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Sebenta 2ª Frequência

Direito Administrativo II (Universidade de Coimbra)

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Direito Administrativo II Wanessa Oliveira – 2016/2017


2ª frequência

Procedimento administrativo
Noção
 Procedimento como um conjunto de atos funcionalmente ligados com vista a produzir
um certo resultado, um efeito único: ato, contrato ou regulamento de execução
(Rogério Soares);
 Procedimento como modo de formação das decisões administrativas, bem como da
sua manifestação e execução, traduzindo-se numa sucessão ordenada de
formalidades, atos e factos (CPA art. 1º/1).

Principais notas caracterizadoras


a) Conjugação de um ato administrativo com vários atos instrumentais – em torno do
ato principal do procedimento, gravita uma série de atos acessórios ou subordinados.
É impossível a tomada de uma decisão pela Administração sem ser enquadrada numa
série de atos menores, sejam praticados pela Administração, seja como reflexo da
colaboração dos particulares;
b) Colaboração entre diferentes órgãos e agentes administrativos – em grande número
de procedimentos, é necessária a intervenção de diversos agentes administrativos,
muitas vezes de órgãos diferentes e até de pessoas administrativas diferentes (ex:
pareceres, auxílio administrativo e conferências procedimentais);
c) Participação dos particulares – a Constituição estabelece, no seu art. 267º, como um
dos objetivos da lei do procedimento administrativo, o de assegurar a participação dos
interessados. O CPA seguiu à risca a imposição constitucional, plasmando como
princípios gerais da atividade administrativo, os princípios da colaboração da
Administração com os particulares (art. 11º CPA), da participação (art. 12º CPA) e da
cooperação (art. 60º/1 CPA);
d) Tramitação – procura-se com a ideia de tramitação demonstrar que, a produção dos
diversos atos e formalidades envolvidas no procedimento, tem que obedecer a uma
ordem cronológica, sem a qual a sequência desses momentos perderia o seu sentido;
e) Resultado jurídico unitário – o resultado unitário é o ato principal do procedimento

A importância da figura do procedimento


 Permite perceber em que condições e por quais meios podem os particulares recorrer
aos tribunais: apenas devem recorrer daqueles atos que sejam os atos principais, os
que afetam a esfera jurídica dos interessados, bem como aqueles que, estando
inseridos na tramitação procedimental, produzam efeitos externos;
 O correto entendimento do procedimento e o conhecimento das suas várias fases,
bem como da função que cada uma desempenha dentro dele, são fundamentais para
se compreender a invalidade do ato principal.

Tipos de procedimentos
 Procedimentos de 1º grau (visam a prática de um ato primário) e de 2º grau
(impugnações administrativas)
 Procedimentos decisórios e procedimentos executivos
 Procedimentos obrigatórios (formais, desenhados do princípio ao fim) e
procedimentos facultativos (informais, a lei regula apenas os grandes momentos)
 Procedimentos bipolares e procedimentos multipolares

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2ª frequência

 Procedimentos simples (tendem à prática de um ato) e os procedimentos complexos,


que integram:
o Subprocedimentos – entroncam num procedimento principal,
designadamente na fase integrativa da eficácia (aprovações)
o Procedimentos escalonados – pré-decisões que decidem definitivamente
certas condições da decisão global (a informação prévia de localização no
licenciamento comercial)
o Procedimentos coligados ou conexos – podem ser de coordenação
concomitante (o caso da avaliação de impacte ambiental), ou de coordenação
sucessiva (os procedimentos guichet múltiplo)

As fases do procedimento (de 1º grau)


OS procedimentos administrativos, não são sempre iguais, havendo a possibilidade de os
órgãos administrativos, em casos concretos e quando a discricionariedade para tanto os
habilite, poderem ordenar o procedimento de forma diferente do esquema legalmente
estabelecido (art. 56º CPA)
É agora expressamente admitido o recurso à figura dos acordos endoprocedimentais, no
âmbito dos quais, o responsável pela direção do procedimento e o(s) sujeito(s) privado(s)
podem acordar, por escrito, termos do procedimento, quando estes se enquadrem no âmbito
da discricionariedade procedimental (art. 57º CPA).

1. Fase preparatória
Como primeira fase do procedimento administrativo, Rogério Soares destacava a fase
preparatória, na qual se incluem todos os trâmites destinados a preparar o ato principal do
procedimento (o ato administrativo).
Os atos preparatórios visam criar uma situação juridicamente relevante, por forma a que o
ato desejado possa surgir em termos tais que a sua conformidade com a ordem jurídica esteja
assegurada. Embora estes, por si só, não produzam efeitos externos, criam uma situação
jurídica que é condição de validade do ato principal.
 Excluem-se os atos com autonomia funcional, que são aqueles que, não obstante
ocorrerem antes do ato principal, por si só produzem efeitos jurídicos externos, sendo
que admitem impugnação contenciosa;
 Excluem-se os antecedentes procedimentais, que são atos que, tendo em vista o
procedimento, ocorrem antes do seu início (estudos, vistorias, peritagens para a
construção de um hospital, que não se confundem como procedimento expropriativo;
queixas denúncias, petições que podem estar na base de um procedimento disciplinar)

1.1. Fase inicial/ de iniciativa


Englobam-se nesta fase os atos e formalidades responsáveis pelo “arranque” do
procedimento (arts. 53º e 102º a 109º CPA). Procedimentos (arts. 65º e 68º CPA):
 Particulares – se iniciativa dos interessados (ex: procedimento de licenciamento de
uma obra de edificação). A forma normal de o particular se dirigir à Administração, é
através de um requerimento, que deve preencher os requisitos estabelecidos no art.
112º CPA
 Públicos – se de iniciativa da administração:
o Oficioso – quando iniciados pelo próprio órgão que tem competência para a
prática do ato principal;

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o Não oficioso – quando iniciados por outro órgão que não é competente para a
prática do ato principal (ex: expropriação de um terreno da iniciativa da
Câmara e cuja declaração de utilidade pública é da competência do ministro);
 Autoiniciativa (os processos oficiosos);
 Hétero-iniciativa [tanto pode ser pública (desencadeado mediante propostas,
requisições, pedidos) como privada (individual, coletivo, gerais)].

Em casa requerimento individual, não pode ser formulado mais do que um pedido, a não ser
que se trate de pedidos entre os quais haja conexão (art. 102º/2 CPA): unicidade do pedido.
Podem, contudo, ser formuladas, num único requerimento, pretensões correspondentes a
uma pluralidade de pessoas que tenham um conteúdo e fundamento idênticos ou
substancialmente similares (art. 102º/3 CPA).
Perante um requerimento que lhe seja apresentado, a administração tem o dever de decidir,
desde que se preencham os pressupostos procedimentais a que a lei condiciona o
desenvolvimento regular do procedimento e desdobram-se em:
 Pressupostos procedimentais subjetivos – competência do órgão e legitimidade do
requerente;
 Pressupostos procedimentais objetivos – inteligibilidade, unidade e tempestividade do
pedido; atualidade do direito que se pretende exercer e inexistência de decisão sobre
igual pedido do requerente há menos de 2 anos (art. 13º/2 CPA).
Não existindo os pressupostos, também não existe o dever de decidir, mas mantém-se, nos
termos do art. 13º/1 CPA o dever genérico de pronúncia.
 Fase de saneamento – apreciação da verificação destes pressupostos (arts. 108º e
109º CPA), a qual pode dar lugar a um despacho de aperfeiçoamento do pedido ou a
um despacho de rejeição liminar. Não ocorrendo qualquer destas situações, o
procedimento terá continuidade para a fase subsequente.

Posição do requerente após o início do procedimento:


 Direito à decisão e à sua notificação: arts. 13º e 114º e ss;
 Direito à participação: art. 12º;
 Direito à informação: art. 82º a 85º;
 Direito de ser ouvido antes da decisão final: art. 121º e ss;
 Direito de desistência e renúncia: art. 131º;
 Direito de conhecer as razões de uma eventual denegação da sua pretensão: art. 152º;
 Direito de reclamar e de recorrer administrativamente da decisão: art. 184º e ss;
 Dever de cooperação: art. 60º;
 Dever de prestar informações e de apresentar provas: art. 116º;
 Dever de provar factos, quando for caso disso: art. 115º;
 Dever de pagamento de taxas ou despesas que estiverem legalmente fixadas: art.
133º, a contrario sensu.

1.2. Fase instrutória (instrução)


Esta subfase da fase preparatória visa apresentar, ao agente responsável, os diversos
interesses envolvidos na decisão que vai tomar, por forma a permitir a avaliação do seu peso e
importância relativos. A instrução fornece os elementos que determinarão a formação da
vontade da administração (art. 115º a 120º e 55º e ss CPA). A instrução dos procedimentos
deve ser preferencialmente realizada por meios eletrónicos (art. 61º CPA).

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A direção do procedimento, cabe ao órgão competente para a decisão final, mas existindo um
dever de delegação deste, em inferior hierárquico, do seu poder de direção (art. 55º/2).
A instrução é desenvolvida de acordo com o princípio inquisitório (arts. 58º e 13º/3 CPA).
Os atos ou momentos instrutórios, tanto podem ser praticados pelo órgão responsável pela
decisão final, como ser solicitados a outras autoridades, a quem o órgão competente para a
decisão final deve, por iniciativa própria, por proposta do responsável pela direção do
procedimento ou a requerimento de um sujeito privado da relação jurídica procedimental,
solicitar auxilio, quando a participação de outros órgãos da administração pública seja imposta
por lei ou tenha competência exclusiva ou conhecimentos aprofundados sobre a matéria em
questão, bem como quando a instrução requeira a intervenção de pessoal ou o emprego de
meios técnicos de que o órgão competente para a decisão final não dispõe (art. 66º CPA). Para
além disso, os particulares podem ter um papel relevante na instrução, nomeadamente
apresentando provas, pareceres, documentos adicionais, sendo chamados a descrever
situações de facto, podendo igualmente dirigir reclamações à Administração. Cabe-lhes, ainda,
o ónus de provar todos os factos que aleguem (art. 115º CPA).
De grande importância revestem ainda, nesta fase, as diligências probatórias (arts. 115º a
120º) e as diligências consultivas ou pareceres (arts. 91º e 92º).

Pareceres
Noção – avaliação feita por um órgão de natureza consultiva de uma determinada situação,
fornecendo essa avaliação a um outro órgão para que ele determine o conteúdo de um ato
que vai praticar.

Funções:
 Aconselhamento técnico-científico por órgãos com maior experiência na resolução de
certos problemas;
 Torna mais fácil a fundamentação do ato administrativo;
 Permite que a decisão seja mais racional;
 Autocontenção da Administração; enquanto espera o parecer, pode ponderar melhor
a solução para o caso;
 Em relação ao particular, o ato torna-se mais convincente.

Tipos de pareceres (art. 91º/1):


 Facultativos – o órgão que vai pedir o parecer, não é obrigado a fazê-lo;
 Obrigatórios – o parecer tem de ser solicitado para a tomada de decisão:
o Não vinculante - apesar de serem pedidos, não têm necessariamente de ser
seguidos, podendo o órgão competente decidir em sentido diferente;
o Vinculante – as respetivas conclusões têm que ser aceites e seguidas pelo
órgão competente para a decisão;
 Conformes – uma decisão, num dado sentido, só pode ser tomada se for apoiada num
parecer, embora o apoio do parecer nesse sentido não impeça o administrador de
decidir contrariamente:
o Favoráveis – uma decisão positiva só é possível se o parecer for no sentido
positivo;
o Desfavoráveis – a recusa só é possível com o apoio de um parecer negativo.

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Prazos – Quando um parecer obrigatório não for emitido dentro do prazo legal (30 dias),
pode o procedimento prosseguir e ser decidido sem o parecer, a não ser que se trate de
parecer vinculante. Neste caso, o procedimento só pode ser decidido sem o parecer, desde
que o órgão instrutor, tenha interpelado o órgão competente para o emitir [no prazo de 10
dias, devendo o órgão competente emitir o parecer devido, em 10 dias (art. 92º/4/5/6)].
A doutrina defende que a melhor opção teria sido a de permitir, tal como acontece
em legislação especial, que pudessem os interessados obter junto dos órgãos
competentes o parecer em falta ou que, no caso dos pareceres vinculantes, tivesse
sido consagrada a possibilidade de os mesmos poderem ser obtidos judicialmente com
suspensão do procedimento até obtenção dos mesmos.

1.3. Fase da audiência prévia dos interessados


Destina-se a garantir a participação dos particulares nos procedimentos administrativos (art.
267º/4 CRP) e com possibilidade de influenciar na decisão que a Administração irá tomar (art.
121º e ss).

2. fase da preparação (direta) da decisão ou de diligências complementares (art. 125º


e 126º CPA)

3. Fase constitutiva ou decisória


Após o cumprimento de todos os transmites destinados a preparar a decisão, o órgão
competente, vai fazer uma avaliação final de todos os elementos recolhidos, produzindo o ato
principal ou típico do procedimento.
Em regra, o procedimento termina com uma decisão final expressa (art. 127º), que deverá ser
praticada por escrito (art. 150º), com as menções previstas no art. 151º e devidamente
fundamentada, nos termos dos arts. 152º e ss. Na decisão tomada por meios eletrónicos, a
identificação do órgão deve ser autenticada com assinatura eletrónica ou outro meio idóneo,
nos termos da legislação própria (art. 94º/2 CPA).
O ato administrativo, praticado na fase constitutiva, pode ser:
 Ato simples – em que a declaração é uma só (emane ela de um órgão singular ou de
um órgão colegial);
 Ato compósito ou ato composto em sentido amplo – caracterizado por ter várias
pronúncias, todas dirigidas ao mesmo objeto e com o mesmo fim imediato:
o Atos complexos ou compostos em sentido amplo – contêm manifestações de
vários órgãos, todas no mesmo sentido (o caso de um despacho junto de dois
ministros);
o Atos continuados - um só sujeito, emite várias pronúncias sucedidas no
tempo, mas unidas como se de um só ato se tratasse;
o Atos compostos em sentido estrito – colaboração direta entre duas
autoridades, uma com a função de decidir (declaração principal) e a outra
com um papel secundário, de servir a autoridade competente (prática de
determinados atos administrativos com necessidade da presença
documentante ou testemunhante de uma autoridade dotada de fé pública,
como notários e conservadores;
o Atos contextuais – atos distintos, mas que, por razões de ordem prática, são
emitidos sob a mesma forma, reunidos num mesmo documento:

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 Simultâneos – quando vários atos, de órgãos diferentes, aparecem


reunidos sob a mesma manifestação externa, como ordens
semelhantes de vários ministros publicadas simultaneamente;
 Múltiplos ou plurais – vários atos, do mesmo órgão, que até podem
ter conteúdo diferente, mas que são reunidos numa mesma forma,
como a nomeação ou a notação simultânea de vários funcionários ou
a avaliação de vários alunos.

A nota mais importante a destacar a propósito dos atos contextuais, tem a ver
com o facto de eles serem atos funcionalmente autónomos, o que tem grande
relevo prático, em face da possibilidade de impugnação autónoma de cada um
desses atos.

3.1. O caso do ato silente


A problemática do silêncio da administração, tem a ver com a questão de saber qual o relevo
a atribuir à ausência de manifestação expressa de um órgão administrativo, quando instado a
responder a um particular, designadamente na sequência de um requerimento deste e após a
expiração do prazo legal (art. 128º).
Foi entendido, pelo nosso ordenamento jurídico que, neste caso, esse silêncio seria
considerado como uma forma anómala de a Administração decidir o pedido que lhe foi
dirigido. O silêncio adquiria assim o valor de uma resposta, à qual o CPA chamou de
“deferimento” ou “indeferimento” tácitos (art. 129º CPA).
O deferimento tácito, passa a ocorrer apenas quando a lei especial ou regulamente o
determine expressamente (art. 130º/1) ou quando esteja em causa a prática de atos
autorizativos na relação entre órgãos administrativos (estando afastada a sua formação
quando esteja em causa a prática de atos autorizativos nas relações da Administração com os
particulares (art. 130º/4). Neste caso, é necessário que ocorra interpelação do órgão
competente para decidir, a qual deve ser efetuada decorridos 10 dias a contar do termo do
prazo para a autorização ou aprovação, e sendo dado um prazo de 20 dias para que o ato seja
emitido. Apenas se tal não suceder, se prescinde da autorização ou aprovação que fosse
necessária (art. 130º/5).

4. Fase integrativa de eficácia


O facto de o ato administrativo estar “pronto”, nem sempre significa que ele esteja
imediatamente apto a produzir os seus efeitos, sendo por vezes necessária a prática de atos
que, não acrescentando nada ao conteúdo ou à validade do ato principal, vão permitir que ele
produza os efeitos para que tende.
Os atos (administrativos ou instrumentais) desta fase, não contribuem para a definição do
conteúdo do ato principal (que já está definida desde a fase constitutiva), limitam-se a
remover obstáculos à sua operatividade efetiva.

4.1. Tipos de atos integrativos:


 Da responsabilidade da administração (atos de controlo preventivo):
o Vistos (controlo preventivo da legalidade do ato);
o Aprovações (controlo preventivo da legalidade e do mérito).
 Da responsabilidade dos particulares:

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o Atos de adesão (desencadeiam a eficácia dos atos administrativos respetivos


nos casos em que é necessária essa declaração da aceitação por parte do
destinatário do ato – tomada de posse, pagamento de uma taxa, depósito de
uma caução).
4.2. A comunicação dos atos administrativos
Há duas formas de comunicar um ato administrativo, através de publicação ou por
intermédio de uma notificação [em que é dado o conhecimento formal, pessoal e oficial do ato
administrativo ao(s) seu(s) destinatário(s)] (art. 268º/3 CRP).
A comunicação não é condição de eficácia do ato administrativo, uma vez que é regra geral
do ato é a de não serem recetícios, ou seja, não necessitam do conhecimento do particular
para produzirem os seus efeitos (art. 158º CPA).
Só nos atos impositivos (constitutivos) de deveres ou encargos, isto é, naqueles cuja execução
supõe a colaboração do destinatário (os que impõem deveres, encargos, ónus ou sujeições) e
ainda nos atos que impõem sanções, é que o seu conhecimento é necessário para que os seus
atos se tornem eficazes (art. 160º).
A desnecessidade de comunicação dos atos administrativos para a produção dos efeitos
respetivos não invalida que a mesma comunicação seja condição de oponibilidade de efeitos
desfavoráveis, pois só após a comunicação é que o particular está em condições de conhecer o
ato e, como tal, só a partir daí é que a Administração pode exigir dele determinado
comportamento e, só a partir daí se começa a contar o prazo para o particular exercer os seus
meios de defesa, nomeadamente as vias contenciosas.

Novas tendências procedimentais


 Mecanismos de simplificação administrativa:
o Desregulação, através de procedimentos de comunicação de início de
atividade (iniciativa de procedimento de verificação para eventual oposição
administrativa como prazo) – art. 134º CPA;
o Relevância do silêncio endoprocedimental (art. 13º/5 RJUE);
o Coordenação e concentração [conferências procedimentais (instrutórias ou
deliberativas)] – arts. 77º ss.
 Privatização – substituição de procedimentos públicos por procedimentos privados;
delegação da instrução em privados (a apreciação dos projetos de especialidades no
licenciamento de obras).
 Tramitação desmaterializada dos procedimentos – entrega, por via informática, dos
requerimentos e comunicações, bem como dos seus elementos anexos instrutores e,
ainda, a promoção de consultas e notificações com recurso ao mesmo tipo de meios
(art. 61º ss).

Eficácia dos atos administrativos


Noção
 Validade – aptidão intrínseca do ato para produzir os efeitos jurídicos
correspondentes ao tipo legal a que pertencem, uma consequência da sua
conformidade com a ordem jurídica. Tem a ver com os momentos intrínsecos ao
próprio ato, pelo que os vícios a ela relativos afetam a própria vitalidade do ato
administrativo.

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 Eficácia – efetiva produção dos efeitos. Tem a ver com factos ou circunstâncias
extrínsecas do próprio ato, condicionando apelas a operatividade do mesmo.

Atos válidos, mas ineficazes


 Atos de eficácia diferida (a que falta a fase integrativa da eficácia ou sujeito a termo
suspensivo) – art. 157º/a) e c) CPA);
 Atos de eficácia condicionada (sujeitos a condição suspensiva) – art. 157º/b) CPA);
 Atos de eficácia suspensa (por decisão administrativa, por decisão judicial ou por
determinação da lei: no recurso hierárquico necessário).

Atos inválidos, mas eficazes:


 Atos anuláveis – produzem normalmente os seus efeitos até serem anulados.
Passando o prazo para esta anulação (prazo que pode deferir consoante se trate de
impugnação administrativo ou judicial), o ato torna-se impugnável. Assim, enquanto
não passa o prazo, tem eficácia provisória, passando esse prazo, passa a ter eficácia
definitiva;
 Atos nulos com efeitos putativos.

Tipos de eficácia
 Eficácia instantânea [os efeitos do ato produzem-se num determinado momento,
esgotando-se aí a sua eficácia. Apesar de poderem criar situações duradouras, que se
estenderão por períodos de tempo maiores ou menores, a sua operatividade esgota-se
no momento em que se tornam eficazes (ex: nomeação e revogação)] e eficácia
duradoura [prolongam a sua operatividade no tempo, não sendo apenas a situação
por eles criada que se prolonga no tempo (ex: concessão, que tem que se manter
eficaz para que o concessionário tenha o direito). Estes atos colocam o problema da
sucessão das normas no tempo, que se prende com a possibilidade de, durante o
período da sua vigência, poderem ocorrer alterações das circunstâncias que estiveram
subjacentes à sua prática e que justifiquem uma intervenção modificativa ou extintiva
dos mesmos];
 Eficácia imediata (a produção dos efeitos dá-se exatamente no momento constitutivo:
art. 155º/1) e atos de eficácia diferida (o critério é o do momento em que se verifica a
eficácia);
 Eficácia (imediata ou diferida) retroativa ou prospetiva (o critério das situações
jurídicas afetadas pelos efeitos do ato): art. 156º.

Contagem da eficácia do ato


 Atos de eficácia ex nunc (para o futuro) – atos recetícios, sujeitos a termo inicial ou
condição inicial;
 Atos de eficácia ex tunc:
o No caso de atos de eficácia diferida, os efeitos contam-se desde o momento
constitutivo do ato: retroação (o caso da aprovação);
o A situação da retrodatação – os efeitos do ato contam-se desde o momento
em que o ato deveria ter sido praticado (e não foi);
o A situação da retroatividade – os atos administrativos produzem efeitos sobre
situações jurídicas constituídas antes da sua prática (art. 156º).

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Suspensão e cessação da eficácia


 Suspensão – dá-se quando um ato administrativo de eficácia duradoura está a
produzir normalmente os seus efeitos, surgindo um determinado acontecimento que
vai fazer com que tal deixe temporariamente de acontecer. A suspensão da eficácia vai
terminar com a eficácia vai terminar com a renovação da eficácia ou com a extinção do
ato, cujos efeitos se tinham primeiramente suspendido;
 Cessação – é relativa aos atos de eficácia duradoura, que num momento podem ver a
sua operatividade cessar por vários motivos, que podem ser:
o Desaparecimento do sujeito ou do objeto do ato administrativo em causa (ex:
morte do funcionário nomeado ou queda do imóvel mandado demolir);
o Ato administrativo com o objetivo expresso de fazer com que a eficácia do
primeiro cesse (revogação ou anulação);
o Inserção de cláusulas acessórias:
 Condição resolutiva – cláusula pela qual a eficácia de um ato fica
dependente da verificação de um acontecimento futuro e incerto; se a
condição for resolutiva, a sua verificação determinará a cessação dos
efeitos do ato;
 Termo final – determina que os efeitos do ato, ao qual está aposta,
cessem a partir de um certo momento, que poderá ser um
acontecimento, uma data ou um período de tempo.

Força jurídica dos atos administrativos


A conceção oitocentista da executoriedade – crítica atual deste entendimento
A executoriedade corresponde ao tradicional “privilégio de execução prévia”, que
corresponde ao poder de os atos da administração serem executados coativamente por esta,
no caso de falta de cumprimento do particular.
No século XIX, o seu fundamento encontrava-se na “presunção de legalidade” dos atos
administrativos. Críticas:
 Privilégio de execução prévia:
o Esta expressão está imbuída de preocupações típicas do Estado de polícia, que
a concebe com um benefício exorbitante do sistema geral do direito;
o Esta expressão poderia ser entendida no sentido de uma execução prévia à
declaração: a Administração gozaria do benefício de executar previamente,
antes mesmo de estar munida de um título que justifique a execução;
 Presunção de legalidade dos atos administrativos:
o Foi com base nela que durante muito anos se justificou a instituição de um
regime para os atos anuláveis que determina que estes, enquanto não forem
anulados, devam ser tratados como se fossem válidos. No entanto, a razão de
ser deste regime baseia-se no facto de se pretender evitar que o exercício do
poder fique paralisado pela simples invocação de uma ilegalidade do seu
exercício, o que obstaria à produção dos seus efeitos normais;
o O incidente da suspensão da eficácia do ato, quando é deferido o pedido de
suspensão, não significa que a presunção de legalidade tenha sido ilidida, mas
uma diferente avaliação do peso relativo dos interesses públicos e particulares
coenvolvidos e do risco da irreparabilidade do sacrifício destes últimos;
o A presunção de legalidade revela-se enganosa, pois não poderia determinar
uma inversão do ónus da prova no recurso contencioso.

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Alargamento do conceito de executoriedade pela doutrina e jurisprudência


Na legislação, jurisprudência e doutrina portuguesas, a executoriedade passou a ser
considerada um requisito de recorribilidade contenciosa dos atos administrativos. Com efeito,
considerava-se só ser admissível o recurso contencioso de atos administrativos definitivos e
executórios (art. 150º do CPA de 1992), fazendo as leis do contencioso administrativo
referência ao incidente da suspensão da executoriedade do ato administrativo. Existia, nesta
perspetiva, uma confusão entre os problemas da executoriedade e os da eficácia.

Entendimento atual da executoriedade: distinção de conceitos próximos


O exercício do poder unilateral da administração, traduz-se numa tutela de um interesse
assumido como próprio (o interesse público) que modifica a esfera jurídica dos destinatários
sem intervenção prévia dos tribunais, que podemos considerar uma verdadeira autotutela
(autotutela declarativa), sendo a imperatividade uma característica de todos os atos
administrativos.
A executoriedade traduz uma ideia de autotutela executiva, sendo um poder de execução
coativa e pelos meios da própria administração, dos atos administrativos, sem recurso aos
tribunais. É um problema de execução e não de declaração do direito aplicável à situação
concreta.

Fundamento do poder executório


O fundamento da executoriedade encontra-se no poder de autotutela executiva da
administração, isto é, na faculdade que lhe é reconhecida de lançar mão de procedimentos de
execução do ato administrativo, com vista à prossecução de interesses públicos específicos,
quando os deveres dele decorrentes não forem voluntariamente cumpridos pelos
destinatários. Isto significa que, na medida em que cabe à administração velar pelos interesses
públicos, deve admitir-se que ela disponha de instrumentos de defesa variáveis para obviar às
ofensas não neutralizáveis ou cabalmente neutralizáveis por outros meios.

Âmbito de aplicação da executoriedade


A executoriedade pressupõe a eficácia do ato administrativo (já que só tem sentido falar-se
em execução, coativa ou não, em relação a atos que já estejam a produzir efeitos jurídicos),
mas nem todos os atos administrativos eficazes são suscetíveis de execução coativa.
A executoriedade só se coloca para os atos exequíveis (atos administrativos que gozam da
possibilidade efetiva de execução, através de atos jurídicos ou atos materiais – ex: ordem de
demolição), não sendo possível invocar esta característica em relação aos atos administrativos
não exequíveis (produzem os seus efeitos independentemente de qualquer execução – ex:
autorização ou revogação).
Todos os atos administrativos exequíveis são também executivos (capacidade de os atos
administrativos serem um título que permite basear diretamente uma execução sem
necessidade de qualquer pronuncia judicial). Tendo o ato administrativo (exequível e eficaz)
esta característica, dispensa-se uma prévia fase declarativa em tribunal, permitindo o próprio
ato fundar diretamente uma execução. Daí poder dizer-se que os atos administrativos têm
eficácia auto titulante. Essa execução não tem de ser coativa (executoriedade), podendo ser
uma execução judicial.
A executoriedade não é uma característica típica de todos os atos administrativos, tal como
defende uma parte da doutrina (ex: Rogério Soares) e não tem sentido para os atos não
exequíveis. Para além disso, ela não tem igualmente sentido relativamente a atos que não
tenham como conteúdo imediato a criação de deveres para os particulares ou daqueles que,

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tendo esse conteúdo, não colocam qualquer tipo de oposição por parte dos seus destinatários,
uma vez que estes o cumprem voluntaria ou espontaneamente.
No entanto, nem todos os atos criadores de deveres ou obrigações para os particulares, que
se defrontem com a oposição destes, podem ser exercidos diretamente pela administração.
Tal só pode ocorrer nos casos inequivocamente previstos na lei e em casos de urgência
devidamente fundamentada.
A possibilidade de proceder à execução dos seus próprios atos usando a força física, constitui
a máxima afirmação de “potestas” da Administração, mas é também a prerrogativa mais
gravosa para os particulares. Por isso, a tendência, ao nível dos vários ordenamentos jurídicos,
é para a redução do âmbito de aplicação da executoriedade, na medida em que o alargamento
da intervenção administrativa na vida dos privados não é compatível com a manutenção do
princípio, sob pena da total subjugação dos particulares (ameaçados pela sanção criminal da
desobediência).

A executoriedade no CPA
 Arts 175º ss – regime comum aplicável aos procedimentos administrativos dirigidos à
obtenção, através de meios coercivos, da satisfação de obrigações pecuniárias, da
entrega de coisa certa, de prestações de facto ou ainda do respeito por ações ou
omissões em cumprimento de limitações impostas por atos administrativos;
 Art. 176º - consagração do princípio em que a execução coerciva dos atos
administrativos só pode ser realizada pela administração nos casos e formas
expressamente previstos na lei ou em situações de urgente necessidade pública,
devidamente fundamentada. Exceção para as medidas de policia;
 Art. 183º - execução judicial como a via normal a adotar na falta de cumprimento
voluntário;
 Art. 179º - inadmissibilidade de executoriedade quando estejam em causa obrigações
pecuniárias;
 Arts. 180º e 181º - termos em que é feita a execução coativa para a entrega de coisa
certa ou para prestações de facto fungíveis.

Procedimento de execução e garantia dos particulares


 Obrigação da prévia prática do ato administrativo a executar (art. 177º/1);
 Autonomização da decisão de proceder à execução (art. 177º/2), que deve ser
notificada ao destinatário (ainda que possa ser feita simultaneamente com a
notificação do ato exequendo) e cominar num prazo razoável para o respetivo
cumprimento (art. 177º/3/4)
 Obrigação do cumprimento do princípio da proporcionalidade, com especial relevo
para o princípio da necessidade (art. 178º/1) e pelo respeito dos direitos
fundamentais e da dignidade da pessoa humana, quando a execução coerciva
implique coação direta sobre os indivíduos (art. 178º/2);
 O art. 182º enumera as garantias judiciais à disposição dos executados.

Validade do ato administrativo


Validade e legitimidade do ato administrativo
A validade é a qualidade do ato administrativo que se constitui em conformidade com as
normas jurídicas fundamentais que, em função do interesse público, regulam esta forma de
atuação, sendo, por isso, apto à produção estável dos seus efeitos jurídicos.

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2ª frequência

A validade do ato administrativo, depende da legitimidade, sendo esta a correspondência ou


conformidade do ato administrativo com as normas que o regem, na medida em que daí
resulta a suposição de alcançar o interesse público. Conformidade com as regras:
 Não jurídicas, de boa administração – o não cumprimento ou a violação deste tipo de
regras, pode colocar a questão de uma eventual invalidade do ato por vícios de mérito
(admitida entre nós, mas que não pode ser apreciada em tribunal);
 Jurídicas (bloco de legalidade ou de juridicidade) – a sua violação corresponde à
ilegalidade do ato administrativo (vícios de “legalidade” ou de juridicidade).

Apesar de a legitimidade ser um pressuposto da validade do ato administrativo, ela não se


confunde com esta. Com o efeito, embora todos os atos inválidos sejam ilegítimos, nem todos
os atos ilegítimos são inválidos.
É que, ao lado dos chamados vícios invalidantes (vícios de mérito e vícios de ilegalidade),
podemos também encontrar vícios não invalidantes (irregularidades do ato administrativo).

Tipos de invalidade do ato administrativo e respetivos regimes jurídicos


 Anulabilidade (situação regra) – art. 163º CPA;
 Nulidade;
 Invalidades mistas (em casos previstos pela lei ou impostos pela natureza do ato);
 Inexistência (ainda admitido entre nós?)

Situações de nulidade
Tradicionalmente, a nulidade apenas se verificava nas situações expressamente previstas pela
lei (nulidades por determinação da lei).
Porém, a entrada em vigor do CPA de 1992, este passou a estabelecer, no seu art. 133º/1,
que ao lado das nulidades por determinação da lei, existiam também as nulidades por
natureza: ideia de que se trata de situações de gravidade acentuada, merecendo, por isso, um
regime mais gravoso (situações a decidir pela doutrina e jurisprudência).
A doutrina vinha defendendo que os elementos essenciais do ato administrativo, cuja falta
geraria a sua nulidade, eram todos aqueles que se ligassem a momentos ou aspetos
legalmente decisivos e importantes de cada tipo específico de ato administrativo, cuja falta
geraria um vício anormal ou especialmente grave ou um vício normal resultante de uma
anormal má-fé ou intenção dolosa da Administração. O critério a utilizar para o efeito seria,
assim, o da gravidade conjugado com o da evidência do vício, nos casos não resolvidos na lei.
O novo CPA, entrado em vigor em 2015, veio alterar esta situação. Assim, por razões de
certeza e segurança, passou a determinar-se que a nulidade pressupõe a respetiva cominação
legal expressa. Para além da enumeração que já constava do art. 133º/2 CPA de 1992, o art.
161º/2 atual CPA considera nulos os atos cujo fim seja a prossecução de um interesse privado,
atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes, atos que criem obrigações pecuniárias
sem base legal e atos com total preterição do procedimento, salvo estado de necessidade

O regime da nulidade
O art. 162º/1 CPA determina que o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, não
sendo, por isso, obrigatório para os respetivos destinatários.
A nulidade não necessita de qualquer reconhecimento ou declaração jurisdicional – a total
improdutividade do ato nulo vale “independentemente da declaração de nulidade” (art.
162º/1) – podendo ser feita valer a todo o tempo. O CPA admite agora, porém, expressamente

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que diplomas específicos possam determinar um regime distinto, como sucede no âmbito das
nulidades urbanísticas previstas no art. 68º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
Uma das características vulgarmente indicadas da nulidade era a de que ela podia ser
declarada por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal (art. 134º CPA de 1992).
Não era, contudo, aceitável que todas as autoridades podiam conhecer tal nulidade e não
aplicar o ato, só os órgãos administrativos com poderes de controlo e no caso os tribunais
administrativos podiam produzir a referida declaração de nulidade. Dando razão a esta crítica,
o art. 162º/2 CPA, determina agora que a nulidade pode ser conhecida por qualquer
autoridade ou declarada pelo órgão administrativo competente para a sua anulação.
Outra característica típica da nulidade, sempre foi a da insusceptibilidade da sua sanação: nos
termos do art. 137º CPA de 1992, os atos nulos eram insuscetíveis de ratificação, reforma e
conversão. Se esta insusceptibilidade de convalidação de atos nulos era compreensível, como a
doutrina vinha afirmando, quando a Administração se apresentava aos particulares como uma
“administração agressiva”, já se tornava desadequada em face de uma administração de
prestações, apresentando-se na mais das vezes como violadora dos princípios da proteção de
boa-fé e da confiança dos cidadãos, sempre que estivessem em causa decisões que lhe fossem
favoráveis. Pretendendo dar resposta a essa crítica, o art. 164º/2 CPA, vem admitir
expressamente a reforma (ato pelo qual se conserva do ato anterior a parte não afetada pela
invalidade) e a conversão (ato pelo qual se aproveitam os elementos válidos de um ato ilegal
para com eles se compor um ato legal) dos atos nulos.
O novo CPA acentua, comparativamente com o art. 134º/3 CPA anterior, a possibilidade de
atribuição de efeitos putativos aos atos nulos, numa leitura mais amiga da ponderação
principiológica, afastando uma ideia de que o que está em causa é uma pura relevância do
tempo como facto jurídico-administrativo no quadro tradicional da prescrição aquisitiva (art.
162º/3).
Ainda assim, o regime da nulidade dos atos administrativos ainda é um regime radical:
 Vieira de Andrade – “talvez não devesse admitir se a declaração de nulidade de atos
favoráveis a todo o tempo, mas apenas num prazo razoável contado do conhecimento
do vício (...) tal como deveria recusar-se ou limitar-se em certas hipóteses a
competência administrativa para a declaração de nulidade, designadamente, quando
não é evidente a existência desse tipo de invalidade ou, relativamente a determinados
vícios, quando estes sejam inteiramente imputáveis ao órgão administrativo”;
 André Salgado Matos – é a própria distinção binária entre nulidade e anulabilidade
que deve ser objeto de ponderação, pois não resolve as situações da vida de modo
mais adequado do ponto de vista da justiça material. “A estabilidade, que deveria ser
um valor ordenado à preservação de interesses específicos, converte-se num valor em
si mesmo no caso da anulabilidade sendo completamente desconsiderado, no caso da
nulidade”.

O regime da anulabilidade
 O ato anulável produz efeitos até ser anulado (se bem que a anulação do ato tenha
eficácia retroativa);
 Os atos anuláveis podem ser impugnados perante os tribunais administrativos
competentes ou perante a própria administração, dentro dos prazos estabelecidos;
 Uma vez que o ato anulável produz efeitos, ele vincula os respetivos destinatários que
não lhe puderam desobedecer, podendo tal ato ser executado, mesmo coativamente,
se possuir força executória;

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 Inovadoramente, o CPA veio determinar que o efeito anulatório não se produz nas
situações enumeradas no art. 163º/5 (Princípio do aproveitamento do ato).

A inexistência como tipo de invalidade


Os arts. 137º/1 e 139º/1/a) CPA 1992, faziam uma referência expressa à inexistência do ato
administrativo. Com o atual código, tal já não sucede, mas essa referência surge no CPTA.
A inexistência aparece aqui referida àquelas situações de patologia ou de vício de atos
administrativos que assumem uma gravidade tal que terão de ficar sujeitos a um regime ainda
mais radical do que a nulidade: são aquelas situações que estejam como tal expressa e
especificamente previstas na lei, não tendo os atos por ela afetados sequer efeitos putativos e
podendo a inexistência ser declarada a todo o tempo e em qualquer ordem de tribunais.

Estrutura do ato administrativo


De acordo com a proposta de Rogério Soares, o ato administrativo é analisado em relação a
três momentos ou perspetivas estruturais:
 Sujeito – quem pratica o ato;
 Objeto – o ente que sofre as transformações jurídicas visadas pelo ato e que pode ser
uma coisa, uma pessoa ou outro ato administrativo;
 Estatuição – é a declaração que corresponde ao ato propriamente dito. Composta por:
o Fim;
Aspetos substanciais
o Conteúdo;
o Procedimento; Aspetos formais
o Forma.

O sujeito: noção e requisitos de validade


 Sujeitos:
o Pessoas coletivas de direito público (dotadas de atribuições para levar a cabo a
prossecução dos interesses públicos que a lei colocou a seu cargo), a quem o
direito atribui uma função ou um conjunto de funções;
o Órgãos (dotados de competências; exprimem a vontade imputável à pessoa
coletiva), são os verdadeiros sujeitos do ato administrativo;
o Ministérios (dotados de atribuições, apesar de serem órgãos);
 Requisitos de validade:
o O órgão tem que estar inserido numa pessoa coletiva (ou num ministério),
dotado de atribuições para esse efeito;
o O órgão tem que ser competente no seio da respetiva pessoa coletiva;
o O órgão tem que estar legitimado em concreto para o exercício dessa
competência (requisitos de legitimação: investidura do titular do órgão,
quórum nos órgãos colegiais, autorização para a prática do ato, ausência de
impedimentos do agente ou titular do órgão e ainda o decurso de um período
de tempo dentro do qual o ato deve ser praticado ou decorrido o qual o ato
deixa de poder ser levado a cabo).

O objeto: requisito de validade


 Existência – possibilidade física e possibilidade jurídica do ato;
 Determinação – o objeto tem de estar determinado (identificado e delimitado);

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 Idoneidade – relação do objeto e do conteúdo do ato: um objeto é juridicamente


possível, mas que a lei não permite que ele sofra qualquer tipo de transformação
jurídica (ex: alienação de bens de domínio público);
 Legitimação – qualificação do objeto para receber, em concreto, os efeitos do ato
administrativo (ex: determinação do concorrente num concurso público).

Estatuição
O fim: noção e requisitos de validade
O fim do ato administrativo é (são) a(s) necessidade(s) que ele visa pacificar, e que será,
obrigatoriamente, um fim público tipificado pela lei.
Para este efeito, a lei indica, de forma abstrata, determinados pressupostos que, uma vez
verificados em concreto, indica ao agente administrativo a existência de um interesse público
que justifica e impõe a sua atuação.
Os pressupostos são as circunstâncias histórico-ambientais definidas pelo legislador na
hipótese da norma (pressupostos abstratos ou hipotéticos) que, uma vez verificados em
concreto (pressupostos reais ou concretos), mostram ao agente a ocorrência de um interesse
público que ele deve servir (isto nas normas de estrutura condicional).
Se os pressupostos não se verificarem em concreto, a administração está legalmente
impedida de atuar.
O agente administrativo está obrigado a apor ao ato administrativo uma declaração, na qual
demonstre a verificação em concreto dos pressupostos abstratamente definidos na lei: essa
declaração tem o nome de justificação, sendo um dos elementos que constitui a justificação.

O conteúdo: noção e requisito de validade


O conteúdo corresponde à transformação jurídica que o ato visa produzir, sendo o comando
ou a estatuição jurídica propriamente dita.
É na fixação do conteúdo, que releva a vinculação ou discricionaridade de que o agente goza
na prática do ato administrativo, sendo, a este propósito, importante distinguir:
 Conteúdo discricionário – situação em que o agente tem a possibilidade de contruir o
conteúdo do ato administrativo, através das cláusulas particulares;
 Conteúdo vinculado – o conteúdo a dar ao ato está fixado com precisão na lei. Uma
vez verificados os pressupostos, a administração terá de praticar o ato com o conteúdo
especificado na lei.
É o respeito do conteúdo discricionário, que se referem as exigências de validade, que se
traduzem na sua possibilidade, compreensibilidade (não pode ser contraditório, vago ou
incompreensível), licitude e legitimidade (cumprimento dos princípios ou normas que regem a
atividade administrativa).

O conteúdo principal do ato administrativo e o conteúdo acessório


 Conteúdo principal – aquele que abrange as determinações essenciais do ato, que
tanto podem decorrer de determinação legal (conteúdo típico), como introduzidas
pela Administração em relação ao momento constitutivo do ato (cláusulas
particulares, no caso de haver discricionaridade);
 Conteúdo acessório – baseiam-se numa faculdade discricionária do agente,
introduzindo uma qualificação acessória face ao conteúdo principal do ato. As
cláusulas acessórias dizem respeito à eficácia do ato (condição, termo e reserva de

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2ª frequência

revogação) ou a uma alteração da posição relativa entre a Administração e os


destinatários do ato (o modo e a reserva de modo).

No art. 149º CPA, prevê-se, em geral a possibilidade de a Administração apor ao conteúdo


principal do ato, cláusulas acessórias, mencionando-se expressamente:

a) Condição – cláusula acessória que faz depender a eficácia do ato administrativo de um


evento futuro e incerto. A condição pode ser:
 Suspensiva – o ato só produzirá efeito se e quando o evento se verificar;
 Resolutiva – a verificação do evento determinará a cessação dos efeitos do
ato.
Tando uma como outra, pode revestir o caráter de uma condição impura ou
potestativa (o evento condicionante, depende da vontade do destinatário do ato).
b) Termo – cláusula acessória que faz depender a eficácia do ato administrativo de um
evento futuro e certo (data, período de tempo, acontecimento de verificação segura,
mas cuja data exata não se conhece ainda). O Termo pode ser:
 Inicial – o ato só produzirá efeitos quando o evento se verifica;
 Final – a verificação do evento determina a cessação da eficácia do ato.
O termo aposto a um ato administrativo, pode ser simultaneamente inicial e final.
c) Modo – cláusula acessória aposta a um ato administrativo produtor de vantagens para
o seu destinatário, implicando a imposição de um dever de fazer, não fazer ou
suportar, dirigido ao seu destinatário. O seu incumprimento não afeta a eficácia do
ato, permitindo à Administração desencadear a execução (coativa ou judicial),
tendente a obter o seu cumprimento. Nos casos em que não seja possível a execução
coativa, o incumprimento da cláusula modal não confere ao órgão administrativo, o
poder de revogar o ato administrativo favorável, a não ser que tenha previamente
incluído uma reserva de revogação por incumprimento do modo. Caso tal não se tenha
verificado, a Administração apenas poderá ressarcir-se dos prejuízos que o
incumprimento do modo tenha acarretado para o interesse público. O modo não pode
ser visto como um ato autónomo: a comprovação da sua acessoriedade em relação ao
ato, está no facto de a invalidade deste, determinar automaticamente a invalidade
daquele.
d) Reserva – a administração admite a possibilidade de influir futuramente sobre o
conteúdo do ato, seja pela aposição superveniente de um ou vários modos (reserva de
modo), seja por se reservar a possibilidade de o revogar (reserva de revogação).
O problema específico dos limites à reserva de revogação:
 O regime geral da revogação, na parte em que estabelece exceções ao regime
da livre revogabilidade (art. 167º CPA), não exclui a possibilidade da reserva
de revogação de atos favoráveis, aplicando-se apenas aos atos de conteúdo
irrevogável por determinação legal e aos atos constitutivos de direitos e
interesses legalmente protegidos, que tenham criado, na esfera do particular,
um efeito jurídico estável e consistente (que tenham gerado confiança
legítima digna de proteção);
 A par dos atos provisórios e precários, são revogáveis justamente os atos que
tenham sido sujeitos pelo autor a reserva de revogação (além, naturalmente,
dos atos cuja revogação esteja prevista).

Os poderes e os limites da administração relativamente à aposição de cláusulas acessórias


(art. 149º CPA):

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2ª frequência

 A existência de capacidade discricionária do órgão competente (não se admite, em


regra, a aposição em atos vinculados: atos sobre status, em atos verificativos e
relativamente a atos devidos, só vale para assegurar a verificação futura de
pressupostos legais) – nº2;
 Proibição de descaracterização do fim, conteúdo principal do ato – nº1;
 A relação com o conteúdo típico – nº1;
 O respeito pelos princípios jurídicos aplicáveis (designadamente, a proibição do
arbítrio e da desproporção, nos casos de desfavorabilidade da cláusula) – nº1.

Relação do conteúdo com o fim


Para análise deste problema, convém destacar duas importantes ideias:
 Aquela de acordo com a qual, os vícios da vontade (dolo, erro e coação), não relevam
enquanto vícios do sujeito;
 O facto de o conteúdo do ato, ser estritamente determinado pelo fim, que com ele se
pretende realizar.
Nos atos vinculativos, o legislador estabelece não só o fim a alcançar através do ato
administrativo, mas também o conteúdo que este deve ter para que aquele interesse seja
alcançado.
Nos atos discricionários, cabe à administração encontrar o conteúdo do ato administrativo e
fazer o raciocínio de relação do conteúdo com o fim.
Para tornar transparente esta operação, a administração deve indicar os respetivos motivos.
Os motivos são os interesses públicos devidamente ponderados, que o agente tenha
considerado determinantes para o conteúdo que atribui ao ato, sendo a motivação a
declaração que se faz sobre os motivos.

O procedimento: noção e requisitos de validade


Para que a estatuição seja válida, é necessário um procedimento sem vícios, sendo necessário
que a administração cumpra todos os trâmites legalmente exigidos para a prática de
determinado ato administrativo.
Nos procedimentos necessários, nos quais a lei define, em termos precisos, a tramitação
procedimental, é mais fácil identificar a existência de vícios procedimentais.
Nos procedimentos facultativos, nos quais a administração tem a liberdade para fixar o
procedimento, também pode ocorrer vícios procedimentais, na medida em que, nestas
situações, a tramitação criada pela administração deve ser racional (art. 56º CPA – o princípio
da adequação procedimental.

A forma: noção e requisitos de validade


A forma é o modo como o ato administrativo se exterioriza.
Antes da publicação e posterior entrada em vigor do CPA, alguns autores (Rogério Soares)
defendiam um princípio da liberdade de forma, nos termos do qual sempre que a lei ou a
natureza das coisas não impusessem uma determinada forma, a administração poderia
escolher o meio a exteriorizar o ato que considerasse no caso mais conveniente.
No entanto, nos termos do CPA, vigora hoje a regra da forma escrita como forma supletiva
(art. 150º/1 CPA). Essa regra sofre as devidas adaptações no caso de o órgão autor do ato ser
um órgão colegial (art. 150º/3 CPA).
Uma exigência formal de grande significado teórico e, sobretudo, prático, é constituída pelo
dever de fundamentação (arts. 152º ss. CPA).

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2ª frequência

Apesar de a lei não estabelecer um dever geral de fundamentação, no sentido de todos e


cada um dos atos administrativos necessitar sempre, e em qualquer circunstância, de ser
fundamentado, a verdade é que a mera análise do art. 152º conduz à conclusão de que tal
dever existe para a grande maioria dos atos administrativos. A exigência de fundamentação
está prevista no art. 268º/3 CRP.
Não está estabelecida no CPA uma distinção que parte da doutrina costuma fazer no seio da
fundamentação:
 Justificação – indicação sobre o fim de um ato, ou seja, indicação dos pressupostos de
facto (exigência em todos os atos administrativos);
 Motivação – só tem lugar nos atos discricionários e consiste na indicação dos
interesses que o agente considerou significativos para atribuir um determinado
conteúdo a um ato.

Vícios do ato administrativo


Vícios relativos ao sujeito
 Falta de atribuições (ou incompetência absoluta) – dá-se quando um órgão de uma
pessoa coletiva pública atua no domínio de ação de um órgão pertencente a outra
pessoa coletiva pública (ou quando um órgão de um ministério atua no âmbito das
atribuições de outro ministério). Este vício é sancionado com a nulidade (art.
161º/2/b));
o Vício de usurpação de poder (falta de atribuições “qualificada”) – ocorre
quando um ato é praticado por um órgão administrativo, não tendo, no
entanto, a pessoa coletiva em que ele se insere, nem qualquer outra pessoa
coletiva administrativa, atribuições para o efeito (pertence à função política ou
à função jurisdicional). Este vício é sancionado com a nulidade (art. 161º/2/a));
 Incompetência (relativa) – violação das regras de repartição de poderes dentro da
mesma pessoa coletiva (ou do mesmo ministério). Falta de poderes do órgão que
praticou o ato para o fazer, agindo, no caso, um órgão diferente daquele que estava
por lei habilitado a agir, mas no âmbito da mesma pessoa coletiva ou ministério. Este
vício é sancionado com a anulabilidade (exceto na competência territorial);
 Falta de legitimação – está em causa a possibilidade ou a qualificação para o exercício
do poder num caso concreto;
o A investidura do titular do órgão, quórum nos órgãos colegiais, falta de
convocatória e falta de reunião, geram nulidade (art. 161º/2/h));
o Os restantes casos de falta de legitimação, geram anulabilidade.

Vícios relativos ao objeto


 Inexistência (ou impossibilidade física – ex: nomeação de um morto; ou jurídica – ex:
revogação de um ato extinto) do objeto – nulidade do ato;
 Indeterminação – nulidade;
 Falta de idoneidade – anulabilidade;
 Falta de legitimação – anulabilidade.

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2ª frequência

Vícios relativos à estatuição


Vícios materiais ou substanciais
Relativos ao fim
Os vícios relativos ao fim, só relevam enquanto tal, quando se referirem ao domínio
vinculado. Se houver um vício do fim (relativo aos pressupostos) no domínio discricionário, tais
vícios vão se projetar na escolha do conteúdo, vindo a relevar como vícios na relação fim-
conteúdo (o tradicional desvio do poder). Vícios do fim:
 Falta de pressuposto abstrato (isto é, na falta de base legal, uma vez que este vício se
traduz no facto de a Administração atuar sem qualquer lei lhe atribuir tal poder). A
consequência deste vício é a nulidade, se corresponder a uma falta de atribuições (o
caso do art. 161º/2/k) CPA;
 Falta de pressuposto concreto (geram anulabilidade):
o Erro de facto – a situação concreta pura e simplesmente não existia;
o Erro de direito quanto aos factos – a situação concreta existe, mas não se
subsume na hipótese legal.

Relativos ao conteúdo
 Atos vinculados – ocorre quando a administração dá ao ato administrativo um
conteúdo diferente daquele que decorre da lei. A sua consequência será, em regra, a
anulabilidade;
 Atos discricionários – vícios na relação fim-conteúdo (apesar de o ato administrativo
ser perfeitamente válido quanto ao seu conteúdo, não há correspondência entre este
e o fim, estando o ato viciado quanto ao processo de “formação da vontade da
administração) – desvio do poder. Gera nulidade, apenas nos caos em que se
prossegue um fim privado ilícito;
 Os vícios na relação fim-conteúdo são mais facilmente identificáveis através da análise
dos motivos que o agente deverá expor, podendo refletir-se na adoção de motivos
inexistentes, errados, falsos, irrelevantes, contraditórios, deficientes, desviados,
incongruentes e ilegítimos. Estão normalmente associados à violação dos princípios
gerais da atividade administrativa, consagrados no arts. 266º/2 CRP e 4º ss. CPA;
 Mau uso ou não uso do poder discricionário da administração;
 Vícios de vontade (erro, dolo e coação). Nulidade no caso de coação.

Vícios formais
Relativos ao procedimento
 Procedimentos facultativos – vícios de procedimento quando a tramitação seguida
pela administração atenta contra a lógica do procedimento (princípio da adequação
procedimental – art. 56º);
 Procedimentos vinculados – não cumprimento dos trâmites obrigatórios;
 A regra é a anulabilidade, exceto quando haja violação de direitos fundamentais
procedimentais (arts. 269º/3 e 32º/10 CRP), sendo a consequência nulidade.
 Um vício no procedimento, pode determinar um vício no conteúdo (ex: parecer legal
que serve de base ao conteúdo do ato).

Relativos à forma
 Anulabilidade do ato administrativo que contenha vícios formais;

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2ª frequência

 Pode ocorrer que os vícios formais originem meras irregularidades, designadamente


no caso de se tratar de formas não essenciais;
 O vício de forma pode ainda ser irrelevante, quando da violação das regras formais,
não tenha resultado, no caso, a lesão efetiva dos valores e interesses protegidos pelo
preceito violado. Acontecerá um aproveitamento do ato, isto é, a sua não anulação
pela administração ou pelo juiz, apesar da invalidade, designadamente quando o
conteúdo do ato não possa ser outro e haja interesse relevante na anulação (art.
163º/5 CPA);
 Carência absoluta de forma legal – o vício formal pode traduzir-se na não observância
de uma forma essencial prevista na lei ou consistir na ausência de qualquer
procedimento. Determina a nulidade (art. 161º/2/g) e h) CPA);
 No que toca ao vício de falta de fundamentação, o que exige aqui é que exista uma
fundamentação e não que ela corresponda à realidade. Uma fundamentação que não
seja verídica tem consequências ao nível da invalidade do ato administrativo, mas
relativas ao seu conteúdo e não à sua forma.

Garantias administrativas
Impugnação administrativa
 Impugnações administrativas de atos (a sua prática ou omissão (admissão expressa de
impugnações administrativas para reação ao incumprimento do dever legal de
decisão) – arts. 184º a 199º;
 Impugnações administrativas de regulamentos (sua prática ou omissão (admissão
expressa de impugnações administrativas para reação ao incumprimento do dever
legal de decisão) – art. 137º/2 (regulamento devido e a sua omissão) e art. 147º
(reclamações e recursos dos regulamentos).

O que se pode pedir:


 De ato praticado:
o Revogação;
o Anulação;
o Modificação;
o Substituição;
o Sanação (ratificação, reforma ou conversão);
o Declaração de nulidade;
 De omissão:
o Emissão do ato em falta.

Tipos de garantias impugnatórias e regimes


Regime comum (art. 184º a 190º)
 Este é o regime comum às várias espécies de impugnações administrativas
(reclamação, recurso hierárquico e recursos administrativos especiais);
 Possibilidade de as impugnações poderem consubstanciar uma reação contra a
omissão legal de atos administrativos, em incumprimento do dever de decisão (art.
184º/1/b)), fixando-se o prazo para a reagir contra a omissão ilegal de atos
administrativos (arts. 187º e 188º/3);
 As impugnações têm agora caráter facultativo, a não ser que a lei expressamente as
denomine de necessárias (art. 185º/2). A este propósito, estabeleceu o legislador, no

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art. 3º DL 4/2015, um regime transitório material, determinando que apenas manterão


o caráter de impugnação necessária, aquelas em relação às quais, a lei anterior à
entrada em vigor do CPA, utilize as expressões “necessária”, “do ato em causa existe
sempre impugnação” e “a utilização de impugnação administrativa suspende ou tem
efeito suspensivo”;
 No que concerne à legitimidade para o desencadeamento de procedimentos
impugnatórios, rege o art. 186º/1;
 Não pode haver reclamação nem recurso sempre que o interessado tenha, sem
reserva, aceitado, expressa ou tacitamente, o ato administrativo depois de praticado
(art. 186º/2);
 As reclamações e os recursos são deduzidos por meio de requerimento (art. 184º/3) e
podem ter por fundamento, a não ser que a lei determine o contrário, quer a
ilegalidade, quer a inconveniência do ato praticado (art. 185º/3). Exceção: art. 199º/3;
 Os prazos de reclamação e o recurso pelos interessados, constam do art. 188º, que os
distingue consoante os atos sejam sujeitos ou não obrigatoriamente a publicação;
 Os efeitos das impugnações resultam do art. 189º e diferem consoante as
impugnações sejam necessárias ou facultativas;
 Os efeitos sobre os prazos constam do art. 190º .

Vantagens das reclamações e dos recursos hierárquicos:


 Suspensão da eficácia do ato (art. 189º/1) ao contrário do que acontece com a
impugnação contenciosa;
 Superior pode anular o ato com base em vícios de mérito, que não é permitido ao juiz;
 O caráter informal do recurso hierárquico, da interposição fácil, rápida e barata;
 Obriga a reapreciação do ato por um órgão mais qualificado;
 O prazo de impugnação contenciosa fica interrompido dando mais tempo ao particular
de a preparar.

A reclamação
 Consiste, nos termos do arts. 184º e 191º/1 CPA, na impugnação do ato perante o seu
próprio autor, e pode consistir numa reação à omissão de qualquer ato administrativo
 Salvo disposição legal em contrário, pode-se reclamar de todos os atos administrativos
(art. 191º/1), exceto dos atos que decidam reclamação ou recurso (art. 191º/2). No
entanto, a reclamação é, em regra, facultativa, apenas sendo necessária, quando, por
determinação legal expressa e inequívoca, seja pressuposto da impugnação judicial.
 Prazo para a reclamação – art. 191º/3
 Procedimento:
o Iniciativa – requerimento, no qual o reclamante deve expor os elementos que
invoca, podendo juntar os elementos probatórios que considere convenientes
(art. 184º/3);
o Participação dos contrainteressados (e dos cointeressados?) – o órgão
competente para a decisão, deve notificar aqueles que possam ser
prejudicados pela sua procedência para alegarem, no prazo de 15 dias, o que
tiverem por conveniente sobre o pedido e os seus fundamentos (art.192º/1);
o Decisão – o órgão competente aprecia e decide a reclamação no prazo de 30
dias (art. 192º/2).

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 O autor do ato pode confirmar, revogar, anular, modificar ou substituir


o ato reclamado (ainda declará-lo nulo ou proceder à sanação de
vícios), ou praticar o ato ilegalmente omitido (art. 192º/2);
 Em caso de omissão da decisão – quando a reclamação for necessária,
o decurso do prazo referido anteriormente, sem que haja sido tomada
uma decisão, confere ao interessado a possibilidade de utilizar o meio
de tutela, administrativo ou contencioso, adequado para satisfação da
sua pretensão (art. 192º/3).

Recurso hierárquico
 Corresponde à faculdade conferida aos particulares de impugnarem um ato praticado
ou de reagirem contra a omissão ilegal de atos administrativos por um órgão
subalterno junto do respetivo superior hierárquico (art. 193º), ou o qual deve ser aqui
entendido com o mais elevado superior hierárquico do autor do ato impugnado, salvo
em caso de delegação de poderes (art. 194º/1).
 Salvo disposição legal em contrário, podem ser objeto de recurso hierárquico todos os
atos administrativos praticados por órgãos subalternos ou omissões a ele imputados,
isto é, sujeitos a poderes de hierarquia de outros órgãos;
 Prazos:
o Recurso hierárquico necessário (quando seja uma condição sine qua non da
impugnação judicial desse mesmo ato, ou à condenação do ato devido –
185º/1) – 30 dias;
o Recurso hierárquico facultativo (quando o ato é suscetível de impugnação
judicial imediata, independentemente da interposição daquele – 185º/1) –
prazo supletivo: o prazo de impugnação contenciosa do ato em causa (exceto
se se visar impugnar por razões de mérito).
 Procedimento:
o Iniciativa – requerimento (art. 184º/3)
 Dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato ou da
omissão, salvo se a competência para a decisão se encontrar delegada
ou subdelegada;
 Apresentado ao autor do ato ou da omissão ou à autoridade a quem
seja dirigido, que, neste caso, o remete ao primeiro no prazo de 3 dias;
o Saneamento (art. 196º) com possibilidade de rejeição do mesmo;
o Participação de contrainteressados – o autor do ato ou da omissão, notifica
aqueles que possam ser prejudicados pela sua procedência para alegarem, no
prazo de 15 dias, o que tiverem por conveniente sobre o pedido e os seus
fundamentos (art. 195º/1);
o Pronúncia do autor do ato (no prazo de 15 dias ou de 30 se houver
contrainteressados) – art. 195º/2
 No caso recurso contra o ato, o autor pode revogar, anular, modificar
ou substituir o ato (nunca no sentido menos favorável ao recorrente),
informando da sua decisão o órgão competente para conhecer o
recurso (faculdade que apenas pode ser exercida quando os
contrainteressados não hajam deduzido oposição e os elementos
constantes do processo demonstrem suficientemente a procedência
do recurso) – art. 195º/3/4;

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2ª frequência

 No caso de recurso contra omissão de decisão, órgão responsável pode


praticar o ato ilegalmente omitido na pendência do recurso
hierárquico, disso dando conhecimento ao órgão competente para
conhecer do recurso e notificando o recorrente e os
contrainteressados que hajam deduzidos oposição – art. 195º/5;
 Neste caso, o recorrente ou os contrainteressados podem
requerer que o recurso prossiga contra o ato praticado, com a
faculdade de alegação de novos fundamentos e da junção dos
elementos probatórios que considerem pertinentes,
requerimento que deve ser apresentado dentro do prazo
previsto para a interposição de recurso hierárquico contra o
ato praticado – art. 195º/6/7;
o Remessa do recurso ao órgão competente para dele conhecer, notificando o
recorrente dessa da remessa – art. 195º/2;
o Decisão (pelo superior hierárquico)
 Não pode tomar como proposta de decisão, nem fundamentar para
remissão para ela, a pronuncia emitida pelo autor do ato ou da
omissão – art. 197º/2;
 Sem limitação ao pedido;
 Não é necessária a audiência prévia (a não ser porventura em algumas
situações de substituição);
 No caso de recurso contra o ato – art. 197º/1/3;
 No caso de recurso por incumprimento do dever de decisão – art.
197º/4;
 No âmbito do recurso hierárquico necessário, o superior hierárquico
deve apreciar todas as questões suscitadas pelo recorrente,
excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada
a outras (art. 198º/3);
 Prazos e consequências da decisão – art.198º.

Recursos administrativos especiais


 São todos aqueles que não sejam recursos hierárquicos – recursos hierárquicos
impróprios (recursos interpostos para um órgão da mesma pessoa coletiva que exerça
poderes de supervisão sobre o órgão recorrido; os recursos interpostos para o órgão
colegial, de atos ou omissões de qualquer dos seus membros, de comissões ou
secções; os recursos para o delegante ou subdelegante de atos praticados pelo
subdelegado ou delegado), bem como os recursos tutelares (recursos de atos ou
omissões de um órgão para um órgão de uma pessoa coletiva que exerça sobre eles
poderes de tutela ou de superintendência);
 Aplicação das disposições reguladoras do recurso hierárquico;
 Quando ao recurso tutelar, aplicação apenas na parte em que não contrariem a
natureza própria deste e o respeito devido à autonomia da entidade tutelada (ex: a
modificação ou a substituição do ato recorrido ou omitido só é possível se a lei conferir
poderes de tutela substitutiva e no âmbito destes).

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