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2.

ª edição
2009

IARA BEMQUERER COSTA

lingÜística III
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ção por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

C872L
v.3

Costa, Iara Bemquerer.


Lingüística III. / Iara Bemquerer Costa. – Curitiba, PR: IESDE, 2009.
256 p.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-0778-3

1. Socioingüística. 2. Fala. 3. Conversação. I. Inteligência Educacional e Siste-


mas de Ensino. II. Título.

09-4215. CDD: 401.9


CDU: 81’42

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Júpiter Images / DPI Images

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
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Iara Bemquerer Costa

Doutora em Ciências (Lingüística) pela Universidade Estadual de Campinas (Uni-


camp). Mestre em Lingüística pela Unicamp. Graduada em Letras-Português pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Sumário
Análise da fala e da conversação......................................... 15
A conversação como objeto de estudo.............................................................................. 15
Propriedades definidoras da conversação........................................................................ 16
Algumas modalidades de conversação............................................................................. 19
Transcrição da fala..................................................................................................................... 22
Conclusão...................................................................................................................................... 27

Conceitos fundamentais
para a Análise da Conversação............................................. 35
A especificidade da conversação.......................................................................................... 35
Os turnos de fala......................................................................................................................... 36
Tópico conversacional.............................................................................................................. 40
Pares adjacentes......................................................................................................................... 43
A hesitação................................................................................................................................... 47
Conclusão...................................................................................................................................... 48

Estratégias de organização do diálogo............................. 57


A paráfrase.................................................................................................................................... 57
A correção..................................................................................................................................... 60
A repetição.................................................................................................................................... 62
Os marcadores conversacionais............................................................................................ 63
Conclusão...................................................................................................................................... 68

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A aquisição da linguagem...................................................... 75
Teorias de aquisição da linguagem..................................................................................... 76
A aquisição da fonologia......................................................................................................... 83
Observações sobre a aquisição da escrita......................................................................... 86
Conclusão...................................................................................................................................... 87

Análise retórica da argumentação...................................... 95


A Retórica Clássica e sua revitalização na Nova Retórica............................................. 95
Conceitos fundamentais da Nova Retórica.....................................................................100
O ethos: imagem do autor projetada no discurso........................................................107
Conclusão....................................................................................................................................108

A teoria da argumentação na língua................................117


A contribuição de Oswald Ducrot para o estudo da argumentação.....................117
A pressuposição........................................................................................................................120
O subentendido........................................................................................................................122
Os operadores argumentativos..........................................................................................123
Conclusão....................................................................................................................................127

Teoria da informação.............................................................133
Informação X redundância...................................................................................................133
Contribuições da teoria da informação para o estudo das línguas.......................136
A informatividade como fator de textualidade.............................................................138
Fontes de expectativa para a avaliação da informatividade....................................142
Conclusão....................................................................................................................................143

Teoria dos atos de fala...........................................................151


O conceito de atos de fala:
origem, contribuições para a Lingüística e limites.......................................................152

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As enunciações performativas............................................................................................155
Tipos de atos de fala................................................................................................................156
Conclusão....................................................................................................................................159

As máximas conversacionais...............................................169
As relações entre a lógica e a conversação segundo J.P. Grice................................169
Princípios organizadores da conversação.......................................................................171
Implicatura conversacional...................................................................................................178
Conclusão....................................................................................................................................179

Conceitos básicos da Análise do Discurso.....................187


Surgimento e consolidação da Análise do Discurso...................................................188
Formação ideológica e formação discursiva..................................................................191
O conceito de discurso...........................................................................................................192
Discurso e interdiscurso.........................................................................................................194
Conclusão....................................................................................................................................196

O sujeito na Análise do Discurso.......................................203


Condições de produção e jogo de imagens...................................................................203
O conceito de sujeito na Análise do Discurso................................................................208
Sentido e efeito de sentido...................................................................................................210
Conclusão....................................................................................................................................211

Exemplos de Análises do Discurso....................................221


Exemplo 1: A linguagem politicamente correta e a Análise do Discurso............221
Exemplo 2: O mito de informatividade, imparcialidade
e objetividade em funcionamento nos comentários telejornalísticos.................226
Conclusão....................................................................................................................................229

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Gabarito......................................................................................237

Referências.................................................................................247

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Apresentação

A Lingüística – ciência que tem como objeto o estudo da linguagem – foi criada
e se consolidou a partir da obra genial de Ferdinand de Saussure, especialmente do
seu Curso de Lingüística Geral, publicado em 1916. Alguns pressupostos assumidos
por ele foram fundamentais para a delimitação do objeto de estudo da Lingüística
e do método adotado para a análise das questões incluídas no campo de estudo
circunscrito para a nova ciência. Para o estruturalismo, que caracteriza a Lingüística
da primeira metade do século XX, a língua é concebida como um sistema de signos,
e analisada a partir das relações de semelhança e diferença entre os elementos nos
diversos níveis desse sistema: na fonologia, na morfologia, na sintaxe.

A definição do objeto e do método de análise formulados pelo estruturalismo


alavancou os estudos da linguagem e permitiu avanços consideráveis na análise
tanto das línguas já estudadas há séculos – as européias, por exemplo – como de
numerosas línguas americanas e africanas, que não contavam com descrições pré-
vias nem dispunham de sistemas de escrita. No entanto, a definição do objeto pela
Lingüística estrutural deixa fora do campo de estudo uma série de questões rele-
vantes sobre a organização e funcionamento das línguas naturais. O estruturalismo
parte da oposição entre língua (sistema de signos) e fala (uso da língua) e define a
primeira como seu objeto de estudo. Conseqüentemente, ficam de fora todas as
questões que envolvem a relação do falante com a linguagem, a ligação entre os
fatos sociais e o uso da língua, as unidades lingüísticas maiores que a sentença.

Este livro focaliza uma série de formulações teóricas e metodológicas poste-


riores ao estruturalismo e que têm em comum a revisão dos limites do estudo da
linguagem estabelecidos por uma concepção formalista. Algumas dessas refor-
mulações são motivadas pela observação de propriedades das línguas naturais
que uma abordagem formalista não capta. Exemplos dessas reformulações são:
os estudos da argumentação na língua, que mostram que as expressões lingüísti-
cas têm intrinsecamente uma carga argumentativa; a teoria dos atos de fala, que
coloca em evidência a existência de ações que são realizadas pela produção de
enunciados lingüísticos.

Outras reformulações são motivadas pela incorporação de questões relevantes


antes excluídas dos estudos lingüísticos, como o funcionamento da fala. A Análise
da Conversação procura desenvolver uma metodologia adequada para a identifi-
cação dos princípios que regem a interação entre os falantes quando fazem o uso
mais trivial de sua língua: conversam no dia-a-dia sobre qualquer tema.

Há também ampliações significativas dos estudos da linguagem motivadas


pelo diálogo entre a Lingüística e outras áreas do conhecimento que também
tratam de questões que têm reflexos no uso da linguagem. O diálogo com a Psi-
cologia e as teorias de aquisição da linguagem formuladas por psicólogos como

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Jean Piaget foi fundamental para o desenvolvimento da Psicolingüística. A revita-
lização da Retórica – a partir da releitura da Retórica Clássica – produziu uma série
de estudos da argumentação. As contribuições da Sociologia, a partir dos estudos
da ideologia, e da Psicanálise, que fornece elementos para uma compreensão do
sujeito, alavancam o surgimento de uma área dos estudos lingüísticos muito pro-
dutiva atualmente, a Análise do Discurso. A teoria da informação contribuiu para
a compreensão do funcionamento dos textos.

Nas 12 unidades deste volume, são apresentados os conceitos mais relevan-


tes de cada uma dessas áreas, com o uso de exemplos que possam facilitar o seu
entendimento e indicações de fontes às quais o estudante pode recorrer para o
aprofundamento do estudo nas áreas que lhe despertarem maior interesse.

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Exemplos de Análises do Discurso

O objetivo desta unidade é mostrar o uso do referencial teórico desen-


volvido pela Análise do Discurso (AD) de linha francesa para o estudo de
alguns discursos, e apresentar exemplos de estudos que fazem a relação
entre teoria e prática nessa área.

O primeiro estudo escolhido foi elaborado por Sírio Possenti e publi-


cado no livro Os Limites do Discurso (2002). Trata-se de um ensaio sobre a
linguagem politicamente correta.

O segundo estudo tem como autora Érica Karine Ramos Queiroz e dis-
cute “O Mito de Informatividade, Imparcialidade e Objetividade em Fun-
cionamento nos Comentários Telejornalísticos”. Trata-se de um artigo pu-
blicado na revista Estudos Lingüísticos (XXXIV, 2005).

A escolha desses dois estudos levou em conta em primeiro lugar a atu-


alidade dos temas estudados e a familiaridade que os alunos do Curso de
Letras têm com os mesmos temas; o segundo critério para a escolha foi a
abordagem teórica adotada pelos dois autores. Ambos utilizam o referen-
cial da AD francesa para fundamentar suas análises.

Exemplo 1: A linguagem politicamente correta


e a Análise do Discurso
Possenti (2002, p. 37-59) inicia seu estudo lembrando que a expressão
“politicamente correto” (ou incorreto) é usada principalmente para se re-
ferir a expressões lingüísticas, mas é usada também em outros campos.
Aponta o exemplo de um jornal que qualifica de politicamente correto o
comportamento de jovens que são fiéis, trocam anéis e fazem sexo res-
ponsável. Ou de um canal de TV que proíbe algumas mímicas usadas em
programas para surdos-mudos por considerá-las politicamente incorretas:
puxar os cantos dos olhos para representar um chinês, por exemplo.

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Lingüística III

No campo da linguagem, o movimento em defesa de um comportamento


politicamente correto teve origem nos Estados Unidos da América e foi difun-
dido às vezes de forma bem organizada, às vezes de forma enfraquecida, em
diversos países. O foco principal do movimento é o combate ao racismo, ao ma-
chismo, à pretensa superioridade do homem branco ocidental e de sua cultu-
ra. Mas defende também o uso de um vocabulário não marcado para designar
qualquer grupo discriminado (velhos, baixinhos, deficientes, portadores de do-
enças como a Aids).

Possenti (2002, p. 39) afirma:


As formas lingüísticas estão entre os elementos de combate que mais se destacam, na medida
que o movimento acredita (com muita justiça, em princípio) que reproduzem uma ideologia
que segrega em termos de classe, sexo, raça e outras características físicas e sociais que são
objeto de discriminação, o que equivale a afirmar que há formas lingüísticas que veiculam
sentidos que evidentemente discriminam (preto, gata, bicha), ao lado de outros que talvez
discriminem, mas menos claramente (mulato, denegrir, judiar, anchorman, history etc.)

Algumas das palavras citadas por Possenti como não claramente discrimina-
tórias fazem referência à mula (mulato), ao negro (denegrir), ao judeu (judiar) de
forma pejorativa; outras podem ser interpretadas como formas de destacar a
superioridade masculina: anchorman, history.

O movimento em defesa da linguagem politicamente correta apresenta fatos


interessantes para a AD, por colocar em evidência que a significação depende
dos discursos em que as palavras e enunciados são utilizados. O uso de certas
palavras é determinante para que um discurso seja considerado racista, machis-
ta etc. A análise de certos itens lexicais mostra sua relação com as formações
discursivas em que adquiriram historicamente o sentido que têm atualmente:
negro X afro-brasileiro; homossexual X bicha; moça X gata.

A luta do movimento para implementar o emprego de certas palavras e


evitar o emprego de outras coloca em evidência a concepção de discurso como
uma prática social e histórica. Possenti comenta alguns exemplos reveladores do
efeito que pode ter o uso de expressões lingüísticas politicamente (in)corretas.
O primeiro deles refere-se à reação da imprensa a uma declaração de Fernando
Henrique Cardoso quando era candidato à Presidência da República. Na oca-
sião, o candidato se definiu como “mulato”, para mostrar que não se apresentava
como um representante da elite. O uso dessa palavra provocou uma série de
reações na imprensa, em especial de militantes de movimentos de defesa dos
negros, que consideraram a fala de Fernando Henrique politicamente incorreta.
Um militante afirmou: “Só se ele é filho de mula. Mulatinho é cruzamento com
mula, não com negro.” Os jornais publicaram cartas de leitores com a afirmação

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Exemplos de Análises do Discurso

de que o candidato deveria saber que a palavra “mulato” tem origem pejorativa
e que certos movimentos negros lutam contra sua utilização.

Os movimentos em favor de comportamentos politicamente corretos com-


batem o uso de palavras marcadas negativamente e propõe sua substituição por
outras, que seriam “neutras” ou “objetivas”. A hipótese subjacente à atuação dos
movimentos é de que a conotação negativa é uma característica das palavras. A
utilização de expressões politicamente corretas eliminaria a discriminação.

Possenti mostra que o sentido que essas expressões adquiriram historica-


mente é um efeito dos discursos a que pertencem:
A tese da AD seria, ao contrário, a de que a palavra produz os efeitos de sentido que produz
em decorrência do discurso a que pertence tipicamente (um discurso racista, por exemplo).
Tal discurso só ocorre se a sociedade for de alguma forma racista. Vale dizer, se houver suporte
(a AD diria “se houver condições de produção”) sociológico e histórico na formação social
para que haja uma ideologia racista que se materialize em um discurso que contenha marcas
características dessa ideologia. Esta contraposição em relação ao peso das palavras – peso que
seria seu, segundo uma hipótese, ou que derivaria dos discursos nos quais são enunciadas,
segundo outra – mostra claramente a relevância do problema em questão e a diferença entre
as hipóteses que tentam explicar o que ocorre no domínio do sentido. (Possenti, 2002, p.
45)

O autor escolhe um caso para estudo que mostra com clareza a existência
de grupos organizados em torno do sentido das palavras, e que lutam para que
alguns sentidos sejam vitoriosos e outros eliminados. Segundo ele, são “exem-
plos vivos de que a significação só pode ser explicada através de uma história,
concebida como luta de classes, luta que se dá tanto em torno de bens materiais
quanto em torno de bens simbólicos”.

Para contextualizar os dados usados em sua argumentação, Possenti historia


que em 1.o de maio de 1992, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma notícia sobre
a edição da nova versão do seu Manual de Redação. Essa notícia destacava que o
jornal estava atento à linguagem politicamente incorreta e apresentava alguns
exemplos de orientações dadas aos jornalistas. Um exemplo definia a norma
sobre o uso de expressões para indicar a cor das pessoas mencionadas nas no-
tícias e reportagens: evitar expressões como “preto, crioulo, escurinho, alemão,
moreno, de cor”; utilizar “negro”; não usar “afro-brasileiro, cidadão de tipo ne-
gróide”. Essas orientações mostram que o jornal procura evitar expressões que
tenham um efeito claramente discriminatório, mas quer evitar também o uso de
palavras que revelassem um cuidado excessivo, que poderiam denunciar, pelo
excesso, atitudes racistas. Escolhas muito cuidadosas poderiam ser tomadas
como sintomas de um preconceito disfarçado.

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Lingüística III

A mesma notícia exemplificava a orientação aos jornalistas quanto à escolha


de formas usadas para indicar a orientação sexual de pessoas citadas nas ma-
térias do jornal: evitar “bicha, veado, fresco, boneca, traveco, sapatão, ela calça
42”; utilizar “homossexual, travesti, lésbica”; não empregar “gay (significa feliz),
alfenado, safista”. Estas últimas orientações tiveram como resposta uma carta,
que foi publicada pelo jornal:
Gostaria de apontar uma sutil incorreção no “Novo Manual de Redação” da Folha. Ao referir aos
termos sinônimos de ho­mossexualidade, sugere evitar os chulos “bicha, veado, boneca, traveco,
sapatão”, substituindo-os por “homossexual, travesti e lésbica”, desaconselhando o uso dos termos
“gay (que significa feliz), alfenado e safista”. Primeiro uma correção: o étimo gay provém da língua
catalã-provençal, redundando no português gai, tanto quanto no inglês significando alegre (e não
“feliz”), e desde o século 13, segundo pesquisas do Sr. John Boswell, da Universidade da Califórnia,
é utilizado exatamente no mesmo sentido contemporâneo, como sinônimo de homossexual.
Segundo reparo: o termo homossexual foi usado pela primeira vez em 1869, cunhado pelo
escritor uranista Benkert, sendo imediatamente apropriado pelo saber médico como designativo
“científico” em substituição ao antigo “sodomita”. Há mais de duas décadas, no mundo inteiro, os
homófilos adotaram o termo gay para se autoidentificar, preferindo-o ao ascético “homossexual”,
que consideram uma imposição da medicina. Se a Folha privilegia o termo negro, em lugar de
crioulo, preto etc. – adotando exatamente o designativo preferido dos afrodescendentes brasileiros
–, que respeite igualmente a preferência das lésbicas, travestis e homossexuais de nosso país, que
há mais de uma década se autoidentificam como gays. (Luiz Mott, presidente do grupo Gay da
Bahia – Salvador, BA) (POSSENTI, 2002, p. 47)

Possenti destaca que essa carta relaciona claramente algumas palavras aos
discursos a que pertencem: “homossexual” pertenceria a um discurso médico
e um discurso ascético, portanto seu uso seria politicamente correto. A carta
mostra também uma diferença na avaliação dos efeitos de sentido decorrentes
do uso da palavra “gay”: enquanto a Folha de S. Paulo julga esse uso preconcei-
tuoso, os homossexuais consideram que esta é a palavra mais adequada para
identificá-los. Luiz Mott lança mão de informações etmológicas para justificar
sua posição.

Outro fato interessante destacado na carta é o uso de determinados termos


como se fossem de uma neutralidade “acima de qualquer suspeita”. É o que se
observa com o uso da palavra “afrodescendentes” para designar os negros e de
“homófilos” para designar homossexuais. Essas palavras fariam com que os dis-
cursos em que são empregadas se tornassem politicamente neutros. É como se
houvesse palavras que apenas refletissem a realidade, sem estar associadas a
nenhum grupo social, sem estar ligadas a nenhuma posição ideológica.

Possenti discute ainda um último exemplo. Trata-se de uma carta publicada


pela revista IstoÉ 1.208, de 25/11/1992, seguida da resposta da revista:
“Sr. Diretor:
Sou assíduo leitor desta revista, sempre a tive como grande veículo de comunicação sério e de
grande responsabilidade. Porém, na edição 1.206, assunto religião, onde vocês comentam a grande

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Exemplos de Análises do Discurso

importância de Galileu Galilei na história, há um trecho onde lê-se “um dos períodos mais negro
(sic!) da história”. Devido a essa frase, venho expor meu repúdio e questionamento. No momento
em que isso é referido, não há afirmação de que negro é sinônimo de desgraça histórica? (Robson
Carlos Almeida, Salvador- BA)
ISTOÉ explica: No sentido em que a palavra negro foi usada, ela é tão ofensiva quanto dizer que
houve um golpe branco em um determinado país, por exemplo.”

Este exemplo mostra que a palavra “negro”, no enunciado em que foi usada,
tem efeitos de sentido diferentes para a revista e para o autor da carta. Mas a
questão não é simples. A revista usa a expressão “revolução branca” para desig-
nar uma revolução sem derramamento de sangue, o que pode ser considerado
positivo. A questão é: que expressão se opõe a “revolução branca”? Se for a “pe-
ríodo negro”, a resposta da revista confirmaria a interpretação do autor da carta,
ou seja, haveria a possibilidade de se associar esse uso a uma postura racista.
Possenti conclui:
Mas a questão ficaria certamente diferente se mostrasse que a ocorrência de “negro” na
expressão “período negro da história”, é retomada de um domínio no qual se encontra
também, por exemplo, a expressão “nuvens negras no horizonte”, na medida em que esta
expressão refere-se a determinadas condições meteorológicas ou atmosféricas. Mesmo que
esta expressão seja aplicada, por exemplo, ao clima político ou econômico de determinado
país, imaginar que veicule racismo provavelmente é exagero. Como a cor escura das nuvens
costuma efetivamente ser prenúncio de tempestades, a conotação racista negativa não se
produz, já que tal discurso se funda em discursos sobre fatores climáticos, e não em discursos
sobre raças e etnias. A associação possível (e histórica) é de negrume com noite, e de noite com
obscurantismo intelectual. Esta associação também leva a concluir que “período negro” pode
não conotar discurso racista. Na reportagem da revista que a carta critica, a palavra “negro”
foi interpretada como se veiculasse sentido pejorativo relativamente à raça negra. (POSSENTI,
2002, p. 49)

Possenti enfatiza que o sentido de um enunciado tem de levar em conta a


formação discursiva à qual ele pertence. Segundo esta perspectiva, a interpreta-
ção do leitor da revista IstoÉ não se sustenta.

Finalmente, o autor sintetiza os equívocos do movimento por um comporta-


mento politicamente correto em relação à linguagem:

 o primeiro equívoco é considerar que a troca de palavras marcadas por


outras não marcadas ideologicamente pode resultar na diminuição do
preconceito. É o preconceito que produz os efeitos de sentido associados
às palavras e não as expressões em si. A hipótese da existência de palavras
“puras”, sem conotação ideológica é uma ingenuidade;

 os argumentos de ordem etimológica usados não se sustentam. É o que se


pode observar na relação feita entre a primeira sílaba de “history” e a for-
ma pronominal masculina “his”. Ou a alegação de que a palavra “mulato” é
ofensiva pelo fato de ter originado de “mula”;

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Lingüística III

 nos casos em que a língua não dispõe de um sinônimo menos marcado


para expressões consideradas politicamente incorretas, o movimento pro-
põe eufemismos que chegam a ser cômicos. Por exemplo, a substituição
de “adúltero” por “indivíduo casado com atividade sexual paralela”, ou de
“prostituta” por “prestadora de serviços sexuais.”

Para encerrar sua análise, Possenti lembra que o humor vive em grande parte
dos preconceitos. Se o movimento em defesa do comportamento politicamente
correto fosse vitorioso, o humor poderia desaparecer. Mas o que se observa atu-
almente é que o movimento tem sido alvo dos humoristas. Possenti reproduz ao
final exemplos de diálogos usados por Luis Fernando Verissimo em um conjunto
de tirinhas para fazer humor brincando com a linguagem politicamente correta:

(POSSENTI, 2002, p. 52)

– Sabe aquela do indivíduo com opção sexual alternativa e do afro-brasil-


eiro avantajado?

– Ah! A da bicha e do negrão.

Exemplo 2: O mito de informatividade,


imparcialidade e objetividade em funcionamento
nos comentários telejornalísticos
O estudo realizado por Queiroz (2005) adota o referencial da Análise do
Discurso para discutir o funcionamento dos comentários telejornalísticos en-
tendidos como mecanismos de poder e controle. A autora procura mostrar o
caráter autoritário dos comentários telejornalísticos, que impõem “uma inter-
pretação que se apresenta como a interpretação”, ou seja, que limitam as pos-
sibilidades de significação da notícia.

Para mostrar o funcionamento dos comentários telejornalísticos, a autora


selecionou um conjunto de acontecimentos inter-relacionados: a ocupação
das praças de pedágio do Paraná pelo Movimento dos Sem Terra (MST) e as
reivindicações por reforma agrária que foram noticiados entre os dias 24 e
28/06/2003. Esses eventos foram amplamente noticiados (e comentados)
pelos canais de televisão. Queiroz fez o estudo dos comentários veiculados em
cinco telejornais brasileiros: Jornal da Record (Rede Record), Jornal Nacional

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Exemplos de Análises do Discurso

(Rede Globo), Jornal da TV (Rede Cultura), Jornal da Band (Rede Band) e Jornal
do SBT (Rede SBT). O critério inicial para a escolha das notícias foi a semelhan-
ça temática, ou seja, o mesmo conjunto de acontecimentos. A autora justifica
nos seguintes termos a seleção de cinco telejornais:
Cabe assinalarmos que uma notícia nunca é a mesma visto que se constrói, se significa
diferentemente de um jornal para outro em função da determinação ideológica, da posição
de onde é noticiada, das diferentes interpretações possíveis para um mesmo fato produzindo
deslocamentos, sentidos outros. (QUEIROZ, 2005, p. 976)

Os telejornais, ao apresentarem as notícias, fazem também a relação dos


fatos noticiados com outros. Essas relações são fundamentais para a Análise do
Discurso.

Vejamos inicialmente um comentário veiculado no Jornal da Record:


Comentário do apresentador Boris Casoy: Isso foi insuportável, é uma inversão da ordem e da
lei do Paraná. Enquanto o Incra e o Ministério da Reforma Agrária não se entendem, o Ministro e o
Presidente do Incra têm posições diferentes em relação à Reforma Agrária. O MST, você viu, avisou
que vai continuar as invasões. Com o governo federal paralisado no setor, sem tomar decisões,
discutindo ad-infinito, como se diz em latim, essa questão da tensão no campo vai aumentando.
A situação está se tornando um verdadeiro barril de pólvora. De repente, devido a essa omissão,
vamos ter uma imensa, gigantesca desgraça parlamentar. (Jornal da Record, 24/06/2003)
(QUEIROZ, 2005, p. 976)

Várias expressões foram destacadas nesse comentário. Inicialmente, a expres-


são “você viu” é usada para criar um efeito de credibilidade, de informatividade
e para estabelecer uma relação de cumplicidade com o telespectador. O trecho
que tem as expressões destacadas controla a produção de sentidos, a interpre-
tação da notícia pelo telespectador. Esse trecho produz o efeito de sentido de
que não há interesse do governo em fazer uma reforma agrária. O comentário
de Boris Casoy direciona o telespectador a acreditar na iminência de uma guerra,
causada pela divisão do governo petista. O apresentador reforça uma avaliação
negativa do governo a partir da desmoralização dos movimentos sociais e da
omissão dos dirigentes petistas.

Queiroz destaca também o seguinte comentário veiculado na Rede Cultura:


Comentário do apresentador Heródoto Barreto: Bom, hoje pela manhã, Márcia, eu conversei
com o diretor da associação das estradas do Paraná e ele estava me dizendo que para
desapropriar o governo do estado teria que pagar a importância de três bilhões de reais para
retomar as estradas e eu disse: mas o pedágio não está muito caro? Ele disse: não! Está mais
barato do que os do estado de São Paulo. (Jornal da TV, 25/06/2003) (QUEIROZ, 2005, p. 977)

O comentário de Heródoto Barreto cria um efeito de imparcialidade através


do jogo entre o discurso direto e o indireto. Essa forma de construção discursiva
dissimula a opinião do telejornal. Mas o comentarista revela sua posição princi-

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Lingüística III

palmente a partir de duas escolhas lexicais para se referir ao mesmo fato: “de-
sapropriar” e “retomar”. “Desapropriar” tem o efeito de sentido de legalidade. O
comentarista escolhe esta expressão ao citar a fala do diretor da associação das
estradas do Paraná. Já o verbo “retomar” produz o efeito de ilegalidade, de trans-
gressão e é usado ao citar a fala do governador do estado.

Queiroz conclui:
Assim, se considerarmos que o sentido é construído historicamente e que a escolha lexical não
é aleatória, torna-se pertinente notarmos que a inscrição-identificação desse sujeito discursivo
está na fronteira móbil das formações discursivas. Melhor dizendo, compreendemos que
mais de uma formação discursiva está funcionando na construção discursiva desta notícia,
sendo dominante a formação discursiva contrária ao movimento do MST e à reforma agrária.
(QUEIROZ, 2005, p. 977)

O último exemplo analisado por Queiroz é a sequência de comentários inclu-


ídos no telejornal da Rede Band.
Comentário do apresentador Roberto Cabrini: Mas sabe o que acontece, Mitre? Não dá para todo
mundo ganhar nesse jogo, não dá para resolver a questão da reforma agrária com todo mundo
ganhando. Algumas pessoas terão de perder em nome do bem comum. Eu acho que é a mesma
questão das Reformas também, né? Os magistrados, por exemplo, dizem que as reformas não são
deles porque não afeta o dinheiro deles. É que nem aquela piada que o sujeito diz assim: olha, eu
sou a favor de uma sociedade igualitária. Você é a favor de uma sociedade igualitária? Sou. Então,
se você tivesse dois aviões daria em prol da sociedade? Daria, perfeitamente. Se você tivesse dois
iates? Daria, perfeitamente. Se você tivesse duas fazendas? Daria a segunda, perfeitamente. E se
você tivesse dois carros? Dois carros não, carro eu tenho dois. Quer dizer, não dá para as pessoas
quererem ganhar o tempo todo.

Comentarista Fernando Mitre: É, mas no caso da reforma agrária é um movimento legítimo, que
historicamente já devia ter sido resolvido, não tenho dúvida nenhuma sobre isso. Agora, há um
desafio, é preciso que se resolva esse problema dentro da lei, e aí começa de fato o conflito
básico entre o que o governo deve ser e o que o MST é.

Comentário do apresentador Roberto Cabrini: Até porque se não for cumprida a lei, não é
nenhum país. (Jornal da Band, 24/06/2003) (QUEIROZ, 2005, p. 978)

Esta seqüência de comentários mostra uma apresentação teatralizada da no-


tícia: o ator que encena o papel de apresentador âncora polemiza e o ator que
encena o papel de comentarista tem seu discurso legitimado por ser apresentado
como alguém que detém o conhecimento. A teatralização cria uma aparência de
liberdade de opinião, que na verdade não vai além da aparência, pois tanto o apre-
sentador quanto o comentarista só dizem o que lhes é permitido dizer no espaço
institucional do canal de TV.

O apresentador do telejornal conta uma piada que indica claramente de que


lado está. A piada funciona como uma crítica ao MST, que quer ganhar sempre,
que não quer ceder.

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Exemplos de Análises do Discurso

O comentário de Fernando Mitre vai na mesma direção: ao fazer referência ao


“que o MST é” produz um efeito de pré-construído, leva o telespectador a inter-
pretar que a reforma agrária não está sendo resolvida dentro da lei, que o MST
não procura resolver o problema agrário de forma legal. A crítica de Mitre se es-
tende ao governo. Quando se refere ao “que o governo deve ser”, cria o efeito de
sentido de que o governo petista não desempenha o papel que deveria. Queiroz
(2005, p. 978) conclui que o diálogo entre o apresentador e o comentarista não
passa de uma encenação para produzir o mito de imparcialidade, informativida-
de e objetividade para a apresentação da notícia.

Os demais telejornais incluídos no estudo – Jornal Nacional e Jornal do SBT


– dedicaram pouco espaço às notícias sobre a invasão das praças de pedágio e
manifestações a favor da reforma agrária conduzidos pelo MST. Além disso, esses
dois telejornais não reservaram espaço para comentários sobre essas notícias.

Os exemplos estudados confirmaram que os comentários têm a função de


controlar as relações de poder e de sentido dos fatos noticiados. Considerando
que 90% da população brasileira tem acesso às notícias por intermédio da tele-
visão, é possível avaliar o poder das redes de TV, que assumem a posição autori-
tária de impor sentidos, de determinar o que os telespectadores devem pensar
sobre os fatos noticiados.

Conclusão
Os dois estudos que apresentamos de forma resumida aqui dão uma pequena
amostra do tipo de reflexão que a Análise do Discurso permite fazer sobre os dis-
cursos que refletem as disputas entre grupos na sociedade. O estudo de Possenti
apresenta fatos que mostram disputas declaradas entre grupos historicamente
discriminados e grupos que – também historicamente – se consideram superio-
res e ocupam posições hierarquicamente superiores, seja por qual critério for.

Já a análise de Queiroz mostra disputas entre grupos sociais que se manifes-


tam de maneira velada. Os telejornais se apresentam como objetivos e impar-
ciais na divulgação dos fatos de interesse público, mas de forma dissimulada,
por um lado reforçam o mito da informatividade, imparcialidade e objetividade,
por outro assumem uma posição autoritária de definir que análise dos fatos os
telespectadores devem fazer. Os comentaristas dos telejornais tomam partido
diante dos fatos e se utilizam de estratégias discursivas para transformar os te-

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Lingüística III

lespectadores em aliados. Além de fornecer as informações, procuram sutilmen-


te impor interpretações prontas, como se fossem as únicas, ou as melhores.

Texto complementar

A influência das revistas femininas na formação


da identidade da mulher
(DORNELLES,1997)

Introdução
Desde algumas décadas atrás, as mulheres têm demonstrado um inte-
resse em buscar o reconhecimento da posição ativa que assumem dentro
da sociedade. A busca pelo papel de sujeito é evidenciada por uma gama
de estudos que procuram mostrar e questionar a maneira como a imagem
da mulher é construída em meios de cultura de massa. As revistas femininas,
por exemplo, constituem uma instância discursiva que exerce forte influên-
cia na vida da mulher. Ao mesmo tempo que essas revistas retratam o papel
que a mulher desempenha na sociedade, elas ajudam a moldar esse papel,
transmitindo ideologias e contribuindo para a manutenção de certas rela-
ções hegemônicas.

Seguindo os parâmetros da Análise Crítica do Discurso, analisarei um


artigo da revista Nova, mostrando de que maneira essas ideologias se ma-
nifestam lingüisticamente no texto. Tomarei como base o modelo tridimen-
sional de análise do discurso proposto por Fairclough (1989; 1992) e levarei
em consideração os estudos de Ballaster et al. (1991), explorando as relações
existentes entre língua, ideologia, poder e revistas femininas.

Análise crítica de um artigo da revista Nova


O artigo analisado, As 10 Armas Secretas de uma Sedutora, foi publicado
na revista Nova em 1995. A revista Nova é a representante da Cosmopolitan
no Brasil, onde vem sendo publicada desde 1973. Cosmopolitan/Nova foi
a primeira revista feminina a situar a mulher na esfera pública. A imagem
construída para essa revista é a de uma revista que é moderna e transgres-

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Exemplos de Análises do Discurso

sora. O que se vê nas páginas da revista, entretanto, é uma tendência a re-


forçar uma visão conservadora da sexualidade e das relações de gênero
(MCCRACKEN, 1993).

Assim como a maioria dos artigos publicados na revista Nova, o artigo


escolhido para análise explora relações de gênero. Em “As 10 Armas Secretas
de uma Sedutora”, a leitora da revista recebe regras de como se comportar
para ser uma sedutora; para “ter mais pretendentes do que dias na semana”.
Esse propósito parece ser bastante transgressor, no entanto, o que se obser-
va no desenvolvimento do texto é que o objetivo alcançado pela sedutora
que evoca as 10 armas foi conquistar um pretendente único, o marido. Os
próximos segmentos foram retirados do corpus e mostram como o casamen-
to constitui o passo final na busca por se tornar sedutora.
Casar era o que eu mais desejava, mas minha alma gêmea e eu ainda não tínhamos nos
encontrado. (grifos meus, aqui e nos exemplos abaixo)

Mas eu acredito que viver juntos muitas vezes limita as suas possibilidades de casar e de
conhecer o homem certo. Além de compartilhar os prazeres da cama, ele vai usufruir de
todas as pequenas vantagens da vida doméstica sem nenhuma motivação para assumir
um compromisso definitivo.

Os dois exemplos acima apresentam a idéia de que existe uma alma


gêmea, um companheiro ideal, o homem certo que a mulher procura para rea-
lizar um objetivo que toda a mulher supostamente teria: casar. O casamento
é tido como um acontecimento natural na vida da mulher; como se fizesse
parte de seu ciclo de vida. Alvo da crítica feminista, o casamento ainda hoje
em geral apresenta uma estrutura que pressupõe uma relação de hierarquia
entre marido e esposa. Thompson afirma que “tornar-se um ‘marido’ é obter
o direito partriarcal em relação à ‘esposa’” (In: PATEMAN, 1993, p. 237). Se as
mulheres experienciam o casamento da maneira como ele é tradicionalmen-
te estruturado na nossa sociedade, elas acabam participando de uma relação
que a princípio já as coloca em uma posição de subordinada. Ver o casamen-
to e as posições criadas por ele como naturais contribui para a manutenção
da instituição casamento e de todas as relações que essa instituição implica
(relações de poder, por exemplo). O próximo segmento reforça a visão tradi-
cional do que significa ser uma esposa perfeita:
Todas essas regras de comportamento me fazem lembrar da maneira pela qual eu
encontrei e me casei com Mário [...] Definitivamente, eu não sou a esposa perfeita. Pelo
menos, ainda não. Há uma série de coisas que me recuso a fazer, como passar roupas e
lavar pratos.

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Lingüística III

Nesse último exemplo, vemos que a revista não propõe um tipo de relação
nova entre homens e mulheres, em que, por exemplo, o casal busque uma
relação de parceria, não-hierárquica. Ser esposa é lavar pratos... Thompson (In:
PATEMAN, 1993) sugere que a mudança do casamento só existirá se houver,
além de mudanças econômicas e políticas, uma mudança do significado do
que é ser homem e mulher. Os exemplos seguintes mostram qual é a concep-
ção da revista quanto ao que é ser feminino e masculino.
Quando ainda era solteira, os amigos diziam que minha forma de me aproximar e de me
relacionar com o sexo oposto era semelhante à de um homem. Talvez eles se referissem ao
fato de que eu sabia sempre o que queria (diversão e sexo), não gastando minhas emoções
a cada encontro romântico e não entrando em parafuso se o companheiro ideal não se
materializasse. Também tinha meu jeito de controlar os homens: ser gentil, mas firme.

No início do artigo em análise, a narradora do texto sugere que as leito-


ras sejam sedutoras e, para tanto, que ajam como os homens: “Aja com os
homens como eles sempre agiram com nós, mulheres. Ame-os e deixe-os...
loucos de saudade”; a feminilidade é relacionada à transgressão. No exemplo
anterior, a narradora do texto, que é quem formula e aplica as 10 armas se-
cretas (e com sucesso, porque ela acaba se casando), mostra que agir como
os homens é vantajoso. A narradora desconstrói o estereótipo da mulher de-
sesperada em busca do príncipe encantado:
Durante anos fui o estereótipo da garota desesperada em busca da paixão.[...] Certa vez,
encontrei um homem e, antes mesmo de descobrir seu nome, decidi que seria meu
príncipe encantado. Agarrei-me a esse amor de corpo e alma, mas a insensibilidade de
meu namorado me fazia sentir miserável.

No entanto, ao mesmo tempo ela confere força a esse estereótipo quando


diz que a lógica é uma característica do homem:
“Preciso conhecer muitos deles”, raciocinava (empregando uma lógica tipicamente
masculina).

O uso do léxico tipicamente sugere que ser lógico é característico do


homem. Implicitamente, existe a idéia de que a mulher é o ser que não é
lógico, que é emotivo. Nos três últimos exemplos, algumas das palavras re-
lacionadas ao feminino são: emoções, romântico, companheiro ideal, gentil,
desesperada, paixão, príncipe encantado, amor. As palavras relacionadas ao
masculino são: diversão, sexo, firme, insensibilidade, lógica. O que se viu nos
três últimos exemplos é que os estereótipos tradicionais referentes à mulher
e ao homem são reafirmados. Esses estereótipos são construídos socialmen-
te, por meio da linguagem; não é por acaso que aparecem nas revistas femi-

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Exemplos de Análises do Discurso

ninas (é a revista sendo moldada e moldando a sociedade). E também não é


por acaso que as pessoas levam adiante crenças com relação ao que significa
ser homem e mulher. Esses pensamentos vêm sendo construídos desde a
Antigüidade com Platão e Aristóteles, passando por filósofos e pensado-
res mais contemporâneos, como Rousseau, Kant, Schopenhauer, Nietzsche
(ALAMBERT, 1986; ALVES; PITANGUY, 1985). As conseqüências da aceitação e
da naturalização (Fairclough 1989) desses tipos refletem no fortalecimen-
to de uma sociedade dominada pela masculinidade; uma sociedade em que
homem (branco) exerce o monopólio social, político e econômico.

No decorrer da leitura do artigo, percebe-se que a autora do texto se


dirige a um tipo de mulher em particular. No caso desse texto, confirma-se
a hipótese de Ballaster et al. (1991) de que haveria uma leitora ideal à qual
o texto é dirigido. Essa leitora seria uma mulher heterossexual, branca e de
classe média. Veja o próximo exemplo:
... Isadora é uma loirinha mignon, dinâmica e sempre em forma, é verdade. Administra
habilmente seu tempo e seu próprio negócio. Vende pontas de estoque de roupas
femininas, mas não é rica e, de manhã, nem sempre levanta de bom humor. Aos 34 anos,
Isadora, como todas nós, se esforça para progredir no trabalho e melhorar a aparência.

Aqui a leitora do texto é identificada com Isadora. O pronome nós inclui a


leitora nesse esforço para ter sucesso profissional e cuidar da beleza. A leito-
ra ideal é supostamente alguém que, como Isadora, trabalha fora e cuida da
aparência física. No próximo segmento do texto, o uso do léxico namorado
confirma que a leitora é supostamente heterossexual:
Diga não a 50% dos convites, deixando bem claro que você prefere ficar em casa e
sozinha. Mais cedo do que você pensa, seu namorado vai desejar passar a noite na sua
cama. Quando isso ocorrer, faça com que ele se sinta bem-vindo. Selecione seus CDs
favoritos, ponha a cerveja para gelar no freezer, arrume um espaço livre no armário para
que ele possa guardar seus ternos e sair de manhã pronto para trabalhar.

[...]

Estudos lingüísticos
1. Procure algum exemplo de situação em que se observe o cuidado com o uso
da linguagem politicamente correta. Você pode observar jornais, revistas ou
relatar algum acontecimento.

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O exemplo observado confirma ou não a tese de Possenti, segundo a qual o


uso da linguagem politicamente correta não tem efeito algum sobre a redu-
ção do preconceito?

2. Procure um exemplo de discurso que seja claramente machista, racista ou fe-


minista. Em uma atividade desenvolvida em grupo: destaque as expressões
lingüísticas que funcionam como indícios da formação ideológica em que o
discurso se inscreve.

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Exemplos de Análises do Discurso

3. Assista a um telejornal e sintetize a fala do comentarista sobre uma questão


polêmica noticiada no dia. Observe se o comentário apresenta evidências de
uma tomada de posição por parte do jornalista (e do canal de TV, naturalmen-
te). Explicite qual é essa posição e como ela foi apresentada no telejornal.

Uma alternativa a essa atividade é escolher um jornal e fazer a relação en-


tre algum texto de opinião (o editorial, por exemplo) e uma notícia apre-
sentados na mesma edição. Destacar no texto de opinião as expressões que
mostram a posição do jornal (ou do jornalista, no caso de artigos assinados)
frente ao fato noticiado.

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Gabarito

Exemplos de Análises do Discurso


1. É necessário observar se os exemplos selecionados pelos alunos cor-
respondem efetivamente ao uso da linguagem politicamente correta,
ou seja, se revela um cuidado na escolha do léxico, para evitar expres-
sões que sejam discriminatórias. Certamente, os alunos vão afirmar
que o uso da linguagem politicamente correta não reduz o precon-
ceito, já que isso está no texto de Possenti e a autoridade do autor
pesa bastante em discussões desse tipo. Mas pode haver divergências,
especialmente se na turma houver militantes de grupos discriminados
(negros, homossexuais, feministas).

2. Observar inicialmente se o grupo selecionou adequadamente um dis-


curso que corresponda às características solicitadas. Orientar as dis-
cussões sobre a identificação das expressões lingüísticas marcadas
ideologicamente.

3. Observar se a síntese do comentário foi feita de maneira clara, de


modo que se possa, através dela, compreender o que o jornalista dis-
se. A seguir, verificar se o aluno conseguiu identificar adequadamente
a posição assumida pelo jornalista e a forma como isso se dá. Se o alu-
no optar pelo trabalho com o texto escrito, verificar inicialmente se a
escolha do material está adequada. A seguir, avaliar se ele identificou
corretamente a posição assumida pelo jornal (ou pelo jornalista) dian-
te da notícia.

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