrada).
O título se referia a um antigo ritual romano de consagração dos jovens para salvar a sociedade
de um perigo nacional. A apropriação de termos da antiguidade é outro elemento que acrescenta
caráter paradoxal à modernidade defendida pelos secessionistas: se apoiavam no passado para
legitimar os seus ideais.
Contrapondo-se às propostas do Art Nouveau entre os grupos artísticos europeus a
vanguarda expressionista ganhava força. O Expressionismo na Alemanha e na Áustria estava
relacionado a movimentos franceses como o Pós-Impressionismo e o Fauvismo. A diferença mais
33

marcante entre essas tendências modernistas e a expressionista foi a preocupação desta última
com os conteúdos humanísticos.
Tanto pela proximidade física dos territórios como pelas heranças culturais
compartilhadas, os expressionismos alemão e austríaco possuíam muitos pontos de similaridade.
De fato, grupos como Die Brücke e Der Blaue Reiter contribuíram para a propagação do estilo
através de exposições de seus associados e pela promoção de mostras de artistas que os
influenciaram, como Van Gogh, Toulouse-Lautrec, Gauguin, Munch, entre outros. Die Brücke (A
ponte) e Der Blaue Reiter (O cavaleiro azul) foram associações fundadas na Alemanha nos anos
de 1905 e 1911, respectivamente. Ambas compartilhavam uma tendência de oposição à
sensorialidade da arte impressionista. A Die Brücke, fundada em Dresden, foi de fato uma
comunidade de artistas, com um programa escrito. Entre seus membros constavam Ernst
Kirchner, Emile Nolde, Erich Heckel e Karl Schmidt-Rottluff. Já a Blaue Reiter, sediada em
Munique, possuía uma tendência à universalidade e contava com artistas como Wassily
Kandinsky, Franz Marc e Paul Klee. (GAY, 2009).
Do mesmo modo foi comum a troca de correspondência e impressões artísticas entre os
grupos das vertentes austríaca e alemã. Assim, o Expressionismo deve sua existência justamente
à combinação de diversas manifestações artísticas difundidas pela Europa. Até mesmo o leve e
gracioso Art Nouveau serviu para lhe abrir caminho, por ter sido um dos primeiros movimentos a
manifestar o desejo de rompimento com as tradições, mesmo que parcial – uma das evidências
dessa ligação é o fato de, como herança do Art Nouveau, o Die Brücke ter assimilado o nu
feminino como um de seus temas mais frequentes.
Conforme Guinsburg (2002) introduziu acerca do “expressionismo”, o termo foi usado
com diferentes conotações ao longo da história da arte, denotando frequentemente uma qualidade
de distorção e exagero formal. No entanto, enquanto Expressionismo alemão (e austríaco),
reapareceu com significados histórico-culturais específicos. A vinculação do vocábulo a um
grupo se deu primeiramente com o Die Brücke: os artistas afirmavam que, com suas pinturas,
comunicavam emoções e sentimentos mais diretos; os críticos da época descreviam também as
obras do grupo como “expressionistas” devido à aparência delas – as simplificações e distorções
aparentemente pouco elaboradas tinham suas referências nas coleções de arte etnográficas de
Dresden. Como na França, o interesse artístico em objetos “primitivos” e tribais, ou seja, de um
34

passado não europeu, coincidiu com a criação e a expansão das coleções etnográficas alemãs no
século XIX, sobretudo em Berlim, Hamburgo, Leipzig e Dresden. (GAY, 2009, p. 73).
Nessa vanguarda pré-guerra havia a difusão de um pensamento no qual o “primitivo”,
oriundo da arte tribal africana e oceânica, de xilogravuras medievais alemãs e de desenhos de
crianças, era espontaneamente associado ao conceito do “expressivo”, por supostamente
transmitir de forma mais direta e autêntica uma expressão do universo subjetivo do artista. Havia
também a crença de que, por meio da arte, o artista fosse capaz de transmitir diretamente seu
sentimento interior, não em representações desse sentimento, mas em sua apresentação direta
(CARDINAL, 1988).
Para muitos artistas e intelectuais do período os escritos de Friedrich Nietzsche (1844-
1900), filósofo alemão, eram um forte referencial por enfatizar o papel do indivíduo – e do artista
– na busca de uma nova liberdade. Para Nietzsche, a modernidade representava um estado em
que eram necessários processos de revalorização e de superação perante a decadência cultural.
Um dos livros mais citados pelo Die Brücke foi precisamente Assim falava Zaratustra (1883), no
qual o filósofo declarou a morte da religião e o fim de um significado convencional de vida.
Nessa obra, Nietzsche usou constantemente a ideia do homem como “ponte” para uma existência
superior e completa, no qual o homem teria controle de si mesmo, conceito adotado pelo grupo
Die Brücke na concepção da ponte como elo entre o passado e o futuro:

O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem, uma corda


sobre um abismo. Perigosa para percorrê-la, é perigoso ir por esse caminho,
perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar. O que é grande no homem é ele
ser uma ponte e não uma meta. O que se pode amar no homem é ele ser uma
passagem e um declínio. (NIETZSCHE, 2012, p. 22)

O autor ainda apontou que a sociedade necessitava de uma urgente mudança, baseada na
superação dos costumes, inclusive da religião, e a superação das usuais concepções de bem e mal.
Para isso, o homem deveria admitir o mal e o declínio de sua condição para que a superação
acontecesse. (NIETZSCHE, 2012, p. 23).
Assim, a visão da juventude como elo para o progresso e uma nova cultura, para além do
mal da modernidade, atraiu os membros do Die Brücke, todos jovens estudantes de arquitetura.
35

Ficou evidente essa ideia também no manifesto do grupo, publicado no catálogo de sua primeira
exposição, em 1906:

Com fé no progresso e numa nova geração de criadores e espectadores,


reunimos toda a juventude. Como jovens, somos portadores do futuro e
queremos criar para nós liberdade de vida e de movimento contra as forças mais
antigas há muito estabelecidas. Reivindicamos como nossos todos aqueles que
reproduzam o que os leva à criação com imediatez e autenticidade. (GAY, 2009,
p.63-64).

Sobre o “nascimento” do Expressionismo moderno, concordo com as teorias que afirmam


que não houve uma simples renúncia de tradições:

O Expressionismo nasce não em oposição às correntes modernistas, mas no


interior delas, como superação de seu ecletismo, como discriminação entre os
impulsos autenticamente progressistas, por vezes subversivos, e a retórica
progressista, como concentração da pesquisa sobre o problema específico da
razão de ser e da função da arte. Pretende-se passar do cosmopolitismo
modernista para um internacionalismo mais concreto, não mais fundado na
utopia do progresso universal (já renegada pelo socialismo “científico”), e sim
na superação dialética das contradições históricas, começando naturalmente
pelas tradições nacionais. [...] (ARGAN, 2004, p. 227-228).

Independentemente da localidade, a arte expressionista tinha um caráter de denúncia


humana e transmitia impressões pessimistas sobre o mundo moderno, através da manipulação
deformativa das formas e cores. Angústias humanas, problemas sociais e tensões psicológicas
eram traduzidos por contrastes intensos entre cores e por formas que se distanciavam da realidade
de tal maneira que, pelo exagero e transfiguração, caminhavam para os limites do grotesco.

[...] Os artistas das avant-gardes, ou vanguardas, abandonaram o otimismo


positivista do final do século XIX e deslocaram o sentido de sua produção para a
negatividade, criticando a razão, a sociedade e o conceito iluminista de
humanidade. O princípio da crítica foi levado ao extremo no início do século
XX. Para o artista vanguardista produzir foi necessário destruir, abolir,
deformar, desordenar, misturar, tornar os incompatíveis híbridos, não ser
compreendido, ser ilógico, abrir mão da beleza, chocar, desintegrar, inverter,
desequilibrar, superar. É inegável a presença desses imperativos antitéticos no
direcionamento do processo criativo da arte de vanguarda nos anos de 1905 a
1937. (HAGIHARA, 2007, p. 8).

O foco na transmissão de valores psicológicos e subjetivos, ou seja, a expressão, é o que


deu nome ao estilo. A ideia de “expressão” se opõe à de “impressão”, conceito que norteou a
36

anterior geração dos impressionistas: captavam e registravam as impressões da luz, de forma que
o mundo “de fora” era traduzido para “dentro”; já o artista do Expressionismo conceitualmente se
manifestava “de dentro para fora”. Aquilo por ele exteriorizado e transmitido seria a sua própria
visão de mundo. Esse fato coloca o Expressionismo como uma antítese do Impressionismo:

A impressão é um movimento do exterior para o interior: é a realidade (objeto)


que se exprime na consciência (sujeito). A expressão é um movimento inverso,
do interior para o exterior: é o sujeito que por si imprime o objeto. É a posição
oposta à de Cézanne, assumida por Van Gogh. Diante da realidade, o
Impressionismo manifesta uma atitude sensitiva, o Expressionismo uma atitude
volitiva, por vezes até agressiva. Quer o sujeito assuma em si a realidade,
subjetivando-a, quer projete-a sobre a realidade, objetivando-a, o encontro do
sujeito com o objeto, e, portanto, a abordagem direta do real, continua a ser
fundamental. (HAUSER, 1982, 227).

A poética de deformação, tão característica ao movimento, estava ligada à ambiguidade


do cotidiano, sendo a própria existência considerada dual. Vida e morte, saúde e doença, riqueza
e pobreza sempre coexistirão na história humana. Partindo da referência da arte primitiva e
africana, a deformação foi uma fuga da beleza idealizada, uma escolha intencional dos artistas.
Ao contrário dos estilos anteriores ou mesmo do contemporâneo Art Nouveau, que buscavam a
beleza, a não idealização defendida pelos expressionistas seria uma forma ideal de arte
verdadeiramente espontânea. Negar a ambiguidade da vida seria como mentir, assumir o feio
como parte complementar ao belo seria uma maneira de alcançar a verdade:

[...] A deformação expressionista não é a caricatura da realidade: é a beleza que,


passando da dimensão do ideal para a dimensão do real, inverte seu próprio
significado, torna-se fealdade, mas sempre conservando seu cunho de eleição.
Devido a essa beleza quase demoníaca da cor, que freqüentemente vem
acompanhada por figuras ostensivamente feias (pelo menos segundo os cânones
correntes), a imagem adquire uma força de peremptoriedade categórica, como se
realmente já não pudesse existir pensamento para além dela. (ARGAN, 2004, p.
240).

Partindo do pensamento de Argan, pode-se alegar que o Expressionismo permaneceu


como um estilo idealista, sendo, no entanto, seu idealismo pertencente a outra esfera: ao invés do
belo, elegeu-se o feio, que nada mais seria que a manifestação de uma “beleza corrompida”. A
fuga da realidade e o exagero apareceriam, assim, como formas de denúncia voltadas contra uma
sociedade que vivia de forma inautêntica.
37

Por fim, para Cardinal (1988) a principal falha do Expressionismo enquanto movimento
foi a ausência de uma definição coletiva a partir de um núcleo ideológico, que levou à
transgressão de seus limites enquanto grupo, transformando o gesto, por vezes, em “mero
exagero” (CARDINAL, 1988).
Acabado o período da Bélle époque vienense e a Primeira Guerra Mundial, o antigo
Império Austro-húngaro se viu derrotado e destruído pelos conflitos. Nesse interim,
positivamente se manifestaram os artistas pertencentes ao pensamento das vanguardas, tal como
Egon Schiele. No entanto, nesse mesmo ambiente o revanchismo se aliou a outras ideologias na
Áustria e em outras partes da Europa, sobretudo na Alemanha, dando espaço para a ascensão de
vertentes totalitárias como o Partido Nacional-Socialista liderado por Adolf Hitler.

Capítulo 1 – Egon Schiele, arte e vida

Figura 2. Egon Schiele em seu ateliê. Autor desconhecido, 1917

Egon Schiele (1890-1918) foi um artista da Áustria dos tempos de império, um nome que
deixou uma marca indelével na arte vienense apesar da brevidade de sua existência. Faleceu aos
38

28 anos, seguindo em poucos dias a sua esposa Edith Schiele, grávida de seis meses do primeiro
filho do casal. Com a proximidade dos 100 anos de sua morte vislumbro, como fã e pesquisadora
há anos de seus trabalhos, a necessidade de homenageá-lo por suas contribuições às artes visuais.
Procuro tratar neste primeiro capítulo sobre a figura histórica que foi Egon Schiele,
entrelaçando fatos biográficos com situações características da época, as duas primeiras décadas
do século XX. O denominado “Novo século” trouxe consigo a esperança de um futuro próspero,
baseado no progresso técnico-científico e na racionalidade. Entretanto, as antigas diferenças
históricas e culturais não foram superadas apesar do ideal racionalista defendido pelas sociedades
europeias: foi no século XX que se desenrolaram duas Guerras Mundiais e que o mundo
testemunhou crimes hediondos como o Holocausto. Assim como outros artistas de sua geração,
Egon Schiele recorreu à arte para expressar que nem tudo estava bem como as elites supunham.
O binômio vida-morte, tão presente em sua obra, remete à Viena imperial, por um lado tão rica e
deslumbrante, e por outro, pálida e miserável.
Abordadas as dualidades do século passado e apresentadas as conjunturas em torno da
vida do artista, trato sobre o seu legado póstumo, sobretudo a criação de espaços em sua memória
e o paradeiro de obras, a exemplo de Autorretrato, hoje em posse de um museu paulistano.

1.1. A “eterna criança”

O que é obsceno? Obsceno?


Ninguém sabe até hoje o que é obsceno.
Obsceno para mim é a miséria,
a fome, a crueldade,
A nossa época é obscena.

Hilda Hilst

Na pintura a óleo nomeada Retrato de Bertha von Wiktorin, realizada em 1907, a técnica
de representação escolhida transita entre o acadêmico e o impressionista. Pode-se dizer que o
perfil da jovem Bertha von Wiktorim seria usual se não fossem alguns detalhes irônicos.
39

Figura 3. Retrato de Bertha von Wiktorin. Egon Schiele, 1907

O inusitado cigarro acesso, a sinuosa linha de fumaça e o semblante de prazer da mulher


ilustram traços marcantes da personalidade do autor: ousadia, provocação e um apreço pelos
aspectos marginais da sociedade, posturas que vão ao encontro do retrato poético que o artista fez
de si mesmo através do poema Eu, a eterna criança:

Eu, Eterna criança -


Eu me sacrifiquei para os outros ...
que olharam e não me viram ...
Tudo era caro para mim -
Eu queria olhar para as pessoas com raiva
com olhos amorosos ,
para fazer seus olhos fazerem o mesmo;
E, para os invejosos,
dar-lhes presentes ,
dizendo-lhes que eu não valho nada. 10

Egon Schiele (1890-1918) foi um artista da Áustria dos tempos de império, e um dos
jovens talentos protegidos pelo pintor Gustav Klimt (1862-1918) na Viena dos anos 1900. O

10
Tradução de: I, Eternal Child (WHITFORD, 1981, p. 95) I, eternal child — I sacrificed myself for others … who
looked and did not see me … Everything was dear to me — I wanted to look at the angry people with loving eyes, to
make their eyes do likewise; And to the jealous, give them gifts, telling them I am worthless.
40

artista, cujo nome completo era Egon Leo Adolf Schiele, nasceu na cidade de Tulln (Áustria, ao
noroeste de Viena), sendo o terceiro filho de um casal de classe média, católico por parte de mãe
e protestante por parte de pai. Apesar das expectativas da família – e, sobretudo da mãe – de que
o jovem assumisse as responsabilidades familiares após a morte do pai (que se degenerou perante
a família por causa das sequelas da sífilis), aos 16 anos Schiele deixou o lar e foi a Viena para
estudar na Wiener Akademie der Bildenden Künste (Academia de Belas Artes de Viena).
Após a morte de seu amigo e mentor Klimt, Schiele tornou-se por um breve período um
dos nomes mais importante da pintura vienense, obtendo um inédito reconhecimento da crítica,
do qual, no entanto, não foi capaz de desfrutar por muito tempo. Em 1918, menos de nove meses
após o falecimento de Klimt, Schiele padeceu na epidemia de gripe espanhola que assolava Viena
há meses, assim como a sua esposa grávida e o seu filho não nascido.
Cabe salientar um dado apontado por Kai Artinger (2001) sobre o sucesso profissional e o
reconhecimento de Schiele, que segundo o autor foram exagerados em algumas biografias. Após
a morte de Klimt, de fato Egon Schiele recebeu maior destaque, sobretudo durante a 49ª Mostra
da Secessão. No entanto, nunca teria ocupado efetivamente a posição de Gustav Klimt enquanto
grande retratista da sociedade vienense, já que a maior parte de suas encomendas partiu de um
círculo restrito de amigos e admiradores. Em seu texto, chega a concluir que, com apenas 27
anos, “Schiele era demasiado jovem para exercer influência sobre outros pintores”. (ARTINGER,
2001, p. 88).
Durante os anos posteriores a sua precoce morte e durante a anexação da Áustria pelos
nazistas, ficou a cargo de sua família, de antigos clientes e dos amigos o reagrupamento de sua
obra e a criação de coleções a partir de seus trabalhos em artes visuais e poesia. Ao longo da
Segunda Guerra, alguns de seus desenhos e telas foram enviados para os Estados Unidos, onde o
artista permaneceu por décadas conhecido apenas por uma pequena gama de artistas e
pesquisadores. Entre alguns nomes importantes para a compreensão da retomada de Egon
Schiele, Kallir (2005) aponta os amigos e patronos Arthur Roessler e Heinrich Benesch. Roessler
impulsionou a realização de mostras de trabalhos do falecido artista, além de ser apontado por
biógrafos como o autor do diário de Egon Schiele na prisão. Benesch, por sua vez, foi de quem a
Sammlung Albertina comprou a coleção em 1951. Dois anos antes, em 1948, seu filho Otto
41

Benesch, como diretor da Albertina, organizou uma exposição com cerca de 350 trabalhos de
Schiele.
A redescoberta de Egon Schiele ocorreu de fato entre as décadas de 1960 e 1980, quando
houve um despertar de interesse acerca da “arte fim-de-século” austríaca. A primeira exposição
solo com trabalhos de Egon Schiele nos EUA aconteceu em 1945, na Galerie St. Etienne, em
Nova Iorque, porém foi pouco visitada (ARTINGER, 2001). Já a primeira exposição itinerante de
grande repercussão foi promovida pelo Egon Schiele Museum em seu país natal entre 1960-61.
Por fim, na década de 1980 realizaram-se diversas mostras de arte austríaca do início do século
XX em Hamburgo, Edimburgo, Veneza, Paris e Nova Iorque, sendo Schiele um dos maiores
destaques (KUHL, 2010).
Graças a essa retomada póstuma, hoje contamos com uma significativa bibliografia sobre
o artista, que aborda não somente a sua produção, mas também conta com dados biográficos de
rico detalhamento, incluindo dualidades históricas e pequenos mitos sobre a sua figura artística.
No entanto, ao longo dos estudos constatei que esse material foi predominantemente escrito por
pesquisadores norte-americanos e europeus, e a maioria ainda não traduzida para a Língua
portuguesa. Até o presente momento foi verificada a existência de apenas cinco títulos em
português de Portugal e um livro de fato publicado no Brasil, respectivamente: Diário da Prisão
(SCHIELE, 1987), Egon Schiele: vida e obra (ARTINGER, 2001), Egon Schiele: a alma
nocturna do artista (STEINER, 2006), Egon Schiele: pantominas do prazer, visões da
mortalidade (FISCHER, 2007), e Egon Schiele na prisão (SCHIELE, 2009), este último em
edição bilíngue e esgotada da extinta Editora Luzes do Asfalto. Em termos acadêmicos, em nosso
país há apenas um artigo sobre o artista resultante de consulta pública, Egon Schiele como
trickster: possíveis aproximações, publicado na revista Visualidades (UFG) em 2012 e abordando
um tratamento literário.
Da mesma forma, não foram encontradas pesquisas acadêmicas, em nível de dissertação
ou tese, realizadas no país sobre o artista austríaco. Embora outras figuras significativas do
Expressionismo repercutiram entre os artistas modernistas brasileiros, esse não foi o caso de
Schiele. Uma hipótese para a falta de contato com a obra de Schiele no país pode ser a morte
prematura, a rejeição aos nomes de origem alemã no período da guerra e o momento conturbado
42

que o país viveu na época. Assim, vanguardas europeias, Expressionismo e seus representantes
não são temas irrelevantes para a compreensão da nossa própria arte.
Conforme o disposto sobre o artista na página oficial da Galerie St. Etienne, uma
importante instituição com acervo sobre o artista, atualmente “Egon Schiele desfruta de um culto
de seguidores, e sua breve vida tem sido habitualmente mitificada. Sua morte precoce, o seu
fascínio com temas tabus, e sua consequente acusação levaram biógrafos a retratá-lo como um
mártir para moral burguesa, uma espécie de rebelde fin-de-siècle com uma causa.” 11 (GALERIE
ST. ETIENNE, 2015). Essa imagem de rebelde é fortalecida por sua morte ainda jovem, uma
promessa de maturidade artística que ainda se encontrava em desenvolvimento.
Durante os anos escolares, o jovem Schiele demonstrou ser um aluno mediano, porém
com claras aptidões à arte. Incentivado por alguns professores, prestou o exame de ingresso para
a concorrida Wiener Akademie der Bildenden Künste. Aceito na seleção de 1906 mudou-se para a
efervescente capital austríaca, atingindo assim a ambição de muito jovens que como ele, não
haviam nascido ou crescido na cidade grande. Em uma coincidência de relevância histórica,
Schiele teria sido veterano de Adolf Hitler caso o futuro ditador tivesse sido admitido no processo
seletivo da Academia.
No ano seguinte, 1907, conheceu o renomado pintor Gustav Klimt, e apesar dos 28 anos
de diferença entre os dois, uma forte amizade se desenvolveu. Schiele foi também aceito no
círculo de artistas e intelectuais ligados à Secessão vienense. As Secessões foram associações
artísticas espalhadas pela Europa que propuseram uma renovação cultural e artística, opondo-se
às tradições impostas pelas grandes academias, museus e demais espaços oficiais de arte. As mais
importantes foram a Secessão de Munique (1892), de Berlim (1893) e de Viena (1897).
De 1907 a 1910, Egon Schiele esteve sob a proteção de Klimt, sendo por ele influenciado,
financiado, apresentado a possíveis compradores e tendo espaço para participar de importantes
exposições da época: graças à indicação de Klimt, participou da Kunstschau de 1908, exposição
em homenagem ao sexagésimo aniversário de reinado do imperador Francisco José I (STEINER,

11
Tradução minha de: Egon Schiele has long enjoyed a cultish following, and his brief life has all too frequently
been mythologized. His early death, his fascination with taboo subjects, and his consequent prosecution have
prompted biographers to portray him as a martyr to bourgeois morality, a sort of fin-de-siècle rebel with a cause.
43

2006), e entre 1909 e 1910 trabalhou como designer para a Wiener Werkstätte, sendo responsável
pela criação de postais (KALLIR, 2005).
A influência de Gustav Klimt foi tamanha que em trabalhos até 1910 observo que Schiele
manteve uma estrita conexão visual e temática com as obras desenvolvidas no mesmo período
pelo artista mais velho, a exemplo da relação entre Espíritos aquáticos I e Serpentes aquáticas II.

Figura 4. De cima para baixo: Espíritos aquáticos I. Egon Schiele, 1907;


Serpentes da água II. Gustav Klimt, 1904

Em ambos os trabalhos se pode ver pontos de similaridade, começando pelos títulos. Em


termos de imagem, em cada obra há um grupo de três mulheres nuas em destaque, apesar de se
perceber fragmentos de outras figuras humanas. Estão representadas em posição horizontal,
dispostas como que seguindo um fluxo da esquerda para a direita. Todas as figuras humanas
estão em perfil, com exceção de uma mulher em cada pintura, que vira o seu rosto para o
hipotético observador. No caso de Klimt pode-se observar um rico detalhamento, com formas
circulares e estrelares multicoloridas que adornam os espaços em torno das mulheres e seus
longos cabelos ruivos. A obra de Schiele, por sua vez, é menos exuberante em termos de
coloração, apresentando também menos ornamento. As formas orgânicas predominam em Klimt,
44

enquanto que em Schiele se verifica uma relativa geometrização das formas humanas, que
parecem contidas em seus movimentos.
Sendo Egon Schiele um desenhista exímio, ao longo de toda a carreira as suas principais
vendas foram encomendas de retratos e nus femininos de alto teor erótico, trabalhos que atendiam
à demanda de homens que, perante a sociedade, eram ditos como conservadores. Entretanto, parte
significativa de sua produção consistiu de autorretratos. Em muitos deles se representou
completamente nu.
Em menos de doze anos de carreira Egon Schiele produziu em larga escala. A sua obra
total é estimada entre 2000 e 3000 desenhos, aquarelas e guaches, 300 quadros a óleo, 17
gravuras e litografias, duas xilogravuras e algumas esculturas (ARTINGER, 2001). Já Jane Kallir
(2005) nos traz informações quantitativas mais precisas: 334 óleos sobre tela e 2503 desenhos.
Schiele conheceu estilos desenvolvidos em outros países, participou de inúmeras exposições e
chegou a ter uma tela adquirida pelo governo: em 1917, Retrato da mulher do artista sentada foi
adquirido pela Österreichische Galerie Belvedere (Galeria Estatal Austríaca Belvedere). No
entanto, seu grande reconhecimento veio apenas em seu último ano.
Entre as principais polêmicas de sua obra destaco: a linha tênue entre erotismo e
pornografia, a aplicação de indícios sexuais inclusive em retratos encomendados, as referências à
iconografia católica, aliando-a ao erotismo, e os inúmeros nus infantis, um tabu no período apesar
dos altos índices de prostituição infantil gerados pela pobreza.
Em 1912 ocorreu um dos maiores escândalos de sua vida e carreira, quando passou 24
dias presos por acusações de sedução e rapto de menor. Após a prisão, ficou cerca de meio ano
sem produzir. Durante a sua detenção teria escrito em seus diários:
45

Não nego: fiz desenhos e aquarelas que são eróticos. Mas são sempre obras de
arte - posso dizer isso, e as pessoas que entendem um pouco do assunto
confirmarão com prazer. Outros artistas não produziram quadros eróticos? [...]
Nenhuma obra de arte erótica é uma imundície se é artisticamente significativa;
ela só se torna imundície por meio do observador, quando esse é um imundo. Eu
poderia citar nomes de muitos, muitos artistas famosos, entre eles o de Klimt;
mas não quero me desculpar assim, não seria digno da minha parte. E também
não nego. Mas digo que não é verdade que mostrei tais desenhos
intencionalmente a crianças, que depravei crianças. Isso não é verdade! Apesar
de eu saber que existem muitas crianças depravadas. Mas o que significa
exatamente depravadas? Será que os adultos se esqueceram como eles eram
depravados, quer dizer, como estimulavam-se e se excitavam, sexual e
instintivamente, quando eram crianças? Eles esqueceram como uma paixão
terrível ardia dentro deles e os atormentava, quando ainda eram crianças? Eu não
me esqueci, pois sofri de maneira atroz por causa disso. (SCHIELE, 2009, p.
73).

Esta colocação de Schiele pode ser


correlacionada com o pensamento do precursor
da psicanálise, Sigmund Freud (1856.-1939), que
em suas teorias se baseava na existência da
sexualidade infantil, condição que segundo o
trecho, não passou despercebida e tampouco foi
negada na própria vivência de Schiele.
Em relação à vida na Viena do início do
século XX e ao seu contexto de capital com
conflitos político-sociais contrapostos à ebulição
cultural, é improvável imaginar que não tenha
ocorrido alguma influência do meio sobre a arte
de Schiele – fatos que elucidam alguns pontos de
sua poética, mas que não são fatores
determinantes e únicos para a sua compreensão.
Desde a última década do século XIX a
Figura 5. Autorretrato feito na prisão. metrópole austríaca passava por drásticas
Egon Schiele, 1912
mudanças em sua política, economia e cultura:
foi o locus das primeiras pesquisas psicanalíticas do neurologista e psicanalista Freud; no campo
46

das artes, a consolidação das vanguardas ocorreu em curto espaço de tempo; em termos
urbanísticos Viena passava por uma reforma de caráter modernista.
Por outro lado, Viena tinha uma face menos brilhante e promissora, sendo o coração de
uma política que sofria o risco de desmoronar. Como eixo do Império austro-húngaro,
exemplificava de forma intensa a decadência do sistema político e cultural austríaco. O estilo de
vida de ostentação da nobreza e da alta burguesia confrontava-se diretamente com a dos
imigrantes, que deixavam suas terras natais e encontravam uma situação de pobreza, sujeitando-
se a habitar as periferias da metrópole e a trabalhar em condições insalubres.
Muitos intelectuais, entre eles cientistas e artistas, manifestaram-se sobre os aspectos
negativos que afligiam a sociedade vienense, cada um em seu campo de conhecimento. Entre eles
ressalta-se o nome de Freud, que entre seus escritos dedicou um título inteiro 12 à tensão que
muitos vienenses sentiam às vésperas da Primeira Guerra. A crença na modernidade e em seus
princípios vivenciada pelas altas elites e intelectuais, portanto, começou a ruir dentro da própria
era moderna.
Tendo em vista os indícios de uma dualidade em Viena, pode-se iniciar a visualização de
um quadro no qual o trabalho artístico de Egon Schiele condizia com a realidade vienense da
época: um indivíduo que, vivendo em uma sociedade pré-guerra, produziu uma arte agressiva,
chocante, melancólica, mas não por isso menos bela. Sua obra foi o resultado peculiar da vida de
um ser humano dotado de potencial artístico e inserido dentro de um contexto familiar
conturbado e em uma conjuntura cultural que, apesar de conflitante, apresentou-se propícia à
manifestação das artes da vanguarda:

12
O mal-estar na cultura, publicado em 1930. Apesar da distância temporal entre os fatos aqui pesquisados e o
lançamento da obra em questão, O mal-estar na cultura é continuidade de um pensamento originado em Totem e
Tabu, de 1913, conforme demonstra ENDO; SOUZA (2010, p. 14): “Freud afirmou que Totem e tabu era, ao lado de
A interpretação dos sonhos, um dos textos mais importantes de sua obra e o considerou uma contribuição para o que
ele chamou de psicologia dos povos. De fato, nos grandes textos sociais e políticos de Freud há indicações explícitas
a Totem e tabu como sendo ponto de partida e fundamento de suas teses. É o caso de Psicologia das massas e análise
do eu (1921), O futuro de uma ilusão (1927), O mal-estar na cultura (1930) e Moisés e o monoteísmo (1939)”.
47

O interesse de Schiele em tais temas pesados – expressado mais diretamente em


suas alegorias e suas paisagens – provém em parte da tradição simbolista
exemplificada por seu mentor, Gustav Klimt, e em parte de seus próprios
primeiros encontros com a morte. Como o filho do chefe de estação na cidade
provincial austríaco de Tulln, Schiele tinha desfrutado de uma infância
confortável, mas seu pai sofria secretamente de sífilis. Uma irmã mais velha
morreu, provavelmente da doença, quando Egon tinha três anos, e seu pai
finalmente sucumbiu em 1904, quando o artista tinha quatorze anos. (GALERIE
ST. ETIENNE, 2015).13

Apesar de o início de sua carreira ter sido influenciado pelos secessionistas e por Gustav
Klimt, fato evidenciado pela presença de uma rica ornamentação das roupas de figuras humanas e
em alguns fundos, entre meados de 1910 e 1918 sua produção manteve relação mais direta à
estética com o Expressionismo alemão, sendo o auge dessa tendência em Schiele representado
pelos trabalhos feitos entre 1911 e 1915 (FISCHER, 2007).
Segundo a classificação de estilos artísticos proposta por Roger Cardinal (1988), Schiele
estaria no grupo dos “expressionistas pré-guerra”, os artistas ativos entre 1905-1916, juntamente
com Ernst Kirchner, Emil Nolde, Franz Marc e o também austríaco Oskar Kokoschka 14. Artinger
(2001), por sua vez aponta que no caso austríaco o Expressionismo não desempenhou uma
função enquanto grupo, mas foi representado por dois casos isolados: Schiele e Kokoschka, que
romperam com a tradição de Klimt no plano formal, apesar de permanecerem com a temática do
corpo como forma máxima da expressão.
Tomando Cardinal como referência e adentrando na teoria artística do autor, pode-se
afirmar que na vertente expressionista da Áustria-Hungria entre os artistas havia a preferência por
temas humanos fundamentais como a sexualidade e a morte. Segundo o autor, o corpo em Schiele
é a “expressão do lugar do sofrimento”. (CARDINAL, 1988, p. 41). Aliando a ideia do corpo
como canal legítimo de expressão a alguns fatos biográficos sobre o artista, se pode vislumbrar
uma parcela da intencionalidade nas escolhas de Egon Schiele, vislumbres que apontam o estudo

13
Tradução minha de: Schiele’s interest in such weighty themes – expressed most directly in his allegories and his
landscapes – derived in part from the Symbolist tradition exemplified by his sometime mentor, Gustav Klimt, and in
part from his own early encounters with death. As the son of the stationmaster in the provincial Austrian town of
Tulln, Schiele had enjoyed a comfortable childhood, but his father suffered secretly from syphilis. An older sister
died, probably of the disease, when Egon was three, and his father finally succumbed in 1904, when the artist was
fourteen.
14
Maiores informações no Capítulo 3.
48

do corpo através de inúmeros nus femininos e masculinos, mas ainda assim mantendo como
objeto substancial de estudo a sua própria corporeidade, constituindo assim o autorretrato.
Acerca de seus autorretratos, Marlow (1994) aponta que apesar do fator quantitativo
surpreender em uma análise inicial, a questão primordial na poética de Schiele não gira em torno
da grande quantidade das autorrepresentações, mas sim na intensidade do ato da autorretratação,
fato que o autor denomina como auto-obsessão. A auto-obsessão mencionada por Tim Marlow é
aqui entendida como o fator capaz de diferenciar Egon Schiele de outros autorretratistas
frequentes, ativos ao longo da história da arte até o início do século XX, tais como o holandês
Rembrandt: Schiele aparece representado de diversas formas, do formal ao quase abstrato,
passando pelo alegórico e arquetípico, sendo nem sempre reconhecível em sua aparência,
diversidade que potencializa os seus autorretratos.
Considero que em Schiele o autorretrato torna-se um veículo para a exploração
psicológica e expressão. A pintura é definida tanto catártica como narcisista”15 (MARLOW,
1994, p. 16). Nessa exploração árdua das possibilidades de representação de seu corpo, Schiele
apareceu em muitos aspectos, tornando a sua própria imagem um veículo de experimentação
expressiva e psicológica.
Um dos exemplos mais emblemáticos de seus “disfarces” em autorretratos é o quadro
Morte e donzela, sobre o qual autores como Fischer, Steiner e Marlow indicam se tratar de um
autorretrato no qual Schiele surge metamorfoseado de Morte, para abraçar uma última vez a sua
ex-companheira e modelo Wally Neuzil (Valerie Nuezil), de quem estava se separando em 1915
para se casar com outra mulher, Edith Harms. Marlow foi além em sua leitura biográfica e
aproximou esta obra de Schiele à composição de uma tela realizada também em um contexto
amoroso turbulento, A noiva do vento (A tempestade), do compatriota de Schiele, Oskar
Kokoschka.
Tanto em A tempestade quanto em Morte e donzela, os casais estão rodeados por massas
pictóricas que podem ser interpretados tanto como lençóis quanto como abstração. Toda a
atmosfera em torno das duas pessoas é turbulenta e disforme; no caso do quadro de Schiele, o

15
Tradução minha de: Even in large allegorical compositions and other formal portraits, Schiele appears in various guises... The
self becomes a vehicle for psychological exploration and expression. […] Painting is both cathartic and narcissist. (MARLOW,
1994, p. 16)
49

abraço é visto em perspectiva superior às figuras, tendo a sua tensão expressa pela figura da
Morte encarnada pelo próprio artista. Assim, tanto em Schiele como em Kokoschka o encontro
dos amantes não é pacífico e presume um final melancólico.

Figura 6. De cima para baixo: Morte e donzela. Schiele, 1915;


A tempestade. Oskar Kokoschka, 1914

As observações propostas por Tim Marlow entre Kokoschka e Schiele não foram as
primeiras a serem feitas entre ambos os artistas, tampouco serão as últimas comparações do
50

gênero. No entanto, Jane Kallir (2005, p. 31) desmistifica as teorias de que Schiele copiou o
estilo de retrato de Oskar Kokoschka, apontando que o pintor vienense Max Oppenheimer (1885-
1954), também conhecido como Mopp, teria sido uma grande influência para a marcante
gestualidade nos retratos de Egon, sendo que Schiele teria inclusive convidado Oppenheimer para
trabalharem juntos.

Figura 7. Da esquerda para a direita: Retrato de Max Oppenheim, Egon Schiele, 1910. Retrato de Egon Schiele,
Max Oppenheim, c. 1910

A autora ainda aponta que não há relatos de que ambos, Schiele e Kokoschka, tenham se
conhecido pessoalmente, e que nenhum dos retratos de Kokoschka produzidos entre 1909 e 1910
foram expostos em Viena antes de 1911.

1. 2. Legado pós-Guerras e recepção contemporânea

Para adentar no assunto da recepção da obra de Egon Schiele durante a sua vida e depois
de sua morte, recorro à 2ª edição de 2009 de Utopia do gosto, obra do Prof. Dr. Waldenyr Caldas.
O autor se propôs a “discutir o estatuto social do gosto” (CALDAS, 2009, p. 159) por meio do
conceito de estratificação: existem níveis de gosto, assim como níveis culturais – burguesia,
51

classe média e proletariado possuem culturas e valores estéticos próprios, que, no entanto, podem
ser assimilados pelo outro estrato social. Apesar de tratar em seu livro de muitos exemplos sobre
literatura e a recepção pelo público, a análise de Caldas também pode ser aplicada para a
compreensão do contexto nas artes plásticas do século passado.
Da obra de Caldas, o aspecto que mais interessou à pesquisa foi a sua explicação para o
fenômeno da identificação das classes com os estratos a elas superiores na escala social: por
tradição, a classe média nunca desejou qualquer espécie de identidade com o proletariado, sempre
procurando aproximação e identidade de classe com a burguesia, a detentora do poder, e em
todos os planos, historicamente falando, foi assim. A classe pode não ter o mesmo poder de
acesso e de consumo dos que estão acima, mas com a apropriação de determinados objetos e
práticas, procura se envolver de atributos de valorização do status social – os objetos artísticos
estariam, assim, inseridos nas práticas de ascensão e legitimação.
Para Caldas, apesar de claramente localizada no estrato entre burgueses e proletários, a
classe média é uma faixa muito ampla e pouco definida, abrangendo desde uma parcela do clero
até os artistas e os intelectuais (CALDAS, 2009). Embora haja a dificuldade de definição da
mesma, o autor apontou que o consumo e o gosto estético-cultural de determinados segmentos da
classe média são identificáveis com maior precisão.
Apropriando-se de objetos com valor estético semelhante ou reproduções desses objetos,
as classes baixas da burguesia buscam a respectability, a elevação do status social através do
consumo (CALDAS, 2009). Isto ocorre porque os objetos, além de suas funções, formas e
características estéticas, têm também como atributos as significações sociais. As classes mais
altas têm acesso às novidades e aos melhores benefícios materiais. Assim, em uma condição de
elitismo estético, tudo a ela relacionado é facilmente definido como de bom gosto, erudito e belo
pela maioria das pessoas (CALDAS, 2009). Em um processo de interpenetração cultural, a
sociedade mais baixa se apropria daquilo que lhe está ao alcance das camadas mais altas, e os
reelabora enquanto valores culturais, atribuindo a si mesma parte dos valores positivos desejáveis
da camada apreciada. Reelaborados os hábitos e objetos, eles se tornam produtos desse outro
meio social (CALDAS, 2009).
Tendo em vista as informações biográficas levantadas, assim como os conteúdos
históricos sobre Egon Schiele em Viena e o perfil dos primeiros colecionadores de obras do
52

artista, pode-se admitir que parte de sua produção artística foi destinada, como objeto de venda,
para a burguesia imperial e para a classe média mais elevada: entre 1915 e 1918 o artista passou
por um período de estabilidade maior em sua carreira, já tendo consolidado uma clientela fixa
entre burgueses colecionadores de arte e industriais, que o procuravam por suas alegorias e
retratos. No entanto, cabe apontar que suas obras antes de 1915 podem ser divididas em outros
dois grupos: nus eróticos e produções mais aproximadas ao design da Wiener Werkstätte. Essas
duas primeiras fases de criação dizem respeito ao consumo de um público de poder aquisitivo
mais limitado do que aquele observado pelo perfil dos clientes do artista nos últimos três anos de
sua vida. Dessa forma, pode-se apontar que os trabalhos de Egon Schiele estiveram inseridos no
processo de interpenetração cultural explicado por Caldas.
Na atualidade e com a aproximação dos 100 anos de morte de Egon Schiele, seu nome
permanece no hall dos grandes da cultura austríaca. Uma de suas defensoras mais renomadas e
enfáticas é Jane Kallir, especialista em sua obra e neta do colecionador e galerista austríaco Otto
Kallir. Sobre a recepção do artista, J. Kallir escreveu o artigo “Otto Kallir and Egon Schiele”,
originalmente realizado em 2005 para o Neue Galerie New York, porém também disponibilizado
no site oficial da Galerie St. Etienne. Nele, trata de pocisionar o artista no contexto do mercado
atual de arte e no setor de pesquisas, inicialmente enfatizando a grande quantidade de publicações
sobre o mesmo e os altos valores que suas obras atingem na atualidade:

[...] Uma das manifestações mais concretas da próspera reputação de Schiele


pode ser encontrada em sua volumosa bibliografia. Meu catálogo raisonné dos
anos 1990 foi citado em 200 publicações significativas e em 225 grandes
exposições, e o desfile de livros e mostras desde então marcadamente acelerou
seu ritmo. Uma recente pesquisa de publicações sobre Schiele no Amazon.com
rendeu mais de 800 itens. Além disso, numa época em que os valores estéticos e
de mercado tornaram-se inextricavelmente interligados, os preços de Schiele já
igualaram ou superaram os de muitos artistas franceses, que antes dominavam a
visão de modernismo da América. (KALLIR, 2005, sem página, tradução
minha). 16

16
Tradução minha de: [...] One of the most concrete manifestations of Schiele’s flourishing reputation can be found
in his voluminous bibliography. My 1990 Schiele catalogue raisonné cited 200 significant publications and 225
major exhibitions, and the parade of books and shows has since markedly quickened its pace. A recent search for
Schiele publications on Amazon.com yielded over 800 items. Moreover, at a time when aesthetic and market values
have become inextricably intertwined, Schiele prices have now equaled or surpassed those of many French artists
who once dominated America’s view of modernism.
53

A pesquisadora e galerista prosseguiu no seu artigo mencionando que essa recepção


positiva não lembra a forma como o artista foi visto durante sua vida ou nas primeiras décadas
após seu falecimento. Dentro da revalorização do artista, a Galerie St. Etienne foi uma das
principais responsáveis pela construção da fama e do reconhecimento da obra de Schiele em
território norte-americano. Seu fundador, Otto Kallir (1894-1978)17, conheceu o trabalho de Egon
Schiele durante a Primeira Guerra, por meio do crítico de arte Max Roden. Inclusive, a própria
criação da St. Etienne se relaciona com a paixão de Kallir pelas obras do artista. Otto Kallir
chegou a se comunicar com Schiele para encomendar um retrato, mas, na ocasião, não tinha
dinheiro suficiente para concluir a negociação. A neta de Kallir deduziu, portando, que a
oportunidade perdida foi compensada ao longo da vida do avô por meio das tentativas de
perpetuar a obra de Egon Schiele.
No ano de 1922, Otto Kallir era um proprietário de uma editora de livros de luxo e lançou
uma carteira de gravuras e litografias de Egon Schiele. No ano seguinte, abriu sua primeira
galeria em Viena com uma grande retrospectiva do artista. Em 1930, Otto também foi o autor do
primeiro catálogo raisonné de pinturas a óleo de Schiele, atualizado em 1966 com a adição de
gravuras. Esse catálogo tornou-se importante fonte de documentação após os saques, destruções e
desvios de obras pelos nazistas, demonstrando como a família Kallir, desde os primeiros contatos
com a obra se Schiele, apresentou-se como um importante elo entre o artista e a
contemporaneidade.
Localizada na 24 West 57th Street em Nova Iorque, a Galerie St. Etienne foi fundada em
1939 por Otto Kallir após a sua saída de Europa. Atualmente, em substituição a seu fundador, a
direção é dividida entre o sócio Hildegard Bachert e a herdeira Jane Kallir. É a mais antiga das
galerias norte-americanas especializadas em expressionismo e em arte autodidata, sendo a
sucessora da extinta Neue Galerie de Viena, inaugurada em 1923 e fechada em 1938 devido à
invasão nazista à Áustria. Além de ter sido a primeira a promover uma retrospectiva póstuma de
Egon Schiele, a Neue Galerie era também a representante exclusiva de artistas como Alfred
Kubin e Oskar Kokoschka.

17
Cujo verdadeiro nome era Otto Nirenstein. A troca de nomes se deu com a saída do galerista da Europa, fugindo
da perseguição contra judeus.
54

O primeiro passo para a aceitação de Egon Schiele nos EUA foi a inclusão do artista na
exposição Saved from Europe (Salvos da Europa), aberta no verão americano de 1940 e
idealizada por Otto Kallir, judeu recém imigrado da Áustria sob ocupação nazista. Como a mídia
norte-americana fazia forte propaganda contra os nazistas, a opinião dos críticos sobre a
exposição se dividiu entre boa recepção e desconfiança contra a arte dos então domínios do
Nacional Socialismo:

[...] Boa parte destas telas dos respeitáveis europeus definitivamente valem a
pena salvar da ameaça de desastre na Europa, de onde elas vieram recentemente
a este país", observou um crítico do New York Herald Tribune. "Nós não
estamos tão certos, porém, que aqui a recepção para as pinturas de Schiele e
Klimt será tudo o que pode ser esperado para elas. É difícil despertar entusiasmo
neste momento para artistas tão pouco conhecidos e apreciados aqui, e muitos
anos se passaram desde a cena contemporânea na Europa. (KALLIR, 2005, sem
página, tradução minha). 18

Assim, a nota do New York Herald Tribune em ocasião da Saved From Europe denotava o
pensamento da crítica e mercado artístico nos anos 40: tudo que ainda estivesse de algum modo
vinculado ao Nazismo não seria visto com bons olhos pelos norte-americanos. Por esse motivo,
Otto Kallir promoveu as primeiras vendas de obras de Egon Schiele por preços bem abaixo do
mercado:

[...] Por isso, ele pediu em torno de US$ 20 para cada desenho, e US$ 60 para as
aquarelas (cerca de US $ 225 e $ 700, respectivamente, em dólares atuais).
Ainda assim, apenas um trabalho foi vendido: uma pequena pintura a óleo por
US$ 250 (hoje cerca de $ 2.800) a um colecionador refugiado, que liquidou o
saldo ao longo de um ano e meio, em parcelas mensais de $13. A grande venda
foi a compra em lote, em 1944, de doze trabalhos em papel de Schiele, por um
total de US$ 270 (hoje cerca de US$ 3.000), por um comerciante alemão
refugiado. [...] (KALLIR, 2005, sem página, tradução minha). 19

18
Tradução minha de […] “A good many of these canvases by reputable Europeans are definitely worth saving from
the threat of disaster in Europe, whence they recently have come to this country,” noted a reviewer in the New York
Herald Tribune. “We are not so sure, however, that the reception here to the paintings of Schiele and Klimt will be
all that may be expected for them. It is difficult to awaken enthusiasm at this time for artists so little known and
appreciated here and for many years passed from the contemporary scene in Europe.” (KALLIR, 2005).
19
Tradução minha de: [...] Consequently, he asked around $20 each for drawings, and $60 for watercolors (roughly
$225 and $700 respectively in present-day dollars). Still, only one work sold: a small oil painting for $250 (today
about $2,800) to a refugee collector who paid off the balance over a year and a half in monthly installments of $13.
A big sale was the bulk purchase, in 1944, of twelve Schiele works on paper for a total of $270 (now approximately
$3,000) by a German refugee dealer. [...] (KALLIR, 2005).
55

Salienta-se que as cotações foram realizadas


por Jane Kallir em 2005. A autora ainda
indicou que as baixas vendas de Schiele
refletiam de um lado a atitude antigermânica, e
também resultavam da condição econômica
provocada pela Depressão de 1929.
O fracasso da mostra de 1941 foi
relativamente superado por outra exposição
dedicada a Egon Schiele, dessa vez realizada
em 1948. Acabada a Segunda Guerra, o
comércio e relações com a Europa se
reestabeleceram, o que propiciou a Kallir a
localização de antigos colecionadores de
Schiele e de obras que estavam detidas em
Figura 8. Retrato de Paris von Gütersloh. Paris desde 1939. A nova exposição, portanto,
Egon Schiele, 1918
foi uma retrospectiva mais abrangente, pois
contou com material de paradeiro até então desconhecido, tornado público graças ao
conhecimento e ao catalogue raisonné realizado por Kallir nos anos 1930. Um dos destaques foi
justamente uma das telas encontradas na França, o Retrato de Paris von Gütersloh.
A tela, pintada no último ano de vida de Egon Schiele, foi importante para se
compreender parte da aceitação de Schiele nos EUA, pois se tornou a primeira obra do artista a
ingressar no acervo de um museu norte-americano. A compra foi concluída em 1951 pela
McMillan Land Company; posteriormente doada ao Minneapolis Institute of Arts, em 1954. A
aquisição e cobertura da mídia sobre essa obra finalmente abriram espaço para uma melhor
aceitação de Schiele. Uma nova mostra, dessa vez em 1957, não foi apenas sucesso de crítica,
como também trouxe o tão esperado retorno financeiro ao qual Otto Kallir aspirava há 16 anos:
56

Os preços de Schiele tinham subido quase dez vezes desde o início da década de
1940, e mais do que duplicaram desde o início dos anos 50. Os valores de 1957
variavam de US $280 a US$600 para aquarelas, e US$ 100 a US$ 400 para os
desenhos não coloridos. Pela primeira vez, um número significativo de
colecionadores americanos natos constava entre os clientes de Schiele da galeria.
No entanto, uma boa porcentagem dos compradores tinha antecedentes
austríacos ou alemães: eram refugiados que finalmente tinham prosperado em
sua terra adotada, ou que tinham laços familiares ou profissionais com a Europa
Central. [...] (KALLIR, 2005, sem página, tradução minha). 20

Jane Kallir continuou o seu artigo apontando como a exposição de 1957 foi apenas o
marco inicial de uma tendência que perdura até a contemporaneidade, a compra cada vez mais
valorizada de obras de Egon Schiele:

Provavelmente há várias razões para esta tendência de colecionar Schiele em


massa, que remonta aos primeiros patronos do artista e continua até os dias
atuais. Embora o período produtivo maduro de Schiele tenha durado menos de
nove anos, sua obra se divide em tantas fases de desenvolvimento distintas e
inclui tal variedade de assuntos, que é preciso um corte transversal
representativo para cobrir verdadeiramente a obra do artista. E enquanto Schiele
não é para todos os gostos, aqueles que o apreciam tendem a se engajar com
paixão. A natureza viciante de colecionar Schiele pode ser uma das razões
porque o seu mercado, uma vez estabelecido, expandiu de forma relativamente
rápida. (KALLIR, 2005, sem página, tradução minha). 21

Em, 1961 uma parceria entre Kallir e o Solomon R. Guggenheim Museum em Nova
Iorque promoveu a primeira exposição dedicada simultaneamente a Egon Schiele e a Gustav
Klimt: a visibilidade norte-americana havia aumentado não apenas para Schiele, mas para toda a
produção austríaca da qual foi contemporâneo.
Por fim, constatei que as contribuições de Otto Kallir e da sua Galerie St. Etienne não se
limitaram somente à documentação e à incursão do artista no circuito não europeu. Alessandra
20
Tradução de: [...] Schiele prices had risen nearly tenfold since the early 1940s, and more than doubled since the
early ‘50s. The 1957 values ranged from $280 to $600 for watercolors, and $100 to $400 for uncolored drawings.
For the first time, a significant number of American-born collectors numbered among the gallery’s Schiele clients.
However, a good percentage of the buyers had Austrian or German backgrounds: they were refugees who had finally
made good in their adopted land, or they had family or professional ties to Central Europe. [...] (KALLIR, 2005).
Valores estabelecidos pela autora em 2005.
21
Tradução minha de: There are probably several reasons for this tendency to collect Schiele in masse, which dates
back to the artist’s earliest patrons and continues to the present day. Although Schiele’s mature productive period
spanned less than nine years, it is divided into so many distinct developmental phases and includes such a variety of
subjects that one needs a representative cross-section to truly cover the artist’s oeuvre. And while Schiele is not to
everyone’s taste, those who appreciate him tend to become passionately engaged. The somewhat addictive nature of
Schiele collecting may be one reason why his market, once established, expanded relatively rapidly (KALLIR,
2005).
57

Comini e James Demetrion foram exemplos de pesquisadores que se formaram graça a bolsas de
estudos oferecidos por Otto Kallir. Ambos contribuíram com ensaios para o catálogo do
Guggenheim Museum, e prosseguiram com suas respectivas pesquisas sobre Egon Schiele:
Comini viajou a Viena e entrevistou pessoas que haviam convivido com o artista; sua tese de
doutorado de 1974, intitulada Egon Schiele’s portraits, foi a primeira grande biografia escrita
sobre Schiele. Já Demetrion em 1971, sob o cargo de diretor do Des Moines Art Center, nos
Estados Unidos, organizou a exposição Egon Schiele and human form.
Após a morte de Egon Schiele, seu círculo pessoal gradativamente reuniu aquilo de mais
acessível de sua obra, aquelas que estavam com a família, os amigos e os colecionadores que
optaram por doá-las ou vendê-las. No entanto, parte significativa de suas criações estava – e
ainda permanece – em coleções privadas ou em destino desconhecido. Por esses motivos, em
1981, foi fundada na Tulln, cidade natal de Schiele a Sociedade Internacional Egon Schiele
(Internationale Egon Schiele-Gesellschaft)22, que assumiu a tarefa de catalogar a obra e tudo
relacionado sobre a vida do artista, tendo suas atividades focadas principalmente na investigação
e documentação.
Tulln passou por mudanças consideráveis desde 1990, quando houve a inauguração do
Egon Schiele Museum por ocasião do centenário de nascimento do artista. A instituição fica na
Bahnhofstraße 69, 3430, Tulln. Promovendo o turismo por meio não somente da arte de seu filho
mais famoso, mas também por meio da ênfase em acontecimentos de seu passado particular, em
2013, a iniciativa local engendrou a institucionalização e a abertura do local de nascimento do
artista. Em 2014, as ações turísticas foram complementadas com o “Caminho Egon Schiele”,
proposta que oferece aos visitantes uma “aproximação” à infância do artista por meio de uma
caminhada em torno da cidade. 23
Apesar de iniciativas privadas para criação de museus que levam o nome do artista, é o
Leopold Museum, em Viena, que reune o maior e mais diversificado acervo de Schiele. A
instituição conta com nada menos que 41 pinturas e 188 trabalhos em papel do artista, tendo sido
o responsável pela publicação bilingue (alemão/inglês) do diário ilustrado de Schiele na prisão.

22
Apesar da existência de espaços culturais com o seu nome, a maioria dos trabalhos em papel do artista estão na
Sammlung Albertina, em Viena.
23
Descrições presentes no site do Egon Schiele Museum.
58

Em paralelo à construção de instituições de arte para preservação da memória, Egon


Schiele está presente na contemporaneidade por meio de sua influência em artistas das mais
diversas linguagens. Um exemplo é a performance Pass the Blutwurst, Bitte, idealizada e
executada por John Kelly em 1984, 1986, 1995 e 2010 em Nova Iorque.

Figura 9. Cenas de Pass the Blutwurst, Bitte. John Kelly, 2010

Em Pass the Blutwurst, Bitte, John Kelly interpretou as passagens da vida de Schiele,
artista cujas obras conheceu nos anos 1970 durante seus estudos na Parson’s School of Design:

As cenas que Kelly adicionou ao original elaboram as relações de Schiele com mulheres.
Primeiro veio Wally, uma jovem mulher que ele conheceu na escola de arte e que se
tornou sua modelo e amante. Em seguida, após a sua libertação da prisão e uma posterior
mudança para um novo local, Schiele perseguiu uma jovem mulher mais respeitável,
Edith, que mais tarde se tornou sua esposa e mãe de seus filhos. Aqueles familiarizados
com pinturas e a vida de Schiele poderiam ter reconhecido em Morte e Donzela, a
expressão do desejo do artista de manter Wally, apesar de seu novo estado civil. [...]
(FELLER, 2015). 24

Das artes plásticas, podem ser citados quatro trabalhos contemporâneos em referência a
Egon Schiele. O primeiro deles, a escultura representativa de Egon Schiele executada em aço por
Al Farrow em 1990. A obra mede 1,85 de altura e apresenta um rosto caricato, porém
visualmente similar ao do artista vienense, equilibrado por uma haste de aço. O destaque da obra
fica para a face pintada ao estilo dos retratos de Egon Schiele por volta de 1915.

24
Tradução minha de: The scenes Kelly added to the original elaborate on Schiele’s relationships with women. First
came Wally, a young woman he met in art school who became his model and lover. Then, after his release from jail
and an eventual move to a new place, Schiele pursued a more reputable young woman, Edith, who later became his
wife and the mother of his children. Those familiar with Schiele’s paintings and life might have recognized Death
and the Maiden, expressive of the artist’s desire to hold onto Wally despite his new marital status. […] (FELLER,
2015).
59

Figura 10. Egon Schiele. Al Farrow, 1990

O segundo trabalho em referência a Schiele é a capa do LP Heroes, de David Bowie. Na


fotografia de 1977, Bowie estava em pose mímica estática, assim como algumas fotografias de
Egon Schiele tiradas pelo seu cunhado e amigos.

Figura 11. Egon Schiele em 1914 e David Bowie em 1977. Fotógrafo: Anton Peschka, 1914; Fotógrafo:
Masayoshi Sukita, 1977

Vale recordar a amizade que Schiele tinha por artistas cênicos por volta de 1912, com os
quais aprendeu e se apropriou de algumas posturas da mímica. Em uma entrevista para
60

divulgação de Heroes, David Bowie relatou a sua estadia em Berlin para um “retiro criativo”,
ocasião na qual entrou em contato com artistas de diversas linguagens para reformulação de sua
própria carreira.
Uma terceira obra de destaque é a série de esculturas de Lucretia Schmidt, diretamente
baseadas de autorretratos de Egon Schiele. Fato interessante sobre a artista foi a experiência de ter trabalhado por
cerca de um ano no Madame Tussauds Museum em Londres, conhecido por suas réplicas de
personalidades em figuras de cera.

Figura 12. Obras finalizadas e uma das peças em processo criativo. Lucretia Schmidt, data desconhecida

O artista foi tema também de obras literárias, musicais e audiovisuais. O primeiro filme
sobre Egon Schiele foi Egon Schiele – Exzess und Bestrafung, traduzido no Brasil como Excesso
e Punição. A obra de 1 hora e 29 minutos foi lançada em 1981, sendo uma coprodução realizada
por profissionais alemães, franceses, ingleses e austríacos. Foi dirigida pelo vienense Herbert
Vesely (1931-2002) e protagonizado pelo ator alemão Mathieu Carrière. A cinebiografia começa
a contar a história do artista a partir de 1912, ano em que foi preso, sendo essa detenção um dos
grandes eixos narrativos do filme.
61

Figura 13. Mathieu Carrière como Egon Schiele em Excesso e punição. Reprodução do filme em dvd, 2016

Uma nova cinebiografia em produção é “Egon Schiele: Tod und Mädchen” (Egon
Schiele: Morte e Donzela, ainda sem tradução para o Português). O título faz referência à tela
homônima de Schiele datada de 1915. Em fase final de produção, o filme tem sua data de estreia
na Áustria a partir de novembro de 2016, sendo a obra dirigida pelo também vienense Dieter
Berner e com participação do ator Noah Saavedra como Egon Schiele.
Cabe ainda apontar a “participação” de Schiele na cinebiografia de seu mentor Gustav
Klimt: Klimt, de 2006 foi escrito e dirigido pelo chileno Raoul Ruiz (1941-2011) e trouxe Nikolai
Kinski como Schiele e o astro John Malkovich como Klimt.

Figura 14. John Malkovich e Nikolai Kinski em Klimt. Reprodução do filme em dvd, 2016

No universo musical Egon Schiele também foi relembrado. Em 1996 o grupo instrumental
norte-americano Rachel’s (1991-2012) lançou o seu segundo album, intitulado Music for Egon
62

Schiele. A obra foi composta para a peça Egon Schiele dirigida por Stephan Mazurek, executada
e gravada em maio de 1995 no Itinerant Theater Guild da University of Illinois Chicago. O LP
de 47 minutos contava com 12 canções relativas a passagens marcantes da vida de Schiele,
dispostas na seguinte ordem e tempo:

1. Family Portrait – 5:41


2. Egon & Gertie – 3:02
3. First Self-Portrait Series – 3:47
4. Mime Van Osen – 3:05
5. Second Self-Portrait Series – 2:30
6. Wally, Egon & Models in the Studio – 4:41
7. Promenade – 8:24
8. Third Self-Portrait Series – 2:23
9. Trio Goes to a Movie – 2:41
10. Egon & Wally Embrace and Say Farewell – 3:09
11. Egon & Edith – 2:55
12. Second Family Portrait – 4:45

O vienense foi também uma inusitada inspiração para um romance brasileiro. O Espelho
de Egon (Uma História Reflexiva) foi o livro de estreia de Horácio Soares, lançado em 2000 pela
editora Rocco no Brasil. O núcleo principal da história, um romance policial com aspirações ao
estilo de Nelson Rodrigues, passava-se no Rio de Janeiro e envolvia o roubo de obras de Egon
Schiele.
Uma das homenagens contemporâneas a Schiele aqui citada pertence a uma área bastante
diversa da arte, a astronomia. Egon Schiele, em 13 de outubro 1996, foi homenageado pelos
astrônomos Jana Tichá e Miloš Tichý, que recém tinham descoberto um novo asteroide, o
intitulado 11338 Schiele.
63

Figura 15. Órbita de 11338 Schiele, exterior à órbita de Marte. Site Planety, 2016

Por sua vez, da primeira década dos anos 2000 consta uma retomada de Egon Schiele que
contou com a participação da célebre artista Marina Abramovic.

Figura 16. Performance inspirada em Egon Schiele. Divulgação, 2005


64

Entre março e junho de 2005 ocorreu a primeira retrospectiva de Egon Schiele nos Países
Baixos, realizada nas dependências do Van Gogh Museum de Amsterdã, em colaboração com a
Albertina Sammlung de Viena. Além de obras do artista, a mostra ainda contou com
performances e apresentações de dança coordenadas pela artista performática Marina Abramovic
e pelo Dansgroep Krisztina de Chatel.
Apesar das muitas e diversificadas referências ao artista nas obras da nossa
contemporaneidade, a imagem de Egon Schiele ingressou à era atual não apenas por meio da
revalorização de sua arte, mas também das descobertas do passado nazista. Como caso
emblemático destaco a briga judicial transcorrida entre 1998-2010 pela posse do quadro Retrato
de Wally Neuzil, atualmente sob guarda do Leopold Museum de Viena.
Inicialmente, a tela de 1912 pertenceu à comerciante judia Lea Bondi Jaray, que fugiu de
Viena para Londres em 1939. A disputa começou em 1997, quando o Leopold Museum
emprestou a obra em questão ao Museum of Modern Art (MoMa) em Nova Iorque. Em 1999 o
governo dos Estados Unidos confiscou a tela, alegando que ela fora roubada de Lea Bondi Jaray
pelo nazista Friedrich Welz, e importada pelo Leopold Museum em violação às leis dos EUA.

Figura 17. Retrato de Wally Neuzil. Egon Schiele, 1912


65

Com base nas provas apresentadas durante o processo, o Tribunal Distrital dos Estados
Unidos concluiu em 2009 que a pintura era de fato um patrimônio particular de Lea Bondi Jaray e
seus descendendes e que fora dela roubada nos anos 1930 por Friedrich Welz.
O Tribunal constatou também que a pintura tinha sido apreendida de Welz pelas Forças
norte-americanas na Áustria depois da Guerra e entregue em 1947 ao Escritório Federal
Austríaco de Preservação de Monumentos Históricos (Bundesdenkmalamt), juntamente com
outras pinturas que Welz tinha adquirido do Dr. Heinrich Rieger, um colecionador de arte judeu
que havia perecido durante o Holocausto. Todas as obras foram incluídas em um mesmo lote de
patrimônios e devolvidos aos herdeiros de Rieger na década de 1950, inclusive o “Retrato de
Wally”.
Erroneamente atribuída ao patrimônio de outra família, a tela de Egon Schiele foi vendida
para o Austrian National Gallery Belvedere, que em 1954 iniciou negociações para revendê-lo ao
Dr. Rudolf Leopold: finalmente em 1994 a obra foi transferida para o Leopold Museum. Apesar
de reconhecida a posse oficial aos herdeiros de Lea Bondi, o “Retrato de Wally Neuzil” está sob
condição de empréstimo ao Leopold Musuem, que entrou em acordo com os proprietários e com
o governo americano.
Depois de elaborar uma visão geral da recepção de Egon Schiele nas décadas posteriores a
sua morte, a sua aceitação nos EUA e a recente tendência de revisão histórica e judicial acerca da
posse de obras do artista, alguns delas com paradeiros nebulosos, cabe agora abordar o contexto
da presença de sua obra em nosso país, representada pela existência de um trabalho aqui chegado
após o nazismo.

1.3. Uma raridade no Museu Lasar Segall

Conforme mencionado na apresentação, Egon Schiele foi um criador de ritmo intenso


durante a sua curta vida e carreira. Da extensão de sua obra, meus anos de pesquisa acerca do
artista me levam a identificar cinco grandes eixos temáticos: maternidades alegóricas, retratos da
sociedade, paisagens outonais, nus eróticos e autorretratos. Dentre eles, um eixo que fortemente
despertou minha atenção como pesquisadora e instaurou o desejo de aprofundar nos seus
mistérios foi o de autorretratos.
66

Figura 18. Autorretrato.


Egon Schiele, 1910/1912
67

Conforme mencionado na apresentação, Egon Schiele foi um criador de ritmo intenso


durante a sua curta vida e carreira. Da extensão de sua obra, meus anos de pesquisa acerca do
artista me levam a identificar cinco grandes eixos temáticos: maternidades alegóricas, retratos da
sociedade, paisagens outonais, nus eróticos e autorretratos. Dentre eles, um eixo que fortemente
despertou minha atenção como pesquisadora e instaurou o desejo de aprofundar nos seus
mistérios foi o de autorretratos.
Assinado pelo artista e datado de 1912, o autorretrato de técnica mista 25 de Egon Schiele é
até os dias de hoje a única obra do artista26 catalogada em um museu brasileiro – e possivelmente,
a única no Brasil.
Exibida no final de 2010 pelo Museu Lasar Segall, em seus 45,5 por 25,55 cm de
dimensão, a peça intitulada Autorretrato mostra um magro – ou quase esquelético – Egon Schiele
em pé, representado nu da cabeça até metade das coxas, posando sob um fundo pardo da cor do
próprio suporte.
Como o usual em seus trabalhos desde que abandonou os estudos acadêmicos, o corpo
humano sob os pinceis, carvões e lápis é ilustrado em uma posição que pode ser entendida no
sentido restrito de pose ou postura intencional, estudada e previamente ensaiada. A torção do
braço direito, que termina em uma longa mão agarrada à cabeça, realça a sensação de
expressividade da obra: tensiona os músculos de aparência frágil e desestabiliza a composição
visual, equilíbrio que é parcialmente compensado pelo acréscimo do outro braço, estendido e
inacabado na altura do cotovelo.
O centro do suporte não coincide com o centro ótico da imagem, então mais uma vez o
observador é convidado a passear os olhos pela aquarela. Ao longo de todo o corpo as cores não
coincidem com a realidade. Sobre a pele há camadas de verde, amarelo e laranja, que se
condensam no rosto do artista, nos mamilos e no sexo – as zonas eróticas recebem destaque
cromático tanto quanto a face. Saliento que em Autorretrato, assim como outros trabalhos em
papel realizados entre 1910 e 1912, Schiele não apresentou preocupação com focos
arquitetônicos, sendo o centro total do grafismo o corpo humano em um elogio ao orgânico.

25
Aquarela e crayon sobre papel de embrulho marrom (kraft).
26
Segundo entrevista cedida por Jorge Schwartz, diretor do museu: "... trata-se do único quadro de Egon Schiele
pertencente a um acervo de museu brasileiro e, ao que se saiba, o único Egon Schiele do Brasil". (O GLOBO, 2011,
s/n).
68

Nestes autorretratos, o artista não negou a fragilidade da condição humana, com a sua degradação
e a perspectiva da morte física, tal como um memento mori personificado, a nos lembrar que
todas as coisas vivas têm um destino marcado, o fim gradativo.
Em termos de paleta há a predominância daquilo que denomino como “cores de outono”,
tons terrosos e orgânicos tais como marrons, ocres, amarelos e verdes, característica marcante dos
trabalhos de Schiele, sendo esse tratamento pictórico presente dos seus retratos até as suas
paisagens: uma paleta que remete à decadência, à decomposição e ao clima outonal. Para melhor
visualização das partes que constituem a paleta do trabalho em questão recorri à plataforma
online disponibilizada pelo site Colour lovers:

Figura 19. Paleta de cores decomposta em Autorretrato

Na parte inferior direta se vê a assinatura do artista e a data 1912, escrita a lápis. Há


também, na borda inferior direita, uma segunda marcação a lápis semelhante a um arabesco,
possivelmente outro indício de autoria deixado pelo artista.
69

Figura 20. Da direita para esquerda: Assinatura e data. Símbolo e faixas de clareamento nas margens

Através de visualizações feitas pessoalmente ou por meio da reprodução fotográfica em


alta resolução cedida pela equipe do Museu Lasar Segall foi possível observar que
“Autorretrato”, hoje com mais de 100 anos, apresenta pontos de degradação do suporte,
principalmente nas áreas ocupadas pelo corpo representado, com maior predominância no braço
estendido à direita: há a possibilidade de que a degradação nas áreas pintadas tenha sido causada
pela reação dos pigmentos. Há também em todas as margens finas faixas de tom mais claro do
que o restante do papel, marcas que podem indicar que a obra anteriormente foi emoldurada.

Figura 21. Detalhe de Autorretrato com destaque para os pontos de desgaste da obra

O fragmento fotográfico da aquarela é também a imagem de capa e o destaque do


catálogo de 160 páginas lançado pelo Museu Lasar Segall em ocasião da mostra na qual
Autorretrato foi mostrado ao público e à crítica brasileira pela primeira vez. Intitulada Verdade,
fraternidade, arte: Secessão de Dresden: grupo 1919 e contemporâneos, a exposição ocorreu de
20 de novembro de 2010 a 20 de fevereiro de 2011 no museu.
70

Apesar de parte significativa da ênfase da mídia sobre a mostra ter se voltado para a obra
de Egon Schiele, devido à unicidade da ocasião, o foco proposto englobava cerca de outras 50
obras de artistas como Otto Dix (1891-1969), participantes da comunidade artística Secessão de
Dresden – Grupo 1919, cujo lema era “Verdade, fraternidade, arte”.
Desse grupo, definido por Vera D’horta (2015) como a segunda geração de
expressionistas europeus, Oskar Kokoschka ingressou como artista convidado. As artes gráficas
eram valorizadas dentro do movimento, sobretudo a gravura, o que resultou na edição de um livro
impresso com as temáticas habituais do grupo, que buscava sempre na natureza e no primitivo do
homem, aquilo de mais essencial que existe em cada homem não afetado pela cultura. Egon
Schiele foi incluído na mostra do Museu Lasar Segall não apenas por ter sido contemporâneo dos
artistas da Secessão de Dresden, mas por ter sido inspiração para alguns deles: “Uma
sensibilidade aberta à arte internacional permitiu que se espelhassem em personalidades como o
austríaco Egon Schiele e o russo Marc Chagall” (D’HORTA, 2015).
Em reportagem intitulada O único Egon Schiele no Brasil, publicada na época da
exposição, em 7 de fevereiro de 2011, e hoje disponível para consulta pública no portal online do
jornal O Globo, se relatou que a aquarela Autorretrato teria ficado cerca de 20 anos armazenada
no depósito do acervo do Museu Lasar Segall, em condição de desconhecimento por parte dos
funcionários. Isso até ser reencontrado pelo diretor Jorge Schwartz:

Quando eu entrei no museu, há três anos, havia rumores de que no acervo,


composto basicamente de trabalhos de Segall, tinha um quadro de Egon Schiele,
mas aquilo era tratado como uma espécie de lenda urbana. Consultei uma de
nossas museólogas, Pierina Camargo, e ela me trouxe a tela, mas a autoria ainda
não havia sido confirmada por nenhum especialista internacional em Egon
Schiele (...) (O GLOBO, 2011, s/n).

Sobre as origens da obra, a informação publicamente cedida pelo Museu Lasar Segall foi
a de que Autorretrato era patrimônio do casal de judeus Käthe e Johann Schwarz, que migrou
para o Brasil em 1938 após o avanço nazista na Áustria; teriam adquirido o trabalho de Schiele já
em São Paulo em meados da década de 40, por meio do ex-proprietário que também era um judeu
imigrante.
71

A aquarela permaneceu com a família Schwarz até o momento em que o descendente


Roberto Schwarz27 decidiu cedê-la aos cuidados de seu amigo Maurício Segall, filho do artista
Lasar Segall e então presidente do museu em homenagem ao pai. Isso teria acontecido nos anos
1990, com alegações de motivos de segurança; posteriormente, Autorretrato foi cedido à
instituição em regime de comodato, com a promessa de doação. Em 2008 Jorge Schwartz
ingressou na direção do Museu Lasar Segall e prestou atenção aos comentários de que na
instituição havia um Egon Schiele. Encontrou a obra, mas não havia documentação sobre a
mesma, fato confirmado pela coordenadora de museologia Pierina Camargo, em entrevista cedida
à pesquisadora em julho de 2016. Localizado o autorretrato de Schiele, em abril de 2010
Schwartz procurou a mencionada especialista Jane Kallir, na Galerie St. Etienne, a fim de uma
autenticação. Em entrevista para O Globo Schwarz comentou:

(...) coloquei a tela embaixo do braço e embarquei para Nova York. Na Receita
Federal no aeroporto, sequer olharam para a tela e me disseram que eu não
precisava registrá-la. Imagina se eu fosse um ladrão de arte fugindo com uma
obra brasileira preciosa. (O GLOBO, 2011, s/n).

No final da análise e de muitas expectativas de ambas as partes, a própria Kallir garantiu a


autenticidade da obra:

É uma tela extraordinária que, apesar de ser datada de 1912, foi pintada em
1910, no início da carreira de Schiele, quando ele decide abandonar a influência
art nouveau de Klimt e explode com trabalhos expressionistas. Naquela época,
ele costumava datar seus trabalhos no ano em que decidia assiná-los e não no
ano em que os pintava - conta Jane. - A nudez facilitava a linguagem corporal
expressiva de Schiele, que nesta época usava as cores amarelo, vermelho e
laranja em partes do corpo que ele percebia serem expressivos da sexualidade
humana, como a genitália, seios, mamilos, orelhas, cotovelos e nuca (O
GLOBO, 2011, s/n).

Sobre o Autorretrato há muitas incertezas e alguns rumores. Relato uma ressalva de


Pierina Camargo, expressa em entrevista à pesquisadora autorizada pela museóloga, em relação
às informações comunicadas pela mídia: Autorretrato estaria em posse da Associação Cultural de

27
Roberto Scharwz é crítico literário e professor aposentado de Teoria Literária Brasileira. Desde a exposição de
2010, optou por não falar sobre o autorretrato de Schiele que pertenceu a sua família: “Este quadro já não me
pertence. Pertence ao museu, então não desejo comentar”. (O GLOBO, 2011, s/n). Também é, conforme consta nas
informações pública do Museu Lasar Segall, membro do Conselho da instituição cultural.
72

Amigos do Museu Lasar Segall, não sendo propriamente uma posse do Museu. Segundo as
palavras de Luiz Camillo Osorio, curador e crítico de arte, “um museu brasileiro ter um Schiele
em seu acervo é espetacular, especialmente o Museu Lasar Segall, cuja obra dialoga muito com a
de Schiele”. (O GLOBO, 2011, s/n). Apesar de ter sido exposta pelo Museu, a obra, portanto não
pertence de fato à instituição, estando em comodato de longa duração em nome da Associação.
Paralelamente, um dos principais nomes nas pesquisas sobre Egon Schiele, a norte-americana
Jane Kallir, afirmou que a data inscrita na aquarela, 1912, não é a correta, mas sim 1910. Essa
suposição se baseou nas comparações de indícios temáticos e técnicos realizadas pela especialista
entre trabalhos similares do artista do mesmo período, tais como Nu masculino sentado:

Figura 22. Nu masculino sentado. Egon Schiele, 1910

A presente aquarela Autorretrato tem vaga relação com a tela sobrevivente, Nu


Masculino Sentado. Embora, no geral, as poses nas duas obras sejam diversas,
ambas apresentam o mesmo gesto curioso do braço torcido sobre a cabeça. A
necessidade de Schiele de retratar-se nu (aqui e em inúmeros outros trabalhos do
período 1910-1911) era bastante incomum. Enquanto o decoroso nu feminino
73

tem uma longa e conhecida história na arte ocidental, nus masculinos e


autorretratos nus são relativamente raros. Schiele interessou-se pela nudez, pois
essa facilitou sua linguagem corporal expressiva, permitindo que a figura inteira
comunicasse uma mensagem emocional. A nudez também destacava a
sexualidade do sujeito, um tema que Schiele achava particularmente irresistível.
Complementando os múltiplos eus que percorrem seus autorretratos
contemporâneos com roupa, a exploração da sexualidade pelo artista fez parte de
uma busca pós-adolescente pela sua identidade pessoal. (KALLIR in MUSEU
LASAR SEGALL, 2011, p. 9).

O ano de 1910 marcou os primeiros passos de Egon Schiele para a constituição de seu
estilo próprio: havia abandonado os estudos na Academia de Belas Artes de Viena e também
estava se isentando da força de influência do simbolismo ornamental de seu mentor, o artista
Gustav Klimt. Assim, Schiele naquela fase se encontrava mais aberto à linguagem dos
expressionistas europeus, sobretudo os alemães.
Além da similaridade compositiva entre Autorretrato e Nu masculino sentado há outros
elementos de análise que possivelmente levaram Jane Kallir a deduzir um erro de datação. Foi em
1910 que Schiele começou experimentos para inserir cores que antes usava com pouco destaque,
como vermelhos, marrons e amarelos mais vibrantes, em imagens deixadas parcialmente
finalizadas ou com membros “amputados” – em 1912 essa tendência estava consolidada e as
cores eram usadas com mais propriedade, com o artista realçando o tratamento pictórico e
optando por outros suportes que oferecessem mais possibilidades aos materiais e seus pigmentos.
Surgiu também nesse período de 1910 a particularidade do contorcionismo dos corpos,
aliado ao uso de cores associáveis à decomposição outonal para pigmentar os corpos retratados.
Segundo a autora de seu catalogue raisonné mais atualizado até o momento, Kallir, no mesmo
ano de 1910 Schiele realizou cinco telas que podem ser conectadas ao autorretrato no Museu
Lasar Segall, sendo três de si próprio e dois de sua irmã mais nova, Gertrude Schiele. Das cinco,
apenas uma delas tem seu paradeiro amplamente conhecido, o citado Nu masculino sentado. O
desaparecimento das outras obras tornaria uma comparação inviável se não fosse a existência de
relatos das mesmas e de uma série de estudos em aquarela, que demonstra como nas cinco telas o
artista se empenhou no estudo das possibilidades de sua nova paleta de cores – tratamento
pictórico descrito de forma similar ao encontrado em Autorretrato.
Outra obra semelhante ao autorretrato exibido pelo Museu Lasar Segall e também
produzida em 1910 é Autorretrato com braço torcido sobre a cabeça. O trabalho em questão
74

também é uma aquarela; propõe-se como estudo da anatomia em pose simulada e evidencia uma
estética de magreza extrema.

Figura 23. Autorretrato com braço torcido sobre a cabeça. Egon Schiele, 1910

Nesse caso o artista igualmente rompeu com cânones acadêmicos ao não se preocupar em
estruturar a composição ao longo do suporte de modo a centralizar plenamente o corpo: assim,
um novo corte de braço é realizado, dessa vez provocado pelos limites do próprio suporte. Esta
observações e as anteriores levam a concordar com o parecer da especialista Jane Kallir a respeito
da data de Autorretrato, sendo o mais plausível 1910 e não 1912.
75

Os autorretratos foram frequentes durante os menos de 12 anos em que Schiele se dedicou


às artes. Retratou-se em diversos suportes, tamanhos, técnicas e “disfarces”. Segundo Patrick
Werkner no texto Body language, form and idea in Austrian Expressionist painting, o corpo na
poética do artista seria a forma máxima de expressão dos conflitos humanos:

A representação do corpo englobava, para ele, toda a gama das possibilidades


formais sugeridas pela experiência de si mesmo e de seus semelhantes. [...] O
contorno de um nu delineia o drama da vida humana; a superfície de um corpo
nu em aquarela torna-se uma paisagem psíquica. (WERKNER, 1989, s/ n,
tradução minha). 28

O tema do autorretrato é clássico no universo da pintura e dialoga com a ascensão


histórica do artista como profissional socialmente necessário, assim como com a questão da
própria reivindicação da autoria da obra de arte e da liberdade de criação.
Tratando especificamente deste tema e de sua trajetória ao longo da história da arte, Ernst
Rebel (2009), em seu livro Auto-retratos, iniciou um panorama do gênero na arte europeia com
uma análise na qual propôs a visão de que o ato de se autorretratar tem como essência um espelho
idealístico, essência que o torna um testemunho de como o autor da obra desejava ser visto pelos
outros. Assim, os autorretratos se propunham, desde cedo, a algo para além da representação da
realidade.
O reconhecimento dos artistas enquanto nova categoria profissional e distinta do
artesanato consolidou-se somente no século XV. Desse modo o autorretrato também se tornou
testemunha de uma mudança de perspectiva social. Até o final do século XIV, o ato de assinar a
obra por pequenos artesões era extremamente inusitado (REBEL, 2009). A partir do momento em
que a prática se popularizou, nasceram os primeiros indícios da autonomia artística. Se antes os
artesãos se reuniam em guildas e produziam conforme a demanda, agora passava a surgir a

28
Tradução minha de: The depiction of the body encompassed, for him, the whole range of the formal possibilities
that were suggested by his experience of himself and his fellow creatures. “I always think that the greatest painters
have painted figures,” Schiele wrote in 1911.The figure, for him, is the vehicle of expression. The outline of a nude
delineates the drama of human life; the surface of a naked body in a water color becomes a psychic landscape.
(WERKNER, 1989, s/n).
76

condição para um profissional com maiores possibilidades de exploração criativa e técnica, sem
depender da parceria direta de outros da mesma categoria.

De qualquer maneira que o trabalho fosse feito, embora exigisse uma


criatividade especial, raramente era sujeito a decisões e objetivos pessoais, e não
era de forma alguma sujeito ao conjunto de regras que surgiram com a
aprendizagem especializada. O trabalho era encomendado por colectividades ou
feito a serviço de ricos e poderosos, mas o seu criador nunca trabalhava sob a
sua própria direção. Nunca? No campo especial do auto-retrato essa autonomia
começou muito cedo. (REBEL, 2009, p. 6-7, tradução minha).

Conforme REBEL (2009, p. 9-12) elucidou, durante os séculos XIII e XIV, determinados
eventos anteciparam e indicaram a autonomia e a autoafirmação do artista que se oportunizariam
de forma ampla mais tarde. Dentre os acontecimentos descritos pelo autor, aponto a primeira
prova documental de um artista a serviço da Corte de Nápoles (1282) e o suposto autorretrato de
Giotto di Bondone (1276-1337) em um afresco sacro datado de 1304.
Eventos como estes abriram campo para o fortalecimento da classe artística, assim como
para o reconhecimento do talento como um trabalho intelectual. Abriram caminhos para além da
relação dicotômica entre atividades do cotidiano (artes mechaniae) e artes liberais (artes
liberales). Nessa nova condição um pintor, desde que realizasse seu trabalho em nível de
excelência intelectual, seria considerado um propagador de cultura e possuidor de um raro
virtuosismo técnico – o gênio, imagem que se popularizou na Renascença e no Romantismo do
século XIX.
Outras possibilidades surgiram com a autonomia do trabalho intelectual. Assim, o
autorretrato ascendeu de categoria, passando a “manifesto do auto-conhecimento humano geral, e
até a autorreflexão cultural” (REBEL, 2009, p. 13). Como símbolo desse período, o autor elegeu
a produção artística de Albrecht Dürer (1471-1528), de quem um de seus autorretratos se tornou
justamente o primeiro trabalho reconhecido no conjunto de sua obra.
Saliento que o auge da temática do autorretrato pelos renascentistas coincidiu com uma
democratização do espelho na Europa, objeto que se tornou um poderoso instrumento da
descoberta da identidade, permitindo ao artista “fazer a experiência do eu enquanto imagem do eu
e [fazendo-nos] remontar a um artista renascentista que começa a tomar consciência do seu
papel” (STEINER, 2006, p. 7).
77

Conforme Rebel, mesmo após o Renascimento, os pintores dos séculos XVII e XVIII não
se afastaram do autorretrato ou abriram mão de sua capacidade de ultrapassar níveis e limites.
Durante esse momento, o pintor geralmente apresentava seus serviços como especialista de temas
particulares – retratos, paisagens, naturezas-mortas. No entanto, o autorretrato nunca foi deixado
de lado como alternativa de experimentação e liberdade. Acredito que tal fato se deve à
capacidade de múltiplas abordagens que o gênero propicia. Em um único autorretrato, o artista
pode posteriozar a sua aparência, explicitar seus ideais de beleza, autoafirmar-se como
profissional e explicitar a sua posição social. Como exemplo das múltiplas abordagens simbólicas
do autorretrato, destaco Autorretrato com família à mesa (ou O cabinete do pintor), no qual
Daniel Chodowecki (1726-1801) se representou simultaneamente como artista, intelectual, pai de
família e homem burguês.

Figura 24. Autorretrato com família à mesa. Daniel Chodowecki, 1771

Já no século XIX surgiu a fotografia na França, por meio de dos experimentos do


pesquisador Joseph Necephore Niépce (1765-1833). A fotografia promoveu um nivelamento do
acesso à própria imagem materializada pela arte: todos, do aristocrata ao criminoso comum, eram
retratados através da técnica fotográfica, que se tornou um meio de identificação.
Considerada a princípio como o método de criação de imagens mais fidedigno em relação
à própria realidade, a fotografia se apresentou como grande rival da pintura, sobretudo no caso
78

dos retratos. Em termos práticos, um retrato fotografado possivelmente seria mais barato do que
um pintado, sendo também certamente feito em menos horas do que em comparação ao antigo
método. O advento da fotografia deslocou a função social do retratista. No entanto, o que foi
colapso para alguns se tornou oportunidade para os aspirantes à liberdade criativa. Ao invés do
ideal de retratar a realidade, passou a se assumir a missão de retratar o que a realidade pode vir a
ser, como fantasia do ideal e como denúncia do mundo, de acordo com cada proposta artística:

A fotografia em si tornou-se o novo espelho da arte e dos artistas, um espelho


que assume uma existência mecânica independente. A documentação
acompanha agora a ficção em termos iguais. Por outro lado o “olhar” do artista
desliza para regiões ainda desconhecidas do mundo e da imagem. (REBEL,
2009, p. 22).

O artista, até então especialista, se tornou múltiplo: artista, investigador, businessman,


poeta. Boêmio, profeta, anticidadão, outsider. Foi em meio à aparição dessas pluralidades de
papéis imaginados, cultuados e assumidos pelos artistas que surgiram as primeiras atitudes avant-
garde antes de 1900. O termo avant-garde derivou-se do vocabulário militar, sendo traduzido
como vanguarda. Representava a primeira leva de soldados que enfrentam diretamente o inimigo.
Essa analogia de combate a um grande rival foi apropriada por jovens artistas em formação ou
em início de carreira no virar do século. Nesse período encaixava-se a produção inicial de Egon
Schiele.
Sobre os autorretratos de Egon Schiele, destaco o fato de que parte significativa deles
serem nus, algo que não é comum, analisando a obra de outros autorretratistas frequentes como
Schiele foi. As pinturas e desenhos de nus, geralmente os femininos do início de sua carreira
eram realizados sobre papel, sendo apenas desenhos sem cor ou aquarelas, pois o formato tinha
um público-alvo já estabelecido, sobretudo os colecionadores de imagens de teor erótico. Já em
relação aos nus masculinos, predominantemente os feitos por Schiele retratavam o próprio
artista, principalmente aqueles feitos com tinta a óleo. Esse fato coloca obras como Autorretrato
em uma posição de interesse para a pesquisa, pois constitui uma conexão entre dois núcleos
temáticos, o autorretrato e o nu erótico.
A nudez foi considerada de diferentes formas ao longo do tempo, passando de signo do
puro à degradação da matéria. Nas histórias bíblicas, ela apareceu em seu caráter dual,
79

primeiramente relacionada à pureza dos inocentes criados à semelhança de Deus, e


posteriormente, como queda de nível relacionada à expulsão de Adão e Eva do Paraíso.
Posteriormente à fase medieval, a estética da nudez retornou no Renascimento em uma
perspectiva “meramente naturalista e desprovida de valor simbólico”. (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2012, p. 645). Discordo parcialmente da definição dos autores, pois julgo que
as sociedades sempre atribuem simbologias às imagens que produzem. No entanto, acredito que a
mencionada desvinculação de valor simbólico possa ser entendida como uma separação da ideia
de que a nudez seja uma corrupção, ou seja, necessariamente um teor negativo. Desse prisma, o
corpo renascentista seria representado em similaridade às práticas da Antiguidade greco-romana,
em um retorno ao primordial em prol do belo e da imitação da natureza em um nível de perfeição
a ser atingido e superado pelo gênio.
Conforme consta no Dicionário de símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (2012),
após o Renascimento o nu retomou a sua carga simbólica no universo artístico, sendo o seu
tratamento dividido em duas abordagens: a nudez como representação da pureza ou como
símbolo da vaidade lasciva. Essa duplicidade de significados pôde ser verificada em estilos e
produções artísticas com ênfase nas produções do Romantismo, estilo no qual a figura do gênio,
simultaneamente visionário e decadente, foi novamente valorizada.
No caso de Schiele compreendo que a nudez possa ser entendida simultaneamente como
erotismo e como corrupção. Em toda a produção artística do artista, dos retratos às paisagens, o
binômio vida-morte esteve sempre presente como poética e estética. Em termos formais essa
dualidade foi traduzível por corpos frágeis e tensionados, nudez explícita e sem pudor, hiperfoco
em órgãos genitais e na paleta que remete às cores da decomposição orgânica.
Na maioria de seus autorretratos, Schiele representou a si mesmo de modo bastante
magro, alongado e disforme, por vezes beirando à abstração. Essas deformações do corpo
humano, associadas às cores de decomposição, apontam para dois conceitos complexos
trabalhados pelos artistas ligados ao Expressionismo: a feiura e o grotesco.
Giulio Carlo Argan (2004) discorreu que a deformação no caso expressionista seria uma
transformação pela qual a beleza transita da esfera do ideal para o real, invertendo assim seu
significado e tornando-se fealdade, porém não diluindo o seu caráter de algo que foi eleito.
Conforme ECO (2014), a eleição da estética do feio seria parte de uma atitude artística moderna
80

de escolha pela marginalização, como uma resposta aos ideais modernos decaídos, um resquício
da anterior postura romântica:

Diante da opressividade do mundo industrial, das metrópoles percorridas por


multidões imensas e anônimas, da insurgência de um movimento operário
organizado e do florescimento de uma forma de jornalismo que, publicando
novelas populares em capítulos, dá início àquilo que chamamos de cultura de
massa, o artista vê ameaçados os seus ideais, percebe as ideias democráticas
como inimigas, resolve ser “diferente”, marginalizado (...) (ECO, 2014, p. 350).

Nos autorretratos de Schiele, tais como o exposto em 2010 pelo Museu Lasar Segall, o
distanciamento da beleza provinha principalmente da deformação dos corpos, por vezes
cadavéricos e associáveis à negatividade da morte – no entanto, o ocultamento parcial de uma
beleza ainda assim não seria capaz de anular as suas qualidades estéticas.
Artinger (2001) aponta que, participando da primeira geração do século XX, Schiele
rompeu com a tradição do autorretrato que testemunhava a vida do artista enquanto mero ser
social, optando pela autoestilização do sujeito através de seu lado obscuro, da faceta
desconhecida do eu, que se manifestava por meio de um corpo mímico, não belo e caricato –
nesse gênero de autorretrato de Schiele, predominante entre 1911 e 1915, o artista adotou o papel
de outro que não ele próprio:

Nos seus auto-retratos surge com poses excêntricas e gestos extremados que
criam uma imagem distanciada, geradora de tensão. O espelho não reflecte nem
a autoconfiança nem a consciência de si; é um outro que dele espreita, com
traços distorcidos por caretas ou por uma estranha mímica. O corpo é
apresentado torcido, extenuado. (ARTINGER, 2001, p. 36).

De 1910 a meados de 191329 as autorrepresentações de Schiele evidenciavam o corpo


magro em contorções extremas e extravagantes mímicas, uma tensão inerente e uma sobrecarga
de valores expressivos, elementos que inviabilizam a identificação precisa do trabalho como um
simples autorretrato. Acredito que em seus autorretratos o artista se reconhecia como divisível,
desmontado da unidade do eu: o suporte seria o espelho do artista, porém tornando-se “um
espelho que deforma, a imagem apresentada torna-se em alter ego”. 30

29
STEINER, 2006, p. 9.
30
STEINER, 2006, p. 9-10.
81

Voltando aos tempos atuais, apesar das poucas informações sobre a aquisição de
Autorretrato, não há indícios para se duvidar da versão defendida pelos membros do Museu
Lasar Segall: obras de arte são objetos que podem conter em si um alto valor financeiro sendo,
portanto, objetos práticos e discretos para se levar quando ocorre a necessidade de recomeçar a
vida em outro país, ainda mais em outro continente.
Os relatos de Schwartz à mídia se tornaram a versão oficial sobre a obra no Brasil e no
mundo. O detalhe da história mais proeminente para a pesquisa foi o fato de o Autorretrato ter
sido patrimônio de um judeu fugitivo do regime nazista. Esta condição de exílio necessário da
Europa condiz com os fatos ocorridos com inúmeros outros indivíduos ou mesmo com obras de
arte durante a ascensão do Nazismo e do crescimento do antissemitismo na Europa.
O contexto histórico ao qual me refiro é o da censura nazista contra as obras de arte
produzidas ou expostas em territórios militar e politicamente ocupados pelo regime comandado
por Hitler. Os atos contra a arte, sobretudo a arte moderna – cometidos pelos nazistas englobaram
o saque de obras, a destruição de coleções inteiras e a rotulação de artistas, e subsequentemente
suas produções, como degenerados – imorais, doentes e inadequados para serem apreciados,
expostos ou comercializados dentro da Europa nazista.
As divisões políticas e os ministérios do regime do Nacional Socialismo ficaram
posteriormente conhecidos por sua rígida estrutura burocrática, onde tudo que passava por suas
mãos era documentado e catalogado. Parte da documentação daqueles tempos sobreviveu à
destruição intencional e hoje constitui importante base de estudo sobre os horrores da Guerra, o
grau de premeditação dos atos cometidos e a perversidade do racionalismo instrumentalizado de
sua ideologia.
No entanto, quando se procura acerca do posicionamento da obra de Egon Schiele na
conjuntura da arte degenerada surgem interrogações dos motivos pelos quais importantes
biógrafos do artista não citam em seus principais estudos quaisquer indícios que levam a uma
conclusão se Egon Schiele foi ou não rotulado como artista degenerado.
Essas dúvidas abrem margem para um olhar sobre o método de classificação do regime
nazista perante a arte moderna. Egon Schiele foi um artista polêmico, de difícil aceitação até nos
dias atuais para uma parte significativa do público. Até que ponto realmente havia um método
82

para a rotulação de um artista e de uma produção como degenerados? Quais seriam os seus
princípios elementares e fixos dessa censura?
Em se livro de análise sobre Francis Bacon, artista listado entre os influenciados por Egon
Schiele, Gilles Deleuze iniciou um de seus capítulos com um pensamento bastante pertinente:
“cada pintor resume à sua maneira a história da pintura” (DELEUZE, 2007, p. 123).
Tendo em vista a reflexão de filósofo, pode-se refletir que ao elaborar sua obra o artista
está ao mesmo tempo compondo uma nova teoria da arte a partir do passado, que é o legado
histórico e o repertório a ser acessado. Sendo assim, para se compreender o grotesco,
característica que julgo como essencial a toda a poética de Schiele e ao entendimento de sua
possível rotulação como artista degenerado, tornou-se necessário um panorama histórico do
conceito do grotesco e de outros que a ele se relacionam, em oposição ou similaridade: o belo, o
feio e o sublime.

1.4. Concepções estéticas ao longo dos séculos

A arte das vanguardas não coloca o problema da beleza. Subentende-se como


estabelecido que as novas imagens são artisticamente “belas”, e que devem
proporcionar o mesmo prazer que um afresco de Giotto ou um quadro de Rafael
proporcionavam a seus contemporâneos, mas isso justamente porque a
provocação vanguardista viola todos os cânones estéticos respeitados até este
momento. (ECO, 2013, p. 415).

Falar de uma produção que se norteia na decadência, assim como faz a obra de Schiele,
passa pelo viés da percepção do feio pela história. Definir se algo é belo ou feio é relativo ao
tempo, à cultura e ao local. O renomado professor de Semiótica e escritor Umberto Eco (1932-
2016) se apresentou como referência para os estudos acerca do belo e do feio na cultura
Ocidental, dois conceitos importantes para abordar o grotesco, ponto que julgo primordial na obra
de Egon Schiele. Em suas obras História da Beleza (2013) e História da Feiura (2014), ofereceu
um rico olhar sobre a percepção dos dois conceitos no decorrer da história, recorrendo à
compilação comentada de textos de autores de diversos tempos, nacionalidades e áreas de
conhecimento.
Umberto Eco indicou que feiura e beleza são conceitos que passaram não apenas pelo
domínio da estética, mas também foram influenciados por critérios sociais e políticos. Exemplo
83

disso foi o pensamento de Karl Marx (1818-1883), no qual o filósofo afirmou que o dinheiro é
capaz de anular a própria feiura por meio da apropriação de belos e adequados bens materiais
(ECO, 2014). Desde a Antiguidade, no entanto, convencionou-se que quando o feio é belamente
representado, isto é, quando imitado de forma eficaz e fiel pelo artista, ainda permanece feio,
porém recebe uma centelha de rendição do belo.
Sobre o belo Eco iniciou sua obra indicando que o termo, assim como palavras tais como
gracioso, maravilhoso e sublime, é usado para apontar algo que agrada ou que acreditamos que
nos faria bem caso possuíssemos. Não é sem razão que a Beleza é associada a outras qualidades e
valores como medida e conveniência (ECO, 2013). Essa acepção do termo correlaciona o belo ao
bom, relação que de fato permaneceu em estreito laço durante muitos séculos da Humanidade. Da
mesma forma, da Antiguidade à Idade Média assumiu-se tanto que o feio é o contraste direto do
belo quanto a possibilidade de a arte ser capaz de representar belamente mesmo o mais feio dos
temas físicos ou morais.
No entanto, o autor logo esclareceu que, apesar de associação comum na
contemporaneidade, a relação entre beleza e arte foi uma invenção moderna e não tão bem
evidente em séculos anteriores. De fato, Eco apontou uma ambiguidade histórica entre a beleza
natural e a beleza das Artes:

Se determinadas teorias modernas reconheceram apenas a Beleza da arte,


subestimando a Beleza da natureza, em outros períodos históricos aconteceu o
inverso: a Beleza era uma qualidade que podiam ter as coisas da natureza (...)
enquanto a arte tinha apenas a incumbência de fazer bem as coisas que fazia, de
modo que servissem ao escopo a que eram destinadas [...] Somente muito mais
tarde, para distinguir pintura, escultura e arquitetura daquilo que hoje
chamaríamos de artesanato, é que se elaborou a noção de Belas-artes. (ECO,
2013, p. 10).

A ambiguidade apontada residiu justamente na função social da arte em retratar bem, ou


seja, em bom nível técnico, a natureza e a realidade. Nessa condição do domínio da técnica pelo
artista surgiu a possibilidade das belas representações mesmo temas e cenas trágicos, aversivos e
perigosos.
Culturalmente e historicamente, o feio foi associado à ideia daquilo que pode ser odioso,
deformado, digno de medo, e, no entanto, não automaticamente antiestético. As palavras nas
línguas românicas referentes à feiura derivam da raiz teutônica laipo ou do latim brutus
84

significando bronco, estúpido, insensível. Já a palavra nórdica para feiura, hässlich, tem
derivação e conotação muito diferentes: o alemão tem a mesma raiz que hassen, ou to hate
(odiar) em inglês. O inglês ugly vem do inglês médio uggen, ou do norueguês antigo ugga,
significando medo. Por fim, o francês laid remete à deformidade, algo malformado. (READ,
1967, p. 36-37). Por sua vez, o grotesco, do italiano grottesco, derivação de grotta (gruta), no
século XV se referia a formas ornamentais encontradas no subterrâneo de termas romanas, uma
espécie até então desconhecida de pintura antiga, que combinava elemento os de flores, folhas e
animais Esses vestígios decorativos apresentavam composições que anulavam a ordem natural
valorizada no momento, misturando os domínios dos homens, dos animais e da flora e rompendo
com a lógica racionalista e realista de representação. Complementando a trajetória da definição
do termo, de acordo com a leitura de Wolfgang Kayser (2009), o grotesco pode ser compreendido
como uma estrutura que nos apresenta um mundo alheado, tornado estranho à realidade por causa
de uma conflitante mistura de domínios.
Partindo sua cronologia do belo e do feio a partir da Antiga Grécia, o estudioso apontou
que a era de Péricles (495/492 a. C – 429 a. C) e das vitórias gregas contra os persas
corresponderam não somente à ascensão de Atenas como potência, mas à solidificação de uma
percepção estética mais clara do belo. Essa percepção se relacionava à necessidade de
reconstrução dos templos destruídos nas guerras pérsicas e no favorecimento dos artistas pelo
governo de Péricles.
Posteriormente, a beleza foi tema do pensamento de Sócrates (469 a.C. – 399 a. C.),
Platão e Aristóteles. O primeiro distinguiu três categorias estéticas: a beleza ideal (a natureza
através de uma montagem de suas partes), a beleza espiritual (os olhos que expressam a alma, em
algumas esculturas) e a beleza funcional.
Por sua vez, Platão (428-227 a. C. – 348-347 a.C.) elaborou duas concepções que foram
retomadas ao longo dos séculos: a beleza como harmonia e proporção e a beleza como esplendor.
Tais associações provinham da própria mitologia – Zeus teria designado uma medida e um limite
para cada ser. (ECO, 2013, p. 53). Para o filósofo grego o belo existiria de forma desinteressada
do físico, que por ele era expresso apenas acidentalmente; a beleza seria um fenômeno que
resplandecia em toda a parte, não estando conectado a um objeto em específico e não
correspondendo à visualidade. O modelo da própria realidade seriam as ideias, sendo necessária
85

uma busca da realidade e da verdade para além das aparências de mundo transitório, em
constante mutação. Do ponto de vista platônico, a obra de arte era duplamente imperfeita, pois
era imitação imperfeita de uma natureza também falha. Por isso, a arte era uma manifestação
perigosa por afastar do ideal de verdade sem enganos. Para todo o pensamento grego e as
posteriores vertentes definidas como clássicas, a verdade era o elemento que ia a encontro do
belo, pois seria uma fonte da Beleza.
Ainda para Platão o feio só existiria no mundo do sensível, sendo este uma imitação
inapta da perfeição do mundo das ideias – o feio não existiria no mundo das ideias porque sua
imperfeição não seria admita nesse plano. No entanto, Eco indicou que o pensamento grego foi
marcado por contradições, sendo assim, para o antigo filósofo também era possível que o feio
tivesse um fundo de beleza, conforme ele se adequasse a sua ideia correspondente. Tudo poderia
ser relativamente belo em si mesmo, mas feio em comparação a outro algo (ECO, 2014).
Por fim, para Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) a arte foi muito importante, sobretudo a
tragédia teatral, pois seria uma fonte do fenômeno da catarse, de poderosas experiências
emocionais que nos proporcionam noções sobre a vida apesar de não estarmos verdadeiramente
passando pela situação representada pelos artistas. Para Aristóteles a arte era uma forma de
conhecimento e de acesso ao belo e à verdade. As diferentes concepções de Platão e Aristóteles
influenciaram as relações do mundo com a obra de arte, sobretudo com as artes visuais. Sobre a
problemática da imagem na filosofia dos dois gregos, Martine Joly apontou que a imagem fo i
vista de duas formas completamente divergentes:

Platão e Aristóteles, em especial, combateram-na ou defenderam-na pelas


mesmas razoes. Imitadora, para um ela engana, para o outro ela educa. Desvia
da verdade ou, pelo contrário, conduz ao conhecimento. Para o primeiro, seduz
as partes mais fracas da nossa alma, para o segundo, é eficaz pelo próprio prazer
que nos proporciona. (JOLY, 2007, p 19).

Com a consolidação da visão matemática de mundo de Platão (ECO, 2013, p.66) e os


estudos de Pitágoras (c. 570 a. C. – 495 a.C.) a adequação aos limites como ideal de beleza se
ampliou e passou a abranger primeiramente o ideal da simetria, relação de igualdade ou grande
semelhança entre partes, e da harmonia, o equilíbrio entre partes contrastantes.
86

No século IV a. C., Policleto (c. 460 a. C – 420 a. C) realizou a escultura Doríforo, em


que “encanavam-se as regras de uma justa proporção” (ECO, 2013 p. 74), posteriormente
nomeada como Cânone.

Figura 25. Cópia de Doríforo. Autor e data desconhecidos

Conforme Umberto Eco, neste cânone de Policleto não houve um equilíbrio entre partes
iguais, mas relações orgânicas proporcionais entre diferentes partes, relações não fixas, mas que
dependem do movimento, da perspectiva e da posição daquele que observa a obra.
Relacionando feiura moral e feiura física, o mundo grego e seu imaginário eram repletos
de visões de seres monstruosos e aterrorizantes que personificavam o mal. Cabe também citar o
papel das tragédias gregas, cujas narrativas traziam profundos dilemas humanos tais como o
respeito aos deuses ou o cumprimento do dever à família e à sociedade, tal como se passa em
Antígona e com Laocoonte e seus filhos no episódio do Cavalo de Tróia. Vivenciar tais histórias,
mesmo as mais dramáticas, era uma forma de ativar a catarse. Assim, o feio das narrativas
também cumpria a sua função moralizante.
Em um salto temporal da Antiguidade para a Idade Média, Umberto Eco afirmou que o
segundo período apresentou uma prática de reprodução do corpo humano sem a aplicação de uma
matemática de proporções. Essa ausência poderia ser justificada pelo favorecimento de uma visão
de mundo em prol da beleza espiritual. Na Idade Média, o mundo natural foi considerado obra
87

máxima da Criação, englobando inclusive os contrastes, já que as coisas feias “compõem a


harmonia do mundo por meio de proporções e contrastes”. (ECO, 2013, p. 85). A ordem em seu
conjunto era vista como bela, e mesmo a monstruosidade e o grotesco, como partes essenciais e
redimíveis para a existência de um equilíbrio universal. No mundo medieval a visão de Platão
sobre a beleza no mundo físico foi substituída pela denominada visão pancalista do mundo, na
qual tudo seria belo pois é obra da Vontade divina, sendo inclusive o feio e o mal redimidos pela
beleza e pelo bem da ordem universal.
Assim, existia uma mensagem espiritual a ser vista inclusive nos monstros – mensagem
interpretável graças aos bestiários publicados na época (ECO, 2014). Na Era Medieval faziam
também parte da iconografia do feio os martírios dos Santos, o sofrimento na Paixão de Cristo, as
tentações do pecado, as punições no inferno, o próprio Diabo e os ciclos de triunfos da Morte sob
os mortais pecadores, tais como a Dança macabra, na qual todos os estratos sociais são nivelados
pela Ceifadora.

Figura 26. Dança da Morte, Michael Wolgemut, 1493

A partir da Renascença, o olhar perante os monstros e os portentos (nascimentos


disformes, porém de origens naturais) passou a sair do universo moral e se tornou curiosidade
científica biológica, coincidindo temporalmente com os estudos anatômicos e posteriormente
88

com pseudociência da fisiognomia, que associava traços fisionômicos a disposições morais e


tendências de comportamento, o que culminaria no século XIX na antropologia criminal (ECO,
2014).
Objetivando as belas representações, os renascentistas dedicaram-se aos estudos
matemáticos que culminaram nas experimentações de perspectiva na Itália pelo arquiteto e
escultor Filippo Brunelleschi (1377-1446), uma ferramenta para obtenção de obras consideradas
não apenas realistas, mas justas e belas devido a sua proporção:

O uso da perspectiva em pintura implica de fato a coincidência entre invenção e


imitação: a realidade é reproduzida com precisão, mas, ao mesmo tempo,
obedecendo a um ponto e vista subjetivo do observador, que, em certo sentido,
“acrescenta” a Beleza comtemplada pelo sujeito à exatidão do objeto. (ECO,
2013, p. 180).

Nesse período as obras de outras culturas, que não recorriam à perspectiva, eram julgadas
como desagradáveis. Assim, também ocorreu pelos renascentistas a negação dos estilos
anteriores, com exceção dos cânones de representação da Antiguidade. Retomando Platão, os
artistas renascentistas levaram a alto grau a noção de que a beleza se baseava na proporção das
partes.
Eco atentou ainda para o caráter dual da beleza no Renascimento – foi simultaneamente a
imitação da natureza, baseada em princípios científicos rigorosos, e a contemplação de um
mundo de perfeição sobrenatural, que tornava o artista criador e imitador. Essa dualidade se
alicerçava nos adventos científicos (estudos anatômicos) e técnicos (tinta a óleo pelos flamengos
e perspectiva), contemporaneamente aliados ao clima de misticismo em prol de reformas na
Igreja Católica (ECO, 2013, p. 176). Surgiu então a figura do gênio, aquele que se encontrava à
frente da sociedade, em condição de equilíbrio entre a razão e a imaginação, entre o domínio das
técnicas e a sensibilidade.
Representando esse equilíbrio e a multiplicidade de talentos e visões do gênio, a
Renascença não somente tratou do belo. Apesar de criticado por alguns, o estilo grotesco
desenvolvido no século XVI, e caracterizado por arabescos inspirados nos vestígios antigos, se
difundiu entre alguns artistas e arquitetos italianos. Uma das primeiras críticas contra o grotesco
foi a criação da expressão italiana sogni dei pittori (sonhos dos pintores), que relacionava o
89

grotesco ao excesso de imaginário, ao sobrenatural, ao horror e ao ilógico. Como o sentido de


beleza e de verdade nas artes estava tradicionalmente vinculado a uma representação fiel e bem
executada da natureza, o grotesco foi prontamente também associado à ideia do feio.
Datando o surgimento de uma nova vertente, a maneirista, a partir da morte de Rafael
Sanzio (1483-1520), o Eco indicou o início de escolhas artísticas em direção a caminhos menos
óbvios. O Maneirismo então se caracterizou por uma visão de mundo menos ordenado e mais
dinâmico, combatendo a severidade da cultura do Renascimento Os maneiristas optaram por
figuras em movimento e um mergulho do fantástico. Como exemplo Eco destacou as
composições inesperadas de Giuseppe Arcimboldi (1527-1593), que realizava composições nas
quais as figuras humanas eram formadas por mosaicos de flores e frutas e outros objetos
tradicionais das naturezas mortas em uma ilusão de ótica.

Figura 27. Primavera e Verão, Giuseppe Arcimboldi, c. 1580

No Maneirismo o objetivo não era a imitação do belo natural, mas sim o expressivo. A
deformação seria uma recusa da imitação e das regras, assim resultando no bizarro, no
extravagante, no disforme e no extraordinário (ECO, 2014).
90

Posteriormente, o dinamismo dos maneiristas cedeu espaço às tensões do Barroco. O novo


movimento consolidou a substituição da beleza rígida e imóvel dos clássicos e a renovou com
uma beleza dramática, dinâmica e intensa. Conforme Umberto Eco, o século XVII exprimiu uma
beleza para além do bem e do mal, recorrendo a um tema em particular para também ilustrar o
seu oposto. A morte e o macabro foram motes recorrentes na mentalidade barroca, assim como o
onírico.
Em outro salto temporal o autor tratou do século XVIII e do Neoclassicismo. Apesar de
superficialmente um período racionalista, apontou que a fase do Iluminismo também apresentou
dualidades que lhe conferiram um relativo dinamismo e tensão: se por um lado foi o século do
esclarecimento de Kant, também foi o tempo da literatura obscena do Marquês de Sade; de um
lado houve o rigor individualista e do outro, a paixão coletiva pela arqueologia, pelo clássico da
Antiguidade e pela beleza exótica não europeia.
Da segunda metade do século Eco destacou um momento de ruptura com os estilos
tradicionais em busca se um estilo original, baseado em um inovador debate estético em relação à
Renascença e o século XVII: ocorreu a recusa por poses e temas tradicionais e um desejo de
liberdade em relação aos cânones, estando o artista e o crítico menos submetidos à dependência
do mecenato, graças à expansão da indústria editorial. Representando o pensamento da época foi
destacado David Hume (1711-1776) e sua posição acerca da crítica do gosto, na qual a beleza
existiria apenas naquele espírito que a contempla, sendo esta diversa e subjetiva:

(...) o crítico só pode determinar as regras do gosto quando é capaz de se libertar


dos hábitos e preconceitos que, do exterior, sobredeterminam o seu juízo, o qual,
ao contrário, deve basear-se em qualidades interiores como bom senso e
liberdade em relação aos estereótipos, além de método, excelência, prática.
(ECO, 2013, p. 245-246).

Do pensamento dessa era Eco também ressaltou a figura de Edmund Burke (1729-1797),
autor que discordou da proporção como um critério válido para o julgamento do belo. Burke,
contrariando seus antecessores, publicou a sua própria concepção sobre o belo e o sublime,
negando a ideia de que, apesar de não haver medidas fixas que resultariam na beleza, no entanto
haveria uma proporção essencial para cada espécie para se alcançar o belo. Para o autor não
seriam as medidas, mas sim o porte do objeto o gerador da beleza. A proporção não seria a fonte
91

do belo, sendo que a predileção humana por proporções seria um mero reflexo de nosso apreço
por nossas obras construídas, nossas ideias e falsos raciocínios. Burke afirmou ainda que a
deformação é o oposto da forma completa, e assim, é uma ausência (BURKE, 2013). O autor
ainda indica que a deformidade é compatível com a ideia do Sublime, não sendo, porém, uma
ideia sublime a menos que associada a um grande terror.
Desmistificando outras supostas fontes da beleza, Edmund Burke voltou-se também para
a adequação e a perfeição. A ideia de utilidade e adequação à função não necessariamente
resultariam no belo. Da mesa forma, nem todas as formas ditas como perfeitas gerariam a emoção
do belo. O efeito da adequação causaria aprovação, mas não uma impressão profunda de prazer
ou paixão. A perfeição, por sua vez, também não seria o fator determinante da beleza, pois assim
seria apenas em casos muito particulares, em formas pequenas, lisas, delicadas e de cores puras.
Ainda como destaque do século XVIII, Immanuel Kant (1724-1804) e suas Críticas
foram citados devido à ressonância que a obra do filósofo conferiu aos aspectos subjetivos e
indetermináveis do gosto, sendo o prazer da contemplação do belo algo desinteressado: sobre a
reflexão se algo é de fato belo, Kant propôs que não se deve haver interesse na existência do
objeto, pois quando realmente julgamos, o fazemos como mera contemplação – intuição ou
reflexão. (KANT, 2009, p.48). Para Kant, o belo se relacionava apenas com o natural, e nas artes
somente as representações naturalistas e realistas poderiam ser ditas como belas. O belo seria
apenas plenamente percebido em uma condição entre o entendimento (razão) e a imaginação,
sendo o gênio o único capaz de reproduzir, sem interesses, a beleza natural e verdadeira. O belo
kantiano era assim algo não muito recorrente e relacionado à semelhança da natureza. Considero
que o filósofo tratou sobre o belo de modo antiplatônico, já que na visão de Kant o belo se
manifestaria através da forma dos objetos sensíveis, e não em um outro plano, ideal.
O filósofo definiu que o gosto referia-se à “faculdade de julgar o belo” (KANT, 2009, p.
47). Segundo a sua filosofia estética, para julgar algo como belo relacionamos a representação ao
objeto e ao sentimento de agrado por ele experimentado, isso tudo por meio da imaginação; Kant
cogitou também a possibilidade de um vínculo com o entendimento nesse ato imaginativo. O
juízo do gosto se basearia então em fundamentos a priori (KANT, 2009, p. 66), sendo individual,
estético (fundamentado na subjetividade) e essencialmente empírico.
92

Na filosofia proposta por Kant os juízos estéticos foram divididos em empíricos e puros.
Empíricos seriam os que predicam se um objeto ou sua representação são agradáveis; os puros,
por sua vez, apontariam se algo é belo ou não. Enquanto formais, os juízos puros são os juízos de
gosto genuínos (KANT, 2009, p. 68). Ainda para o filósofo, o belo se distinguiria do agradável,
apesar de terem ambos relação com a faculdade de desejar. O agradável, por sua vez, foi definido
como aquilo que agrada aos sentidos, gerando uma inclinação em direção a ele pela satisfação:

Que meu juízo de um objeto declarando-o agradável expressa um interesse por


esse objeto fica claro pelo fato de que mediante a sensação se desperta um
desejo por tal objeto e, portanto, o prazer pressupõe não só o meu juízo sobre
ele, mas também a relação de sua existência ao meu estado na medida em que
este é afetado por tal objeto. É por isso que do agradável se diz não apenas que
agrada, mas que satisfaz. (KANT, 2009, p. 51).

A distinção entre belo e o simplesmente agradável se daria porque o prazer pelo belo
dependeria da reflexão sobre um objeto conduzindo a um conceito, enquanto o agradável se
basearia na sensação e no prazer, senso assim associado a um interesse.
Immanuel Kant também diferenciou o bom e do belo, já que bom seria aquilo que, em sua
filosofia, agradaria pelo conceito mediante a razão. No caso do bom, estariam contidos os
conceitos de um fim e de uma classe de interesse: para saber se algo é bom, haveria a necessidade
de conhecer um conceito sobre ele, fato que não se passaria com o belo. O belo puro e livre
(existente pela mera forma), segundo o autor, deveria ser essencialmente contemplativo (KANT,
2009) representando-se como objeto de prazer universal, não dependente do conceito de
perfeição. O belo, o agradável e o bom, para o filósofo, indicavam três relações de representação
com o sentimento do agrado, sendo apenas o belo um prazer livre e desinteressado, existindo
apenas entre a raça humana: “É agradável para alguém aquilo que o deleita; belo, aquilo que
simplesmente o agrada, bom, aquilo que aprecia, aprova, isto é, aquilo a que atribui um valor
objetivo”. (KANT, 2009, p. 54).
Em Observações sobre o sentimento do belo e do sublime Kant introduziu que a noção do
belo e de seus opostos depende da percepção do indivíduo pelos sentidos (equilibrando razão e
emoção), não sendo eles contidos nos objetos:

As diferentes sensações de contentamento ou desgosto repousam menos sobre a


qualidade das coisas externas, que as suscitam, do que sobre o sentimento,
93

próprio a cada homem, de ser por elas sensibilizado com prazer ou desprazer.
Provém daí as satisfações de alguns homens por aquilo de que outros têm asco, a
paixão amorosa, que freqüentemente é um enigma para todos, ou mesmo a
intensa repugnância que alguém sente por algo que é de todo indiferente a outra
pessoa. (KANT, 2000, p. 19).

Por fim, o autor expôs ainda que, acerca da natureza humana, não existiriam boas
qualidades cujas variações não indicassem uma grande imperfeição. Ao tratar das anomalias do
sublime (que em si já é desequilíbrio desconcertante), Kant apontou para o fato que tudo aquilo
que não fosse natural, embora presumisse uma parcela do sublime, tratar-se-ia de uma caricatura.
Novamente sobre o século iluminista, Eco apontou que aquele foi o momento em que se
impuseram os termos como gênio, gosto, imaginação e sentimento, indícios de uma nova
concepção do belo a surgir. Esses termos remetiam às particularidades do sujeito, daquele que
tem o dom de criar e a sensibilidade necessária para apreciar.
O século XVIII ainda foi relevante para o estudo do belo por ter sido o momento da
publicação de importantes obras que estabeleceram a Estética como disciplina autônoma:
Reflexões críticas sobre a pintura e sobre a poesia , de Jean Baptiste Dubos (1709); As belas
artes reduzidas a um mesmo princípio, de Charles Batteux (1746); Estética – A lógica da arte e
do poema, de Alexander von Baumgarten (1750) e Investigação filosófica sobre a origem de
nossas ideias do sublime e do belo, do mencionado Edmund Burke (1757).
Nesse contexto, a ideia do sublime ascendeu com força peculiar, motivado pelas viagens
de exploração e conquista e pelo gosto pelo curioso e o exótico. Anteriormente o sublime foi
visto como uma associação da experiência da natureza e não da arte, sendo nele privilegiados os
fenômenos do doloroso, do tremendo e do informe, e reconhecida a capacidade da arte em
representar de modo belo inclusive a feiura. Segundo Eco, a ideia do sublime já pode ser
identificada na Poética de Aristóteles no sentido de que a tragédia, através da catarse
(purificação) promovida pela libertação do espectador das paixões, que por si só não
proporcionam nenhum prazer. (ECO, 2013). Já no século XVII o prazer estético foi dividido em
belo e sublime, sendo, porém, que o sublime adquiriu algumas das características já atribuídas ao
belo.
Retomando Burke, para Eco as fontes do sublime atuariam de forma análoga ao terror,
incitando ideias de dor e de perigo e sendo relacionável a objetos e fenômenos terríveis. O
94

sublime seria produtor da mais “forte emoção que o espírito é capaz”. (BURKE, 2013, p. 59).
Para ser deliciosa, no entanto, essa emoção deveria estar precisamente relacionada a um terror e
perigo vindos da natureza, porém menos prováveis de realmente acontecerem, já que o perigo de
morte e o sofrimento eminente não proporcionam prazer e são puramente aterradores. Por fim o
autor comparou o belo e o sublime em contraste notável:

(...) os objetos sublimes possuem dimensões muito grandes, ao passo que os


belos são comparativamente pequenos; a beleza deve ser lisa e polida; o
grandioso, áspero e rústico; a beleza deve evitar a linha reta e, contudo, fazê-lo
imperceptivelmente; o grandioso, em muitos casos, condiz com a linha reta, no
entanto, quando dela se desvia, é de modo bem acentuado; a obscuridade é
inimiga da beleza; as trevas e as sombras são essenciais ao grandioso; a beleza
deve ser leve e delicada; o grandioso requer a solidez e até mesmo as grandes
massas compactas. (BURKE, 2013, p. 155)

A ascensão do sublime como tema das artes coincidiu com passagens das tendências
neoclassicistas para as românticas, constituindo o movimento que didaticamente se designa como
Romantismo. O domínio da razão característico do estilo anterior foi substituído aos poucos pelo
reinado da emoção e pela co-presença fortalecida das antíteses verificáveis desde o Maneirismo,
sobretudo os binômios morte e vida, realidade e onírico, razão e emoção, exuberância e
decadência. Nessa co-presença eram admitidos e valorizados os aspectos da Beleza do grotesco,
do soturno e do melancólico.
Para Eco, as explorações, viagens, arqueologias do século XVIII foram diretamente
responsáveis pela visão acerca da beleza, assim como a crescente autonomia do artista e do
crítico de arte. O mundo passou a ser visto como “reservatório de imagens variadas” e exóticas
(ECO, 2013, p. 308). Assim, a nova concepção do belo se baseava na imprevisibilidade do caos,
no mistério, na deformidade e na vagueza de definições. Nisso o feio não foi negado, sendo outra
face do belo.
A Beleza romântica expressa, em suma, um estado d’alma (...) elaborando
formas que, por sua vez, serão retomadas pela Beleza onírica dos surrealistas e
pelo gosto macabro do kitsch moderno e pós-moderno. (ECO, 2013, p. 299).

Representando os primeiros indícios do sentimento romântico, Umberto Eco elegeu o


pensamento de Jean Jacques Rousseau (1712-1778): a razão não daria conta de explicar a
realidade, pois a sociedade aristocrática estaria corrompida e a própria razão e cultura fariam
95

parte do processo degenerativo. Novas armas, não baseadas na racionalidade, seriam necessárias
para a batalha do século XIX, baseadas no sentimento, na própria natureza e em uma verdadeira
espontaneidade do indivíduo.
O movimento Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto) também lançou a sua crítica
contra a civilização da época, responsabilizando a razão dos soberanos iluminados pela negação
da liberdade da camada intelectual em ascensão, parcela alheia à moral e às ideias aristocráticas e
desejosa dos ares da modernidade. Ao contrário dos estilos de caráter clássico, o Romantismo
acreditava que uma verdade oculta era revelada pela beleza, segundo Eco. Por causa desse
compromisso com a verdade a tendência não negou o grotesco, o horrendo e inclusive o sublime,
aspecto bastante valorizado pelos artistas.
O Romantismo e seu interesse pelo sublime, por sua vez, lançaram um novo olhar ao feio,
vendo-o como elemento importante para a compreensão do belo. Surgiram assim na literatura e
nas artes plásticas personagens feios (a Criatura em Frankenstein), loucos (Heathcliff em Morro
dos ventos uivantes) ou condenados à infelicidade e à morte precoce (o suicídio de Werther em
Os sofrimentos do jovem Werther).
Do século XIX Eco destacou a publicação do primeiro estudo do Feio, Estética do feio
(1853), de Karl Rosenkrantz, no qual complementou-se a antiga associação entre belo e bem por
meio da analogia inversa entre o feio e o mal moral. A obra apontou que ao longo da história o
feio associado a termos de caráter negativo como pesado, monstruoso, grotesco, horrível,
obsceno e odioso, enquanto o belo foi relacionado a conotações positivas:

(...) enquanto para todos os sinônimos de belo será possível conceber uma
reação de apreciação desinteressada, quase todos os sinônimos de feio implicam
sempre uma reação e nojo, se não violenta repulsa, horror ou susto. (ECO, 2014,
p. 19)

Assim, Rosenkranz analisou o feio na natureza, no espiritual, na arte (como incorreção


artística), na deformação moral e no repugnante (citando perfis como o desajeitado, o morto, o
criminoso, o demoníaco, etc.). Todos esses pontos de análise do feio encaminham para sua
designação como algo que potencialmente pode se encontrar além dos limites da mera oposição à
beleza ou da simples ausência de proporções. Segundo exemplifica Eco o conceito de horror (um
dos antigos atributos do grotesco) pode aparecer em casos tradicionalmente associados ao belo,
96

como o fantástico, o legendário e mesmo o sublime. Isso aponta para a ideia de que há uma
modalidade envolvendo a feiura em tal potência que extrapola os limites das definições, podendo
invadir territórios que são atribuídos ao belo. Aqui, entende-se que essa potência a qual o autor se
refere é o grotesco. Apesar de interpretações posteriores as de Rosenkranz31, a compreensão do
feio como oposto direto do belo e sua conexão com o conceito de grotesco foram as ideias mais
predominantes.
Com crescimento industrial e urbano promovido pelo capitalismo em expansão, o artista
passou a se ver oprimido diante da anonimidade das metrópoles e pela substituição do homem
pelas máquinas, vide o advento da fotografia no século XIX e a crise na pintura decorrente da
invenção e do crescimento comercial. A nova sociedade industrial da segunda metade do século
XIX, ao mesmo tempo, estava dividida em classes, das quais algumas não tinham a questão
estética como interesse emergencial. Motivado pelos conflitos, o artista optou por se tornar
“diverso” e por levantar a bandeira da “Arte pela Arte”, chegando a viver a sua própria existência
como obra, mesmo que decadente - de fato, o Simbolismo do período foi definido por Eco como
um estilo da beleza decadentista.
Em resposta à velocidade do mundo tecnológico e sobretudo ao advento fotográfico, os
impressionistas renovaram a estética mais uma vez no século XIX, sendo o belo não mais
transcendente. Essa estética coincidiria com a verdade concreta, captada nas primeiras impressões
do mundo. A realidade, assim, seria o panorama das diversas impressões e essências do mundo
captadas pelo sujeito e a arte, o espaço para as novas experimentações técnicas e meio de
conhecimento, não mais como mecanismo de provocação de êxtase estético. Em contrapartida ao
universo artístico, o belo segundo o gosto burguês se baseava na função prática do objeto
apreciado, assim, o belo se transfigurou no adequado aos fins.
Conciliando os dois gostos, o do artista e o do burguês, instituições como o Centrum
School of Arts and Crafts encabeçaram iniciativas para produções que unissem beleza e
funcionalidade. Surgiu assim o Art Nouveau e suas variações, como o Jugendstil na Alemanha e
o Secessionstil no Império austro-húngaro, movimento ao qual Gustav Klimt e Egon Schiele se
envolveram. A estética do Art Nouveau influenciou diretamente os ramos da decoração e da

31
Karl Friedrich Flögel (1729-1788) no século XVIII relacionou o grotesco ao cômico, ao burlesco e ao ridículo.
Christoph M. Wieland (1733-1813), no final do mesmo século, inseriu o aspecto caricatural ao grotesco.
97

moda, além de dialogar com um novo padrão de beleza, simbolizado por Isadora Duncan (1877-
1927): “a mulher Jugendstil é uma mulher sensual, eroticamente emancipada, que recusa o busto
realçado e ama a cosmética”. (ECO, 2013, p. 369).

Figura 28. Fotografia de Isadora Duncan, Arnold Genthe, data desconhecida

Apesar de inicialmente vinculado à produção em estilo secessionista, sobretudo no


período em que trabalhou como criador de estampas e vestuário e postais, Egon Schiele
paradoxalmente se distanciou do estilo ao negar uma das essências das vertentes do Art Nouveau:
para Eco (2013) a beleza dessa fase era oposta ao decadentismo como tendência; já em Schiele,
esta é uma das palavras-chave para a compreensão da provocação de sua obra.
Em relação às vanguardas e suas conexões com o feio e com o grotesco, Eco indicou,
parafraseando Carl Jung (1875-1961), que o gosto estará sempre em atraso em relação à
novidade. Os artistas das novas gerações, remetendo ao desregramento dos sentidos e alcançar o
desconhecido, propunham-se não a belas representações do feio, mas a denunciar feias facetas da
realidade (ECO, 2014).
98

Victor Hugo (1802-1885) admitiu os sentidos do horror e do cômico – inserido por Flögel
– no grotesco, porém acrescentou as dimensões do disforme e do feio múltiplo, que poderia ser
facilmente encontrado na natureza ou nas representações, em contrapartida à unicidade e raridade
do belo. Segundo Wolfgang Kayser32 (2009, p. 59), um dos maiores estudiosos do grotesco no
século XX, Victor Hugo “converteu o grotesco em característica essencial e diferenciadora de
toda arte pós-antiga”. Assim, pode-se deduzir que Victor Hugo discordava, em parte, de autores
como Immanuel Kant, que acreditavam que o belo se relacionava com as representações que em
muito se assemelhavam à bela natureza: apesar de Hugo admitir o gosto por cânones clássicos,
que aspiram ao realismo, sugeriu que o fenômeno do feio também possuía uma origem na
natureza e em sua semelhança.
Séculos mais tarde à descoberta dos vestígios do passado pelos italianos do século XV,
em contraposição à subjetividade da recepção do grotesco, o ponto de vista científico e
determinista de Charles Darwin (1809-1882) em A expressão dos sentimentos o homem e nos
animais aparentou destacar que, apesar das diferenças culturais pelo mundo, ocorreria a
manifestação de elementos que poderiam ser ditos como universalmente considerados feios,
repulsivos e grotescos: “parece que os diversos movimentos descritos como expressivos do
desprezo e do nojo são idênticos em grande parte do mundo” (DARWIN apud ECO, 2007 p. 19).

1.1.4. O feio, o grotesco e Egon Schiele

Por meio das múltiplas interpretações do grotesco ao longo dos séculos, é compreensível
que após o século XIX o conceito tenha também se vinculado ao princípio do curioso e se
tornado, para os jovens artistas das vanguardas europeias, um interessante aspecto para
investigações artísticas. Artistas que, assim como Egon Schiele, procuravam referências no
passado, mas também pontos que foram pouco discutidos ou abordados de modo conflitante no
âmbito da arte: o grotesco foi um ponto polêmico para pensadores e artistas.
No caso de Egon Schiele, sua teoria da arte evidencia que a tradição esteve presente como
um elemento não para ser aceito e fielmente reproduzido, mas como algo a ser desafiado,

32
Kayser define que o grotesco é determinado e acontece na recepção da obra de arte, não pela intenção e produção do artista.
99

modificado e atualizado. Assim como muitos de sua época, o artista optou por recorrer a aspectos
sociais bastante pontuais como temáticas para suas propostas em arte: ruptura dos valores
religiosos, dos tabus morais e dos cânones da arte. Em um contexto artístico no qual a palavra de
ordem já era a revolução, Schiele escolheu justamente três dos assuntos mais complexos do ponto
de vista de rígidos grupos sociais como foram os vienenses do início do século XX: religião, sexo
e morte.
Acredito que a ruptura da iconográfica apontada como manifestação por meio das obras
foi possível pela inserção do grotesco, uma poética que unificou a estética da decadência ao
erotismo e ao obsceno. Foi o grotesco em Schiele que alterou os símbolos da tradição e inverteu
os valores de vida e morte, tornando as representações desconcertantes não apenas pela
deformação dos corpos ou pelo tratamento pictórico que remete à decomposição, mas
principalmente porque aquilo que é apresentado subverte a ordem natural de uma tradição
relevante como base cultural.
Quais motivos levaram a essas escolhas? A resposta é complexa e um olhar biográfico
não trouxe afirmações plenas, mas foi capaz de apresentar indícios. Schiele, durante parte de sua
carreira, foi um marginalizado; mesmo quando recebeu o apoio de Klimt, preferiu o isolamento
dos grandes círculos, buscando o contato com pessoas simples ou também em posição marginal.
Por meio de suas biografias, cartas e poemas é possível verificar que Schiele foi um indivíduo
que encontrou dificuldades para se adequar às exigências de seu meio, situação que se alterou
apenas após 1915, quando se casou com a filha de uma família burguesa.
Dentre um dos aspectos do seu grotesco, destaco o interesse do artista por imagens que
remetem ao mundo da loucura. Essa hipótese demonstra-se pertinente pois a fase em que Schiele
viveu na capital foi também um momento em que houve publicações sobre o grafismo das
crianças e sobre o universo dos pacientes psiquiátricos, almanaques consumidos pelo público não
especializado por meio do interesse no curioso, e porque não, no grotesco das imagens
apresentadas.
100

Capítulo 2 – Encontros entre a arte e a ciência: a visão dos artistas e a censura


nazista

O momento histórico que englobou o final do século XIX e o início do século XX foi
marcado pelo pensamento de Sigmund Freud, mas também por acontecimentos na área da
psiquiatria anteriores ao início do trabalho de Freud como psicanalista. O fim do século, o
período no qual a arte era ainda influenciada por resquícios do Romantismo inseridas no
Neoclassicismo, foi marcado por um intenso interesse de artistas pelo tema da loucura.
Interessava especificamente a visualidade em torno dos pacientes psiquiátrico, tanto a sua
produção gráfica quanto as fotografias utilizadas nos hospitais como registros e índices de
sintomas. Como vanguardistas, os novos artistas se propunham a experimentações que rompiam
com tabus, por isso a suas aproximações com o mundo da psiquiatria, estabelecendo uma
inovadora relação entre arte e ciência. A aproximação, no entanto, não foi bem recebida por
todos, tendo sido posteriormente utilizada como prova de falta de discernimento por censores
nazistas ao longo da década de 1930.
Recorro à contextualização histórica da imagem do paciente psiquiátrico elaborada por
Tatiana Fecchio Gonçalves em sua tese de doutorado de 2010. Segundo a pesquisa da autora, ao
longo da história a loucura foi vista por diferentes prismas e explicações, sendo citados:
desiquilíbrio de fluídos (na Grécia, século V a. C), emoção breve, porém intensa (século XV-
XVI), deficiência ou punição divina, sinal de extrema sabedoria, possessão (algo externo ao
sujeito), inconsequência, estado brincalhão, inadequação aos padrões, falta de inteligência,
doença do corpo físico ou psíquico, a partir do século XV e XVIII, respectivamente, e por fim,
como indicio da genialidade, sobretudo no caso dos artistas (GONÇALVES, 2010).
Da iconografia do louco, reflexo das percepções históricas acima citadas, Gonçalves
destacou algumas para análise. Primeiramente, abordou a representação do louco em sua
agressividade. Muitas das representações desse gênero traziam pessoas em ímpetos de
bestialidade ou acorrentadas (GONÇALVES, 2010).
A segunda grande esfera de representação foi a do louco em seu caráter melancólico: “a
melancolia, como um dos estados de alteração dos humores, condensa referências à tristeza,
inatividade, introspecção e abatimento”. (GONÇALVES, 2010, p. 49). A pesquisadora destacou
101

como visualidades clássicas da melancolia o semblante escurecido, a cabeça sustentada pelas


mãos, fechadas em punho. Em outro núcleo de imagens da loucura estava o caráter de exclusão
social, sendo a loucura “não mais como patologia endógena dos sujeitos, mas como resultado de
seu abandono e negação pelo meio” (GONÇALVES, 2010, p. 51). Por fim, foi destacada a
representação da loucura em seu caráter de comprovação de uma teoria, na qual o indivíduo era
paciente em um ambiente hospitalar/clínico, sendo objeto de análise pelas pessoas sãs.
Como explicado anteriormente, o advento da fotografia foi um evento marcante para as
artes, sobretudo a pintura: a nova técnica de captura da imagem foi considerada uma fonte de
conhecimento mais fidedigna, o que explica a sua apropriação pelo ramo das ciências. Desse
modo, dentro da área da psiquiatria, a imagem passou a ser usada como complemento ao
diagnóstico promovido pelo médico especializado. No entanto tais fotografias psiquiátricas
acolheram a tradição da representação do louco oriunda das artes anteriores (GONÇALVES,
2010), reproduzindo antigos padrões iconográficos para a nova linguagem. Assim o louco
agressivo, o melancólico, o excluído foram estereótipos legitimados pela suposta conexão
indelével entre fotografia e realidade, em um processo que não se restringiu apenas à medicina,
mas alcançou um grande público leigo através de publicações populares (GILMAN, 1982).

2.1. Os almanaques psiquiátricos e as vanguardas: Schiele e Charcot

De acordo com Gemma Blacksaw (2007), o autor Klaus Albrecht Schröder foi o
pioneiro a apontar uma possível correlação entre a estética de Egon Schiele e as publicações
sobre doenças nervosas, de consumo popularizado no início do século XX. Exemplo de destaque
desse perfil de almanaques foi a Iconographie photographique de la Salpêtrière (Iconografia
fotográfica da Salpêtrière), desenvolvida entre 1876 e 1880 por por Désiré-Magloire Bourneville
e Paul Régnard, ambos alunos sob supervisão de Jean- Martin Charcot. Em 1880 Régnard foi
substituído por Alberto Londe: a partir de 1888 surgiu uma nova edição da Iconographie, a
Nouvelle Iconographie de La Salpêtrière (Notícia iconográfica da Salpêtrière), que circulou até
1918.
102

Figura 29. Fotografias de paciente em Iconographie photographique de La Salpêtrière. Albert Londe, 1878

A edição iniciada em 1876 se consolidou na forma de três volumes, cujos textos e


fotografias sobre pacientes com histero-epilepsia33, representavam as observações clínicas feitas
por Charcot no Hospital da Salpêtrière34, além de suas teorias sobre as origens e as manifestações
da histeria. As imagens fixadas de “auras, contracturas da face, blefarospasmos, bocejos,
paraplegias, catalepsias, cifoses histéricas, paralisias faciais e até episódios de sono histérico” 35
eram simultaneamente parte de métodos de análise científica e curiosidades de uma espécie de
freak show ofertado para as pessoas que não eram da área, fenômeno que indico como
manifestação de interesse coletivo pelo grotesco em sua faceta de curiosidade.
O parisiense Jean-Martin Charcot (1825-1893) foi um médico neurologista, cientista e
professor de Medicina, considerado um dos pioneiros da neurologia moderna. Engajado também
nos estudos da psiquiatria, durante certo período teve como orientando Sigmund Freud. Entre os

33
GRAMARY (2008, p. 61).
34
Localizado em Paris. Na época de Charcot a instituição de saúde funcionava como asilo e hospital psiquiátrico
para mulheres.
35
GRAMARY (2008, p. 61).
103

postulados que transmitiu para o seu aluno antes de sua fama estava o princípio da hipnose como
um método eficaz de tratamento para as patologias psíquicas como a histeria.
Durante o auge da influência de Charcot no hospital, que na ocasião contava com 4300
mulheres internadas, foi instaurado o Serviço de Fotografia de La Salpêtrière. Recorrendo à
técnica fotográfica como instrumento de potencial científico e de diagnóstico, Charcot acreditava
que “o médico é inseparável do artista. Um orienta o outro; eles se ajudam uns aos outros”.36
Além das possibilidades de diagnósticos associáveis às imagens fotográficas, Charcot confiava
que as fotografias de seus pacientes na Salpêtrière contribuiam igualmente à arte. Por diversas
ocasiões correlacionou peças de seu acervo diagnóstico-fotográfico com obras de arte, tal como
fez ao indicar uma possivel representação da deformidade da sífilis em trabalhos do espanhol
Franciso de Goya (1746-1828).
As edições supervisionadas por Charcot e promovidas com o auxílio de seus alunos e
residentes se tornaram sucesso na Europa, abrangendo um público que ia de curiosos a médicos,
passando por artistas em formação: “as publicações enfatizaram não apenas o valor estético do
corpo do paciente, mas também a maneira pela qual os médicos poderiam lançar uma nova luz
sobre a representação da deformidade (les difformités) na arte (...)”.37 Portanto, pode-se
considerar que o corpo patológico se tornou um corpo sob olhar público, passível de ser
manipulado e minuciosamente observado em aulas lotadas de medicina ou apropriada enquanto
imagens do imaginário popular.
Egon Schiele, assim como outros artistas de sua época, se interessou pelos aspectos da
iconografia patológica. Aponto como evidência desse interesse a produção gráfica de meados de
1910, período no qual o artista manteve uma amizade com o ginecologista Erwin von Graff,
médico que, entre 1904 e 1908, havia aprofundado seus estudos em anatomia patológica. Em
1910 Schiele recebeu de Graff a autorização para pintar pacientes de seu consultório – são dessa
época os retratos de gestantes e recém-nascidos. No mesmo ano em que frequentava um ambiente

36
Tradução minha de “le médecin est inseparable de l' artiste. L'un guide de l'autre; ils s'entraident mutuellement”.
(BLACKSAW, 2007, p.386).
37
Tradução minha de: “Richer’s publications emphasized not only the aesthetic value of the patient’s body, but also
the way in which doctors could shed new light on the representation of deformity (les difformités) in art (…)”.
(BLACKSAW, 2007, p. 388).
104

clínico que mantinha exemplares completos da Nouvelle Iconographie de La Salpêtrière38,


Schiele inseriu em seus autorretratos a personificação do corpo patológico, extremamente esguio,
em tons de verde e em poses expressivas, a exemplo do analisado Autorretrato no Museu Lasar
Segall.
Outra peça-chave para
compreender a inserção do visual patológico
nos autorretratos do artista austríaco foi a
ligação do artista com Erwin “Mime” van
Osen (1891 — 1970), ator, artista
performático e pintor que recorria à estética
das mímicas em suas obras, e
coincidentemente, também mantinha
ligações com o Dr. Graff. Em diversas
ocasiões, Mime posou para Egon Schiele,
porém suas influências mútuas extrapolaram
a simples relação artista-modelo. As
pantomimas de Mime também se inspiravam
nas torções corporais perceptíveis em
pacientes portadores de histeria e epilepsia.
Em carta de Mime van Osen para Schiele,
Figura 30. Retrato de Mime van Osen. datada de 1913, o mímico informava ao
Egon Schiele, 1910
amigo: “Eu ainda tenho que terminar um retrato em Viena, e alguns desenhos na Steinhof para o
'Dia da Ciência’, onde Dr. Kronfeld estará falando sobre a expressão patológica no retrato ... Eu
já estou simulando todas as doenças para que eu possa sair mais cedo". (BLACKSAW, 2007, p.
395).
Com base nessas duas pessoas conectadas a Egon Schiele por volta de 1910, pode- se
admitir a possibilidade de que a gestualidade de seus autorretratos do período tenha sido
influenciada pelas iconografias e estereótipos propagados tanto por meio das publicações em
moda quando pelas caricatas performances cênicas experimentadas por seu amigo ator. Essa
38
Tradução minha de BLACKSAW, 2007, p. 392.
105

aproximação de Schiele, no entanto, não ficou marcada apenas em suas obras visuais, mas
também em fotografias nas quais o artista estava presente. Uma série de imagens de Schiele em
posições distorcidas levou à sugestão de uma hipótese, que se tornou rumores e parte do
imaginário contemporâneo sobre o artista, de que o mesmo não apenas tenha se interessado pela
temática dos pacientes psiquiátricos, como também era portador de uma doença neurológica.

Figura 31. Egon Schiele e Anton Peschka. Anton Peschka, 1910

Em seu artigo de 2010 nomeado Egon Schiele and dystonia, Frank J. Erbguth explorou
esses rumores e possibilidades nas supostas relações entre Egon Schiele e a síndrome neurológica
distonia39. Inicialmente, o autor aponta que a autorrepresentação do corpo de Schiele em poses
distorcidas e similares às posturas de portadores de distonia levantaram questões sobre a
possibilidade de o artista ter sido também acometido pela doença, mais especificamente a
distonia cervical. Tal observação, acredito, teria surgido principalmente por causa dos tipos de
posturas e gestos com as mãos com os quais o artista foi fotograficamente registrado ao longo da
vida.

39
Distonia é uma síndrome que se caracteriza por posturas anormais e movimentos repetitivos geralmente torcionais.
Os movimentos podem afetar qualquer parte do corpo, assim como a musculatura axial, cranial e dos membros,
levando a contrações musculares muitas vezes dolorosas. SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA
BRASILEIRA ALBERT EINSTEIN (2015).
106

No entanto, Erbguth em seguida indicou que tal hipótese era remota, e possivelmente
infundada, já que os dados biográficos e os relatos de contemporâneos ao artista não atestaram a
existência de uma doença de tal nível. Portanto, descartando a doença de Schiele, para o autor
havia duas possibilidades para elucidar a súbita aparição de torções similares à gestualidade
distônica e histérica nos autorretratos de Schiele a partir de 1910. A primeira se fundamentava na
probabilidade de que a incorporação da aparência e das posturas distônicas fosse aliada à
construção de elementos estilísticos: seria a distorção corporal e gestual um reflexo dos preceitos
de um formalismo de essência expressionista. A segunda – e para mim a mais significativa, por ir
ao encontro do alegado por Blacksaw (2007) – afirmava que houve indícios sólidos para se
acreditar que Schiele conhecesse as compilações de imagens científicas de portadores de distonia
e de histeria presentes nas publicações Iconographie photographique de la Salpêtrière e Nouvelle
Iconographie de La Salpêtrière. Assim como Gemma Blacksaw, Frank J. Erbguth (2010, p.52)
relembra a amizade entre Schiele e o doutor Graff, além da circulação do artista dentro do
hospital onde o amigo trabalhava e onde estavam guardadas as edições completas de
Iconographie photographique de la Salpêtrière.
De acordo com esta segunda hipótese, a apropriação das gestualidades patológicas,
anteriormente fotografadas, seria parte de uma estratégia de Schiele para uma melhor aceitação
no mercado de arte local, já que os almanaques franceses de Salpêtrière tinham sido bem
recebidos ao circularem na sociedade local. De fato essa decisão do artista e de outros que
partiram para poéticas similares consolidou a formação de um público, porém também atraiu uma
posterior intolerância, marcada pela rejeição da arte moderna pelos nazistas.

2.2. Arte degenerada em domínios nazistas

Um ano depois de Egon Schiele ter ingressado na Academia de Belas Artes de Viena, em
setembro de 1907, Adolf Hitler (1889-1945) saiu da casa dos seus pais rumo à capital austríaca, a
fim de prestar o processo seletivo da instituição. Ele esteve entre os 113 alunos aceitos para os
testes, mas não fez parte da lista final de 28 candidatos aprovados. A rejeição foi um choque tão
violento contra a autoconfiança em seu talento artístico que o levou a questionar os motivos de
107

sua reprovação ao reitor: a explicação foi que o jovem não tinha talentos para a pintura, mas sim
para a arquitetura, devendo, portanto, procurar outra academia.

Figura 32. Desenho da Catedral Oedensplatz. Adolf Hitler, data desconhecida

A mãe, Klara Hitler, estava na fase terminal de um câncer da mama, por isso o filho não
contou sobre o insucesso para a família. Em sua autobiografia idealizada em 1924, Mein kampf
(Minha luta), Hitler deu a entender que rapidamente aceitou a sua vocação como arquiteto
(HITLER, 2012), mas o biógrafo Ian Kershaw (2010) apontou que os fatos não indicaram o
mesmo, já que Hitler, apesar de abalado com a recente morte da mãe, prestou novamente as
provas em 1908, dessa vez não sendo aceito nem para a primeira fase:

O fracasso na admissão à Academia e a morte da mãe, ambos ocorridos nos


últimos quatro meses de 1907, significaram um golpe duplo e esmagador para o
jovem Hitler. Fora acordado de forma abrupta do sonho de um caminho sem
esforço para a fama de grande artista e, ao mesmo tempo, perdera a única pessoa
de quem dependia emocionalmente. Mas a sua fantasia artística permanecia
viva. (KERSHAW, 2010, p.50).
108

As ambições de Hitler o levavam a sonhar com o reconhecimento que artistas como Hans
Makart40, Peter Paul Rubens41 e Richard Wagner 42 atingiram nas artes plásticas e na música; em
contrapartida, não estava disposto a ter uma rotina de estudos e práticas para se aperfeiçoar,
passando os dias perambulando pelas ruas e planejando o seu brilhante futuro, porém sem nada
executar. Sem uma real dedicação, a Escola de arquitetura de Viena também rejeitou a sua
admissão. (FELICIANO, 2013).
Desempregado, sobreviveu com dificuldades, vendendo cartões-postais que pintava com
as paisagens vienenses e cartazes de propaganda que lhes eram encomendados. De 1908 a 1912
Hitler morou em Viena, vivenciando as experiências de desigualdades sociais que moldaram a
formação de seus preconceitos e fobias, principalmente contra judeus. (KERSHAW, 2010). Em
Minha luta, Hitler explanou sobre os perigos do marxismo e do judaísmo, sendo o judeu o mais
intenso contraste do ariano:

A doutrina judaica do marxismo repele o princípio aristocrático na natureza.


Contra o privilégio eterno do poder e da força do indivíduo levanta o poder das
massas e o peso morto do número. Nega o valor do indivíduo, combate a
importância das nacionalidades e das raças, anulando assim na humanidade a
razão de sua existência e cultura. Por essa maneira de encarar o universo,
conduziria a humanidade a abandonar qualquer noção de ordem. [...] (HITLER,
2016, p. 55).

Conforme o descrito na biografia do ditador e no documentário de Peter Cohen,


Arquitetura da destruição (1989), nos anos 20 as ideias político-sociais de Hitler eram baseadas
na questão judaica, destruição do marxismo, conquista dos trabalhadores para uma fusão entre
nacionalismo e socialismo e na luta entre nações, visões permeadas pelo espectro do darwinismo
social, uma nociva corrupção da teoria evolucionista para o âmbito das Ciências Sociais: as
consideradas raças inferiores seriam as verdadeiras culpadas por todos os níveis de declínio do
povo germânico ariano, principalmente através do cruzamento racial. A única solução definitiva,
do ponto de vista de Hitler e seus seguidores, seria antes de tudo uma medida de exclusão racial:
“o papel do mais forte é dominar” (HITLER, 2016, p.212). E como elemento chave dos perigos
sociais supostamente enfrentados pelos arianos estava afiliada ao conceito de inferioridade de
40
Áustria, 1840-1884.
41
Pintor flamengo, 1577-1640.
42
Alemanha, 1813-1883.
109

raça a ideia de degeneração, definida em Mein kamft como um conjunto de “doenças do físico e
do espírito” (HITLER, 2016, 307).
Artista frustrado e conservador, as suas posições no que dizia respeito à arte moderna
eram tão negativamente radicais que se pode afirmar que o Führer nunca compreendeu a cultura e
a vida modernas; uma modernidade que se precipitava sobre a sociedade e que substituiria
aquelas heroicas quimeras do passado que os nazistas admiravam e tentavam impor
(FELICIANO, 2013).
Após passagens pelo exército e uma incursão da política, Adolf Hitler chegou ao poder na
Alemanha em janeiro de 1933, no mesmo ano já pondo em prática seus planos contra seus
“inimigos raciais” e contra os artistas modernos.
Os crimes cometidos em nome dos ideais do Partido Social Nacionalista Alemão se
relacionaram com as sequelas da Primeira Guerra Mundial na Áustria e na própria Alemanha: o
Império austro-húngaro ruiu em 1918, seu final coincidindo com o término da Grande Guerra.
Ambos os países enfrentaram graves crises social-econômicas ao longo da década posterior ao
final da Guerra.
Em sua obra Origens do totalitarismo, terminada em 1949 e lançada apenas em 1951,
Hannah Arendt (2012) tratou sobre os aspectos sociais que levaram à ascensão na Europa da onda
de governos totalitários, imperialistas e antissemitas. Aliado às consequências catastróficas da
Guerra, que potencializaram tensões sociais já pré-existentes, Arendt acrescentou outro fator a ser
considerado no caldeirão de totalitarismo um pensamento que a autora definiu como onda de
irracionalidade, sobretudo na Alemanha:

Grande parte da atração dos movimentos totalitários foi ainda devida à vaga e
amargurada atitude antiocidental que esteve em moda especialmente na
Alemanha antes de Hitler e na Áustria, mas que nos anos 20 havia tomado conta
também da inteligentsia europeia em geral. Até o momento em que tomaram o
poder, os movimentos totalitários puderam tirar proveito dessa paixão pelo
“irracional”. (ARENDT, 2012, p. 345)

A ideia de construção de uma alma coletiva, mais forte do que as individualidades


supostamente destruídas pela guerra, também foi outro argumento recorrente nos discursos
totalitaristas voltados às camadas populares:
110

Assim, ninguém mais precisaria ser leal ou generoso ou corajoso – pois


automaticamente seria a própria encarnação da Lealdade, Generosidade e
Coragem. O pangermanismo demonstrou ser superior em teoria organizacional,
pois espertamente privava o indivíduo alemão de todas essas extraordinárias
qualidades se não aderisse ao movimento. (ARENDT, 2012, p. 347).

O pertencer ao movimento, ao universal, significaria um caminho seguro para a ascensão


e o retorno ao sublime estado da sociedade. Fazer parte do coletivo expressava força, porém
também significava abdicar do livre arbítrio e da capacidade crítica contra os acontecimentos ao
redor. Posteriormente, com a queda do Terceiro Reich, os julgamentos de nazistas presos
incluíram como questionamento onde estava esse livre arbítrio dos envolvidos.
Compactuando ou atuando diretamente, centenas de alemães e austríacos se envolveram
nos crimes encabeçados pelo alto escalão nazista, dentre eles o terrível Holocausto judeu. Apesar
de tendências revisionistas que proliferam na historiografia desde o fim da Segunda Guerra,
houve significativa quantidade de registros por parte de colecionadores e de instituições de arte
que apontaram para a ocorrência um “holocausto artístico”, a apreensão e venda ilegal e a
destruição de incontáveis obras pelos nazistas: [A] Destruição de 5 mil obras foi decretada pelo
regime nazista, mas até hoje não está esclarecido se de fato ocorreu. Enquanto pesquisas
prosseguem, peças marcadas como incineradas voltam a aparecer. (SPÄTH, 2015).
Na introdução do livro organizado por Stephanie Barron (1991), The fate of avant-garde
in Nazi Germany (O destino da vanguarda na Alemanha nazista), obra de suma importância para
a pesquisa como ampla fonte sobre a ação contra a arte moderna, apontou-se que nas duas
primeiras décadas do século XX houve o fenômeno cultural de um crescente número de
entusiastas da arte moderna na Alemanha, situação que se apresentou em contraposição à censura
e perseguição encabeçadas pelos nazistas nos anos seguintes.
Contextualizando o cenário sociocultural que antecipou os anos 30, alguns eventos foram
apontados como necessários para compreensão do panorama pesquisado. O ano 1871, por
exemplo, foi simultaneamente marcado pela ascensão do Império Germânico, por um
subsequente fortalecimento do nacionalismo alemão e pela publicação do livro The descent of
man (A descendência do homem), de Charles Darwin, posteriormente reinterpretado e usado
como parte da fundamentação de teorias e políticas racistas.
111

O nacionalismo alemão surgido no final do século XIX se baseava na crença


pseudocientífica, o denominado darwinismo social, da existência de diferentes raças humanas,
socialmente e biologicamente divididas em um sistema no qual havia níveis de superioridade e
inferioridade, sendo a raça ariana a mais alta na escala. Julgo que tal pensamento, ao contrário do
definido por Hanna Arendt, não se constituiu em uma mera irracionalidade, e sim em uma
perversão da própria razão técnico-científica, racionalidade esta já anteriormente posta em xeque
por pensadores como Nietzsche. 43
Essa nociva teoria racial já estava muito propagada na sociedade alemã dos anos 1920, e
alguns autores e intelectuais passaram a defender a ideia de que as características raciais
poderiam ser inclusive conectadas às manifestações como as artísticas – assim, um problema de
estilo seria provado pela raça do artista ou pela sua vinculação com ideais dito como inferiores.
Exemplo disto foi o proposto no ano de 1892 com a publicação de Entartung (Degeneração), de
Max Nordau, obra na qual o autor desqualificou os pré-rafaelita e os simbolistas para demonstrar
a superioridade da cultura alemã (BARRON, 1991). Para Nordau todos os artistas modernos,
fossem eles impressionistas, expressionistas ou de qualquer outra vertente, perderam a
capacidade de observar e de representar a natureza devido à deformidade de suas mentes.
(BARRON, 1991, p. 26). Nesse ponto de vista, a degeneração do indivíduo seria a resposta e o
motivo para a degeneração de sua arte: não era somente um trabalho específico degenerado, mas
sim o seu autor e tudo o que ele produziu ou criaria no futuro.
No ano de 1928 Paul Schultze-Naumburg, arquiteto e teórico racial, publicou Kunst und
Rasse (Arte e raça), também atacando e taxando toda a produção de arte moderna como
degenerada. Para demonstrar a correlação entre degeneração e universo artístico moderno o autor
justapôs exemplos de arte e fotografias de pessoas com deformidades. Seu maior alvo, segundo
Barron (1991, p. 12) foram os expressionistas, por representarem o aspecto inferior da moderna
cultura germânica, algo que deveria ser ocultado e superado.
O professor de Psicologia da Harvard Steven Pinker (2004) traçou em Tábula rasa: a
negação contemporânea da condição humana um panorama de como as teorias sobre o

43
Conforme pude estudar durante as aulas frequentadas na disciplina Pensamento humanístico e condição humana
na modernidade, ministradas pelo Prof. Dr. Mauro Cardoso Simões na Faculdade de Ciências Aplicadas, Unicamp
de Limeira.
112

pensamento e os atos humanos foram explicadas ora por condições inatas ora por influência do
meio, começando pelas explicações religiosas. Assim, dividiu a questão em três teorias
defendidas ao longo da história: a tábula rasa, uma visão empirista na qual a mente humana não
possuiria uma estrutura inerente, o fantasma na máquina, que dizia que a mente e a vida seriam
explicadas em bases mecânicas, e a teoria do romantismo do bom selvagem, no qual a influência
social seria a responsável pelas atitudes dos indivíduos, boas ou negativas. Hoje, passadas as
revoluções, o Holocausto e outros genocídios, qualquer afirmação de que a mente possui uma
organização previamente nociva e incorrigível é interpretada não como uma hipótese que pode
ser incorreta, mas diretamente como um pensamento imoral até para ser cogitado (PINKER,
2004). Mas como se pôde observar no caso do Nazismo, nem sempre isso foi assim julgado pela
sociedade e pela ciência.
Antes de aprofundar nas consequências da classificação de um artista cabe discorrer sobre
o significado e a origem do termo. O alemão Entartet (degenerado) é em sua essência um termo
biológico usado para se referir a uma planta ou a animal que, de tão alterado, não pertenceria
mais às suas espécies-base. Ou ainda mais, um termo da medicina para definir a condição
daqueles indivíduos de nervos abalados, portadores de anormalidades genéticas ou que
apresentavam excesso de impulso sexual (BARRON, 1991, p. 26).
A partir de minhas pesquisas sobre o tema, acredito que a associação entre degeneração
biológica e degeneração artística possa ser melhor compreendida a partir do conhecimento entre
dois fatos do passado, o interesse dos artistas por povos não europeus e as conexões entre arte e
ciência. Muitos artistas de vanguarda estavam conectados à arte tradicional africana, objeto de
colecionismo na época por seu exotismo; estavam também interessados na produção gráfica de
pacientes psiquiátricos e nas fotografias de registro de hospitais psiquiátricos. Exemplo de
produção científica que despertou o interesse do ramo artístico foi a pesquisa do psiquiatra Hanz
Prinzhorn (1886-1933). Em 1922 ele publicou Bilderei der Geisteskranken (Imagens feitas pelos
doentes mentais), estudo que compilou e examinou mais de 5000 trabalhos de 450 pacientes,
demonstrando que inclusive a arte dos insanos possuía qualidades visuais particulares
(BARRON, 1991). A aparente espontaneidade e despretensão dos grafismos coletados por
Prinzhorn fascinou os artistas modernos, que pesquisavam e experimentavam novas formas e
processos criativos que os aproximassem do ideal uma arte atual, intensa e verdadeira.
113

Os crimes contra o patrimônio artístico, motivados pela teoria da degeneração e da


periculosidade dos modernos, remontam a 1933, quando os diretores de museus que tinham
elementos de arte moderna nos acervos foram demitidos em massa e substituídos por outros
profissionais vinculados ao Partido nazista, encarregados de reformular as coleções e readequá-
las ao padrão estético do Nacional Socialismo, ou seja, o gosto romântico e neoclassicista
apreciado por Hitler, a exemplo das esculturas de Arno Brecker (1900-1991).

Figura 33. O grande portador da Tocha. Arno Brecker, 1939

Elegendo como ideal de beleza artística as obras derivadas de vertentes tradicionais,


sobretudo do estilo neoclássico ensinado nas academias de belas artes, ou seja, obras que se
inspiravam ou que remetiam ao ideal de beleza da arte grega e romana da Antiguidade, os
idealizadores do Nacional Socialismo definiram que a bela obra de arte seria aquela cuja
representação superasse a perfeição da própria realidade, em imagens isentas de sensualidade.
Em 18 de Julho de 1937, em Munique, Adolf Hitler pessoalmente inaugurou a Haus der
Deutschen Kunst (Casa da Arte Alemã), com a exposição Grosse Deutsche Kunstausstellung
(Grande Exposição de Arte Alemã), primeira de oito exibições anuais promovidas entre 1937 a
1944 para demonstrar “o triunfo da arte do Terceiro Reich” (BARRON, 1991, p. 17).
Em contraposição, a estratégia nazista de valorização do seu ideal de bela arte exigia
ainda a exposição pública do exemplo inverso – as obras ditas como degeneradas. Começou
assim, nos anos 30, uma série de medidas que contra a liberdade de expressão e ofenderam os
direitos de artistas, instituições culturais e colecionadores.
114

Em 1933, em Erlangen, foi inaugurado um dos precursores da Entartete Kunst (grande


mostra de arte degenerada). Na ocasião foram incluídas 32 pinturas, expostas ao lado de trabalhos
de crianças e de pacientes com doenças mentais, em sistema expositivo semelhante ao
mencionado método comparativo de Schultze-Naumburg em Kunst und Rasse.
Quatro anos mais tarde, em 1937, os artistas fora do eixo das vanguardas publicaram um
manifesto intitulado O que os artistas alemães esperam do novo governo 44. Em cinco tópicos,
eles exigiam que:

1. Todos os trabalhos de natureza cosmopolita ou bolchevique deveriam ser removidos das


coleções e museus alemães, mostrados ao público para informar os detalhes de suas
“aquisições” e posteriormente queimados;
2. Todos os diretores de museus que compraram arte “não alemã” deveriam ser demitidos;
3. Nenhum artista com conexões marxistas ou bolchevistas deveria ser mencionado daquele
momento em diante;
4. Nenhuma arquitetura de “aparência de caixa”, como o prédio da Bauhaus, deveria ser
construída dali em diante;
5. Todas as esculturas não aprovadas pelo público deveriam ser imediatamente removidas.

Em partes atendendo aos pedidos dos artistas alemães não modernos, em 30 de junho de
1937, o Ministro de propaganda Joseph Goebbels concedeu a autoridade a comissionados para
selecionar obras degeneradas dos museus públicos, a fim de compor uma grande mostra de
caráter oposto, porém realizada ao mesmo tempo de Grosse Deutsche Kunstausstellung. Os
critérios45 para a classificação dos trabalhos como degenerados seriam:

1. Aqueles que insultavam o sentimento alemão: pode-se entender como englobadas neste
critério principalmente as obras que tratassem de temática de crítica social, revelando
facetas marginais e pouco dignificantes da sociedade;

44
BARRON, 1991, p. 13.
45
Critérios em BARRON, 1991, p. 19.
115

2. Aqueles que destruíam ou confundiam a forma natural: obras que fugissem à proposta
tradicional da imitação da natureza e do reconhecível (figurativo);
3. Aqueles que revelavam a ausência de habilidades artísticas ou manuais ditas como
adequadas: entraram todos os trabalhos que se distanciassem dos cânones acadêmicos.

Seguindo informações de artigo disponibilizado pela Freie Universität Berlin (2015),


alguns museus sob nova direção se encarregaram, além de confiscar e retirar trabalhos não
aprovados, também de vender essas peças de arte moderna a fim de contribuir na “higienização”
de seus acervos.
Como dito, a partir das primeiras obras retiradas de museus e galerias foi montada
Dresden, em 1933, versão pioneira de uma mostra intitulada Entartete Kunst (Arte degenerada),
reunindo para exposição pública os exemplares da suposta nocividade moral da arte moderna.
Ampliada em 1937, a Entartete Kunst iniciou um percurso itinerante. Todas as obras expostas
eram mostradas como indícios da corrupção cultural da República de Weimar.
A Entartete Kunst foi uma grande exposição de caráter moralizante, que expunha
“indícios” não a serem considerados como arte, mas como provas de uma corrupção social que
teria sido detectada e barrada a tempo pelo Partido nazista.

Figura 34. Entartete Kunst em Munique, 1937, autor desconhecido


116

Tudo o que estava exibido deveria ser visto como objetos horrendos, que insultavam o
povo alemão, a religião cristã e, sobretudo, o Estado. O que estava sendo depreciado englobava
elementos nos quais, do ponto de vista do regime, podia ser reconhecida a loucura das influências
do modernismo estrangeiro, dos elementos judaicos e comunistas e da cultura africana. Os
artistas taxados como degenerados eram também proibidos de realizar novas obras, e
consequentemente, muitos tiveram que fugir dos domínios nazistas.
Na Entartete Kunst os quadros e esculturas apreendidas foram dispostos sem preocupação
em causar bem-estar estético; o espaço de exibição era caótico e amontoado. As obras foram
associadas a imagens de degeneração e a dizeres pejorativos tais como “A prostituta foi elevada a
um ideal moral”, como mostra a associação realizada no catálogo da mostra.

Figura 35. Páginas do catálogo da Entartete Kunst. Frases: “Um perfil racial muito revelador” e “A prostituta
foi elevada a um ideal moral”

A versão da Entartete Kunst inaugurada em 1937 contava com mais de 650 obras
confiscadas de 32 coleções públicas, exposição que durou quatro meses em Munique e atraiu
mais de 2 milhões de visitantes. Cabe relembrar que simultaneamente estava ocorrendo a Grosse
Deutsche Kunstausstellung, mostra de trabalhos exemplo da arte “digna” do povo alemão. Apesar
117

de o maior inimigo do arianismo nazista ser a figura do judeu, apenas sete dos 112 artistas
“degenerados” expostos eram judeus.
A Entartete Kunst estava montada de forma a ocupar nove salas, sendo sete no andar
superior e duas no térreo (T1 e T2). Conforme apontado por Barron, na sala 1 estavam expostos
trabalhos com temática religiosa. Na sala 2, obras de artistas judeus: Katz, Chagall, Wollheim,
Meidner, Adler, Segall e Feibusch. Na sala número 3 ficavam os nus e “outras obras que
insultavam às mulheres alemãs” (BARRON, 1991, p. 5). Curiosamente, a sala 4 não estava
organizada por temas ou artistas. A sala 5 contava com trabalhos abstratos ou com tendência à
desconstrução figurativa. Na sala 6 havia uma parede exclusiva para as obras de Lovis Corinth,
artista já falecido na ocasião. Esta sala contava com poucas informações textuais nas paredes,
inclusive com a ausência da maioria dos títulos das obras expostos. A sala número 7 era dedicada
a professores-artistas censurados. Por fim, as salas T1 e T2 foram abertas somente em 22 de
junho de 1937, sendo a primeira permeada por figuras humanas e a última contando com a
predominância de obra de Klee e Rohlfs.
Conforme dados compilados por Barron (1991), atendendo aos pedidos do público, a
Entartete Kunst foi estendida, finalizando somente em novembro de 1937. Posteriormente,
tornou-se exposição itinerante: entre o final de 1938 e 1941 a Entartete Kunst viajou pela
Alemanha (Berlin, Chemnitz, Frankufurt am Main, Dusseldorf, Halle, Hamburg, Leipzig,
Waldenburg, Weimar), pela Polônia (Stettin) e pela Áustria (Salzburg, Viena).
Alguns fatos que anteciparam a Entartete Kunst mais famosa e mais ampla merecem
destaque para compreensão das dimensões da ação nazistas. No começo de 1937 foi publicado o
livro de Wolfgang Willcrich intitulado Eine kunstpolitische Kampfschrift zur Gesundung
deutscher Kunst im Geiste nordischer Art (Limpeza dos templos da Arte. Uma polêmica artístico-
social para a recuperação da Arte germânica no espírito do estilo nórdico). A sua leitura inspirou
Joseph Goebbels (1897-1945), Ministro da Propaganda, a uma Entartete Kunst de proporções
maiores, atribuindo ao Presidente da Academia de Belas Artes, Adolf Ziegler, a criação desta
exposição a ser sediada em Munique.
O resultado da ordem de Goebbels foi a apreensão de cerca de 1000 obras de arte de 30
diferentes museus apenas na cidade de Berlim, e a categorização e denúncia de aproximadamente
600 dos trabalhos confiscados como arte degenerada. Os fatos em torno das apreensões
118

inicialmente não foram mencionados ao público (FREIE UNIVERSITÄT BERLIN, 2015),


porém um anúncio oficial comunicou aos diretores dos museus sobre a decadência encontrada em
suas coleções. Após o anúncio, os diretores foram ainda orientados a elaborar listas dos trabalhos
degenerados apreendidos, e os dados foram divulgados no Deustche Allgemeinem Zeitung. No
entanto, a lista era parcial, enumerando apenas 66 dos 125 artistas expostos.
Um novo decreto de Hitler, datado de julho de 1937, consentiu a Adolf Ziegler a confiscar
“trabalhos decadentes” em museus, galerias e coleções de todo o Terceiro Reich, englobando da
esfera municipal à federal. Essa permissão de censura ampliada a Ziegler permitiu a sua comissão
o confisco de 20.000 obras de 1400 artistas, apreendidos em cerca de 100 museus. No entanto,
ressalto que esses dados já incluíam as apreensões anteriores (FREIE UNIVERSITÄT BERLIN,
2015). Os trabalhos foram prontamente enviados para Berlim, depois removidos para Munique e
alguns deles então inventariados na lista da Entartete Kunst. A máquina de censura, no entanto,
era formada por diversas equipes, cada uma delas interpretando os critérios de apreensão de
forma particular. Havia muita pressão e competição entre as comissões de censores para
apresentar bons resultados a seus superiores, o que explica o grande número de obras censuradas
em cidades como Berlim.
O auge da censura nazista se deu em 31 de maio de 1938, com o decreto da Lei de
confisco de produtos de Arte degenerada, que entre outras ações legalizava a venda de obras
apreendidas:

Os produtos da arte degenerada que foram apreendidos em museus e coleções


publicamente acessíveis antes da passagem desta lei e que foram identificadas
pelas autoridades nomeadas pelo Führer e pelo Chanceler do Reich podem ser
aproveitados sem compensação em nome do Reich, desde que garantido que
sejam de propriedade de nacional ou de entidades jurídicas nacionais. (FREIE
UNIVERSITÄT BERLIN, 2015, s/n). 46

Assim, mesmo todas fora do padrão estabelecido, havia o grupo das degeneradas
descartáveis e das degeneradas com potencial de venda. Exemplos das transações envolvem as
vendas que envolveram negociantes como Wolfgang Gurlitt e Karl Haberstock de Berlim, além

46
Tradução minha de: The products of degenerate art, which have been seized in museums and publically accessible
collections before the passing of this law and have been identified by authorities appointed by the Führer and Reich
Chancellor can be seized without compensation on behalf of the Reich provided that they were guaranteed to be
owned by nationals or domestic legal entities. (FREIE UNIVERSITÄT BERLIN, 2015, s/n).
119

de Fritz Curl Valentien de Stuttgart e a Galerie Zak de Paris. Alguns diretores como Ferdinand
Möller em Berlim e Hildebrand Gurlitt em Hamburgo foram ainda obrigados pelo regime a
vender obras para o exterior a fim de angariar verbas para os nazistas, porém, conseguiram
promover vendas para negociantes de dentro da Alemanha, além de terem mantido alguns
trabalhos consigo mesmos. Karl Buchholz vendeu cerca de 450 obras a Curt Valentin, seu sócio
judeu que havia emigrado para os EUA:

Desse modo, os emigrantes judeus puderam estabelecer o modernismo alemão


na América do Norte (...). Uma virada irônica da história: entre as intenções de
Hitler seguramente não estava que essa arte fosse conquistar o outro lado do
Oceano Atlântico (SPÄTH, 2015, s/n).

O caso de 244 trabalhos que pertenciam a estrangeiros foi diverso. As obras que eram de
coleções particulares ou definidas como incertas dentro da rotulação de arte degenerada foram
devolvidas para os seus donos ou autores. Já muitas outras, que não foram negociadas, acabaram
supostamente destruídas em 1939 a mando de Goebbels:

“Nenhum quadro será poupado”, anotava em 13 de janeiro de 1938, em seu


diário, o Ministro de Propaganda do Terceiro Reich, Joseph Goebbels. Uma
frase terminal, com consequências avassaladoras: pouco mais de um ano mais
tarde, em 20 de março de 1939, mais de 5 mil obras de “arte degenerada”
(Entartete Kunst) seriam queimadas na Alte Feuerwache – então sede do Corpo
de Bombeiros de Berlim. (SPÄTH, 2015, s/n).

Observo que Späth (2015) salientou o fato de que os registros sobre a apreensão para a
destruição pelo fogo não foram encontrados após a Guerra, tampouco houve menções sobre a
queima nos diários de Joseph Goebbels, mas isso não foi capaz de anular toda a possibilidade de
ter acontecido, da mesma forma como abriu margem para as teorias de que as obras foram
desviadas para outros fins. Algumas redescobertas só foram possíveis porque marchands se
rebelaram contra o Nazismo e esconderam obras cujo destino seria o fogo.
Por fim, um último grupo de obras, composto por peças confiscadas que não foram
vendidas, porém também não definidas como destrutíveis, foram armazenadas em 1941 no porão
do Ministério de Propaganda.
120

Dos dados das apreensões gerais, a lista mais completa que veio a público até os dias
atuais é o inventário conhecido como Lista Harry Fischer, cujo nome é homenagem ao seu
antigo proprietário. Em 1997 ela foi avaliada pelo historiógrafo Andreas Hüneke, sendo
disponibilizada online no início de 2014. Apesar da complexidade e da dimensão das
informações contidas na Lista Harry Fischer, ainda hoje ocorrem surpresas com a aparição de
obras que antes foram consideradas destruídas, que na lista estavam marcadas com um X.
Assim, o Victoria & Albert Museum de Londres hoje afirma possuir em sua coleção a
única cópia do inventário completo da Entartete Kunst (páginas selecionadas no anexo V), a lista
de obras confiscadas entre 1937 e 1938. Ao total, são 482 páginas com entradas organizadas em
ordem alfabética de cidade, instituição, nome do artista, nome da obra, técnica, valor e antigo
proprietário.

Figura 36. Esquema de dados em página da Lista Harry Fischer

Com 15.896 obras enumeradas, 19 categorias artísticas abrangidas e 101 cidades


percorridas, a lista foi dividida em dois volumes datilografados e produzida pelo Ministério da
121

Propaganda. O documento aparentemente foi finalizado em 1942, pois também nele constava o
processo de vendas de obras datadas de 1941. O volume 1 abrangia as cidades de Aachen a
Görlitz; já o volume 2, de Göttinger até Zwickau. Os dados da apreensão por cidade e instituição
atingiram altas proporções, como nos casos do Folkwang Museum de Essen, com um total de
1273 obras retiradas de instituições.
A procedência dos volumes data de 1996, quando a viúva do comerciante Robert Heïnrich
“Harry” Fischer doou os documentos para a Biblioteca do Victoria & Albert Museum. Segundo
informações do site do museu, Fischer obteve as cópias na década de 1960, porém os dados em
torno de como conseguiu o inventário não foram esclarecidos (VICTORIA & ALBERT
MUSEUM, 2015). Até 1996, tinha-se ciência de que outras duas cópias da lista estavam
conservadas, porém ambas só contavam com o primeiro volume.
Cada página fornecia o nome da cidade e do museu fiscalizado no topo, seguindo-se de
nove grupos de colunas com informações individuais sobre obras confiscadas. As primeiras
colunas incluem números de execução, o sobrenome do artista, o número do inventário e o título.
O portal online da Freie Universität Berlin possui informações públicas sobre os
acontecimentos em torno da Entartete Kunst e se baseia nos dados disponíveis na Lista Harry
Fischer, tornando-se outra importante ferramenta de pesquisa para a dissertação. Dentre os
documentos constava a informação de que a repercussão acadêmica a respeito da arte degenerada
e dos confiscos surgiu apenas a partir de 1948. Nesse ano, Gerhard Strauss publicou um ensaio
baseado em registros encontrados nos arquivos do Ministério da Cultura e no Arquivo central do
Estado em Potsdam.
No ano seguinte, 1949, foi lançado o livro Ditadura da arte no Terceiro Reich
(Kunstdiktater im Dritten Reich), escrito por Paulo Ortwin Rave, que foi diretor da Galeria
Nacional. Supostamente, a obra de Rave teria sido baseada em uma versão completa do
inventário das obras degeneradas.
Em 1962, a Haus der Kunst de Munique promoveu uma exposição de 25 anos da
Entartete Kunst, e em seu catálogo compilou alguns dos documentos sobre os confiscos e a
organização da Entartete Kunst. No mesmo ano Franz Roh publicou o livro Arte degenerada.
Barbárie no Terceiro Reich.
122

A partir da década de 80, museus passaram a organizar exposições sobre a Entartete


Kunst, a exemplo de Em batalha pela arte: o destino de uma coleção na primeira metade do
século XX, na Galeria Nacional Moritzburg Halle, em 1985.
A lista Harry Fischer, completamente digitalizada e disponibilizada pelo site da Victoria
& Albert Museum, foi por mim comparada à versão apresentada por Stephanie Barron (1991): o
nome de Egon Schiele e suas obras foram citados 23 vezes na lista Harry Fischer, no entanto não
aparece na da Entartete kunst: dos trabalhos, segundo os títulos, sete tematizam o nu feminino,
um dos temas mais frequentes na carreira do artista.

Quadro 1. Dados sobre Egon Schiele na lista Harry Fischer


CIDADE INSTITUIÇÃO TRABALHOS
Dresden Kupferstichkabinett 1 obra de arte gráfica
Düsseldorf Kunstsammlung der Stadt 1 aquarela
Essen Folkswang Musem 15 aquarelas e 1 obra de arte gráfica
Hagen Städtisches Museum 1 óleo sobre tela
Mannheim Kunsthalle 1 aquarela
Stettin Städtisches Musem 1 aquarela e 1 obra de arte gráfica
Wuppertal-Elberfeld Städtische Bildergalerie 1 gravura

Mais especificamente, em Dresden foi confiscada Frauenakt (Nu feminino), em


Düsseldorf Frauenbildnis (Retrato feminino), em Essen Torso I, Frauenakt II, III, IV, VI, VII e
VIII, Genrefigur (Figura de gênero) I, II, III e IV, Jüngling (Juventude), Mädchen mit rotum kleid
(Menina com vestido vermelho), Liegender Knabe (Menino deitado), Weib in pelz (Mulher com
pele), Mknnl. Akt e Rwei Figuren, em Hagen Tote Stadt (Cidade morta), em Mannheim
Betteljunge (Jovem indigente), em Stettin Weibl. Akt (Nu feminino) e Herrenbildnis (Bustos de
homens) e em Wuppertal-Elberfeld Akt (Nu).
Nenhuma obra de Schiele que constavam da Harry Fischer esteve presente na Entartete
kunst. Da mesma forma, outros artistas e obras que constam na lista digitalizada não estavam
presentes na mostra de 1937, o que levou a deduzir três possibilidades: essas obras foram
armazenadas, destruídas ou vendidas.
123

Recorrendo novamente às biografias e informações sobre Egon Schiele, observei que


Otto Kallir, um dos primeiros biógrafos, mencionou a ocorrência de censura nazista contra o
artista (GALERIE ST. ETIENNE, 2015), informação confirmada em biografia no site do Leopold
Museum de Viena. Não foi possível verificar os motivos pelos quais a afirmação foi dada pelos
dois lados, e porque a mesma não foi reproduzida em publicações das duas instituições sobre
Schiele. Após análise dos vários documentos, cheguei à conclusão que mesmo sem a confirmação
do biógrafo Kallir e do Leopold Museum que Schiele foi sim taxado de artista degenerado. No
entanto, por que os biógrafos não trataram sobre esse episódio póstumo?
A divergência na literatura me levou a buscar informações mais abrangentes. Coube,
portanto, aliar a descoberta na Lista Harry Fischer à análise de obras de Egon Schiele juntamente
com trabalhos reconhecidamente censurados, de forma a estabelecer um caminho que ilustrasse
os fatores visuais determinantes para a categorização enquanto degenerado.

Capítulo 3 – Três degenerados e Egon Schiele

Na contemporaneidade muito ainda se discute sobre como os crimes dos nazistas foram
cometidos perante o olhar de toda a sociedade alemã. Sobre isso o livro coordenado por
Stephanie Barron informa que houve um trabalho gradativo dos nacional-socialistas para atrair a
opinião pública a favor de suas atitudes:

Os movimentos como o Expressionismo, Cubismo e Dada frequentemente eram


vistos como intelectuais, elitistas e estrangeiros pela nação desmoralizada, e
conectados ao colapso econômico, do qual eram culpados em uma suposta
conspiração mundial de comunistas e judeus (BARRON, 1991, p. 11). 47

Os autores de The fate of the avant-garde in Nazi Germany afirmam também que caso os
nazistas tivessem executado seus planos sem o apoio da sociedade, tornariam a arte moderna um
mártir não somente aos olhos do público local, mas também potencialmente atraindo uma maior

47
Movements such as Expressionism, Cubism, and Dada were often viewed as intellectual, elitist, and foreign by the
demoralized nation and linked to the economic collapse, which was blamed on a supposed international conspiracy
of Communist and Jews. (BARRON, 1991, p. 11).
124

comoção e retaliação mundial. A saída foi um percurso no qual a arte moderna fosse vista como
distante demais da realidade e da cultura do povo alemão (BARRON, 1991, p. 22).
Apesar da existência de critérios, os três mencionados por Barron (1991) manifestaram-se
de forma subjetiva e imprecisa, sobretudo tendo em vista que uma parte do confisco era
considerada como degenerada e sem valor e outra, degenerada e com valor comercial para venda,
troca ou leilão, segundo Feliciano, autor da obra O museu desaparecido (2013). Um dado
apontando para a dificuldade de objetiva aplicação dos critérios foi descrito ao longo deste livro
foi que mais de um grupo de oficiais era designado para selecionar e confiscar as obras pelos
domínios alemães, havendo competição de “metas” entre eles e a inserção de interesses pessoais
na tarefa, como no caso de obras apreendidas que foram parar na casa dos censores. Assim, pode-
se deduzir que o método avaliativo das obras na censura nazista não foi aplicado com sistemático
rigor e objetividade, já que diversas pessoas estavam executando a função, com repertórios,
subjetividade e interesses particulares.
Em um primeiro momento, a única pista de que Egon Schiele foi considerado um artista
degenerado era a breve descrição de tal fato no site oficial da Galerie St. Etienne e do Leopold
Museum, indício pouco confiável, já que a sua designação entre os artistas degenerados não era
mencionada pelos biógrafos estudados e tampouco na obra de Jane Kallir, membro da equipe da
St. Etienne. Tendo em vista a dificuldade de comprovação, dei início à pesquisa com a hipótese
de que Egon Schiele não teria sido taxado como degenerado. Assim, as hipóteses levantadas
foram:

1. Artistas falecidos antes de 1937 teriam sido poupados do rótulo degenerado.


2. Artistas modernos não nascidos na Alemanha foram poupados da rotulação.
3. Somente artistas com ligação judaica, marxista e bolchevique foram censurados.

A partir da verificação das listas de artistas selecionados para a Entartete Kunst, pude
verificar que a primeira hipótese não se aplicava, já que sete artistas falecidos antes de 1937
foram censurados, com destaque para o caso de Otto Mueler, artista com mais de 20 trabalhos
apreendidos:
125

Quadro 2. Dados sobre artistas falecidos antes da Entartete Kunst de 1937


ARTISTA NACIONALIDADE VIDA TRABALHOS
Philipp Bauknecht Espanhola 1884-1933 1
Lovis Corinth Prussiana 1858-1925 7
Jacoba van Heemskerk Holandesa 1876-1923 1
Henrich Hoerle Alemã 1895-1936 2
Wilhelm Lehmbruck Alemã 1881-1919 2
Franz Marc Alemã 1880-1916 5
Otto Mueler Alemã 1874-1930 26

A mesma verificação dos artistas mortos antes de 1937 revelou dados sobre a segunda
hipótese: se artistas não alemães também sofreram censura. Como se pode ver na tabela,
Bauknecht era espanhol, Corinth prussiano e Heemskerk, holandesa. Sendo assim, a segunda
hipótese também se revelou errônea.
Por sua vez, para análise da terceira hipótese, Schiele era de uma família cristã, e os dados
das obras escritas por seus principais biógrafos indicam uma atitude relativamente apolítica do
artista, sem manifestação de interesse por qualquer vertente, nem marxista ou bolchevique.
Portanto, também não se enquadra na terceira hipótese.
Ao longo da análise documental da Lista Harry Fischer, deparei-me com a extensão e a
complexidade dos registros nazistas que abrangeram, em minha soma, 15.896 trabalhos
confiscados em 101 cidades. Dos artistas mencionados, pude verificar a incidência de nomes que
se repetiram por inúmeras vezes. Dentre os casos citados com frequência na Lista Harry Fischer,
optei por destacar três para uma análise em paralelo ao caso de Egon Schiele como artista
degenerado.
Desse modo, os artistas Oskar Kokoschka, Emil Nolde e Lasar Segall foram relevantes
para a pesquisa, pois os seus autorretratos anteriores a 1933 foram comparados aos realizados por
Schiele, de forma a ser desenvolvido um mapa de léxicos visuais que pudesse apontar indícios
daquilo que foi considerado fator determinante e justificável para a censura, o confisco e a
inserção ou não de suas obras na Entartete Kunst. A seleção dos três possibilitou uma nova
hipótese, a de que a censura nazista era determinada predominantemente pelas opções estéticas
dos artistas, fator que sobrepunha inclusive questões raciais e ideológicas.
Nolde fez parte do Partido Nacional Socialista e era alemão – mesmo assim foi rotulado
como degenerado. Kokoschka, considerado um dos “rivais artísticos” de Egon Schiele,
126

apresentava semelhanças compositivas com os trabalhos do outro, porém não foi poupado. Lasar
Segall foi perseguido por seu judaísmo, mesmo residindo no Brasil desde 1923. Egon Schiele,
por sua vez, abordava explicitamente a sexualidade e foi uma personalidade polêmica, sendo
inclusive preso por acusações de indecência e rapto de menor48. Dentre os quatro artistas
modernos, as conexões estéticas preliminares estabelecem uma maior familiaridade entre
Kokoschka e Schiele.
Antes de aprofundar nas conexões entre os quatro, julgo importante antecipar a etapa de
análise das obras com os dados biográficos dos artistas escolhidos, a fim de contextualizar a
produção e a inclusão dos mesmos na lista de arte degenerada.
O primeiro dos selecionados para análise foi Oskar Kokoschka (1886-1980), escolhido
dentre tantos por ser não apenas contemporâneo a Egon Schiele, mas também austríaco. Esses
dois fatores são relevantes em termos de pesquisa por seus contatos com Gustav Klimt
(Kokoschka foi aluno de Klimt que por sua vez foi mentor de Schiele), além do fato de a crítica
da época ter comparado os estilos dos dois jovens, alimentando uma espécie de rixa artística entre
ambos:
As perspectivas profissionais de Schiele prosperaram em ritmo acelerado em
1910. A mostra na [galeria] Pisko de 1909 havia trazido o apoio do crítico
Arthur Roessler, e através Roessler ele logo atraiu uma impressionante
variedade de patronos. [...] Nos retratos executados para a segunda metade do
ano, vê-se pela primeira vez a influência de seu compatriota Oskar Kokoschka.
As superfícies raspadas, primitivas e matizes relativamente moderados dessas
obras constituem uma ruptura decisiva da exuberância do período imediatamente
anterior. (GALERIE ST. ETIENNE, 2015).49

Sobre a carreira contemporânea de Egon Schiele e Oskar Kokoschka, houve diversos


relatos, reais ou fictícios, que constituíram o imaginário de uma relação pouco amistosa entre os
dois artistas austríacos, na qual Schiele teria plagiado elementos estéticos de Kokoschka, a

48
Um suposto diário escrito por Egon Schiele durante sua detenção em 1912 foi traduzido em muitas línguas. No
Brasil, foi lançada em 2009 pela editora Luzes no Asfalto a versão bilíngue Na prisão/Im gefängnis: diários,
desenhos e aquarelas. Atualmente não se descarta a hipótese de que o diário teria sido escrito pelo amigo de Egon
Schiele, o colecionador e crítico de arte Arthur Roessler. De qualquer modo, as aquarelas e desenhos sobre a prisão
possivelmente foram feitos durante a ocasião.
49
Tradução minha de: Schiele’s professional prospects prospered apace in 1910. The 1909 Pisko show had brought
him the support of the critic Arthur Roessler, and through Roessler he soon attracted an impressive array of patrons.
[…]. In the portraits executed toward the second half of the year, one sees for the first time the influence of his
compatriot Oskar Kokoschka. The scraped, primitive surfaces and relatively subdued hues of these works constitute
a decisive break from the exuberance of the period immediately preceding. (GALERIE ST. ETIENNE, 2015).
127

exemplo das anteriormente descritas similaridades entre A noiva do vento e Morte e donzela, que
possuem diferença de apenas um ano de produção.

Figura 37. Fotografia de Oskar Kokoschka. Trude Fleischmann, 1939

Oskar Kokoschka foi um artista de grande versatilidade, atuando como pintor, poeta e
dramaturgo da vertente expressionista. Nascido na cidade de Pöchlarn foi o primogênito de um
ourives tcheco que não apoiou a escolha do filho pela carreira de artista. Durante a sua juventude
e estudos básicos, pouco se interessou pelos assuntos das ciências, dedicando-se com afinco à
literatura clássica e se destacando nas atividades artísticas. Apesar da ausência do apoio familiar,
foi incentivado por professores a seguir a sua carreia nas artes, ingressando na
Kunstgewerbeschule (Escola de Artes e Ofícios), uma instituição de Viena de caráter progressista
e com corpo docente formado por artistas da Secessão, tais como Klimt.
Dentre a poética de Kokoschka destaco o seu envolvimento com o desenho infantil, uma
relação de estudos anteriormente mencionada ao lado da ligação dos artistas modernos com a arte
não europeia, do grafismo e das fotografias de pacientes psiquiátricos.
Um dos fatos marcantes de sua vida foi a sua internação em 1915: Oskar Kokoschka
havia se alistado no exército austríaco para a Primeira Guerra e acabou ferido em combate. No
hospital, os médicos atestaram que estava mentalmente instável, situação que se estendeu até
128

meados de 1918, quando o artista confeccionou uma boneca de proporções humanas para simular
a presença de Alma Mahler, sua ex-amante. Aponto que os problemas emocionais do artista
decorridos entre o período de 1915 e 1918 podem ser outra justificativa para a inclusão do
mesmo na lista dos degenerados, já que tais eventos ocorreram publicamente e tiveram
repercussões na vida social e profissional de Kokoschka.
De Kokoschka, os nazistas confiscaram mais de 417 trabalhos, sendo o primeiro um
volume de desenhos editado por Ernst Rathenau (BARRON, 1991, p. 285). Considerado um
degenerado, fugiu da Áustria para Praga em 1934. Finalizada a Guerra, em 1946 obteve cidadania
britânica, porém foi na Suíça que o artista se estabeleceu, permanecendo no país até a sua morte.
O segundo artista selecionado para análise foi o pintor e gravurista alemão Emil Nolde
(1867-1956), cujo verdadeiro nome era Emil Hansen, sendo Nolde a sua cidade natal. Entre os
anos de 1884 e 1891 estudou em Flensburg para se tornar ilustrador e escultor, tendo, portanto
uma base de formação tradicional em artes. Apesar dos anos de dedicação em 1898 foi reprovado
no exame de admissão da Akademie der bildenden Künste München (Academia de Belas Artes de
Munique), fato que o levou a viajar para Paris, o centro cultural e das novidades das artes. Suas
novas incursões artísticas, assim, foram experimentações nos recentes estilos, sobretudo no
Expressionismo. O auge dessa nova fase se deu entre 1906 e 1910, quando foi convidado a se
tornar membro dos grupos expressionistas Die Brücke (A ponte) e Secessão de Berlim.

Figura 38. Retrato de Emil Nolde. Minya Diez-Dührkoop, 1929


129

Um fato de grande interesse para a pesquisa foi a associação de Nolde ao partido


Nacional-Socialista na década de 1920. Barron (1991, p. 315) o caracterizou como nacionalista e
um crente na teoria da pureza racial, pensamentos que, no entanto, contradiziam as suas ações,
como quando condenou o estupro cometido em comunidades tribais por colonizadores e com a
sua ideia de que os museus alemães deveriam coletar os últimos traços do homem tribal enquanto
houvesse tempo.
Apesar de membro nazista, foi considerado degenerado e um total de 1.052 obras de sua
autoria foram confiscadas (BARRON, 1991, p. 315). Além do claro envolvimento de Nolde com
os expressionistas, a sua admiração pela arte não europeia era outro ponto negativo em sua
avaliação pelos censores: em 1913 o artista e sua esposa ingressaram em uma expedição
científica passando pela China e Japão. Visitaram também a Rússia e a Sibéria, fato que pode ter
sido entendido como um interesse do casal pelos assuntos marxistas, outro ponto criticado pelo
Nacional-Socialismo.
Por fim, o lituano Lasar Segall (1891-1957) nascido na cidade de Vilnius, foi artista
judeu, que atuou nas áreas da pintura, gravura e escultura. Com 15 anos mudou-se para Berlim
para estudar na Berlin Akademie der Künste Köenigliche, onde permaneceu de 1906 a 1912,
período similar ao tempo em que Egon Schiele permaneceu na Wiener Akademie der Bildenden
Künste.

Figura 39. Retrato de Lasar Segall. Autor desconhecido, 1925


130

A sua primeira série de pinturas como profissional foi executada em 1912, em um asilo
de idosos com problemas psiquiátricos. Considero que este fato conectou Segall ao interesse de
outros artistas modernos pelas pesquisas psiquiátricas, a exemplo do mencionado interesse de
Schiele pelos almanaques da equipe de Charcot.
Em 1913, deu-se início à relação entre o artista e o Brasil, ocasião em que visitou o país
pela primeira vez para rever a sua irmã, casada com um membro da família Klabin. Foi nesse
mesmo ano em que realizou duas exposições em terras brasileiras, sendo a segunda delas na
cidade de Campinas.
De volta à Alemanha, em 1919 Segall fundou o Dresdner Sezession Gruppe 1919, junto
a artistas como Otto Dix e Conrad Felixmüller. Aqui recordo a coincidência de ter sido em uma
mostra de homenagem ao grupo de Segall que o Autorretrato de Egon Schiele foi exposto pela
primeira vez no Museu Lasar Segall.
No ano de 1923, visitou novamente o Brasil a convite de sua irmã, iniciando um
relacionamento com Jenny Klabin. Posteriormente casado, obteve a cidadania brasileira. Nove
anos mais tarde, participou da criação da Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM), juntamente aos
participantes da primeira geração modernista brasileira. Sua casa na vila Mariana, em São Paulo,
tornou-se em 1967 a sede do Museu Lasar Segall, projeto idealizado por Jenny Klabin e
executado pelos filhos do casal, Mauricio e Oscar Klabin Segall.
Enquanto no Brasil as obras de Segall eram prestigiadas e ganhavam espaço no
mercado de arte local, na Europa o artista foi taxado como degenerado, fato que evidenciou que a
censura nazista não se limitava apenas a artistas atuantes na Europa e também abrangia
produções mais antigas. Das obras confiscadas, Eternos caminhantes esteve presente na Entartete
Kunst, hoje estando exibida no museu em homenagem ao artista.
131

Figura 40. Fotografia de Eternos caminhantes em exposição no Museu Lasar Segall.


Fotografia por Carolina Robin, 2016

Conforme a análise das listas da Entartete kunst apresentadas por Barron (1991), foi
verificado que foram apresentadas ao público em 1937 seis obras de Lasar Segall, 17 de Oscar
Kokoschka e 35 de Emil Nolde:

Quadro 3. Obras de Kokoschka, Nolde e Segall expostas na Entartete Kunst de 1937 e suas localizações.
ARTISTA NOME ORIGINAL CONFISCADO EM SALA
Nolde Christus u. die Sünderim Nationalgalerie Berlin Sala 1
Nolde Die hlg. 3 Könige Lndesmus, Hannover Sala 1
Nolde Kreuzigung Folwang Museum, Essen Sala 1
Nolde Abendmahl Halle Moritzburg Sala 1
Nolde Tod der Maria aus Ägyotem Folkwangus, Essen Sala 1
Nolde Christus u. die Kinder Kunsthalle, Hamburg Sala 1
Die Klygen und die
Nolde Folkwag Musseum, Essen Sala 1
Törichten Jungfrauen
Nolde Adam und Eva Desconhecido Sala 1
Segall Die ewigen Wanderer Städt gal., Dresden Sala 2
Segall Purimfest Folkwang Mus., Essen Sala 2
Segall Liebende Folkwang Mus., Essen Sala 2
Nolde Stilleben mit Holzfigur Folkwangmus, Essen Sala 3
Nolde Mann und Weibchen Folkwangmus, Essen Sala 3
Nolde Haremswächter Halle Moritzburg Sala 3
Nolde Masken Nationalgalerie, Berlin Sala 3
Nolde Russe Städt Museum Erfurt Sala 4
Nolde Madchenkoft Hannover Landesmuseum Sala 4
132

Kokoschka Heiden Stadt. Muse. Dresden Sala 4


Kokoschka Die Windsbraut Hamburg Kunsthalle Sala 4
Kokoschka Auswanderer Halle Moritzburg Sala 4
Bildnis der Herzogin v.
Kokoschka Desconhecido Sala 4
Montesquieu
Kokoschka Alter Herr Halle Moritzbg Sala 4
Nolde Die Mulattin Halle Moriztburg Sala 4
Nolde Friesische Dorfstrasse Kunsthalle Hamburg Sala 5
Nolde Herbstmeer Staatl. Sammlung, München Sala 5
Nolde Kuhmelker Kaiser Wilhelm Museum Krefeld Sala 5
Nolde Junge Ochsen Magdeburg Sala 5
Nolde Gartenbild mit Figur Halle Moritzburg Sala 5
Frankfurt Stadelsches Kunst
Kokoschka Monte Carlo Sala 5
Institut
Nolde Junge Pferde Kronprinzenpalais, Berlin Sala 6
Nolde Reife Sonnenblumen Kronprinzenpalais, Berlin Sala 6
Kokoschka Dolomitenlandschaft croci Staatsgal. München Sala 6
Kokoschka Bildnis Karl Etlinger Koln Sala 6
Nolde Hültoft-Hof Kunsthalle Hamburg Sala 6
Nolde Frauenkopf Dresden T1
Nolde Blumengarten X Kiel T1
Kokoschka Bachkantate n. ? Halle T1
Kokoschka Bachkantate n.3 Halle T1
Kokoschka Bachkantate n. 4 Halle T1
Kokoschka Bachkantate n. 6 Halle T1
Kokoschka Bachkantate n. 7 Halle T1
Kokoschka Bachkantate n. 8 Halle T1
Kokoschka Selbstporträit Dresden T1
Nolde Prophet Berlin T2
Nolde Diskussion Desconhecido T2
Segall Zwei Figuren Dresden T2
Kokoschka Liegendes Mädchen Dresden T2
Nolde Gerte n. 584 Dresden T2
Nolde Zwei Fremdrassige Dresden T2
Nolde Stilleben mit Maske Lübeck T2
Nolde Die Heiligen Drei Könige Desconhecido T2
Nolde Frauenprofil Stuttgart T2
Kokoschka Die Freunde Berlin T2
Segall Mann und Weib Dresden T2
Nolde Unterhaltung Berlin T2
Nolde Mann und Weibchen Berlin T2
Junger Furst trema u und
Nolde Berlin T2
Tänzerinnen
Segall Mappe mit sechs Blättern Breslau T2
133

No entanto, os números se apresentam uma parcela mínima em comparação aos dados da


Lista Harry Fischer: 36 de Segall, 352 de Kokoschka e 475 de Nolde,, dado que contradiz a
alegação de que no total foram confiscadas 1052 obras de Nolde, afirmação localizada em Barron
(1991, p. 315).
Os três artistas selecionados, Kokoschka, Nolde e Segall, apesar de contemporâneos a
Schiele, viveram por décadas depois da morte do austríaco em 1918, tendo ainda tempo de
produção e de reação perante a censura dos nazistas. No entanto, as obras que se encaixavam para
uma análise válida com os trabalhos de Schiele eram apenas aquelas datadas antes de 1933, ano
em que as primeiras medidas contra a arte moderna foram postas em prática pelo Nacional
Socialismo. Desse modo, selecionei para análise Autorretrato, de Oskar Kokoskcha, Cabeça com
chapéu, de Emil Nolde e Autorretrato II, de Lasar Segall.
134

Figura 41. Autorretrato, Oskar Kokoschka, 1913


135

No autorretrato de 1913 de Kokoschka, um óleo sobre tela de 81,6 x 49,5 cm, vê-se o
artista representado pela metade superior, tendo ao lado de sua figura as iniciais do nome do
artista, OK. Na pintura pode-se constatar a predominância de tons de verdes, que cobrem o fundo,
o rosto e a mão levantada da figura humana. Em contraste a essa tonalidade, o artista foi
representado com uma roupa de mangas longas em cor complementar, um laranja avermelhado,
ao qual se sobrepõem pinceladas de branco, amarelo e verde. Todo o corpo e a vestimenta foram
contornados pelo autor com linhas pretas não uniformes.
O rosto do homem, fino e alongado, recebeu, além da pintura verde, manchas de cor
amarelas, laranjas e ocres de diferentes tamanhos. Inclusive o interior dos olhos foi pintado da
mesma cor que cobre o restante do corpo. O verde também se repetiu em camadas sobre o preto
do cabelo repartido. Os olhos do artista não foram representados da forma anatômica da realidade
do modelo, tendo em vista que o artista não possuía problemas oculares como o estrabismo.
As pinceladas têm aparência espessa e bem demarcada em determinadas áreas, conforme
a proposta estética que vinha sendo experimentada pelos expressionistas, fato que acrescenta uma
textura dinâmica à pintura. A grande quantidade de verde, principalmente cobrindo o corpo
representado, confere ao autorretrato uma atmosfera doentia.

Figura 42. Comparação da paleta de cores nos rostos de Kokoschka e Schiele (detalhes)
136

O recurso da paleta que remetia à doença e à degradação física também foi uma
especialidade da poética de Egon Schiele, tal qual fez no rosto no Autorretrato, em posse da
Associação Cultural de Amigos do Museu Lasar Segall. No entanto, a magreza mais acentuada
em Schiele confere maior dramaticidade ao trabalho analisado.
Das diferenças entre os dois autorretratos, a paleta da obra de Kokoschka é mais ampla,
enquanto o de Schiele se restringe principalmente à família dos marrons. Em termos de desenho,
em Schiele verifica-se um movimento em direção à estilização, com linhas quase geometrizadas,
o que pode ser explicado pela diferença das técnicas, sendo o trabalho de Schiele um desenho em
grafite e o autorretrato de Kokoschka, uma pintura. As mãos nos dois casos estão dispostas para
acrescentar gestualidade, mas no caso de Schiele houve a representação de maior tensão,
enquanto em Kokoschka, a mão parece posicionada sobre o peito, em um gesto interrompido pela
captura do momento.

Figura 43. Comparação das mãos nos autorretratos de Kokoschka e Schiele (detalhes)

Distanciando-se de uma representação realidade, ambos os artistas incluíram-se em uma


atitude antiacademicista, porém as duas obras apresentam qualidade técnica e denotam indícios
de um conhecimento clássico da anatomia pelos artistas.
137

Figura 44. Cabeça com chapéu. Emil Nolde, 1907


138

Já Cabeça com chapéu é uma das litogravuras de Emil Nolde que datam de 1907. A obra
tem 40 x 28,2 cm de dimensão e algumas cópias hoje pertencem ao Museum of Modern
Art (MoMA) de Nova Iorque. Em 1907 Emil Nolde já havia se aproximado dos artistas que
comporiam o Die Brücke, assim, estava em período de experimentações para além do
academicismo.
Como imagem gerada pela técnica litográfica, Cabeça com chapéu se aproxima mais do
desenho do que a pintura do caso visto de Oskar Kokoschka. Nela verifica-se somente o rosto do
artista, de faces encovadas, barba e chapéu, que projeta sombras e oculta partes da fisionomia
como o olho. Os grafismos, na maioria bem demarcados, apontam os diferentes momentos do
processo do desenho, indícios verificáveis pelas áreas de maior e menor concentração de
pigmento litográfico, ou seja, excesso de tinta no início do traço e escassez conforme a
aproximação do final.
Esse trabalho de Nolde se caracteriza pela incompletude da visualidade: há diversas áreas
em que as linhas não se conectam, como na lateral direita do chapéu, e ombros não foram ao
menos iniciados.

Figura 45. Comparação de formas incompletas em Nolde e em Schiele (detalhes)

Essa ausência da forma completa é a maior semelhança a ser apontada entre este trabalho
de Emil Nolde e o autorretrato de Schiele. A ablação de partes do corpo representado, sobretudo
em seus autorretratos, é outra característica típica da estética de Egon Schiele. No entanto, a
ausência de partes em Schiele era executada em regiões mais pontuais, realçando o sentido de
estranhamento e de desconforto do grotesco dos corpos.
139

Figura 46. Autorretrato II. Lasar Segall, 1919


140

Por fim, Autorretrato II, de Lasar Segall, data de 1919, sendo um óleo sobre tela de 68 x
58,5 cm de dimensão, exposto no Museu Lasar Segall. Na obra em questão, vemos uma
representação caricatural do artista, na qual predomina o contraste entre claro e escuro,
representado de um lado pelo amarelo e branco e do outro, por marrom e preto. O corpo foi
concebido da parte superior do braço para cima, sendo a cabeça desproporcional à estrutura
corporal proposta.
O nariz é anguloso e bastante geométrico, assim como a linha externa da bochecha
esquerda. Os olhos são rasgados e vazios, cada íris pintada de uma cor (amarelo claro e branco).
Abaixo dos olhos há zonas de roxo e marrom. A geometrização de formas orgânicas e a
caricatura, sobretudo das regiões oculares, são pontos de semelhança entre o autorretrato de
Segall e outra obra de Schiele que também data de 1910, Nu masculino sentado, anteriormente
analisado em relação ao Autorretrato do artista austríaco.

Figura 47. Comparação dos rostos em Segall e Schiele (detalhes)

No entanto, cabe destacar que considero a geometrização de Segall era mais intensificada
devido às suas aproximações com o Cubismo, e o rosto apresenta semelhança a uma máscara,
sobretudo as tribais de madeiras dos povos africanos e asiáticos. Como visto, o gosto pelo
exotismo das culturas para além da Europa, e sobretudo de fora dos domínios da Alemanha
nazista, foi um dos fatores determinantes para a censura dos artistas modernos.
141

A análise comparativa entre os trabalhos selecionados levou à constatação de que todos se


encaixavam nas propostas modernistas de arte, tendo em comum com os autorretratos de Schiele
a presença de uma paleta de cor específica que remete à decomposição do orgânico, no caso de
Kokoschka, uma opção de desenho que apresenta ausência de formas completas em Nolde e a
estilização caricatural do corpo humano, com aproximações de diferentes níveis entre o orgânico
anatômico e a geometria da estética cubista, no caso de Segall. A existência de obras desse
caráter nas décadas que antecederam os anos 30 foi a responsável pela classificação de todos os
artistas mencionados como degenerados pelo Nazismo, mesmo que anteriormente eles tenham
elaborado trabalhos e estudos de acordo com os cânones das academias de arte.
Tais similaridades confirmaram que todos os trabalhos em análise, produzidos entre 1907
e 1919, se enquadravam em um padrão estético similar, e, portanto, deveriam neles ter sido
aplicada uma única lógica e terem todos sido classificados de igual modo. No entanto, o
conhecimento prévio do processo de censura dos nazistas conferiu informações essenciais para
compreender a distinção dos diferentes níveis de censura, sendo os processos de confisco
executados simultaneamente por diversas comissões de diferentes unidades, cada uma das quais
com noções subjetivas dos critérios, que, por sua vez, eram bastante vagos e abertos para
múltiplas interpretações.
A partir dessa perspectiva de que noções subjetivas e interesses particulares incidiram
sobre a aplicação dos critérios de tortura, possibilitou-se o apontamento da hipótese de que as
obras de Egon Schiele, um artista já falecido, apesar de também designadas como degeneradas
possuíam maior potencial de troca e venda nos processos ilegais de retirada da arte moderna dos
domínios nazistas, apesar da sua estética do grotesco, direcionada ao erotismo dos corpos
representados, fossem eles homens ou mulheres, adultos ou crianças. Assim, poderia se explicar a
ausência do artista na lista de participantes da Entartete Kunst de 1937. Uma segunda hipótese,
de caráter complementar, por sua vez, baseou-se na ideia de que as obras de Schiele foram
confiscadas tardiamente e assim, não inseridas na expografia já estabelecida da Entartete Kunst
itinerante, constando apenas do inventário Harry Fischer, lista que apresenta indícios de ter sido
finalizada apenas em 1942.
142

Conclusão

No Capítulo 1 elaborei um panorama da carreira de Egon Schiele e das conjunturas


sociopolíticas, culturais e artísticas que vivenciou nos anos em que atuou em Viena, tratando de
enfatizar o momento de tensões e dualidades que marcou o final do Império Austro-húngaro até a
sua ruína final em 1918. Nessa unidade também descrevi como foi a aceitação de sua obra em
vida e posteriormente ao próprio artista, definindo que seu público era restrito, devido às
temáticas que abordou, ao tratamento pictórico das imagens e ao pouco tempo de carreira que
teve. Assim, os melhores anos de venda e de fama de Schiele foram precisamente os três últimos
de vida, quando se casou com a filha de uma família burguesa, com relativa ascensão social
devido a esta adequação, passando por uma transição de imagem de artista jovem e marginal para
a de artista maduro, burguês e chefe de família.
Seus primeiros colecionadores foram os mais fiéis ao longo dos anos, pessoas ligadas ao
círculo de amizade de Gustav Klimt, seu mentor, empresários e críticos de arte tais como Arthur
Roessler. A família Schiele e esse grupo de compradores, todos de classe média alta ou das
linhagens da nobreza imperial, após a morte do artista efetivaram ações a fim de reunir as suas
obras e fundar as primeiras instituições para manutenção da memória de Egon Schiele. Esses
esforços resultaram na criação de espaços sobretudo em Tulln, cidade natal do artista, em Viena,
onde viveu os seus últimos 12 anos e em New York, cidade para onde o galerista Otto Kallir se
estabeleceu após a perseguição do Nazismo. Além dessas instituições que ultrapassaram os
limites da Europa, as ações em prol de Schiele ainda garantiram a permanência de seu nome na
história da arte, tendo o artista sido referenciado em inúmeras obras das mais diversas linguagens
artísticas na contemporaneidade.
Por fim, este capítulo apresentou também o processo de divulgação das obras de Schiele
para além dos limites europeus, com a entrada legal e a ilegal nas Américas 50. Em algumas
situações, a exemplo do Retrato de Wally Neuzil, os casos resultaram em brigas judiciais, pois

50
É questão polêmica a procedência das obras que passaram pelo confisco nazista é atualmente motivo de disputas e
reivindicadas por herdeiros da Europa contra museus, galerias e colecionadores.
143

tratava-se de patrimônios roubados durante a Segunda Guerra. Já no Brasil, o caso de


Autorretrato de Egon Schiele, trabalho que é o centro da dissertação e que não apresenta indícios
de ter sido ilegalmente adquirida, também saiu da Europa devido à ação dos nazistas.
Através da correlação de dados obtidos por meio de entrevistas públicas, correspondência
eletrônica com a equipe do Museu Lasar Segall e entrevista cedida à pesquisadora pela
museóloga Pierina Camargo, foi possível a verificação de parte da história acerca da chegada
Autorretrato. Aqui defendo a versão de que a obra saiu da Europa por meio de um judeu fugitivo
do regime nazista. No Brasil, foi comprada pela família Schwarz, permanecendo como seu
patrimônio até os anos 1980. Nessa década o herdeiro Roberto Schwarz, por sua conexão com o
Museu Lasar Segall e pela amizade com Maurício Segall, optou por deixar a peça sob a proteção
da Associação Cultural de Amigos do Museu Lasar Segall. Assim, a aquarela permaneceu no
museu, sem ser exposta, até que um novo diretor, o Sr. Jorge Schwartz, assumiu o seu posto em
2008. Schwartz localizou Autorretrato e contatou a especialista em Egon Schiele, Jane Kallir,
que verificou a autenticidade do trabalho. Legitimado, Autorretrato em 2010 foi incluído na
exposição Fraternidade – verdade – arte, em homenagem ao grupo de 1919 Secessão de
Dresden, da qual Segall fez parte. Após 2011, ela não foi mais exposta ao público por motivos
não esclarecidos pelos membros do museu.
Ainda através da análise visual de Autorretrato e de dados da autenticação de Jane Kallir,
concordei com a hipótese da especialista de que o trabalho não data de 1912, conforme a
assinatura na obra, mas sim de dois anos antes. Autorretrato, por suas semelhanças de tema,
desenho e tratamento pictórico, possivelmente faz parte de uma série de autorretratos nus que o
artista executou em 1910, a exemplo de Nu masculino sentado e Autorretrato com braço torcido
sobre a cabeça.
No Capítulo 2, abordei como nos séculos XIX e XX as fronteiras dos saberes científicos e
artísticos foram gradativamente superadas pelos agentes dos dois opostos. Impulsionados pelo
advento da fotografia, os artistas visuais se viram beneficiados por uma maior autonomia, a
possibilidade de representarem o mundo para além da própria realidade e do ideal, podendo
inclusive utilizar a sua maestria como forma de denúncia das desigualdades. Por outro lado, a
Ciência também vislumbrou os benefícios da técnica fotográfica, sobretudo a Psiquiatria da era
de Jean-Martin Charcot, sendo então a fotografia um instrumento aliado ao diagnóstico do
144

médico. No entanto, coube à pesquisadora também tecer uma crítica a respeito da apropriação da
fotografia pela medicina psiquiátrica: ao invés de humanizar o tratamento e a relação dos
pacientes com o mundo fora dos asilos, instituições médicas como a Salpetrière da França
optaram por revelar os registros fotográficos dos pacientes sob a forma de publicações. Para
alguns, de fato os almanaques podem ter atingido o objetivo do esclarecimento, mas para muitos,
as publicações foram vistas como imagens do grotesco e do marginal. Os artistas, sensibilizados
pelos novos níveis de liberdade, apropriaram-se desse imaginário da loucura e se lançaram para
novas experimentações, aspirando a espontaneidade daqueles que nada deviam à sociedade, pois
dela não faziam mais parte. Hoje, com os olhos do século XXI, entendemos e aceitamos tais
opções artísticas, mas as intolerâncias do século XX levaram a caminhos conturbados.
Assim, na transição para o Capítulo 3, concentrei-me em demonstrar o paradoxo da razão
moderna: ainda baseada nos resquícios do ideal do esclarecimento iluminista e apoiada na crença
do progresso técnico-científico, a sociedade da época não se ateve ao detalhe de que a razão,
quando cega e amoral, é tão perigosa, dual e perversa quanto a irracionalidade pura. Desse modo,
descrevi como a ascensão do totalitarismo nazista se fundamentou no pilar da Ciência,
apropriando-se de estudos derivados da teoria de Charles Darwin para legitimar seus planos, atos
de extrema exclusão social e outros crimes de dimensão inimagináveis.
Para melhor explicar minha crítica contra a razão moderna, recorro a uma obra de um
passado mais remoto. Em um de seus trabalhos mais emblemáticos, a gravura nº 43 da série Los
caprichos (Os caprichos), o espanhol Francisco de Goya (1746-1828) elaborou uma criação
bastante metafórica, cuja mensagem aqui relaciono à conclusão de minha pesquisa. Intitulada
como Lo sueño de la razón produce monstros (O sono da razão produz monstros), a imagem
fornece ao espectador a cena de um homem, de idade indeterminada, que é retratado em estado
de profundo sono. O local onde ele adormeceu, uma mesa com papeis e caneta, confere um
atributo a este personagem: é um estudioso, um homem dos pensamentos – da razão.
Adormecido, ele é rodeado pelos monstros e quimeras, criaturas da noite, do caos e do medo, das
quais não aparenta sequer ter consciência da presença e do tumulto que causam ao seu redor.
145

Figura 48. O sono da razão produz monstros. Francisco de Goya, 1797-1799

Por que recorrer a um trabalho da Espanha do século XVIII para abordar questões a partir
do século XX? A resposta se encontra nas entrelinhas, nas semelhanças da História e na
mensagem que o artista legou ao mundo.
Acredito que determinadas obras têm caráter atemporal, sendo O sono da razão um desses
perfeitos exemplos. Apesar de, ao fazer Los caprichos, Goya ter se proposto a uma crítica
específica contra a sociedade espanhola do século XVIII, as 80 composições da série trataram de
temas fundamentalmente humanos e universais: o frágil equilíbrio da razão em tempos difíceis,
os conflitos entre o esclarecimento e a ignorância, o eterno duelo do mal e o oculto contra o bem
e a verdade. Não importa se as imagens falaram dos conflitos entre classes baixas, clero e
nobreza na Espanha do passado, julgo que o seu significado é forte o bastante para ultrapassar o
seu contexto original e atingir outros universos, podendo tanto ser relacionado às dualidades da
Viena de dois séculos mais tarde, a época de Schiele, quanto aos atuais problemas de ódio,
discriminação e intolerância que vivemos hoje no mundo globalizado.
146

Em minha leitura da frase que é o foco desse trabalho de Goya, “o sono da razão produz
monstros”, desvio-me das interpretações nas quais a decodificação da mensagem indica que a
razão, quando ausente, gera as monstruosidades e o caos. Proponho uma interpretação
diretamente oposta: a razão está presente, alerta, e é dual como os outros aspectos da nossa
condição humana.
Goya criou uma bela metáfora aos moldes da era Iluminista, mas desconsiderou o poder
da perversão que a razão potencialmente traz dentro de si mesma. No século XX, a mesma razão,
científica e tecnológica, que levou aos estudos sobre o grafismo das crianças e dos pacientes
psiquiátricos também embasou a proliferação de imagens estereotipadas desses pacientes,
expostos ao mundo como símbolo do curioso e do grotesco, não como seres humanos que
mereciam as suas dignidades restauradas. A mesma razão que permitiu os incríveis avanços da
nova sociedade do século XX tampouco foi capaz de impedir as Guerras, o Holocausto e os
crimes contra a arte moderna. Mais que isso, pode-se observar que ao longo da história grandes
discursos, teorias e estudos ditos como racionalistas foram usados em prol do bem, mas
igualmente foram aplicados gerando sofrimento e prejuízos para incontáveis vítimas do passado.
Assim, proponho que não existe o sono da razão. Nossos monstros, quimeras, negligências e
erros são todos frutos do aspecto negativo da razão, não da sua ausência. A razão é capaz de
produzir os seus próprios monstros, sendo o Nazismo uma de suas maiores e mais terríveis
quimeras.
Perseguidos pela racionalidade instrumentalizada dos nazistas, todos os artistas modernos
em domínios alemães, fossem eles judeus, estrangeiros, associados ao marxismo ou ainda já
falecidos, foram potenciais vítimas da censura de suas obras. Essa discriminação os rotulou como
degenerados, ou seja, como pessoas que deveriam ser excluídas pelos riscos que supostamente
ofereceriam à sociedade, sendo as suas obras as provas de seus crimes contra a moral, o bem e a
verdade ariana.
Para essa contextualização, foi de fundamental proveito a análise do inventário Harry
Fischer, arquivo digitalizado e disponibilizado para pesquisa pública pela Victoria & Albert
Museum de Londres. Através dessa lista e da obra de Stephanie Barron (1991), foi possível
constatar que Egon Schiele foi postumamente censurado pelos nazistas, tendo o seu nome e obras
citados 23 vezes no documento analisado. No entanto, o artista não constou entre os selecionados
147

para a edição de 1937 da Entartete kunst, mostra de arte degenerada que se tornou itinerante.
Julgo que tal ausência possa ser justificada pelo fato da obra de Schiele ter sido considerada
como potencialmente valiosa em termos comerciais, tendo-se em vista que muitas obras
modernas confiscadas foram ilegalmente vendidas para fora dos domínios nazistas.
No Capítulo 3, última unidade da dissertação, novamente os documentos foram relevantes
para determinar a extensão da censura nazista: em minha verificação, cheguei aos números de
15.896 trabalhos confiscados em 101 cidades, entre 1937 e 1942, conforme o inventário Harry
Fischer. Dentre a extensa lista de artistas depreciados, selecionei três que foram citados com
bastante frequência: Nolde, Kokoschka e Segall. A partir deles, outra análise visual foi realizada,
dessa vez entrelaçando dados dos autorretratos de Schiele, de 1910, e de três obras de mesmo
tema por Oskar Kokoschka, Emil Nolde e Lasar Segall, artistas rotulados como degenerados e
que constaram tanto na lista Harry Fischer quanto na disponibilizada por Barron (1991), fatos
inclusive amplamente debatidos em suas biografias, ao contrário do que se passou no caso de
Schiele.
A análise permitiu o apontamento de quatro aspectos de similaridade entre os
autorretratos, todos produzidos antes dos anos 30: paleta de cores que remete à organicidade e à
decomposição, desenho de formas incompletas, aspecto caricatural do corpo e formas orgânicas
com tendência para a geometrização. Tais pontos correlacionados indicaram que os trabalhos
analisados foram exemplos da exploração de técnicas vanguardistas pelos seus autores, sendo
essa incursão no modernismo o fato mais intensamente depreciado pela estética do Nazismo.
Assim, os autorretratos observados se encaixaram nos critérios de arte degenerada, no entanto os
de Schiele não foram incluídos na mostra de 1937 e não há um estudo sobre a censura ao artista
em importantes biografias. A partir da minha análise, acredito que a explicação para a sua não
inclusão naquela mostra era que as obras de Egon Schiele, artista que já havia morrido, foram
confiscadas e não expostas para serem comercializadas posteriormente. Como o inventário Harry
Fischer foi compilado entre 1937 e 1942, não se sabe exatamente quando as obras de Schiele
foram inseridas.
Por fim, elaboro considerações sobre a importância da obra de Schiele na atualidade,
refletida no demonstrado interesse de artistas atuais de diferentes linguagens e áreas, que se
inspiraram em seus trabalhos, criando propostas que transitaram das artes visuais à música. No
148

âmbito nacional, a presença de Autorretrato de Schiele manifesta-se no fato de ser a única obra
do artista no Brasil e estar localizada em um museu em homenagem a Lasar Segall, artista que
viveu em época similar ao artista, e cuja obra também foi depreciada pelos nazistas. Pelo passado
conturbado pelo qual a produção de ambos passou, a presença de um trabalho do austríaco se
revela como uma feliz coincidência, dialogando em sintonia com o acervo deixado por Lasar
Segall.
A trajetória dessa obra de Schiele, assim como a de outros trabalhos modernos, também se
conecta com os acontecimentos da cultura de nosso próprio país. Não devemos nos esquecer do
nebuloso passado, não muito distante dos nossos dias  época em que os governos, autoritários,
por décadas cercearam direitos civis básicos como a liberdade de expressão. Os artistas nacionais
de artes visuais, música e artes cênicas, ao lado de outros setores da sociedade civil, expuseram-
se ao perigo e lutaram em prol da reconquista desses direitos. Muitos foram os que sofreram as
consequências da Ditadura Civil Militar não apenas em suas carreiras, mas em suas próprias
vidas: inúmeros foram os relatos de desrespeito e censura contra as suas obras, prisões sem
justificativa, torturas, ameaças e exílio. Apesar de tudo, a arte permaneceu como um escudo
contra as injustiças e o terror, e até os dias atuais é marcante a atuação da comunidade artística
brasileira a cada novo escândalo de corrupção, intolerância e extremismo político.
Desse modo, a presença de uma obra de um artista injustamente censurado, mesmo que
única, e sob a proteção de uma associação cultural que zela pela memória de outro artista também
perseguido, pede-nos para não nos esquecer. E mais que recorrer à memória coletiva, ela
silenciosamente nos exorta a resistir toda vez que necessário.

Referências

ADAM, Peter. The art of the Third Reich. Nova Iorque: Thames and Hudson, 1992.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma única história. Disponível em:
<https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-
br> Acesso em 28 ago. 2016.
AGRA, Lucio. História da arte do século XX: idéias e movimentos. São Paulo: Editora Anhembi
Morumbi, 2004.
149

ALBERTINA. Egon Schiele. Disponível em: <


http://www.albertina.at/jart/prj3/albertina/main.jart?rel=en&content-id=1202307119317&j-cc-
node=item&j-cc-id=1212389648825&j-cc-
item=ausstellungen&ausstellungen_id=1212389648825> Acesso em 03 out. 2016.
ALCHETRON. Daniel Chodowiecki. Disponível em: <http://alchetron.com/Daniel-
Chodowiecki-1088507-W> Acesso em 06 ago. 2016.
AL FARROW. Egon Schiele. Disponível em: < http://www.alfarrow.com/egon-schiele.html>
Acesso em 04 abr. 2016.
ALL MUSIC. Music for Egon Schiele. Disponível em: < http://www.allmusic.com/album/music-
for-egon-schiele-mw0000180400> Acesso em: 03 ago. 2016.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
___. Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das letras, 1987.
___. Origens do totalitarismo. Antissemitismo, imperialismo e totalitarismo. São Paulo:
Companhia de bolso, 2012.
ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO. Direção: Peter Cohen, 1987. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=IBqGThx2Mas> Acesso em 28 set. 2016.
AMIN, Raquel; REILY, Lucia H. A poética infantil em foco: fundamentos históricos para
entender a arte da criança. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São
Paulo, julho 2011. Disponível em:
<http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1329329203_ARQUIVO_1300739739_AR
QUIVO_Apoeticainfantilemfoco_RaquelAmineLuciaReily_ANPUH2011.pdf> Acesso em 10
out. 2016.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004.
ARTINGER, Kai. Egon Schiele. Vida e obra. Colonia, Alemanha: Könemann, 2001.
ATIENZA, María Bolaõs. El arte que no sabe su nombre. Locura y modernidad en la Viena del
siglo. Revista de la Asociación Española de Neuropsiquiatría, Madri, Espanha, Vol. XXVII, n.
100, p. 445-464, 2007.
AZIZBEKKAOUI. Egon Schiele/Marina Abramovic/De Chatel. Disponível em:
<http://www.azizbekkaoui.com/arts/egon-schiele-van-gogh-museum> Acesso em: 07 set. 2016.
150

BARBON, Lilian Patricia. O autorretrato fotográfico: encenação, despersonalização e


desaparecimento. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Mestrado do Centro de Artes
da Universidade do Estado de Santa Catarina, CEART/UDESC, Florianópolis, V Ciclo de
investigações do PPGAV – UDESC, nov. 2010.
BARBOSA, Regina. A obra de arte total: ideiais interdisciplinares da Secessão Vienense. Anais
do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. Associação de Ensino e
Pesquisa de Nível Superior de Design do Brasil (AEND Brasil), 2008.
BARRON, Stephanie (ed.). Degenerate art. The fate of the avant-garde in Nazi Germany. Los
Angeles: Los Angeles County Museum of Art, 1991.
BECCARI, Vera D’Horta. Lasar Segall e o modernismo paulista. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BENINCASA, Carmine. Oskar Kokoschka. Roma, Itália: Marsile Editore, 1981.
BLACKSAW, Gemma, The pathological body: modernist strategising in Egon Schiele’s self-
portraiture. Oxford art Journal, University of Oxford, Oxford, Inglaterra, vol. 38, n. 3, p. 377-
401, 2007
BONFAND, Alain. A arte abstrata. Campinas, SP: Papirus, 1996.
BORTULUCCE, Vanessa Beatriz. A arte dos regimes totalitários do século XX. Rússia e
Alemanha. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2008.
BOSTON COLLEGE. Disponível em: <
http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/arch/19thc/vienna_secess2.jpg> Acesso em: 05 ago.
2016.
BR KULTUR. Egon Schiele. Disponível em: <http://www.br.de/themen/kultur/inhalt/kunst/egon-
schiele-leben100.html> Acesso em 16 out. 2016.
BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do
belo. 2 ed. Campinas – SP: Editora da Unicamp, 2013.
BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2006.
CALDAS, Waldenyr. Utopia do gosto. São Paulo: Brasiliense, 2009.
CANEVACCI, Massimo. Antropologia da comunicação visual. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
CARDINAL, Roger. Expressionismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
151

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário dos símbolos. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2012.
CHIPP, Herschel B. Teorias da arte moderna. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
COMINI, Alessandra. Egon Schiele. Londres: Thames and Hudson, 1976.
DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: lógica da sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
DEMPSEY, Amy. Estilos, escolas e movimentos. Guia Enciclopédico da Arte Moderna. São
Paulo: Cosac Naify, 2003.
D’HORTA, Vera. Verdade – Fraternidade – Arte. Secessão de Dresden - Grupo 1919 e
contemporâneos. Disponível em: <http://www.museusegall.org.br/mlsItem.asp?sSume=21&s
Item=315> Acesso em: 27 jul. 2015.
DIDEROT, Denis. Ensaios sobre a pintura. 2 ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013.
DIE BRÜCKE MUSEM. Emil Nolde. Disponível em: <http://www.bruecke-
museum.de/englnolde.htm> Acesso em: 03 out. 2016.
DIEZ, Ángeles Llorca; RÁMON, Gines Llorca. Gustav Klimt. Viena. 1900. In: GONZÁLEZ,
Ángel Luis Montejo (coord.). Sexualidad, psiquiatría y biografía. Barcelona, España: Editorial
Glosa, 2007.
D’ HORTA, Vera. Verdade, fraternidade, arte. Disponível em:
<http://www.museusegall.org.br/mlsItem.asp?sSume=1&sItem=315> Acesso em: 15 jul. 2015.
DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
DUARTE, Rodrigo. Vicissitudes do belo. Disponível em:
<http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/vicissitudes-do-belo> Acesso em 05 out. 2016.
ECO, Umberto. História da beleza. Rio de Janeiro: Record, 2013.
___. História da feiura. Rio de Janeiro: Record, 2014.
EGON SCHIELE MUSEUM. Egon Schiele. Disponível em: <http://www.egon-
schiele.eu/en/das-museum> Acesso em: 23 jul. 2015.
152

___. IESG – "Internationale Egon Schiele-Gesellschaft" – International Egon Schiele


Association. Disponível em: <http://www.egon-schiele.eu/en/egon-schiele/iesg> Acesso em: 23
jul. 2015.
ERBGUTH, Frank Joachim. Egon Schiele and Dystonia. In: BASSETTI, C.; Bäzner, H.;
BOGOUSSLAVSKY, J., HENNERICI, M.G. (eds.). Neurological Disorders in Famous Artists –
Part 3. Front Neurol Neurosci. Basiléia, Suiça, Karger, vol. 27, pp 46–60, 2010.
FARNESINA. Scultura del 'Doriforo' di Policleto. Disponível em:
<http://www.esteri.it/mae/it/sala_stampa/archivionotizie/approf_postingdettaglio/2011/03/20110
331_frattini_buenos_airesfoto1.html> Acesso em: 04 set. 2016.
FELICIANO, Héctor. O museu desaparecido: a conspiração nazista para roubar as obras-
primas da arte mundial. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.
FELLER, Deborah. The Art of John Kelly: Embodying Egon Schiele. Disponível em: <http:
//www.deborahfeller.com/news-and-views/?cat=9&paged=3> Acesso em: 27 Jul. 2015.
FISCHER, Wolfgang Georg. Egon Schiele. 1890-1918. Pantomimas do prazer. Visões da
mortalidade. Colónia, Alemanha: Taschen, 2007.
FIRST ART GALLERY. Water sprites. Disponível em: <http://www.1st-art-gallery.com/Egon-
Schiele/Water-Sprites-II.html> Acesso em: 15 out. 2016.
FLIEDL, Gottfried. Gustav Klimt. 1862-1918. O mundo de aparência feminina. Colônia,
Alemanha: Taschen, 1994.
FRASCINA, Francis; HARRISON, Charles; PERRY, Gill. Primitivismo, Cubismo, Abstração.
Começo do Século XX. São Paulo: Cosac Naify, 1998.
FRAYZE-PEREIRA, João A. Arte, dor: inquietudes entre estética e psicanálise. Cotia, SP:
Ateliê Editorial, 2005.
FREIE UNIVERSITÄT BERLIN. About the Research History. Disponível em: <
http://www.geschkult.fuberlin.de/en/e/db_entart_kunst/geschichte/forschungsgeschichte/index.ht
ml> Acesso em: 23 jul. 2015.
___. The Confiscation of “Entartete Kunst” in 1937 and its consequences. Disponível em:
<http://www.geschkult.fu-berlin.de/en/e/db_entart_kunst/geschichte/beschlagnahme/index
.html> Acesso em: 27 jul. 2015.
153

___. Current status. Disponível em: <http://www.geschkult.fu-


berlin.de/en/e/db_entart_kunst/datenbank/aktueller_stand/index.html> Acesso em: 27 jul. 2015.
FULMER, Jeffrey. Otto Dix. Early life. Disponível em: <http://www.ottodix.org/biography>
Acesso em 21 out. 2015.
GAILLEMIN, Jean Louis. Egon Schiele: the egoist. New York, USA: Thames & Hudson, 2013.
GALERIE ST. ETIENNE. A brief history of the Galerie St. Etienne. Disponível em:
<http://www.gseart.com/gse-pages/about_staff.php> Acesso em: 23 jul. 2015. a.
___. Egon Schiele (1890-1918). Disponível em: <http://www.gseart.com/Artists-Gallery/Schiele-
Egon/Schiele-Egon-Biography.php> Acesso em: 28 jul. 2015. b.
GAY, Peter. Modernismo: o fascínio da heresia de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. São
Paulo: Companhia das letras, 2009.
GIDE, André. O tratado de Narciso (teoria do símbolo). São Paulo: Flumen, 1984.
GILMAN, Sander L. Seeing the insane. Nova Iorque: Weily, 1982.
GOMBRICH, Ernst Hans. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
GONÇALVES, Albertino. O delírio da disformidade. O corpo no imaginário grotesco.
Comunicação e sociedade, Universidade do Minho, Portugal, Vol. 4, p. 117-130, 2002.
GONÇALVES, Tatiana Fecchio da Cunha. A representação do loucoe da loucura nas imagens
de quatro fotógrafos brasileiros do século XX: Alice Brill, Leonid Streliaev, Cláudio Edinger,
Claudia Martins. Tese de doutorado. Campinas, SP: Instituto de Artes, Unicamp, 2010.
GRAMARY, Adrian. Charcot e a Iconografia Fotográfica de La Salpêtrière. Revista Saúde
Mental, Portugal, Volume X, n. 3, maio-junho 2008, p. 61-64.
GRANDO, Cristiane. Hilda Hilst: a morte e seu duplo. Disponível em:<
http://www.hildahilst.com.br.cpweb0022.servidorwebfacil.com/separata.php?id=33&categoria=1
0> Acesso em: 05 out. 2016.
GUINSBURG, Jaco. O Expressinismo. São Paulo: Perspectiva, 2002.
HAGIHARA, Márcio. O Ethos negativo e a arte de vanguarda – modernismo destrutivo das
vanguardas históricas do início do século XX. Dissertação (mestrado). Brasília, DF: Instituto de
Ciências Sociais, Departamento de Sociologia. Universidade de Brasília, 2007.
HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. 3 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982.
HITLER, Adolf. Minha luta. Mein kamft. São Paulo: Centauro, 2016.
154

HOFMANN, Paul. Os vienenses: esplendor, decadência e exílio. Rio de Janeiro: José Olympio,
1996.
IMDB. Egon Schiele, Tod und Mädchen. Disponível em: <
http://www.imdb.com/title/tt4558396> Acesso em 20 ago. 2016.
JOHN KELLY PERFORMANCE. Pass the Blut Wurst, Bitte. Disponível em: <
http://johnkellyperformance.org/wp2/performances/pass-the-blutwurst-bitte-2010> Acesso em:
10 ago. 2016.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Lisboa, Portugal: Editora 70, 2007.
KALLIR, Jane. Autorretrato,1912? Egon Schiele. In: Verdade-Fraternidade-Arte: Secessão de
Dresden – Grupo 1919 e contemporâneos. São Paulo: Museu Lasar Segall, 2011. (Catálogo de
exposição).
___. Egon Schiele: file and work. Nova Iorque: Harry N. Abrams Inc. Publishers, 2003.
___. Egon Schiele: love and death. Berlin, Germany: Hatje Cantz Publishers, 2005.
___. Otto Kallir and Egon Schiele. Nova Iorque: Neue Galerie New York, 2005. Disponível em:
<http://www.gseart.com/Articles/Otto-Kallir-And-Egon-Schiele-15.php> Acesso em: 3 nov.
2016.
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade de julgar. São Paulo: Ícone, 2009.
___. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. Campinas, SP: Papirus, 2000.
KAYSER, Wolfgang Johannes. O grotesco: configuração na pintura e na literatura. São Paulo:
Perspectiva, 2009.
KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
KNUBBEN, Thomas. Emil Nolde: Unpainted Pictures. Ostfildern-Ruit, Alemanha: Hatje Kantz
Publishers, 2000.
KOSSOY, Boris. Fotografia e história. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
KUHL, Isabel. Egon Schiele. Munique, Alemanha: Prestel, 2010.
LEITE, Carlos Willian. Os 10 melhores poemas de Manoel de Barros. Disponível em:<
http://www.revistabula.com/2680-os-10-melhores-poemas-de-manoel-de-barros/> Acesso em 05
out. 2016.
LEOPOLD, Elisabeth (ed.). Egon Schiele. Poems and letters 1910-1912 from the Leopold
Collection. Nova Iorque: Prestel, 2008.
155

LEOPOLD MUSEUM. Egon Schiele. Disponível em: <


http://www.leopoldmuseum.org/en/leopoldcollection/focus/Schiele> Acesso em 15 ago. 2016.
LEOPOLD MUSEUM. Schiele. Disponível em:
<http://www.leopoldmuseum.org/en/leopoldcollection/focus/Schiele> Acesso em 14 out. 2016.
___. Kokoschka the self in focus. Disponível em: <
http://www.leopoldmuseum.org/en/exhibitions/50/kokoschka-the-self-in-focus> Acesso em: 20
set. 2016.
LE RIDER, Jacques. A modernidade vienense e as crises de identidade. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 1993.
LESSING IMAGES. Oppenheim, Max (MOPP). Disponível em: <
https://www.lessingimages.com/viewimage.asp?i=40170538+&cr=11&cl=1> Acesso: 03 set.
2016.
LUCRETIA SCHMIDT. Egon Schiele. Disponível em: <
https://lucretiaschmidt.carbonmade.com> Acesso em: 15 set. 2016.
MARLOW, Tim. Schiele. Wigston Leicester, Londres: Magna Books, 1994.
MASSEY, Laura. Entartete Kunst. Degenerate art. Disponível em:
<http://www.peterharrington.co.uk/blog/entartete-kunst-degenerate-art> Acesso em 25 mar.
2016.
METZGER, Richard. David Bowie on ‘Heroes’, Iggy & Eno: ‘The un-aired interview’, 1977.
Disponível em: < http://dangerousminds.net/comments/david_bowie_on_heroes_iggy_eno>
Acesso em: 15 ago. 2016.
MICHAUD, Eric. The cult of art in Nazi Germany. Stanford, Estados Unidos: Stanford
University Press, 2004.
MOMA. Emil Nolde. Disponível em:
<http://www.moma.org/collection_ge/object.php?object_id=73810> Acesso em 04 out. 2016.
___. Self-portrait. Disponível em: <https://www.moma.org/learn/moma_learning/oskar-
kokoschka-self-portrait-1913> Acesso em: 02 out. 2016.
MORAIS, Zita (trad.). Gustav Klimt. Lisboa, Portugal: Lisma, 2005.
Morris, E.K.; Todd, J.T.; Midgley, B.D.; Shneider, S.M. & Johnson, L.M. (1990). The History of
Behavior Analysis: Some Historiography and a Bibliography. The Behavior Analyst, 13,131-158.
156

MUSEU LASAR SEGALL. Apresentação e serviços. Disponível em: <


http://www.museusegall.org.br/mlsTexto.asp?sSume=34> Acesso em: 27 jul. 2015.
___. Autorretrato II. Disponível em:
<http://museusegall.org.br/mlsObra.asp?sSume=1&sObra=6> Acesso em: 04 out. 2016.
___. Arte Degenerada: o ataque à arte moderna na Alemanha nazista de 1937. Disponível:
<http://www.museusegall.org.br/mlsItem.asp?sSume=1&sItem=533> Acesso em: 27 jul. 2015.
___. Biografia. Disponível em: <http://www.museusegall.org.br/mlsTexto.asp?sSume=11>
Acesso em 01 out. 2016.
___. Lasar Segall. São Paulo: Ministério da cultura, 1990.
___. Verdade-Fraternidade-Arte: Secessão de Dresden – Grupo 1919 e contemporâneos. São
Paulo: Museu Lasar Segall, 2011. (Catálogo de exposição).
MUSEUM OF JEWISH HERITAGE. Egon Schiele (Tulln 1890–1918 Vienna). Portrait of Wally
Neuzil, 1912. Disponível em: <http://www.mjhnyc.org/wally/Schiele_ PortraitofWally.pdf>
Acesso em: 23 jul. 2015.
NASA. 11338 Schiele (1996 TL9). Disponível em: <http://ssd.jpl.nasa.gov/sbdb.cgi?sstr=11338>
Acesso em: 10 ago. 2016.
NATIONAL MUSEUM. Giuseppe Arcimboldi. Disponível em: <
http://collection.nationalmuseum.se/eMuseumPlus?service=direct/1/ResultDetailView/result.inlin
e.list.t1.collection_list.$TspTitleImageLink.link&sp=13&sp=Sartist&sp=SelementList&sp=0&sp
=0&sp=999&sp=SdetailView&sp=0&sp=Sdetail&sp=1&sp=T&sp=0&sp=SdetailList&sp=0&sp
=T&sp=1> Acesso em 10 set. 2016.
NIETZSCHE, Friedrich Wihelm. Assim falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém.
São Paulo: Lafonte, 2012.
O GLOBO. O único Egon Schiele no Brasil. Disponível em: <
http://oglobo.globo.com/blogs/paulistana/posts/2011/02/07/o-unico-egon-schiele-no-brasil-
361634.asp> Acesso em 02 mai. 2015.
OLIVEIRA, Ana Carolina Robin de. Auto-observadores II e Profetas, de Egon Schiele: uma
abordagem histórico-cultural do pré-guerra vienense. Monografia (especialização). Campinas,
SP: Instituto de Artes, Unicamp, 2012.
157

___. Mãe Morta I: um estudo sobre as maternidades alegóricas de Egon Schiele. Monografia
(licenciatura). Limeira, SP: FAAL, 2011.
OLIVEIRA, Daniel Franco de. Egon Schiele como trickster:possíveis aproximações.
Visualidades. Goiânia v.10 n.2 p. 159-177, jul-dez 2012.
PAINTING STAR. Portrait of Bertha von Wiktorin. Disponível em:
<http://www.paintingstar.com/item-portrait-of-bertha-von-wiktorin-s166408.html > Acesso em
05 out. 2016.
PETROPOULOS, Jonathan. Artists Under Hitler: Collaboration and Survival in Nazi Germany.
New Haven, Estados Unidos: Yale University Press, 2014.
PINKER, Steven. Tábula rasa: a negação contemporânea da natureza humana. São Paulo:
Companhia das letras, 2004.
PIZZO, Esníder (ed.). Klimt. Schiele. Kokoschka. São Paulo: Editora Globo, 1990. Coleção de
Arte.
PLANETY. 11338 Schiele. Disponível em: < http://planety.astro.cz/planetka-11338> Acesso em
24 ago. 2016
READ, Herbert. As origens da forma na arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.
REBEL, Ernst. Auto-retratos. Colônia, Alemanha: Taschen, 2009.
RÉUNION DES MUSÉES NATIONAUX. Emil Nolde. Paris, France: Réunion des musées
nationaux, 2009.
SCHIELE ART CENTRUM. Egon Schiele. Disponível em:
<http://www.schieleartcentrum.cz/en/dokumentation/43> Acesso em 15 mai. 2016.
SCHIELE, Egon. Diário da prisão. Lisboa: Litoral edições, 1987.
___. Na prisão/Im gefängnis: diários, desenhos e aquarelas. São Paulo: Luzes no Asfalto, 2009
SCHORSKE, Carl. E. Viena fin-de-siècle: política e cultura. São Paulo: Companhia das Letras,
1988.
SCHRÖDER, Klaus Albrecht. Egon Schiele. Eros and passion. Munich, Berlin, London, New
York: Prestel, 2006.
SKED, Alan. Declínio e queda do império Habsburgo: 1815-1918. Lisboa, Portugal: Edições 70,
2008.
158

SPÄTH, Daniela. Grande queima de “arte degenerada”: um mistério de 75 anos. Disponível


em: <http://www.dw.com/pt/grande-queima-de-arte-degenerada-um-mist%C3%A9rio-de-75-
anos/a-17511014> Acesso em 23 jul. 2015.
SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA BRASILEIRA ALBERT EINSTEIN. Distonia é
caracterizada por movimentos repetitivos anormais. Disponível em:
<http://www.einstein.br/einstein-saude/em-dia-com-a-saude/Paginas/distonia-e-caracterizada-
por-movimentos-repetitivos-anormais.aspx> Acesso em 30 nov. 2015.
STEINER, Richard. Egon Schiele. 1890-1918. A alma nocturna do artista. Colónia, Alemanha:
Taschen, 2006.
TED. The danger of a single story. Disponível e: <
http://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story> Acesso em 20
ago. 2015.
THE IMPROPER. Egon Schiele paintings at Center of Lawsuit over plundered Nazi art.
Disponível em: < http://www.theimproper.com/art/2581/egon-schiele-paintings-lawsuit-nazi-art>
Acesso em: 10 set. 2016.
THE TELEGRAPH. Fine art and the Führer: paintings by struggling artist Adolf Hitler.
Disponível em: < http://www.telegraph.co.uk/culture/culturepicturegalleries/6066904/Fine-art-
and-the-Fuhrer-paintings-by-struggling-artist-Adolf-Hitler.html?image=8> Acesso em: 18 set.
2016.
VICTORIA & ALBERT MUSEUM. Entartete Kunst. Disponível em: <
http://www.vam.ac.uk/content/articles/e/entartete-kunst/> Acesso em 30 set. 2015.
WAGNER, Christiane. Arte e Realidade. Revista de Cultura e Extensão USP, Brasil, v. 14, p. 41-
51, mar. 2016. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rce/article/view/112281>. Acesso em:
13 out. 2016.
WERKNER, Patrick. Body language, form and idea in Austrian Expressionist painting. In:
SCHRÖDER, Klaus Albrecht; SZEEMANN, Harad (eds.). Egon Schiele and his contemporaries:
Austrian painting and drawing from 1900 to 1930. Munich: Prestel Verlag, 1989.
WIKIART. Bride of the wind. Disponível em: <http://www.wikiart.org/en/oskar-
kokoschka/bride-of-the-wind-1914> Acesso em 05 out. 2016.
159

___. Portrait of the painter Max Oppenheim. Disponível em: < https://www.wikiart.org/en/egon-
schiele/portrait-of-the-painter-max-oppenheimer-1910> Acesso em 20 set. 2016.
WIKIPEDIA. Arno Brecker. Disponível em: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:ArnoBrekerDiePartei.jpg> Acesso em: 01 out. 2016
___. Danse macabre. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Danse_macabre_by_Michael_Wolgemut.png>
Acesso em: 20 set. 2016.
___. Emil Nolde. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:WP_Emil_Nolde.jpg> Acesso em14 set. 2016.
___. Heroes. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/File:David_Bowie_-_Heroes.png>
Acesso em 28 ago. 2016.
___. Franscico de Goya. Disponível em: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Goya_-
_Caprichos_(43).jpg> Acesso em :14 out. 2016.
___. Isadora Duncan. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Isadora_Duncan_(grayscale).jpg> Acesso em 14 set.
2016.
___. Jean-Martin Charcot Chronophotography. Disponível em: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean-Martin_Charcot_chronophotography.jpg> Acesso
em 10 mai. 2016.
WHITFORD, Frank. Egon Schiele. London, UK: Thames and Hudson, 1981.
YAMASAKI, Sergio. Gustav Klimt. Barueri, SP: Editorial Sol 90, 2007.
YOUTUBE. Metrópolis: Verdade, fraternidade, arte. (audiovisual). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=jWePj_HODlw> Acesso em 21 out. 2015.
160

ANEXOS
161

Anexo I: notícias na mídia sobre Verdade – fraternidade - arte


162
163
164
165
166
167
168
169

Anexo II: Parecer da especialista Jane Kallir sobre Autorretrato


170

Anexo III: Termo de consentimento para entrevista

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


Egon Schiele e o conceito de degeneração na arte moderna
Ana Carolina Robin de Oliveira
Número do CAAE: 55943316.0.0000.5404

Você está sendo convidado a participar como entrevistado (informante) de um estudo. Este documento,
chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos e deveres como participante e
é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com a pesquisadora.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houverem
perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com a pesquisadora. Se preferir, pode levar
para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir participar. Se você não quiser participar ou
retirar sua autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo.
Esta pesquisa justifica-se pela necessidade de aprofundar os conhecimentos acerca da obra do artista
austríaco Egon Schiele (1890-1918), artista cujo trabalho intitulado Autorretrato (c.1910) encontra-se sob comodato
de longa duração no Museu Lasar Segall.
O objetivo da pesquisa é apontar os indícios pelos quais a obra geral de Egon Schiele supostamente teria
feito parte da lista de arte censurada pelos nazistas. Para isso, se tem como ponto de partida a análise da obra
Autorretrato, único trabalho do artista presente em um museu brasileiro, adquirido por família judaica no Brasil
durante os anos 40.
A sua participação consistirá em participar de uma entrevista de áudio gravado, de no máximo 1 hora de
duração, com data previamente agendada por ambas as partes, respondendo a questões. No primeiro momento, as
perguntas versarão sobre o conhecimento do entrevistado acerca de Egon Schiele; em seguida, entrarão as questões
específicas sobre as características do acervo do Museu Lasar Segall e a relação do entrevistado com o museu, a
entrada da obra Autorretrato no Brasil, sua aquisição pela família Schwarz e o comodato com o Museu Lasar Segall.
Por fim, serão questionados sobre a importância de tal obra no Brasil, sobretudo no Museu Lasar Segall, o processo
de autenticação da obra por Jane Kallir e a exposição Verdade, Fraternidade, Arte, que expôs Autorretrato pela
primeira vez em 2010. É garantido o sigilo dos dados coletados, sendo que os mesmos serão utilizados
exclusivamente para finalidades didáticas e/ou científicas.
Entre os benefícios, salienta-se o esclarecimento acadêmico e público dos dados e fatos acerca da chegada e
permanência da obra Autorretrato, do artista austríaco Egon Schiele (1890-1918), única obra do mesmo em
instituição cultural do Brasil.
171

Os riscos previstos pelas entrevistas se baseiam no fato da não alteração de nomes, fato que pode gerar
situações de constrangimento. No entanto, salienta-se o participante possui o direito de se abster de participar caso a
pesquisa e a entrevista lhe provoquem desconforto.
Você será esclarecido sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar e é livre para recusar-se a
participar, retirar seu consentimento ou interromper a participação. Seu nome ou o material que indique a sua
participação não será liberado sem a sua permissão, e você terá em mãos uma cópia deste mesmo termo, caso haja
alguma dúvida.
O pesquisador poderá ser contatado pelo telefone _______________ e pelo endereço eletrônico
_____________________. Poderá também contatar o Comitê de Ética em Pesquisa da UNICAMP pelo telefone (19)
3521-8936.

Responsabilidade do Pesquisador
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração do
protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e
fornecido uma cópia deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o
projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para
as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

___________________________________________ Data: ____/_____/______


Ana Carolina Robin de Oliveira (pesquisadora)

Consentimento livre e esclarecido

Após ter sido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos,
potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar:

.
Sim Não

Eu,______________________________________________RG:_____________, dou meu consentimento


livre e esclarecido para participar como entrevistado(a)/informante da pesquisa de mestrado “Egon Schiele e o
conceito de degeneração na arte moderna” desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do
Instituto de Artes da Unicamp, sob responsabilidade da pesquisadora Ana Carolina Robin de Oliveira, orientada pela
Profa. Dra. Lucia Helena Reily.
172

______________________, _______ de ___________________ de 2016.

__________________________________________
Assinatura do Participante

______________________________________
Ana Carolina Robin de Oliveira (pesquisadora)

DENÚNCIAS E/OU RECLAMAÇÕES REFERENTES AOS ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA

Comitê de Ética em Pesquisa da FCM/ UNICAMP- Tel.: (19) 3521.8936 ou 3521.7189


Rua Tessália Vieira de Camargo, 126- CEP: 13083-887- Campinas/SP- Email: cep@fcm.unicamp.br
173

Anexo IV: Páginas selecionadas da Lista Harry Fischer


174
175
176
177
178
179
180
181
182
183
184
185

Você também pode gostar