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Mover-se alem da dor – bell hooks

Texto original por bell hooks (https://www.geledes.org.br/bell-hooks-offers-complicated-criticism-


on-beyonces-lemonade/)

Limonada fresca é minha bebida de escolha. Na minha pequena cidade do Kentucky, meninas
bonitas, pretas, marrons e brancas arruman suas barraquinhas de limonada e praticam a arte de
fazer dinheiro – são negócios. Como uma mulher negra crescida que acredita no manifesto
“Garota, arrume o seu dinheiro” minha primeira reação ao álbum visual de Beyoncé, Lemonade, foi
UAU-este é o ápice do negocio capitalista de se “fazer dinheiro”.

Tradução de Rafael  (https://t.umblr.com/redirect?


z=https%3A%2F%2Fwww.facebook.com%2F2spooky4me%3F__mref%3Dmessage&t=ZWQ0OGRhMmZiOWI3YzU5YTI0YjZiN2ZhY
Negro Negus (http://negronegus.tumblr.com/post/144158797079/mover-se-alem-da-dor)limon

Os espectadores que gostam de sugerir que Lemonade foi criado exclusivamente ou


principalmente para o público feminino preto estão perdendo o ponto. Commodities,
independentemente do seu assunto, são feitas, produzidas e comercializadas para atrair qualquer
e todos os consumidores. A audiência de Beyoncé é o mundo e o mundo dos negócios, e ganhar
dinheiro não tem cor.

O que torna essa produção -isto é, este commoditie – desa adora é o seu tema. Obviamente
Lemonade explora imagens positivas de corpos de mulheres negras sendo colocados no centro,
tornando-os norma.

Nesta narrativa visual, existem diversas representações (corpos femininos negros vêm em todos os
tamanhos, formas e texturas com todos os tipos de cabelo grande). Retratos de mulheres negras
diárias comuns estão em destaque, vestidas como se fossem a realeza. As mãe sem nome de
rapazes negros assasinados, tem cada uma um lugar de orgulho. Imagens da vida real, corpos
sobre peso não vestidos, são colocados em um pano de fundo visual que inclui representações
fantasiosas, estilizadas e coreografadas.

Apesar de todo o mostruário glamouroso da moda antebellum Deep South, quando o show
começa Beyoncé aparece em uma roupa casual desportiva, o moletom controverso. Ao mesmo
tempo, a imagem dançante da atleta pouco vestida Serena Williams também evoca sportswear.

(Falando de mercantilização, na vida real a nova linha de de sportswear de Beyonce, Ivy Park, está
a caminho de ser comercializada agora).

Lemonade oferece aos telespectadores uma extravagancia de exibição de corpos femininos pretos
que transgridem todos os limites. É tudo sobre o corpo, e o corpo como mercadoria. Isto
certamente não é radical ou revolucionário. Da escravidão até os dias atuais, corpos femininos
pretos, vestidos e despidos, foram comprados e vendidos. O que torna esta mercantilização
diferente em Lemonade é a intenção; o seu objetivo é seduzir, comemorar, e deleitar-se a desa ar
a contínua desvalorização do dia a dia e a desumanização do corpo feminino preto. Ao longo de
Lemonade o corpo feminino preto é totalmente estetizado, sua beleza é como uma poderosa forma
de confrontamento. Esta não é uma oferta nova. Imagens como estas foram vistas pela primeira
vez no inovador “Daughters of the Dust”  lme de Julie Dash e gravado pelo brilhante cineasta
Arthur Jafa. Muitas das imagens estáticas em preto e branco de mulheres são uma reminiscência
da fotogra a contemporânea transformadora e inovadora de Carrie Mae Weems. Ela tem
continuamente oferecido revisão radical descolonizada do corpo feminino preto

É o escopo amplo da paisagem visual de Lemonade que o torna tão distintivo, é a construção de
uma irmandade negra poderosamente simbólica que resiste a invisibilidade, que se recusa a car
em silêncio. Isto em si não é pouca coisa, ele muda o olhar da cultura dominante branca. Ele nos
olha como se fosse a primeira vez, a revisão radical de como vemos o corpo feminino preto. No
entanto, este reposicionamento radical de imagens negras não verdadeiramente ofuscam ou
alteram construções sexistas convencionais de identidade feminina negra.

Mesmo que Beyoncé e seus colaboradores criativos oferecam imagens poderosas e


multidimensionais da vida feminina preta, grande parte do álbum ca dentro de um quadro
estereotipado convencional, em que a mulher negra é sempre uma vítima. Embora com base na
experiência da vida real de Beyoncé, Lemonade é uma narrativa de cção de fantasia com
Beyoncé estrelando como o personagem principal. Este trabalho começa com uma história de dor e
traição destacando o trauma que ela produz. A história é tão antiga como a balada de “Frankie e
Johnny” ( “ele era meu homem okay, mas ele me fez mal”). Como o Frankie ccional, o personagem
de Beyoncé responde a traição de seu homem com raiva. Ela provoca violência. E mesmo que o pai
na canção “Daddy Lessons” lhe dá um ri e alertando-a sobre os homens, ela não atira em seu
homem. Ela veste um vestido amarelo dourado magni camente concebido, corajosamente através
da rua com um taco de beisebol na mão, quebrando aleatoriamente carros. Nesta cena, o
personagem quase deusa de Beyoncé é sexualizado, juntamente com seus atos de violência
emocional, como Wagner na “Cavalgada das Valquírias”, ela destrói sem vergonha. Entre as
muitas mensagens misturadas embutidas em Lemonade, está a celebração da raiva. Presunçosa e
sorrindo em seu traje dourado, Beyoncé é a personi cação de um poder feminino fantástico, que é
exatamente isso: pura fantasia. Imagens de violência feminina minam a mensagem central
incorporada em Lemonade, que a violência em todas as suas formas, especialmente a violência de
mentiras e traição, dóem.

Contrariamente às noções equivocadas de igualdade entre os sexos, as mulheres não vão tomar o
poder e criar auto-amor e auto-estima por meio de atos violentos. Violência feminina não é mais
libertador do que a violência masculina. E quando a violência é feito para ser sexy e erotizada –
como na cena da rua com seu vestido sexy – isto não serve para minar o sentimento cultural
predominante de que é aceitável usar a violência para reforçar a dominação, especialmente nas
relações entre homens e mulheres. A violência não cria uma mudança positiva.

Mesmo que Beyoncé e seus colaboradores criativos façam uso da poderosa voz e das palavras de
Malcolm X para enfatizar a falta de respeito pela feminilidade negra, simplesmente apresentando
belos corpos negros não cria uma cultura justa de melhor bem-estar, onde mulheres negras pode
se tornar totalmente realizadas e serem verdadeiramente respeitadas.

Honrar a si mesmos, amando nossos corpos, é uma fase adequada na construção de auto-estima
saudável. Este aspecto de Lemonade é bastante a rmativo. Certamente, testemunhar a senhora
Hattie, a avó de 90 anos de Jay-Z, dando seu testemunho pessoal dizendo que ela sobreviveu por
tirar suco dos limões que a vida entregou-lhe e fazendo limonada deles, é incrível. Todas as
referências que honram nossos antepassados e anciãos em Lemonade conseguem nos inspirar. No
entanto, concluir esta narrativa de dor, traição e inquietação com imagnes de família e sua casa
não servem como formas adequadas para reconciliar e curar qualquer trauma.

Ao mesmo tempo, no mundo de se fazer arte, uma criadora feminina negra poderosamente
posicionada como Beyoncé pode tanto criar imagens e a apresentar a seus espectadores quanto
sua própria interpretação do que essas imagens signi cam. No entanto, sua interpretação não
pode car como verdade. Por exemplo, Beyoncé usa sua voz não- ccional e persona para
reivindicar o feminismo, mesmo que seja para reivindicar, como ela faz em uma edição recente da
revista Elle, “para dar clareza ao verdadeiro signi cado” do termo, mas sua construção do
feminismo não pode ser con ável. Sua visão do feminismo não põe um m à dominação patriarcal.
É tudo sobre insistir em direitos iguais para homens e mulheres. No mundo do feminismo fantasia,
não há hierarquias de classe, sexo e raça além da divisão simpli cada de mulheres e homens, não
há uma chamada para desa ar e mudar os sistemas de dominação, não há ênfase na
interseccionalidade. Em uma visão de mundo tão simpli cada, as mulheres que ganham a
liberdade de ser como os homens, podem ser vistas como poderosas. Mas é uma falsa construção
de poder já que tantos homens, especialmente os homens negros, não possuem poder real. E, de
fato, é evidente que a crueldade masculina preta e violência contra as mulheres negras é um
resultado direto da exploração patriarcal e opressão.
Em seu mundo ctício, Beyoncé pode nomear a dor da mulher negra, de maneira pungente já
articulada pela poesia apaixonada da poeta Somali-britânica Warsan Shire, e mover-se através de
palcos forti cada por palavras impressas: Intuição, a negação, o perdão, esperança, reconciliação.
Neste mundo ctício, a dor emocional da mulher negra pode ser exposta e revelada. Pode ser dada
voz: esta é uma fase vital e essencial da luta pela liberdade, mas não trazem um m à exploração
e dominação. Não importa o quão duro mulheres em relacionamentos com homens patriarcais
trabalhem para trazer mudança, o perdão e a reconciliação, os homens devem fazer o trabalho de
transformação interna e externa para a violência emocional contra mulheres negras acabar. Não
vemos esses indícios em Lemonade. Se a mudança não é mutua a dor emocional fêminina pode
até ser dada sua voz, mas a realidade de homens in igindo dor emocional ainda vai continuar
(podemos realmente con ar nas imagens caridosas de Jay Z que concluem esta narrativa?).

Somente quando as mulheres negras e todas as mulheres resistirem a romantização patriarcal da


dominação nas relaçõe, poderá um amor-próprio saudável emergir e permitir que cada mulher
negra, e todas as mulhres, recusem-se a ser uma vítima. Em última análise, Lemonade glamoriza o
paradoxal mundo das contradiçoes culturais entre generos. Ele o não resolve. Como Beyoncé
proclama orgulhosamente no hino poderoso “Freedom”: Eu tive meus altos e baixos, mas eu
sempre encontrava a força interior para me levantar”, para ser verdadeiramente livre, devemos
escolher além de simplesmente sobreviver a adversidade, devemos ousar criar vidas sustentadas
no bem-estar e em uma alegria ideal. Nesse mundo, o ato de fazer e beber limonada será
refrescante e azedo, uma mistura da vida real do amargo e do doce, e não uma fala sobre nossa
capacidade de suportar a dor, mas sim uma celebração da nossa capacidade de se mover. Além
da dor.

-bell hooks

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Danielle Andrade
Uau, incrível! <
3 · 2 sem
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