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Linguística e Ensino de Línguas

Teorias Linguísticas

Maria Beatriz Gameiro


UNIDADE 1 - TEXTO DE APRESENTAÇÃO DA UNIDADE ......................... 7
1.1 Você já refletiu?......................................................................................... 8
1.2 A instituição da linguística como ciência. ................................................. 9
1.3 Reflexão ................................................................................................... 19
1.4 Leituras recomendadas ............................................................................ 19
1.5 Na próxima unidade................................................................................. 20
1.6 Referências: ............................................................................................. 20
UNIDADE 2 - TEXTO DE APRESENTAÇÃO DA UNIDADE. ...................... 22
2.1 Langue / parole ........................................................................................ 23
2.1.1 Estrutura e sistema.................................................................................. 24
2.1.2 O signo linguístico.................................................................................. 25
2.1.3 Sintagma / Paradigma ............................................................................. 29
2.1.4 Sincronia/Diacronia ................................................................................ 32
2.2 Os campos da linguística segundo Lyons ................................................ 35
2.3 A herança Estruturalista e as correntes teóricas....................................... 37
2.4 O Funcionalismo herdado do Estruturalismo. ......................................... 39
2.5 O estruturalismo de Bloomfield............................................................... 41
2.6 Os círculos linguísticos ............................................................................ 42
2.7 Reflexão ................................................................................................... 43
2.8 Leituras recomendadas ............................................................................ 43
2.9 Na próxima unidade................................................................................. 44
2.10 Referências: ............................................................................................. 44
UNIDADE 3 - TEXTO DE APRESENTAÇÃO DA UNIDADE ....................... 46
3.1 Aspectos gerais do Funcionalismo. ......................................................... 47
3.2 Referências .............................................................................................. 61
UNIDADE 4 - TEXTO DE APRESENTAÇÃO DA UNIDADE: ..................... 63
4.1 O Funcionalismo revisitado por Lyons:................................................... 64
4.2 Reflexão ................................................................................................... 69
4.3 Leitura recomendada ............................................................................... 70
4.4 Na próxima unidade................................................................................. 70
4.5 Referências .............................................................................................. 70
UNIDADE 5 - TEXTO DE APRESENTAÇÃO DA UNIDADE ....................... 73
5.1 A gramática gerativa revisitada por Lyons. ............................................. 74
5.2 Alguns conceitos gramaticais relevantes à teoria Gerativa ............................ 81
5.3 O empreendimento gerativo .................................................................... 83
5.4 Reflexão ................................................................................................... 88
5.5 Leitura recomendada ............................................................................... 88
5.6 Referência ................................................................................................ 88
5.7 Na próxima unidade................................................................................. 89
UNIDADE 6 - TEXTO DE APRESENTAÇÃO DA UNIDADE ....................... 90
6.1 A teoria da variação linguística. .............................................................. 91
6.2 A heterogeneidade linguística.................................................................. 99
6.3 Leitura recomendada ............................................................................. 107
6.4 Referências ............................................................................................ 108
6.5 Na próxima unidade............................................................................... 110
UNIDADE 7 - TEXTO DE APRESENTAÇÃO DA UNIDADE: ................... 111
7.1 Estudos sociolinguísticos ....................................................................... 112
7.2 Reflexão. ................................................................................................ 119
7.3 Leituras recomendadas .......................................................................... 119
7.4 Referências ............................................................................................ 120
7.5 Na próxima unidade............................................................................... 123
UNIDADE 8 - TEXTO DE APRESENTAÇÃO DA UNIDADE ..................... 124
8.1 Objetivos da sua aprendizagem ............................................................. 125
8.1.1 Você já refletiu? ................................................................................... 125
8.2 Behaviorismo ......................................................................................... 126
8.3 O inatismo.............................................................................................. 127
8.4 O construtivismo.................................................................................... 130
8.5 O Interacionismo ................................................................................... 131
8.6 O Sociocognitivismo ............................................................................. 132
8.7 A Linguística e o Ensino........................................................................ 133
8.8 Reflexão: ................................................................................................ 138
8.9 Leitura recomendada .............................................................................. 139
8.10 Referência............................................................................................. 139
Teorias Linguísticas

“Não há sociedade sem linguagem, tal


como não há sociedade sem comunicação”.
KRISTEVA, J. História da linguagem, 2003, p. 17.

Prezado estudante,
Seja bem vindo à pós-graduação em Linguística e
Ensino de Línguas!
Certamente, quem cursou Letras já estudou Linguística e
provavelmente, deve ter se apaixonado pelas disciplinas desta área.
No entanto, este curso pode ser realizado também por aquelas pessoas
que fazem reflexões sobre a língua e a linguagem, que gostam de
comunicação, que procuram se expressar da melhor maneira possível
ou ainda por aqueles que só possuem uma grande curiosidade acerca
dos fenômenos linguísticos.
A língua é o instrumento básico da comunicação humana, por
meio do qual realizamos desde as atividades mais básicas, até as mais
complexas. A Linguística, área que instituiu o estudo científico da
linguagem, trata, portanto, do nosso mais valioso e essencial
instrumento de comunicação: a língua. Esta disciplina aborda
algumas das principais teorias linguísticas desenvolvidas ao
longo do século XX.
Este material divide-se em cinco unidades
abordadas em oito aulas. Cada unidade apresenta de
modo sucinto um campo de estudo da Linguística.
Como se trata de uma introdução aos estudos
linguísticos, apresentaremos de modo resumido as principais grandes
correntes desenvolvidas ao longo do século XX, a saber: Estruturalismo,
Funcionalismo, Sociolinguística, Gerativismo e Linguística Aplicada.
Isso não significa que áreas não contempladas aqui, como a Linguística
Textual, a Análise do Discurso, a Psicolinguística e a Semiótica, por
exemplo, sejam inferiores ou menos importantes, significa apenas que
tivemos de estabelecer um recorte para que fosse um curso introdutório
que contemplasse as principais teorias. Por isso, optamos por iniciar com
a instituição da Linguística como ciência e explicitar os pressupostos
teóricos das correntes consideradas mais expressivas no século XX.
Venha mergulhar neste maravilhoso universo de estudos e se
encantar com as diferentes abordagens linguísticas.
TEXTO DE
APRESENTAÇÃO DA
UNIDADE
Olá! Desejo a você uma excelente leitura
deste material, que tem como principal objetivo ser
um guia didático de estudos para as aulas. Desta
forma, ele apresenta todo o conteúdo abordado de
maneira clara e sintética, por isso, é necessário que você,
aluno de pós-graduação, não fique restrito apenas à sua
leitura, mas busque também os autores sugeridos na
bibliografia e leia-os nos originais. Você verá como sua
formação será muito melhor!
O livro apresenta uma visão geral da Linguística e das
principais correntes teóricas desenvolvidas ao longo do século XX.
Por isso, nesta primeira unidade você verá um panorama de seu
surgimento e seus principais conceitos durante a instituição dessa área
de estudos como ciência.
Você já deve ter ouvido ou lido que a instituição da Linguística
como ciência é atribuída a Saussure, portanto, consideramos relevante
enfatizar os principais conceitos discutidos pelo mestre genebrino no
Estruturalismo, teoria linguista desenvolvida por ele e divulgada por
seus seguidores.

Objetivos da sua aprendizagem


Esta unidade tem como objetivo principal introduzir você,
aluno, no universo da Linguística, no mundo da análise da
língua. Objetivamos também que você assimile todo o
conteúdo teórico abordado, como os principais conceitos do
Estruturalismo, como langue/parole; sincronia/diacronia,
dentre outros. Desta forma, você irá rever e ampliar
conhecimentos e informações sobre os conceitos
saussureanos.
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 1

1.1 Você já refletiu?

Você já parou para refletir com maior profundidade sobre a


afirmação de que a Linguística é uma ciência? Já pensou na linguística
como um conjunto organizado de conhecimentos relativos a um
determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a observação, a
experiência dos fatos e um método próprio? Pois é, o interesse pela
língua remete à Antiguidade, porém, o estudo sistematizado, com rigor
científico, iniciou-se apenas no século XX.
Quem nunca se deparou com uma placa como a que segue
abaixo?

Pois é, muitos erros nestas placas, que acabaram virando mania na


internet, demonstram regularidades linguísticas que podem ser explicadas

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 1

por diferentes campos de análise, alguns dos quais serão tratados neste
curso.

1.2 A instituição da linguística como ciência.

Antes de iniciarmos a apresentação do surgimento da Linguística,


faz-se necessário discutir primeiramente o que é Linguística.
Orlandi (1990, p.7) destaca que o homem procura dominar o
mundo em que vive, sendo o conhecimento, uma das formas de domínio.
Por isso, o homem sempre busca explicar todos os fenômenos que o
cercam. Sendo a linguagem um desses fenômenos, o interesse por ela
remonta a Idade Média. A autora relata que na Grécia Antiga os
pensadores acalentavam inúmeras discussões sobre a linguagem, como
por exemplo, o questionamento se as palavras imitavam as coisas ou se
os nomes eram pura convenção.
Após a introdução sobre o interesse acerca da linguagem, Orlandi
(1990) diferencia os estudos linguísticos dos gramaticais, afirmando que
a linguística:

não tem, como a gramática normativa, o objetivo de


prescrever normas ou ditar regras de correção para o
uso da linguagem. Para a Linguística, tudo o que faz
parte da língua interessa e é matéria de reflexão (1990,
p.10).

Porém, a autora destaca que somente a linguagem verbal (oral ou


escrita) será objeto de análise da Linguística.
É evidente a importância da linguística para a cultura em geral,
pois “na vida dos indivíduos e da sociedade, a linguagem constitui fator

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 1

mais importante que qualquer outro”. (SAUSSURE, 1975, p.14). Desta


forma, faremos um breve relato do surgimento da Linguística como
ciência.
Em sua dissertação, Gameiro (2005, p.25) traça um breve
panorama do surgimento da Linguística, em que afirma que foi apenas a
partir do século XIX que essa área de estudos foi instituída como ciência.
Até então, o que havia era o estudo assistemático e irregular dos fatos da
linguagem, de caráter puramente normativo ou prescritivo. Ou então,
retrocedendo à Antiguidade grega, especulações filosóficas sobre a
origem da língua mescladas com estudos de Filologia.
Lyons (1982, p. 45) faz um questionamento interessante a respeito
da Linguística como ciência. Ele afirma que em muitos manuais é
comum uma seção ou até mesmo um capítulo para defender seu status
científico. No entanto, o autor nos lembra que disciplinas cuja
cientificidade é inquestionável não necessitam de tantas defesas, além do
fato de a palavra science possuir diversos significados. Desta forma, o
autor ressalta aspectos importantes da Linguística, sendo o primeiro o seu
caráter empírico, isto é, pautado na observação de dados e experiências e
não em especulações e intuições, o que para muitos, faria da Linguística
uma ciência. Outro aspecto levado em conta pelo autor refere-se à
objetividade necessária à análise. Reproduzo, abaixo, as palavras do
próprio autor por considerá-las de suma importância:

A língua é algo que normalmente não nos


preocupa: algo familiar desde a infância, de uma
maneira prática e irrefletida. Tal familiaridade prática
com a língua tende a representar uma barreira para um
exame objetivo. Há diversos tipos de preconceitos
sociais, culturais e nacionalistas associados à visão

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 1

leiga da linguagem e das línguas. Por exemplo, um


sotaque ou dialeto de determinada língua pode ser
considerado inerentemente mais puro que outro; ou,
uma vez mais, certa língua pode ser tida por mais
primitiva que a outra. A objetividade exige, no
mínimo, que se lance um desafio contra tais
concepções e que termos como ‘puro’ e ‘primitivo’
sejam claramente definidos ou abandonados”.
(LYONS, 1982, p.46, grifo nosso).

Neste trecho, Lyons (1982) trata CONEXÃO:


Em relação ao combate ao preconceito
de um aspecto muito caro e linguistico destaca-se, principalmente,
o linguista Marcos Bagno, um dos
fundamental para a linguística: para maiores defensores do estudo das
variações linguísticas em nosso país.
se desenvolver qualquer análise, não Pode até ser considerado um
“militante” na censura ao preconceito
pode haver preconceito. O linguista social por meio da linguagem.
Vale a pena ler suas obras, bem como
necessita ser desprovido de mitos em consultar seu site:
http://www.marcosbagno.com.br/
relação à linguagem. Esta percepção é
uma das grandes dificuldades enfrentadas por
nossos alunos de graduação: muitos não são capazes de perceber que a
linguística não é uma disciplina normativa ou prescritiva, mas sim,
essencialmente descritiva. Seu objetivo maior não é ditar regras, mas
observar como elas funcionam, como elas aparecem nas línguas.

Feitas estas considerações, Lyons ameniza as diferenças entre a


linguística e a gramática tradicional, reconhecendo as contribuições
desta. Por fim, o autor também põe em xeque a objetividade e o caráter
empírico da linguística: “será que na prática ela é tão empírica e objetiva
quanto afirma ser?” (LYONS, 1982, p.47). Adiante, conclui que
independente do conceito de objetividade, o cientista não precisa evitar

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 1

elaborar teorias e hipóteses até que disponha de grande quantia de dados,


que, muitas vezes não são oferecidos pela experiência, mas sim extraídos
dela. “Observação acarreta atenção seletiva. Não há observação e coleta
de dados que não estejam ligadas a uma teoria e a uma hipótese”
(LYONS, 1982, p.48).
Carvalho (1997, p.17) apresenta três fases pelas quais a
Linguística passou antes de ser delimitada, definida como ciência
propriamente dita.
A primeira fase, denominada Filosófica, contemplava estudos
realizados nas diferentes áreas como Etimologia, Semântica, Retórica,
Morfologia.
Na fase Filológica houve certa rejeição aos estudos filosóficos por
parte dos alexandrinos que passaram a se preocupar mais com questões
gramaticais, com estudos da elucidação dos textos, ou seja, com a
Filologia. Além de estudar os textos, procuravam também estudar os
costumes, as instituições e a história literária de um povo. Tais pesquisas
funcionaram como base para o surgimento e consolidação da Linguística
histórico-comparatista.
A fase Histórico-Comparatista foi marcada pela preocupação
diacrônica em saber como as línguas evoluem e não como funcionam.
Nesta fase da Linguística havia um enfoque naturalista (a princípio, de
base biológica) consoante com o espírito da segunda metade do século
XIX. As línguas nascem, crescem e morrem assim como os organismos
biológicos. Para os neogramáticos, as leis da Linguística, principalmente
da fonética, também se aproximam das leis físicas.
Em um segundo momento da Linguística histórica, surgiu uma
reação aos neogramáticos, chamada de “fase culturalista”, a qual
combatia o naturalismo até então reinante.

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O historicismo da terceira fase é, normalmente, considerado como


característico de um período anterior ao do pensamento linguístico. Para
Lyons (1987, p.161), a importância deste período consiste no fato de ter
preparado o campo para o estruturalismo.
De acordo com a visão deste período, o único tipo de explicação
válido em Linguística é o dado por um historiador, ou seja: as línguas são
o que são porque, no decorrer do tempo, estiveram sujeitas a uma
variedade de forças causativas internas e externas. A importância do
historicismo reside no fato de que o Estruturalismo pode ser definido em
relação a ele à medida que tenta combatê-lo.
O nascimento do Estruturalismo é comumente datado a partir da
publicação póstuma do Cours de linguistique generale (CLG) (1916), de
Saussure. Mesmo sendo constituído de anotações de aulas feitas por
Charles Bally e Albert Sechehaye, alunos de Saussure, o livro
revolucionou o pensamento linguístico ocidental (Carvalho, 1997).
O grande mérito atribuído a Saussure está no seu caráter
metodológico, uma vez que estabeleceu recortes e delimitou o objeto de
estudo, o que não havia sido feito até então. Ao delimitar a língua em si
mesma e por si mesma (estrutura abstrata) como verdadeiro objeto de
estudo da Linguística, Saussure assegurou à Linguística o status de
ciência autônoma.
Desta forma, para discutir Linguística, é necessário observar os
principais conceitos desta obra póstuma. No entanto, a discussão das
famosas dicotomias saussureanas não é algo simples e pontual, pois a
obra foi editada a partir das anotações dos discípulos de Saussure, sendo,
portanto, um texto de “segunda mão”, já que o mestre destruía a maioria
de seus rascunhos e anotações.

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Filho de uma família abastada, Ferdinand de Saussure estudou,


desde cedo, inglês, grego, alemão, francês e sânscrito. Com o objetivo de
continuar a tradição científica de sua família, em 1875, estudou física e
química na Universidade de Genebra. Em 1877, aos 21 anos, Ferdinand
de Saussure publicou o livro “Memória sobre as Vogais Indo-Europeias
(...)” Após uma longa trajetória de estudos e trabalho, tornou-se professor
titular da Universidade de Genebra até sua morte, aos 55 anos.

A obra clássica e fundadora


da Linguística surgiu, então, dos
seguintes cursos que Saussure
ministrou para um seleto público na
Universidade de Genebra:
O 1º curso, Fonologia, foi
ministrado de 16 de janeiro a 03 de
PARA SABER MAIS SOBRE A VIDA E OBRA DE SAUSSURE, ACESSE:
HTTP://EDUCACAO.UOL.COM.BR/BIOGRAFIAS/ULT1789U267.JHTM
julho de 1907 para seis alunos,
IMAGEM DISPONÍVEL EM: WWW .ALGOSOBRE.COM.BR (ACESSO: 03 JAN. 2010)
dentre os quais, A. Riedlinger e
Louis Caille. O curso abordou questões como fonética fisiológica,
linguística evolutiva, alterações fonéticas e analógicas, dentre outras.
O 2º, Relação entre a teoria do signo e a teoria da língua, definições
de sistema, unidade, identidade e de valor linguístico, ocorreu no período
de novembro de 1908 a julho de 1909 e tinha como público 11 alunos,
dentre os quais, estava novamente A. Riedlinger.
O 3º e último curso, Íntegra na ordem dedutiva do segundo
curso a riqueza analítica do primeiro, aconteceu de 28 de outubro de
1910 a 04 de julho de 1911, com 12 alunos, como F. Joseph e L. Caille.
A partir destas informações, fica evidente, já no prefácio do livro,
que a obra não pode ser considerada um retrato fiel do mestre genebrino,

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mas sim uma releitura de suas aulas, de seus cursos e materiais sob a
ótica de seus discípulos, conforme demonstra Henge (2008). Para
ratificar a complexidade da obra, observemos o que o próprio Saussure
afirmou a L. Gautier:

Vejo-me diante de um dilema: ou expor o assunto em


toda a sua complexidade e confessar todas as minhas
dúvidas, o que não pode convir para um curso que
deve ser matéria de exame, ou fazer algo simplificado,
melhor adaptado ao auditório de estudantes que não
são linguistas. Mas a cada passo me vejo retido por
escrúpulos. (SAUSSURE, 1975, p.XVII).

Os próprios discípulos reconhecem que talvez o mestre não tenha


gostado da publicação do livro, pois está sujeito a falhas e equívocos. No
entanto, Culler, 1979 (apud Henge, 2008) ressalta que a maneira como
Bally e Sechehaye editaram o Cours de Linguistique Générale é a fonte
da influência e da reputação de Saussure, entusiasmando os futuros
linguistas.
Feitas estas observações, passemos à
Box conexão:
explanação dos principais conceitos e discussões Leia o Curso de Linguística Geral
na íntegra: é um livro de cabeceira
apresentadas por Saussure (1975) no CLG. para todo linguista. Nele, você
encontrará,de maneira bem
Logo na introdução do primeiro detalhada, todos os conceitos
aqui trabalhads.
capítulo, é apresentado um panorama acerca da Para quem não puder adquirir o
livro de imediato, o capítulo
História da Linguística que Saussure (2006, p. introdutório, que vale a pena ser
lido, está disponível no site do
07) divide em três períodos respectivos antes de Google no seguinte endereço:

“reconhecer seu verdadeiro e único objeto”: o da


Gramática, o da Filologia, e da Gramática Comparada.

Disponível em: http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/35/artigo7.pdf


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O primeiro, instituído pelos gregos, não constituía um estudo


científico da língua, era baseado na lógica para distinguir o certo do
errado, sendo, portanto, essencialmente normativo.
A Filologia, pertencente ao segundo período, tinha como principal
objeto de estudo o texto. Além de comentá-lo e interpretá-lo, os filólogos
debruçavam-se também sobre os costumes, as instituições, bem como a
história literária, dentre outros aspectos que pudessem envolver o texto.
O último período, como o próprio título elucida, iniciou-se
quando se percebeu que as línguas poderiam ser comparadas entre si. Em
relação a esta fase, Saussure (1975) cita Franz Bopp (1816), estudioso
que investigou as semelhanças entre o germânico, o latim, o grego e o
sânscrito, como outros estudiosos já haviam feito, e chegou a sugerir o
parentesco entre tais línguas. Segundo Saussure, o mérito de Bopp não
está na constatação do parentesco entre tais línguas, mas sim na
explicação de uma língua por outra. Saussure apresenta exemplos da
teoria de Bopp e destaca outros autores da época,
destacando Max Müller, G. Curtius e August
A Gramática Comparada (ou
Schleicher. comparativa), ou linguística comparada
(ou comparativa) é um dos ramos da
Saussure reconhece o mérito dos linguística. A outra área de estudos é
denominada Linguística descritiva. A
estudos realizados pela Gramática Gramática ou Linguística Comparada
obteve tanto sucesso no estudo das
Comparada, no entanto, afirma que ela línguas indo-européias que por muito
tempo, a Linguística foi tratada como
não chegou a “constituir a verdadeira sinônimo de estudo histórico
comparativo. Mas felizmente, Saussure
ciência da Linguística” (1975, p.10). ampliou o escopo de análise.
DUBOIS, Jean. Et al. Dicionário de
Para Saussure (1975), somente com Linguística. São Paulo: Cultrix, 2006

os estudos românicos de Diez (1836, apud


SAUSSURE, 1975, p.11), abriu-se verdadeiramente o
caminho para a Linguística, aproximando-a de seu verdadeiro objeto e
colocando a comparação no lugar que lhe cabe.

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Finalizando o primeiro capítulo, o autor faz uma breve


apresentação dos neogramáticos alemães que incluíram os resultados da
comparação sob a ótica histórica e questionaram certos termos e
expressões usados pela Filologia e Gramática Comparada.
No segundo capítulo, é apresentado o objeto da Linguística, que
segundo Saussure (1975, p.12), é:

(...) todas as manifestações da linguagem


humana, quer se trate de povos selvagens ou de
nações civilizadas, de épocas arcaicas, clássicas de
decadência, considerando-se em cada período só a
linguagem correta, a "bela linguagem", mas todas as
formas de expressão.

O autor acrescenta ainda que a língua a ser observada deve ser a


escrita, pois só por meio dela será possível investigar os idiomas
passados ou distantes. O autor define três objetivos para a Linguística, a
saber:
1º: fazer a descrição e traçar a história dos idiomas para, se
possível, definir a língua mãe de cada família.
2º: procurar as forças que influenciam as línguas constante e
permanentemente para chegar às leis que explicam os fenômenos
pertinentes à história.
3º: delimitar-se e definir-se a si própria. (SAUSSURE, 1975, p.13).
Talvez, utilizando a terminologia atual, Saussure definisse a
Linguística como um campo de estudo essencialmente interdisciplinar,
pois remete a outras áreas distintas e delimitadas de estudo como a
Antropologia, Etnografia e Pré-História, Psicologia e Sociologia, por
exemplo.

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 1

Para Saussure, o objeto da Linguística difere das demais ciências


pelo fato de poder ser analisado sob diversas perspectivas. Ele cita como
exemplo a palavra nu, que pode ser observada como um som, como uma
expressão de uma ideia, como correspondente do latim nudum, dentre
outras. Desta forma, ele afirma que é o ponto de vista que precede o
objeto e não o objeto que define o ponto de vista. Saussure delimitou
muito bem o objeto de estudo, pois uma de suas grandes preocupações
era construir uma ciência.
Outro aspecto fundamental da linguagem destacado por Saussure
é a indissociabilidade entre o individual e o social. Como acabamos de
citar, para Saussure, a instituição do objeto da Linguística era essencial,
portanto, ele faz uma distinção entre língua e linguagem (1975, p.22-23):

A linguagem é multiforme e heteróclita, a


cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo
física, fisiológica e psíquica, ela pertence, além disso,
ao domínio individual e ao domínio social; não se
deixa classificar em nenhuma categoria de fatos
humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade.
A língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio
de classificação. (...) A língua é a parte social da
linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não
pode nem criá-la, nem modificá-la, ela não existe
senão em virtude duma espécie de contrato
estabelecido entre os membros da comunidade. (...)
Enquanto a linguagem é heterogênea, a língua assim
delimitada é de natureza homogênea: constitui-se num
sistema de signos onde, de essencial, só existe a união
do sentido e da imagem acústica, e onde as duas
partes do signo são igualmente psíquicas.

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 1

Atividade

1. Pesquise mais sobre a instituição da Linguística como ciência e


discuta: Por que você considera que a Linguística possui tanta
necessidade de se delimitar, de especificar seu objeto de estudo?
Conforme Lyons afirma, outras ciências, como a física e a química, por
exemplo, já possuem um status científico inquestionável e não se detêm à
própria conceituação.

1.3 Reflexão

Agora reflita, será que damos à oralidade, à língua falada o lugar de


destaque que ela merece nas aulas de Língua Portuguesa? Será que nossa
prática docente foi influenciada por determinada concepção de língua?
Vale a pena refletir!

1.4 Leituras recomendadas

O livro abaixo traz, como o próprio título diz, a história da


linguística, assim, aborda de modo simples e descomplicado,
desde os primórdios em que se estudavam as línguas, como na
Grécia, Idade Média até a Linguística do século XX. Não perca
esta leitura, é um livro curto, porém, propicia uma boa base!

WEEDWOOD, BARBARA. História concisa da Linguística. Trad.


Marcos Bagno. São Paulo: Parábola editorial, 2002.
Veja uma foto de um exemplar:

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 1

1.5 Na próxima unidade

Na próxima unidade, nos ateremos às


concepções fundamentais do Estruturalismo, o
período em que predominavam as ideias
saussureanas amplamente divulgadas pelo
HTTP://IMAGES.GOOGLE.COM.BR

Curso de Linguística Geral.

1.6 Referências:

BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de


Carlos A. L. Salum; Ana Lúcia Franco. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
CARVALHO, C.. Para compreender Saussure. 12ª ed. Petrópolis:
Vozes, 2003.
CARVALHO, C.. Saussure e a língua portuguesa. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/viisenefil/09.htm (acesso: 01 fev. 2010)

GAMEIRO, M. B. A concordância verbal na língua falada da


região central do Estado de São Paulo. 198f. Dissertação (Mestrado em
Linguística e Língua Portuguesa) Faculdade de Ciências e Letras- FCLar-
, UNESP, 2005.
ILARI, R. Perspectiva funcional da frase portuguesa. 21.ed.
Campinas: Editora da Unicamp, 1992.

HENGE, G. S. Obras introdutórias à leitura de Saussure: O que


falam e como falam do CLG. In: Cadernos de Letras da UFF – Dossiê:

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 1

Patrimônio cultural e latinidade, no 35, p. 117-135, 2008 117.


Disponível em:
http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/35/artigo7.pdf (acesso: 01
jan. 2010)

LYONS, J. Linguagem e linguística, uma introdução. Tradução de


Averburg, M. W. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

NEVES, M. H. M. A gramática funcional. Sao Paulo, Martins


Fontes, 2001.

ORLANDI, E. P.O que é linguística. São Paulo: Brasiliense, 1990.

SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral, Trad de A. Chelini,


José P. Paes e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1975.

VANDRESEN. P (Org.) Variação e mudança no português falado


da região Sul. Pelotas: Educat, 2002.

21
TEXTO DE
APRESENTAÇÃO DA
UNIDADE.
Nesta unidade, você conhecerá os
principais conceitos do Estruturalismo, como
langue/parole; sincronia/diacronia, dentre outros. Desta
forma, você irá rever e ampliar conhecimentos e
informações sobre os conceitos saussureanos.

Objetivos

Assimilar conceitos linguísticos


Refletir sobre fatos linguísticos
Revisão de conteúdos

Você já refletiu?
Você já parou para pensar que grande parte dos alunos tanto do
Ensino Fundamental como do Médio e até mesmo universitários sentem
dificuldade na hora de diferenciar a morfologia da sintaxe? Na prática,
a confusão aumenta ainda mais quando o professor pede que o aluno
faça análise sintática ou morfológica. Você já parou para pensar
também que existe uma relação entre tais termos e os conceitos
saussureanos: sintagma e paradigma? Pois se pensou, muito
bem! Se não sabia, está na hora de observar que o eixo
paradigmático a que Saussure se refere trata das relações,
associações entre as palavras, que é o mesmo que a
Sintaxe faz. Já a morfologia liga-se à noção de
paradigma, isto é, no nível da escolha das
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

palavras! Vamos ver mais detalhadamente tais conceitos?

2.1 Langue / parole

Ao lado desses dois conceitos, Saussure definiu a “parole”


(fala/discurso), que é a atuação individual, constituída de atos individuais,
múltipla, imprevisível, assistemática, irredutível a uma pauta sistemática,
por isso, se torna difícil apurar regras, ou descortinar um sistema: “Nada
existe, portanto, de coletivo na fala, suas manifestações são individuais e
momentâneas” (1975, p.115). Já a língua é “uma soma de sinais depositados
em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares,
todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos” (SAUSSURE, 1975,
p.27). Desta forma, os fatos linguísticos sociais formam um sistema devido à
sua natureza homogênea. A langue é, portanto, concebida como um sistema
de regras definidas para a produção de frases, sendo o elemento social e
essencial da linguagem, "a língua é uma instituição social” (1975, p.43).
Ainda em relação à oposição langue/parole, pode-se afirmar que a língua é
delimitada no conjunto dos fatos da linguagem, logo, um fato humano,
social. Já a fala, um ato individual da vontade e da inteligência. Saussure
(1975, p.47) compara a língua a uma sinfonia que independe da forma como
é executada: mesmo que os músicos cometam erros, ela não mudará. O
autor deixa claro que a língua só existe se houver uma “massa falante”, pois
ela não existe fora do fato social. Para ratificar o caráter social da língua,
reproduzimos abaixo o esquema elaborado pelo autor (1975, p.92):
Está claro na obra de Saussure que ele estava
língua
atento às exigências que a sociedade fazia aos
cientistas na época, o chamado cientificismo. Ele
não podia idealizar, como se fazia até então, um
Massa
falante
estudo científico feito sem um controle
metodológico dos resultados, por isso delimitou

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

apenas a língua (langue) como objeto de estudo, e não a fala (parole).

2.1.1 Estrutura e sistema

Lyons (1982, p. 64) afirma que “language” é um termo ambíguo


e, portanto, cita a definição de linguagem- noção corresponde a sistema
linguístico- dada por Chomsky, a qual reproduzo abaixo:
“Um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita
em comprimento e construída a partir de um número finito de elementos”
(apud LYONS, 1982, p. 64).
Para Lyons (1982), como o sistema linguístico é visto como
estável e uniforme, não pode ser equiparado às línguas naturais, sendo,
desta forma, construtos teóricos, “criados pelos linguistas para dar conta
das regularidades por eles encontradas no comportamento linguístico dos
membros de uma determinada comunidade linguística” (LYONS, p. 64).
As línguas naturais divergem bastante do “sistema linguístico”, pois não
apresentam uniformidade, homogeneidade, nem são totalmente estáveis,
mas é claro que apresentam certos traços comuns compartilhados pelos
grupos de falantes de uma mesma língua. O autor afirma que para
Saussure, o sistema linguístico não só possui uma estrutura, ele é a
própria estrutura, que independe do contexto, e, portanto, é abstrato.
Destaca Lyons (1982), que a definição de linguagem dada por
Chomsky necessita ser ampliada a fim de dar conta dos dois níveis da
linguagem: fonológico (as sentenças são combinações de elementos
fonológicos) e sintático (combinações das unidades). Assim, dá a
seguinte definição: “é preferível conceber um sistema linguístico como
sendo composto por um inventário de elementos, um vocabulário de
unidades e de regras determinantes na boa formação das sentenças em
ambos os níveis.” (LYONS, 1982, p.68).

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

2.1.2 O signo linguístico

Segundo Saussure, a língua não pode ser reduzida a uma lista de


termos ou simplesmente à nomenclatura; os que assim o fazem, não
consideram a complexidade que une “um nome a uma coisa” (1975,
p.79). A fim de explicar tal relação, o mestre genebrino sugeriu o termo
signo linguístico, que não relaciona uma coisa e uma palavra, mas sim
um conceito e uma imagem acústica. Esta, por sua vez, não é exatamente
o som material, algo físico, ao contrário, é a impressão psíquica desse
som, definida também como “imagem sensorial”, cujo caráter psíquico
pode ser evidenciado quando, por exemplo, recitamos uma música
mentalmente sem ao menos movimentarmos nossos lábios. O signo
linguístico é definido por Saussure como: “uma entidade psíquica de
duas faces”, representada pela seguinte figura:
O pai da linguística propõe a
substituição dos termos conceito e
imagem acústica por significado e
significante, respectivamente, alegando
que estes últimos são vantajosos por
(SAUSSURE, 1975, .80)
P
demonstrarem claramente a oposição
entre eles.
Outra clássica ilustração presente na obra do autor é:

(SAUSSURE, 1975, P.81)

Conceito: toda representação simbólica, de natureza verbal, que tem


uma significação geral conveniente a toda uma série de objetos
concretos que possuem propriedades comuns. DUBOIS, Jean. Et al.
Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 2006, p.135.
25
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

O signo linguístico, tal qual estabelecido por Saussure (1975),


possui duas propriedades: a arbitrariedade e a linearidade, tratadas aqui
de modo sucinto.
O signo resulta da união do sentido (conceito) e da imagem
acústica, ou do significado e significante, que são interdependentes e
inseparáveis, pois sem significante não há significado e sem significado
não existe significante (SAUSSURE, 1975, p.80). Para elucidar melhor a
questão, citamos o exemplo dado por Carvalho (2003) em que um falante
de português recebe a impressão psíquica transmitida pela imagem
acústica ou significante / kaza /, graças à qual se manifesta fonicamente o
signo casa. Essa imagem acústica, de imediato, evoca-lhe psiquicamente
o sentido de abrigo, lar, local para viver, estudar, fazer suas refeições,
etc. A interdependência entre significado e significante está justamente
na associação entre / kaza / (significante) ao significado domus
(tomando-se o termo latino como ponto de referência para o conceito).
Segundo Carvalho (2003), o “sentido” pode ser equiparado ao
conceito ou ideia, isto é, o sentido seria a representação mental de um
objeto ou da realidade social em que nos situamos, representação essa
ligada à formação sociocultural. Para o autor, o sentido é sinônimo de
significado, referente ao nível das ideias, como se fosse “o lado espiritual
da palavra, sua contraparte inteligível”. Já o significante pertenceria ao
plano da expressão, que é a parte sensível do signo. Vale ressaltar que o
significado é diferente da coisa, ele não é o objeto ou o ser em si, mas
sim a ideia. Tanto o significante como o significado não devem ser
confundidos com a materialidade, visto que se referem a ideias e não a
objetos/seres.
Carvalho (2003) cita Jakobson, que juntamente com a Escola
Fonológica de Praga, estabeleceu claramente a diferença entre som
material e imagem acústica. O som corresponde ao fone, que é objeto de
estudo da Fonética, já a imagem acústica corresponde ao fonema,
pertencente à Fonologia.

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

Em relação ao princípio da arbitrariedade, Saussure (1975, p.83)


esclarece:

(...) não deve dar a ideia de que o significado dependa da livre


escolha do que fala, [porque] não está ao alcance do indivíduo
trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido
num grupo linguístico; queremos dizer que o significante é
imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o
qual não tem nenhum laço natural na realidade.

O que Saussure quer evidenciar com a arbitrariedade do signo é


que a ideia expressa por ele não possui motivação, relação com seu
significante. Se tomarmos o exemplo de /kaza/, dado acima, seu conceito
ou significado (de lar, moradia...) não apresenta nenhuma analogia
necessária e “interior” com a sequência de sons, ou imagem acústica ou
significante /kaza/. Assim, o significado de casa poderia ser representado
por qualquer outro significante. A fim de comprovar a arbitrariedade do
signo, Saussure cita algumas diferenças entre as línguas, como por
exemplo, casa, que é representado como home em inglês e como maison
em francês.
Carvalho (2003) ressalta que a arbitrariedade do signo pode
ocorrer de dois modos. O primeiro é do significante em relação ao
significado, como acabamos de exemplificar: livro, book, livre, Buch,
liber, biblion, etc.: significantes diferentes para um mesmo significado; e
do significado como parcela semântica, em oposição à totalidade de um
campo semântico, como ocorre em: ingl. teacher / port. Professor; ingl.
Sheep / mutton / port. carneiro.
Mesmo postulando a arbitrariedade do signo linguístico, Saussure
reconhece a possibilidade de existência de certos graus de motivação

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

entre significante e significado. Como define os termos por meio de


dicotomias, apresenta um “arbitrário absoluto” e um “arbitrário relativo”.
O arbitrário absoluto ocorreria, por exemplo, com os números dez e nove.
Quando tomados individualmente, a relação entre o significante e o
significado seria totalmente arbitrária e imotivada: não há relação do
significante dez com o significado de tal numeral. Por outro lado, se
combinarmos dez e nove, formaremos um terceiro signo, a dezena
dezenove, em que a arbitrariedade absoluta original dos dois numerais é
atenuada de certa forma, dando lugar à arbitrariedade relativa, pois
conhecendo a significação de dez e nove, chega-se à significação do
todo. Os substantivos derivados também constituem exemplos de signos
linguísticos cuja arbitrariedade é relativa. Por exemplo, de sapato, faz-se
sapateiro, sendo que o primeiro seria um exemplo de signo arbitrário
absoluto, em que não há motivação, relação alguma entre significado e
significante. Já, sapateiro, por poder ser associado a jornaleiro, jardineiro
(graças ao sufixo) e ao morfema lexical (sapato), poderia ter uma
associação entre significado e significante, sendo, portanto, um caso de
arbitrário relativo (signo motivado).
Por fim, passamos rapidamente pela última característica do
signo: a linearidade, que está particularmente relacionada ao significante,
ao plano da expressão, dos fonemas, das sílabas e palavras, porque estes
são emitidos em ordem linear ou sucessiva na cadeia da fala,
apresentando-se um após o outro. Nas palavras do autor:

O significante, sendo de natureza auditiva,


desenvolve-se no tempo, unicamente, e tem as
características que toma do tempo :a) representa uma
extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só
dimensão: é uma linha. (SAUSSURE, 1975, p. 84).

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Saussure (1975) discute ainda os conceitos de imutabilidade e


mutabilidade do signo linguístico, que embora contraditórios, evidenciam que:

o tempo, que assegura a continuidade da língua, tem


outro efeito, em aparência contraditório com o
primeiro: o de alterar mais ou menos rapidamente os
signos linguísticos e, em certo sentido, pode-se falar,
ao mesmo tempo, da imutabilidade e mutabilidade do
signo. (...) o signo está em condições de alterar-se
porque continua. (SAUSSURE, 1975, p.89).

Esse princípio constitui a base das relações sintagmáticas, as


quais passaremos a discutir nesse momento.

2.1.3 Sintagma / Paradigma

Creio que, ainda ligado à necessidade de delimitação exímia do


objeto, da ciência, Saussure (1975) estabeleceu os eixos sobre os quais a
Linguística se ocupa. Para o linguista, existem dois eixos, o das
simultaneidades (AB), que se refere:

às relações entre coisas coexistentes, de onde toda


intervenção do tempo se exclui, e 2º, o eixo das
sucessões (CD), sobre o qual não se pode considerar
mais que uma coisa por vez, mas onde estão situadas
todas as coisas do primeiro eixo com suas respectivas
transformações. (1975, p.95).

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

Veja abaixo o esquema proposto pelo linguista para evidenciar


tais eixos (1975, p.95):

Para Saussure (1975), na sincronia, a língua está baseada em dois


eixos: o paradigmático, entendido também como associativo, e o
sintagmático, onde ocorrem as relações.
As relações sintagmáticas decorrem do caráter linear do signo
linguístico, “que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao
mesmo tempo” (SAUSSURE, p. 142). O falante precisa selecionar um
elemento e escolher o que melhor se encaixa em determinado paradigma.
A língua é formada de elementos que se sucedem um após outro
linearmente, isto é, “na cadeia da fala”. A relação entre esses elementos,
Saussure (1975, p. 142) chama de sintagma:

O sintagma se compõe sempre de duas ou mais


unidades consecutivas (por exemplo: re-ler, contra
todos, a vida humana, Deus é bom, se fizer bom

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

tempo, sairemos, etc.). Colocado num sintagma, um


termo só adquire seu valor porque se opõe ao que
precede ou ao que segue, ou a ambos.

Colocado na cadeia sintagmática, um termo passa a ter valor em


virtude do contraste que estabelece com aquele que o precede ou o
sucede, “ou a ambos”, visto que um termo não pode aparecer ao mesmo
tempo que outro, em virtude do seu caráter linear. Em “Hoje fez calor”,
por exemplo, não podemos pronunciar a sílaba je antes da sílaba ho, nem
ho ao mesmo tempo que je; lor antes de ca, ou ca simultaneamente com
lor é impossível. É essa cadeia fônica que faz com que se estabeleçam
relações sintagmáticas entre os elementos que a compõem.
Por outro lado, fora do discurso, isto é, fora do plano
sintagmático, se, em “Hoje fez calor”, dizemos hoje pensando opô-lo a
outro advérbio, ontem, por exemplo, ou fez em oposição a faz, e calor a
frio, estabelecemos uma relação paradigmática associativa ou in
absentia, porque os termos ontem, faz e frio não estão presentes no
discurso. São elementos que se encontram na nossa memória de falante
“numa série mnemônica virtual”, conforme esclarece Saussure (1975).
O paradigma é assim uma espécie de “banco de reservas” da
língua, um conjunto de unidades suscetíveis de aparecer num mesmo
contexto. Desse modo, as unidades do paradigma se opõem, pois uma
exclui a outra: se uma está presente, as outras estão ausentes. É a
chamada oposição distintiva, que estabelece a diferença entre signos
como gado e gato ou entre formas verbais como estudava e estudara,
formados respectivamente a partir da oposição sonoridade / não-
sonoridade e pretérito imperfeito / mais-que-perfeito. A noção de
paradigma suscita, pois, a ideia de relação entre unidades alternativas. É
uma espécie de reserva virtual da língua.

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

Define-se o sintagma como “a combinação de formas mínimas


numa unidade linguística superior”. Trata-se, portanto, de relações
(relação = dependência, função) onde o que existe, em essência, é a
reciprocidade, a coexistência ou solidariedade entre os elementos
presentes na cadeia da fala. Essas relações sintagmáticas ou de
reciprocidade podem existir em todos os planos da língua: fônico,
mórfico e sintático, ao contrário do que deixa entrever a definição do
próprio Saussure, que nos induz a conceber o sintagma apenas nos planos
mórfico e sintático. Sendo assim, o sintagma, em sentido lato, é toda e
qualquer combinação de unidades linguísticas na sequência de sons da
fala, a serviço da rede de relações da língua. Por exemplo, no plano
fônico, a relação entre uma vogal e uma semivogal para formar o ditongo
(ai /ay/); no nível mórfico, a própria palavra, com seus constituintes
imediatos, é um sintagma lexical (am + a + va + s); sintaticamente, a
relação sujeito + predicado caracteriza o sintagma oracional (Pedro /
estudou a lição.).

2.1.4 Sincronia/Diacronia

A sincronia pode ser entendida como descrição do funcionamento


da língua em determinado tempo. Já na diacronia, analisa-se um
fenômeno de cada vez relacionando-o a outros anteriores ou posteriores.
Este estudo diacrônico pode ser dividido em história externa, que cuida
das relações existentes entre os fatores socioculturais e a evolução
linguística, e história interna, que trata da evolução estrutural –
fonológica e morfossintática – da língua, conforme afirma Carvalho.
Para Saussure, o estudo sincrônico é fundamental, pois os falantes
não percebem as alterações ao longo do tempo, assim, para um leigo,
essa sucessão não existe; nas palavras do autor:

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

a língua é um sistema em que todas as partes podem e


devem ser consideradas na sua solidariedade sincrônica
(...) a linguística sincrônica ocupar-se-á das relações
lógicas e psicológicas entre os termos coexistentes e que
formam sistema, tais como são percebidas pela
consciência coletiva [já a] diacronia estudará, pelo
contrário, as relações entre termos sucessivos, não
percebidos por uma mesma consciência coletiva e que se
substituem uns aos outros sem formar sistema entre si
(SAUSSURE, p.171).

Embora a língua mude constantemente, Saussure crê na


possibilidade de sistematizá-la em um determinado momento. O
funcionamento sincrônico da língua pode conviver harmoniosamente
com seus condicionamentos diacrônicos (CARVALHO, 2003). A língua
pode ser sincronia ou diacronia sempre, o que mudará é a maneira de
investigar o fato, que poderá ser sincrônica ou diacrônica.
Carvalho (2003) elucida a questão trazendo o exemplo do verbo
pôr. Segundo o autor, pode-se recorrer às formas sincrônicas atuais pões,
põe, puseste, etc., além dos adjetivos poente e poedeira, nos quais o -e-
medial aí existente (ou remanescente) funciona estruturalmente como
vogal temática, ou, ao mesmo tempo, podemos enriquecer a descrição
sincrônica, complementando-a com a explicação diacrônica: o atual
verbo pôr já foi representado pelo infinitivo arcaico poer, que, por sua
vez, se vincula ao latim vulgar ponere, com a seguinte cadeia evolutiva:
poněre > ponēre > poner > põer > poer > pôr, por isso, pertence à
segunda conjugação. Este caso evidencia que sincronia e diacronia não se
excluem, mas se completam, porém, como Saussure interessou-se
principalmente em saber como as línguas funcionam e não como se

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

modificam, priorizou a sincronia, considerada ponto de partida para a


Linguística Geral e para o chamado método estruturalista de análise da
língua.
Para finalizar de maneira muito breve e sucinta alguns dos
conceitos do CLG, apresentamos as principais ideias do capítulo em que
Saussure trata de modo crítico as subdivisões da gramática. Para
Saussure (1975, p.156), a Gramática pode ser entendida como uma
descrição de um estado de língua e por isso, pode receber também a
denominação de Linguística estática, que é sincrônica e significativa, por
isso, estuda a língua como um sistema de meios de expressão. Saussure
afirma que tradicionalmente, o estudo da Gramática reduzia-se à
morfologia e sintaxe, ficando a lexicologia fora de tais estudos. Tal
divisão, no entanto, não é ideal, pois não se pode separar a morfologia
(estudo das diversas categorias gramaticais: substantivo, adjetivo,
pronome, verbo, etc. e suas flexões) da sintaxe (função das unidades
linguísticas). “Linguisticamente, a morfologia não tem objeto real e
autônomo; não pode constituir uma disciplina distinta da sintaxe”
(SAUSSURE, 1975, p.157). Da mesma maneira, não é adequado excluir
a análise lexicológica, pois há palavras que fazem distinções semânticas
por meio da gramática. Desta forma, o autor defende que toda a análise
deve ser feita por meio dos eixos sintagmático e paradigmático.
Segundo Orlandi (1990, p.24), os sucessores do CLG
denominaram o método saussureano de Estruturalismo porque partem do
princípio de que “cada elemento da língua só adquire um valor na medida
em que se relaciona com o todo de que faz parte, do sistema.” Para
exemplificar a noção de estrutura, de sistema, a autora cita a metáfora
saussureana do xadrez, segundo a qual, não importa de que material são
feitas as peças do jogo (madeira, plástico, pedra sabão etc), nem mesmo

34
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

de sua figura aparente, visto que podem ser substituídas por botões, por
exemplo, mas da relação de oposição que têm com as outras peças e da
sua posição em relação ao todo. Assim, a identidade da “peça” linguística
depende de sua posição e valor, e não de sua constituição.
Lyons (1982, p.60), também ressalta a prioridade dada aos
estudos sincrônicos, mas não se esquece de citar a etimologia,
importante ramo da linguística que estuda a origem e desenvolvimento
das palavras. O autor ressalta que, da maneira como os estudos são
realizados atualmente, podem ser considerados um ramo da linguística
histórica ou diacrônica.

2.2 Os campos da linguística segundo Lyons

Lyons, (1982, p.43) também destaca os


BOX CONEXÃO:
vários subcampos que a Linguística possui, Estudar a origem das palavras é algo
revelador e fascinante. Há estudos da
usando o termo dicotomia para se referir origem dos nomes pessoais, dos nomes de
países, além de outras áreas do campo
às diferentes áreas. O autor inicia a semântico. Seu estudo é muito prazeroso e
muito enriquecedor não só ao
exposição de tais áreas distinguindo a conhecimento linguístico, mas também ao
relacionado à cultura geral.
linguística geral da descritiva. Ele Acesse os sites abaixo que trazem
informações mais detalhadas sobre o
ressalta que embora a distinção entre elas incrível mundo da etimologia!
http://www.etymonline.com/
não seja estanque, pode-se afirmar que: “a http://www.sk.com.br/sk-hist.html

linguística geral fornece conceitos e categorias


em termos dos quais as línguas serão analisadas; a
linguística descritiva, por sua vez, fornece dados que confirmam ou

empírico (francês empirisme), s. m. Relativo ao empirismo.


1. Doutrina ou sistema que só reconhece a experiência como guia seguro.
2. Conjunto de conhecimentos adquiridos só pela prática.
3. Sistema filosófico que atribui exclusivamente à experiência dos sentidos a
origem dos conhecimentos; rotina. (Disponível em: www.priberam.pt, acesso: 10
jan. 2010)
35
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

refutam as proposições e teorias colocadas pela linguística geral” (1982,


p.43). Como exemplo, o autor cita que um linguista geral poderia
estabelecer a hipótese de que todas as línguas possuem nomes e verbos,
já o linguista descritivo, iria comprovar ou refutar tal afirmação por meio
da análise de dados, ou da “comprovação empírica”, como prefere o
autor.
Lyons (1982) ressalta ainda que a comprovação ou refutação do
linguista descritivo precisa ser baseada nos conceitos utilizados pelo
linguista geral, portanto, são campos interdependentes, complementares,
que a nosso ver, enriquecem os estudos linguísticos quando trabalhados
em conjunto. Lyons cita também, como Saussure, a ênfase dada aos
estudos relacionados ao desenvolvimento histórico de línguas e à
formulação de hipóteses acerca das mudanças das línguas, que é a
chamada linguística histórica. Os conceitos de sincronia e diacronia
postulados por Saussure podem ser empregados aqui para evidenciar o
modo de análise. Como a Linguística Histórica trabalha com o
desenvolvimento e as mudanças linguísticas ao longo do tempo, é
considerado um estudo diacrônico (aqui utilizado como sinônimo de
histórico). Já o estudo da língua em apenas um estado, em determinado
tempo, é considerado como sincrônico.
Lyons (1982, p.44) aponta uma terceira distinção: a linguística
teórica da linguística aplicada. A linguística teórica, como o próprio
nome diz, centra-se na descrição da estrutura e funcionamento das
línguas, sem uma preocupação maior com a prática. Já a linguística
aplicada utiliza os conceitos e descobertas linguísticos para uma série de
atividades práticas, principalmente em relação ao ensino de línguas. O
autor pontua que não há grandes diferenças práticas entre a linguística
teórica e a geral.
A última dicotomia apresentada por Lyons (1982) é a diferença
entre a macrolinguística e a microlinguística, que como os próprios
nomes evidenciam, adotam, respectivamente, uma visão mais ampla e
uma mais estreita dos fenômenos linguísticos. Em seu sentido estreito, a
microlinguística analisa somente os sistemas linguísticos,
desconsiderando o contexto, a forma como as línguas são armazenadas,
adquiridas, a relação língua e cultura etc., isto é, ela considera apenas e

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

unicamente o sistema; tudo o que está fora dele não pertence a seu campo
de análise. Por outro lado, a macrolinguística abordará todos os fatores
relacionados ou que possam influenciar a linguagem ou as línguas. O
autor faz uma observação de suma importância: como a linguística é uma
ciência interdisciplinar, várias áreas se identificaram com a
macrolinguística, como por exemplo, a Sociolinguística, a
Psicolinguística, a Etnolinguística, a Estilística etc.

2.3 A herança Estruturalista e as correntes teóricas.

Gameiro (2005, p.26) afirma que baseados no modelo saussureano,


inúmeros pesquisadores elaboraram teorias e sistemas a partir da
estrutura abstrata, excluindo de seus estudos todo o aspecto social da
linguagem e toda variação.
O Estruturalismo na Linguística foi construído, portanto, sem levar
em consideração o que existe de social na língua. Embora os linguistas
sempre tivessem sabido da variação existente na língua, a Linguística
ficou amarrada a postulados que não permitiam o enfoque das atitudes do
falante ou de outros dados extralinguísticos que explicassem a variação
encontrada. (Vandresen, 1974, p.9). Estas restrições estavam ligadas à
crença de que a língua era um sistema homogêneo e uniforme.
Assim, a ênfase dos estudos linguísticos da primeira metade do
século XX centrou-se na linguística histórica e, posteriormente, nas
estruturas fonológicas e morfológicas, sem referências a correlações
sociais.
Dentre os estudos rigorosos do século XX, destacam-se o
Funcionalismo e o Formalismo (Gerativismo), que foram as duas grandes

37
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

correntes teóricas da Linguística. De acordo com Neves (1997, p.39),


estas duas correntes se opõem no pensamento linguístico.
O Funcionalismo difundiu-se com os membros da Escola de
Praga, que teve origem no Círculo Linguístico de Praga, fundado em
1926. A escola Linguística de Praga tem como principais princípios:
a) a língua deve ser analisada como um “sistema de sistemas”;
b) a concepção de língua está ligada ao dinanismo;
c) há um nível de análise autônomo, o da perspectiva funcional da
sentença.
A “Escola Linguística de Praga” desenvolve uma linguística da
fala (em oposição à língua da antinomia saussureana) e insiste no fato de
que se podem encontrar regularidades, que autorizam tentativas de
organização e descrição, mesmo no nível da oração realizada. (Ilari 1992,
p.25). Assim, a referida escola realça a importância do contexto verbal e
não-verbal e do conhecimento respectivo dos interlocutores para a
interpretação das unidades linguísticas.
A Sociolinguística, historicamente posterior ao Funcionalismo de
Praga, aproxima-se desta corrente na medida em que também destaca a
importância da fala e do contexto extralinguístico. Em linhas gerais,
podemos dizer que a Sociolinguística aproxima-se da Teoria
Funcionalista na medida em que ambas estão voltadas para o uso da
língua, sendo, portanto, teorias que se baseiam em dados concretos e não
abstratos.
Tais considerações opõem-se ao que defende a escola gerativista,
cujo grande representante é o norte-americano Noam Chomsky. De
acordo com o modelo teórico dos gerativistas, o objeto dos estudos
linguísticos é a competência linguística do falante-ouvinte ideal,
pertencente a uma comunidade lingüística homogênea. Neste modelo,
portanto, exclui-se da análise todo o aspecto social da linguagem.

38
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

A partir destas informações, Gameiro (2005) afirma que na


Linguística, dependendo da visão e do objetivo que se tem o objeto de
estudo será considerado de uma maneira ou de outra. Assim, se
estudamos o objeto sob uma perspectiva formal, ele será visto como algo
abstrato, se o considerarmos sob uma perspectiva funcional, ele será visto
como algo concreto. Portanto, não se trata de objetos diferentes, todas as
teorias linguísticas estudam a língua, porém, sob olhares distintos. Agora,
passamos a explanar os princípios das principais correntes linguísticas.

2.4 O Funcionalismo herdado do Estruturalismo.

O Funcionalismo que teve forte herança do Estruturalismo


saussureano tinha como objetivo, segundo Orlandi (1990), considerar as
funções dos elementos linguísticos em seus níveis fônicos, gramaticais e
semânticos. Segundo a autora, uma das contribuições do funcionalismo
em relação ao aspecto fônico foi a noção dos traços distintivos não só na
fonologia, como também na gramática e semântica. Alguns traços
sonoros apresentam na pronúncia certos valores distintivos, entre
dente/tente, por exemplo, o traço distintivo é que /t/ é surdo e /d/ é
sonoro. Os funcionalistas trabalharam também com a noção de contraste
(para dar conta de relações semânticas e gramaticais) a partir das relações
entre os eixos paradigmáticos e sintagmáticos. Orlandi (1990) aponta, no
entanto, a limitação do Estruturalismo na análise semântica, pois as
relações de combinação e substituição são mais adequadas aos níveis
sintático e fonológico.
Orlandi (1990, p.28) destaca que o próprio conceito de função foi
visto sob diferentes aspectos pelos estruturalistas, assim, há outra

39
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

vertente do Funcionalismo que analisou as funções da linguagem. Ela se


refere ao famoso esquema da comunicação proposto por Romam
Jakobson, que atribui à linguagem, as seguintes funções:
1. Função referencial: centra-se no conteúdo da mensagem,
buscando transmitir informações objetivas sobre ela. Essa função é
predominante nos textos científicos e jornalísticos, essencialmente
2. Função expressiva: seu objetivo é transmitir o sentimento do
emissor, também denominada emotiva.
3. Função conativa: essa função procura organizar o texto de forma a
que se imponha sobre o receptor da mensagem, persuadindo-o,
seduzindo-o. Nas mensagens em que predomina essa função,
busca-se envolver o leitor com o conteúdo transmitido, levando-o a
adotar este ou aquele comportamento.
4. Função fática: a palavra fático significa “ruído, rumor”. Foi
utilizada inicialmente para designar certas formas que se usam para
chamar a atenção (ruídos como psiu, ahn, ei). Essa função ocorre
quando a mensagem se orienta sobre o canal de comunicação ou
contato, buscando verificar e fortalecer sua eficiência.
5. Função metalinguística: quando a linguagem se volta sobre si
mesma, transformando-se em seu próprio referente, ocorre a função
metalinguística.
6. Função poética: quando a mensagem é elaborada de forma
inovadora e imprevista, utilizando combinações sonoras ou
rítmicas, jogos de imagem ou de ideias, temos a manifestação da
função poética da linguagem. Essa função é capaz de despertar no
leitor prazer estético e surpresa. É encontrada principalmente na
poesia e em textos literários.
Observe o esquema que representa as funções da linguagem:

40
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

(DISPONÍVEL EM: HTTP://ACD.UFRJ.BR/~PEAD/IMAGENS/CODIGO.JPG, ACESSO: 10 JAN, 2010)

2.5 O estruturalismo de Bloomfield

A teoria distribucionalista proposta por Bloomfield, pesquisador


americano, baseava-se, segundo Orlandi (1990), em um esquema de
estímulo/resposta para explicar por meio de uma abordagem
comportamental (behavorista) os fatos linguísticos. Para evitar a chamada
“interioridade”, a historicidade e referência ao significado, o linguista
centrou-se apenas na descrição, em um primeiro momento. Orlandi
(1990, p.32) acrescenta que:

De acordo com essas posições do distribucionalismo, para se


estudar uma língua deve-se reunir um conjunto de enunciados
efetivamente emitidos pelos falantes em um certo momento- o que
se chama corpus – e, sem questionar o seu significado, procurar
encontrar seu modo de organização, sua regularidade.

Todos os níveis da linguagem podem ser investigados sob a


perspectiva da distribuição: fonológico, sintático e semântico. Orlandi

41
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

(1990) cita como exemplo do nível semântico o caso do verbo tomar, que
pode ocorrer em construções do tipo: tomar sopa, mas não em: “tomar
carne”. Há críticas, no entanto, a esta análise, segundo Orlandi (1990), os
adversários do distribucionalismo afirmam haver referência de certa
maneira obscura ao significado, como em tomar banho e tomar sopa,
cujas diferenças são menos acentuadas.
O método de análise dos distribucionalistas consiste em segmentar
a frase, usando a técnica binária de subdivisão: um segmento maior (a
menina come) é subdividido em dois: (a menina/ come); em seguida,
subdivide-se cada um deles (a/menina) até chegar a unidades mínimas
indivisíveis. Esta metodologia é utilizada com o intuito de estabelecer
classe de equivalência entre as unidades através da comparação dos
contextos em que ocorrem, assim, quando ocorrem nos mesmos
contextos, são consideradas pertencentes às mesmas classes (ORLANDI,
1990, p.34). Para Orlandi, a pretensão dos distribucionalistas de
mecanizar este tipo de descrição, evidencia o interesse da linguística em
favorecer a relação do homem com a máquina.

2.6 Os círculos linguísticos

Os chamados círculos linguísticos referem-se aos grupos de


estudiosos que se reuniam para discutir a linguagem. Orlandi (1990)
destaca dois grupos importantes, o russo, que teve iniciativa de Romam
Jakobson, em Moscou, e procurava desvendar os pontos obscuros da
linguagem poética, e o Círculo Linguístico de Praga, que se iniciou em
1928. A referência anteriormente feita à Literatura é excluída no Círculo
de Copenhague, em que o dinamarquês L. Hjelmslev diferencia a

42
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

denotação da conotação, estabelecendo uma separação clara entre o plano


lógico da comunicação e o plano afetivo de efeito poético. Assim, abre-se
caminho para o surgimento das gramáticas universais. Porém, antes de
iniciarmos a discussão sobre as teorias universais, acreditamos ser
importante detalhar alguns aspectos da teoria Funcionalista.

Atividade

1. Discuta os conceitos de língua e fala tais como definidos por


Saussure, a seguir, relacione-os à seguinte afirmação:

É constante, atualmente, ouvirmos que a oralidade tem um lugar


importante no ensino de língua. Entretanto, são ainda escassos os
recursos metodológicos existentes em Língua Portuguesa para o
tratamento dessa questão de forma mais sistemática.

2.7 Reflexão

Agora reflita, será que damos à oralidade, à língua falada o lugar de


destaque que ela merece nas aulas de Língua Portuguesa? Será que nossa
prática docente foi influenciada por determinada concepção de língua?
Vale a pena refletir!

2.8 Leituras recomendadas

Para observar a importância que a língua falada deve ter no ensino de


português e conhecer diversas maneiras de abordá-la em sala de aula, leia:

43
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

CASTILHO, A. T. de. A Língua Falada no Ensino do Português.


6. ed. São Paulo: Contexto, 2004. 160 p.

2.9 Na próxima unidade

Na próxima unidade, nos ateremos a uma das áreas da Linguística,


o Funcionalismo, que, além de ter sido uma grande área de estudos da
Linguística, vêm desenvolvendo pesquisas profícuas até os dias atuais.
Vale a pena conhecer! Dentre os pesquisadores brasileiros, os mais
conhecidos à frente desta área são Maria Helena Moura Neves e Erotilde
Pezatti, juntamente com seu grupo de estudos.

2.10 Referências:

BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Tradução de


Carlos A. L. Salum; Ana Lúcia Franco. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
CARVALHO, C.. Para compreender Saussure. 12ª ed. Petrópolis:
Vozes, 2003.
CARVALHO, C.. Saussure e a língua portuguesa. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/viisenefil/09.htm (acesso: 01 fev. 2010)

GAMEIRO, M. B. A concordância verbal na língua falada da


região central do Estado de São Paulo. 198f. Dissertação (Mestrado em
Linguística e Língua Portuguesa) Faculdade de Ciências e Letras- FCLar-
, UNESP, 2005.
ILARI, R. Perspectiva funcional da frase portuguesa. 21.ed.
Campinas: Editora da Unicamp, 1992.

44
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 2

HENGE, G. S. Obras introdutórias à leitura de Saussure: O que


falam e como falam do CLG. In: Cadernos de Letras da UFF – Dossiê:
Patrimônio cultural e latinidade, no 35, p. 117-135, 2008 117.
Disponível em:
http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/35/artigo7.pdf (acesso: 01
jan. 2010)

LYONS, J. Linguagem e linguística, uma introdução. Tradução de


Averburg, M. W. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

NEVES, M. H. M. A gramática funcional. Sao Paulo, Martins


Fontes, 2001.

ORLANDI, E. P.O que é linguística. São Paulo: Brasiliense, 1990.

SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral, Trad de A. Chelini,


José P. Paes e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1975.

VANDRESEN. P (Org.) Variação e mudança no português falado


da região Sul. Pelotas: Educat, 2002.

45
TEXTO DE
APRESENTAÇÃO DA
UNIDADE
A unidade 3 apresenta os principais
conceitos do Funcionalismo, escola linguística
divulgada em Praga. Apresenta ainda, os principais
conceitos desta área de estudo, que você pode não ter visto
durante a graduação, mas que agora terá oportunidade de
analisar com mais detalhe e precisão.

OBJETIVOS DA SUA APRENDIZAGEM

Esta unidade tem como objetivo principal explanar a você,


aluno, os principais conceitos da Linguística Funcional, seu campo de
análise, bem como a maneira de considerar a língua. Objetivamos
assim, que você assimile todo o conteúdo teórico abordado.

VOCÊ JÁ REFLETIU?

Você já parou para pensar que existem diferentes maneiras de


se analisar o mesmo objeto? Já refletiu que cada um possui uma visão
diferente acerca de um mesmo fenômeno? Na Linguística não é
diferente, por isso, existem tantos “-ismos”, o Funcionalismo, o
Estruturalismo, o Gerativismo, dentre outros. Ataliba
Castilho, um importante linguista da atualidade,
irreverente e bem humorado, recorre à seguinte fábula
para definir a linguística:
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

Bom, quando eu dou aula na graduação, costumo dizer para os


alunos: se você quer entender o que é linguística e o que é o seu
objeto, você precisa pensar um pouco na fábula dos três cegos
apalpando o elefante. Cada um apalpava um pedaço do elefante e
definia o elefante por aquele pedaço. Então, o que pegava a perna
do elefante, dizia: “o elefante é assim um cilindro muito duro,
rígido, é um animal com formato de cilindro e que é estático,
parece que esse animal não se mexe e é um animal que ocupa
posição vertical no espaço”. O outro, que mexia lá na tromba,
naturalmente discordava, não só quanto à disposição no espaço,
quanto à rigidez no tato, tanto quanto à falta de mobilidade.
Imagino até que algum desses cegos, tocando em outros lugares,
concebeu a ideia da categoria vazia. (apud Costa, S. B. B., 2003,
disponível em: http://www.prohpor.ufba.br/alinguis.html (acesso:
10 jan. 2010)
Poderíamos
considerar o elefante como
sendo uma metáfora para a
língua, se algum
“cego”/“lingüista” analisa o
sistema, como algo fechado
e abstrato, terá um DISPONÍVEL EM: WWW .FABERLUDENS.COM.BR

resultado, mas se analisar a fala concreta, terá outra visão. Vamos ver
como o Funcionalismo aborda a língua? Para ilustrar, observe a imagem

3.1 Aspectos gerais do Funcionalismo.

Como a fábula de Castilho reproduzida na abertura desta unidade


demonstra, vimos que um fenômeno linguístico pode ser analisado sob

47
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

diversas perspectivas. Para analisar a variação na concordância verbal,


por exemplo, Gameiro (2009) pautou-se na Sociolinguística, teoria que se
aproxima do Funcionalismo, mas é posterior a ela. Por isso,
apresentamos aqui parte do capítulo teórico de sua tese que traz os
principais conceitos destas teorias traçando um contraponto entre a
linguística funcional às teorias formalistas.
Antes de passarmos a esta contraposição, vale a pena definir o
conceito geral de Funcionalismo segundo Dubois (2006) esclarece em seu
Dicionário de Linguística. O autor afirma que a reflexão da Escola de
Praga sobre a função (as funções) da língua deu origem a diversas
correntes funcionalistas que têm tendência a encarecer esta ou aquela
função da língua. Assim, da obra de Martinet, podem-se destacar três
direções essenciais, que têm entre si relações íntimas: a da fonologia geral
e descritiva, a da fonologia diacrônica e a da linguística geral. O centro da
doutrina está no conceito de dupla articulação. A primeira articulação em
fonemas intervém no plano da expressão e no plano do conteúdo; graças a
ela, um número indefinido de enunciados é possível a partir de um
inventário limitado de fonemas. A segunda articulação só diz respeito ao
plano na expressão. A substituição de um dos segmentos, assim definido
por outro de mesmo tipo nem sempre acarreta a mesma variação de
sentido. Graças à segunda articulação, algumas dezenas de fonemas
permitem formar dezenas de milhares de significantes
diferentes.
Tanto a Linguística Funcional como a BOX CONEXÃO:
Destacamos o livro introdutório
Sociolinguística preocupam-se com a maneira de Maria Helena Moura Neves,
que apresenta uma visão geral
como a língua é utilizada no ato da do Funcionalismo.
Disponível em:
comunicação. Isto é, tudo o que é falado ou http://www.pasajeslibros.com/ima
ges/portadas/9788533607637.jpg
escrito, “toda forma de interação linguística

48
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

efetiva desdobra-se em algum contexto de uso”, sendo que o uso orienta


o sistema linguístico (HALLIDAY, 1974, p.44, grifo nosso). Para estas
teorias, a língua se desenvolveu para satisfazer certas necessidades na
vida dos homens, e a maneira como ela é organizada está de acordo com
as finalidades que desempenha. Assim, as estruturas linguísticas podem
ser analisadas conforme seu uso.
A Linguística Funcional objetiva analisar o
uso linguístico relacionado ao sistema, partindo,
portanto, do concreto para o abstrato, do uso
efetivo para o sistema funcional.
O Funcionalismo difere das abordagens
formalistas em dois aspectos: o primeiro é na
concepção da linguagem como um instrumento de
interação social; e o segundo, porque seu objeto de análise não é apenas a
estrutura gramatical, mas também os contextos discursivos que motivam
os fatos da língua. Neste sentido, a língua varia em função da situação, a
linguagem utilizada em uma roda de amigos não é a mesma que se usa
em uma palestra.

A abordagem funcionalista
procura explicar as regularidades
observadas no uso interativo da
língua, analisando as condições
discursivas em que se verifica
esse uso. Os domínios da sintaxe,

HTTP://WWW .REDEBOMDIA.COM.BR/BOMDIA/UPLOAD/COLUNA_
SOCIAL_CONTEUDO/CAMILA_AMIGOS.JPG

Monema: Unidade significativa elementar. Pode ser uma palavra simples,


um radical, um afixo, uma desinência.
DUBOIS, Jean. Et al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 2006,
p.298; 417.
49
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

da semântica e da pragmática são interdependentes.


Segundo a hipótese funcionalista, como a estrutura gramatical é
motivada pela situação comunicativa, é uma estrutura variável e
dependente dos usos da língua ao longo do tempo.
Neves (1994) afirma que o pensamento linguístico pode ser
estudado a partir de duas grandes vertentes, de um lado o Funcionalismo,
para o qual a função das formas linguísticas é prioridade. De outro lado,
está o Formalismo cujo destaque é dado à forma linguística, relegando a
funcionalidade a um segundo plano, como podemos observar abaixo.
Halliday (1994) resume as principais diferenças entre as duas
correntes da seguinte forma: (i) a Gramática Formal apresenta uma
orientação mais sintática, ao passo que a Gramática Funcional é mais
paradigmática; (ii) Na Gramática Formal, a ênfase recai sobre os
universais linguísticos, já na Gramática Funcional a ênfase está na
variação.

Para finalizar este item sobre o Funcionalismo, apresentamos o


seguinte quadro de Dik (1978, p.4), que sintetiza as diferenças na ênfase
que a Gramática Formal e a Gramática Funcional dão aos estudos da
língua.

Pragmática: concerne às características da utilização da língua


(motivações psicológicas dos falantes, reações dos interlocutores, tipos
socializados de fala, objeto de fala, etc). (DUBOIS, 2006, p.480)
50
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

PARADIGMA FORMAL PARADIGMA FUNCIONAL


A língua é um conjunto de A língua é um instrumento de interação social.
sentenças.
A função primária da língua é a A função primária da língua é a comunicação.
expressão dos pensamentos.
O correlato psicológico da O correlato psicológico da língua é a competência
língua é a competência: a comunicativa: a habilidade de conduzir a interação social
capacidade de produzir, por meio da língua.
interpretar e julgar sentenças.
O estudo da competência tem O estudo do sistema linguístico deve se realizar no
uma prioridade lógica e interior do sistema de usos linguísticos.
metodológica sobre o estudo do
desempenho.
As sentenças de uma língua A descrição dos elementos linguísticos de uso de uma
devem ser descritas língua deve proporcionar pontos de contato com o
independentemente do contexto contexto em que ocorreram.
em que ocorreram.
A aquisição da língua é inata. Os A criança descobre o sistema que subjaz à língua e ao uso
inputs são restritos e não linguístico ajudada pelos inputs de dados linguísticos
estruturados. A teoria do extensos e altamente estruturados, presentes em contextos
estímulo é pobre. naturais.
Os universais linguísticos são Os universais linguísticos são especificações inerentes às
propriedades inatas do organismo finalidades da comunicação, à constituição dos usuários
biológico psicológico dos homens. da língua e aos contextos em que a língua é usada.
A Sintaxe é autônoma em A Pragmática é a moldura dentro da qual a Semântica e a
relação à Semântica. A Sintaxe e Sintaxe devem se estudadas. A Semântica é dependente
a Semântica sãc autônomas com da Pragmática, e as prioridades vão da Pragmática para a
relação à Pragmática, e as Sintaxe via Semântica.
prioridades vão da Sintaxe à
Pragmática via Semântica.
QUADRO 1- PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A GRAMÁTICA FORMAL E FUNCIONAL, BASEADO EM DIK (1978, P.4, APUD, GAMEIRO, 2005)

Halliday (1994) segue a tradição da Gramática Funcional europeia,


a Gramática Funcional Sistêmica, que destaca as relações
paradigmáticas, interpretando a língua não como um inventário de
estruturas, mas sim como uma rede de sistemas, isto é, um conjunto de
opções interrelacionadas para construir sentido.
Feitas as observações iniciais sobre a Teoria Funcionalista,
relataremos brevemente alguns dos princípios do Funcionalismo.

51
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

O primeiro pressuposto teórico do funcionalismo é o da


iconicidade, segundo o qual, há uma correlação entre forma e função
(significante e significado), assim, a língua refletiria, de algum modo, a
estrutura da experiência. O interesse na motivação entre forma e
conteúdo remonta à Antiguidade clássica, com a polêmica que dividiu os
gregos entre convencionalistas e naturalistas. Os primeiros não
acreditavam em tal motivação, já os naturalistas afirmavam que as
palavras eram adequadas às coisas que elas significavam. Saussure
defendia a arbitrariedade do signo linguístico afirmando que não havia
relação natural entre a imagem acústica do signo linguístico (o
significante) e aquilo que ele evoca conceptualmente (o significado).
Peirce, filósofo alemão (1940), acredita que haja uma motivação na
sintaxe, mas que esta é moderada, pois interagem princípios icônicos
(cognitivamente motivados) e simbólicos (cognitivamente arbitrários),
sendo assim, isomórfica.
Peirce estabeleceu dois tipos de iconicidade: a imagética e a
diagramática. A primeira diz respeito à estreita relação entre um item e
seu referente, no sentido de um espelhar a imagem do outro, como é o
caso das pinturas e estátuas, por exemplo. Já a segunda não apresenta
necessariamente uma semelhança entre os signos.
É com Bolinger (apud CUNHA; OLIVEIRA; MARTELOTTA,
2007) que o isoformismo linguístico revela sua face radical, quando
postula que a condição natural da língua é preservar uma forma para um
sentido e vice-versa. Estudos sobre o processo de variação e mudança
linguística, ao revelarem a existência de duas ou mais formas alternativas
de se dizer a mesma coisa, levaram à reformulação dessa tendência forte.
O princípio da iconicidade, em sua forma atenuada, é também
manifestado em três subprincípios.

52
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

O primeiro é relacionado à quantidade de informação, quanto


maior a quantidade de informação, maior a quantidade de forma.
O grau de integração dos constituintes da expressão postula que os
conteúdos próximos cognitivamente também estarão
mais integrados no nível da codificação.
Vale a pena destacar a distinção
O princípio da ordenação linear dos proposta por Peirce (apud
DUBOIS, Jean. Et al. Dicionário de
segmentos prevê que a informação mais Linguística. São Paulo: Cultrix,
2006, p.328), em relação a: ícone,
importante geralmente vem em primeiro índice e símbolo. Para estabelecer
a distinção entre tais termos,
lugar da cadeia sintática, assim, a ordem dos Peirce baseia-se na natureza da
relação mantida pelo signo com a
elementos evidencia sua relevância para os realidade exterior. Os ícones são
os signos que assemelham.
falantes.
Outra importante contribuição do
Funcionalismo para os estudos das línguas foi o destaque à análise
funcional do sistema linguístico, levando em conta a sua organização em
níveis e componentes funcionais.
Os níveis da língua são o Semântico, o Gramatical e o
Fonológico, sendo o gramatical, o principal, e o Semântico,
o “mais alto”. Como a Gramática Funcional estuda as formas linguísticas
de acordo com seu significado, toma o discurso como um processo cuja
organização é mais semântica do que formal.
Para Halliday (1994), todas as línguas são organizadas com base
em dois principais tipos de significação: o ideacional (reflexivo) e o
interpessoal (ativo) que atendem a duas finalidades de todos os usos da
língua: entender o ambiente e atuar sobre os outros neste espaço social. O
terceiro componente é o textual, responsável pela organização da
expressão como mensagem.
A função textual confere à oração um caráter comunicativo, e se
realiza através dos seguintes recursos:

53
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

(1) Estrutura Temática (Tema x Rema)


(2) Estrutura Informacional e Foco (Dado x Novo)
(3) Coesão (Referência, elipse, conjunção e organização
lexical)
Baseado na terminologia da escola de Praga, Halliday (1994)
define Tema como o elemento que serve como ponto de partida da
mensagem, aquilo a que a oração diz respeito. O restante da oração, no
qual o Tema é desenvolvido, constitui o Rema.

No inglês, a estrutura temática está relacionada à disposição das


palavras, sendo que o Tema aparece em primeiro lugar na sentença.
Porém, a definição de Tema não corresponde à primeira posição, mas
apenas à maneira como ele se realiza em inglês.
A Estrutura Informacional é delimitada com base em aspectos
prosódicos, sendo que uma unidade de informação equivale a um grupo
tonal, podendo corresponder a mais de uma oração gramatical.
A unidade de informação estrutura os componentes do discurso de
acordo com o status que o falante dá a cada elemento. O Novo é a parte
que o falante interpreta como inesperada, imprevisível ou importante, a
outra parte corresponde à informação dada, o que já é conhecido pelo
ouvinte. O Dado é geralmente um elemento anafórico, referindo-se a
algo que já foi mencionado ou a algo que mesmo não estando presente na
situação, é tido como Dado.
Embora Halliday considere como unidade fundamental a oração,
abrangendo até o período, o autor trata também das relações não-
estruturais, aquelas que são determinadas pela semântica do discurso e

Pé: “unidade rítmica que se inicia com uma sílaba forte”; grupo tonal:
“sequência de pés organizada em torno de uma sílaba tônica”. Exemplo:
54
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

que permitem a interpretação de um item em dependência de outro,


relações conhecidas como mecanismo de coesão. A coesão é dividida por
Halliday em quatro tipos: referência, elipse, conjunção e organização
lexical. Na maioria das vezes, tal princípio é estabelecido por relações
anafóricas, responsáveis pela coesão porque ligam passagens do texto em
uma unidade coerente.

Desta forma, a elipse constitui um dos meios de estabelecer coesão;


no inglês, por exemplo, o sujeito não é frequentemente elidido devido à
reduzida flexão número-pessoal, necessitando assim, de um sujeito
explícito. Halliday (1994) observa que o sujeito do verbo pode ser
interpretado com referência tanto ao contexto verbal (elipse anafórica)
como ao situacional (elipse exofórica). Há, então, a possibilidade de
omissão do sujeito no inglês, como é o caso do exemplo: Seen Fred?
(Have you seen Fred?). Comparando o português europeu ao português
brasileiro, constatamos que a elipse é mais comum naquele do que neste,
pois a flexão verbal é mais “rica” entre os portugueses, que mantêm o
uso das segundas pessoas, restritas no Brasil a alguns contextos e regiões.

Em relação ao contexto, Dik (1997) ressalta a importância da


informação pragmática compartilhada entre falante e ouvinte na
interpretação e produção do discurso.

Dik (1989) diz que quando se adota um ponto de vista funcionalista


para o estudo de uma língua natural, devemos observar como o falante
“opera” esta língua. Ele acredita que no processo comunicativo, a
capacidade linguística interage com outras capacidades que o homem
utiliza continuamente. De acordo com o autor, as capacidades são: (i)

55
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

capacidade epistêmica: o usuário é capaz de construir, manter e explorar


uma base de conhecimento organizado; (ii) a capacidade lógica: o
usuário compõe outras parcelas de conhecimento por meio de regras de
raciocínio lógico (dedutivo e probabilístico); (iii) a capacidade
perceptual: através da percepção do ambiente, o usuário compõe e
interpreta expressões linguísticas; (iv) capacidade social: o usuário torna
adequado seu discurso para atingir seus objetivos comunicativos.
Além das capacidades que o falante possui, a linguística envolve
duas regras: as que governam expressões da língua (semânticas,
sintáticas, morfológicas e fonológicas) e as que governam a interação
verbal (pragmáticas). Observamos, portanto, uma aproximação da
Sociolinguística com o Funcionalismo porque ambas consideram o
aspecto social da linguagem.
Neves (1977) afirma que a concepção de língua enquanto produtora
de significados por meio de escolhas é importante porque a seleção de
formas linguísticas precede o contexto e a situação pragmática
(conhecimento, crenças, suposições, opiniões e sentimentos disponíveis
em qualquer momento da comunicação) em que os usuários elaboraram
seus textos.
O polo funcionalista caracteriza-se pela concepção de língua como
um instrumento de comunicação, que, como tal, não pode ser analisada
como um objeto autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a
pressões advindas do uso, das diferentes situações de comunicação, que
ajudam a determinar sua estrutura gramatical.
Outros pressupostos teóricos fundamentais no Funcionalismo são a
gramaticalização e a discursivização. Eles são dois importantes
processos que estão relacionados à variação, pois demonstram que a

56
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

língua não é estática, que está em constante mudança devido à incessante


criação de novas expressões e arranjos na ordenação vocabular.
O termo discurso refere-se às estratégias que o falante utiliza para
adequar seu texto a um ouvinte em determinada situação comunicativa.
Quando um fenômeno discursivo passa a ocorrer de forma previsível e
estável, sai do discurso para entrar na gramática. Da mesma maneira, se
um fenômeno gramatical passa a ter comportamentos não-previsíveis,
retorna ao discurso.
Assim, na trajetória dos processos de regularização do uso da
língua, tudo começa sem regularidade, exatamente por estar no seu
começo, mas se regulariza com o tempo, com o uso, com a repetição,
convertendo-se em norma, entrando na gramática (gramaticalização).
Costa (1995 apud FURTADO DA CUNHA; TAVARES, 2007)
acredita que a categoria sintática sujeito estaria retornando da gramática
ao discurso na forma de tópico. Essa hipótese baseia-se no pressuposto
de que a categoria sujeito emerge da categoria tópico. Para Givón, (apud
CUNHA; OLIVEIRA.; MARTELOTTA, 2003) a estrutura tópico-
comentário pode ser vista como resultado do enfraquecimento
progressivo das relações entre sujeito e verbo, em termos tanto
morfossintáticos quanto semânticos, o que faz com que o sujeito deixe de
ter uma função intra-oracional e se desloque para fora da oração,
passando a exercer o papel de tópico, como o exemplo abaixo nos
mostra:

“Esse acampamento todos os meus amigos foram (corpus D&G/Natal, p.303)


A casa de minha avó...ela é grande, sabe? (corpus D&G/Natal, p.347)”
(apud CUNHA; OLIVEIRA.; MARTELOTTA, 2003)

57
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

Para Costa (apud CUNHA; OLIVEIRA.; MARTELOTTA, 2003)


os SNs esse acampamento e a casa de minha avó são relativamente
independentes da oração comentário que os segue, sem desempenharem
nela qualquer função sintática. Antes, são tomados como pontos de
partida da do discurso que os seguirá. O informante os seleciona como
elementos centrais, e a partir deles a informação será transmitida. Trata-
se, portanto, de SNs marcadamente discursivos, que recebem o rótulo de
tópico.
As pesquisas sobre mudança linguística em funcionalismo estão
estreitamente associadas à teoria da gramaticalização. A partir dos
estudos desenvolvidos, passou-se a acreditar que o uso das línguas nas
situações reais de comunicação motiva as transformações que sofrem os
elementos linguísticos ao longo do tempo e que essas transformações
apresentam unidirecionalidade: caminham do discurso para a gramática.
Os elementos, com o processo de gramaticalização, perdem a liberdade
típica da criatividade contextualmente motivada do discurso e tornam-se
mais fixos e regulares. Assim, advérbios de lugar assumem a função de
conjunção, e não vice-versa; vocábulos transformam-se em afixos e não
vice-versa. A noção de unidirecionalidade, tal como proposta pela teoria
da gramaticalização, leva à hipótese de que existem fatores de ordem
cognitiva, sociocultural e comunicativa que norteiam a mudança.
O tempo no Funcionalismo não é primordial para a compreensão da
mudança linguística, a análise diacrônica é apenas uma das estratégias
possíveis para atestar as tendências de mudança. Assim, a mudança
linguística deve ser entendida como um processo tridimensional, sendo
reflexo de pelo menos três aspectos diferentes: tempo, cognição e uso.
Mas outros fenômenos, como os da camada e divergência também
são importantes para compreensão da mudança linguística. O princípio

58
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

de camadas ocorre quando mais de uma forma desempenha funções


linguísticas idênticas. A expressão da categoria do futuro em português
evidencia tal princípio, pois há duas formas, vou falar e falarei para
indicação deste tempo. O caso da concordância verbal também poderia
encaixar-se nesta definição, pois tanto a forma eles ama, como eles
amam expressam a mesma ideia. Já na divergência, formas de mesma
etimologia desempenham funções diferentes. Vale ressaltar que em
ambos os fenômenos, a forma nova não implica no desaparecimento da já
existente. O caso do futuro também pode ser considerado um fenômeno
de divergência se analisarmos a relação entre as formas existentes e as
construções que as originaram: o morfema de futuro provém de (falar +
hei), e a construção de vou falar, em que o verbo ir é empregado como
auxiliar indicando ideia de futuro.
Outro princípio do funcionalismo é que ele passa a compreender o
discurso individual como gerador do sistema linguístico, visto agora
como algo em constante transformação.
Para concluir, apresentamos a concepção de língua dada por Givón
(1979, p.78) que nos mostra claramente os princípios da visão
funcionalista. São eles:
- A linguagem é uma atividade sociocultural;
- A estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas;
- A estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica;
- Mudança e variação estão sempre presentes;
- O sentido é contextualmente dependente e não-atômico;
- As categorias não são discretas;
- A estrutura é maleável;
- As gramáticas são emergentes;
- As regras de gramática permitem algumas exceções.

59
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

Embora os americanos priorizassem a linguística formal, há


estudiosos de tradição etnolinguística, como Sapir e Whorf, por exemplo,
e outros que, apesar de sua formação gerativista, buscaram alternativas
no uso. Mas o funcionalismo ganhou força nos Estados Unidos a partir de
70 com os trabalhos de Sandra Thompson, Paul Hopper e Talmy Givón.
Para tais autores, a sintaxe é uma estrutura em constante mutação em
consequência do uso.
Na publicação de From discourse to syntax: grammar as a
processing strategy, Givon (1979) critica claramente a gramática gerativa
ao afirmar que a sintaxe existe para desempenhar certa função, e é esta
função que determina sua maneira de ser.

Atividade

Você concorda com a maneira como o funcionalismo enxerga a


língua, isto é, como um sistema dependente da função? Ou, por outro
lado, pensa que ela seja um sistema imune às modificações feitas pelos
falantes? Reflita!

Na próxima unidade
Na próxima unidade, veremos novos conceitos do funcionalismo. É
importante que vocês percebam que não há uma unidade mesmo dentro
de uma mesma corrente linguística. Muitas vezes, há questionamentos,
divergências entre autores que partilham da mesma teoria.

60
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

3.2 Referências

COSTA, M. A. Procedimentos de manifestação do sujeito. In:


FURTADO DA CUNHA, M. A. (Org.). Procedimentos discursivos na
fala de Natal: uma abordagem funcionalista. Natal: EDUFRN, 2000.

CUNHA, M. A. F; OLIVEIRA, M. R.; MARTELOTTA, M.E.


(Org). Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A,
2003.

Costa, S. B. B. A LINGUÍSTICA E OS ESTUDOS DE


LINGUAGEM RUMO AO SÉCULO XXI. Vitória da Conquista - UESB,
16.10.2003 disponível em: www.prohpor.ufba.br (acesso: 10 jan. 2010)

DIK, S. C. The theory of functional grammar: Part I: The structure


of the clause. Dordrecht-Holland/ Providence RI: USA: Foris
Publications, 1989.

______. The theory of functional grammar: Part II: Complex and


derived constructions. Berlin/New York, Mouton de Gruyter, 1997.

______Seventeen sentences: basic principles and application of


function grammar. In: MORAVCSIK, E. & WIRTH, J. R. (ed.). Syntax
and semantics. Londres: Academic Press, 1980, v.13.

FURTADO DA CUNHA, M.A.; TAVARES, M.A. Ensino de


gramática com base no texto: subsídios funcionalistas. Àrius: Revista de

61
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 3

Ciências Humanas e Artes. Natal. v.13, n.2, dez.2007, p.156-162.


Disponível em: www.ch.ufcg.edu.br. Acesso em: 10 jul. 08
GAMEIRO, M.B. A concordância verbal na língua falada da
região central do Estado de São Paulo. 198 f. Dissertação de Mestrado.
Universidade estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2005.

______. A variação da concordância verbal na terceira pessoa do


plural em redações escolares do ensino fundamental e médio: uma
avaliação de fatores linguísticos e sociais. 220 f. Tese de doutorado.
Universidade estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2005.

GIVÓN, T. Functionalism and grammar.


Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1995.

ILARI, R. Perspectiva funcional da frase portuguesa. 21.ed.


Campinas: Editora da Unicamp, 1992.

______Temas em funcionalismo: da organização temática ao


processamento cognitivo. Boletim ABRALIN, São Paulo, v.19, p. 39-49,
1996.

LYONS, J. Linguagem e linguística, uma introdução. Tradução de


Averburg, M. W. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

NEVES, M. H. M. A gramática funcional. São Paulo, Martins


Fontes, 2001.

______Uma visão geral da gramática funcional. Alfa


(ILCSE/UNESP), São Paulo, v. 38, p.109-127, 1994.

62
TEXTO DE APRESENTAÇÃO
DA UNIDADE:

Na unidade anterior, vimos o principal objetivo do


Funcionalismo, bem como alguns dos principais conceitos
teóricos desta teoria. A presente unidade traz a você mais
conceitos e discussões funcionalistas.

Objetivos
Aprender novos conceitos funcionalistas
Observar maneiras de análise desenvolvidas pela teria
Aprofundar o conhecimento sobre tal teoria
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas – Unidade 4

4.1 O Funcionalismo revisitado por Lyons:

Para Lyons,
Funcionalismo e
Os Países Baixos (em neerlandês: Nederland, "país
Estruturalismo são baixo") são um país da Europa Ocidental que constitui
a maior parte do Reino dos Países Baixos. É uma
termos monarquia constitucional democrática parlamentar. A
capital é Amsterdã e a sede do governo é Haia.
considerados Os Países Baixos são frequentemente chamados de
Holanda, o que é formalmente incorreto, já que as
opostos Holandas do Norte e do Sul são duas de suas doze
províncias (ver Holanda (topônimo)). O gentílico
geralmente na holandês é o normalmente utilizado para se referir ao
povo, à língua e a qualquer coisa que pertença aos
antropologia e na Países Baixos, embora mantenha a ambiguidade.
Neerlandês é o gentílico não-ambíguo, alternativo.
sociologia, pois na Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pa%C3%ADses_Baixos
Linguística, o (acesso: 12 fev. 2010)

primeiro é visto como


uma “subárea” ou “como um
movimento particular dentro do
estruturalismo” (LYONS, 1982, p.207).
Como já foi dito, o pressuposto básico do funcionalismo é
que a estrutura fonológica, gramatical e semântica das línguas é
determinada pelas funções que exercem.
Os representantes mais conhecidos do
Funcionalismo são os membros da Escola de
Praga, que se originou com o Círculo Linguístico de
Praga (1926). Lyons destaca que embora seus representantes tenham sido
reconhecidos como os membros da Escola de Praga, os estudiosos de
maior renome, como por exemplo, Roman Jakobson e Nikolaj
Trubetzkoy eram russos, e não tchecos. Depois do Primeiro Congresso

Função: papel representado por um termo (fonema, morfema, palavra,


sintagma, etc) na estrutura gramatical do enunciado. Funções de sujeito e
de predicado (...) Dubois (2006, 298)
64
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas – Unidade 4

Internacional de Linguística, realizado em 1928, em Haia, outros


estudiosos de diversos países também se
associaram ao movimento.
Fernandes, F. R, em “UMA BREVE
REFLEXÃO SOBRE O SISTEMA DE
TRAÇOS DISTINTIVOS”, define um
Embora reconhecesse conjunto de traços distintivos como um
conjunto específico de propriedades que
sua “dívida” em relação ao constituem os fonemas. Para exemplificar,
apresentamos abaixo uma regra
estruturalismo saussureano, a fonológica do PB, com base em termos de
traços:
Escola Linguística de Praga (1’) C → [+ vozeada] / V__ V-
son.+cont.+coronal -vozeada
não concordava com alguns Veja o texto na íntegra em:
http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publ
conceitos estruturalistas, como icacoes/textos/b00007.pdf (acesso: 12 fev.
2010).
por exemplo: a nítida distinção entre
sincronia e diacronia e a homogeneidade
do sistema linguístico.
Lyons (1982, p.208) afirma que a grande contribuição da Escola
de Praga foi na fonologia, com a noção de traços distintivos, de
Trubetzkoy.

Jakobson realizou modificações no conceito


de traços distintivos e, posteriormente, Halle também o fez, e com essas
alterações, tal noção foi incorporada à teoria gerativa de Chomsky (1982,
p.208).
A função demarcadora, exercida por traços supra-segmentais,
como o acento, tom, duração, relativos à prosódia, não distingue uma
forma de outra no sentido de contraste sausurreano, mas sim ajuda na
identificação das formas fonológicas como unidade, marcando a fronteira

Prosódia: estuda os traços fônicos que, nas diferentes línguas, afetam


as sequências cujos limites não correspondem ao desdobramento da
cadeia da fala em fonemas: acento de entonação e a duração.
65
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas – Unidade 4

de uma forma e outra na cadeia da fala. Lyons ressalta, porém, que não
são apenas os traços prosódicos que possuem a função demarcadora,
como muitos fonólogos deixaram de considerar.

Lyons cita ainda o exemplo do francês, em que o acento da


palavra não é distintivo e não possui papel demarcador, no entanto,
um traço fonológico pode expressar certa atitude do falante, como,
por exemplo, um tipo de pronúncia enfática do início de palavra
que tem função expressiva reconhecida. Desta forma, Lyons (1982,
p.209) afirma:

É provavelmente correto afirmar que cada língua coloca um


conjunto considerável de recursos fonológicos à disposição de seus
usuários para a expressão dos sentimentos. A não ser que a noção
de significado linguístico se restrinja àquilo que é relativamente
válido tratar a função expressiva da linguagem nos mesmos termos
que sua função descritiva.

Lyons (1982, p.209) afirma que os funcionalistas não contribuíram


apenas na fonologia, nas funções expressivas e
interpessoais da linguagem, mas também A noção básica de fonemas para
os membros da Escola de Praga,
demonstraram o funcionalismo em outras que desenvolveram uma versão
própria do estruturalismo
áreas. Desde o início, criticaram o saussureano, é a de que eles não
são elementos mínimos em si,
historicismo, o positivismo e também o como afirmavam os
estruturalistas, mas sim são feixes
intelectualismo da tradição filosófica (ou conjuntos) de traços
distintivos simultâneos.
ocidental que antecedeu o século XIX. A
tradição filosófica considerava a linguagem
como “a exteriorização ou expressão do
pensamento”, este considerado como uma proposição.

66
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas – Unidade 4

Lyons (1982, p.209) afirma que o intelectualismo é um dos


componentes do gerativismo: “movimento complexo e heterogêneo em
linguística moderna”. A respeito da oposição entre funcionalismo e
intelectualismo/gerativismo, Lyons diz que não há nenhuma contradição
lógica entre eles, pois um linguista gerativo pode adotar o princípio
supracitado da tradição filosófica, mas como um funcionalista, pode crer
que a estrutura dos sistemas linguísticos é determinada pela adaptação
teleológica desses sistemas à sua função, única ou principal, de expressar
o pensamento.

Lyons (1982) ressalta que não só os linguistas da Escola de Praga,


mas em outras vertentes do funcionalismo, havia a tendência a enfatizar a
multifuncionalidade da linguagem, e a importância das funções
expressiva, social e conotativa, em contraste com, ou além de, sua função
descritiva.
Outra área profícua da Linguística Funcional e de grande interesse
da Escola de Praga foi a estritura gramatical das línguas, denominada:
perspectiva funcional da sentença. Lyons (1982, p.209) cita como
exemplo as seguintes sentenças:

Hoje de manhã ele levantou tarde.


Ele levantou tarde hoje de manhã.

Lyons afirma que tais sentenças podem ser vistas tanto como
versões diferentes da mesma sentença, como sentenças diferentes, além
disso, são idênticas em relação ao valor de verdade (mesmo significado)
e são utilizadas em contextos diferentes.

Argumento Teleológico: argumento que se baseia em uma finalidade, uma


causa final, um fim. Analisa-se aqui se os objetivos estão sendo
cumpridos ou desviados. Disponível em: http://pt.wikipedia.org 67
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas – Unidade 4

O autor lembra-nos que a ordem das palavras refere-se à sintaxe e


que a estrutura sintática de algumas línguas é definida pelo contexto,
situação de comunicação em que é procunciada e pela informação
nova/dada. Lyons destaca ainda que mesmo havendo diferenças
terminológicas entre os funcionalistas, todos têm a convicção de que “a
estrutura dos enunciados é determinada pelo USO que lhes é dado e pelo
contexto comunicativo em que ocorrem.” (1982, p.210). Destaco a
palavra uso e contexto para ratificar que tanto o sentido da sentença,
como sua organização (sintaxe) deles dependem. Observemos abaixo
uma tirinha de Gonzales que pode demonstrar como uma mesma
estrutura adquire diferentes significados em contextos distintos:

DISPONÍVEL EM: HTTP://WWW .BARUTTI.COM.BR/HUMOR/TIRINHAS/NIQUEL_NAUSEA/NIQUEL_NAUSEA_10.ASP (ACESSO: 15 AGOS. 2009)

Lyons acredita que o funcionalismo tenha destacado o caráter


instrumental da linguagem, havendo, desta forma “uma afinidade entre o
ponto de vista funcionalista e o do sociolinguista ou dos filósofos da
linguagem que incluíram o comportamento linguístico na noção mais
ampla da interação social. O funcionalismo é, NESTE aspecto e em
outros, firmemente oposto ao gerativismo” (LYONS, 1982, p.210).

68
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas – Unidade 4

Atividade

A abordagem funcionalista da linguagem não corresponde a uma


teoria particular, mas a vários modelos teóricos que, embora diferentes
em certos aspectos, apresentam pontos essenciais em comum. Assim, há
a teoria funcional de Halliday, o modelo de Dik, o funcionalismo norte-
americano, dentre outros. Porém, de um modo geral, apresentam pontos
essenciais em comum. Discuta: qual o consenso entre as teorias
funcionalistas?

4.2 Reflexão

Um professor que interpreta um texto


BOX CONEXÃO:
com seus alunos sem considerar o Acesse o “Google books” e veja trechos de um
dos principais livros de Roman Jakobson:
contexto de produção, o local de Linguística e Comunicação, trata-se de uma
obra que contempla uma gama de assuntos
publicação, os dados do autor, o fundamentais à linguística. O autor demonstra
a contribuição da Linguística Estrutural não só
público alvo etc. apresenta uma para a gramática, tradução, Antropologia, mas
também à Literatura, conforme afirmam os
concepção formal ou funcional da editores logo no prefácio. Vale a pena
conhecer!
linguagem? Qual seria a maneira http://books.google.com.br/books?id=0VOzvhk-
7tYC&printsec=frontcover&dq=livros+de+roma
mais eficaz para o ensino de língua n+jakobson&source=gbs_book_other_versions
_r&cad=4#v=onepage&q=&f=false
materna?

69
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas – Unidade 4

4.3 Leitura recomendada

Erotilde Goreti Pezatti publicou no livro Introdução à linguística:


fundamentos epistemológicos, vol. III, um artigo excelente sobre o
funcionalismo, intitulado “O Funcionalismo em Linguística”. Além de
apresentar todo o aparato teórico desta corrente, a autora traz também
análises desenvolvidas nesta, vale a pena conferir!

MUSSALIN, F. e BENTES, A.C. Introdução à linguística,


fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2005.

4.4 Na próxima unidade

Na próxima unidade, você terá contato com a teoria gerativa,


também chamada gramática gerativa. É importante ressaltar que a
unidade apresentará as ideias centrais da teoria de Chomsky e não se
aterá aos detalhes e versões da gramática.

4.5 Referências

COSTA, M. A. Procedimentos de manifestação do sujeito. In:


FURTADO DA CUNHA, M. A. (Org.). Procedimentos discursivos na
fala de Natal: uma abordagem funcionalista. Natal: EDUFRN, 2000.

CUNHA, M. A. F; OLIVEIRA, M. R.; MARTELOTTA, M.E.


(Org). Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A,
2003.

70
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas – Unidade 4

Costa, S. B. B. A LINGUÍSTICA E OS ESTUDOS DE


LINGUAGEM RUMO AO SÉCULO XXI. Vitória da Conquista - UESB,
16.10.2003 disponível em: http://www.prohpor.ufba.br/alinguis.html
(acesso: 10 jan. 2010)

DIK, S. C. The theory of functional grammar: Part I: The structure


of the clause. Dordrecht-Holland/ Providence RI: USA: Foris
Publications, 1989.

______. The theory of functional grammar: Part II: Complex and


derived constructions. Berlin/New York, Mouton de Gruyter, 1997.

______Seventeen sentences: basic principles and application of


function grammar. In: MORAVCSIK, E. & WIRTH, J. R. (ed.). Syntax
and semantics. Londres: Academic Press, 1980, v.13.

FURTADO DA CUNHA, M.A.; TAVARES, M.A. Ensino de


gramática com base no texto: subsídios funcionalistas. Àrius: Revista de
Ciências Humanas e Artes. Natal. v.13, n.2, dez.2007, p.156-162.
Disponível em:
http://www.ch.ufcg.edu.br/arius/arius/revistas/v13n2/05_arius_13_2_ensi
no_de_gramatica_com_base_no_texto.pdf. Acesso em: 10 jul. 08
GAMEIRO, M.B. A concordância verbal na língua falada da
região central do Estado de São Paulo. 198 f. Dissertação de Mestrado.
Universidade estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2005.

71
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas – Unidade 4

______. A variação da concordância verbal na terceira pessoa do


plural em redações escolares do ensino fundamental e médio: uma
avaliação de fatores linguísticos e sociais. 220 f. Tese de doutorado.
Universidade estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2005.

GIVÓN, T. Functionalism and grammar.


Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1995.

ILARI, R. Perspectiva funcional da frase portuguesa. 21.ed.


Campinas: Editora da Unicamp, 1992.

______Temas em funcionalismo: da organização temática ao


processamento cognitivo. Boletim ABRALIN, São Paulo, v.19, p. 39-49,
1996.

LYONS, J. Linguagem e linguística, uma introdução. Tradução de


Averburg, M. W. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

NEVES, M. H. M. A gramática funcional. São Paulo, Martins


Fontes, 2001.

______Uma visão geral da gramática funcional. Alfa


(ILCSE/UNESP), São Paulo, v. 38, p.109-127, 1994.

72
TEXTO DE
APRESENTAÇÃO DA
UNIDADE
Esta unidade transporta você, caro
estudante, ao universo da Gramática Gerativa,
proposta por Noam Chomsky, um linguista muito
famoso também por suas ideias políticas. Nesta unidade
você saberá por que sua teoria foi considerada tão
revolucionária e por que recebeu tantas críticas.

Objetivos de sua aprendizagem

Entender como os gerativistas consideravam a língua e como


desenvolveram a metodologia desta teoria. Dominar os principais
conceitos desta área a fim de ter uma visão geral sobre ela.

Você já refletiu?

Que a teoria da linguagem denominada gerativismo e propagada


por Chomsky não influenciou apenas a linguística, mas também
outras áreas que se preocupam com a linguagem, dentre as quais,
destacamos: a filosofia e a psicologia, por exemplo? Vamos ver
mais sobre uma das mais famosas teorias linguísticas.
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

5.1 A gramática gerativa revisitada por Lyons.

Orlandi (1990, p.33) afirma que o Estruturalismo predominou na


Linguística até meados de 50, época em que Noam Chomsky, iniciou a
propagação da teoria Gerativista com a publicação do Syntactic
Structures (Chomsky, 1957). Chomsky propôs uma linguística mais
teórica em oposição à análise centrada nos dados, como o
distribucionalismo fazia. Sua teoria era baseada no racionalismo e na
tradição lógica dos estudos da linguagem, sendo voltada para a sintaxe.
Lyons (1982, p.122) afirma que o gerativismo:

Carrega em si um compromisso com a utilidade e a viabilidade de


descrever as línguas humanas por meio de gramáticas gerativas de um tipo ou
de outro. Mas o gerativismo contém muito mais que isto. Como já foi
mencionado, embora um compromisso com os princípios do gerativismo
implique um interesse na gramática gerativa, o contrário não é verdade.
O conceito de “gramática gerativa” foi introduzido por Chomsky
na década de 50. Veja abaixo uma foto do ícone do Gerativismo:
Conforme Lyons (1982, p.124), o
termo Gerativismo possuía duas acepções,
um sentido restrito e outro mais amplo:

Em seu sentido original, mais restrito e


técnico, refere-se a um conjunto de regras que
definem diversos tipos de sistemas linguísticos.
NOAM CHOMSKY: 07/12/1928 PHILADELPHIA, PENNSYLVANIA.
PHD IN LINGUISTICS IN 1955. DISPONÍVEL EM: (...) O segundo sentido do termo, já mais
HTTP://API.NING.COM

amplo- para o qual usaremos o termo

Este livro é constituído de uma série de notas de um curso que Chomsky


ministrava no MIT., fato que leva o autor a afirmar: “Syntactic
Structures é um livro muitoo enganador” (CHOMSKY, 1982, apud
NETO, 2005, p.99). 74
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

‘gerativismo’- refere-se a um corpo teórico e a premissas metodológicas acerca


da estrutura da língua(gem).

Lyons ressalta, desta maneira, que um linguista pode interessar-se


pela gramática gerativa, sem, contudo, aceitar os pressupostos teórico-
metodológicos do gerativismo.
Assim define Lyons (1982) a gramática gerativa:

Uma gramática gerativa analisa um vocabulário finito, gera um


conjunto (finito ou infinito) de sintagmas (cada um composto de um número
finito de unidades), definindo assim um sintagma bem formado como aquele
que é caracterizado pela gramática. As gramáticas gerativas pelas quais os
linguistas se interessam atribuirão também a cada sintagma bem formado (e
mais especialmente a cada sentença) que gera uma descrição estrutural
apropriada.
Em sua definição, Lyons (1982), Lyons cita o conceito
estruturalista de sintagma, definido de forma breve no glossário. No
entanto, Dubois (2006) lembra-nos ainda que não se pode definir
sintagma sem falar de paradigma. “A relação paradigmática é a que
associa uma unidade da língua realizada num enunciado às outras (não-
presentes no enunciado considerado). Quanto à relação sintagmática, esta
é realizada com certas unidades presentes no enunciado”. Para
exemplificar, o autor exemplifica que em cada parte do enunciado, é
possível fazer substituições no paradigma:

Sintagma: Saussure denomina sintagma toda combinação na cadeia da


fala: re-ler; contra todos; a vida humana; Deus é bom. Dubois (2006)
ressalta que os exemplos dados “vão desde um plano infralexical até o
75
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

O pobre
Este gordo
Meu pobre gato está morto o malvado
Um indefeso
etc etc

O segundo sentido de sintagma presente no dicionário de Dubois


(2006, p.558) é o utilizado na linguística estrutural em que se chama
sintagma um grupo de elementos linguísticos que formam uma unidade
numa organização hierarquizada. O termo sintagma é seguido de um
qualificativo que define sua categoria gramatical (sintagma nominal,
sintagma verbal, sintagma adjetiva, etc. [abreviaturas: SN, SV, AS]). O
sintagma é sempre constituído de uma cadeia de elementos e ele próprio
é um constituinte de uma unidade de nível superior; é uma unidade
linguística de nível intermediário. Assim, o sintagma nominal é o
constituinte do nódulo da frase na gramática gerativa, sendo este nódulo
formado pela cadeia: sintagma nominal (SN) + sintagma verbal (SV)
(Pedro + chegou em casa); é o constituinte do sintagma verbal na regra
SV—V+SN (lança [verbo] + a bola [SN]); é constituído pelos elementos
determinante (D) seguido de substantivo (S), na regra SN—D+N.
Ainda em relação à definição dada por Lyons sobre gramática
gerativa, podemos afirmar que ela não é tão restrita como a que Chomsky
utilizou, enquanto este usou, por exemplo, ‘string’ [cadeia] ou
‘sequence’, Lyons (1982, p.124) usou: ‘syntagm’ [sintagma]. Para Lyons,
embora Chomsky definisse sentenças e sintagmas como cadeias
estruturadas, seria possível pensar que são sintagmas no sentido de
conjunto de unidades reunidas em uma determinada construção.

76
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

“Gerar” tem, na Gerativa, o mesmo sentido que possui em


matemática, tanto que para ilustrar tal conceito, Lyons (1982, p.124), dá
o seguinte exemplo:

(...)dado que χ pode assumir o valor de qualquer número natural


(1,2,3...), a função χ2 + χ + 1 (a qual podemos considerar como um
conjunto de regras ou operações) gera o conjunto {3,7,13...}. É
neste sentido abstrato, ou estático, que se diz que as regras da
gramática gerativa geram as sentenças da língua.

O autor brinca que não é necessário aprofundar em matemática,


resta-nos saber que ‘gerar’ não significa a produção de sentenças em
tempo real por parte dos falantes (ou das máquinas), a gramática gerativa
é apenas uma especificação matemática precisa da estrutura gramatical
das sentenças que gera.
Lyons (1982, p.125) afirma que os lógicos denominam
linguagens formais os conjuntos de sintagmas caracterizados como
línguas pelas gramáticas gerativas, sendo que todo sintagma será bem ou
malformado, não havendo a possibilidade de um status indeterminado.
Ressalta ainda que todo o sintagma bem formado dispõe de uma estrutura
totalmente determinada, conforme a descrição estrutural atribuída a ele
pela gramática. A linguagem formal poderá servir de modelo às línguas
naturais quando atender ao princípio da gramaticalidade e quando as
propriedades estruturais como as que aparecem no modelo, sejam
identificáveis em qualquer língua natural. Como a noção de modelo
envolve abstração e idealização, a linguística não necessariamente
precisa se ater aos detalhes e minúcias e desta forma, o fato de as línguas
naturais poderem não ser consideradas formais não anula a gramática
gerativa.

77
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

A definição de gramática gerativa apresentada por Lyons inclui


muitas gramáticas gerativas, então, uma das grandes questões dos
linguistas é: qual é a melhor gramática gerativa que servirá de modelo, se
é que há, para lidar com a estrutura gramatical das línguas naturais? Esta
pergunta permite afirmar que as línguas naturais podem ser modeladas
por gramáticas de um mesmo tipo. (LYONS, 1982, p.125).
Os primeiros trabalhos de Chomsky demonstraram a existência de
gramáticas gerativas fortes, que podem gerar todas as linguagens formais
que geram as gramáticas mais fracas, e além delas, outras linguagens
formais que tais gramáticas não conseguem gerar. As fortes seriam as
gramáticas transformacionais, em seguida, as de estrutura sintagmática
(menos fortes que as primeiras), e por fim, as mais fracas seriam as
gramáticas de estado finito. As gramáticas de estado finito são fracas
porque as linguagens formais por ela geradas provaram ser inadequadas
como modelos de certas línguas naturais. Por outro lado, as gramáticas
transformacionais são fortes o bastante para servirem de modelo à
descrição gramatical dos sistemas linguísticos naturais, tão fortes que
descrevem regras desnecessárias, que jamais serão usadas na descrição
das línguas naturais.
Lyons conclui o capítulo de seu livro afirmando que há várias
teorias gerativas, mas ainda não se sabe qual o modelo mais adequado de
descrição gramatical das línguas naturais, mas como se trata se um livro
elementar, não irá descrever cada um dos modelos.
Mas antes de finalizarmos esta seção da unidade, acreditamos
importante traçar um paralelo entre o gerativismo e o estruturalismo
assim como fez Lyons (1982, p.211-217). Tradicionalmente, o
gerativismo é visto como uma contraposição ao descritivismo americano
pós-blomfieldiano, no entanto, Lyons (1982, p.211) ressalta que existem

78
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

alguns aspectos em que o gerativismo retoma perspectivas mais


tradicionais. Feitas estas observações, criamos um quadro comparativo
entre o gerativismo e a concepção das demais correntes teóricas a que se
opôs, aqui representadas pelo título de “Estruturalismo
blomfieldiano/teorias tradicionais”. Elaboramos tal quadro com base no
capítulo em que Lyons (1982, p.212) trata do gerativismo, sem deixar de
frisar que: “existe muito menos diferença entre as opiniões de Bloomfield
e de Chomsky quanto à natureza e escopo da Linguística do que se
poderia escapar” (LYONS, 1982, p. 213). Com base em tal afirmação,
parece incoerente apresentar um quadro contrastivo, no entanto, ele não
tem o objetivo de apresentar os autores como “inimigos” e “opostos”
quanto à filosofia da linguagem, mas sim, suas divergências, comuns em
todas as áreas do conhecimento.

Gerativismo Estruturalismo blomfieldiano/teorias


tradicionais
Universais linguísticos (Propriedades Diversidade estrutural das línguas
universais: arbitrárias)
Prioriza: propriedades formais da Preocupação com as relações entre
língua e a natureza das regras exigidas linguagem e o mundo.
para a descrição das línguas.
Conjunto de enunciados potenciais é As crianças aprendem a língua
infinito. “A linguagem independe do reproduzindo (decorando) os enunciados
estímulo”. Posição contrária à dos adultos. (Princípio behaviorista de
behaviorista. estímulo-resposta)
Criatividade*: enunciado dada Enunciado: resposta a algum estímulo
ocasião: não predizível. * linguístico ou não.
característica que distingue o homem

79
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

dos animais.
Criatividade manifesta-se dentro dos -
limites da produtividade (regras de boa
formação determinam a produtividade)
Mentalismo: distinção entre corpo e Rejeitavam a distinção entre corpo e
mente mente
A faculdade da linguagem é inata,
específica da espécie, transmitida
geneticamente; inatismo.
Competência: conhecimento do
sistema linguístico como tal (conjunto
de regras em sua mente)
Desempenho: comportamento
linguístico
Gramática: modelo da competência do
falante nativo

Para frisar como a Gerativa considera a língua, apresentamos


a seguinte imagem:

Box conexão:
A concepção de língua da teoria
gerativa implica diferentes
abordagens na análise linguística,
por exemplo, se a língua é definida
como uma estrutura inata, presente
na mente de todos os falantes, ele
não precisa tanto do ambiente para
aprendê-la, pois já possui a
estrutura em sua mente.
IMAGEM ILUSTRATIVA DA CONCEPÇÃO DE LÍNGUA
DA GG: DISPOSITIVO INATO. A MENTE É

RESPONSÁVEL

PELA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA. DISPONÍVELEM:

HTTP://2.BP.BLOGSPOT.COM

80
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

5.2 Alguns conceitos gramaticais relevantes à teoria Gerativa

Lyons (1982, p.113) inicia esta seção do capítulo afirmando que a


função das regras gramaticais de uma língua é especificar os
determinantes da gramaticalidade desta língua. Lyons afirma que para os
propósitos de qualquer linguista sendo que a maioria atualmente
preocupa-se em responder à pergunta: “O que é a lingua(gem)?” e
consequentemente em analisar a capacidade do falante de produzir e
compreender um número de enunciados indefinidamente grande e
possivelmente infinito, diferentes uns dos outros em forma e significado.
– é fundamental a discussão do conceito de gramaticalidade.

Você sabia que cada falante possui, em tese, a


Para conseguir gramática de sua língua e, portanto, pode fazer
julgamentos sobre sua gramaticalidade, isto é,
especificar os pode dizer se uma frase está bem formada com
relação às regras da gramática que ele tem em
determinantes da comum com os outros indivíduos que falam essa
língua. A gramaticalidade não inclui apenas a
gramaticalidade das aceitação/ não aceitação, como respectivamente,
em: O menino gosta de chocolate/*Gostar
línguas, a gramática chocolate menino de o. Há também, níveis de
aceitabilidade, como a frase ?A criança não deveu
gerativa “gera” todas ter tido chocolate, marcada com o ponto de
interrogação, pois sua estrutura não obedece
as sentenças de uma inteiramente às regras da gramática. Agora
pense: “As crianças gosta de chocolate” pode ser
língua, indicando a cada considerada uma frase agramatical?

uma, no processo de
geração, uma descrição estrutural.
Para Lyons, (1982, p.114), qualquer pessoa que queira se dedicar
ao estudo da linguística necessita não apenas compreender muitas das
noções gramaticais, mas também saber exemplificá-las, por isto,
nesta seção, apresenta alguns dos principais conceitos
gramaticais, tais como, sujeito, objeto, transitividade

81
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

verbal, dentre outros, os quais não discutimos neste momento por


considerarmos desnecessário ao propósito do curso, pois acreditamos que
os acadêmicos já tenham domínio de tais conceitos. Assim, passemos à
explanação apenas de certas definições que são importantes para uma
melhor compreensão da teoria gerativa.
Já é sabido de todos que na linguística pós-bloomfieldiana, a
gramática subdividia-se em morfologia e sintaxe, sendo que a primeira
analisava a estrutura interna das palavras e a sintaxe, que trata da
distribuição das formas vocabulares nas sentenças. No entanto, tal
distinção não foi levada a cabo pelos linguistas, o que Bloomfield fazia
segundo Lyons (1982, p.117), era uma morfologia sintática, em que
aplicava à análise gramatical das palavras os mesmos princípios que à
análise sintática de unidades maiores como sintagmas e sentenças.
Assim, ampliou-se a definição de sintaxe, que passou a estudar a
distribuição dos morfemas, e não mais das palavras, e as formas
vocabulares passaram a ser não mais simplesmente unidades puramente
sintáticas, mas unidades que poderiam servir de enunciados mínimos. Foi
justamente esta perspectiva que a gramática gerativa de Chomsky adotou.
A partir desta informação sobre a nova maneira de análise da
sintaxe, Lyons apresenta a estrutura constituinte de palavras,
representada por colchetes e pelo esquema de árvores, seguem seus
exemplos:
1) unfriendliness:

[ [un] [friend-ly] ]-ness] (LYONS, 1982, p.118)

82
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

2)

un friend ly ness (LYONS, 1982, p.119)

Lyons destaca que os exemplos (1) e (2) são formalmente


equivalentes, o que muda é apenas a maneira de representação, mas
ambas indicam os constituintes imediatos (CIs) de unfriendliness, que
são: unfriendly e ness; já os CIs de unfriendly são un e friendly; os CIs de
friendly são friend e ly; e, por não ser possível analisar-se ainda mais a
palavra ao nível gramatical de descrição, os constituintes finais de todo
o sintagma são um, friend, ly, ness. Os exemplos dados por Lyons
demonstram como funciona a estrutura dos constituintes. Além destes, o
autor ilustra com mais modelos como funciona o distribucionalismo pós-
bloomfieldiano, que embora tenha recebido críticas, continua importante
para a formalização da gramática.

5.3 O empreendimento gerativo

The generative enterprise (1982 apud NETO, J.B, 2005, p.93) é o


livro baseado na entrevista que Noam Chomsky concedeu a Riny
Huybregts e Henk van Riemsdijk e na qual discutiu sobre diversos
aspectos da história e da estrutura linguística. Para os entrevistadores,
bem como para Neto (MUSSALIN e BENTES, 2005) o gerativismo pode

83
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

ser visto como uma teoria de iniciativa coletiva cujo líder incontestável é
Chomsky. Neto (2005) afirma que os 50 anos de Gramática Gerativa
(doravante GG) foram destinados à construção de um programa de
investigação científica que como qualquer teoria científica, pode ser
questionada, mas não ignorada. O autor defende que a GG é um PIC:
Programa de investigação científica.
O autor apresenta duas afirmações que para ele sintetizam a
concepção de linguagem humana chomskyana, isto, são o núcleo da GG,
a saber:
1- os comportamentos linguísticos efetivos (enunciados) são, ao
menos parcialmente, determinados por estados da mente/cérebro.
2- a natureza dos estados da mente/cérebro, parcialmente responsáveis
pelo comportamento linguístico, pode ser captada por sistemas
computacionais que formam e modificam representações.
(NETO, 2005, p.97)

Conforme a heurística - regras metodológicas da GG - seu objetivo


é elaborar sistemas computacionais que sirvam de modelo para o
conhecimento linguístico dos falantes/ouvintes de uma língua. O autor
afirma que Chomsky reformulou seus mecanismos teóricos ao longo dos
50 anos de GG, mas sempre visando ao mesmo objetivo: “criar um
mecanismo computacional capaz de formar e transformar representações,
que ‘simule’ o conhecimento linguístico de um falante de uma língua
natural, ‘registrado’ em sua mente/cérebro” (NETO, 2005, p. 97).

Neto relata que as ideias chomskyanas só foram aceitas e


divulgadas no meio linguístico após a publicação do Syntactic Structure,

PIC: consiste, basicamente, num núcleo e numa heurística. O núcleo


seria as proposições que orientam a abordagem do objeto e a heurística
seria o conjunto de regras metodológicas.
84
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

pois antes dele, o autor já havia publicado sua tese e outros artigos que
tiveram divulgação restrita.

Neto (2005, p.99) afirma que as propostas do referido livro


divergiam do estruturalismo em alguns pontos importantes, tais como, a
concepção de língua como “a totalidade dos enunciados que podem ser
feitos numa comunidade linguística”; a coleta de um corpus
representativo e a capacidade que os falantes têm de produzir exatamente
os enunciados que podem ser feitos. Neto resume a diferença crucial
entre estruturalismo e gerativismo nos seguintes termos: “Chomsky
desloca a questão fundamental da teoria linguística para a determinação
das regras que regem os ‘corpora representativos’, que deixam assim de
ser o ponto de partida da teoria linguística e passam a ser o seu ponto de
chegada” (NETO, 2005. p.99). O que precisa ser descrito e analisado,
segundo Chomsky, seria o conhecimento compartilhado sobre os
enunciados que podem e os que não podem ser produzidos.
Outra diferença apontada por Neto é em relação ao objeto das
teorias, segundo ele, o Estruturalismo é essencialmente descritivo, e a
GG, explicativa. A GG não descreve os dados, mas procura estabelecer
os princípios gerais, assim, prioriza o teórico em detrimento do empírico.
O primeiro modelo de análise proposto por Chomsky apresenta
dois componentes essenciais: um que forma expressões, uma versão
gerativa da gramática de constituintes imediatos, e outro que transforma
expressões. Um nível linguístico é um sistema L no qual se constroem
representações unidimensionais dos enunciados. Cada nível apresenta um
“alfabeto”, fixo e finito, de elementos primitivos. Por meio da
concatenação, obtêm-se as sequências de elementos que serão chamados
cadeia em L. No processo de análise linguística, em cada nível L,

85
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

constrói-se um conjunto de cadeias, os chamados marcadores –L (L-


markers).
De acordo com Neto (2005, p.102), uma gramática deve seguir
alguns passos para atingir os objetivos da GG, sendo o primeiro deles,
estabelecer para cada sentença token uma sequência de representações
<R1, ..., Rⁿ>, onde R 1 é a representação Sentença Rⁿ é uma representação
fonética e R2, ..., Rⁿ-1 são as representações intermediárias.
Essas sequências de representação podem ser geradas pelas
seguintes regras da forma: 1.X Y. essa regra, chamada concversão,
deve ser interpretada como “reescreva X como Y”. Já a sequência <R1,
..., Rⁿ> é uma derivação de R, gerada por um conjunto de conversões.
O autor dá como exemplo a seguinte sentença: “Pedro viu Maria”;
a partir dela, o sistema precisa especificar sua estrutura, como é
constituída por categorias sintáticas, no caso, um sintagma nominal (SN)
e um sintagma verbal (SV), que por sua vez, é constituído por um verbo
(V) seguido de novo SN. Os SNs são constituídos por nomes próprios
(N). Abaixo, reproduzimos as duas maneiras, que são idênticas, pelas
quais a sentença Pedro viu Maria pode ser representada:

(1a) (((Pedro)n)Sn ((viu)v ((Maria)n)Sn)sv)s

Cada uma das palavras, Pedro, viu e Maria tem uma


representação morfológica e fonológica para a sentença. Cada conversão
deve ser marcada para revelar a que nível pertence.
Com este esquema, finalizamos a unidade que trata brevemente
da GG.

86
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

V
S
N N

P v Mari
edro iu

Atividade

Por que a afirmação do linguista Steven Pinker em O instinto da


linguagem segundo a qual:

“a linguagem natural é um instinto da espécie humana, uma


capacidade que herdamos da natureza. (...) assim como as aranhas são
naturalmente programadas para tecer teias, os humanos são programados
para falar (pelo menos) uma língua.”

Pode ser considerada condizente com a teoria gerativa


chomskyana?

87
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

5.4 Reflexão

Se todos os seres humanos são dotados desta capacidade


linguística, conforme afirmam os gerativistas, por que algumas pessoas
sentem mais dificuldade do que outras em relação à comunicação e
expressão?

5.5 Leitura recomendada

Leia o capítulo do Manual de linguística intitulado “Gerativismo”,


escrito por Eduardo Kenedy, nele, o autor expõe em linhas gerais os
principais aspectos que caracterizam a corrente de estudos linguísticos
conhecida como gerativismo e analisa sua concepção de linguagem, à
semelhança do que fizemos nesta unidade.

KENEDY, E. “Gerativismo”. In: MARTELOTTA, M. E. (org)


Manual de linguística. São Paulo, Contexto: 2008

5.6 Referência

LYONS, J. Linguagem e linguística, uma introdução. Tradução de


Averburg, M. W. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

NETO, J. B. O empreendimento gerativo. In: MUSSALIN, F. e


BENTES, A.C. Introdução à linguística, fundamentos epistemológicos.
São Paulo: Cortez, 2005.

ORLANDI, E. P. O que é linguística. São Paulo: Brasiliense, 1990.

88
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 5

5.7 Na próxima unidade

A próxima unidade traz um assunto de ampla divulgação na


comunidade linguística, que mesmo não tendo o formalismo e rigor da
Gramática Gerativa, também não deixou de gerar controvérsias. Nós
veremos a Sociolinguística, teoria que consagrou o método de análise dos
fenômenos em variação na língua.

89
TEXTO DE
APRESENTAÇÃO DA
UNIDADE

Esta unidade expõe uma das áreas da


linguística que tem maior proficuidade no campo de
análise atualmente: a Sociolinguística, área de estudo
divulgada por William Labov. Vocês verão que a concepção
de língua desta teoria difere muito das abordagens formalistas,
como o gerativismo. Mesmo com toda a repercussão positiva da
Sociolinguística, há quem a critique por considerá-la mais uma
metodologia do que uma teoria.

Objetivos de sua aprendizagem

Apreender a fundamentação teórica da sociolinguística e


compreender como as pesquisas são desenvolvidas nesta área. Refletir
sobre as diversas concepções de linguagem que existem, bem como
sobre a diversidade linguística, comum a todas as línguas.

Você se lembra?
Você se lembra das aulas de língua portuguesa em que a
professora afirmava veementemente: “É proibido falar X”,
“Isto é um erro absurdo!”, ou ainda: “Jamais diga...”, pois é,
esqueça estas proibições e coerções, a Sociolinguística
aboliu a noção de erro e propôs os termos
adequado/inadequado, pois analisa a língua em seu
contexto real de uso!
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

6.1 A teoria da variação linguística.

A Sociolinguística, perspectiva teórica também denominada “teoria


da Variação Linguística Laboviana ou Sociolinguística Quantitativa” é
uma das subáreas da Linguística que estuda a língua em uso no seio das
comunidades de fala correlacionando aspectos dos sistemas linguísticos e
aspectos dos sistemas sociais. Como considera a língua como uma
instituição SOCIAL, não pode ser estudada independentemente do
contexto situacional. (GAMEIRO, 2005).

BOX CONEXÃO:
William Labov é considerado
o pai da Sociolinguística e
suas obras, verdadeiras
bíblias desta teoria
linguística. Para quem quer
se aventurar pelas análises
sociolinguísticas, a leitura de
Labov é essencial.

DISPONÍVEL EM: HTTP://IMAGES.AMERICANAS.COM.BR/PRODUTOS/ITEM/2660/3/2660346G.GIF

Livro que traz os principais conceitos de Labov decorrentes dos


estudos realizados pelo autor.

91
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

Para a Sociolinguística, toda


HETEROGENEIDADE LINGUÍSTICA J. Authier (1987) estabelece
língua natural apresenta um o conceito de heterogeneidade enunciativa para descrever o fato
de linguagem que consiste em que todo dizer tem
dinamismo inerente necessariamente em si a presença do outro. Aproveito o
impulso desse conceito, embora ele ganhe em nosso uso outras
quando se expressa na determinações, para falar em heterogeneidade linguística toda
vez que, no campo dos países colonizados, temos línguas como
fala, ou seja, a língua é o português, ou o espanhol, na América Latina, que funcionam
em uma identidade que chamaria dupla. Estamos diante de
heterogênea por línguas que são consideradas as mesmas – as que se falam na
América Latina e na Europa – porém, que se marcam por se
natureza. historicizarem de maneiras totalmente distintas em suas
relações com a história de formação dos países. É o caso do
O pressuposto português do Brasil e o de Portugal. Falamos a "mesma" língua,
mas falamos diferente. O português brasileiro e o português
básico do estudo da europeu, por exemplo, se recobrem como se fossem a mesma
língua, mas não são. Produzem discursos distintos, significam
variação no uso da diferentemente.
Disponível em:
língua é o de que a http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-
67252005000200016&script=sci_arttext (acesso: 20 jan. 2010)
heterogeneidade linguística,
tal como a homogeneidade, não é
aleatória, mas regulada, governada por
um conjunto de regras (Naro, 2003, p.15). Há, portanto, fatores que
funcionam para favorecer ou desfavorecer, variavelmente e com pesos
específicos, o uso de uma ou outra das formas em cada contexto.
Daí decorre que temos, na língua, variantes em competição no
sentido de que ora ocorre uma, ora outra. Tarallo (1997, p.5) nos fala que
“a língua se configura como um campo de batalha em que as variantes
se enfrentam como num combate mortal”. As variantes
linguísticas são duas formas diferentes de dizer
a mesma coisa, isto é, idênticas quanto ao valor de
verdade, porém, opostas em sua significação social e estilística. A
concordância verbal no português é um exemplo típico de regra variável:
“as meninas comem” e “as meninas come”, de um modo geral, têm o

92
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

mesmo valor semântico, porém, a primeira é valorizada socialmente, já a


segunda, estigmatizada.
A princípio, toda variação e possível mudança – já que toda
mudança provém de uma variação, mas nem toda variação acarreta uma
mudança- ocorre primeiramente na fala, visto que a escrita é uma
modalidade mais conservadora da língua.
Segundo Faraco (1991), geralmente as mudanças ocorrem na fala
informal de grupos intermediários, ganham aceitação na fala informal
dos grupos mais altos e chegam a situações formais de fala e só assim
conseguem ser aceitas pela escrita.
No âmbito dessa abordagem, que visa estudar a língua tal como
um conjunto de variedades e, portanto, considerando toda
heterogeneidade que está vinculada a ela, destaca-se o nome de William
Labov.
Próximo à década de 60, com o crescimento de trabalhos
baseados na Sociolinguística, surgiu um grande interesse pelo estudo das
relações entre língua, sociedade e cultura devido à preocupação com as
minorias étnicas e à possibilidade de encontrar bases empíricas para a
teoria linguística. Os principais pressupostos de tal teoria podem ser
resumidos da seguinte maneira:

a heterogeneidade da língua em situações reais de uso é


estruturada;
a linguagem, tal como se apresenta em situações reais de uso, pode
ser objeto de investigação;

O trabalho clássico desenvolvido por Weinrich, Labov e Herzog,


“Fundamentos empíricos para uma teoria de mudança lingüística”

93
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

(1968), é considerado um marco para a Sociolinguística, pois, como o


próprio título esclarece, aponta os princípios da Sociolinguística.
Observemos uma foto de Labov:
William Labov- Professor, Departments of
Linguistics, University of Pennsylvania
Dec 4, 1927, Rutherford, NJ

Devemos destacar sete pressupostos


referentes às bases empíricas para a teoria da
DISPONÍVEL EM: WWW .PHF.UPENN.EDU mudança linguística (1969, p.187, 188):
1ª- Mudança linguística não deve ser identificada como
força aleatória procedente da variação inerente à fala. Ela tem
início com a generalização de uma alternância particular em um
dado subgrupo de uma comunidade de fala, assume a direção e
toma um caráter de diferenciação regular;
2ª- A associação entre estrutura e homogeneidade é uma
ilusão. Estrutura inclui a diferenciação ordinária de falantes e
estilos por meio de regras que regem a variação na comunidade de
fala, a ordem natural da língua inclui o controle de tais estruturas
heterogêneas.
3ª- Nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura
da língua envolve mudança, mas toda mudança envolve
variabilidade e heterogeneidade.
4ª- A generalização da mudança linguística por toda a
estrutura linguística não é nem uniforme, nem instantânea;
5ª- As gramáticas em que a mudança linguística ocorre são
as gramáticas da comunidade de fala. Visto que as estruturas
variáveis contidas na língua são determinadas pelas funções

94
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

sociais, idioletos não fornecem a base para gramáticas completas


ou internamente consistentes;
6ª- A mudança linguística é transmitida dentro da
comunidade como um todo;
7ª- Fatores sociais e linguísticos estão intimamente
relacionados no desenvolvimento da mudança linguística.
Explicações que fiquem restritas a um ou a outro aspecto, mesmo
que sejam bem construídas, fracassarão para explicar uma riqueza
de regularidades que podem ser observadas em estudos empíricos
de comportamento linguístico.
Neste trabalho, os autores afirmam que para que a língua possa
desempenhar todas as suas funções dentro da estrutura complexa e
heterogênea da comunidade que a utiliza, ela deve ser concebida como
sistema heterogêneo e variável. Esta conceituação de língua como
sistema intrinsecamente heterogêneo constituiu um dos avanços da
Sociolinguística.
A variação contínua existe dentro de cada dialeto como um
elemento estrutural, correlacionado com algum fator linguístico ou não-
linguístico. Variações sociais e geográficas são elementos intrínsecos da
estrutura da mudança linguística. O caráter heterogêneo do sistema
linguístico é produto de combinações, alternâncias e de subsistemas
disponíveis em conjunto. Cada um desses subsistemas é concebido como
um corpo de regras de categoria coerente e integral.
Na Sociolinguística, a variação interna ao sistema linguístico
heterogêneo pode ser explicada através da variável linguística, que é um
elemento variável no interior do sistema controlado por uma única regra.
Os sociolinguistas entendem que a variação linguística seja parte
integrante do funcionamento do sistema linguístico e não algo que se

95
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

oponha ou prejudique esse funcionamento, como a visão estruturalista


havia proposto inicialmente.
Em uma análise formal, a variação ou é atribuída a um sistema
diferente, considerando a alternância como exemplo de mistura dialetal
ou mudança de código, ou é considerada livre. Desta forma, a análise
formal exclui a variação do sistema linguístico abordado.
Para Ditmar (1976, p.14), a Sociolinguística dá conta do problema
da variação livre no Estruturalismo: “ with their new technique of
correlating linguistic and social parameters these works have, on the
other hand, been able to achieve a much greater precision of the
insufficiently-defined structuralism notion, free variation”.
No início da instituição da Sociolinguística, seus fundadores
criticaram uma posição formal em relação à língua como a do
Estruturalismo e a do Gerativismo, priorizando uma análise do aspecto
social. Contudo, atualmente, muitos trabalhos apresentam a teoria formal
como sendo complementar à Sociolinguística.
Outro importante fator a ser destacado é que a Sociolinguística
baseou-se em alguns aspectos da metodologia do Estruturalismo para
desenvolver seu próprio método, conforme esclarece Ditmar: “More
recents concepts relating to the study of language in its social context have
their methodological and historical roots in structuralism, in the tradition of
dialectology, and in the study of language in contact” (1976, p.111).
Em um Grupo de Trabalho do XXXII Gel realizado na
UNICAMP, Bentivoglio apresentou uma discussão sobre a variação nos
estudos sintáticos, no qual apresentou uma citação que acreditamos poder
sintetizar os propósitos da sociolinguística e que também pode evidenciar
certa aproximação com os estudos da teoria abstrata:

96
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

A variação em todo nível da organização do sistema linguístico


constitui o campo predileto da pesquisa sociolinguística. É
essencialmente por meio da variação que se manifestam os
parâmetros de diferenciação social, os processos dinâmicos de
variação estilística e a interação de fatores do sistema linguístico. É
por isso que se denominam variacionistas os trabalhos de pesquisa
realizados dentro desse modelo... (A análise da variação) apóia-se,
sem se limitar, nas descobertas da teoria linguística abstrata, e
supõe como critério de validação da teoria a convergência dos
resultados de análise empíricos realizados independentemente
sobre distintos corpora.(grifo nosso) (Cedergren 1983, p.149 apud
Bentivoglio, p.7).

Bentivoglio tomou esta afirmação como ponto de partida para a


discussão que apresentou sobre a variação no nível sintático. Como já foi
dito, na década de 60, os trabalhos variacionistas realizados em diferentes
localidades, como EUA, Espanha e Alemanha, privilegiavam os estudos
no nível fonológico. Para Bentivoglio, as razões desta preferência são
óbvias.
Uma destas razões citadas pela autora é a de que as análises
empíricas necessitam de grande quantidade de dados, e estes se
conseguem muito mais facilmente quando se trata de sons/fonemas do
que quando se trata de construções sintáticas.

97
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

As variações no campo da fonologia são


ao mesmo tempo mais evidentes e mais fáceis Existe uma área da linguística que
se dedica à coleta e análise de
de descrever e de quantificar; uma hipótese corpus. O corpus (pl. corpora)
pode ser definido como um
fonológica não necessita de um corpus conjunto de dados linguísticos
coletados criteriosamente para
muito grande para ser comprovada, já um serem objeto de pesquisa
linguística.
fato sintático necessita de um corpus maior Para saber mais ainda sobre esta
área, acesse:
para obter um número de dados suficiente http://www.scielo.br/pdf/delta/v16n
2/a05v16n2.pdf
para sustentar uma hipótese. Apesar das
dificuldades e críticas, os estudos sobre variação
sintática começaram na década de 70 e se estendem até nossos dias.

Para finalizar esta breve discussão sobre as principais


questões da Sociolinguística, apontamos as sete
dimensões desta teoria discutidas por Bright (1974, p.17). O
autor observou que não é fácil definir a Sociolinguística com precisão,
porém, esclareceu que uma de suas maiores tarefas é mostrar que a
variação ou diversidade não é livre, mas sim correlata às diferenças
sociais e linguísticas sistemáticas. Desta maneira, Bright procura
delimitar o campo da Sociolinguística, identificando suas dimensões.
As três primeiras, baseadas na diversidade do comportamento
linguístico, são: a identidade social do emissor ou falante, que relaciona
diferenças de fala com a estratificação social, representada pelos dialetos
de classe; a identidade social do receptor ou ouvinte, segundo a qual
dependendo do ouvinte o falante fala de um modo; o contexto que
engloba “paralelamente às identidades dos indivíduos envolvidos, todos
os elementos possivelmente relevantes no ambiente da comunicação”
(1974, p.19).

98
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

A quarta dimensão considerada pelo autor é o tipo de pesquisa a


ser realizado: sincrônica ou diacrônica.
A quinta dimensão diz respeito à diferença entre o modo como os
indivíduos utilizam a língua e sua crença a respeito do próprio
comportamento linguístico e o dos demais.
Outra dimensão é a da extensão ou diversidade, com três
classificações: a pluridialetal, quando variedades de uma língua são
usadas dentro de uma sociedade ou nação; a plurilíngue, no caso de
diferentes línguas serem usadas dentro de uma única nação; a
plurissocietal em que diferentes línguas em diferentes sociedades.
A última dimensão indicada por Bright, as aplicações dos estudos
sociolinguísticos, apresenta três categorias segundo o interesse do
pesquisador: i) uso de dados sociolinguísticos por sociólogos no
diagnóstico da estrutura social ou fenômenos sociais particulares; ii)
exame de registros históricos ou o estudo de processos de mudança
linguística; iii) planejamento linguístico feito por linguistas e educadores,
ao lidarem “com a política oficial no que diz respeito ao uso da língua”
(1974, p.21).

6.2 A heterogeneidade linguística.

Ao estudarmos determinada língua, é possível notar variações em


todos os níveis da estrutura linguística: no morfológico, no fonológico,
no sintático e no lexical.
A língua portuguesa falada no Brasil, como todo sistema
linguístico, comporta em seu interior a variação e, assim, está
continuamente em processo de mudança. Embora a mudança seja natural

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

à língua, ela incomoda alguns gramáticos e também alguns falantes


nativos mais tradicionais e conservadores, que acreditam que a variação
constitui uma “degradação” da língua.
As gramáticas tradicionais veiculam uma norma padrão em
detrimento da popular, porém, esta norma padrão vem se afastando do
uso concreto da língua em situações menos formais.
No início de sua instituição, a norma foi justificada devido à
ameaça da língua grega ser corrompida pela língua dos “bárbaros”.
Entretanto, atualmente, nossa língua não está ameaçada de extinção, por
isso, Neves (2003) questiona o porquê das gramáticas continuarem a
veicular padrões sem reflexão alguma e desconsiderarem o uso real da
língua. A autora ressalta que as preocupações atuais para a organização
das gramáticas são totalmente diferentes das que levaram à instituição da
disciplina gramatical.
A partir de estudos científicos da linguagem, a língua foi
desvinculada de qualquer valor político, social ou até mesmo de beleza
estética. Dentre estes estudos, destacamos a Sociolinguística, que passou
a considerar o social no uso da linguagem, demonstrando que os
diferentes usos são adequados a diferentes situações de uso. Para Neves,
“a existência de registros não-padrão constitui garantia de eficiência de
uso” (2003, p. 34). A Sociolinguística, através de seus estudos
variacionistas que consideram o uso vinculado a padrões, registros e
eficácia, passou a considerar a diferença como garantia de eficiência e
não mais como deficiência, como era vista antes. O “padrão” foi
relativizado nos estudos de conversação ao ser vinculado à modalidade
de língua (falada ou escrita).
Desta mesma forma, a Linguística demonstrou que não se deve
atribuir valor a qualquer modalidade da língua. Porém, apesar de todo

100
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

este avanço nos estudos lingüísticos, as gramáticas continuam a


apresentar uma norma padrão que cada vez mais se afasta do uso real,
como é o caso, por exemplo, dos pronomes oblíquos, e outros. Embora
muitos de nossos gramáticos, ou “os verdadeiros”, como afirma Neves,
saibam disto, tais descobertas da Linguística não são comumente
aproveitadas pela disciplina gramatical.
Não se reconhece que a variação linguística faz parte da essência
da linguagem, que toda língua possui uma “deriva” (mudança interna).
Ao contrário, mesmo a par de todas estas descobertas é comum o
preconceito linguístico por parte de cidadãos comuns e até mesmo de
professores. Há sim, um padrão linguístico que é valorizado socialmente,
mas não há nada intrinsecamente que o faça “melhor”, “mais bonito” ou
“mais correto” que a variante não prestigiada. Trata-se de uma questão
sociocultural.
Na sociedade em geral e principalmente em países como o Brasil,
por exemplo, as pessoas que têm maior acesso à cultura são as de maior
poder econômico e isto sustenta a vinculação entre valor social e valor
intelectual. Tal concepção é mais evidente nas concepções leigas sobre o
assunto e não baseadas em estudos científicos. Desta forma, para um
leigo, conhecer a língua é conhecer a norma padrão, saber o que é certo e
o que é errado e, por isso, tais pessoas vivem cobrando do professor de
português o que se deve e o que não se deve dizer/escrever.
Neves (2003, p.54) acredita que o leigo seja “a força de
sustentação de um padrão modelar” à medida que busca esta norma por
diferentes motivos. Para nós, a mitificação do “bom uso da linguagem”,
não é construída apenas pelo povo, pelo falante em geral, mas sim
também pelos gramáticos tradicionais e as instituições que eles
representam ou às quais se associam, como escola e mídia, por exemplo.

101
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

Acreditamos que o leigo represente uma influência importante para a


sustentação de um padrão modelar à medida que tenta mantê-lo ou
aprendê-lo, entretanto, motivos sociais, tais como um emprego ou uma
posição social levam-no a buscar este modelo, este padrão.
Quem fala corretamente, bonito, como muitos dizem, desperta um
prestígio social por parte de quem o ouve, por isto, muitos buscam
manuais com regras explícitas do que se pode e o que não se pode utilizar
na linguagem visando a diferentes objetivos. Assim, basta observarmos o
sucesso de professores de português que ditam regras na TV e nos jornais
e a baixa popularidade dos linguistas, cuja missão de registrar as formas
em variação não é compreendida por muitos intelectuais.
Devido a esta pressão social, mesmo ocupando posição central no
dia-a-dia das pessoas, a língua falada é vista de modo negativo, como o
lugar do erro e do antimodelo. Porém, é nela que observamos as
alterações que a língua sofre através dos tempos. Parte da
responsabilidade por esta visão deturpada da modalidade falada deve-se à
própria tradição dos estudos linguísticos, uma vez que, até pouco tempo,
a Linguística tomava como objeto de análise ou a escrita, ou um modelo
de fala idealizada, artificial e não a fala autêntica.
Lemle (in Sylvestre, 2001) ressalta que a heterogeneidade
linguística é um fato natural em uma comunidade tão extensa como a
brasileira. A heterogeneidade linguística decorre da própria
heterogeneidade social, geográfica e de registro. A heterogeneidade
geográfica é a variação entre comunidades linguísticas localizadas em
espaços fisicamente distantes entre si. Já a heterogeneidade social
determina divergência linguística entre os subgrupos de uma
comunidade; neste nível, podemos destacar as seguintes variáveis:

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

- socioeconômica: classe baixa, média e alta;


- faixa etária: crianças, jovens, adultos e idosos;
- sexo: masculino e feminino;
- ocupação profissional: trabalhador braçal, profissões de nível
médio e alto;
- desejo dos falantes em diferenciarem-se de outros grupos pelo uso
de certas características linguísticas.

A variação no registro de uso ou nível de formalidade apresenta


uma escala que abarca desde o estilo mais formal até o mais coloquial.
As variações que ocorrem na língua são mais freqüentes em níveis
informais, ou de baixa formalidade.
Podemos pensar, portanto, que o sistema linguístico sofre pressão
de duas forças que atuam no sentido da variedade e da unidade, no caso,
fatores internos e externos em competição entre si. Segundo Mollica:

esse princípio opera por meio da interação e da tensão de impulsos


contrários, de tal modo que as línguas exibem inovações
mantendo-se, contudo, coesas: de um lado, o impulso à variação e
possivelmente à mudança; de outro, o impulso à convergência,
base para a noção de comunidade lingüística, caracterizada por
padrões estruturais e estilísticos (2003, p.12).

Atualmente, vários fenômenos em variação no português


brasileiro (doravante PB) têm sido analisados pelos estudiosos, e um dos
fatos que mais tem nos despertado interesse é a variação na concordância
verbal na fala informal das pessoas de um modo geral.
A questão da concordância é um dos fatos morfossintáticos da
gramática da fala brasileira que tem sido estudado com mais precisão e

103
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

rigor entre os sociolinguistas. Iniciados esses estudos por Naro (1977),


com seu trabalho clássico “The social and structural dimensions of a
syntatic change” têm hoje Marta Scherre como a sociolinguista que mais
vem se dedicando ao assunto. Vários trabalhos já possibilitaram a
descoberta das inter-relações entre fatores estruturais e sociais
definidores dessa regra variável, dentre os quais vale destacar: Lemle e
Naro (1977); Naro (1981); Scherre e Naro (1991, 1998, 1999, 2003) Guy
(1981); Bortoni-Ricardo (1984); Nicolau (1984); A. C. Rodrigues (1987,
1989, 2000); Rodrigues e Campos (2002), Rodrigues, D. A. (1997),
Monguilhott (2002), Gameiro (2009) e outros. A partir destes estudos, já
se tem muitos elementos para a explicitação de situações em que será
mais previsível a não-aplicação da regra de concordância e aquelas em
que a aplicação da regra de concordância é mais previsível.
Estes trabalhos baseiam-se no pressuposto de que o português
popular brasileiro, ou não-padrão é aquela variedade de português
utilizada por brasileiros do mundo rural ou do mundo urbano, analfabetos
ou de baixo nível de letramento. Uma característica desse dialeto não-
padrão é a redução do paradigma de concordância verbal, fato que
também se verifica na fala mais descontraída de falantes cultos, em
situações mais informais.
Vale ressaltar aqui que Preti (1998) observou que mesmo em um
diálogo em que os falantes assumiram uma posição formal, havia
escolhas que não coincidiam com a norma padrão. A propósito da
linguagem das pessoas cultas documentadas pelo NURC/SP, Preti afirma
que há:

um processo de uniformização social da língua, em decorrência dos


contextos interacionais da cidade grande, onde o contato diário
entre os mais diversos tipos de falantes fez com que se perdessem

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

ou se confundissem, nas interações, os índices de escolaridade,


como variável para identificar os interlocutores, na conversação, de
sorte que falantes cultos têm sua linguagem praticamente igualada
à dos falantes comuns, de instrução média. Ambos utilizam uma
linguagem marcada, não apenas pela formação escolar, mas,
sobretudo, pela participação em uma grande variedade de situações
de comunicação na vida urbana. Além disso, sobre esses falantes
incide a ação que denominamos de norma lingüística da mídia,
quer na sua forma oral (TV, principalmente), quer na sua forma
escrita (jornais e revistas) (1998, p.71).

Devemos, portanto, ressaltar que os vários meios de comunicação


disponíveis na atualidade, tais como, rádio, TV, internet, etc, atuam como
poderosos fatores de disseminação de usos lingüísticos junto à
mobilidade social e geográfica do Brasil.
Outro senso comum entre os linguistas é que a realidade linguística
brasileira não é apenas variável e heterogênea, mas também plural porque
coexistem duas variedades: a culta, padrão e a popular, não-padrão
(Rodrigues e Campos, 2002). Ou seja, o Português do Brasil corresponde
a um diassistema constituído por, pelos menos, dois subsistemas
igualmente variáveis, rotulados por Lucchesi (1994) de norma culta e
norma popular. Esta distinção é baseada nas diferenças relacionadas aos
juízos sociais da variação e tendências de mudança que se observam em
cada um dos sistemas propostos.
Segundo Lucchesi, a norma padrão corresponderia às formas
contidas e prescritas pelas gramáticas normativas e a norma culta
conteria as formas efetivamente depreendidas da fala dos segmentos com
curso superior completo. Embora as expressões norma culta e padrão
sejam usadas amiúde como sinônimas, há casos em que falantes cultos

Também utilizaremos os dois termos como sinônimos ao longo deste trabalho. 105
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

não utilizam a norma padrão. Tal fato nos remete à questão complexa da
relação entre atitude normativa e comportamento normal, ou seja, da
relação entre os sistemas de valores que antecedem os julgamentos dos
atos lingüísticos dentro de uma comunidade e os padrões de
comportamento linguístico observáveis dentro dessa mesma comunidade.
Para Coseriu (1979, p. 69), a norma lingüística pode ser vista de
duas maneiras: em seu sentido amplo, como o de “normalidade” e no
restrito como de “normatividade”.
No sentido amplo, de normalidade, a norma seria a constatação do
real, e no sentido restrito, de normatividade, seria a determinação do
real. Em ambos os sentidos, norma é um conceito de estatuto lingüístico
e sociopolítico cultural, e é dividida diastraticamente (estratos sociais);
diacronicamente (períodos de tempo) e diatopicamente (regiões), porém,
no primeiro sentido, de normalidade, não há valoração das modalidades,
já na normatividade há juízo de valores.
Em outras palavras, Rey (1972, apud Leite 1998, p.180), definiu a
norma objetiva como sendo a língua efetivamente realizada nos diversos
grupos sociais, assim, cada grupo tem sua norma. E a norma subjetiva
seria a imposta, que prescreve um uso extraído da língua literária de
épocas sempre anteriores a dos falantes contemporâneos. Essa norma, por
ser a de maior prestígio dentro da comunidade linguística, é o objetivo da
escola. E finalmente, a norma subjetiva é o ideal de língua a que todos os
falantes aspiram. Entretanto, Lucchesi ressalta que a distinção entre
norma objetiva e norma subjetiva não é tão nítida desta maneira, pois há
uma interação do sistema de valores adotados por um grupo entre o que é
imposto, prescrito, e o que é habitual, os padrões lingüísticos observados
no seu comportamento.

Norma: sentido amplo: a modalidade linguística normal, média dos falares,


estabelecida, a princípio, pela regularidade e pela frequência de uso. Sentido
restrito: normativização dos usos, estabelecida pela eleição de um determinado
uso considerado modelar (Coseriu). 106
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

Para Coseriu (1979, p.72), determinado uso pode passar a norma,


porém, esta passagem não é automática. Há entre elas um estágio
intermediário, denominado adoção, isto é, toda inovação tem de ser
aceita primeiro pelos falantes de determinado grupo social e, depois,
pode se transformar em uso. Esse uso pode ser adotado e virar norma.

Atividade:

Para certificar-se de que você realmente compreendeu os principais


conceitos da teoria da variação ou da sociolinguística laboviana, pesquise
mais sobre os termos: “variantes; regra variável; variação”. Procure
observar na fala descontraída das pessoas ou mesmo em jornais escritos
fatos linguísticos em variação e faça uma pesquisa para averiguar se tal
fator já foi analisado por algum linguista.

6.3 Leitura recomendada

Indico a vocês a leitura de A pesquisa sociolinguística, o livro


constitui um manual de orientação para quem deseja realizar um estudo
na área da sciolinguística, pois além de fornecer de forma muito
simplificada e didática os principais conceitos da teoria, orienta ainda o
passo a passo para realização de pesquisa nesta área! Diria que é
imprescindível a um linguista!

TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1985.

107
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

6.4 Referências

ALKMIN, T. M. Sociolinguística. In: MUSSALIM, F.; BENTES.


(Org.) Introdução à linguística: domínios e fronteiras. 4ed. São Paulo:
Cortez, 2004.

BORTONI-RICARDO, S. M. A concordância verbal em


português: um estudo de sua significação social. In: COUTO, H.H.
(Ed.) Ensaios de linguística aplicada. Brasília: Thesaurus, 1981.

BRIGHT, W. As dimensões da sociolinguística. In: FONSECA, M.


S. V.; NEVES, M. F. (Org.). Sociolinguística. Rio de Janeiro: Eldorado,
1974. p.17-23. (Enfoque, 3).
CALVET. L. J. Introdução à sociolinguística. São Paulo: Parábola, 2002.
LABOV, W. Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University
of Pennsylvania Press, 11.ed, 1972.

______Modelos sociolinguísticos Tradução de José


Marinas Herreras. Madrid: Cátedra, 1983.

______Principles of linguistic change. Malden: Blackwell


Publishers, v. 1: Internal factors, 1994.

LEITE, M. Q. Língua falada: uso e norma. In: PRETI, D.


(Org.) Estudos de língua falada, variações e confrontos. São
Paulo: Humanitás: FFLCH/USP, 1998.

108
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

LEMLE, M.; NARO, A. J. Competências básicas do português.


Rio de Janeiro: Fundação Movimento Brasileiro de
Alfabetização/Fundação Ford, 1977.

LUCCHESI, D. Variação e norma: elementos para uma


caracterização sociolinguística do português do Brasil. Revista
internacional de língua portuguesa, n.12, dez., 1994.

MATTOS E SILVA, R. V. Caminhos de mudança sintático-


semântica no português arcaico. Cadernos de estudos linguísticos.
Campinas, v.20, UNICAMP, 1991

______Variação, mudança e norma - movimentos no


interior do português brasileiro. In: BAGNO, M. (Org.) Linguística
da norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

MELO, G. C. Gramática fundamental da língua portuguesa. Rio


de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1968.

MELLO, H. R. Português padrão, português não padrão e a


hipótese do contato linguístico. In: ALKMIM, T. M. Para a história
do português brasileiro, vol.III. São Paulo: Humanitas FLP, 2002.

PRETI, D. (Org.) Estudos de língua falada: variações e confronto.


São Paulo: Humanitas, 1998.

______Sociolinguística: os níveis da fala: um estudo


sociolinguístico do diálogo na literatura brasileira. 4.ed. rev. mod. São
Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1982.

109
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 6

SCHERRE, M. M. P. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação


linguística, mídia e preconceito. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1985.

______Tempos linguísticos- Itinerários históricos da língua


portuguesa. São Paulo: Ática, 1994.

TRUDGILL, P. Sociolinguistics: an introduction. Breat Britain,


Penguin Books, 1974.

VANDRESEN. P (Org.) Variação e mudança no português falado


da região Sul. Pelotas: Educat, 2002.

WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. I. Empirical


Foundations for a theory of language change. In: LEHMANN, W. P.;
MALKIEL, Y. (Eds.). Directions for historical linguistics. Austin-
London: University of Texas Press, 1968.

6.5 Na próxima unidade

Na próxima unidade, vocês terão exemplos práticos de como são


realizados os estudos sociolinguísticos. Vocês perceberão a utilidade e
aplicação dos conceitos abordados nesta unidade a medida que tomarem
conhecimento dos estudos realizados nesta área.

110
TEXTO DE
APRESENTAÇÃO DA
UNIDADE:

Nesta unidade, alguns exemplos de análise


desenvolvidos pela sociolinguística serão explanados para
que possam observar como ocorrem os estudos neste campo
da linguística. Assim, serão observados casos de variação no
Português Brasileiro.

Objetivos:

Conhecer como se fazem os estudos na área da sociolinguística


Observar fatores em variação no Português brasileiro
Discutir sobre a norma culta e popular
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

7.1 Estudos sociolinguísticos

Leite (1998, p.180) realizou um estudo de diálogos entre


paulistanos que mantinham entre si graus de intimidade de níveis médio e
acentuado. Assim, pensou flagrar a espontaneidade do uso da língua para
observar, em amostras da fala culta, algumas realizações linguísticas
discordantes ou não do que se entende por “bom uso” do português, a fim
de verificar se essas escolhas são constantes, quando constituiriam casos
de norma, ou variáveis, quando seriam apenas usos. Embora este estudo
apresente conclusões baseadas em um número extremamente pequeno de
dados, é interessante mencioná-lo porque aplica o conceito de adoção de
Coseriu acima citado.
Para Leite, quando determinada variável apresentava frequência
acima de 50%, caracterizava uma norma linguística, se a porcentagem
fosse abaixo desse valor, seria considerada apenas um uso. (1998, p.185).
As variáveis analisadas pela estudiosa foram: o emprego das expressões
a gente e nós; emprego do verbo chamar com regência direta e indireta,
na acepção de “dar/ter nome”; emprego do verbo ir, acompanhado das
preposições a, para e em, ou com preposição e adjunto adverbial
implícitos, na acepção de “movimentar-se de um lugar para outro”;
emprego do verbo chegar, acompanhado das preposições a e em nas
acepções de “ir ao ponto de” “atingir lugar visado”; emprego da
expressão através de e do vocábulo detalhe; e finalmente, emprego do
pronome sujeito (ele/ela) na posição de objeto.
Acreditamos que a norma não possa ser definida como algo
estanque, que pode ser delimitado tão facilmente, pois o próprio conceito
de norma apresenta na linguística uma dose expressiva de polissemia e
imprecisão.

112
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

Para Labov (1974, p.71), há um conflito de valores simbolizados


pela diferença entre a fala dos professores e a dos alunos, já que a língua
pode ser vista como um sistema de integração de valores. Porém, esta
situação vem tomando rumo diferente no português brasileiro, visto que
este conflito entre a fala do professor, (principalmente do ensino infantil,
fundamental e médio) e do aluno vem sendo minimizado porque os
próprios professores, que também são provenientes de camadas sociais
mais baixas, não dominam tão bem o português padrão, a norma culta.
Nesta perspectiva de situação diglóssica do PB, a norma culta
(fundamentada numa tradição histórica idealizada) que a escola tenta
transmitir aos alunos está cada vez mais distante da norma popular (o
português das falas correntes, do vernáculo) que, por sua vez, vem
chegando à escola não só na fala do aluno, mas também na do professor,
que hoje, também é proveniente das camadas populares. (Mattos e Silva,
2002, p.304). O próprio professor que tenta inculcar nos alunos uma
forma de linguagem reconhecida pela escola como correta, não percebe
que em sua fala casual não se expressa da maneira que apregoa
(Sylvestre, 2001).
Mattos e Silva verificou que até meados do século XX a escola
tentava superar esta situação diglóssica, entretanto, nos tempos que
correm, torna-se cada vez mais difícil a implementação de um “dialeto da
escola”, pactuado pela norma prescritiva tradicional. Segundo a autora,
esta situação de diglossia tende a ser minimizada porque as falas
brasileiras não podem mais deixar de ser ouvidas e a norma por que se
pauta a escola deverá ser revista e adequada ao português que de fato
usamos.

Diglóssica: relativo à diglossia: situação de bilinguismo, em que uma das línguas


possui status político-social inferior. (DUBOIS, 2006).
113
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

A autora propôs que no PB atual não se configura uma situação


diglóssica apenas, mas sim um continuum dialetal, o qual possui dois
extremos: em um as variedades mais simplificadas de falantes rurais e
não escolarizados e, no extremo oposto, a variedade culta, expressa,
sobretudo na escrita. Entre esses dois extremos estariam as variedades ou
dialetos urbanos de indivíduos não-escolarizados ou de semi-
escolarizados e as variedades ou dialetos urbanos de indivíduos de
escolaridade máxima. Este continuum proposto pela autora confirma a
hipótese de Lucchesi (1994) de que há uma interação entre os sistemas de
um e outro grupo, ou seja, a configuração das variedades acima citadas
não é estanque, ao contrário, a sua inter-relação se evidencia no
quotidiano.
Mattos e Silva (2002, p. 305-306) apresentaram alguns fatos
sintáticos do PB que podem evidenciar a distância entre a gramática
veiculada pela tradição normativo-prescritiva e os usos reais em variação
ou em variação ou mudança.
Um fato sintático em variação apontado pela estudiosa foi a
simplificação dos paradigmas flexionais verbais que possui seis pessoas
(três do singular e três do plural) no paradigma histórico pleno e que é e
encontrado em textos literários e por isso continua nas gramáticas; e no
outro extremo, o paradigma que se reduz à oposição entre primeira
pessoa e as outras, sem distinção número-pessoal:
eu lembro
você/vocês lembra
a gente lembra
nós lembra
ela, elas/ele,eles lembra

114
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

Entre esses dois extremos do continuum estão o paradigma de


quatro e três pessoas, respectivamente:
eu canto
você, ele, ela canta
nós cantamos
vocês, eles, elas cantam

eu canto
você, ele/ ela canta, a gente canta
vocês, eles, elas cantam.

Ribeiro (2002, p.371) reforçou a ideia de Mattos e Silva (2002) de


que o PB apresenta um continuum ao afirmar que não é muito fácil
diferenciar o português popular do português culto em alguns pontos.
Segundo esta autora, as características do sistema fonológico identificam
facilmente os processos típicos das normas populares, dentre os quais
podemos citar: fervendo por frevenu; tábua
por tawba; falta por farta; planta por No dia-a-dia, utilizamos norma culta
como sinônimo de norma padrão,
pranta. Entretanto, devemos notar porém, os lingüistas estabelecem
uma diferença entre os termos. A
que estas afirmações não podem ser norma padrão seria a regra
determinada pelas gramáticas e a
estendidas de maneira absoluta norma culta seria o uso que as
pessoas letradas e cultas fazem deste
quando se trata da fala, pois há fatos padrão. Já a norma popular é a
utilizada pelos falantes que não
fonológicos que ocorrem de maneira possuem escolaridade.
generalizada na língua falada e que não
são fortemente estigmatizados, dentre estes
podemos destacar: comer por comê (perda do r- final);
vamos por vamo; (perda do s- final) e outros.

115
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

Quando se trata dos fatos morfossintáticos, torna-se mais difícil


ainda definir características próprias às normas populares, em oposição
às cultas, exceto no que diz respeito ao fenômeno da concordância
verbal, que é mais facilmente apreensível no julgamento ou avaliação
social como traço estigmatizante. Esse fator certamente favorece a
aquisição da regra, o que não ocorrerá com tanta facilidade como no caso
das estratégias de relativizações e nas alternativas para o abandono dos
clíticos acusativos de terceira pessoa, que não são fatos tão
estigmatizados como a CV.
Embora a CV seja um fato estigmatizado, fato que poderia
favorecer a aquisição da regra, quando o registro é informal e os
contextos de aplicação da regra não são muito salientes, é interessante
notar que até mesmo os falantes ditos cultos deixam de utilizar a
regra de concordância. Desta forma, Ribeiro (2003,
BOX CONEXÃO:
p.373) exemplificou alguns casos que não servem de Vale a pena consultar uma
gramática tradicional para
indicadores da norma culta ou popular, pois são dirimir quaisquer dúvidas
que pode haver em relação
realizados de um modo geral pelos falantes à função sintática do
pronome se como pronome
brasileiros, não caracterizando uma ou outra apassivador, muitos falantes
deixam de realizar a
variedade:

(1) Segue as blusas (CV)


(2) Vende-se casas (CV)
(3) Pega essas cadeira aí e coloca tudo ali, naquele lugar.
(CN)

Por outro lado, apresenta casos em que a ausência de concordância


caracteriza a norma popular:

Este exemplo foi retirado de uma fala de um estudante universitário que


fazia Letras.
116
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

(1) Minhas filha pequena saiu (CV e CN)


(2) Nós vai (CV)
(3) As folha cai no outono (CV e CN)
(4) Os meu filho (CN)

Partindo de exemplos de variações que ocorrem comumente na fala


dos brasileiros de um modo geral, tais como o uso do pronome tônico
como objeto (encontrei ele), o caso das relativas (cortadora: Vi o artista
que te falei ontem; lembrete: Conheço uma moça que ela gosta só de
música sertaneja) e outros, a autora acredita que saindo das questões
relacionadas à concordância, estes e outros fatores em variação que têm
caracterizado a fala dos brasileiros, não podem definir padrões de normas
cultas e populares, já que tanto falantes cultos quanto não cultos utilizam
estas construções em situações de menor formalidade.
A estudiosa observou que construções desses tipos são comumente
utilizadas por universitários de Letras, sem apresentarem eles qualquer
julgamento metacognitivo de estilos socialmente mais aceitos em relação
a essas relativas. Por este motivo, Ribeiro (2002) considerou que a
escolarização não permite delinear os polos culto e popular. Com
exceção da concordância verbal e nominal (grifo nosso), para a autora,

A sintaxe dos falantes com e sem curso superior não apresenta


propriedades tão diferenciadoras, como os fatos fonológicos levariam a
supor. Concluiu dizendo que: “o uso oral da língua materna, em situações
informais, independe da escolarização” (2002, p.376). De fato, a
escolarização pode não influenciar certas escolhas linguísticas quando
estas não são muito estigmatizadas socialmente, e quando os falantes
estão em situações de menor formalidade.

117
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

Acreditamos que a hipótese de Mattos e Silva e Ribeiro


apresentada acima sobre o PB é relevante para nosso trabalho já que
analisaremos a variação na regra de CV na fala de informantes não-
escolarizados, semi-escolarizados e com escolaridade máxima.
Finalizamos esta unidade com o poema “Preconceito linguístico”,
de Mário de Andrade que revela certo interesse na variação linguística,
bem como a variação regional leiamos:
Que importa que uns falem mole
Descansado
Que os cariocas arranhem os erres na garganta
Que os capixabas escancarem
As vogais?
Que tem quinhentos réis meridional
Vira tostões do Rio pro Norte?
Juntos formamos este assombroso
Box conexão:
De misérias e grandezas, Acesse o site onde se
encontra o poema e veja
Brasil, nome de vegetal ... um simples estudo que
demonstra a variação no
Mário de Andrade nível sintático do português
DISPONÍVEL EM: HTTP://WWW .FILOLOGIA.ORG.BR/ABF/VOLUME1/NUMERO1/04.HTM brasileiro, é um trabalho
bastante acessível e
introdutório, portanto,

DIVERSIDADE LINGÜÍSTICA
DISPONÍVEL EM: HTTP://4.BP.BLOGSPOT.COM

118
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

Atividade

Comece a analisar a língua falada das pessoas com as quais você


convive, das conversas no ônibus, das falas dos entrevistados nos jornais,
enfim, observe a variação existente na língua. Selecione um elemento
linguístico que você acredita que esteja em variação, e tente elencar
fatores que favoreçam ou desfavoreçam esta mudança. Faça com
capricho, esta atividade pode tornar-se um projeto de pesquisa em
Sociolinguística!

7.2 Reflexão.

Embora a sociolinguística tenha abolido a noção de certo/errado,


não significa que os linguistas sejam permissivos, aceitem qualquer uso,
significa apenas que combatem o preconceito e analisam as variações
cientificamente. No entanto, muitos acreditam que o ensino vai mal, que
as pessoas não sabem mais falar ou escrever corretamente devido à
“bandeira sociolinguística” levantada por autores como Marcos Bagno,
por exemplo. Discuta com seus colegas essa questão, avaliem as
contribuições da sociolinguística e as possíveis interpretações
equivocadas desta teoria.

7.3 Leituras recomendadas

Como introdução aos estudos variacionistas, recomendo a leitura


de Para compreender Labov, de José Lemos Monteiro, pois o livro traz
de forma muito clara, os principais aspectos da teoria da variação.
MONTEIRO, J.L. Para compreender Labov. Petrópolis: Vozes, 2000.

119
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

A respeito da discussão certo/errado; gramática/variação,


recomendo a leitura de:

BAGNO, M.; STUBBS, M. Língua materna: letramento, variação


e ensino. São Paulo: Parábola, 2002.

7.4 Referências

ALKMIN, T. M. Sociolinguística. In: MUSSALIM, F.; BENTES.


(Org.) Introdução à linguística: domínios e fronteiras. 4ed. São Paulo:
Cortez, 2004.

BORTONI-RICARDO, S. M. A concordância verbal em


português: um estudo de sua significação social. In: COUTO, H.H.
(Ed.) Ensaios de linguística aplicada. Brasília: Thesaurus, 1981.

BRIGHT, W. As dimensões da sociolinguística. In: FONSECA, M.


S. V.; NEVES, M. F. (Org.). Sociolinguística. Rio de Janeiro: Eldorado,
1974. p.17-23. (Enfoque, 3).
CALVET. L. J. Introdução à sociolinguística. São Paulo: Parábola, 2002.
LABOV, W. Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University
of Pennsylvania Press, 11.ed, 1972.

______Modelos sociolinguísticos Tradução de José


Marinas Herreras. Madrid: Cátedra, 1983.

120
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

______Principles of linguistic change. Malden: Blackwell


Publishers, v. 1: Internal factors, 1994.

LEITE, M. Q. Língua falada: uso e norma. In: PRETI, D.


(Org.) Estudos de língua falada, variações e confrontos. São
Paulo: Humanitás: FFLCH/USP, 1998.

LEMLE, M.; NARO, A. J. Competências básicas do português.


Rio de Janeiro: Fundação Movimento Brasileiro de
Alfabetização/Fundação Ford, 1977.

LUCCHESI, D. Variação e norma: elementos para uma


caracterização sociolinguística do português do Brasil. Revista
internacional de língua portuguesa, n.12, dez., 1994.

MATTOS E SILVA, R. V. Caminhos de mudança sintático-


semântica no português arcaico. Cadernos de estudos linguísticos.
Campinas, v.20, UNICAMP, 1991

______Variação, mudança e norma - movimentos no


interior do português brasileiro. In: BAGNO, M. (Org.) Linguística
da norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

MELO, G. C. Gramática fundamental da língua portuguesa. Rio


de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1968.

121
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

MELLO, H. R. Português padrão, português não padrão e a


hipótese do contato linguístico. In: ALKMIM, T. M. Para a história do
português brasileiro, vol.III. São Paulo: Humanitas FLP, 2002.

PRETI, D. (Org.) Estudos de língua falada: variações e confronto.


São Paulo: Humanitas, 1998.

______Sociolinguística: os níveis da fala: um estudo


sociolinguístico do diálogo na literatura brasileira. 4.ed. rev. mod. São
Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1982.

SCHERRE, M. M. P. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação


linguística, mídia e preconceito. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1985.

______Tempos linguísticos- Itinerários históricos da língua


portuguesa. São Paulo: Ática, 1994.

TRUDGILL, P. Sociolinguistics: an introduction. Breat Britain,


Penguin Books, 1974.

VANDRESEN. P (Org.) Variação e mudança no português falado


da região Sul. Pelotas: Educat, 2002.

122
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 7

WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. I. Empirical


Foundations for a theory of language change. In: LEHMANN, W. P.;
MALKIEL, Y. (Eds.). Directions for historical linguistics. Austin-
London: University of Texas Press, 1968.

7.5 Na próxima unidade

Na próxima unidade, traremos um assunto essencial para sua


atuação docente, pois aborda a Aquisição da Linguagem, área que analisa
a concepção da linguagem e estuda as diferentes formas de abordagem da
língua. Traz também uma introdução ao ensino da língua portuguesa e
sua relação com a linguística.

123
TEXTO DE
APRESENTAÇÃO DA
UNIDADE

A unidade 8 apresenta uma breve introdução


ao estudo da Aquisição da Linguagem, importante área
da Linguística que se baseia em várias áreas do
conhecimento, como o behaviorismo, o inatismo e as
hipóteses construtivistas e interacionistas. Com base nestas
hipóteses, são propostos importantes mecanismos para melhorar
o aprendizado das línguas. Você, estudante de Linguística,
certamente já lecionou ou em algum momento pretende trabalhar
como docente. Esta disciplina é fundamental tanto para seu
conhecimento teórico e formação, como também para seu
desenvolvimento profissional, visto que tais teorias e correntes
influenciam não somente o ensino de línguas estrangeiras, mas também
o ensino de línguas em geral. Você verá, por exemplo, por que uma
criança diz “eu sabo”, ao invés de “eu sei”.
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

8.1 Objetivos da sua aprendizagem

Esta unidade tem como objetivo principal transmitir a você, pós-


graduando, alguns dos principais conceitos da ampla área conhecida
como “Aquisição da Linguagem”. Objetivamos que você assimile todo o
conteúdo teórico abordado e possa utilizá-lo com eficácia em sua vida
profissional e também na pessoa, por que não? Esperamos ainda que
você perceba a relação entre as diversas áreas da linguística, pois os
diferentes ramos de estudo como o gerativismo e o estruturalismo que já
abordamos anteriormente adotam diferentes hipóteses em relação ao
processo de aquisição da linguagem.

8.1.1 Você já refletiu?

Você já se perguntou como as crianças aprendem a falar? Já se


indagou sobre o papel dos adultos em relação ao aprendizado das
crianças? Existe uma gramática universal guiando a aquisição das línguas
ou o meio é extremamente determinante? Tais questionamentos não são
privilégio de nós, linguistas, mas assuntos que intrigam estudiosos de
diversas áreas. Neste módulo, veremos algumas das principais hipóteses
que tentam explicar o processo de aquisição da linguagem.

125
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

8.2 Behaviorismo

A hipótese behaviorista, corrente da psicologia que o


estruturalismo americano seguiu e que influenciou o ensino de línguas
por décadas, baseia-se no pressuposto que os conhecimentos são
adquiridos através das experiências vividas. Segundo tal corrente, a
aprendizagem ocorre por meio de “respostas bem-sucedidas a
determinados estímulos do meio” (Cezario e Martelotta, 2008, p.207),
sendo que a repetição destes estímulos é fundamental para o aprendizado.

A imagem abaixo ilustraria a interação que ocorre no processo de


aprendizagem, bem como o meio, o contexto em que ela ocorre:

Em língua materna, a
aprendizagem também
ocorreria por meio de
respostas a estímulos, assim,
segundo Bloomfield, a criança
herda a capacidade de
reproduzir sons vocais sob
DISPONÍVEL EM: HTTP://WWW .COLEGIOFAYAL.COM.BR/IMAGENS/FAYAL_FOTO_ENSINO.JPG
CRIANÇAS EM AMBIENTES DE APRENDIZAGEM diferentes estímulos, sendo
que tais estímulos podem ser linguísticos ou não, enquanto a resposta
física torna-se linguística. Neste processo, a articulação torna-se habitual
e a criança passa a repetir os sons que ouve. No início, associa os sons às
coisas, posteriormente, relaciona a palavra a algo que não esteja presente
obrigatoriamente. Os autores exemplificam a questão do estímulo/
resposta com o seguinte exemplo: “sede” seria o estímulo, cuja resposta
provável seria “aga”, esta seria reforçada se a mãe pegar água à criança.
Assim, concluímos que a aprendizagem linguística ocorre, segundo a

126
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

hipótese behaviorista, a partir da sequência:


“estímulo>resposta>reforço”. Fica evidente nesta concepção que o MEIO
é fundamental para o aprendizado da criança, não só linguístico, como
também de todo conhecimento.

8.3 O inatismo

Cezario e Martelotta (2008, p.208) expõem uma série de críticas


feitas ao behaviorismo, dentre as quais, destacamos a ausência de
explicação para os seguintes questionamentos:
-como produzimos e compreendemos frases nunca antes
proferidas?
-como entendemos frases descontextualizadas?
-como as crianças aprendem a falar demasiadamente rápido?
Um dos principais críticos da teoria behaviorista foi o linguista
Noam Chomsky, que refutou tal hipótese com a Gramática Universal
(GU), segundo a qual, há uma matriz biológica responsável pela grande
semelhança entre as línguas e pela rapidez com que as crianças aprendem
a falar. De acordo com esta teoria, já nascemos com um vasto
conhecimento linguístico e não linguístico. Fica claro que o Gerativismo
não dá tanta importância ao ambiente como faziam os behavioristas, mas
prioriza, ao contrário, a mente, o organismo, a codificação genética que
informa muito sobre o comportamento humano, a personalidade, a
capacidade de compreensão de quantidade, de sons, dentre outras.

BEHAVIORISMO: estudo do comportamento: "Behavior", em inglês. O


Behaviorismo surgiu no começo deste século como uma proposta para a
Psicologia, para tomar como seu objeto de estudo o comportamento,
Disponível em: www.cfh.ufsc.br, acesso: 18 fev. 2010.

127
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

O meio, o ambiente, nesta teoria, não seria o responsável pelo


aprendizado, mas acionaria o dispositivo responsável pela aprendizagem
da língua.
A GU é composta por princípios e parâmetros, os primeiros
determinam a estrutura comum a todas as línguas e limitam a variação
entre elas, já os parâmetros são as variações que a língua pode apresentar.
A resposta de Chomsky ao porquê de as crianças aprenderem tão
rapidamente é que já nascem dotadas de um dispositivo inato de
aquisição de linguagem, tal dispositivo acionaria o conhecimento
linguístico prévio geneticamente herdado.
Cezario e Martelotta (2008, p.209) relatam que Chomsky acredita
que o fato de crianças de 4 ou 5 anos já utilizarem todas as estruturas
gramaticais de sua língua e criarem palavras e frases e fazerem analogias
já são indícios fortes de uma GU. Quando uma criança, muito
graciosamente diz, por exemplo, “eu sabo” (eu sei), na verdade, por
analogia, ela regularizou o verbo saber, isto significa que já aprendeu a
estrutura básica da língua.
Outra grande contribuição dos gerativistas para a aquisição da
linguagem é em relação à maneira como as crianças aprendem os
elementos da linguísticos, divididos em categorias lexicais (substantivos,
verbos, adjetivos, preposições) e categorias funcionais (artigos,
preposições, conjunções, advérbios, categorias de número, pessoa, caso
etc.). De acordo com a GU, as categorias lexicais são apreendidas antes
do que as funcionais pelas crianças.

128
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

De acordo com Cezario e Martelotta


box conexão:
(2008, p.209), a fim de explicar a Um ditado popular que se aplica à
linguística é: “Uma coisa puxa a outra”, eu
aquisição dos elementos linguísticos diria que um assunto leva a outro. Falando
sobre aquisição da linguagem, aparece a
supracitados, desenvolveu-se a expressão “categoria lexical” que nos leva
à noção de “constituintes” e assim vai!
hipótese maturacional da aquisição da A respeito dos núcleos lexicais, veja o
trabalho “DEFINIÇÃO DE CONSTITUINTE
linguagem, muito explorada por SEGUNDO A TEORIA X-BARRA”, de
Fábio Bonfim Duarte, que trata o
Radford (1993). Segundo ele, há várias constituinte (conjunto de itens que
desempenham certas funções) conforme a
fases de aquisição da linguagem, estas, teoria X-Barra.

por sua vez, são determinadas pela maturação


do organismo, vejamos as fases por ele estabelecidas:
(a) fase pré-linguística: 0 a 12 meses (gestos e balbucios, não há
manifestação linguística);
(b) fase de uma palavra: de 12 a 18 meses (sentenças de apenas uma
palavra, fase acategorial, não há categorias funcionais);
(c) fase multivocabular inicial: de 18 a 24 meses (desenvolvimento
dos sistemas lexicais: nomes, verbos, adjetivos, preposições: fase
lexical ou temático-lexical, não há categorias funcionais);
(d) fase multivocabular tardia: de 24 a 30 meses (presença das
categorias funcionais, maior elaboração, a criança já domina os
sistemas lexicais).
(apud CEZARIO e MARTELOTTA, 2008, p.209).

Para Radford (1993, apud CEZARIO e MARTELOTTA, 2008), a


criança só adquire certa forma quando a utiliza de maneira sistemática,
seletiva e contrastiva, desta forma, se uma criança faz algumas
concordâncias de gênero e número, por exemplo, mas sem uma
regularidade, ainda não é considerado aquisição. A aquisição do feminino
e masculino (categoria de gênero), por exemplo, só ocorrerá de fato
quando a criança conseguir opor as duas formas e usá-las repetidas vezes.

Teoria X- Barra: módulo da gramática que permite representar um


constituinte. Segundo Duarte, uma das características que definem as
classes lexicais é a capacidade que seus membros têm de selecionar
semanticamente seus argumentos. 129
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

Segundo a teoria inatista continuísta de Hyams (1986, apud


CEZARIO e MARTELOTTA, 2008, p.211) tanto as categorias lexicais
como as funcionais já estão disponíveis no sistema linguístico desde o
início. Para ela, não há, portanto, fases de aquisição e maturação. Assim,
embora haja categorias funcionais na gramática das crianças, elas não as
utilizam, pois seu vocabulário é “simples” e limitado, as palavras não
fazem referência externa.

8.4 O construtivismo

Tanto o construtivismo quanto o interacionismo são abordagens


que procuram explicar a aquisição da linguagem por meio das relações
interativas entre a criança e o ambiente. No entanto, optamos por
apresentá-las separadamente para fins didáticos.
De uma forma bastante sucinta, pode-se afirmar que o
construtivismo de Piaget (1978, 1990 apud CEZARIO e
MARTELOTTA, 2008) baseia-se na hipótese de que a linguagem é
consequência da construção da inteligência geral. Sua teoria conhecida
como cognitivismo construtivista epigenético pauta-se na ideia de que o
desenvolvimento das estruturas do conhecimento ou estruturas cognitivas
é feito pela interação entre ambiente e organismo. Para o pesquisador
suíço, o início da linguagem ocorre entre os 18 meses de idade, época em
que a criança já passou o “estágio sensório-motor”. Após a superação
desta fase, inicia-se o desenvolvimento da função simbólica, por meio da
qual “um significante representa um objeto significado” (apud CEZARIO
e MARTELOTTA, 2008, p.212). Neste estágio, a criança é capaz de
diferenciar-se dos demais, bem como armazenar e recuperar
experiências, pois há o desenvolvimento da representação. É neste

130
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

momento, denominado “estágio cognitivo”, em que a criança desenvolve


a linguagem, considerada por Piaget como um sistema simbólico de
representações. Visto desta maneira, a teoria piagetiana opõe-se ao
inatismo do gerativismo, pois para aquela, o conhecimento linguístico
não seria inato, mas ocorreria em decorrência da interação entre o
ambiente e o organismo, sendo uma consequência da construção da
inteligência em geral.

8.5 O Interacionismo

Vygotsky, psicólogo soviético,


(1996 apud CEZARIO e MARTELOTTA,
2008) também criou uma teoria não
inatista à semelhança de Piaget, porém,
para o soviético, o desenvolvimento da
PIAGET: GRANDE NOME DO CONSTRUTIVISMO. linguagem e do pensamento surge da
DISPONÍVEL EM:
HTTP://JDIKAS.FILES.WORDPRESS.COM/2009/11/10PIAGET 2.JPG
interação entre os indivíduos. Vygostsky
acredita que a fala e o pensamento têm origens genéticas diferentes, para
ele, há uma fase pré-verbal do pensamento, relacionada à inteligência
prática e uma fase pré-intelectual da fala, como o balbucio e o choro.
Somente aos dois anos pensamento e fala se uniriam e esta passaria a
servir ao intelecto. Como a criança fala sozinha, Vygostsky chama esta
fase de fala egocêntrica, fase esta fundamental para a criança aprender a
planejar e a encontrar a solução para um problema.
A base da teoria de Vygostsky está na ênfase dada à relação, à
troca comunicativa que ocorre entre a criança e o adulto, é assim que a
linguagem é desenvolvida.

131
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

8.6 O Sociocognitivismo

Cezario e Martelotta (2008, p.213) afirmam que o


sociocognitivismo associa o social e o interacional ao cognitivo. Para os
sociocognitivistas, a aquisição da linguagem se dá quando a criança
percebe a intenção comunicativa no ato dos adultos, é uma abordagem,
portanto, de cunho funcionalista. Compreender o outro como um ser
intencional é fundamental, pois a criança necessita saber por que e para
que os outros estão utilizando determinado símbolo ou instrumento.
Conforme esta teoria, a partir dos 9 meses, as crianças começam a
desenvolver tal habilidade, isto é, compreendem os outros como agentes
intencionais. Mas tal entendimento depende da chamada cena de atenção
compartilhada, definida de modo sucinto como o grande mundo
perceptual e o pequeno mundo linguístico. Com a cena de atenção
compartilhada, a criança entende que todos participam da interação.
Envolve também perceber que os papeis podem ser revertidos, ora eu
faço por ela, ora ela faz por mim, é o que Tomasello (1999 apud
CEZARIO e MARTELOTTA, 2008, p.215) denomina: imitação por
reversão de papel.
O aprendizado cultural decorre da cognição social, habilidade que
os indivíduos possuem de compreender seus semelhantes como seres
iguais. Assim, podemos aprender com o outro e pelo outro.
Como se pode observar, não há consenso entre os linguistas em
relação à aquisição da linguagem e mesmo havendo diversas pesquisas,
ainda não se descobriu totalmente os mistérios que permeiam a aquisição
da linguagem. Cabe a nós, linguistas, a vocês, pós-graduandos,
realizarem pesquisas científicas

132
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

8.7 A Linguística e o Ensino

A Linguística procura contribuir para o ensino de Língua materna e


estrangeira na medida em que possibilita a aplicação e reflexão de suas
descobertas. Assim, a concepção de língua discutida pela Linguística
pode influenciar a maneira como se ensina gramática, por exemplo. É
necessário, portanto, que suas contribuições não fiquem restritas ao
âmbito acadêmico e pedagógico, pois elas precisam auxiliar a prática
docente também. Uma das áreas da Linguística que mais vem se
dedicando a tal tarefa é a Linguística Aplicada (LA), cujo objetivo maior
é, conforme Oliveira e Wilson (2008, p.235), estudar:

os vários aspectos relacionados à língua em situações


reais de comunicação e interação, tais como o ensino
de língua materna (L1) e o de língua estrangeira (L2),
a crença, os valores e a questão do processo de
construção de identidades em contextos institucionais
variados, entre outros aspectos.

Afirmar que a LA considera a língua sob o ponto de vista pragmático e


interacional equivale afirmar que ela estuda as práticas de uso da linguagem

em tempos, lugares, sociedades e culturas específicas, relações antes excluídas


da análise linguística por serem consideradas sociais. (MOITA LOPES apud
OLIVEIRA e WILSON, 2008, p.235). O aspecto pragmático da linguagem
concerne às características de sua utilização (motivações psicológicas dos

Pragmática: Parte da Linguística que estuda a linguagem em situação de uso,


tendo em conta a relação entre os interlocutores e a influência do contexto.
www.priberam.pt
133
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

falantes, reações dos interlocutores, tipos socializados de fala, objeto de fala


etc).(DUBOIS, 2006)
Esta abordagem da LA implica em adotar certas concepções de
linguagem, as quais passaremos a ver neste momento. Geraldi (1997
OLIVEIRA e WILSON, 2008, p.236) afirma que a discussão acerca da
concepção de língua a ser adotada está relacionada à seguinte questão:
“Para que os alunos aprendem o que aprendem nas salas de aula de
língua?”. Conforme já observamos, existem inúmeras maneiras –
contrastivas e complementares- de se pensar a linguagem, sendo que cada
um possui corrobora para o conhecimento deste fenômeno complexo que
é a língua. O autor ainda destaca que quando adotamos determinada
perspectiva de abordagem, seguimos ainda seu método, prática e aparato
teórico, sendo que o termo aparato está sendo usado aqui com o sentido
de conjuntos das conjeturas, fundamentos e hipóteses de dada teoria.
Geraldi exemplifica: ao adotarmos um enfoque estruturalista– que
considera a língua como um sistema virtual, abstrato, isolado das
influências das condições de interação-, o linguista assume uma
concepção formalista da linguagem, tratando-a como algo abstrato e
objeto único da pesquisa. Dessa forma, questões como “quem, como,
onde, para que” não serão feitas quando se adota tal perspectiva. Assumir
essa concepção formalista da linguagem é acreditar que apenas a língua é
capaz de veicular todos os sentidos, o que não é o mais adequado. Em
relação à sala de aula, os estudos gramaticais, as noções de certo e
errado, as práticas de interpretação que elegem a verdadeira e única
resposta como correta são práticas formalistas, muito prestigiadas durante
anos e até nos dias atuais.

134
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

Oliveira e Wilson (2008, p.236)


relatam que muitas vezes, pode haver
Travaglia (2002), em Gramática e
uma incompreensão das propostas interação: uma proposta para o
ensino de gramática no 1º e 2º graus,
linguísticas, como ocorreu com as traz muitas contribuições da
linguística para o ensino de Língua
funções da linguagem de Jakobson, Portuguesa. O autor possui uma visão
de língua como um sistema a favor da
tratadas em sala de aulas por muitos interação, passível de mudanças. O
livro apresenta uma série de
de forma reduzida, desvinculada dos atividades que podem ser realizadas
pelo professor em sala de aula.
aspectos interacionais; como se a
língua se reduzisse a apenas um conjunto
estruturado das seis funções da linguagem. Da
maneira como foi equivocadamente apresentada, os autores acreditam
que a teoria subjacente ao esquema de Jakobson era mais formal do
que funcional. Eles afirmam ainda que o uso do consagrado
quadro de funções da linguagem proposto por Roman
Jakobson teve tanta influência sobre o ensino que em
1970, a legislação fixou para o ensino de língua portuguesa o rótulo
comunicação e expressão, uma referência direta ao esquema de
Jakobson.
Os próprios manuais, encontrados nos fins dos livros didáticos,
que servem de orientação aos docentes, também tomam a língua como
algo abstrato, seguindo uma visão mais formalista. (OLIVEIRA e
WILSON, 2008, p.237)

Oliveira e Wilson (2008, p.237), enfatizam, conforme vimos na unidade


que trata do Funcionalismo, que o Círculo de Praga, ao qual Jakobson
“pertence”, alargou o foco de tratamento linguístico, considerando a língua
como um sistema funcional em detrimento do propósito comunicativo,
algo muito menos restrito do que fizeram muitos professores e
pesquisadores que interpretaram de modo muito mais simples a teoria
funcionalista.
135
Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

A concepção da linguagem funcional ou pragmática, em oposição à


formal, vê o fenômeno linguístico como produto e processo da interação
humana, da atividade sociocultural. Conforme já vimos, o
Funcionalismo, a Sociolinguística, dentre outras “escolas linguísticas”,
como a Linguística Textual, por exemplo, adotam esta perspectiva, isto é,
veem a língua como um resultado das condições internas e externas de
produção, dessas últimas, podemos destacar a escolaridade, a localidade,
a faixa etária e outros fatores que influenciam a língua. Gameiro (2005 e
2009) demonstrou que a variação na concordância verbal decorre de
fatores sociais, extralinguísticos, como até mesmo a perspectiva de vida
do falante. Os estudos realizados nestas áreas demonstram a variação, a
pluralidade e a diversidade existente na língua.
A Sociolinguística ou Variacionismo também exerceu influência
no ensino de língua materna, no Brasil, tal relação iniciou-se a partir da
última década do século XX, conforme afirmam Oliveira e Wilson (2008,
p.238). Uma das grandes contribuições da Sociolinguística para a sala de
aula é o combate ao preconceito linguístico e a valorização da
diversidade linguística. Assim, a norma culta ou o padrão passou a ser
apenas mais uma variante da língua, tão eficiente como as demais, menos
prestigiadas. Porém, novamente aqui os atores apontam um problema:
embora os manuais didáticos já contemplem a variação, muitas vezes o
fazem sem considerar as situações reais de uso e de comunicação.
Oliveira e Wilson (2008, p.239) afirmam que a gramática, de
acordo com a perspectiva Sociolinguística, pode ser entendida como:

o conjunto de regularidades fixadas e definidas pela


comunidade linguística como as formas ritualizadas
de uso, ou seja, aquelas que se tornam rotineiras e se
constituem como valor de troca e interação entre os

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

usuários. Assim, quando, no trato dos conteúdos


gramaticais, a escola privilegiar as questões mais
regulares, as expressões de maior frequência, ou
debruçar-se sobre uma investigação de categorias que
passa do que é mais sistemático e geral para,
posteriormente, lidar com as chamadas “exceções”,
ela estará efetivamente trabalhando com base num
enfoque funcionalista.

Os autores afirmam também que todo o magistério se indaga


como lidar com o texto em sala de aula sem que ele seja apenas um
pretexto para trabalhar questões gramaticais; para esta pergunta, segundo
eles, a abordagem funcionalista da língua pode trazer esclarecimentos.
A pragmática enriquece a visão funcional da língua porque
incorporam e priorizam elementos externos de produção e recepção da
linguagem com base na interação entre as pessoas, como por exemplo, os
modos de dizer, as intenções comunicativas, as informações implícitas, o
ponto de vista do usuário da língua etc.
Os autores finalizam o capítulo da obra afirmando que a
abordagem funcional-pragmática pode
fornecer muitos subsídios para a
BOX CONEXÃO:
formação dos professores no sentido Trabalhos em Linguística Aplicada – TLA:
publicação semestral do Departamento de
de evidenciar o deslocamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da
Linguagem da UNICAMP que possui uma versão
seu papel centralizador para online. Com vinte anos de circulação
internacional, a revista tem mantido uma
mediador, mas ressaltam que não qualidade acadêmica relevante. Apontando para
as diferentes tendências teórico-metodológicas
se trata de diminuir o papel do da área, os artigos permitem traçar um panorama
histórico da Linguística Aplicada no Brasil, suas
docente, mas sim na amplitude de transformações e sua consolidação ao longo dos
anos.
sua tarefa. Além disso, destaca a Disponível em:
http://www.iel.unicamp.br/publicacoes/revista_tla.
possibilidade de inclusão da noção de php (acesso: 20 jan 2010)

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

sujeito evidenciada por tais teorias, noção esta não teórica, mas sim
concreta, de um sujeito com papel social definido múltiplo e
diversificado.

Atividade

Selecione um livro didático de língua portuguesa do Ensino


Fundamental à sua escolha. Observe a divisão das atividades:
interpretação, compreensão, atividades de linguagem (gramática),
questões ortográficas, redação (produção de texto) etc. Atente às seções
que tratam da gramática para verificar qual a concepção de linguagem
está implícita, como o trabalho com a gramática é feito?

8.8 Reflexão:

As várias concepções de língua que possuímos, bem como as


teorias com as quais nos identificamos mais podem influenciar nossa
maneira de ensino. Celso Antunes, em Professores e Professauros, faz
logo no título de seu livro, uma alusão à maneira arcaica e tradicional de
ensino, em que o professor é apenas um transmissor do conhecimento.
Vale a pena refletir, será que em meio a tantas novidades tecnológicas, a
tantos recursos didáticos, eletrônicos e impressos de que dispomos, não
continuamos a ensinar da mesma maneira que se fazia há muitos anos
atrás? Muitas vezes, mudamos as ferramentas, mas o método continua o
mesmo. O professor permanece na frente dos alunos expondo o conteúdo
na maior parte do tempo? Discuta com seus pares!

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Linguistica e Lingua Portuguesa Teorias Linguisticas - Unidade 8

8.9 Leitura recomendada

BORTONI-RICARDO é uma grande estudiosa brasileira na área da


sociolinguística, ao lado também de grandes nomes, como por exemplo, a
linguista Marta Scherre, Maria Cecília Mollica, Sebastião Votre, dentre
inúmeros outros estudiosos de destaque. O livro abaixo é muito útil e
condizente ao tema abordado nesta unidade, pois defende a teoria
sociolingüística na prática da sala de aula. Confira!

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a


sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004 (Col.
Linguagem, nº. 4).

8.10 Referência

CEZARIO, M. M.; MARTELOTTA, M. E. Aquisição da


linguagem. In: Martelotta, M. E. (Org) Manual de linguística. São Paulo,
Contexto: 2008.

MOLLICA, M.C. ;BRAGA, M. L. Influência da fala na


alfabetização. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1998.

OLIVEIRA, M.R.; WILSON, V. Linguística e ensino. In: Martelotta, M.


E. (Org) Manual de linguística. São Paulo, Contexto: 2008.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Língua Portuguesa.


Secretaria da Educação fundamental. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e


sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

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