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© André Carreira e Ana Zechini

Gramma Editora
Conselho Editorial: Bethania Assy, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Geraldo
Tadeu Monteiro, Gisele Cittadino, Gláucio Marafon, Ivair Reinaldim, João Cézar
de Castro Rocha, Lúcia Helena Salgado e Silva, Maria Cláudia Maia, Maria
Isabel Mendes de Almeida, Mirian Goldenberg e Silene de Moraes Freire.

Supervisão Editorial: Gisele Moreira


Coordenação Editorial: Flávia Midori e Mariana Teixeira
Revisão: Anna Carolina Guimarães
Capa: Paulo Vermelho
Diagramação: Leonardo Paulino Santos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecário Fabio Osmar de Oliveira Maciel – CRB-7 6284

C314e

Carreira, André
Exercícios de atuação: práticas no aqui e agora / André
Carreira; Ana Zechini. – Rio de Janeiro : Gramma, 2020.
132 p. ; 18 cm.

ISBN 978-65-8605-203-9

1. Teatro brasileiro - História e crítica. 2. Atuação teatral.


I. Zechini, Ana. II. Título.

CDD : 792.0981

Gramma Editora
Rua da Quitanda, nº 67, sala 301
CEP.: 20.011-030 – Rio de Janeiro (RJ)
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A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,
constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/1998).
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 1
INTRODUÇÃO 5
O QUE É ATUAR NO AQUI E AGORA? 17
Sobre a técnica 17
Singularidade e responsabilidade 24
Os princípios dos procedimentos 27
Pensamento em ação e a busca da intensidade 39
PARA QUE SERVEM OS EXERCÍCIOS
E COMO EXECUTÁ-LOS? 47
O teatro é uma terapia? 48
O talento e o exercício 50
Realização dos exercícios 52
Habitar os exercícios 53
A prática 56
EXERCÍCIOS 63
Duas premissas éticas 63
Observação de quem atua 66
Aquecimento 67
Descrição dos exercícios 68
Exercícios do estar 93
Exercícios de estados 98
Exercícios de produção de relações 104
Exercícios de atuação

Sobre o trabalho com textos nos exercícios 108


Sugestões de textos para os exercícios 109
PALAVRAS FINAIS 115
SUGESTÕES DE LEITURAS SOBRE ATUAÇÃO 121
SOBRE OS AUTORES 125

VI
APRESENTAÇÃO

André Carreira

Este livro foi organizado a partir de aulas de atuação


teatral que ditei nas disciplinas de Interpretação Teatral do
curso de licenciatura em Teatro da UDESC, das práticas do
Laboratório de Atuação do Núcleo de Pesquisa sobre Proces-
sos de Criação Artística (ÁHQIS), de aulas dadas na Escola
Superior de Célia Helena (São Paulo), bem como de oficinas
realizadas na Universidad de Las Artes (Havana), durante os
encontros Traspasos Escénicos. As diversas oficinas que ofe-
reci em festivais e os ensaios com os grupos e companhias
com as quais trabalhei nos últimos vinte anos também foram
uma fonte de referências. Mas foi a urgência de alguns alunos
e alunas que me estimulou a rever, junto a Ana Zechini, os
diversos exercícios utilizados nas sessões de trabalho, e reunir
parte desse material na forma de um breve livro.
Durante as aulas na UDESC, sempre contei com o auxílio
de bolsistas, monitoras e monitores, bem como de estagiárias
e estagiários de pós-graduação, o que me permitiu aprofundar
meus questionamentos sobre as práticas de formação atorial. Es-
cutando as reflexões e perguntas dos(as) estudantes foi possível
combinar minha abordagem com os pontos de vista daqueles e
daquelas que realizavam os exercícios propostos. Isso fez mais
completas as tentativas de enfrentar o problema de refletir sobre
os processos e procedimentos de atuação.
Exercícios de atuação

Ana Zechini foi minha aluna nas disciplinas Interpreta-


ção Teatral I em 2013, Interpretação Teatral II em 2014, Mon-
tagem Teatral em 2015 e, posteriormente, contribuiu como
monitora, acompanhando as aulas até como voluntária. Tam-
bém compartilhou comigo inúmeras sessões de trabalho de
pesquisa no ÁHQIS, onde conduziu algumas sessões e atuou
como bolsista de Iniciação Científica do CNPq. Além disso,
Ana ofereceu oficinas de atuação junto a outras bolsistas (Lau-
ra Manoela, Marina Argenta e Verônica Bortolotto) durante o
Seminário ÁHQIS 9 Anos e na Escuela Municipal de Arte Dra-
mático de Montevideo (Uruguai).
Nossa colaboração nesta publicação como coautoras se
deve ao fato de que ela sempre demonstrou interesse em apro-
fundar a reflexão sobre as questões referentes aos exercícios
mais adequados para as aulas de atuação.
Esta coautoria surgiu a partir de diversos questionamen-
tos que Ana propôs quando era monitora das aulas de atuação
e intermediava conversas com a turma de estudantes. Nesse
contexto, apareceu a necessidade de maiores esclarecimentos
sobre os procedimentos de treinamento atorial e, particular-
mente, sobre os exercícios de início de trabalho. Isso também
esteve associado ao fato de que ela compartilhou comigo a
condução das práticas, o que estimulou o desejo de refletir so-
bre os procedimentos de formação de novos estudantes. Poste-
riormente, durante o processo de escritura do seu trabalho de
conclusão de curso, que orientei, Ana deixou ainda mais cla-
ra sua inquietação em compreender como podem ocorrer os
processos de ensino-aprendizagem da atuação. Tudo isso nos
levou a estruturar este livro, cujo principal objetivo é oferecer a
jovens criadores e criadoras materiais para o desenvolvimento
de seus projetos cênicos.

2
André Carreira e Ana Zechini

Os exercícios que descrevemos ao longo desta publica-


ção foram recolhidos através dos registros das aulas realizados
por Ana, de anotações das estudantes Gisele Aparecida Knutez,
Francine Matos Costa, Patrícia Leandra, Verônica Bortolotto e
da nossa memória, com a inestimável colaboração de diversos
pesquisadores e pesquisadoras do ÁHQIS, nosso contexto de
trabalho de pesquisa que tem permitido ampliar nossas formas
de pensar sobre os significados da atuação teatral.

3
INTRODUÇÃO

Publicar um livro com exercícios de atuação não é fácil


quando se pretende evitar a todo custo oferecer aos leitores e
leitoras um manual de receitas. Por isso, a primeira coisa que
desejamos esclarecer a quem abrir estas páginas buscando al-
guma informação sobre técnicas de atuação é considerar que
o objetivo deste livro é, a partir de nossa experiência prática,
propor ideias a serem experimentadas em sala de aula ou em
ensaios, como estímulos à invenção de novos procedimentos
de atuação que estejam relacionados à prática de cada ator ou
atriz em processos específicos.
Os exercícios aqui descritos têm inúmeras fontes. De
muitos deles, perdemos os rastros de suas origens, porque fo-
ram experimentados em oficinas com professores, professoras
e artistas que passaram pelo ÁHQIS ou visitaram algumas aulas
na UDESC ou foram aprendidos em aulas a que assistimos em
algum momento. Esses exercícios foram, ao longo do tempo,
modificados e incorporados a práticas cotidianas, e, em certa
maneira, até foram traídos com relação às suas origens. Mas é
assim como se constroem as experiências de criação e apren-
dizagem: elas vão sendo modificadas pelo dia a dia da sala
de ensaio, que é, de fato, um laboratório no qual se mesclam
referências muito distintas, respondendo às dinâmicas dos pro-
cessos criativos.
No entanto, podemos citar algumas fontes fáceis de se-
rem reconhecidas em nossas práticas. Ali estão exercícios pro-
Exercícios de atuação

postos pelos diretores argentinos Guillermo Cacace e Ricardo


Bartis1, práticas provenientes da corrente dos View Points2,
que foram experimentadas nas sessões do ÁHQIS a partir
das propostas de Drica Santos e de Narciso Telles, exercícios
conduzidos por Renato Ferracini em diferentes oportunidades
em que trabalhamos conjuntamente, além de uma enorme
diversidade de jogos que foi incorporada pelos participantes
do laboratório de atuação ao longo dos anos. Há ainda uma
grande quantidade de exercícios que foram surgindo na sala
de ensaio e nas aulas, como parte dos processos de solução
de problemas que caracterizam a experimentação.
Como em todo processo de aprendizagem e criação
artística, essas informações se mesclaram com outras durante
os ensaios e sessões de pesquisa para gerar novas possibilida-
des referentes à alguma preocupação ou objetivo específico
do momento. Não há aqui nenhuma pretensão de reafirmar a
autoria dos exercícios, até mesmo porque, na tradição teatral,
o mais comum é a permanente reciclagem e reorganização de
práticas que se fundem e se recombinam dinamicamente.
Por isso, optamos por não apresentar aos leitores e
leitoras uma espécie de “árvore genealógica” dos materiais.
Apenas descrevemos os exercícios e deixamos claro com que
objetivos eles foram utilizados em aulas e ensaios. É muito
provável que, ao ler alguma descrição, se identifique exercí-
cios já conhecidos e até mesmo experimentados, de modo
que cada leitor e leitora reconhecerá suas referências. Para
nós, o mais importante foi descrever exercícios e tratar de
explicar como esses funcionaram nos nossos processos, con-
1
Sobre o trabalho de Ricardo Bartis, há inúmeros textos que podem ser consultados. O trabalho de Ana Consen-
tino, que acompanhou as aulas do diretor e o entrevistou em diversas ocasiões, oferece um panorama bastante
claro. Ver, por exemplo, o artigo “La propuesta actoral de Ricardo Bartis”, publicado em Territorio Teatral, n.
1, maio 2007, Buenos Aires.
2
A coreógrafa Mary Overlie propôs, nos anos 1980, uma técnica de improvisação chamada six viewpoints. Pos-
teriormente, a diretora Anne Bogart sistematizou e desenvolveu a técnica com ênfase nas categorias de tempo e
espaço no trabalho da atuação.

6
André Carreira e Ana Zechini

siderando a perspectiva de uma atuação no aqui e agora.


Pensamos que, dessa forma, estamos propondo uma ferra-
menta que possa estimular práticas criativas que confiem nos
processos de atores e atrizes como principais instrumentos
da realização teatral.
A forma direta como apresentamos os exercícios têm
como principal objetivo permitir, a quem precisa de materiais
para suas aulas e ensaios, usar livremente cada exemplo, des-
cobrindo como os elementos apresentados dialogam com sua
prática. Apesar de termos como principal preocupação o regis-
tro dos exercícios, não deixamos de expor, em linhas gerais, no
capítulo inicial, as referências estéticas e éticas que nos vincu-
lam com os materiais compartilhados. Para tanto, partimos de
uma reflexão sobre os princípios gerais de atuação que estão
na base das práticas do ÁHQIS e que influenciaram as aulas
às quais nos referimos, logo discutimos aquelas questões que
nos parecem mais importantes no momento em que se inicia a
formação de novos atores e atrizes.
A arte da atuação não pode ser entendida como resul-
tado de um conjunto de técnicas puras e aptas para qualquer
tipo de trabalho cênico. Nossa proposta coloca em discus-
são se realmente poder-se-ia formar uma atriz ou um ator
preparado para se incorporar de forma direta em qualquer
proposição estética. Não pensamos a arte de atores e atrizes
como algo multifacetado, aplicável de forma imediata a toda
demanda criativa, tal qual supõe uma idealizada “formação
para o mercado”.
Não existem técnicas teatrais neutras que apenas pre-
param atores e atrizes para todas as possibilidades do merca-
do teatral, cinematográfico ou televisivo. As escolhas técnicas
definem os limites territoriais de cada profissional. A reiterada

7
Exercícios de atuação

ideia de que a formação de quem atua deve ser a mais diversa


possível para ampliar as possibilidades de trabalho é seduto-
ra, mas esconde o fato de que tal formação já é em si mesma
um modelo e inscreve, de certa forma, esse artista em um
sistema determinado.
Todas as técnicas têm suas raízes em suas conexões es-
téticas e éticas. No entanto, não acreditamos que isso deve
implicar, necessariamente, um regime de fidelidade a um mo-
delo. A partir de qualquer processo de aprendizagem artísti-
ca pode-se experimentar outras formas de trabalho e outros
meios, e, inclusive, de encontrar alternativas para melhor apro-
veitar as oportunidades laborais. Deve-se experimentar com
liberdade, mas reconhecendo as referências, inclusive para
poder superá-las.
Atuar é uma arte que se realiza no corpo e nos compro-
mete de forma integral, pessoal e coletivamente. No entanto,
partir da premissa de uma formação que atenderia o “merca-
do”, pressupõe que o mercado existe de uma forma clara e
estabelecida. A experiência cotidiana nos mostra que tal mer-
cado é restrito a uma ínfima quantidade de artistas, ou seja, é
uma clara exceção no que se refere às possibilidades de cria-
ção artística. A maioria dos atores e das atrizes vive e produz
fora do “mercado”, construindo, sistematicamente, alternativas
criativas que buscam formas de dialogar com a sociedade.
Considerando isso, realizar práticas de atuação em con-
textos diversos está vinculado a um modo de estabelecer diá-
logos com os materiais que permitam ao ator e à atriz enfren-
tar os desafios de novas linguagens, ambientes ou meios. O
objetivo não está relacionado com a ideia de uma formação
genérica para atender às necessidades do mercado, e sim com
a exploração das capacidades criativas.

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André Carreira e Ana Zechini

O maior risco da formação genérica seria a falta de es-


paço para que cada ator ou atriz possa investigar como se dá
sua produção poética. Um modelo “camaleônico” de atuação
supõe um trabalho absolutamente organizado a partir do pon-
to de vista da adaptação às personagens, o que implicaria a
redução dos materiais de referência e relegaria a um segundo
plano a perspectiva do sujeito que atua com relação ao seu con-
texto cultural, político e social. Além do mais, esse modelo só
existe de fato no contexto das práticas da indústria do entre-
tenimento, onde supostamente poder-se-ia interpretar estando
completamente a serviço de um projeto alheio, o que implicaria
processos de criação determinados quase exclusivamente pelas
supostas demandas do público, mediadas por quem produz ou
dirige o projeto cênico. De fato, nossa prática artística deve ser
pensada como um diálogo permanente com todos os elementos
que interferem no fazer teatral.
A crítica aos modelos “camaleônicos” se sustenta na
ideia de que atores e atrizes devem saber como suas práticas
artísticas dialogam com seu mundo e de que modo se inscre-
vem como autores e autoras da arte teatral, e não apenas re-
correndo a uma formação para dar respostas pontuais a um
mercado profissional.
Cada atriz ou ator desenvolve, de fato, sua própria téc-
nica a partir de suas experiências e de suas escolhas, pois
a técnica é a materialização da linguagem nos corpos. Por
isso, é impossível estabelecer uma técnica de atuação que
possa ser aprendida de forma integral e reproduzida de modo
idêntico por diferentes atores e atrizes. Pode-se dar aulas de
atuação a partir de uma técnica, mas essa será radicalmente
modificada no momento em que se materialize em cada uma
das pessoas que a experimenta. A técnica será uma referência

9
Exercícios de atuação

que baliza a experiência individual que construirá, de fato,


os procedimentos que serão individuais, ainda que se estrutu-
rem em uma prática coletiva. Um conjunto de ideias sobre os
procedimentos de atuação pode ser compartilhado em expe-
riências coletivas, produzindo um espaço de reflexão e apren-
dizagem comum, mas a materialização da técnica será indivi-
dual, conforme as escolhas de cada pessoa. O trabalho grupal
é, nesse caso, um âmbito no qual se aprende e se inventa
conjuntamente, já que cada uma das pessoas está realizando
seu próprio processo. Consideramos a ideia da absorção de
um “método” em sua completude superada, porque reconhe-
cemos a singularidade da experiência como algo mais con-
creto, daí nossa aposta nos diálogos críticos com as técnicas.
Também relacionamos isso com a compreensão da
presença do elemento do real no exercício como fator cha-
ve da prática da atuação. A experiência pessoal no proces-
so de aprendizagem e criação seria aquilo que introduziria
a dimensão real na cena, a consciência do jogo realizado
pela atriz e pelo ator como manifestação primeira de um
real que explicita a singularidade de quem faz a cena frente
a quem assiste. Por isso, é fundamental que se reflita sobre
como cada exercício deve produzir algo real como experiên-
cia do(a) executante. O real não precisa ser necessariamente
algo que o outro reconheça como tal, e sim algo que trans-
forme quem atua, que tenha significado para a pessoa que o
experimenta, ainda que seja apenas uma sensação que esca-
pa ao plano do ficcional.
Outro aspecto a ser destacado para situar nossa propos-
ta de livro é que a ideia de sistematização de exercícios para
atores e atrizes e, ainda mais, sua generalização no formato
dos métodos organizados para o ensino institucional, é muito

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André Carreira e Ana Zechini

recente dentro da longa tradição das artes da cena. Esse tipo


de procedimento se expandiu no campo do teatro a partir do
século XIX. A prática dos exercícios sistematizados é recente
e, como diz o diretor Eugenio Barba, “quando os mestres da
Grande Reforma do século passado, […] deram tal ênfase aos
exercícios, não era a sua intenção apossar-se de uma tradi-
ção, mas, ao contrário, refutá-la. Tratava-se de um aprendiza-
do paradoxal, não para uma arte já conhecida, mas uma arte
ainda por vir”.3
Antes do aparecimento das primeiras escolas formais
de teatro, a arte da atuação se aprendia apenas nas práticas
das companhias de teatro, no caso do Ocidente, e nos estú-
dios dos mestres no Oriente. Temos, como um registro muito
antigo, as cartas e o livro de Zeami, do século XIII, no qual o
mestre do teatro japonês reflete sobre a atuação e outros ele-
mentos da linguagem cênica. A história do teatro nos conta
como, no final da Idade Média, a arte de atuar era ensinada
no interior das permanentes turnês das companhias de comé-
dia italiana que circulavam pela Europa. Muitas são as histó-
rias dessas trupes e suas rocambolescas peripécias, que deram
origem a peças teatrais e filmes. Quase sempre esses materiais
fazem referências a algum ator ou atriz iniciante sendo con-
duzido, muitas vezes, de forma não muito polida, no processo
de aprendizagem por alguém com mais experiência e domí-
nio do fazer teatral.
O aparecimento dos manuais a partir da tradição fran-
cesa, notoriamente, desde a criação da Comédia Francesa em
1680, estabeleceu uma referência que foi seguida, no caso
do Brasil, pelo ator e empresário teatral João Caetano, que,
depois de visitar o Conservatório Real da França, criou uma
escola de Arte Dramática totalmente gratuita em 1860. Ape-
3
BARBA, Eugenio. O quarto fantasma. Urdimento, n. 9, dez. 2007, p. 33.

11
Exercícios de atuação

sar de essa iniciativa ter tido uma vida curta, Caetano, preo-
cupado com a formação de artistas, também publicou dois
livros sobre a arte de representar: Reflexões dramáticas (1837)
e Lições dramáticas (1862).
Outros exemplos de escolas de teatro são a Real Escue-
la Superior de Arte Dramático de Madrid (Espanha), com um
século e meio de existência, e a London Academy of Music,
que foi fundada em 1861. Muito antes disso, os estatutos da
Universidad de Salamanca (Espanha), em 1538, já regula-
mentavam a obrigatoriedade da realização de representações
teatrais. Na segunda metade do século XVI, a Companhia de
Jesus se apoiou na tradição teatral universitária em realizar
debates e representações teatrais para sua prática missioná-
ria. Podemos considerar isso um rastro interessante do teatro
na universidade, que terminou por criar as carreiras profissio-
nais na academia. Na América Latina, a primeira escola de
teatro oficial foi inaugurada em 1908, por Coelho Neto, no
Rio de Janeiro, e essa continua em atividade na atualidade,
com o nome de Escola Técnica Martins Pena.
A partir da experiência do Teatro de Arte de Moscou,
encabeçada por Constatin Stanislavsky e Vladimir Nemiro-
vitch-Danchenko, foi criada, em 1898, o Instituto Russo das
Artes Teatrais (GITS)4, que se desenvolveu como um dos mais
conceituados centros de formação de atores e atrizes.
Os exemplos são inúmeros e, no Brasil, a primeira meta-
de do século XX viu o aparecimento de instituições com planos
de estudos estruturados para a formação de atores e atrizes.
Isso respondeu principalmente à demanda do processo de mo-
dernização da cena nacional. Esse foi o caso da Escola de Artes
Dramáticas de São Paulo (EAD), que posteriormente foi incor-
4
Em setembro de 1922, a GITIS recebeu seu atual nome quando se fundiram o Instituto Estatal de Drama Musical
e a Oficina Teatral Estatal, coordenada pelo diretor Vsevolod Meyerhold.

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André Carreira e Ana Zechini

porada à Universidade de São Paulo em 1952, e da Escola de


Teatro da Universidade Federal da Bahia, em 1956.
A partir dos anos 1960, mas principalmente na década de
1970, começaram a surgir de forma mais intensa os departamen-
tos de Teatro ou Artes Cênicas nas universidades de todo o país.
Durante os anos 1980, isso se tornou uma tendência, que, na dé-
cada seguinte, se combinou com a expansão dos cursos de pós-
-graduação em Teatro e Dança. Esse último processo reforçou
a reflexão sobre questões técnicas, e a atuação também passou
a ocupar um maior espaço na pesquisa teatral, anteriormente
dedicada principalmente aos estudos dos textos dramáticos e à
historiografia do teatro.
Hoje temos um grande número de cursos de graduação
em Artes Cênicas, que contemplam, de forma direta ou indire-
ta, a formação de atores e atrizes, além de vários programas de
pós-graduação. A verdade é que, no nível da pós-graduação,
ainda é escassa a atenção para o tema da formação de atores
e atrizes, mesmo que se observe que as pesquisas de mestrado
e doutorado têm ampliado nossa reflexão sobre as questões
referentes à atuação teatral. Poucas são as disciplinas de pós-
-graduação dedicadas à experiência prática da atuação.
Nesse contexto, inserimos este livro como mais uma
contribuição que busca ampliar o universo da reflexão sobre
os procedimentos de atuação. Empreendemos essa tarefa por-
que consideramos fundamental estimular as práticas criativas
apoiadas no trabalho da atuação.
Ao finalizar essa introdução, nos parece necessário rea-
firmar que o objetivo deste livro é oferecer aos leitores e leito-
ras ideias que ajudem a ampliar as possibilidades de trabalho
na sala de ensaio ou em qualquer outro espaço no qual se
esteja experimentando teatralmente. Tratamos principalmen-

13
Exercícios de atuação

te de responder o questionamento surgido muitas vezes em


sala de aula, o que nos impulsionou a organizar este material:
onde podemos encontrar sugestões de exercícios para atores e
atrizes? Ao mesmo tempo, queríamos revisar nossa prática na
sala de aula e no âmbito da pesquisa, refletindo sobre nossa
exercitação. Dessa forma, compilar e descrever os exercícios
foi uma maneira de retomar um caminho e pensar novas pers-
pectivas para a pesquisa e o ensino. Para contextualizar os
exercícios que descrevemos aqui, oferecemos alguns breves
capítulos que apresentam reflexões que buscam fundamentar
os procedimentos de atuação que têm orientado nossa pesqui-
sa e prática pedagógica.

14
O QUE É ATUAR NO AQUI E AGORA?

O principal objetivo deste capítulo é estabelecer uma


ideia de uma atuação no aqui e agora, considerando dife-
rentes noções que interferem diretamente na definição dos
procedimentos de trabalho. Para tanto, partimos da questão
da técnica e sua aprendizagem, porque a ideia de descrever
exercícios é, para nós, uma forma de produzir um espaço de
reflexão que estimule a experimentação e a reinvenção de
procedimentos e exercícios criativos.

Sobre a técnica
Falamos de técnica apenas para situar a perspectiva que
organiza nosso olhar sobre a prática de exercícios de atuação.
Talvez os(as) leitores(as) considerem esta parte do livro um
pouco monótona, pois tratamos de conceituar o que chama-
mos de técnica, mas sabemos que quem lê um livro pode pular
partes e até capítulos. Essa será uma escolha pessoal. Apenas
queremos que fique claro que a técnica é um fazer e não deve
ser entendida como um saber a ser reproduzido dentro de de-
terminados padrões. Para nós, a técnica é uma invenção.
Tradicionalmente se utiliza a expressão “técnica de
atuação” para se referir a um repertório de procedimentos de
uma determinada forma de atuar em relação a uma poética
específica. Assim, estruturam-se as diferentes escolas de cada
técnica e se formulam os campos de batalha nos quais se dão
Exercícios de atuação

enfrentamentos ideológicos e estéticos. O teatro está cheio


dessas batalhas pelo predomínio das ideias. Tudo parece re-
lacionar-se com a busca da excelência da arte teatral, mas
podemos pensar a técnica para muito além da coleção de
procedimentos que permitiriam produzir uma determinada
qualidade de resultados. É necessário criticar as abordagens
que acreditam que o domínio de uma técnica constituiria um
meio cujo fim seria representar com qualidade no teatro.
Para aprofundar nosso olhar sobre a técnica artística
devemos considerar: a) a ideia de arte da Grécia clássica,
isto é, a arte techné, como “fazer”, no sentido fabril; b) a
perspectiva do romantismo que concebeu arte como expres-
são, colocando a ênfase na relação entre a obra de arte e o
sentimento interno, que seria seu motor; c) a atual noção da
arte como conhecimento, visão e compreensão da realidade,
além de ação que interfere nessa realidade ou faz parte dela.
Ainda que a contemporaneidade deixe o aspecto da
execução, ou seja, da produção de objetos artísticos, em se-
gundo plano, podemos reunir esses três pontos de vista para
considerar a complexidade do fazer artístico e inscrever a
singularidade de quem faz como elemento central na defini-
ção de técnica. Essa ideia de que a ação artística está instala-
da na realidade interessa particularmente para pensarmos o
lugar da atuação dentro do fazer teatral.
No nosso cotidiano de artistas sabemos que é possível
compartilhar referências técnicas, de modo que um saber fa-
zer possa ser experimentado por muitas pessoas. Supomos,
inclusive, que um determinado saber funcione melhor como
instrumento da expressão, ou seja, mais capaz de produzir
conhecimento sobre o mundo. Mesmo assim, não está claro
se algum referente técnico nos permite uma avaliação ca-

18
André Carreira e Ana Zechini

bal da eficácia de seus procedimentos. Podemos aprender


procedimentos de trabalho e podemos incorporar elementos
técnicos à nossa forma de experimentar a atuação, mas, se
consideramos técnica uma complexa trama de saberes, pro-
cedimentos e formas de pensar, não devemos separar isso da
singularidade de cada corpo que experimenta um exercício
de atuação. Nossa experiência de trabalho nos faz reafirmar
a técnica de atuação como prática singular, e isso se relacio-
na com uma perspectiva que não separa esse fazer (artístico)
do ser em cena e do ser no mundo.
Consideramos a técnica da atuação algo que nos situa
em relação ao mundo, e através da qual articulamos nossas
falas e nos constituímos como sujeitos. Por isso, é interes-
sante notar que o filósofo Martin Heidegger, ao refletir so-
bre a noção de técnica, pensa sobre nossas práticas frente
ao mundo e sobre nossa capacidade de fazer visível aquilo
que importa na transformação. Dizia, então, que “o produzir
leva do ocultamento para o descobrimento. O trazer à frente
somente se dá na medida em que algo oculto chega ao deso-
cultamento”. A técnica se inscreveria como possibilidade de
deslocar o que está invisível para o centro de nossos olhares.
Para Heidegger, esse desocultamento que resultaria do
fazer estaria relacionado à possibilidade de se ter acesso à
verdade, ou seja, de se compreender aquilo que nos diz res-
peito. Isso estaria relacionado com a técnica, pois na ação de
“desabrigar se fundamenta todo produzir […] A seu âmbito
pertencem fim e meio […] A técnica não é, portanto, mera-
mente um meio. É um modo de desabrigar”.5
Pensemos isso do ponto de vista dos procedimentos
da atuação. O fazer ou a técnica não seria simplesmente um
5
LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Martin Heidegger e a técnica. Scientiæ Zudia, São Paulo, v. 5, n. 3, p. 369-
-374, 2007, p. 372.

19
Exercícios de atuação

meio, pois ela seria ao mesmo tempo meio e fim, porque


é uma prática que desabriga. Quando realizamos a técnica
de atuação, estamos no seio de processos que sobrepõem
seus fins e seus meios, pois o desenvolvimento da técnica
se produz nos deslocamentos que se experimenta. É por isso
que pensar a técnica de atuação apenas como aprendizagem
de uma série de procedimentos cujo fim é poder representar
personagens implica reduzir radicalmente a complexidade
da técnica.
A prática e os materiais que fundamentam a escritura
deste livro supõem considerar uma técnica que não se es-
conde atrás dos procedimentos técnicos que produzem um
determinado produto. A técnica da atuação e seus produtos
estéticos estão completamente articulados, e essa articulação
se materializa na experiência singular de cada atriz e de cada
ator. Como diz Franklin Leopoldo e Silva, para Heidegger, “a
relação entre desocultamento e disponibilidade indica, as-
sim, o modo específico pelo qual o homem experimenta a
técnica e experimenta-se nela”.6
É verdade que a aprendizagem técnica em atuação e
a experimentação com seus procedimentos são fundamen-
tais para o desenvolvimento de uma linguagem cênica. Não
questionamos a técnica como algo ligado a uma eficácia dos
processos de construção de linguagem, mas pensamos que
ela não pode ser considerada instrumento para se alcançar
resultados diretamente relacionados com os referentes de
um padrão pré-estabelecido. Isto é, questionamos a ideia da
reprodução de uma técnica como uma totalidade enquanto
fator decisivo para se fazer teatro.
A técnica deve ser compreendida como uma prática
singular porque é parte de uma aprendizagem/invenção cor-
6
Ibidem, p. 369-74, 2007, p. 372.

20
André Carreira e Ana Zechini

poral que só é possível como experiência pessoal. O aqui


e agora a que se refere o título deste livro não é apenas a
circunstância da cena, mas também este aqui, que é o corpo
de quem atua em um agora, que está definido por todos os
acontecimentos nos quais estamos inscritos quando ensaia-
mos e nos apresentamos. Ao se experimentar os procedimen-
tos de atuação, estamos nos expondo a um processo de auto-
conhecimento e tratando de reconhecer quais elementos de
nossa própria materialidade – física e mental – se relacionam
com o atuar no teatro.
Por isso, colocamos em discussão se a técnica é transi-
tiva, isto é, se ela pode ser transmitida e reproduzida fielmen-
te entre aprendiz e quem ensina. Como acreditamos que a
técnica é uma experiência singular, supomos que uma deter-
minada técnica não pode ser completamente passada de uma
pessoa que ensina para outra que aprende. A técnica pode
ser ensinada a um grupo de pessoas, mas ela será aprendida
de forma absolutamente individual. Por isso, preferimos di-
zer que ela será desenvolvida por cada aprendiz ou mesmo
inventada a partir das experiências singulares de cada pessoa
que aprende/inventa.
Esse ponto de vista não invalida as práticas pedagó-
gicas nas quais se ensinam técnicas específicas de atuação,
mas exige considerar que quem participa desses processos
pedagógicos esteja consciente de que a técnica será uma
construção singular, um desvelar-se ao se praticar os elemen-
tos que a técnica que está sendo ensinada permita.
Muitas aulas de atuação estão dedicadas, fundamen-
talmente, à aprendizagem desses procedimentos no contexto
de um saber fazer organizado como técnica e supõem que
seria possível apreender a totalidade dos procedimentos e re-

21
Exercícios de atuação

produzi-los, como se isso pudesse ser generalizado de forma


universalizante. Também se oferece a ideia de que a aprendi-
zagem desses procedimentos, além de funcionar para todos
os praticantes, permitiria atingir um patamar de qualidade
claramente reconhecível.
É mais interessante pensar a técnica como prática cujo
objetivo é gerar processos de refabricação técnica e de cons-
trução de novas experiências. Podemos ver a técnica como
um permanente desdobramento de saber/fazer, que é o cen-
tro dos processos de desvelamento. Nenhuma técnica é per-
manente, pois são desenvolvidas e se esgotam sendo inevi-
tavelmente abandonadas, uma vez que deixam de oferecer
respostas às necessidades do momento. Além disso, os cor-
pos que experimentam as mais diversas técnicas pertencem
aos seus tempos, e isso está diretamente relacionado com o
condicionamento de como as técnicas podem ser compreen-
didas e podem funcionar. Esse é um fenômeno que se dá na
esfera das pessoas, e cada ator e atriz percebe como determi-
nadas ideias e procedimentos eventualmente perdem sentido
nas suas práticas cotidianas ou se renovam a partir de suas
vivências particulares.
Como afirma Luigi Payreson, a pessoa é a obra que faz
de si mesma uma obra acabada e definida a cada instante, e é
também uma obra em desenvolvimento, aberta para requerer
e exigir novos atos e novos desenvolvimentos.
É interessante tomar a categoria proposta por Payreson
da técnica como “formatividade”, já que o fazer artístico é
um “formar” e pode ser pensado como um executar, isto é,
um inventar e descobrir.7
Sabemos que o domínio absoluto de uma técnica foi
e é um requisito em muitos modelos poéticos, e isso está
7
PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 45.

22
André Carreira e Ana Zechini

relacionado com a ideia de técnica baseada em conceitos


de eficiência e de tradição. Nesse caso, supõe-se que a efi-
cácia garantiria a capacidade de realizar uma determinada
tarefa com um padrão de qualidade claramente definido. O
resultado seria, inclusive, mensurável em termos qualitati-
vos. Por outro lado, a tradição reafirmaria a continuidade
de um saber e estabeleceria os parâmetros que permitiriam
avaliar a eficácia.
Opomos a essa perspectiva a noção da invenção da
técnica que se daria de forma concomitante com sua apren-
dizagem. Isso quer dizer que, enquanto aprendemos uma de-
terminada técnica de atuação, estaremos passando por uma
experiência pessoal que deve interferir nesse processo de
aprendizagem, de modo que inventemos nossa técnica ao
mesmo tempo que inventamos a nós mesmos. A formativida-
de implica dar forma à nossa expressão (domínio dos mate-
riais e da técnica) e invenção ou fabricação de nós mesmos,
pois nesse processo nos construímos como sujeitos artistas.
Ao realizarmos exercícios de atuação, não esta-
mos apenas introduzindo informações nos nossos corpos e
aprendendo formas de fazer, mas também construindo nos-
so conhecimento através dos exercícios. Ninguém aprende
uma língua sem que esta o(a) modifique e sem que esse(a)
falante a reinvente. Inventamos nossa forma de falar, ainda
quando nos ajustamos a diferentes modelos coletivos. É a
particularidade de cada vocabulário, cada padrão rítmico,
cada tonalidade, aquilo que constitui nossa inscrição nessa
fala. Na aprendizagem da atuação podemos observar com-
portamentos semelhantes, pois a técnica funcionaria dessa
forma. A técnica que nos é ensinada pode ser entendida
como estímulo para que inventemos nossa própria técnica.

23
Exercícios de atuação

Nossa técnica será nosso pensamento sobre o atuar e nossa


memória sobre o teatro, ou seja, aquilo que somos nos en-
saios e nas apresentações.

Singularidade e responsabilidade
Observar a singularidade como elemento central dos
procedimentos de atuação nos leva a dizer que uma atuação
no aqui e agora implica a ampliação da responsabilidade de
atores e atrizes com relação aos processos de criação dos es-
petáculos. Isso se deve ao fato de que efetivar a condição de
jogo que deve sustentar o trabalho da atuação exige que não
se seja absolutamente dependente de quem dirige o processo
criativo ou a prática pedagógica, nem mesmo de uma determi-
nada dramaturgia. Quem atua deve se considerar responsável
por produzir as tensões criativas que farão todos os materiais
vibrarem dentro de uma estrutura poética, isto é, dentro do
acontecimento que será o espetáculo.
A responsabilidade a que nos referimos não está rela-
cionada unicamente com uma ética do trabalho coletivo. Isso
é importante, mas é preciso ter uma responsabilidade que vá
além do respeito às regras funcionais do trabalho. Nosso foco é
reivindicar uma noção de responsabilidade que pede que ato-
res e atrizes radicalizem seu trabalho, buscando os limites de
cada momento do processo criativo.
Uma responsabilidade radical é o que explica a neces-
sidade de se buscar intensidade em cada exercício e em todo
o processo de criação. Somente um trabalho no máximo de
intensidade permite produzir uma experimentação que não
deixe que apenas as buscas formais que estejam a serviço da
encenação ou da interpretação “fiel” do texto funcionem como
opção de criação.

24
André Carreira e Ana Zechini

A busca de intensidade do jogo implica não colocar


nosso foco na busca de formas que respondam à demanda
da narração do plano dramatúrgico e, portanto, do resultado
final (a encenação acabada). Dedicar mais atenção à experi-
mentação das sensações que se têm no processo e relacionar
isso com os materiais que se foi experimentando é um modo
de se estruturar a atuação, apoiando-se naquilo que está ali
no momento do fazer.

Exercício de relação com Ana Zechini e Wellington Menegaz e grupo

Toda busca formal no processo de atuação deve ins-


trumentalizar a experiência singular de quem atua, uma vez
que é a experimentação das formas de fazer que constituem
o lugar para o fluir do espaço-tempo dos(as) artistas da cena.
Mas buscar o máximo de intensidade em cada tarefa e con-
siderar que todos os momentos dos ensaios e das apresenta-
ções devem ser vividos em sua totalidade seria um modo de

25
Exercícios de atuação

aprofundar permanentemente a relação com os materiais da


cena e as possibilidades de jogo com as outras pessoas que
participam do processo.
Apenas ao assumir a responsabilidade que implica en-
trar em um jogo de atuação e se manter produzindo materiais,
deixando-se afetar pelo que produz esse jogo, pode-se efeti-
vamente atuar sem estar completamente a serviço do texto ou
da direção. Quando trabalhamos com essa perspectiva, dimi-
nuímos os espaços para esperar soluções totalizantes da ence-
nação nas quais nos introduzimos. Assim, quem atua poderia
deixar de ser somente uma peça do mecanismo ao qual se
está submetido para funcionar como força realmente criativa:
uma força que gera vetores, transformando constantemente
todos os elementos que operam no processo artístico.
Uma atriz ou um ator que toma essa tarefa de buscar
a intensidade de cada passo nas idas e vindas dos processos
de criação poderá, de fato, ser um componente fundamental
da cena, uma força criativa de primeira grandeza. Assim,
poder-se-ia transformar a atuação em elemento central do
texto espetacular, porque ela funcionaria como vetor que
dinamiza a encenação.
Ser responsável não é apenas se comprometer para
que o mecanismo (a encenação) funcione, mas principal-
mente acionar para que seja a atuação que gere os elemen-
tos estruturais da cena. A interação de quem atua com todos
os elementos das diferentes linguagens que compõem uma
performance teatral pode ser mais produtiva quando se as-
sume a responsabilidade de levar cada um desses elementos
ao seu extremo. Experimentar é testar cada possibilidade da
linguagem ao máximo, ao mesmo tempo que se deixa modi-
ficar pela vivência de se colocar nas situações com intensi-

26
André Carreira e Ana Zechini

dade. Por isso, ao se ensaiar ou se apresentar, deve-se atuar


como se fosse tão fundamental quanto respirar, falar como
se isso nos fizesse humanos, perceber os acontecimentos
como uma forma de estar vivo.
Mas o que acontece quando se está muito comprome-
tido com a realização de um exercício e um companheiro(a)
não está? O que fazer nesse caso? Isso é sempre improduti-
vo? Devemos interromper o processo? Não necessariamente.
Todo exercício tem uma dimensão pessoal fundamental e,
mesmo em um processo desigual, pode-se encontrar alterna-
tivas para construir um espaço de experimentação. Pode ser
que isso não represente uma condição ideal, mas, em prin-
cípio, não precisa ser um obstáculo durante a prática criati-
va, já que encontrar alternativas para gerar conexão também
pode ser uma oportunidade para aprender.
É importante considerar que todo exercício tem sempre
aspectos que se sustentam em ações compartilhadas e aqueles
elementos que dizem respeito aos processos pessoais. Com-
binar com atenção esforços que contemplem esses aspectos
significa produzir mais oportunidades de aprendizagem.

Os princípios dos procedimentos


Um elemento crucial de nossa proposta é muitas vezes sin-
tetizado nos nossos ensaios ou aulas como a busca de um “atuar
sem representar”. De fato, essa é uma boa imagem, porque pro-
põe um procedimento central em uma atuação no aqui e agora,
isto é, dá ênfase ao jogo da atuação antes de privilegiar a repre-
sentação da personagem. O “não representar” é uma ideia que
busca uma qualidade de atuação que não tem seu foco na repre-
sentação completa da personagem e da história narrada, e está
muito mais interessada na intensidade de como se joga na cena.

27
Exercícios de atuação

Conversa depois de exercícios – André Carreira, Lara Matos e Priscila Costa

É impossível não representar quando se está diante dos


outros, por isso o não representar implica, nesse caso, não partir
da busca formal, cujo único objetivo é estabelecer uma represen-
tação acabada. O que buscamos é não apoiar o processo de atua-
ção unicamente na representação da personagem e das situações
dramáticas, pois não precisamos perseguir obsessivamente essa
representação, uma vez que sabemos que ela sempre estará pre-
sente na cena. O teatro é representação: trata-se de buscar as
substâncias do jogo que habitem a representação para oferecer
a atores e atrizes e ao público um tipo de acontecimento que
vá além da matéria do representado. Uma particularidade dessa

28
André Carreira e Ana Zechini

proposta é utilizar a representação como ferramenta do jogo. Isso


exige pensar a atuação como o principal material do aconteci-
mento cênico, pois é isso que coloca quem atua e o público em
um contato mais direto com a percepção do aqui e agora.
É comum que, durante os exercícios, os(as) participantes
criem histórias para sustentar o jogo, já que a ficção é parte
fundamental do trabalho de atuação. Porém, muitas vezes ato-
res e atrizes trabalham unicamente a partir da necessidade de
“contar a história”, ou seja, representá-la, limitando as possibi-
lidades de criação e experimentação de estímulos e sensações
que podem ser explorados durante os exercícios. A tradição
teatral ocidental, por estar absolutamente apoiada na represen-
tação de textos dramáticos, contribui para que o corpo assuma
a função de instrumento no processo de comunicação entre
autor e espectador. Rever essa dinâmica, ainda que sem a in-
tenção de invalidar a representação e o trabalho com o texto,
exige focar na experiência concreta dos corpos que estão em
cena. Isso significa que perceber as sensações e deixar-se con-
duzir pelas mesmas é o objetivo central do trabalho no proce-
dimento apresentado neste livro.
Nesse processo, atores e atrizes poderão produzir ficção:
possivelmente criarão uma história (individual) que sustentará o
jogo, e ela poderá, inclusive, encontrar espaço de representação
durante a realização do exercício. Por isso mesmo, não é neces-
sário que esse seja um elemento central da prática. Portanto, é
importante reafirmar que atores e atrizes não busquem “repre-
sentar o texto” ou “criar cenas” durante os exercícios: em vez
disso, deve-se pedir que se deixem contaminar pelas sensações e
relações que se estabelecem durante a experiência cênica, como
uma forma de expandir o território da experiência em atuação,
sem limitá-la a uma “boa representação do texto”.

29
Exercícios de atuação

No entanto, o uso de pequenas ficções durante os exer-


cícios é um elemento chave que permite conjugar os planos
coletivo e pessoal de jogo, facilitando com que cada ator e
atriz possa produzir diferentes camadas de estímulos. A ideia
de uma pequena ficção é totalmente diferente do contar uma
história porque não está relacionada com a realização de uma
cena para ser compartilhada, e sim como uma ferramenta
para sustentação do acionar pessoal. Uma pequena ficção é
parte do procedimento do pensamento em ação e implica um
exercício de imaginação na medida em que contribui para o
compromisso com o jogo e com as sensações que se experi-
menta ao jogar.
Os três elementos do trabalho da atuação que nos pare-
cem chaves quando se pensa em uma atuação no aqui e agora
são: o estar, a intensidade e o jogo. O primeiro passo para refle-
tir sobre o que seria cada um desses elementos é observar que é
impossível trabalhá-los de forma independente. Podemos tratar
de delimitar cada um desses elementos de forma separada, mas
nunca devemos nos esquecer que eles estão profundamente
correlacionados.
O estar implica nossa capacidade de perceber como
estamos operando em determinado contexto que conjuga fic-
ção e realidade, e que não há forma de esses dois planos se
separarem, nem do ponto de vista da produção de sentidos,
nem do ponto de vista da experiência da atuação. Ao reco-
nhecermos o “estar” como elemento fundamental da atua-
ção, estamos reivindicando um papel completamente ativo
para quem atua: ativo, porque supõe estar em cena e perce-
ber detalhadamente tudo aquilo que ocorre no entorno e em
seu próprio corpo/afeto, e como isso modifica as condições
de atuação.

30
André Carreira e Ana Zechini

A intensidade diz respeito a como quem atua percorre


os caminhos de sua performance, como se compromete com
a busca de potência em cada coisa que utiliza nos processos
criativos. A intensidade não aparece apenas através da força
de um gesto ou do volume da voz: ela deve ser construída e
percebida por quem atua como acontecimento que modifica
o próprio atuar. Os dicionários explicam a intensidade como
o grau de força ou energia com que se realiza uma ação ou se
manifesta um sentimento, mas também pode ser uma grande
atividade em um determinado período de tempo. O Dicciona-
rio Actual diz que “intensidade se refere a alguma coisa que
tem qualidade de se acrescentar, de se estender em magnitude
ou em energia”.8
A ideia de uma qualidade que se acrescenta e se esten-
de pode ser relacionada com uma ação que dura e se mantém,
e, por isso mesmo, produziria processos de transformação na
pessoa que a executa ou a experimenta. Então, podemos pen-
sar que uma ação que tratamos de realizar com intensidade
pode ser o elemento disparador de sensações e de pensamen-
tos que se interferem diretamente em nossa realização de uma
determinada cena.
Produzir intensidades na cena é gerar materiais para es-
timular processos que podem tanto proporcionar descobrimen-
tos quanto afetar a quem participa ou assiste à cena. Quando
se atua sem intensidade, nada é transformado, uma vez que
diminui a interferência do trabalho da atriz ou ator, logo quem
assiste perde o interesse ou fica abandonado no país dos sen-
tidos lógicos da peça onde restaria, então, apenas o plano da
representação da dramaturgia.
Mas, ao pensarmos um trabalho que tem como baliza
a busca da intensidade, devemos evitar a confusão entre in-
8
Ver: <http://www.diccionarioactual.com>.

31
Exercícios de atuação

tensidade e mergulho para dentro. A busca da intensidade é


colocar-se no trânsito entre diferentes estados, é um ir e vir
e, ao mesmo tempo, perceber como essa experimentação da
intensidade condiciona o jogo da atuação.
Ao se ter como foco a intensidade, pode-se correr o risco
de confundir a intensidade com uma potência física que encerre
a atenção de quem atua nas suas próprias sensações. Isso pode
gerar um tipo de concentração que clausure o jogo e encapsule a
voz, pois, ao se colocar toda a atenção nas sensações experimen-
tadas no corpo, pode-se esquecer as pessoas que estão assistindo
e até mesmo aquelas pessoas com quem estamos atuando.
A exploração da espacialização da voz com a con-
sequente ampliação da sonoridade – o que não é o mesmo
que a projeção vocal – também deve estar relacionada com
a qualidade do jogo com o outro. É interessante considerar a
abordagem sonora de Mônica Montenegro para o trabalho da
atuação, que afirma que:
O indivíduo não deve ouvir sua fala apenas como uma estru-
tura, mas como um sistema de acesso dinâmico, no qual ela
também revela a forma (o modo) de se relacionar com o ato
expressivo. [...] Na prática, o trabalho com qualidade vocal
ensina a escuta dos espaços internos e o reconhecimento do
trânsito e locações expressivas possíveis no corpo, suas quali-
dades, imagens e intenção.9

Indo muito além da voz projetada, essa pesquisadora


relaciona a pesquisa vocal com as possibilidades de se “tocar
o intangível, o sensível, para além do que as palavras dizem,
criando camadas de possibilidades expressivas e de significa-
ções”.10 Como o que se busca no jogo da atuação no aqui e
agora é a conexão com os acontecimentos da cena e do seu
9
MONTENEGRO, Mônica. A expressividade como dinâmica de pulsação pessoal. Anais do XVIII Seminário de
Voz da PUC/SP (Voz e expressividade: aspectos da oralidade. PUC/SP). São Paulo, 13 jun. 2008. p. 27.
10
Idem. p. 27.

32
André Carreira e Ana Zechini

entorno, pode-se considerar que um trabalho sonoro deve estar


articulado com a:
Consciência (percepção/acesso) da expressividade pessoal,
com o permanente diálogo destes elementos e de como são
associados, criando as imagens. A escolha dos elementos
constrói uma imagem (ou intenção) e a imagem justifica cada
elemento. Sem que o domínio seja apenas técnico, mas vi-
venciado, tanto como estrutura – elementos do movimento
expressivo global e na fala – quanto como significação.11

A base comum dessa prática é o jogo na cena como


ação que se produz de forma central que, por momentos, se
faz quase independente do projeto dramatúrgico, porque é
isso que constitui o espaço de criação de quem atua, isto é, o
jogar com todos os materiais disponíveis no processo. Portan-
to, a voz, como componente central da experiência corporal,
será um elemento chave para a produção das intensidades do
jogo. Nesse sentido, os acontecimentos físicos dos exercícios
cumprem um papel fundamental porque introduzem imedia-
tamente os elementos do real, da materialidade do contato, da
respiração, daquilo que compromete os corpos.
Outra forma de se deparar com o bloqueio é a busca por
fazer o “correto” em cena. Quando nos dispomos a atuar sem
ter como eixo do processo unicamente as decisões da direção
ou sem estarmos absolutamente servis à interpretação do ma-
terial dramatúrgico, podemos nos confrontar com o medo de
errar, por se tratar de uma abordagem demasiadamente aberta.
Ao mesmo tempo, o desejo de fazer uma cena perfeita também
pode funcionar como um elemento que produza esse medo, e,
dessa forma, prejudique todo o processo. O risco é um compo-
nente inerente aos processos de pesquisa, que serão, também,
processos de criação cênica.
11
Ibidem. p. 28.

33
Exercícios de atuação

Exercício de estados com Marco Antonio Oliveira e Heloisa Marina

Ainda que possamos dizer que na arte não há certo e


errado absolutos, não podemos mergulhar nos processos de
criação sem preocupações, pois, quando estamos em cena, a
possibilidade do erro passa por nossas cabeças e modifica nos-
sos corpos. Devemos incorporar isso à lógica de um trabalho
no aqui e agora. Sem que possamos identificar facilmente o
que seria o errado e o correto em uma atuação no aqui e agora,
pode-se dizer que esse medo não deve ser um obstáculo para a
experimentação. Se existe uma forma “correta” de experimen-
tar, ela estaria relacionada com a capacidade de se explorar as
intensidades da experiência. O “errado” seria não levar a expe-
riência até suas últimas consequências no processo de criação.
A busca de um “correto”, a priori, apenas nos leva à repetição
de formas e procedimentos já conhecidos. Isso excluiria quase
por completo a possibilidade de que haja acontecimento no
processo de criação e apresentação.

34
André Carreira e Ana Zechini

Um atuar no aqui e agora implica lidar com esse medo


como condição, mas não como fator limitante. Por isso, pode-
-se dizer que alguém que estuda atuação deverá correr o risco
de experimentar, pois essa é a única forma de construir sua
técnica. Há, de fato, no processo de atuação, uma permanen-
te combinação de experimentação de elementos novos com a
repetição de coisas que já conhecemos. Isso oferece uma mar-
gem de segurança para que se corra riscos. Essa combinação é
produzida por quem atua, então a própria pessoa terá controle
das zonas de risco que poderá visitar.

Marina Argenta e Ana Zechini em No salão (espetáculo-laboratório do ÁHQIS)

35
Exercícios de atuação

Para trabalhar com essa premissa, é necessário não


priorizar o desejo de atender às demandas da audiência. Se
queremos agradar a todo momento, nosso medo de errar será
insuperável, pois não é possível suprir todas as necessidades
dos outros. Isso não implica desconhecer a audiência e suas
demandas, afinal, fazemos teatro com ela. Mas uma coisa
muito distinta é colocar toda nossa atenção nisso. Como na
vida cotidiana, se apenas queremos atender aos anseios dos
outros, acabaremos por nos esquecer das coisas que nos in-
teressam e nos dão prazer, e nos fazem ser o que somos. O
teatro sem risco é um teatro carente de prazer da experimen-
tação e do jogo. Nesse caso, a atuação perde potência e se
faz apenas interpretação de papéis: quem atua se aproxima
mais a um(a) funcionário(a) da cena, antes que um(a) artista.
Devemos explorar as possibilidades de se pensar a
atuação e suas relações criativas com o aqui e agora, o que
precede à ideia de que atuar é estar apenas a serviço da com-
posição das personagens ou das encenações. Quando nos re-
ferimos a um aqui e agora, estamos pensando em tudo aquilo
que se experimenta e se vive enquanto se atua.
Na perspectiva de quem atua, isso significa considerar
o que se está sentindo enquanto se está fazendo o que faz em
cena, e como o que se sente o(a) leva a fazer coisas, a criar
e ampliar a experiência de criação, sem estar preso(a) a uma
ideia de representação pré-estabelecida. Esse aqui e agora
inclui tanto o momento do ensaio quanto o instante da apre-
sentação, porque é o lugar e o tempo no qual estão atrizes e
atores. Isso significa que não haveria, então, uma distinção
entre ensaio e apresentação, já que ambos exigem o mesmo
grau de comprometimento por parte de quem atua a “estar”
presente e disponível para, a partir dos exercícios cênicos

36
André Carreira e Ana Zechini

propostos, viver uma experiência real e compartilhável, que


só é possível no aqui e agora.
Por isso, é fundamental que atrizes e atores estejam co-
nectados com uma perspectiva de jogo que se vincule com a
experiência de atuar no próprio momento da atuação. Portan-
to, é essencial compreender a complexidade do acontecimen-
to social e político e considerar que a atuação teatral nunca
é realizada em um ambiente completamente neutro. Mesmo
diante de um público especializado em ver teatro, não existirá
neutralidade. As pessoas presentes – no palco ou na plateia
– estão imersas no tempo cultural e político, portanto estarão
fluindo em dimensões que vão além do plano ficcional apre-
sentado. É exatamente isso que constitui o plano referencial
que dará significado a tudo que acontecerá em cena.
Para tratar de fazer com que isso fique mais claro, po-
demos dizer que diferenciamos essa perspectiva de trabalho
daquela centrada na composição da personagem como uma
totalidade dada previamente. O principal aqui é tentar supe-
rar a ideia de que o trabalho de atuação estaria baseado no
desenvolvimento de técnicas que permitam a melhor compo-
sição da personagem, considerando que essa seria um objeto
pré-estabelecido ao que, com os procedimentos adequados,
se poderia atingir plenamente. Nossa pesquisa se funda na
ideia de que as personagens são instrumentos do processo
criativo: são materiais para o jogo da cena e da experiência
teatral. Elas não podem ser completas antes que os atores e
as atrizes experimentem criá-las e testá-las diante do público,
pois apenas esses corpos em ação podem, efetivamente, pro-
duzir a qualidade teatral, que é a vida da cena.
Isso não equivale a negar de modo absoluto a função
da personagem nas performances teatrais, e sim atribuir-

37
Exercícios de atuação

-lhes um papel relacionado com a possibilidade do jogo


que pode produzir um acontecimento cênico vivo. Acre-
ditamos que a qualidade de uma atuação está menos na
sua capacidade de se mimetizar com um referente anterior
posto do que com sua possibilidade de produzir sensações e
experiências que comprometem aqueles e aquelas que par-
ticipam do acontecimento.
Quando se atua considerando a perspectiva técnica do
aqui e agora, diminui-se o risco de que a atuação se sustente
apenas na representação ideal das personagens, em primeiro
lugar, porque tal representação perde a estabilidade e o con-
trole absoluto que normalmente se busca para evitar erros
nas apresentações. Isso se deve ao fato de que, ao assumir o
aqui e agora como elemento da atuação, se está assumindo
a perda do controle absoluto e se está incorporando os ele-
mentos de crise no processo de atuação. Isso aproxima os
processos de atuação das dinâmicas da vida cotidiana, ainda
que em uma situação representacional na qual o teatro sem-
pre está inscrito.
Outro aspecto central da atuação considerando o aqui
e agora é a possibilidade do desenvolvimento de uma per-
cepção que sempre reinstala quem atua no coração daquilo
que constitui o próprio estar em cena: compartilhar o aconte-
cimento com o público e as outras pessoas da cena.
É muito estimulante entender as dinâmicas desse acon-
tecimento como vetores que permitem desenvolver a própria
cena e, inclusive, a técnica de atuação. Ainda que esse ponto
de vista sobre o trabalho de atores e atrizes diga respeito fun-
damentalmente ao teatro, o desenvolvimento de habilidades
a partir da percepção das dinâmicas do ambiente podem ser
exploradas, circunstancialmente, em performances ante às

38
André Carreira e Ana Zechini

câmeras, pois, afinal de contas, ali também existe um con-


texto que dialoga com as percepções de quem atua, tornando
o processo de criação mais democrático.
Por fim, cabe dizer que atuar no aqui e agora é privi-
legiar o trabalho das atrizes e dos atores na composição das
cenas. É acreditar que quem está em cena tem sempre um
conhecimento específico, que quem dirige ou escreveu não
pode dominar absolutamente. Isso por certo implica riscos
para aqueles e aquelas que acreditam que os projetos teatrais
são resultado de uma visão global previamente estabelecida
a partir de uma leitura aprimorada do material textual e de
decisões que estejam bem relacionadas com as demandas
desse material.
Ainda que isso seja importante para alguns projetos
teatrais, não pode ser considerado um axioma, isto é, uma
ideia indiscutível. Cabe dizer também que essa é uma pers-
pectiva de trabalho com a qual muitas vezes atores e atri-
zes não estão acostumados, devido ao senso comum sobre o
trabalho de atuação como um trabalho da representação de
uma ideia, como já dito, de uma personagem, e não como
uma linguagem através da qual cada indivíduo produz sua
poética. É importante ressaltar a ideia de emancipação de
atores e atrizes, pois esse é o primeiro passo para que os
exercícios possam servir como motor durante a pesquisa e
criação técnica individual.

Pensamento em ação e a busca da intensidade


Atuar é fazer funcionar um pensamento criativo em
ação em meio ao contato com o público e com as pessoas
que estão em cena. Também é buscar uma condição que nas-
ce na representação, mas se define efetivamente no exercício

39
Exercícios de atuação

de um jogo pessoal através da experimentação com energias


pessoais dentro de um ambiente coletivo.
Quando o ator ou a atriz está em cena, está experi-
mentando caminhos, está desfrutando de um modo de exis-
tência que é resultado de uma duplicação, isto é, da ação
simultânea do sujeito (fingidor), do plano da presentificação
e da representação. O ator ou a atriz representam um sujei-
to, uma vez que é impossível estar em cena sem se oferecer
como sujeito. Por mais bem construído que esteja a persona-
gem, ela nunca é capaz de fazer invisível quem atua. Como
afirma Henri Gouhier:
No início de sua Poética, Aristóteles distingue a tragédia e a
comédia da epopeia: são três artes de imitação, mas a últi-
ma imita narrando, as duas outras “apresentando a todos os
imitados como operantes e atuantes.” A “imitação” de um
homem agindo só pode ser uma representação, quer dizer,
uma ação tornada presente. Na representação, há presença
e presente: essa dupla relação com a existência e com o
tempo constitui a essência do teatro.12

Nessa representação existe uma ação presente, que é a


própria experiência de quem atua, e é também a existência con-
creta do ator ou da atriz como corpo, como sujeito que com-
partilha com o outro, com quem assiste à construção daquilo
que chamamos teatro. A tessitura do ato presencial das pessoas
“que agem imitando”, isto é, a ação de imitar, e não o elemento
imitado, constitui o material central da experiência do teatro.
Por isso, pode-se dizer que a personagem é auxiliar da ação de
quem performa.
A cena moderna se estruturou ao redor da ideia do
duplo, da qual nos falou Antonin Artaud. A tensão entre a
atriz ou ator e sua construção da personagem representa,
para nós, elemento fundamental da materialidade do teatral,
12
GOUHIER, Henri. L’essence du théâtre. Paris: Librarie Plon, 1943, p. 1-7.

40
André Carreira e Ana Zechini

isto é, a ação de se duplicar que nunca pode implicar o to-


tal desaparecimento do sujeito que atua. O diretor Eugenio
Barba diz que:
Para remodelar artificialmente a própria energia, o ator
deve pensá-la de forma tangível, visível e audível, deve
representá-la, decompô-la numa gama, suspendê-la numa
imobilidade que age, fazê-la passar com velocidade e in-
tensidade diferentes, como num slalom, através do desenho
dos movimentos.13

Considerando esse ponto de vista, pode-se dizer que


atuar seria fazer fluir no corpo-mente ações e pensamentos
que funcionem como instrumento que estabeleça o território
lúdico no qual atores e atrizes possam criar um plano fic-
cional. Quando vamos ao teatro, podemos estar interessados
nas histórias que serão contadas, mas, sobretudo, queremos
ver como essas histórias serão contadas por aquelas pessoas
que nos desafiam e correm os riscos mais diversos entrando
em cena a cada nova apresentação.
Essa é a grandeza do teatro: a possibilidade de se esta-
belecer um contato concreto com a experiência da represen-
tação que se faz ali diante dos nossos olhos. Por isso, atuar no
teatro, seja no palco ou na rua, implica descobrir um território
lúdico e habitá-lo para que se possa produzir aquilo que é
sua principal função, ou seja, a criação de um território de
encontro com o público mediante o exercício da duplicação.
A tarefa fundamental de atrizes e atores é descobrir
seus próprios procedimentos para a construção de situa-
ções teatrais que permitam ir além da pura representação
das personagens, de modo que os processos de duplicação
abram espaços intersticiais nos quais as pessoas da audiên-
cia possam entrar.
13
BARBA, Eugenio. A canoa de papel. São Paulo: Hucitec Editora, 1994, p. 105.

41
Exercícios de atuação

Exercício de peso com Verônica Bortolotto

Quando estudamos atuação, somos ensinados técnicas


expressivas, procedimentos técnicos para a construção de per-
sonagens, formas de ampliar nossa capacidade de observação
e nosso potencial expressivo. No entanto, tudo isso não será
operacional se não desenvolvemos nosso próprio percurso in-
terior para jogarmos, se não descobrimos como esses elemen-
tos técnicos funcionam em articulação com nossas estruturas
pessoais, pois a expressividade corre o risco de ser superficial.

42
André Carreira e Ana Zechini

Nosso potencial expressivo como atores e atrizes reside na nos-


sa capacidade de jogar com a imaginação e desfrutar desse
jogo como algo real.
O processo de aprendizagem das técnicas de atuação
nos molda e ajuda a nos construir como atores e atrizes, mas
isso não se dá pela mera apreensão de novas informações:
ocorre, fundamentalmente, através do processo de construção
de um novo conhecimento, que tem como ponto de apoio bá-
sico a capacidade lúdica de quem atua.
Essa capacidade lúdica não se refere apenas a um jogo
improvisacional ou mesmo a uma capacidade de jogo na cena,
na interação com o público, isto é, de um jogo que estrutu-
ra uma narrativa: trata-se principalmente de uma “inteligência
criativa”, de uma estratégia de criação que, ao mesmo tempo,
serve à composição dramática e ao próprio exercício subjetivo
de atores e atrizes como sujeitos.
A matéria do trabalho de atores e atrizes está constituí-
da de ações e da presença real deles diante dos espectadores.
Quando uma atriz ou um ator supõe que sua tarefa é basi-
camente contar histórias, representando personagens previa-
mente criados pelos escritores, está buscando algo improvável,
isto é, está tratando de ser um instrumento quase neutro na
construção da cena. Tal neutralidade nada tem a ver com o ser
ator/atriz, pois ela é uma arte feita no corpo, e o corpo neutro
é impossível. Por isso, a presença de quem atua é um dos ele-
mentos-chave da construção da condição de representação na
contemporaneidade. O fato de o(a) ator/atriz estar ali em frente
ao público, sendo claramente uma pessoa inscrita no mundo,
é a base do fenômeno teatral, que é sempre um acontecimento
que se dá no plano da experiência compartilhada.

43
Exercícios de atuação

Ana Zechini, Luana Leite e Patrícia Barrufi em 7 crianças judias


(espetáculo-laboratório do ÁHQIS)

Por isso, o pensamento em ação é um elemento técni-


co fundamental. As ações se estruturam a partir da articulação
de pensamentos em ação. Isso não implica reivindicar uma
perspectiva racionalista para o trabalho na cena, e sim afirmar
que o jogo com a imaginação, ou seja, com os pensamentos e
sensações que se experimenta ao atuar, deve ser base para os
processos da cena.
Diferentemente das abordagens que supõem a mais
completa racionalização prévia dos materiais dramatúrgicos
para sua experimentação prática, a ideia do pensamento em
ação não se refere à construção de um “pensamento” que fun-
cione como subtexto das cenas. A ideia é que a produção de
pensamentos e sensações reconhecidas pode funcionar como
substrato do jogo da atuação no aqui e agora. Esse pensamen-
to seria a base do jogo de quem atua, uma invenção pessoal

44
André Carreira e Ana Zechini

que deve servir como elemento estimulante e condutor do


jogo, porque pode constituir para atores e atrizes um espaço
pessoal de prazer.
O pensamento em ação não tem como objetivo explici-
tar para o público o que funciona como referência para quem
atua, e sim produzir intensidades que transformem os proces-
sos e permitam produzir materiais que sejam estimulantes para
quem assiste. Portanto, fabricar tais pensamentos é como cons-
truir um mapa secreto que pode ser recorrido muitas vezes por
quem atua. Pensar nesse caso pode ser criar pequenas ficções,
como foi mencionado anteriormente. Essas ficções breves po-
dem se referir à própria pessoa ou a parceiros do jogo. Pode-se
trabalhar imaginando o que a pessoa irá fazer, pode-se sus-
peitar das intenções, pode-se criar lógicas para suas próprias
ações, mas tudo isso sem que se realize esforços para fazer
evidente a pequena ficção para quem está conosco na cena e
tampouco para o público.
O pensamento em ação funciona sustentando o jogo
e utiliza a imaginação como instrumento das sensações no
jogar. Por isso, o pensamento em ação pode funcionar tanto
como um transitar por imagens quanto como uma sequência
de pequenas ficções na qual não é necessário um encadea-
mento lógico. O que realmente importa é que o ator ou a atriz
articulem esse pensamento, as imagens ou as pequenas fic-
ções como um mecanismo que auxilie a explorar as sensações
vividas nos jogos. Todas as ações devem estar preenchidas de
um impulso lúdico, e o pensamento em ação é uma das cha-
ves para que isso ocorra.

45
PARA QUE SERVEM OS EXERCÍCIOS
E COMO EXECUTÁ-LOS?

Ao pensarmos nos exercícios de atuação, é importante nos


perguntarmos quais são seus limites. O que um exercício de trei-
namento de atuação pode produzir além de uma óbvia aprendi-
zagem artística?
Entre as pessoas que não têm experiência no teatro, mui-
tas vezes se acredita que atores e atrizes se confundem com
suas personagens e suas emoções. O cinema e a televisão têm
por hábito veicular ideias segundo as quais, nos processos de
criação de atores e atrizes, é comum que se produzam con-
taminações pelas personagens, perdas de controle nas quais
a ficção invade a vida real. Haveria, segundo esses olhares,
uma espécie de permanente confusão entre esses dois planos,
o que, em princípio, faria parecer que a vida de quem atua é
um tanto misteriosa e perigosa.
A arte de atuar é uma arte do corpo no espaço e em ação.
Por isso, as práticas dos exercícios certamente podem contaminar
emocionalmente quem as realiza. Muitas vezes, na condição de
exercitação, pode-se dar vazão aos sentimentos que afloram. Isso
não é, em princípio, ruim para o processo de aprendizagem, des-
de que o exercício não se transforme em um espaço terapêutico.
Como dito anteriormente, os processos de aprendizagem
das técnicas de atuação são processos de invenção de nós mes-
mos, das formas como nos colocamos em jogo e de como ex-
perimentamos os prazeres da ficção. Mas, se a exercitação for
tomada como um espaço terapêutico, estará correndo o risco
Exercícios de atuação

de produzir falsos resultados, já que as terapias demandam uma


capacidade de contenção que somente a experiência de um(a)
profissional pode assegurar.
No entanto, não se deve esquecer que o espaço do en-
saio e da exercitação é um espaço produtor de transformações e
experiências pessoais intensas. Se estamos atentos aos aspectos
estéticos que devem ser componente central de tais experiências,
podemos construir um enquadramento produtivo para tudo que
se produza nos exercícios e que nos afetem emocional e inte-
lectualmente. O objetivo de um exercício nunca é puramente
catártico, isto é, não pretende nunca apenas gastar uma energia
contida ou dar vazão a sentimentos que não encontraram outros
espaços para se manifestar.

O teatro é uma terapia?


Ainda que para muitas pessoas o espaço do ensaio e das
apresentações possa ser um espaço que traz prazer e conforto e
que o fazer teatral nos modifique, ele não deve ser confundido
com os processos terapêuticos. Em primeiro lugar, sem um en-
quadramento profissional claro, seria muito arriscado reivindicar
qualidades terapêuticas para uma aula de teatro.

Exercícios de relações no espaço com Lucas Heymanns,


Patrícia Barrufi, Marco Antonio Oliveira e Bia Cripaldi

48
André Carreira e Ana Zechini

O livro de Augusto Boal O arco-íris do desejo: método


Boal de teatro terapia é uma publicação que pode produzir mui-
tas confusões sobre o papel dos exercícios teatrais.14 Nesse livro,
Boal diz que, depois de vários anos experimentando com o Tea-
tro do Oprimido e já no exílio, foi percebendo que a opressão
não estaria apenas na relação com as forças da repressão policial,
e que na Europa a repressão estava mais na cabeça das pessoas.15
Foi a partir disso que Boal começou um processo de ajustamento
na sua abordagem do Teatro do Oprimido, enfatizando aspectos
que ele chamou de terapêuticos.16
Para Boal, o aspecto terapêutico do teatro estaria relacio-
nado com o “caráter dicotômico-dicotomizante que esse ‘tabla-
do’, permite – e mesmo torna inevitável – a auto-observação”.17
Por sua qualidade “telemicroscópica” (que magnifica e particu-
lariza simultaneamente), o palco nos permitiria ver coisas que no
cotidiano nos passam despercebidas.
Não se pode descartar absolutamente elementos que
aproximam o teatro do mundo da terapia, pois se trata de um
lugar no qual “ao ver-se e ao ouvir-se o protagonista adquire
conhecimento sobretudo porque vemos e ouvimos. Eu vejo e
me vejo, eu falo e me escuto, eu penso e me penso”.18 É verdade
que o palco abre espaços para olhares auto referenciais, mas
isso não pode particularizar uma suposta qualidade terapêutica,
14
BOAL, Augusto. O arco-íris do desejo: método Boal de teatro e terapia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
15
“Por aqui, se morre de fome; por lá, de overdose, pílulas, lâminas e gás. Seja qual for a forma, é sempre morte. E
imaginando o sofrimento de alguém que prefere morrer a continuar com o medo do vazio ou angústias de solidão,
fui-me obrigando a trabalhar com essas novas opressões e aceitá-las como tais. Mas, onde estava a polícia? No
começo dos anos 80, em Paris, fiz um longo atelier que durou dois anos, intitulado Le flic dans la tête (O tira na
cabeça). Eu partia desta hipótese: o tira está na cabeça, mas os quartéis estão do lado de fora. Tratava-se de tentar
descobrir como lá penetraram e inventar os meios de fazê-los sair.” Idem nota anterior, p. 23.
16
Segundo essa perspectiva, haveria dois tempos no exercício do teatro. Um ator/atriz, como um indivíduo na
vida real, viveria, no ensaio, na busca de um personagem, em um primeiro momento, a cena com emoção. “Num
segundo momento, no palco terapêutico ou teatral, diante de espectadores/as desconhecidos/as ou companheiros/
as de grupo, reviveriam com re-emoção. O primeiro ato seria uma descoberta solitária e o segundo, uma revela-
ção, um diálogo”. Idem nota anterior, p. 21.
17
Ibidem. p. 49.
18
Ibidem, p.12.

49
Exercícios de atuação

porque o enquadramento é o que o faz tão diferente do contexto


do psicodrama.
O campo da terapia está definido como âmbito de tra-
tamento. Ela seria um instrumento para a erradicação ou dimi-
nuição do sofrimento. Segundo algumas abordagens, a terapia
nomeia práticas psíquicas, corporais e espirituais que objetivam
a harmonia da saúde do paciente. Enquanto a terapia procura o
equilíbrio, a arte da atuação se desenvolve a partir das tensões
que experimentamos diariamente e não tem como foco a cura
nem a solução dos conflitos internos de quem atua. Não se trata
de considerar as transformações que se experimentam nas salas
de ensaios como ação terapêutica, da mesma forma que não po-
demos situar no espaço terapêutico outros tipos de experiências
que nos ocorrem em momentos-chave da vida.

O talento e o exercício
Uma pergunta que sempre aparece nas salas de aula diz
respeito à ideia do talento nato, e se os exercícios de atuação po-
deriam suprir uma eventual carência de talento. Não há dúvida
de que vemos casos em que pessoas podem atuar com uma faci-
lidade quase inexplicável. No site de vídeos YouTube é possível
ver o teste de câmera que o diretor norte-americano Steven Spiel-
berg fez com o ator infantil Henry Thomas para o papel de Elliot
no filme E.T. – O extraterrestre. Esse material surpreende, porque,
depois de umas poucas informações sobre uma situação na qual
o pequeno Elliot enfrentaria um funcionário do governo que vem
buscar o extraterrestre, o jovem responde a Spielberg que enten-
deu a ideia e logo começa a reagir ao diálogo estabelecido com
um produtor que faz o agente governamental. É impactante ver
como, em poucos segundos, esse menino se coloca dentro da
situação, e temos ali uma tocante cena de resistência impotente,

50
André Carreira e Ana Zechini

mas comovida e corajosa. Pouco depois escuta-se quando o di-


retor imediatamente diz: “Rapaz, você ganhou o trabalho.” Tho-
mas seca as lágrimas e sorri satisfeito.
A pergunta óbvia é: para ser bom ator ou boa atriz é pre-
ciso talento ou exercitação? Os exercícios podem nos levar a de-
senvolver uma técnica que repercuta em qualidade da atuação?
Essas questões sempre estão dando voltas na cabeça de quem
trata de atuar e de quem ensina teatro. Não parece importante
ter uma resposta precisa, e podemos conviver com a hipótese do
“dom” e do trabalho como caminho para a transformação. Mas
o que parece claro é que somente o trabalho permite o desenvol-
vimento de uma linguagem própria que possa se renovar sem se
repetir como um ofício que não pode encontrar novos caminhos
para seguir dialogando com as diferentes circunstâncias e mo-
mentos do trabalho teatral.

Exercício de relação com Lucas Heymanns e Vanéssia Gomes

51
Exercícios de atuação

Exercitar é aprender ainda quando já se sabe fazer. Os


exercícios de atuação devem ser compreendidos como situações
de atuação nas quais a exploração de possibilidades é o foco
principal. Talvez por isso seria bom que atores e atrizes adqui-
rissem um hábito muito comum entre as pessoas que se dedi-
cam à dança: realizar sempre aulas, mesmo quando já formadas
e produzindo. Voltar a uma sala de trabalho e participar de um
uma sessão prática pode significar uma possibilidade de atualiza-
ção de procedimentos e de abertura de novas formas de pensar a
atuação. O exercício de atuação não pode ser visto apenas como
um instrumento formativo no processo de profissionalização: é
preciso considerá-lo oportunidade de pesquisa de linguagem. A
continuidade desse tipo de prática é uma ferramenta para a atua-
lização permanente da técnica que cada pessoa.

Realização dos exercícios


Antes de tratar de realizar os exercícios propostos neste
livro em alguma oficina ou aula na qual se participe, um impor-
tante passo é entender, como diz Eugenio Barba, que nenhum
exercício produz por si só.19 Os exercícios não têm um fim em si
mesmos, por isso, muitas vezes, parte das dificuldades dos(as) es-
tudantes em produzir durante as aulas está relacionada à certeza
de que um exercício por si poderia fazer com que algo magica-
mente aconteça na sessão de trabalho e na cena.
Os exercícios existem como uma ferramenta lúdica, or-
ganizados através de regras para criar um espaço onde se possa
desenvolver a capacidade de jogar e aprender com o jogo. Nas
aulas de atuação é uma ferramenta utilizada para que, aos pou-
cos, os(as) estudantes possam se acostumar a se colocar em situa-
ção. O exercício é um meio pelo qual quem atua deve assumir
uma postura ativa, descobrindo quais dispositivos os(as) fazem
19
BARBA, Eugenio. A canoa de papel. São Paulo: Hucitec Editora, 1994, p. 112.

52
André Carreira e Ana Zechini

produzir mais, criar imagens, trabalhar sobre suas vontades, estar


em relação e ter ideias. Quando se descobre tal gatilho, o que se
coloca em jogo abre um leque de possibilidades, e, não importa
a complexidade do exercício cênico, algo acontece.
As descobertas proporcionadas pela experiência dos exer-
cícios são fundamentais para uma pesquisa individual. Então, po-
demos dizer que os exercícios existem para que os(as) estudantes
possam, cada um(a) em seu tempo, descobrir como encontrar esse
campo lúdico e o que os(as) fazem criar ficção e se colocarem em
relação consigo mesmos(as) e com os(as) demais.
É importante ressaltar que os exercícios não deveriam
ser encarados como passos em um manual, algo a ser aplicado,
porque não existe um resultado específico a ser conquistado. Os
exercícios devem ser encarados como um espaço de suspensão,
um território livre no qual atores e atrizes podem pesquisar como
trabalham e produzem ficção e suas poéticas, coisas que nos pro-
cessos de construção de um espetáculo com uma direção mais
“fechada” pode não ser tão fácil.

Habitar os exercícios
A experiência em sala de aula permite perceber que os
exercícios passam a produzir algo nos atores e nas atrizes quan-
do eles(as) estão presentes, atentos(as) ao que sentem enquanto
jogam, às suas vontades, às suas ideias, ao espaço e, principal-
mente, aos outros. Isso implica dizer que um elemento-chave no
processo é a autopercepção na realização dos exercícios como
acontecimento que os(as) comprometem.
Consequentemente, uma postura atenta a isso é essen-
cial para que exista a possibilidade de que atores e atrizes se
coloquem em um lugar de risco. Não necessariamente risco
físico, mas que sejam capazes de perceber aquilo que os(as)

53
Exercícios de atuação

mobilizam a não estarem sempre em um território confortá-


vel, conhecido, o que acontece muitas vezes quando o exer-
cício passa a ser pura representação.
Por isso, trabalhamos com a ideia de que é necessário
habitar o exercício, o que significa realizar os exercícios com
a mais completa integridade possível. A responsabilidade que
comentamos anteriormente implica esse habitar. Por outro
lado, é fundamental que o tempo de realização dos exercícios
seja amplo, uma vez que não se trata apenas de cumprir uma
tarefa, e sim de se descobrir como cada exercício pode ofere-
cer oportunidades para o processo de criação. Apenas a persis-
tência no exercício abre espaços para que se transforme a ex-
periência de realização em uma prática de jogo a partir do qual
se poderia descobrir outros lugares. Como diz Eugenio Barba:
“Mais importante do que a forma do exercício é a motivação
tenaz de executá-lo até os seus limites extremos, contribuindo
desta forma para a sua mutação.”20

Exercício de estados com Lucas Heymanns, Bia Cripaldi,


Izadora Quint e André Carreira (ÁHQIS)
20
BARBA, Eugenio. O quarto fantasma. Urdimento, n. 9, dez. 2007, p. 30.

54
André Carreira e Ana Zechini

Os exercícios têm a necessidade de extrapolação. Todo


exercício deve ser realizado considerando-se sua proposta e
estrutura, de forma que o(a) ator/atriz, ao realizá-lo profun-
damente, possa modificá-lo. Um exercício deve conduzir os
atores e as atrizes à sua compreensão, experimentação e mo-
dificação. A ideia de um treinamento que se baseia na repe-
tição precisa e infinita do exercício dedica pouco espaço ao
processo criativo do(a) ator/atriz. Improvisar sobre a matriz,
uma vez que essa seja experimentada de forma radical, é con-
dição sine qua non de uma prática de criação baseada em
uma disciplina de experimentação que combina rigor com
improvisação.
Existem três momentos-chave na realização de um
exercício de atuação: a) compreensão das regras do exercício
e execução do mesmo dentro de suas regras; b) repetição com
intensidade até o cansaço, percepção do cansaço e retomada
do exercício apesar do cansaço; c) realização do exercício
com uma intensidade a partir da qual apareçam novos ele-
mentos que transformem o exercício.
Esse último momento do exercício – a extrapolação
– não deve ser buscado, e sim alcançado, pois deve nascer
de um habitar o exercício que implica fazê-lo com absolu-
to compromisso, levando-o ao extremo. É o extremo de sua
realização que poderá sugerir os caminhos novos, os outros
níveis de jogo que podem aparecer, porque o cansaço e a
insistência permitem vislumbrar. Esse é o território no qual
atores e atrizes começam a produzir criativamente, a inventar
e a se inventar.
Desse raciocínio se desprende a ideia de que em todo
processo de exercitação relacionado com as técnicas de
atuação deve-se considerar a extrapolação nos princípios e

55
Exercícios de atuação

objetivos dos mais variados exercícios. O procedimento que


se relaciona com a lógica da extrapolação é o de se dedicar
atenção à realização das propostas do exercício, tratando de
se esgotar as demandas do exercício até que seja possível (e
necessário) ir além daquilo inicialmente proposto. Quem atua
deve descobrir, a partir de suas experiências e sensações no
ato do exercício, como superá-lo.
Os acontecimentos físicos deslocam a preocupação
com a produção de ficção para o terreno das relações com
algo real. Esse deslocamento pode intensificar o jogo e abrir
oportunidades para desdobrar o jogar, logo a ficção funcio-
nará mais como consequência do que se está fazendo do que
como único material da cena.
Devemos considerar que o exercício de atuação supõe
uma escritura no corpo que é texto, ao mesmo tempo que se
imprime em quem atua. Apenas isso já explica que o que se
busca no processo de exercitação no teatro é um material que
possa ser elaborado nos ensaios subsequentes e ainda no pró-
prio processo de apresentação do espetáculo. Paralelamente,
observa-se um processo de transformação do sujeito, que re-
percute tanto no desenvolvimento das técnicas de atuação
quanto no seu amadurecimento como artista.

A prática
Durante a prática cênica, é importante mapear os dispo-
sitivos técnicos utilizados. Isso significa que, durante os exer-
cícios, ao mesmo tempo que atores e atrizes exploram o jogo,
criando e experimentando em cena, devem estar atentos aos
procedimentos que foram utilizados. Assim, devem-se identi-
ficar as alterações físicas, a produção de imagens que geram
sensações e as transformações que modificaram a qualidade

56
André Carreira e Ana Zechini

do estar em cena. Como mencionado anteriormente, identifi-


car os gatilhos que resultam em determinada sensação é ne-
cessário no processo de formação e desenvolvimento técnico
de cada ator ou atriz, pois isso permite produzir acumulação,
ainda que não se entenda o processo de acumulação como
algo que tenha como objetivo alcançar um produto final. Os
processos de atuação devem supor acumulações que permi-
tam seu permanente desenvolvimento.
Essa tarefa pode parecer difícil de ser realizada no início
do processo de aprendizagem, já que, nos primeiros encon-
tros, o objetivo maior é o de assimilar a proposta, experimen-
tar de forma livre, com menos racionalização. Porém, com o
tempo de experimentação, é importante que atores e atrizes,
ao produzirem os exercícios com intensidade, possam se per-
guntar: “Como está minha respiração?”, “Como eu cheguei até
aqui?”, “Estou tensionando alguma parte do meu corpo?”, “Em
que me apoio para produzir sensações?”, entre outras questões
que ajudam a compreender o processo individual.
Identificar os procedimentos individuais é importante
para que, posteriormente, se possa recuperar algo da qualida-
de produzida, dado que o trabalho de atuação não pode estar
apoiado apenas na intuição. Deve-se estabelecer uma relação
consciente entre produzir com intensidade, criar e experimen-
tar e identificar os caminhos percorridos durante a experi-
mentação. Assim, estamos próximos à ideia da técnica como
invenção individual, já que cada pessoa ativa dispositivos di-
ferentes no processo de criação. Por isso é tão importante o
comprometimento, já que, como se pode imaginar, inventar
sobre si, enquanto se está com o(a) outro(a) e se trabalha para
o(a) outro(a), ao mesmo tempo que se analisa os procedimen-
tos utilizados, exige um elevado estado de atenção.

57
Exercícios de atuação

Roda de conversa depois de exercícios na EMAD de Montevideo

Essa postura de atenção deve ser constante, por isso


é fundamental que seja assumida já a partir do momento do
aquecimento. Mesmo durante o processo de alongamento, que
pode ser o ponto de partida de uma sessão de trabalho, atores e
atrizes devem estar atentos às suas sensações, perguntando-se
o como a simples ação de estirar o braço modifica sua relação
com o espaço e com os demais. O máximo aproveitamento do
trabalho implica considerar que tudo o que fazemos na sala
de ensaio será parte dos processos de experimentação e cria-
ção, pois, ao entender que não haverá uma personagem para
se “vestir”, desde o momento em que entramos na sala de en-
saio devemos levar em conta que tudo é elemento para o jogo.
Poderíamos ir além e concluir que a formação não começa na
sala de ensaio, mas é um processo que faz parte do dia a dia do
ator ou da atriz, começando na escolha por correr o risco de se

58
André Carreira e Ana Zechini

enfrentar a experiência de atuar, de se entregar aos processos


artísticos da duplicação, do se fazer outros(as) na frente de au-
diências desconhecidas.
Considerando a perspectiva de quem conduz as práti-
cas, no início, o mais importante é entender e identificar como
os(as) estudantes trabalham. Nesse caso, é importante observar
as qualidades de jogo que se apresentam nos primeiros mo-
mentos e quais são os vícios e pontos de tensão desnecessários.
Coordenar um trabalho dessa natureza com certeza de-
manda uma abertura para as dinâmicas do coletivo antes de
uma centralidade afirmativa na pessoa que coordena. Assim,
é mais importante propor jogos que permitam o aparecimento
de questões a serem trabalhadas no contexto coletivo, que
possam gerar processos pseudoanalíticos centrados em cada
participante individual. Ainda que o foco seja a experiência
singular, consideramos importante não reafirmar velhos mo-
delos pedagógicos nos quais quem ensina ou dirige constitui
a voz que identifica sempre o que a outra pessoa necessita
explorar. Por isso, é tão importante que cada atriz ou ator
esteja muito atenta(o) a seus processos pessoais. O trabalho
centrado na singularidade pede tempo de amadurecimento,
o que implica explorar a possibilidade de se aprofundar as
relações tanto entre quem atua e quem coordena quanto entre
todas as pessoas que atuam. Esse tempo é fundamental para
que cada ator e atriz identifique suas necessidades e poten-
cialidades, e, portanto, possa estabelecer seus próprios desa-
fios no processo.
Como coordenar processos de experimentação em
atuação tem um forte elemento intuitivo e a pessoa que con-
duz funciona como provocadora, ela deve sugerir ações que
desloquem os(as) participantes de seus lugares mais confor-

59
Exercícios de atuação

táveis. Mas esse tipo de proposta, longe de ser algo definido


de forma pessoal pela coordenação, deve ser sempre arti-
culada no coletivo, a partir das sensações que emergem na
sala de ensaio. A proposição de exercícios que supõem al-
gum risco ou exploração de limites funcionam de forma mais
intensa quando estão bem articulados com a dinâmica do
grupo. Isso visa a abrir espaços interiores para que quem par-
ticipa dos exercícios possa averiguar como se funciona em
condições que escapam à lógica imediata da representação
de personagens.
A combinação das dinâmicas coletivas com as indivi-
duais é fundamental para que se possa gerar ambientes nos
quais os(as) participantes possam criar seus próprios cami-
nhos de aprendizagem. Durante nossos encontros no labo-
ratório do ÁHQIS e nas aulas de interpretação, partimos de
exercícios coletivos e buscamos intervir durante os exercí-
cios, dando instruções de forma individual.
É importante dizer que as instruções individuais não são
ordens que emergem da direção: são sugestões que podem ou
não serem tomadas por quem atua. Nessa relação, deve existir
um tipo de processo híbrido, no qual funcionam tanto as ideias
de quem conduz quanto de quem atua, mas as sensações de
quem está em cena serão as mais importantes. Inclusive, con-
templam-se os possíveis erros de compreensão do que foi su-
gerido na ação como parte de um processo de experimentação.
Para permitir o melhor aproveitamento desse tipo de
processo antes de iniciar a prática com um novo grupo, sinali-
zamos que, quando algum condutor(a) intervir durante o exer-
cício, quem atua não deve interromper a ação, não necessita
responder ou afirmar que ouviu e entendeu a proposta, apenas
ouvir a sugestão e, a partir de sua compreensão do que lhe foi

60
André Carreira e Ana Zechini

dito, decidir se o que foi sugerido pode ou não ser útil. Qual-
quer interrupção nesse processo fratura a intensidade do jogo,
portanto é preferível que o jogo prossiga mesmo que o ator ou a
atriz apenas tenha a sensação de que não entendeu muito bem
o que lhe foi dito. Nesse caso, a dúvida também pode ser um
material que alimenta a experimentação.
A principal função de quem conduz é auxiliar no pro-
cesso de desenvolvimento técnico, sugerindo ações que per-
mitam experimentar para romper com bloqueios que se iden-
tificam a partir da observação externa. Muitas vezes atores e
atrizes não estão sendo capazes de identificar tais bloqueios ou
possibilidades de exploração quando estão dentro de um exer-
cício ou cena. A condução deve apostar em sua intuição e ex-
plorá-la a partir tanto da leitura atenta dos processos quanto do
conhecimento de cada participante. No entanto, é importante
relativizar a autoridade de quem conduz e considerar que as
intervenções são sugestões que devem jogar com a percepção
de quem atua.

61
EXERCÍCIOS

Duas premissas éticas


Para iniciar o trabalho, é importante estabelecer duas
condições cujo objetivo é permitir o máximo de segurança nas
relações, pois não podemos nos esquecer que estamos falan-
do de procedimentos que nos comprometem de forma muito
pessoal e íntima. Para tanto, consideramos essas indicações,
que são básicas para se estabelecer vínculos que estimulem o
trabalho coletivo em uma zona de risco.
A principal regra de todo e qualquer exercício de atua-
ção é que, em qualquer momento, os(as) participantes podem
interrompê-lo caso se sinta algum desconforto, sem que, para
isso, seja necessário dar alguma explicação. É muito importan-
te que quem atua não sinta pressão por se expor ante o coleti-
vo, a menos que isso seja uma necessidade pessoal.
Muitas vezes, no ambiente dos ensaios, pode haver uma
pressão invisível para que se seja “livre”, e isso recai sobre as
pessoas como uma obrigação que limita os processos de apren-
dizagem e criação. Se estamos obrigados ou obrigadas a expli-
car por que não queremos realizar determinada ação, estamos
nos expondo a um possível julgamento do coletivo. Muitas ve-
zes não nos encontramos com a capacidade de dar respostas
para olhares que podem nos julgar. Então, a melhor opção é
considerar que o “não” é “não”, e isso não pede explicações.
Quando se considerar que não se pode fazer determinada coi-
Exercícios de atuação

sa em cena, não é necessário estar dizendo publicamente o


porquê disso.

Exercício de contato em roda com Gisele Knutez

No entanto, é importante sinalizar com antecedência e


clareza algo que incomode, justamente para evitar o desconforto.
Algumas pessoas não suportam, por exemplo, que lhes toquem
no pescoço. Basta estabelecer esse limite, sem necessidade de
justificar-se, para que se abram outros espaços de trabalho.
Essa premissa do “não sem justificativa” permite um
ambiente de maior liberdade para experimentar, sem que isso
se transforme em um espaço impositivo no qual todos devem
estar disponíveis e dispostos a tudo. A liberdade de dizer não
e não ser julgado por isso faz com que atores e atrizes sintam
maior segurança na hora de experimentar. É fundamental que
quem coordena a experiência não faça julgamentos morais de
um “não”. Trabalhar sobre qualquer tipo de bloqueio será uma
tarefa pessoal de quem atua.

64
André Carreira e Ana Zechini

Uma segunda premissa para a constituição de um ambien-


te de trabalho livre é o pacto de convivência que supõe que en-
tre as pessoas que atuam pode-se experimentar tudo, desde que
essas pessoas se ponham previamente de acordo sobre o que se
pode ou não realizar.

Exercício de contato com Ana Zechini e Marina Argenta

Um exemplo disso é que, se em um determinado exer-


cício alguém sente necessidade de beijar a outra pessoa, não
deve fazê-lo, por mais interessante que isso pareça na cena, se
não existir uma autorização anterior para tanto. A exploração
de limites deve ser algo compartilhado e claramente autoriza-
do para que se possa evitar o desconforto ou o medo de expe-
rimentar e, ao mesmo tempo, evitar qualquer tipo de abuso.
Em grupos que passam um longo período juntos, vai-
-se criando um ambiente que autoriza os(as) participantes a
cruzarem fronteiras, mas é evidente que em tais grupos há
muita conversa e trocas de ideias que constituem o acordo
entre as partes. A intensidade de experimentação não deve

65
Exercícios de atuação

precipitar a busca de um ambiente de confiança, pois sem


confiança e respeito mútuo o trabalho da atuação será menos
uma experiência de criação para ser mais um ofício “a serviço
do espetáculo”.

Observação de quem atua


É importante que a coordenação note quando os(as)
participantes se movimentam muito sem necessidade, quan-
do surgem elementos de uma hiperatividade que dispersa a
intensidade do jogo e das relações na cena. Observamos isso
quando alguém mexe excessiva e repetidamente no cabelo,
quando se arruma a roupa na cena sem que isso faça parte
do jogo, no ato de todo o tempo se mover os pés quando se
está parado ou no tensionar as mãos de modo sistemático.
É comum que os(as) participantes realizem esse tipo de
movimento mecânico sem perceber. Vale a pena comentar
de maneira individual para que eles possam elevar o nível de
atenção sobre a própria movimentação para perceber tais re-
petições e lidar com isso como obstáculo do jogo da atuação.
Vários dos exercícios têm por princípio auxiliar a condução a
identificar os apoios que os(as) participantes costumam usar
no início dos processos de aprendizagem.
Um acompanhamento atento e sistemático ajuda a
que atores e atrizes desenvolvam um tipo de olhar sobre si
mesmos, o que contribui de forma clara para uma exploração
das potencialidades de jogo. Muitas vezes isso está direta-
mente relacionado com a superação de artifícios que atores e
atrizes usam para chegar a determinados resultados na atua-
ção. Trabalhar com a hipótese dessa superação pode ampliar
o campo de possibilidades de jogo. É importante que atores
e atrizes percebam esse processo durante sua exercitação.

66
André Carreira e Ana Zechini

Aquecimento
Antes de iniciar uma prática de exercícios de atuação,
o grupo deve estabelecer um acordo para definir quais as me-
lhores estratégias para começar o trabalho. Independentemen-
te de como o coletivo decida iniciar a prática, existem duas
formas de fazê-lo: de forma individual, na qual cada integran-
te realiza seu próprio procedimento de aquecimento, fazen-
do aquilo que precisa para dar início ao trabalho; e de forma
coletiva, na qual todo o grupo realiza sequências comuns e
simultâneas de alongamentos ou outros exercícios iniciais.
Costumamos considerar o aquecimento uma prepara-
ção prévia e separada do momento do jogo e do ensaio, que
seriam momentos produtivos. No entanto, é necessário evitar
essa separação taxativa. Dessa forma, aquecer também deve
ser criar, pois esse é um momento no qual também deve-se
colocar a mente dentro do processo de trabalho com os(as)
outros(as) e com o ambiente.

Exercício de corrida

67
Exercícios de atuação

É importante que, antes de decidir como trabalhar, o


grupo questione o porquê do aquecimento e se ele não está
vinculado à busca de um corpo neutro a serviço da persona-
gem. Também é importante se perguntar se os movimentos
não estão sendo realizados de forma mecânica. É essencial
não repetir rotinas que não encontrem uma justificativa sólida
para as pessoas que participam na prática. Nenhum aqueci-
mento, preparação ou exercícios devem ser feitos sem que se
tenha consciência plena de seus propósitos.
Iniciar o trabalho significa estar atento(a) às sensações e às
relações que podem ser estabelecidas através do olhar e do conta-
to com os(as) outro(as). Mas isso não ocorrerá apenas quando já se
esteja aprofundando nos exercícios de atuação. O aquecimento já
deve ser encarado com o compromisso do jogo e das percepções
das sensações. Já existe um aqui e agora a ser considerado durante
o aquecimento.

Descrição dos exercícios


1. Exercício de escuta – Os(as) estudantes devem cumpri-
mentar-se, apertando as mãos e dizendo seus respec-
tivos nomes. Em seguida, deve-se cumprimentar outra
pessoa, apresentando-se com o nome do(a) colega que
havia encontrado antes e seguir assim, apresentando-se
com o nome da pessoa que terminou de cumprimen-
tar. Quando a pessoa encontra alguém que se apresente
com o seu nome, deve sair do jogo. O exercício acaba
quando todos e todas encontrarem pessoas que estão
usando seus nomes.
Comentário: Esse é um bom exercício para avaliar o nível
de atenção da turma. É ideal para ser realizado nos pri-
meiros encontros com turmas grandes, pois permite uma

68
André Carreira e Ana Zechini

dinâmica de apresentação ao mesmo tempo que joga com


a memória e com uma primeira aproximação física entre
os(as) participantes. Não se deve estranhar quando, rea-
lizado pela primeira vez, o exercício não funcionar, por-
que os(as) participantes podem ter muita dificuldade em
concentrar-se ao se cumprimentarem, dizerem seus nomes
e decorarem o nome dos(as) outros(as) colegas para logo
repeti-lo. A insistência também pode ser parte do jogo de
aproximação e interação entre as pessoas.

2. Exercício de se agrupar – Sem dizer nenhuma palavra,


os(as) participantes devem agrupar-se, utilizando crité-
rios como cor das roupas, tipo ou cor de cabelo, altura,
entre outros. A decisão é tomada pelo grupo a partir de
movimentações individuais. Conforme cada integrante
se movimenta, o grupo entra em acordo ou não e se
reagrupa. Os(as) participantes decidem individualmente
a que grupos pertencem e os grupos – sem usar palavras
ou outros códigos – também tomam decisões. Assim que
os grupos se formarem e se estabilizarem, os participan-
tes devem ficar em silêncio, sem mover-se e ouvindo os
sons do espaço.
Comentário: A segunda parte do exercício – ouvir os sons
do espaço – permite perceber como os(as) participantes
lidam com o silêncio, quais se sentem incomodados,
quais tendem a movimentar-se muito, entre outras pos-
síveis dinâmicas. Considerando que esse é um exercício
de integração, deve estimular que o grupo observe atenta-
mente os(as) participantes, sem pressa em definir os agru-
pamentos possíveis.

69
Exercícios de atuação

3. Caminhar 1 – Em duplas, deve-se caminhar pelo es-


paço de mãos dadas, no ritmo de uma música que
esteja soando na sala. Não se deve conversar, mas
olhar com atenção a todo mundo que participa do
exercício. Sem pressa em alcançar resultados, consi-
derar sempre a necessidade de existirem relações en-
tre os(as) participantes.
Comentário: Como foi observado anteriormente em
todos os momentos dos exercícios, a partir, inclusive,
do aquecimento, atores e atrizes devem considerar
já essa etapa do trabalho como parte do processo de
construção de relações. Nada deve ser desperdiçado
quando se trata de descobrir como estabelecer relações
e como jogar com essas relações, que são a matéria
básica de toda cena. No entanto, é preciso ter cautela
para não acelerar, nesse exercício, o tempo de como
se constroem relações. Isso exige que se estimule os(as)
participantes a gastarem tempo observando as pessoas
que caminham, percebendo as sensações que expe-
rimentam ao andar de mãos dadas e, especialmente,
não terem nenhuma pressa em expressarem, em con-
tarem alguma história. Esse exercício deve durar muito
tempo, como, no mínimo, 20 minutos, para que os(as)
participantes possam se pôr à prova, percebendo suas
dificuldades de jogo e suas possibilidades de reinven-
tar o exercício, ao mesmo tempo que quem conduz
terá mais oportunidades para observar como joga cada
pessoa do grupo.

4. Caminhar 2 – Os(as) participantes ocupam os espaços


da sala, mantendo sempre o contato visual com os(as)

70
André Carreira e Ana Zechini

demais, atento(as) às sensações individuais, ao espa-


ço, e, durante a caminhada, deve-se gritar ao menos
duas vezes.

Exercício de deslocamento

Comentário: É interessante realizar esse exercício nos pri-


meiros encontros, pois é possível perceber como os(as)
participantes se comportam (se gritam com culpa ou re-
ceio, se gritam porque o(a) professor(a) mandou ou se
gritam sem medo). Durante a condução, é importante
ressaltar a possibilidade de se criar espaços, através da
imaginação, que possam dar suporte ao grito.

5. Caminhar 3 – Utilizando a mesma base do exercício


anterior, os(as) participantes devem caminhar buscan-
do sempre estabelecer relações com os demais, estando

71
Exercícios de atuação

atentos(as) ao espaço e às próprias sensações. Quando


um(a) participante sentir que estabeleceu uma relação
com alguém, deve ir até essa pessoa e falar seu nome e
algo sobre si, por exemplo, alguma coisa que quer ou
gosta. Em seguida, voltar a caminhar.
Comentário: As possíveis relações que se estabelecem
devem conduzir a ação. Não é necessário contar ou re-
presentar uma história. Os(as) participantes podem ex-
plorar diferentes tempos ao falar e investigar como essas
alterações podem gerar imagens ou sensações. Ao ca-
minhar, ainda que não se esteja falando, deve-se buscar
sempre estar em relação com alguém, olhando nos olhos
das pessoas, atentos(as) às movimentações do grupo e
aos sons do espaço. Nesse tipo de exercício, é normal
que algumas pessoas “esvaziem”. Tal sensação pode ser
assumida como um elemento a mais no jogo, mas é im-
portante que o(a) participante possa identificar o que, de
fato, está acontecendo ou a pessoa apenas está distraída
e distante do aqui e agora do exercício. O fator tempo
é fundamental para se produzir relações significativas,
permitindo que as pessoas possam observar suas próprias
reações aos estímulos que surgem durante o jogo.

6. Caminhar 4 – Com um texto breve decorado, todos e


todas devem caminhar ocupando os espaços da sala,
sempre buscando contato visual com os(as) demais e
atentos(as) às sensações individuais. Ao se encontrar
outra pessoa, deve-se explorar formas de tocar, apoiar,
puxar, empurrar o(a) outro(a). Após algum tempo gasto
de energia, sugerir que se comece a trabalhar com o
texto. Esse primeiro momento do exercício pode durar

72
André Carreira e Ana Zechini

cerca de 30 minutos, e as pessoas devem ter autono-


mia para variar as formas de contato físico. A segunda
parte consiste em formar um círculo e pedir que os(as)
participantes recuperem as sensações produzidas ante-
riormente, mas, dessa vez, sem a utilização da força.
Para isso, deve-se sugerir que cada um(a) recupere as
tensões musculares produzidas inicialmente no exercí-
cio, buscando lembrar as imagens criadas e em como
estava funcionando a respiração. O foco é resgatar
algo da qualidade produzida anteriormente. Assim que
os(as) participantes sentirem que estão produzindo cer-
ta intensidade, um(a) por vez deve buscar o olhar de
alguém no círculo e falar o texto.

Exercício de peso com Lohanny Rezende

Comentário: Durante a realização do exercício, a con-


dução deve chamar a atenção para que os(as) participan-
tes acumulem a energia produzida, e não se esvaziem

73
Exercícios de atuação

a cada novo contato. Isso significa que aquilo que se


produz na relação entre A e B deve residuar na relação
entre A e C, e assim por diante. A condução também
deve ressaltar que o importante é pensar “o que sinto
enquanto faço”, em vez de “em que cena posso fazer”.
Como em alguns exercícios que exigem comprometi-
mento físico e texto, é frequente que os(as) participantes
condensem a energia e não projetem a voz. Nesse caso,
deve-se indicar que a voz não pode desaparecer em fun-
ção da energia intensa do jogo e das tensões que por
ventura se produzam.

7. Exercício da fila – a) Formar uma fila com distância de


um braço entre os(as) participantes. Assim que a primeira
pessoa andar, as outras devem se mover, buscando man-
ter sempre a mesma distância; b) A primeira e a última
pessoa da fila podem se mover para trás e para a frente,
nos limites da sala. As demais devem tentar conservar a
distância entre os corpos, sem ficar olhando para trás. A
proposta é ajustar o desenho formado pelo coletivo, sem
que seja necessário falar; c) Explorar distâncias mínimas
e máximas entre os corpos (abrir e fechar a fila).
Comentário: Ao realizar esse exercício, é possível ob-
servar como os(as) participantes percebem o espaço de
jogo e como se relacionam com o coletivo. Também po-
de-se trabalhar como uma oportunidade lúdica, porque
a realização do exercício permite que quem participa
se divirta vendo como a fila corre o risco de se romper.

8. Exercício de condução – Propor que os(as) estudantes


caminhem ocupando os espaços da sala, mas sempre se

74
André Carreira e Ana Zechini

olhando entre todos e todas. Deve-se dedicar atenção às


pessoas e seus movimentos e olhares. Durante a cami-
nhada, propor as seguintes etapas: a) A conduz B; b) A e
B conduzem C. As duplas e trios podem mudar durante
o exercício. Podem ser estabelecidas variações nas for-
mas de se conduzir.
Comentário: O objetivo do exercício é, em primeiro lu-
gar, propiciar uma oportunidade de jogo na qual os(as)
participantes atuem entre si. Esse exercício permite que
a condução identifique como as pessoas trabalham, isto
é, pode-se observar quais inventam com mais liberdade a
partir da proposta inicial e quais trabalham nos limites da
regra. Ao se prolongar o tempo da tarefa, pode-se perce-
ber o nível de concentração de cada participante.

9. Exercício de condução e resistência – Uma pessoa (A)


quer ficar em um determinado lugar e outra (B) quer levar
A para o outro lado da sala. Cada dupla deve resolver o
exercício sem agressividade, mas A deve resistir. O obje-
tivo não é criar uma cena de violência, e sim estabelecer
um jogo corporal a partir do conflito de interesses. É im-
portante não esquecer a necessidade do desenvolvimento
de relações entre A e B, de forma que se possa evitar o
foco apenas na força física.
Comentário: É normal que algumas pessoas represen-
tem a força física em vez de experimentar as tensões físi-
ca reais que podem se estabelecer no jogo. Nesse caso,
a condução deve sugerir que se experimentem coisas
concretas, como o trabalho com o peso do outro. Tam-
bém deve-se considerar a importância de se trabalhar
com elementos que não sejam narrativos, pois o objeti-

75
Exercícios de atuação

vo do exercício não é criar uma cena ou uma história. A


proposta é que atores e atrizes comecem a experimentar
com elementos concretos e reais, construindo certo ní-
vel de comprometimento físico.

10. Exercício com diálogo cíclico 1 – Ocupando as extre-


midades da sala e trabalhando com um diálogo breve
e cíclico21 proposto pela condução, em duplas, A e B
devem manter contato visual. Um por vez caminha até
o(a) companheiro(a) de dupla, falando o texto atento às
sensações, a relação com o espaço e as movimentações
do(a) parceiro(a). Logo volta ao seu lugar de origem,
sempre mantendo o contato visual com seu par, e então
B realiza o mesmo procedimento. Isso deve ser feito sem
interrupção por, no mínimo, 20 minutos.
Comentário: O principal objetivo desse exercício é
propor que os(as) participantes exercitem a manuten-
ção da relação, já que o texto é circular. A proposta é
que, a partir da relação e de uma movimentação não
lógica, isto é, que não busca se adequar às demandas
da dramaturgia, se possa encontrar sentidos no texto,
e não o contrário. Durante esse exercício, a condução
pode estar atenta a movimentações desnecessárias que
são realizadas pelos participantes ou ainda a toda ten-
tativa de construção gestual que pretende explicar o
texto. O centro são a relação, o olhar e as sensações
que se experimentam e que podem produzir vínculo
entre as duplas. O eixo da ação deve ser definido por
relação, produção de ludicidade e intensidade. A con-
dução deve reforçar que a ideia não é representar o
21
Ver sugestões de textos ao fim desta sessão.

76
André Carreira e Ana Zechini

texto ou contar uma história, e sim jogar a partir dos es-


tímulos que podem surgir dentro dessa movimentação
controlada. Esse exercício pode ter muitas variações,
tais como: dizer o texto uma vez com volume forte e
outra com volume fraco, acelerar o texto ou o movi-
mento de ir e vir, entre outras opções que a coordena-
ção suponha interessante para aprofundar na pesquisa
dos materiais.

Exercício Ana Zechini, Veronica Bortolotto e André Carreira

11. Exercício com diálogo cíclico 2 – Formar duas filas


(A e B) nos extremos da sala. A deve correr até B e
tocar o chão, enquanto fala o texto. Em seguida, B faz
o mesmo.
Comentário: Esse exercício propõe uma movimentação
simples e constante, por isso é importante que os(as)

77
Exercícios de atuação

participantes trabalhem buscando os limites da regra


do jogo, para que não se torne um exercício mecânico.
Isso implica cumprir a regra e buscar uma intensidade
na execução que faça com que os movimentos sejam
extremos. A condução deve pedir que as pessoas este-
jam atentas às sensações geradas pela movimentação
física e deixem que essas sensações sejam suporte para
o texto. O cansaço também é parte do exercício, e de-
ve-se encontrar um lugar de descanso sem “abandonar”
o jogo, o que é tão importante quanto acumular a ener-
gia produzida. Isso significa que, no tempo entre reali-
zar a ação e esperar a vez da outra pessoa para, então,
voltar a correr, deve-se continuar a produzir a partir da
relação que se estabeleceu com o(a) parceira(o), sempre
atenta(o) às sensações. Deve-se explorar intensidades
para alimentar o jogo. Exercícios que apresentam regras
simples ampliam as possibilidades de se trabalhar com
elementos específicos, como a noção de acúmulo.

12. Exercício com texto 1 – A condução ou o grupo pode


escolher parte de uma canção ou um poema em ver-
sos para utilizar como texto. Em seguida, o grupo se
espalha pelo espaço, ocupando a sala. Cada partici-
pante deve pensar em uma ação que gostaria de reali-
zar com o(a) outro(a). Essas ações podem ser abraçar,
beijar, empurrar etc. Deve-se sustentar o desejo de
realizar a ação com os pés apoiados no chão e sem
sair do lugar, alimentando o pensamento, a vontade.
Após algum tempo, quando sinta que já está produ-
zindo com certa intensidade, uma pessoa (por vez)
pode dizer um verso da canção que decorou.

78
André Carreira e Ana Zechini

Comentário: O objetivo desse exercício é que o gru-


po trabalhe com a ação, independentemente do sen-
tido do texto. O desejo de realizar a ação somado à
impossibilidade de concretizá-la deve ser o suporte
para o texto.

13. Exercício com texto 222 – Para a realização desse exer-


cício, é importante que os(as) participantes tenham
decorado previamente algum texto que contenha uma
quantidade considerável de falas. Em duplas, A e B
devem rememorar alguma história pessoal, podendo
ser o relato de uma viagem ou alguma situação emba-
raçosa. O importante é que, ao compartilhar a histó-
ria, as pessoas lembrem-se de detalhes, cores, textu-
ras, sons, elementos que constituíram a experiência.
Após esse primeiro momento de compartilhamento,
a condução deve pedir que os(as) atrizes voltem a fa-
zer o mesmo, mas dessa vez inserindo partes do tex-
to decorado. Não é necessário seguir a sequência do
texto, bastando incorporar frases ou palavras durante
o relato. Os(as) participantes devem buscar dizer o
texto com a mesma energia do relato, como se ele
fizesse parte da história real. Após realizar o exercício
em duplas, em um segundo momento do exercício, o
relato atravessado pelo texto pode ser compartilhado
de forma coletiva, separando o espaço da sala entre
palco e plateia.
Comentário: Esse é um exercício que auxilia o gru-
po a refletir sobre a importância de se “preencher o
22
Este exercício foi proposto e conduzido por Lara Matos com a turma de Montagem Teatral I e II, na Universi-
dade do Estado de Santa Catarina, em 2015.

79
Exercícios de atuação

pensamento” quando está trabalhando com um texto


ficcional. Inventar memórias que possam dar suporte
ao texto pode colaborar para que ele não soe artifi-
cial (caso essa não seja a intenção). Quando compar-
tilhamos uma história pessoal, ela está carregada de
sensações e imagens que afetam e modificam a forma
com a qual compartilhamos essa mesma história. No
trabalho de atuação, atores e atrizes buscam, atra-
vés de diferentes procedimentos, fabricar memórias
que possam servir como suporte para o texto. No en-
tanto, independentemente do procedimento com o
qual se trabalhe, seja vinculando memórias pessoais
ao texto ou através de imersão laboratorial, são as
sensações e as imagens criadas que atores e atrizes
buscam como elemento de jogo singular para a cena.
Um dos principais eixos do procedimento de atuação
que apresentamos neste livro é investigar como pro-
duzir essas imagens e sensações, ao mesmo tempo
que o texto é dito.

14. Saindo da parede – Os(as) participantes devem ocu-


par um espaço na sala, encostar em uma parede,
sempre de frente para outra pessoa, com a qual se
estabelecerá um jogo de relações. Deve-se fazer força
contra a parede, como se uma parte do corpo esti-
vesse firmemente fixada e se buscasse libertar. A pri-
meira parte do exercício tem como objetivo construir
essa sensação de se estar preso(a) na parede. Quando
se alcança um jogo intenso com essa sensação e se
percebe que está no limite do uso da força, já com
um gasto de energia considerável, as pessoas devem

80
André Carreira e Ana Zechini

buscar contato através do olhar com outra pessoa en-


tre as duplas. A partir desse momento, combinam-se
o desejo de sair imediatamente da parede e as ideias
que apareçam como consequência da relação com
o(a) outra(o). Quando houver uma resposta e uma de-
cisão (não verbal) de ambas as partes, as duas pessoas
poderão trocar de lugar ou romper a prisão da parede
para desenvolver uma ação que surgir no momento,
sempre utilizando a parede como suporte para o im-
pulso. Esse exercício pode incorporar textos ou não.
A condução pode variar o que será realizado a par-
tir do momento que as pessoas saem da parede, pois
esse momento tanto pode ser o término do exercício
quanto uma possibilidade para o desenvolvimento de
outra sequência de trabalho. Isso pode, inclusive, ser
o ponto de partida para a experimentação de uma
cena previamente memorizada.

Exercício da parede com o Grupo Engasga Gato e a equipe do ÁHQIS

Comentário: Esse exercício propõe um gasto real de


energia. A condução deve estar atenta e dar indicações
individuais aos participantes que estiverem represen-
tando a força e desperdiçando seu esforço em querer
mostrar a situação. A força real que se faz é empurrar

81
Exercícios de atuação

a parede enquanto o corpo joga com o oposto. Alguns


elementos permitem apontar esse esforço posto em
fazer visível a situação, como quando a tensão está
centrada em uma única área como a face. É possível
que a pessoa não esteja atenta ao fato de que está re-
presentando, e não utilizando força real. Também é
necessário que o exercício seja administrado em um
tempo mínimo de 20 minutos, para que os(as) parti-
cipantes possam se cansar, abandonando o controle
absolutamente racional. É comum que, após o cansa-
ço, as pessoas produzam mais, baixando o nível de
representação, deixando-se conduzir de forma mais
intensa pelo jogo. Esse tipo de exercício físico se esgo-
ta rápido, então é normal que quem o esteja realizan-
do pense: “Por que eu estou fazendo isso?” ou “Que
inútil empurrar a parede”. Nesse caso, a pessoa deve
buscar produzir dentro do campo lúdico, alimentando
a ação e extrapolando o campo do ridículo. Deve-se
aceitar, inclusive, o esgotamento como material, pois,
por momentos, pode-se poupar energia reduzindo o
esforço de empurrar a parede sem perder o funda-
mental do jogo. No momento das trocas, a condução
deve indicar que elas devem ser feitas de forma rápida,
para que o impulso não seja desenhado: faço força,
busco o olhar de alguém e troco de lugar. Durante o
exercício, por mais que o movimento seja acelerado,
os(as) participantes podem buscar contraste e não tra-
balhar apenas sobre o estímulo do corpo acelerado,
por exemplo: mesmo ofegante, um participante pode
experimentar sussurrar o texto lentamente, explorando
novas possibilidades de administrar a energia. Propor

82
André Carreira e Ana Zechini

este exercício em seguida do exercício Caminhar 3


possibilita uma reflexão ao término da prática, compa-
rando o trabalho de produção a partir das relações que
são o foco do exercício Caminhar 3 e as diferenças ao
utilizar força, resultando em um gasto maior de ener-
gia e comprometimento físico, que é o centro desse
exercício da parede.

15. Dança 1 – Antes de dar início ao exercício, a condu-


ção divide o grupo em duplas (A e B) e pede que deco-
rem um texto dialógico breve. Em seguida, as duplas
são separadas e, ao som de uma música, A dança com
C e B dança com D. Mesmo com as duplas separadas,
o objetivo é que elas sustentem uma relação através
do olhar e de outros elementos que forem surgindo,
sem que se interrompa a dança com a outra pessoa.
Quando os participantes sentirem que estão produzin-
do com intensidade, será introduzido o diálogo. Essa
primeira parte pode durar cerca de 30 minutos. A se-
gunda parte do exercício consiste em que a condução
proponha uma sequência de músicas e os(as) partici-
pantes dancem sem nenhuma regra, até que se encon-
tre alguém com que se tenha interesse em trabalhar
com o texto.
Comentário: Um dos objetivos desse exercício é que
os(as) participantes procurem uma qualidade na relação
que pode nascer do contato físico (através da dança) ou
através do olhar (ao sustentar a relação com a dupla ini-
cial) e que as relações deem suporte ao texto. Durante a
condução, reforçar que narrar uma história ou produzir
uma cena não é o foco desse exercício.

83
Exercícios de atuação

16. Dança 2 – A condução deve pedir que o grupo se po-


sicione no centro da sala, formando um aglomerado
de pessoas, que devem estar o mais próximas possível
umas das outras. O objetivo desse exercício é que o
grupo se desloque e dance pelo espaço, sem desfazer
a formação inicial.

Exercício de ritmo com o grupo dançando

Comentário: Esse é um exercício que explora uma


maior integração entre os(as) participantes, a partir
de estimular a escuta da forma coletiva. É importante
observar como cada participante sustenta o jogo que
é conduzido pelo grupo e, ao mesmo tempo, como se

84
André Carreira e Ana Zechini

exploram as variações rítmicas. Deve-se perceber como


se desenvolvem as relações que se estabelecem no pro-
cesso dessa dança coletiva. A condução deve reforçar
a ideia de “contaminação”, ou seja, que se deve estar
a atento(a) a como o indivíduo em relação ao coletivo
será capaz de produzir e se afetar pelas suas sensações.
As músicas propostas devem alternar os estilos e ritmos
para estimular a dança. Dependendo de como o grupo
trabalha, esse exercício pode durar de 20 a 30 minutos.

17. Dançar sem dançar – A condução deve propor uma


sequência de músicas, a partir das quais os(as) par-
ticipantes, individualmente, devem encontrar algum
elemento de impulso para se mover. É importante res-
saltar que a música deve ser o suporte do movimento,
mas não se trata de buscar uma forma dançada.
Comentário: O que se busca não é, de fato, dançar,
ainda que a música seja o suporte do movimento. O
foco é a relação entre o estímulo da música e a busca
de movimentos. Pode ser que o impulso seja tão pe-
queno que o movimento seja invisível. A atenção deve
estar nas sensações produzidas pela música e, a partir
disso, deve-se perceber os movimentos(as) relações que
se estabelecem com os(as) demais e com o espaço.

18. Olhos fechados – Antes de dar início ao exercício, a


condução deve pedir que os(as) participantes decorem
um texto. Em seguida, o grupo deve ser separado em
duplas (A e B). A, com os olhos fechados, deve falar
seu texto enquanto toca o rosto de B. Em seguida, B
realiza a mesma ação com A.

85
Exercícios de atuação

Exercício de contato com Narciso Telles e Marlon Spiliere

Comentário: Esse exercício é indicado para grupos que


estão iniciando o trabalho, já que explora um elemen-
to de risco (leve), que consiste em tocar a outra pessoa
que tem os olhos fechados e por isso está exposta. Essa
ação pode ser entendida como uma possibilidade de
aproximação ao trabalho de contato e sensibilização.
Por se tratar de toques em uma região delicada (face),
os(as) participantes devem estar atentos(as) e compro-
metidos(as) com a ação realizada. Além disso, esse
exercício também propõe um trabalho de exploração
dramatúrgica a partir da voz e suas variações, já que

86
André Carreira e Ana Zechini

não há contato visual. Por isso, é importante que a


escolha do texto seja pessoal.

19. Figuras congeladas – Em duplas, os(as) participantes


devem formar figuras congeladas que incluam contato
físico, por exemplo: a mão de B sobre os olhos de A; B
toca o cabelo de A. Nesse exercício, os(as) participan-
tes devem utilizar um texto sem respeitar a pontuação.
Sugestão de texto:
A: A noite é incrível você podia
B: O jantar foi bom podia ir embora mas
A: O jantar é uma coisa estranha
B: Justo agora como

Comentário: As imagens criadas podem ser simples.


Após algum tempo das figuras congeladas, tempo no
qual a observação mútua é o foco do exercício, as
pessoas podem se mover, sem desmanchar a figura. O
objetivo desse exercício é que as imagens funcionem
como suporte para a experimentação com o texto. O
trabalho com o texto sem pontuação tem como objeti-
vo a busca de sentidos para o texto, mas é importante
que não se parta de uma ideia preconcebida de cena.

20. Trabalho com tônus muscular – Em roda, os(as) par-


ticipantes devem contrair uma parte do corpo (exceto
a face) e estabelecer relações ao manter contato vi-
sual com os(as) demais. A parte contraída deve variar,
mas sempre deve haver uma parte do corpo que está
trabalhando. O principal objetivo do exercício é estar
atento(a) às sensações, produzindo alterações na qua-

87
Exercícios de atuação

lidade do estar. Assim que os(as) participantes senti-


rem que estão produzindo com certa intensidade, uma
pessoa por vez pode falar o texto.
Comentário: Através desse exercício, podemos en-
contrar de forma concisa elementos já mencionados
anteriormente, como estar em relação com os(as)
demais participantes. O que se busca é estabelecer
uma relação no aqui e agora, enquanto se realiza
uma ação simples (contrair alguma parte do corpo).
As contrações podem auxiliar tanto para que a aten-
ção esteja no presente quanto para permitir que se
produzam sensações que resultem em uma alteração
na qualidade de estar. Essas sensações devem ser o
suporte para a experimentação com o texto.

21. Círculo no chão – O grupo deve formar um círculo com


as pessoas sentadas no chão. A proposta do exercício
consiste em estabelecer contato visual com alguém,
construir uma relação e, a partir disso, trocar de lugar
com essa pessoa. É importante ressaltar que não deve
haver um acordo verbal ou gesto claro de consentimen-
to entre as pessoas para realizar a troca de lugar: toda a
movimentação deve ser realizada sem ninguém se le-
vantar do chão. A condução pode indicar que a atenção
deve estar nas micromovimentações do coletivo, nas
sensações individuais e na relação que se constrói entre
as pessoas. Essa primeira parte do exercício pode du-
rar cerca de 20 minutos. Em seguida, a condução pode
pedir que o grupo forme duplas, e, com um pequeno
diálogo decorado, retomar a primeira parte do exercício,
mantendo os deslocamentos, utilizando o texto.

88
André Carreira e Ana Zechini

Exercício de contato com Bia Cripaldi e Isadora Peruch

Comentário: Esse exercício trabalha o estabelecimen-


to de relações, pois a proposta está centrada em que
se estabeleça uma conexão visual e que se tome uma
decisão que não está baseada na forma verbal ou ges-
tual. A atenção deve estar voltada às movimentações
do grupo e no estabelecimento de conexões visuais, de
forma a se expandir outras possibilidades de percep-
ção que não estão apoiadas na palavra. A troca deve
ser feita pelo chão, uma vez que isso exige um maior
nível de engajamento físico e gasto de energia. Um
dos obstáculos desse exercício é que a movimenta-
ção não seja realizada de forma puramente mecânica.
Como nos demais exercícios, deve-se sempre buscar
um espaço lúdico de criação, ao mesmo tempo que se
procura evitar a construção de cenas que expliquem a
ação realizada.

89
Exercícios de atuação

22. Círculo de cadeiras – O grupo deve formar duplas e de-


corar um pequeno diálogo. Em seguida, devem organi-
zar, de forma circular, um número de cadeiras maior
que o número de participantes, posicionando uma do
lado da outra. Assim como no exercício anterior, os par-
ticipantes podem trocar de lugar ao estabelecer contato
visual com alguém. Lembrando que não deve haver um
acordo verbal ou gesto de consentimento quando hou-
ver a troca de lugar. Além dessa regra, cada participan-
te também deve inventar uma segunda regra individual
para sua movimentação, por exemplo: “trocar de lugar
toda vez que alguém mexer no cabelo” ou “trocar de
lugar toda vez que alguém levantar”. O trabalho com os
diálogos se dará durante as trocas, mas apenas uma du-
pla por vez pode dizer o texto. Esse exercício pode durar
de 30 a 40 minutos, para que o grupo tome tempo pro-
duzindo relações, entendendo e inventando as regras, e
para que o jogo possa fluir.
Comentário: Assim como no exercício 21, esse jogo tem
como foco a criação e manutenção das relações entre as
pessoas. A diferença do exercício anterior está na inven-
ção de uma segunda regra, que também conduz a movi-
mentação. Ainda que o texto possa ser dito por apenas
uma dupla por vez, o exercício continua funcionando
de forma coletiva, sustentado pelas regras gerais. Isso
ajuda a que os(as) participantes continuem produzindo,
mesmo quando não estão dizendo o texto. Dessa forma,
segue-se exercitando a manutenção das relações e do
jogo. Essa é uma chave no processo de atuação, porque
muitas vezes os(as) participantes se “esvaziam” durante
os exercícios, como se fosse necessário produzir rela-

90
André Carreira e Ana Zechini

ções e sustentar o jogo apenas quando o texto é enun-


ciado. As regras individuais exigem com que a atenção
seja constante.

23. Encontro oposição – A condução deve pedir que os(as)


participantes formem grupos de quatro pessoas e os di-
vidam em duplas (A-B e C-D), que devem estar de mãos
dadas durante todo o exercício. Em seguida, dar a in-
dicação: A quer ir ao encontro de C, porém B e D não
permitem que ambos se encontrem.
Comentário: Nesse exercício não há necessidade de
representar a vontade de encontrar o(a) outro(a) nem
de criar cenas. A condução pode pedir que se esteja
atento(a) ao contato que se estabeleça através do toque
e do olhar. Deve-se trabalhar sobre as sensações que
surgem a partir da vontade de realizar uma ação e en-
frentar seu impedimento.

24. Oposição – Em duplas, A e B ocupam as extremidades


da sala. A condução deve pedir que os(as) participantes
trabalhem com o estímulo de querer tocar o(a) outro(a),
ao mesmo tempo que produzem uma energia contrária
ao toque. Esse é um trabalho com o elemento de oposi-
ção. A condução pode exemplificar o exercício dando
a seguinte indicação: “Quero muito tocar B, mas não
posso” ou “Não posso sair do lugar, mas tenho que ir
até A”.
Comentário: Exercícios que pressupõem um pensamen-
to e uma ação opostos entre si permitem que se trabalhe
sobre a ação de forma contraditória. O foco é preencher
a ação com um pensamento que não a reforça. Isso tem

91
Exercícios de atuação

como objetivo ampliar as possibilidades de exploração


de materiais dramatúrgicos, mas fugindo da narração da
ação. Assim, pode-se criar mais variações de matizes e
gerar maior complexidade no trabalho de atuação.

25. Ação com texto – O trabalho deve ser realizado em du-


plas (A e B) e com algum texto previamente decorado.
Cada pessoa deve escolher uma ação para realizar. A e
B devem ocupar as extremidades da sala. A deve esco-
lher uma ação que será realizada ao encontrar B. Após
realizar a ação e dizer o texto, A deve voltar para o lu-
gar, sustentando o olhar e a relação construída com B.
Ambos devem estar atentos às sensações que surgiram
durante o encontro. Em seguida, B vai até A e realiza sua
ação. O exercício deve seguir de forma contínua, de 20
a 30 minutos.

Exemplo: O texto de A é “Eu te amo.” e a ação esco-


lhida por A é empurrar. A caminha em direção a B e
realiza a ação, dizendo o seu texto. B reage ignorando,
abraçando, chorando etc. A partir da reação de B, A se
modifica (ou não) e volta para o seu lugar, identificando
as sensações que emergiram durante o encontro, e, ao
mesmo tempo, produzindo uma qualidade que condu-
zirá sua reação em relação à ação de B, permitindo-se
contaminar e afetar pela ação. Em seguida, considerando
o primeiro encontro, B realiza o mesmo procedimento, e
ambos trabalham de forma alternada.
Comentário: Durante o exercício deve-se estar atento à
escolha das ações. Algumas pessoas tendem a confundir
ação com emoção. Estar triste ou parecer arrogante não

92
André Carreira e Ana Zechini

é ação, é emoção ou condição da ação, já que uma pes-


soa pode estar triste fazendo algo. O foco do exercício
está na ação. Considerando os comentários do exercício
16, se os(as) participantes escolhem realizar ações que
acabam enfatizando o texto, há um grande risco de se
produzir coisas óbvias. Esses exercícios têm como prin-
cípio explorar outras possibilidades. A sugestão é que se
trabalhe com tensões entre o que se diz e o que se faz,
explorando contradições. Por exemplo: se o texto diz
“te odeio”, a ação pode ser abraçar. Quando a ação es-
colhida é algo físico como arrastar ou empurrar, a ação
deve ser realizada apenas uma vez, determinando o iní-
cio e fim da ação de forma clara. Por exemplo: empurrar
ou arrastar a pessoa de uma extremidade a outra da sala.
Esse exercício também possibilita que o grupo trabalhe
sobre a noção de ação, diferenciando o movimento da
ação dramática. A ação dramática deve transformar ou
modificar alguém: não se resume ao gesto e é um fazer
que, além de sustentar a dramaturgia, também a modi-
fica. É importante que, durante o exercício, a condução
insista que o objetivo é se deixar contaminar pela ação-
-reação, e não limitar o jogo a uma história entre A e B
que resulta na criação de uma cena narrativa.

Exercícios do estar
Esses exercícios estão relacionados com a busca da não
representação como eixo do trabalho. O foco está no contato
com o(a) outro(a) e na percepção de si e do espaço. Deve-se
trabalhar com o objetivo de controlar a ansiedade em resolver
os problemas propostos, buscando soluções através da criação
e representação de cenas narrativas.

93
Exercícios de atuação

Através da prática constante, acreditamos ser possível


desenvolver qualidades no estar, com base em uma percep-
ção mais apurada do espaço e do(a) outro(a). Isso permite o
desenvolvimento de espaços de criação conjunta, nos quais o
acontecimento emerge coletivamente, e não apenas a partir de
uma proposta individual.

1. Estar 1 – Em duplas, A conduz B até uma extremidade


da sala através do toque e mantendo sempre o contato
visual. Em seguida, B conduz A da mesma forma. A pes-
soa que é conduzida deve oferecer uma pequena resis-
tência, criando um ponto de tensão.
Comentário: O ato de conduzir nesse exercício não
deve buscar de forma imediata uma relação que produ-
za algum tipo de história entre A e B. O ponto de tensão
garante que a ação de conduzir aconteça efetivamen-
te, e não seja apenas uma representação ou esboço da
ação. O principal objetivo desse exercício é ampliar o
campo de percepção dos(as) participantes. Deve-se estar
atento(a) ao espaço, à relação, ao toque, às sensações
individuais, e como essas sensações produzem vontades
ou não. O foco é o estar na situação.

2. Estar 2 – As pessoas devem ocupar os espaços da sala


a partir de uma caminhada contínua, na qual a varia-
ção de ritmos pode ser explorada. Durante a caminha-
da, os(as) participantes devem tocar uns aos outros. O
toque pode ser com as mãos, exercendo alguma força
que modifique o outro corpo, que pode ou não ofere-
cer uma pequena resistência. A força empregada não
deve ser excessiva. As pessoas tocadas não devem to-

94
André Carreira e Ana Zechini

mar o toque como estímulo a fazer nada em particu-


lar, portanto não devem representar a partir do toque,
apenas experimentar essa força em sua dimensão real.
A principal indicação para esse exercício é que não
é necessário mostrar ou representar nada, mas bus-
car contato com o(a) outro(a), que pode oferecer uma
pequena resistência experimentando a sensação pro-
vocada pelo toque. A relação não se limita ao toque:
também deve-se buscar estabelecer contato através do
olhar, com atenção nas sensações e ideias que o con-
tato pode gerar, assumindo o compromisso de estar em
relação com os(as) demais.

Exercício com o Grupo Yuyachkani em Lima

Comentário: É importante evitar realizar a ação de for-


ma mecânica e aproveitar a oportunidade para traba-
lhar a variação de intensidades através da identificação
e acúmulo das sensações produzidas nas relações que

95
Exercícios de atuação

se estabelecem durante o jogo. A condução pode dar


instruções individuais ao identificar que alguém está re-
presentando os impulsos provocados pelo toque. Isso é
perceptível quando, durante o exercício, aparecem mo-
vimentos dançados ou formas que resultam em cenas.
É importante insistir na ideia de que não se deve repre-
sentar as sensações, apenas reagir ao contato, e que não
sentir nada também é sentir.

3. Diagonal – Para esse exercício, o grupo é dividido


em dois e cada subgrupo deve ocupar um canto da
sala, formando uma diagonal. A proposta do exercício
é que um(a) participante de cada subgrupo corra em
direção ao centro, indo de encontro à outra pessoa do
outro grupo, considerando que, ao chegar ao centro,
ambas as pessoas não podem se tocar. Deve-se bus-
car um movimento semelhante a quando duas pessoas
que estão caminhando na rua em sentidos opostos se
encontram e, ao tentar desviarem, ambas caminham
na mesma direção, gerando uma situação sem sentido
que as conecta. O jogo da diagonal trabalha com um
pequeno conflito: “Quero passar, mas não posso sair
e deixar que o outro passe.” Haverá, portanto, uma
disputa de espaço. Essa disputa deve ser controlada,
gerando tensão, mas sem contato físico (ao menos em
um primeiro momento). Após o encontro, com algu-
mas idas e vindas em que ambas as pessoas buscam
seguir em frente, ao mesmo tempo que impedem que
a outra passe, o encontro deve terminar com alguém
cedendo o espaço e se incorporando ao grupo situado
na ponta oposta da diagonal. Todas as pessoas parti-

96
André Carreira e Ana Zechini

cipantes realizarão o mesmo exercício várias vezes. A


diagonal permite explorar diversas variações, de acor-
do com os objetivos da condução. Alguns exemplos
são: a) Depois de executar a base do exercício, no mo-
mento de seguir em frente, uma das pessoas pode reter
a outra, impedido-a de seguir caminhando, investindo
na relação; b) Quando os(as) participantes chegam ao
centro, podem trabalhar com algum texto; c) Pode-se
encadear encontros com a condução indicando que
alguém que está nos grupos se disponha a começar
imediatamente um novo jogo com alguém que está
saindo do encontro no centro da diagonal, criando,
assim, sequências de encontros.

Exercício da diagonal com Lara Matos e André Carreira

Comentário: Esse exercício explora a produção de pon-


tos de tensão entre os corpos, buscando criar e desen-
volver a conexão como elemento central, que permite

97
Exercícios de atuação

que se estabeleçam relações entre os(as) participantes.


É comum que, durante o encontro, alguns(mas) parti-
cipantes não consigam controlar o impulso de saída e
acabem se chocando no centro, por isso é importante
que se repita a indicação para que os corpos se aproxi-
mem ao máximo, mas não se toquem no momento do
encontro. Outra característica desse exercício é que, no
momento do encontro, algumas pessoas “fogem” e não
gastam tempo suficiente para desenvolver a relação.
Portanto, deve-se insistir para que não se tenha pressa,
dado que o foco é o momento da tensão entre os cor-
pos no espaço. Também é importante cuidar para que o
exercício não se transforme em uma cena representada
ou que a tensão fique concentrada em apenas uma parte
do corpo, como na face ou nas mãos.

Exercícios de estados
Os exercícios a seguir são exemplos de procedimentos
realizados pelo ÁHQIS na experimentação com os estados.
Eles representam uma hipótese de trabalho que tem foco no
aqui e agora da situação cênica. Quando o foco está em se
produzir um estado, o primeiro impulso pode emergir tanto do
coletivo quanto de um processo individual. No entanto, todos
os acontecimentos que se dão no espaço de trabalho devem ser
parte do processo. O individual e o coletivo se complementam.
Ainda assim, para uma melhor compreensão e descrição do
procedimento, esses dois tipos de impulsos podem ser abor-
dados de forma isolada. Ao se produzir um estado, além de se
estar atento(a) às sensações, deve-se investigar diferentes níveis
de intensidade: isso significa tanto intensificar ou suavizar os
estímulos quanto as reações a tais estímulos.

98
André Carreira e Ana Zechini

Esses exercícios também funcionam como campos de


exploração e mapeamento técnico. Para isso, é necessário que
cada ator e atriz, durante a prática, esteja atento(a) às diferentes
questões, tais como: “O que acontece com o corpo enquanto se
realiza a ação?”, “Que vontades emergem durante o exercício?”,
“Como está a respiração?”, “O que acontece ao tensionar uma
determinada parte do corpo em determinado momento?”, “O
que a outra pessoa me sugere?”, “O que ela está tentando fazer?”

Roda de estados com o Grupo Engasga Gato e a equipe do ÁHQIS

1. Roda de estados – Nesse exercício, o grupo deve formar


uma roda com atores e atrizes muito próximos entre si.
Essa conformação serve para que se investigue, de manei-
ra individual, estímulos físicos e imagéticos que possam
alterar a qualidade de estar. Isso significa escolher e insistir
em um estímulo (alterar a respiração, tensionar a muscula-
tura, repetir determinado movimento ou insistir em algum
pensamento ou imagem) que possa servir como base para

99
Exercícios de atuação

a produção de um estado. O estado implica experimentar


um jogo de estímulos e sensações com o corpo. Também
deve-se estar atento(a) ao prazer de utilizar esses estímu-
los, bem como ao prazer de experimentar tais formas e
sensações. A organização dos corpos no espaço de forma
circular permite que todos possam se olhar e se contami-
nar pela ação uns dos outros, o que funciona como su-
porte ao trabalho de todas(os) e simultaneamente anuncia
a possibilidade do jogo coletivo. Esse exercício demanda
tempo (cerca de 40 minutos). Propor uma trilha sonora
pode servir como estímulo, auxiliando no processo cria-
tivo de atores e atrizes. Ao perceber que o grupo está pro-
duzindo com certa intensidade, a condução pode sugerir
que cada participante explore diferentes níveis do estado
produzido (mínimo ao máximo). Após realizar esse exercí-
cio algumas vezes, a condução pode introduzir o trabalho
com texto. Esse exercício, em especial, serve como espa-
ço de criação e exploração técnica por parte de atores e
atrizes. Ao criar mecanismos de exploração de um estado
e de se perceber seus distintos níveis, a condução pode
sugerir uma pequena pausa no exercício e logo pedir que
cada ator ou atriz retome elementos disparadores do esta-
do produzido anteriormente.

Marco Antonio Oliveira e rodinha de estados

100
André Carreira e Ana Zechini

Comentário: A ansiedade para resolver o exercício pode


fazer com que atores ou atrizes trabalhem no campo for-
mal do estado, limitando a experiência e a compreensão
de seus processos individuais. Para que isso não aconte-
ça, a condução pode sugerir que os(as) participantes não
tenham pressa, que investiguem as sensações e estejam
atentos ao entorno. O importante é trabalhar com os ma-
teriais do aqui e agora. Durante a prática, algumas pessoas
tendem a condensar energia, produzindo com intensida-
de, mas com dificuldade em administrar a energia produ-
zida e dar continuidade ao processo. A condução deve
indicar que o grupo experimente realizar ações simples
como caminhar, sentar e falar. Quando o grupo estiver fa-
miliarizado com a roda de estados, pode-se formar duplas
e seguir o trabalho com texto, lembrando sempre que o
suporte para o texto é o estado produzido.

2. Estados – Ocupando diferentes espaços da sala, pedir que


cada participante escolha e trabalhe sobre um estímulo
(alterar a respiração, tensionar a musculatura, repetir de-
terminado movimento ou insistir em algum pensamento
ou imagem), produzindo um estado. Assim que o grupo
estiver produzindo com certa intensidade, sugerir uma pe-
quena pausa e retomar o trabalho com os estados, mas
agora partindo de um estímulo diferente. A condução
pode dar exemplos de estímulos opostos, como muita ten-
são e logo relaxamento extremo. Após cada participante
produzir um segundo estado, sugerir outra pequena pau-
sa. Em seguida, pedir que os(as) participantes retomem o
trabalho, alternando entre os dois estados produzidos, rea-
lizando ações simples como caminhar, sentar e falar. Por

101
Exercícios de atuação

fim, a condução também pode propor um texto para um


trabalho em duplas.

Experimentação de estado com a Orquestra da UDESC –


Marco Antonio Oliveira, Verônica Bortolotto e Ana Zechin

Comentário: Antes de realizar esse exercício, é impor-


tante que a condução fale sobre o mapeamento, ou seja,
sobre a necessidade de que atores e atrizes estejam aten-
tos(as) às mudanças físicas, às ideias e às sensações
que os(as) mobilizaram para que seja possível retomar
elementos do estado produzido. Nos primeiros encontros,
é habitual que atores e atrizes trabalhem de forma intuiti-
va, sem estarem atentos(as) às sensações, mas é importan-
te ressaltar que esse é um espaço de estudo e desenvolvi-
mento técnico individual e, para isso, é necessária muita
atenção durante o processo de criação de um estado.

3. Exercício do abismo – Nesse exercício, os(as) participan-


tes devem ficar em pé na borda de uma cadeira ou ou-
tra superfície e imaginar que está diante de um abismo.

102
André Carreira e Ana Zechini

A proposta consiste em que cada um(a) investigue como


comprometer o corpo a partir de uma condição de quase
queda ou desequilíbrio. Quando o grupo estiver produzin-
do a partir das sensações com certo nível de intensidade,
pode-se trabalhar com um texto.

Exercício do abismo com Francine Costa e Gisele Knutez

Comentário: Esse é um exercício que propõe comprome-


ter o corpo de forma radical. Buscar o desequilíbrio, pro-
vocando certo nível de risco, pode gerar uma situação de
muita produtividade. É importante sinalizar que o objetivo
do exercício não é representar emoções (medo por estar
diante de um abismo) ou mesmo atuar com a preocupa-
ção de demonstrar que se está diante de um abismo. O
objetivo é trabalhar com o texto a partir das sensações que
surgem durante o exercício.

103
Exercícios de atuação

Exercício do abismo com Ana Zechini e Veronica Bortolotto

Exercícios de produção de relações


1. Exercício da festa – Esse é um exercício de longa du-
ração, que está baseado em uma experiência ambien-
tal. Ele tem como proposta o estabelecimento de um
ambiente de festa em um espaço com elementos reais,
tais como música, bebidas, comidas e, se possível,
uma iluminação diferenciada. É ideal que os(as) parti-
cipantes utilizem roupas de festa que não sejam de uso
cotidiano, como vestido, terno e sapato social. Cada
pessoa deve se vestir como se buscasse estar bonita e
elegante para uma festa. Enquanto os(as) participantes
se arrumam, a condução do exercício pode organizar o
espaço. O tempo estimado para esse exercício é de, no
mínimo, uma hora, podendo durar até duas horas ou

104
André Carreira e Ana Zechini

mais. Atores e atrizes só poderão falar e se relacionar


usando os textos memorizados com antecedência. Não
se deve improvisar nenhum texto. Durante o exercício,
as pessoas que necessitem ir ao banheiro devem fazê-
-lo sem avisar a quem coordena e voltar rápido, in-
corporando-se novamente ao jogo. Antes de dar início
à prática, é importante que o grupo já tenha definido
duplas ou trios e decorado pequenos diálogos.
1. Importante reafirmar que o momento de preparação para esse
exercício já é parte do jogo (mudar de roupa, arrumar o cabe-
lo e fazer a maquiagem). Todas as ações realizadas dentro e
fora do espaço da sala compõem o exercício.
2. Quando o grupo estiver pronto e o espaço montado, a con-
dução pode sugerir algum pequeno exercício que esteja rela-
cionado ao tema (rever os exercícios 16 e 17), como forma de
produzir um aquecimento já no ambiente da festa.
3. Assim que os(as) participantes apresentarem maior nível de
concentração e produção de intensidades, a regra proposta
no exercício anterior pode ser esquecida, e o grupo deve
trabalhar a partir das distintas relações que se estabelecem
entre participantes e o espaço, além das vontades e sensa-
ções individuais.

Comentário: A maioria dos exercícios descritos neste


livro apresenta como foco o trabalho do ator ou da atriz
sobre si mesmo e em relação aos demais. Esse exercício
propicia a articulação da atuação com objetos cênicos
e figurinos como materiais para a produção de inten-
sidades. Assim, pode-se explorar o procedimento de
atuação por estados, vinculando-o com elementos que
constituem a cena teatral. Mas é exatamente a presença
desses mesmos elementos que faz aparecer uma ten-
dência a que atores e atrizes desloquem o foco do exer-
cício para a criação de cenas logicamente articuladas.

105
Exercícios de atuação

Por isso, é importante que a condução reforce a ideia


de que o objetivo não é criar cenas, mas investigar, a
partir dos materiais propostos, como produzir diferentes
níveis de intensidade.

2. Exercício de estar, estado e relação – Esse exercício


propõe uma aproximação mais simples e didática aos
elementos com os quais trabalhamos no procedimento
de atuação por estados. Consiste em dividir a produção
do estar em três etapas: estar, intensidade e jogo. Antes
de dar início à prática, pedir que os(as) participantes de-
corem um pequeno texto. A condução deve desenhar
três grandes quadros no chão, dividindo-os entre estar,
estado e relação, e propor que os(as) participantes inter-
calem entre as três possibilidades, dando as seguintes
orientações:
Estar: Nesse quadro, a única preocupação é estar atento(a) à
própria respiração, em como está o corpo, no que se está pen-
sando, como o espaço está organizado, e identificar as pessoas
presentes na sala. Não ter ansiedade em propor ou mostrar
nada, apenas estar.
Estado: Nesse quadro, deve-se investigar alterações físicas,
como tensões, relaxamentos, movimentos cíclicos, ou criar
imagens que possam servir como suporte para se provocar
alterações na qualidade de estar e explorar os diferentes
níveis de intensidade do estado criado, do mínimo ao má-
ximo. Aqui, atores e atrizes dão início à produção de mate-
riais sobre si. O objetivo é o de investigar tais materiais, não
de representar um determinado estado.
Relação: Nesse quadro, o foco está nas relações que se es-
tabelecem com os(as) demais participantes, como o olhar, o
toque e o texto, como os(as) participantes se contaminam pela
presença do(a) outro(a) e recuperam qualidades produzidas
nos outros quadros.

106
André Carreira e Ana Zechini

Exercícios de estar, estado e relação com Marco Antonio Oliveira,


Sara Obst, Maurício Scheneider e Marina Argenta

Comentário: Esse é um exercício que tem raízes nos view


points. Ainda que o exercício proponha as divisões dos
quadros, as alterações de qualidade desses elementos
são simultâneas. Assim, no processo, ir-se-á incorporan-
do as três etapas citadas, sem hierarquia. A segmentação
do trabalho nesse exercício é importante para que atores
e atrizes possam identificar mais facilmente as estruturas
que permeiam o procedimento de atuação apresentado
neste livro. Após algum tempo de exercício, a utilização
do texto pode ser ampliada em todos os quadros, mas
os(as) participantes devem compreender que o texto é
uma ferramenta no processo, um meio para investigar
materiais. Em relação ao quadro estado, é importante
ressaltar que o objetivo não é representar um estado. Ao
escolher os materiais com os quais trabalhar, sejam eles
alterações físicas, criação de imagens ou ambos, atores

107
Exercícios de atuação

e atrizes não devem buscar narrar ou representar o es-


tímulo. O foco não é contar uma história, mas experi-
mentar, de forma concreta, como esses materiais podem
produzir diferentes sensações e como conscientemente
desfrutar de tais sensações no espaço de criação.

Sobre o trabalho com textos nos exercícios


Todos os exercícios que utilizam textos têm como prin-
cípio o trabalho de memorização, visto que evitamos o uso de
improvisação com as palavras para concentrar o trabalho na ex-
ploração de ações.
Nesse caso, o texto é uma ferramenta no trabalho de
atuação, e não o seu fim. Nosso foco não é a interpretação da
personagem, e sim a atuação com a personagem. Se um ator ou
uma atriz busca transmitir exclusivamente a mensagem do(a)
autor(a), acaba por limitar seu espaço de criação, operando
como um meio no processo de comunicação.
Iniciar o trabalho de criação a partir da premissa da sim-
ples representação do texto pode acabar por suprimir infinitas
possibilidades que podem surgir ao se investigar e criar mate-
riais com base no aqui e agora da experiência cênica. Pode-se
encontrar outras possibilidades que talvez nem mesmo quem
escreveu o texto tenha imaginado. Além disso, a atriz ou o ator
que se compromete com uma atuação que não está apenas a
serviço da representação da personagem, mas será menos de-
pendente do olhar da direção, fazendo-se mais parceira(o) no
processo de criação.
Acreditamos que é durante os exercícios que o texto
ganha sentido no corpo de quem atua, alimentando o próprio
trabalho de atuação. A narrativa da cena se constrói a partir
da relação que se estabelece entre atores, atrizes e público

108
André Carreira e Ana Zechini

durante o jogo. Também acreditamos que a experimentação


em ação a partir de interferências que não surgem da racio-
nal interpretação do papel pode ser um componente-chave no
processo criativo.

Sugestões de textos para os exercícios


Nos exemplos abaixo, pode-se encontrar alguns textos
breves, que têm uma circularidade que pode auxiliar no pro-
cesso da exercitação de atores e atrizes. Como os textos são
flexíveis, podem servir como ferramenta no processo de ex-
perimentação com foco na produção de intensidades e jogo
que dão suporte à fala. Os textos também são importantes para
que os atores e as atrizes não “esvaziem” durante o exercício,
acumulando constantemente diferentes qualidades e níveis de
intensidade, dado que a repetição desses breves fragmentos
exige um foco no jogo e na variação de possíveis sentidos para
as palavras.
Esses textos simples são apenas sugestões, pois, além
de existirem muitos exemplos em diferentes publicações,
cada equipe de trabalho pode criar seus próprios materiais.
Consideramos que o importante é realizar exercícios com
materiais que não coloquem, de forma imediata, sobre ato-
res e atrizes, a pressão de atuar em função dos sentidos da
dramaturgia.

Texto 1
A: Você tem água?
B: Tenho.
A: Quero um copo.
B: 5 reais.
A: Tenho sede, mas não tenho dinheiro.
B: Sinto muito, 5 reais. Você quer?

109
Exercícios de atuação

Texto 2
A: Olha, eu ainda não sei.
B: Tem dúvida? Por quê?
A: Por que é lógico?
B: Lógico? Não acho.
A: É evidente. Super claro.
B: Pra você. Só pra você.
A: Então me explica.

Texto 3
A: Me surpreendeu, lógico que sim.
B: Vem. Tem receio? Não pode? Deveria poder.
A: Eu posso. É incerto, mas é melhor assim.
B: Desculpa. Fiz o que pude, e foi só isso.

Texto 4
A: Bom dia.
B: Bom dia. É tarde.
A: Antes tarde do que nunca.
B: Será?
A: Não?
B: Você acha mesmo?
A: Acho melhor tarde do nunca.
B: Mas tarde pode ser nunca.

Texto 5
A: Não faça isso
B: Não fiz nada.
A: Eu vejo nos teus olhos, noto.
B: Nota o quê?
A: Você sabe, não sabe?
B: Você pensa que eu te entendo.
A: Não entende? Eu gostaria que você me entendesse.

110
André Carreira e Ana Zechini

B: Mas você também não me entende.


A: Como você sabe disso?
B: Eu sei.

Texto 6
A: Então eu falei: “Fora daqui agora. Já. Ouviu?”
B: Justo agora?
A: Agora. Agora mesmo.
B: Sim. Não entendeu?
A: Queria saber o porquê.
B: Sim. Lógico. Tem medo?
A: Olha, posso explicar.
B: É importante?

Texto 7
A: Não.
B: Por que não?
A: Simplesmente porque isso não é possível.
B: Como impossível?
A: É inconcebível.
B: Por quê?
A: Não posso aceitar isso.
B: Nem tentaria?
A: Não posso.
B: Nunca?

Texto 8
A: Não faça isso.
B: Não fiz nada.
A: Eu vejo nos teus olhos. Noto.
B: Nota o quê?
A: Você sabe, não sabe?
B: Olha bem pra mim.

111
Exercícios de atuação

Texto 9

A: Cedo, bem cedo foi.


B: Eu não percebi. Por que não me avisou?
A: Achei desnecessário.
B: Desnecessário? Como?
A: Não queria te incomodar.
B: Incomodar? Quando?

Texto 10

A: É.
B: Você não entende nada mesmo.
A: Estava cuidando de você.
B: Eu preciso de cuidado?
A: Você não entende.
B: Você me explicaria, não é?

112
PALAVRAS FINAIS

Propor um conjunto de exercícios de atuação não é


uma tarefa fácil, ainda mais considerando que não pensamos
o processo de atuação como um meio que buscaria a forma
mais eficaz de realizar uma representação ideal. De todos os
modos, ao concluir este breve livro, reafirmamos que nosso
objetivo foi oferecer materiais que estimulem a experimenta-
ção de procedimentos de atuação, e não um modelo acabado.
Atuar é uma prática que se dá principalmente no cam-
po da experiência sensível, então é a reflexão dos atores e
das atrizes sobre o que acontece enquanto se realiza um de-
terminado exercício o que permite, de fato, avaliar sua efi-
cácia. Por isso, não encontramos um modelo universal. Esta-
mos falando de experiências singulares.
A reconstrução seletiva, e nem sempre precisa, dos
acontecimentos, que foi a base para este livro, retomou ano-
tações realizadas durante as aulas e sessões de trabalho labo-
ratorial. Rememoramos nossas práticas, tratando de identifi-
car aquilo que consideramos mais útil para atrizes e atores.
Nosso material foi colhido a partir das experiências em
sala de trabalho, com todas as dificuldades e avanços apre-
sentados por cada estudante durante diferentes processos de
experimentação. Tratamos de observar resultados singulares,
ainda que tenham sido produzidos em tempos coletivos. Isso
quer dizer que nenhum exercício servirá igualmente para to-
Exercícios de atuação

dos e todas. Os tempos de experiência, descoberta e assimi-


lação durante cada exercício se dará de maneira individual.
Como dito anteriormente, um processo de aprendiza-
gem e experimentação em atuação exige uma postura de má-
ximo comprometimento por parte de quem atua, mas também
está implícito nesse processo o papel que cumpre a sensibili-
dade e a experiência de quem conduz as práticas para se poder
produzir momentos de intensidade.
A exemplo de nossa prática de realização de espetácu-
los-laboratório, nos quais consideramos que o mais importan-
te não é a apresentação de algo completamente terminado, e
sim a exploração de materiais e procedimentos, os exercícios
em si não são mais que instrumentos para a exploração. As
relações que se estabelecem no momento presente entre as
pessoas que realizam são o foco, pois é ali que nasce a técni-
ca. No entanto, pensamos que quem conduz os exercícios não
está simplesmente coordenando ou avaliando uma atividade:
também está criando.
Outro aspecto importante para o aprofundamento da ex-
periência é entender que o exercício tem como fim o próprio
exercício, isto é, a sua intensidade como experiência. Muitas
vezes nos deparamos com a angústia de atores e atrizes em
obterem um bom resultado na cena durante a realização de um
exercício. Aparece, então, a preocupação em criar uma boa
personagem, o que implica recorrer rapidamente às formas já
conhecidas, de modo a solucionar o problema. Mas isso será
sempre um obstáculo para a ampliação das possibilidades de
jogo e invenção de novos caminhos.
Reforçamos a ideia de que os procedimentos comparti-
lhados aqui não nasceram de formas pré-definidas nem se re-
lacionam com modelos formais acabados, portanto não têm

116
André Carreira e Ana Zechini

como finalidade oferecer parâmetros técnicos para a criação


de uma “personagem bem elaborada”. Um dos principais ob-
jetivos desses procedimentos é estimular a invenção, já que
inventar exercícios é essencial no processo de exploração em
atuação cênica. O importante é criar caminhos para que ato-
res e atrizes experimentem procedimentos cujo foco estará nas
percepções individuais produzidas no aqui e agora dos exercí-
cios realizados em um ambiente coletivo.
Apesar de que a prática nos indique que existem exer-
cícios com um maior grau de eficácia quanto à produção de
materiais e à criação de condições de jogo, não existe nenhum
exercício que o faça sem que atores e atrizes estejam predis-
postos(as) e comprometidos(as) com o acontecimento e que
desfrutem de sua realização como jogo criativo. A simplicida-
de dos exercícios está relacionada a procedimentos cuja ferra-
menta mais importante é a capacidade de se construir o jogo
e explorar a ludicidade. É por isso que encaramos o texto, o
cenário e o figurino como suportes para que atores e atrizes
construam espaços de jogo, ainda que consideremos importan-
te que se trabalhe sem depender necessariamente desses supor-
tes. O que permeia nossa reflexão é pensar como, em uma sala
vazia, com roupas de ensaio, atores e atrizes e direção podem
criar um espaço de experiência e aprendizagem.
O que importa na realização dos exercícios, por mais
simples que eles sejam, não é a forma correta, mas a premissa
de se criar um espaço destinado à experimentação e criação
de uma atuação, e que não esteja fundamentado única e ex-
clusivamente na ideia de representação da personagem. Essa
abordagem amplia as possibilidades de investigação, não se
limitando ao campo do teatro, e sim aproximando-se também
da performance. Assim, pode-se dialogar com a interdiscipli-

117
Exercícios de atuação

naridade característica dos trabalhos das artes vivas contem-


porâneas.
Por fim, cabe dizer que nossa perspectiva de trabalho
criativo entende os exercícios como um campo de provas que
não deveria estar muito distante dos procedimentos utilizados
nas apresentações. Nos interessa aproximar a experiência do
jogo que propicia o exercício, com a exploração do jogo no
momento da apresentação.

118
SUGESTÕES DE LEITURAS SOBRE ATUAÇÃO

ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Max Limo-


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2002.

123
André Carreira e Ana Zechini

SOBRE OS AUTORES

Ana Zechini (Lages, SC – 1993)


Atriz, diretora, compositora. Atualmente cursa o mestrado em
Historia del Arte, na Universidad de Antioquia (Colômbia).
Graduada no curso de licenciatura em Teatro pela Universida-
de do Estado de Santa Catarina (2017), iniciou seus estudos na
Oficina de Teatro da Fundação Cultural de Lages (2010). Em
2014, ingressou como bolsista de Iniciação Científica CNPq
do Núcleo de Pesquisa sobre Processos de Criação Artística
(ÁHQIS), atuando nos espetáculos-laboratório: Pequenos bur-
gueses (2014), Treinamento elementar para atores (2016), Con-
certo com estados (2016), No salão e Restrição (2017). Atuou
e dirigiu a ação Náuseas. Ministrou oficinas de atuação por
estados durante o seminário de nove anos do ÁHQIS e para
estudantes da Escuela Multidisciplinaria de Arte Dramático de
Montevideo (EMAD), em 2017.

André Carreira (Juiz de Fora, MG – 1960)


Licenciado em Artes Visuais pela Universidade de Brasília
(1984) e doutor em Teatro pela Universidad de Buenos Ai-
res (1994). Realizou pós-doutorado com Richard Schechner
na New York University, em 2011, e com Óscar Cornago na
Espanha, em 2017-2018. Professor visitante do mestrado em
Prácticas Escénicas e Cultura Visual na Universidad Castilla/La
Mancha/Museo Reina Sofia, na Espanha, e na Universidad de
La República, no Uruguai. Pesquisador do CNPq desde 1997

125
Exercícios de atuação

(PQ 1A). Professor do Programa de Pós-Graduação em Teatro e


do PROF-ARTES/UDESC. Com o Grupo Experiência Subterrâ-
nea montou Ordem e progresso (2018), Mierda bonita (2016),
Guardachuva (2013) e Women’s (2001-2017). Trabalha com
diferentes grupos, dirigindo espetáculos como Das saborosas
aventuras de Dom Quixote de la Mancha (Teatro que Roda),
Marias da Luz (Grupo As Graças – SP), Final da tarde (Teatro de
Caretas – Fortaleza) e Página 469 (Grupo Engasga Gato – SP).
É autor dos livros Teatro Callejero, Teatro de rua: uma paixão
no asfalto, Meyerhold: experimentalismo e vanguarda, Estados:
relatos de um processo de pesquisa sobre interpretação teatral,
Teatro de invasión: la ciudad como dramaturgia (publicado em
Córdoba, na Argentina) e Atuação por estados: práticas de pes-
quisa e criação teatral.

126

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