REFLEXÕES SOBRE

A TEOLOGIA DO CORPO
~Uma análise sobre os projetos de Jesus ao amor humano~

JAUM LOUREIRO



KAROL WOJTYLA E A IDEIA DE UMA
“TEOLOGIA DO CORPO”
“Estudantes embarcando em dilemas. Estudados
1
desembarcam seus problemas...”

E
ntre os anos de 1979 até 1984, Karol
Wojtyla2 nos deu um presente seráfico.
Ao se tornar papa, recebeu a possibilidade
de se comunicar com seu rebanho semanalmente
não apenas nas orações dominicais, mas também
nas quartas feiras, tendo o direito de ministrar
catequeses do assunto que preferir. O assunto de
Wojtyla foi bem compreensível. Em meio às
discussões do Vaticano sobre a vida conjugal,
tendo como base a encíclica Humanae Vitae de
Giovanni Montini e também da elaboração da
Gaudium et Spes, uma das quatro constituições
que a igreja católica possui, o tema preferido foi
sobre a vida conjugal, o amor e as noções
religiosas/bíblicas sobre o corpo humano, não só
na frieza antropológica, mas também no aspecto
noológico, principalmente. Veio em mente criar
uma Teologia do Corpo, um conjunto de
catequeses que fossem tão completas ao ponto de
ser um tratado, um lábaro feito de papel, um
símbolo unificador do pensamento da igreja
sobre esse vasto tema.
A estrutura da catequese foi separada por temas
organizados em ciclos, isto é, um conjunto de
catequeses que se comunicam entre si, mas que
não se falam diretamente com os outros ciclos,
fazendo com que as catequeses de cada ciclo
tenham um tema em comum e encerram nelas
mesmas o colóquio temático. São assuntos que se
aglutinam. Mas não são ciclos contraditórios; as
conclusões do primeiro ciclo servem de premissa
1
Vou colocar uns trechos das musicas/poemas do Bob
antes de falar dos temas. Farei isso porque o texto é meu e
eu coloco o que eu quiser e porque eu tenho mais ideias
quando estou pensando nele.
2
Vulgo Papa João Paulo II. Eu não costumo falar o nome
dos papas depois de João XXIII. Teoria do trono vazio. E
não, essa nota não é um bom cartão de visita para os
católicos. Mas se serve de consolo, sou católico também.
Ao menos tento.
para o segundo e assim por diante até chegar ao
sexto ciclo.3. O primeiro ciclo tenta rastrear o
“Princípio” que Jesus usa como argumento
contra os Fariseus ao ser questionado sobre o
matrimônio e o divórcio na lei mosaica. O curioso
é que Cristo tenta ir além da lei; tenta ir à Lei. O
segundo ciclo fala sobre as palavras de Cristo aos
desejos libidinosos no sermão do monte. O
terceiro ciclo fala sobre o questionamento dos
Saduceus sobre a ressurreição e o casamento. O
quarto ciclo comenta a virgindade cristã. O
quinto comenta sobre o matrimônio cristão e o
sexto sobre a fecundidade. O ultimo tem um
aspecto mais pastoral, mas é porque não há texto
bíblico sobre isso, não de modo direto. Fica então
ao orador a missão de tentar ensinar o tema
numa ótica cristológica.
Meu desejo aqui é apenas comentar alguns
pensamentos que tive durante a leitura do livro,
como se vocês tivessem acesso às minhas
anotações. Vou usar citações da bíblia e das
catequeses.4Dessa forma, falarei dos mesmos
assuntos, talvez na mesma ordem, mas sempre
com uma linguagem bem própria, isto é, um jeito
mais “Jaum” de falar do tema (vou tentar não
fazer piadas, mas tanto eu quanto quem estiver
lendo isso sabe muito bem dessa dificuldade
inerente à minha criação e do meu ser de ficar
debochando de coisas que deveria levar a sério.
Imaturidade). Quem já me conhece sabe que sou
um péssimo católico, então vou discordar de
alguns tópicos e argumentos do Karol, mas é
porque creio que estou em terreno mais seguro.
O leitor pode inferir que não tenho respeito
sobre as autoridades da igreja e nem respeito à
hierarquia, ao ponto de entrar em uma petulância
e pedantismo colossal que frutifica um jeito
grosseiro de tratar a pessoa do papa e também o
modo como se trata as teses do sumo pontífice,
isto é, de modo bem frio, como se fosse a tese de
um teólogo qualquer, sem a aplicação do
3
Lembra um pouco a estrutura da Suma Teológica de São
Tomás de Aquino, aonde cada síntese das deduções ia
firmemente como início de novos julgamentos, teses
subsequentes.
4
Minha edição de Teologia do Corpo é essa: São João Paulo
II, Teologia do Corpo, editora Eclesiae, Campinas, 2019. É a
segunda edição. A bíblia é uma King James Version. Uma
edição especial que só pode ser encontrada na Amazon.
Sim, estou fazendo uma propaganda de graça. Em alguns
momentos, usei uma bíblia católica.
principio de infalibilidade papal. E realmente o
leitor tem razão. É falta de respeito mesmo. Se
não quiser ler não é obrigado, assim como não
sou obrigado a me curvar as ordem e desejos de
outros irmãos na igreja. Eu sou antes de tudo um
cristão. Não tenho reis nem governantes. Sou um
rebelde, um ser que odeia “O Mundo” e que
busca apenas tesouros no Céu. E não só eu, mas
todos os meus irmãos em Cristo sabem muito
bem que só podemos nos curvar perante um Rei.
E é só para Ele que presto contas.
Outro fator importante: estou perdendo um
pouco do meu tempo escrevendo isso, usando ele
na verdade (tempo que se quer perder não é
tempo perdido como diria Russell) para pessoas
que são cristãs (Bob, Berti, Carol, Neto e todo o
pessoal a quem muito tenho carinho e afeto),
bons cristãos, mais do que eu já fui, sou e serei
na vida. Essas exposições se fundam numa
cosmovisão particular. A comosvisão cristã. É
claro que eu vou colocar algo de Pitágoras,
Platão e Aristóteles no meio da bagunça, mas em
geral se remete ao cristianismo. Isso me permite
não me incomodar com os princípios usados. Vou
falar de Deus na maior tranquilidade e usa-lo
como autoridade natural. E quem está lendo vai
aceitar numa boa. Penso numa possibilidade de
alguém que não é cristão ler isso – espero que
nunca ocorra – e devo dizer que não vou provar
Deus ou algo do tipo. Esqueça! Vou partir da
ideia de que já se aceita isso e tentar produzir
alguma positividade, algum rigor em cima do
tema proposto. No mais, é apenas isso. Boa
leitura.

A DEFESA JUSNATURAL DE CRISTO E A
ONTOLOGIA DA CRIAÇÃO
“Pois antes mesmo que houvesse luz, para
nos salvar do destino derradeiro, fez-se o brado: haja cruz, e
houve cruz”.
Existe um texto muito interessante sobre um dos
temas da Teologia do Corpo no evangelho de
Mateus. É uma discursiva de Jesus em resposta a
um questionamento dos fariseus sobre casamento
e divórcio. Vamos analisar esse texto para
levantar alguns pontos.
“Alguns fariseus também chegaram até Ele e, para
prová-lo, questionaram-lhe. ‘É lícito o marido se
divorciar da mulher por qualquer motivo’? E Jesus
lhes explicou: ‘não tendes lido que, no principio, o
Criador os fez homem e mulher’, e os instruiu: ‘por
esse motivo, o homem deixará seu pai e sua mãe e
se unirá à sua mulher e os dois se tornarão uma só
carne? Sendo assim eles já não são dois, mas sim
uma só carne. E, portanto, o que Deus uniu, não o
separe o ser humano’.” 5
Jesus responde os fariseus com um
questionamento: vocês não lêem as escrituras? O
que ela versa sobre esse assunto? Para um
fariseu, era duro ouvir essas palavras, mas Cristo
tinha razão em perguntar, afinal, eles não haviam
compreendido o texto uma vez que o teor da
pergunta é capcioso e seu conteúdo é ignorante
demais para ser proferido por alguém que se diz
capacitado a falar do assunto. Lembrem-se: não
se mede a inteligência das pessoas pelas
respostas, mas sim pelas perguntas que são
feitas. Logo em seguida, o Mestre cita o trecho
de Gênesis que era útil à questão. Ele diz que no
principio não era assim. Ora, o que seria isso?
Esse princípio que Jesus comenta está na sagrada
escritura? Jesus apela para o início da formação
do ser humano e argumenta que esse modo que
Deus constituiu ainda perdura até os dias de
hoje, mesmo que o ser humano tenha tentado
mudar isso através dos séculos. Inúteis
tentativas. Mas é preciso comentar melhor “O
Princípio” que Jesus anuncia porque a defesa
dele é totalmente jusnatural, isto é, apela para
uma condição que é formada por uma Lei, no
caso, um Princípio formado desde a criação.
Desse modo, podemos percorrer na forma como
Deus criou o homem e a mulher, penetrarmos na
ontologia da criação e na união entre varão e
mulher para sabermos o mote em que reside a
união e, dependendo de onde ela estiver, saber se
Cristo defendeu-se com uma lei ou com uma Lei.
Assim diz a sagrada escritura sobre a origem da
humanidade:
“Não havia brotado nenhum arbusto sobre a terra
e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido,
porque o Senhor não havia feito chover sobre a
5
Mt: 19, 3-6
terra e não havia homem para cultivar o solo.
Então o Senhor modelou o ser humano do pó da
terra, feito de argila e soprou em suas narinas o
fôlego da vida, e o homem se tornou em ser
vivente”.6
Bom, só nesse trecho já é possível dizer muita
coisa. Em primeira instância, Deus tem o homem
como criação final. Mas ele não cria o homem do
mesmo jeito, existe algo de especial. É o modo
como ele levanta o homem e o completa.
É possível ver que a linguagem simbólica 7 é bem
colocada nessa parte. Não só nessa parte, mas em
todo o texto de gênese. A expressão simbólica
aqui é evidente no ato de Deus “soprar vida” para
tornar o homem um ser vivente. Ora, a ideia de
espírito para os hebreus era expressa pela
palavra ruah. (YHWH era o barulho da
respiração). Ruah em grego é pneuma o que
mostra a ligação do espírito com o ar.
Hugo de São Vitor, em seu Didascalicon, enuncia
três potências nos seres, e o homem era o único a
ter todas as três. A terceira potência era a razão,
uma espécie de faculdade que tentava organizar a
bagunça do meio externo para que o homem
pudesse se consolidar como ser inteligente e com
capacidade de adaptação através da mudança do
meio em que está atualmente. No texto bíblico
fica nítido que Deus cria o homem e coloca o
espírito em seu corpo através de um sopro nas
narinas. Na filosofia moderna, espírito e
consciência são sinônimos, o que nos faz pensar
que Deus anima o homem porque o torna
consciente de sua existência depois dali (em
estado de inocência, claro) , e é isso que o autor
quer dizer com “ser vivente”. Uma rápida
observação: homem em hebraico é zakar, sexo
masculino. Ha-Adam significa humanidade ou
Homem. Como o texto usa a segunda palavra,
6 9
7
Gn: 2, 5,7
Símbolo vem de symbolê, aquilo que une partes e as
representa. Quando uma determinada coisa é muito
profunda, se faz um uso do símbolo para representar e
tentar revelar o que está oculto. O texto não trás uma
linguagem culta, filosófica e erudita, mas apresenta uma
mística, uma abordagem simbólica que no final das contas
comenta a mesma coisa. Então, caso a leitura do texto seja
obscura, entenda que não era possível tornar isso mais
claro e o símbolo seria a forma máxima da clareza nessa
ocasião.
estamos nos referindo à humanidade. O que faz
muito sentido já que a essência humana é a
razão, algo associado como o espírito e presente
nos homens e mulheres. Mulher é unegebah.
Vamos prosseguir com o texto:
“Então declarou o Senhor: não é bom que o ser
humano viva sem a companhia de um semelhante;
farei para ele alguém que ajude e a ele
corresponda. Sendo assim, o Senhor modelou, do
solo, todos os animais selvagens e todas as aves do
céu e, em seguida, os trouxe à presença do homem
para ver como este os chamaria; e o nome que o
homem desse a cada ser vivo, esse precisamente
8
seria seu nome”.
Nesse trecho, é possível ver que Deus coloca o
homem em um patamar, dá valor a ele. Ao mesmo
tempo, percebe o perigo de deixá-lo solitário, o
que significa que em toda natureza formada até
ali não havia nada que pudesse ser comparado
com o homem. Deus então cria outros animais e
coloca o homem na condição de nomeá-los
mesmo porque era a única criatura com a
capacidade de fazer determinada tarefa. O
primeiro homem então começa a procura da
semelhança prometida. Mais tarde, veremos que
a semelhança se situa na ordem mental e não
física, mas já é possível pensar nisso posto que os
animais têm corpos diversos. O homem passa por
uma busca de adequação noológica. Ele quer e
precisa de outra razão além dele, de um elemento
de telos e de onthos comum. As Leis Matéticas
aparecem com força nesse texto quando vemos a
busca do homem por ordem e seu derradeiro
encontro com a Díade, a oposição. E assim
continua:
“E, desse modo, o homem nomeou a todos os
animais: os rebanhos domésticos, as aves do céu e a
todas as feras. Entretanto, não se encontrou para o
próprio ser humano alguém que com ele cooperasse
e a ele correspondesse intimamente”
Aqui já e possível notar aquela falta de
completude que eu havia comentado um pouco
acima. Espero, no fundo do meu coração, que o
leitor tenha percebido a beleza desse breve
8
Gn 2: 18-19
9
Gn 2: 20
trecho que coloquei. Veja, Deus cria animais para
fazer companhia para o homem e ele
simplesmente rejeita isso porque a companhia
implica, mesmo que leve, alguma semelhança e
Adão não encontra nada que pudesse ser tido
como adequação profunda. Os animais não
servem para o homem. Simplesmente isso.
Mesmo após criar vínculos com eles através do
nome, o vazio sentido era muito grande, os
animais eram alheios a sua essência, isto é, ou
Adão continuava humano ou se animalizava para
ter alguma convivência agradável. Faltava-lhe,
portanto, alguma adequação noológica, algo que
lhe adicionasse no espírito. E Deus sabia disso;
assim Ele faz a completude:
“Então, Yahweh Deus fez Adão cair em profundo
10
sono e, enquanto este dormia, retirou-lhe parte
de um dos lados do corpo e uma costela 11, e fechou
o lugar com carne. Com a costela que havia tirado
do homem, Deus modelou uma mulher e o conduziu
até ele. Então exclamou Adão: esta, sim, é osso do
meu osso e carne da minha carne 12. Ela se chamara
‘mulher’ porquanto do homem foi extraída”.
13
Por fim, Adão encontra sua completude com a
criação da mulher. Percebe-se que ele buscava
algo que tivesse semelhança com ele. Se o leitor
pensou em semelhança estética, já pode ver que
10
Nas nossas traduções bíblicas em português, a palavra
“sono” é usada para contextualizar a expressão original. No
entanto, convém dizer que ela não dá conta dessa tarefa.
Em hebraico, a palavra “sono” é Halom, um sono qualquer
que alguém tem quando o corpo precisa descansar. Mas
essa palavra não aparece no texto original do Livro. O que
temos é a expressão “Tardemah”, um topor, um sono
profundo que não é oriundo de um cansaço, mas sim de
uma tristeza intensa no interior da alma. Isso significa que
Adão estava triste e Deus o coloca para dormir em um sono
gerado pela dor mesma. O Tardemah acontece, segundo a
tradição hebraica, quando algo magnífico virá no final dele.
11
Isso é outro simbolismo. O leitor pode entender de um
jeito literal, isto é, Deus retirou o osso de Adão e fez a
mulher. No texto ocorre a expressão “Auni-forme” que de
fato é usada para se referir a costela e outros ossos, mas
também é usada para se referir a “vida”, “alma”, “ser”e
“existência”.
12
Aqui podemos substituir as palavras de Adão por aquelas
outras que se remetem ao mesmo termo do original.
Ficaria: eis aqui a vida da minha vida e o ser do meu ser.
Note que se torna mais profundo e amoroso. Na medida
em que se entendemos os símbolos em questão,
percebemos também o amor humano. Espero que o Leitor
tenha visto a beleza disso tudo.
13
Gn 2: 21-23
se enganou porque Adão viu em Eva completude
e o leitor bem sabe que os corpos dos homens e
das mulheres são diferentes. Se o leitor não
sabia... bom, deixa quieto. Portanto é uma
adequação espiritual, formal, essencial, muito
além do nível físico. O que Adão viu foi uma
semelhança14 de mesma essência.
Com isso temos que a criação humana só foi
completa quando entramos em uma noção
ontológica, até porque a ontologia fundamenta a
metafísica de modo geral. É exatamente por isso
que Cristo usa esse argumento do Princípio, pois
é irrefutável e se funda no onthos dos seres. Mas
essa relação tem que ser profunda para ser
inviolável. É necessário saber o porquê disso.

SEPARAÇÃO ENTRE CASAMENTO E
MATRIMÔNIO – O ESTOPIM DAS
PROFUNDAS CONEXÕES.
“(...) pra não desaguar a mansidão de um mar, acalentado
dentro das retinas de um navegante amador.”
Um erro muito comum da modernidade, presa no
absurdo do barbarismo, que comenta esse tema
de que estamos falando no momento é o de
confundir ou não conseguir separar, por tratar
como sinônimos, casamento de matrimônio. Em
suma, o primeiro é um costume e o segundo é
uma tectônica Matética, isto é, uma relação de
ordem ontológica (mesmo que alguns de seus
elementos, principalmente os gatilhos, se situem
no campo cronotópico). O casamento é uma
invenção humana, uma espécie de demonstração
de amor, fidelidade e união a todo um grupo de
pessoas. Não apenas um ato feito no privado e no
silêncio, nem muito menos é uma decisão que
fica nas sombras dos segredos. É algo que se
revela como consuetudinário, como social, ao
mesmo tempo em que é particular. É um dote
tradicional de uma família cristã ou de outra
religião que se possa pensar, até porque existe
união em outros povos. Até num âmbito estatal
temos o casamento. Só que aqui com o nome de
“união civil”. Seja lá qual o nome bonito que se
possa ofertar ao casamento, a verdade é que ele
14
Vou evitar usar “semelhança”, “igualdade” e “identidade”
no sentido ferreriano para não dificultar demais. Tem hora
para eu ser chato e não é agora.

não passa de um mostrar de uma aproximação
que pode ser pura ou arranjada, não há como
saber de imediato.15
Já no matrimônio, temos o que se revela como a
saída de um ato feito na realidade cronotópica
que se fortalece numa relação espiritual. Em
outras palavras, onde o toque da carne culmina
num toque de almas. Assim o é porque Deus fez o
matrimônio, sendo este uma graça. Ora, uma
graça reside na alma do ser e não em seu corpo.
Nem muito menos tem mutabilidade ou até
mesmo é acidental. Na verdade é tudo o oposto
disso. O matrimônio é a conexão que o casal faz
entre suas almas num profundo amar das mesmas
em manifestação recíproca desse amor. Não é
hora de definir “amor”. E qual seria a fórmula
para iniciar essa relação profunda? Seria através
do sexo. Na relação íntima, há um “se entregar
por inteiro” de modo que esse ato tenha o seu
telos próprio. No caso será um prazer corpóreo
momentâneo e a reprodução. Obviamente, isso
não são gestos egoístas e qualquer ato que se
funde num egoísmo e tenha esse mesmo mote de
relação, acaba por, inexoravelmente, cometer
uma violência das feias. Num ato sexual, ocorre
essa conexão entre almas que Deus conjura como
Matrimônio. É o se tornar uma só carne e não
duas. Uma comunhão de seres. Tudo isso é
agradável ao Senhor Deus, pois faz parte dos
projetos a respeito do amor humano num plano
muito além do trivial e do temporal.
A Sagrada Escritura trás consigo um trecho que
revela essa metafísica das relações íntimas. Ora,
o leitor chegou a ver que Adão buscava
completude e Eva surge para isso. Agora viria um
longo processo de entender quem Eva era e
aprender a amá-la de todo o coração. Para isso,
era preciso saber com quem se estava lidando.
Conhecimento, portanto. Na bíblia, a relação de
Adão e Eva culmina num ato íntimo só que
15
Digo talvez pensando nos casamentos que dão
totalmente errado. As pessoas têm uma enorme
dificuldade de entender o outro como um mistério total.
Enquanto elas não concordarem com essa cosmovisão mais
complexa, a tendência é realmente um término elevado de
casamentos. Em outra circunstância eu falo melhor sobre o
panorama.
16
descrito, simbolicamente, como conhecer.
Assim diz o texto:
“Adão conheceu Eva, sua mulher, e ela engravidou
e deu à luz a Caim. Disse ela: ’com o auxílio do
Senhor tive um filho homem’.” 17
O leitor pode pensar: “olhe, jaum! Conheceu
porcaria nenhuma. Ele dormiu com ela, isso sim.”
Está correto. Todavia, se notarmos muito bem,
perceberemos que o que disse a respeito do sexo
como fonte de conexão noológica entre almas de
modo recíproco se torna consistente, pois reside
também em texto bíblico, não podendo mais ser
interpretado como mera doxa. No ato íntimo, o
homem e a mulher criam seus laços de
matrimônio. Laço este inseparável.
De posse de tudo que foi dito, podemos
conpreender que (1) Deus entende o sexo como
um estopim para a legitimidade noológica do
Elo/Anelo entre homem e mulher e (2) tal coisa,
para ser o que é, precisa estar fundada na
imutabilidade do homem. Portanto, uma vez
anexada no espírito humano, jamais sairá ou
perderá sua validade.
***
O Sermão do Monte trás lições profundas sobre
esse tema. Nele, Jesus decide dar mais
informações sobre O Princípio que rege as
relações humanas e como Deus se comporta
perante isso. Creio que será de enorme proveito,
para não perder a linha de pensamento, seguir
por esse caminho.

LIÇÕES DE CRISTO: O SIGNIFICADO DO
CORAÇÃO.
“É o lugar onde transborda vida em mim”.
Já tivemos a oportunidade de enunciar duas
coisas até o presente momento. A primeira coisa
é que Cristo defende o Matrimônio como um
16
E isso que está sendo dito aconteceu após o pecado
original. Tal fato mostra para nós que aquela ideia de que
essa noção de matrimônio só é válida quando se analisa na
instância em que os humanos não tinham pecado é falha
porque Deus considera isso ainda após o evento da
serpente.
17
Gn 4:1
Elo/Anelo noológico imutável e a segunda coisa é
que isso não é novidade, pois o primeiro dos
casais se tornou casal desse mesmo modo. Por
isso as palavras de Nosso Eterno Mestre são
fantásticas e perfeitas para a ocasião. No Sermão
do Monte, Cristo faz a importante tarefa de
ensinar para as pessoas o quão difícil é ser
cristão.18 Eu bem sei que pouca gente dá atenção
a isso, mas é sempre bom enfatizar essas coisas
quando tal ocorre. Nesse colóquio de Jesus é
possível concluir um estilo de fala, um modo pelo
qual irá se tratar de alguns assuntos. Do começo
ao fim, Cristo pega uma lei mosaica e eleva-a a
um nível Matético. A dificuldade de acertar a
mão numa circunstância dessas é gritante. Mas
ele sabia do que estava falando. Por ora, não nos
interessa analisar o Sermão inteiro. Quem sabe
numa próxima circunstância. O que vamos ver é
a parte em que Cristo comenta sobre o
matrimônio em seu oposto, isto é, o adultério.
Nos ensinamentos de Jesus acerca do tema, ele
diz o seguinte:
“Ouviste o que foi dito: não cometeras adultério.
Eu, porém, Vos digo que qualquer que olhar para
uma mulher com intenção impura, em seu coração,
19
já cometeu adultério com ela.”
Como podemos ver, Jesus apela novamente para
O Princípio, só que dentro daquilo que ele chama
de “Coração”. Ora, o coração tem o simbolismo
de tudo o que você sente. Esse “sentir” não
representa os sentimentos que sentimos
diariamente, esses que podemos expressar em
nossa face. Tais são apenas um eco do que já
fomos, coisas que já assimilamos uma parte e
outra não. A que não foi assimilada é excretada.
Agora, o sentimento de que tratamos aqui é
aquele que se funda no interior do coração, na
lacuna da alma, onde reside a autonomia e os
atributos que Deus colocou em cada um de nós.
Simplesmente isso. Sendo assim, o Filho do
Homem defende que o adultério do matrimônio é
uma violência, uma agressão, uma tentativa de
corromper a estrutura espiritual do que foi
18
O leitor deve conhecer aquele irmão da igreja bem
esnobe que acha que é um ótimo cristão por não matar,
não roubar, não adulterar, não levantar falso testemunho
etc. Eu conheço um tanto bom de pessoas assim.
19
Mt 5: 27-28
criado. Nosso Mestre disse o que nós nunca mais
poderemos esquecer.
Como tivemos a oportunidade de analisar, Jesus
defende o matrimônio que nada mais é do que a
união psico-noética entre duas almas através de
uma intimidade corpórea que podemos chamar
de sexo (ou de qualquer outro nome vulgar que
lhe venha à mente. Uso esse nome para manter
certo respeito e quem me conhece sabe o quão
difícil é de ocorrer-me). Ora, esse Laço
conectante de essências, essa coisa indescritível,
contextualizadamente linda e maravilhosa é
reforçada pela Lei da Tríade ou Leis do Três ou
Matética de Relação e não pode, por ser uma
possibilidade ontológica, ser rompida pelo ser
humano. Uma vez conectado, sempre conectado.
Podemos concluir que essa ideia de divórcio não
apenas é uma polêmica igual se segue no campo
do casamento. No mote do matrimônio é algo
muito maior. Diria, com tudo o que foi exposto,
que é uma impossibilidade metafísica das
grandes. Já que o argumento de Jesus é
consistente, o leitor pode em algum momento se
perguntar: “bom, o divórcio é a quebra de um
laço. Dentro da perspectiva que o Jaum falou no
casamento, isso pode ocorrer por ser um laço
humano. No entanto no laço divino, matrimonial,
isso é impossível. Então se eu acabar por dormir
com alguém, esse laço feito no dia dura para
sempre, logo não há divorcio aqui. Mas e se eu
dormir com outro alguém? Terei eu duas
esposas? Ou dois maridos?” Bom, leitor, é aqui
que o abacaxi azeda de modo intragável. Quando
as coisas entram no coração, no sentido cristão,
tudo fica mais sério e profundo. Antes de
explicar o que Cristo disse que aconteceria nessa
situação eu preciso dar uma baita volta num
monte de assuntos. A parte mais legal de escrever
está na volta, mas não prometo reciprocidade de
prazer em quem irá ler essa volta um tanto
prolixa. É que sou muito atoa então tenho muito
tempo livre. Meus amigos, graças ao Bom Jesus,
são mais ocupados, mas essa linha que tomarei
ainda pode ser de algum proveito, mesmo que
engorde um pouco mais o texto. Preciso definir o
que é vida de benevolência e vida de
concupiscência para chegar ao adultério no
coração e o porquê querer comer a fulaninha já é
um adultério. Vamos nessa.
 
A VIDA DA BENEVOLÊNCIA E SUAS AÇÕES
FUNDAMENTAIS
“(...) pois só nada quem já se afogou, em desejos e encantos,
submersos em charadas. Esse mar é só pra quem já se
inundou.”
Quando compreendemos o que Ele deixou para
nós, é normal ficarmos assustados com a
dificuldade. Eu ficava, e hoje mais sofro com
incertezas do que fico roendo a ponta dos dedos
com o que deveria não ter feito. Mas eu queria o
que? Ele nunca disse que ia ser fácil. Nunca disse
para mim que minha vida ia ser moleza (apesar
de achar que é um pouco sim). Cristãos só serão
felizes plenamente quando tudo isso acabar e
Quem reúne as almas aparecer para nós. Mas não
se segue, porém, de achar que não precisamos
absorver o que foi dito. Se foi dito é porque serve
para alguma coisa; Ele não é de ficar falando por
falar. Então, uma vez absorvido todos os
ensinamentos, chegamos num ponto de total
firmamento na vida cristã. O ponto de
benevolência ou da vida da redenção. Nossa
Natureza caída dificulta muito as coisas. Somos
fadados a machucar o coração Daquele que se
machucou por nós. Mas o fez justamente para
que possamos nos erguer contra a maldade,
contra as mazelas do Acusador. Para isso, temos
a vida do Espírito, vida da redenção ou
benevolência. Podemos analisar em Paulo, o
seguinte lembrete:
“Todas as coisas me são permitidas, mas nem todas
são saudáveis. Tudo me é licito realizar,mas eu não
permitirei que nada me domine. Os alimentos são
para o estomago e o estomago, para os alimentos.
Deus, no entanto, destruirá tanto um quanto o
outro. Mas o corpo não é para servir à imoralidade,
20
e sim para o Senhor; e o Senhor, para o corpo”
Temos a liberdade para sermos o lixo que somos,
mas não se segue de se contentar com isso. Deus
fez de nossos corpos um santuário maravilhoso.
Que justiça teremos com Ele se violarmos os
nossos corpos por desejos libidinosos? Que
merda é essa? Não temos outro caminho para Ele
senão nos entregarmos por completo a Sua Santa
Vontade. Sendo assim, podemos esclarecer o
20
Cor 6:12-13
sistema de redenção (nos entregarmos totalmente
para o Espírito Santo) com o que o Bob chama de
Latência Fenomenológica. Esse processo
descreve o processo de assunção. Pense que o
Ethos, o lugar de repouso de nossa Natureza, seja
um núcleo de átomo. Nós somos partículas que
vão adentrar esse núcleo. Existe também a
eletrosfera, varias camadas que são mais
Matéticas, mais espirituais quando estão nas
proximidades do núcleo. Temos as mais
sublunares quando estão localizadas
longinquamente do Ethos. A vida da redenção é
aquela próxima do Ethos, recebendo suas graças.
Essas graças são ações fundamentais de
comportamento humano que tangem a relação de
um casal e provam seu Elo com o Supremo Bem.
A primeira dessas ações ou estados
graciosos/dons é a reciprocidade onde os dois se
amam mutuamente como Paulo mesmo diz que
quem ama sua esposa, ama sua própria vida. Isso
é absurdamente forte.21 A segunda é a relação
sujeito-sujeito, isto é, cuidar do outro como uma
pessoa, pensar no outro como uma vida e não
como um instrumento de prazer que pode ser
substituído com total facilidade. E a terceira
seria o significado esponsal do corpo. Esse termo
é novo para o leitor, mas ele é absurdamente
fácil. Se retomarmos os primeiros tópicos acerca
da ontologia da criação, vemos o cuidado que o
Criador tem com os corpos de Adão e Eva. Na
relação matrimonial, Deus estabelece para cada
um uma determinada função. Não só isso, mas o
modo como Ele determina o sexo como estopim
exige respeito, como tivemos a oportunidade de
analisar. Ora, o sexo tem uma teleologia e o
corpo a carrega nas costas. Esse fardo não é um
castigo, mas sim um dom. esse dom é o dom de
ser amado pelo Criador e ter a capacidade de
transmissão do mesmo. Isso significa que o
significado esponsal do corpo é ter o dom de ser
amado por Deus e de amar o próximo numa
relação que o leitor já está cansado de saber.
Apenas isso.
Essas três graças ou modos pelo qual tratamos o
outro são o suprassumo da relação de um casal.
(1) cuidar um do outro, (2), tratar o outro como
21
No Naufrágio das Ilusões eu tinha perguntado o motivo
pelo qual se deveria cuidar de sua esposa como se fosse
uma rainha. A resposta está aqui nessa parte.
uma alma independente e (3) respeitar a
teleologia do corpo. Não é todo mundo que tem a
capacidade de ter essas coisas 22, mas uma
completa a outra. Esse é o estado ideal de
respeito e de santidade matrimonial. O que falta
a nós observar é o que seria o estado não ideal e
pecaminoso e que se opõe a todas as
benevolências apresentadas de tal modo que não
seja possível conceber as duas num ser só.

TRIPLA CONCUPISCÊNCIA COMO
OPOSIÇÃO À GRAÇA DIVINA.
“o que nos prende a tal absurda fome? A distorção da natural
essência do tempo vítima, sem existência. Serve ao desejo
sem ter quem o dome.”
Quem já está acostumado a me ouvir um pouco
sabe muito bem de umas das máximas do Mário
em que “Todo existir é um opor-se”. Aplicando
isso ao tema em que estamos dedicando a
atenção, podemos conjurar a seguinte tensão,
23
entendida no sentido ferreriano : Benevolência
x Concupiscência. A concupiscência significa
aquilo que é corruptivo, que corrompe uma
originalidade. Ela pode ser entendida como uma
cosmovisão oposta à benevolência que busca o
bem e o Bem. Como a benevolência possui
elementos e ações fundamentais que a define, a
concupiscência tem uma oposição corruptora aos
elementos benevolentes redentivos. Portanto ela
é punitiva e pecaminosa. Não busca a
positividade, não busca fundar-se nas elevações
supremas nem respeitar a dignidade da
constituição do ser alheio. O que ela busca na
realidade é a negatividade, a baixeza do intelecto,
22
Acho até mais fácil ganhar na mega-sena.
23
Para facilitar a vida de quem não está acostumado com
os termos do Mário, tensão, de modo simplificado, é uma
circunstância onde há um choque entre orbes, elementos
(quimicamente ou abstratamente considerados) ou coisas
tal que uma quer se conservar e a outra quer destruir a
composição. A tensão entre uma molécula de oxigênio e
duas de hidrogênio forma a água. A água em algum
momento vai deixar de ser uma soma de dois elementos e
será uma nova coisa. Algo na água quer destruir a
dicernibilidade dos elementos enquanto a essências deles
busca a permanência. O resultado é que tanto o hidrogênio
quanto o oxigênio não deixam de ser o que são na sua
junção, mas a mesma não permanece como junção e se
torna outra coisa, no caso, tornar-se-á água. Para o pessoal
do Cec: Arithmós A + Arithmós B = Arithmós C (e não A+B).
a fraqueza à sensibilidade e à afetividade. Um
dispositivo corruptor portanto. Podemos tratar
das tensões pormenores da tensão principal
referida acima por meio dessa relação:
1) Reciprocidade x Concupiscência da Vida/
nietzschiana.
2) Relação Sujeito-Sujeito x Concupiscência
dos Olhos/marxista.
3) Significado Esponsal do Corpo/
Concupiscência da Carne/ freudiana.
A primeira tensão se refere à reciprocidade, isto é
a transmissão do amor de forma circular e
proporcional.24 Um casal se ama igualitariamente
onde um não precisa se esforçar demais nem
fingir demais. A honestidade também (no sentido
de tão bem quanto) é recíproca e espiritual. Isso
significa que ambos têm um carinho justaposto
pelo outro e não ocorrem aqueles
relacionamentos forçados, onde se permanece
firme numa moleza, quente numa frieza; onde se
perdura por meios externos em coisas
conquistadas que, na mera ideia de ruir, acaba-se
por preferir fingir estar tudo de acordo. Isso só
ocorre, embora não tenha experiência na coisa,
porque não há reciprocidade. Ou um se entrega
demais e o outro de menos ou ninguém faz nada
pelo outro e a tendência implacável é de que isso
acabe rapidamente. Em contra posição, temos a
concupiscência da vida que chamaremos de
nietzschiana assim como o Karol fez. Essa
corrupção é corrupção da reciprocidade, isto é, o
sujeito ignora ou despreza a necessidade de um
amar proporcional e cíclico; ignora a entrega e a
fraternidade; ignora a proteção. É uma
depravação da vida matrimonial; cria-se um
Anelo com alguém na maior trivialidade e
simplesmente não percebe que o fez. Assim, a
vida dele é fundada na sexualidade depravada e
imoral onde apenas o erotismo vital se apresenta,
isto é, apenas o dionisíaco, a vida como um
momento em que apenas as bebedeiras e as orgias
dão algum significado à mesma.
24
Um grande desafio é amar Deus desse modo. Para tal, é
preciso considerá-lo sobre todas as coisas. Tarefa
realmente árdua para seres com uma intensificação da
sensibilidade e afetividade. Matar a carne é perder a
soberania dessas faculdades que não são mazelas se bem
medidas na nossa alma.
A segunda tensão se refere à relação sujeito-
sujeito, isto é, uma relação que implica o
reconhecimento do outro como uma alma, um ser
independente e livre de você contra o que vamos
chamar de concupiscência marxista. Essa
perversão é aquela que Cristo combate no sermão
do monte. As ideologias tendem a causar um
problema na visão e na percepção das pessoas.
Não falo isso do ponto de vista físico, mas sim
mental. O sujeito que recebe um escopo
ideológico na mente e configura-a para pensar em
cima desse mesmo escopo acaba por conquistar
uma visão ou uma análise dos fatos viciada numa
pré-posição, isto é, a pessoa não vê o que é visto,
mas sim o que lhe é conveniente ver, o que é
agradável em seu interior. Se estou com uma
visão viciada na materialidade, ignorarei tudo o
que for espiritual, axiológico e transcendental
não porque não consigo perceber isso
(novamente, por que se deve tratar sua esposa
como se fosse uma rainha? Por que sinto dor pela
dor alheia? Por que sei que um quadro de Da
Vinci é mais elaborado do que um grafite na
paulista?), mas sim porque eu não quero perceber
nada dessas coisas. Minha ideologia impede que
os Fatos-Fáticos sejam compreendidos para dar
espaços para constelações noéticas sem
fundamento algum.25 Então minha mente
perverte o que é visto. Quando vemos pessoas,
devemos ter a ideia de que elas são de fato almas
e seres misteriosos e complexos como nós somos.
Uma relação pura não é aquela onde há um
rapazinho e uma mocinha virgens versados em
São João Crisóstomo. Não! O relacionamento
puro se funda, dentre várias mais, na relação
onde ambos os membros se vêem como almas,
como pessoas. A concupiscência dos olhos
25
Esse tipo de vício, Carol, geralmente se expande para
vários setores da inteligência humana como tu podes
observar em Invasão Vertical dos Bárbaros. Um exemplo é
o próprio Direito. As noções transcendentais extraídas da
práxis basilada na cronotopia são fundamentais para o
estudo da nomogênese onde creio que você já percebeu a
bagunça intelectual produzida nos últimos séculos. Se
minhas palavras foram confusas, pense naqueles tópicos
sobre suporte fático. Partem de um plano físico e recebem
uma especulação valorativa onde se funda o Direito. Agora
pense que isso não é mais possível; a vista humana não
contempla o categorismo, mas sim a hipóstase, ou seja, não
vê o que a coisa é, apenas o que poderia ser. Isso é o vicio
pelo qual as coisas são conjugadas na modernidade, seja no
Direito ou nas outras relações humanas.
impede isso; não se vê mais o outro como um
sujeito, mas sim como um objeto qualquer. Por
essa razão, Cristo se opõe dizendo que um olhar
para uma mulher com um desejo impuro já seria
um adultério, uma agressão ao relacionamento.
Ora, se olho uma “tilanga” de batatais com um
desejo impuro (as vezes as bundas compensam a
cara horripilante) não se segue de achar que eu
tenho alguma relação com a mesma. Apenas
observei o perfil, nada mais. Por que Cristo
critica isso da forma que já expus? Porque o
adultério que Ele se refere é o fundado no
Princípio das coisas. De um modo mais claro, é
como se eu tivesse violado uma das bases
benevolentes antes mesmo de me unir com
alguém num só corpo e, então, eu estaria
barrando uma possibilidade de união redentiva.
Embora não esteja unido, essa união não será
possível, pelo menos não de modo saudável. Se a
minha visão tratar ela como um objeto, se ela se
comporta assim ou não, não importa. Foi um
exemplo ilustrativo embora o Bob vá ficar
enchendo meu saco pro resto da vida depois
dessa. Haja paciência.
A última tensão engloba o significado esponsal
do corpo, a semiótica das substâncias do homem
e da mulher que não só é ser amado por Deus,
mas também de transmitir esse amor ao próximo
numa profundidade matrimonial. Em oposição
temos a concupiscência freudiana que é a
destruição de um valor transcendental da carne,
isto é, anula-se a semiótica da sexualidade e por
decorrência acaba anulando a persistência
(aquilo que mantém a forma) do Elo/Anelo com o
outro num só corpo. Talvez seja a perversão mais
imediata quando se pensa essas questões. A
pessoa poderia questionar-me: “mas é só sexo.
Por que diabos se pressupõe conexões supremas
encima de algo biológico, banal e simples?” É
uma pergunta freudiana, fruto da incompreensão
do símbolo que a carne tem e sua importância no
processo de conexão já comentada. O que o leitor
percebe é que todas as concupiscências são
oriundas das mais diversas cosmovisões e que
todas elas são oposições ao cristianismo em geral.
***
Sobre essa perspectiva de oposição, temos
passagens bíblicas que ajudam a não apenas
receber um suporte, uma confirmação pela
escritura, mas também nos ajuda a entender o
tema com uma descrição mais simplificada (a
linguagem da sagrada escritura é bem melhor do
que a minha). Sobre essas reflexões acerca da
santidade e da perversão, podemos observar a
primeira carta de Paulo aos tessalonicenses em
que ele apresenta essa dualidade:
“A vontade de Deus é esta: a vossa santificação;
por isso, afastai-vos da imoralidade sexual. Cada
um de vós saiba viver com seu próprio cônjuge em
santidade e honra, não dominados pela paixão de
desejos sem controle, à semelhança dos pagãos que
não conhecem a Deus”.26
Aqui Paulo apresenta uma doutrina da santidade
na qual somos chamados para sermos santos
nela. A santidade que ele se refere é o que
chamamos aqui de benevolência e o termo
“desejos sem controle” se assemelha com a
concupiscência tal que ela representa um estado
de falta de discernimento e de falta de controle
sobre os próprios desejos libidinosos e acaba por
tornar o ser humano um mero animal.
Barbarismo, portanto. Um pouco mais abaixo,
Paulo nos fortalece o chamado para a santidade e
não para a corrupção quando diz:
“Pois Deus não nos convocou para a impureza, mas
sim para a santificação. Portanto aquele que
rejeita estas orientações não esta rejeitando o
homem, mas a Deus, que vos outorga o seu Espírito
Santo”.27
Foi exatamente o que eu havia dito quanto à
escolha da vida praticada e de onde ela veio e
com quem se anela nessa circunstância.
Bom, já falei “de mais” 28 sobre a criação do
Elo/Anelo e das possíveis corrupções do mesmo
que assolam a vida espiritual de seres mal
guiados. O que podemos observar agora é como
esse Elo/Anelo fica quando as almas sobem aos
Céus. Esse tema pode ser estudado num diálogo
de Cristo com os saduceus.
26
1Ts 4: 4-5.
27
1Ts 4:7-8.
28
BOOOOB.

COLÓQUIO DE CRISTO COM OS SADUCEUS:
A PERMANÊNCIA DO QUE NOS CONECTA.
“o tempo passou e o Kayrós não deixou tal mulher se
desvirtuar”.
29
O tema da ressurreição é bem interessante e
complexo. Na época de Cristo havia os saduceus
que negavam a ressurreição na sua doutrina. Já
Jesus pregava a todo instante sobre a Vida Eterna
com o Pai e a respeito da Condenação. Essa
oposição virou um diálogo muito interessante
quando os saduceus se dirigiram à Jesus para
fazer-lhe uma pergunta capciosa. Segue-se o
texto de Marcos:
“Depois chegaram os saduceus, que pregam não
haver qualquer ressurreição, com a seguinte
questão: ’Mestre, Moisés nos deixou escrito que, se
um homem morrer e deixar sua esposa sem filhos,
seu irmão deverá se casar com a viúva e gerar
filhos para se irmão. Ora, havia sete irmãos. O
primeiro casou-se e faleceu sem deixar filhos.
Então o segundo desposou a viúva, mas também
morreu sem deixar descendentes. O mesmo ocorreu
com o terceiro. E, dessa forma, nenhum dos sete
irmãos deixou filhos. Finalmente faleceu a mulher.
Na ressurreição, quem essa mulher será esposa,
haja vista que os sete irmãos foram casados com
ela? ’” 30
Basicamente os saduceus atacam a ressurreição
que Cristo pregava (imortalidade da alma) com
uma analogia de casamento. No caso hipotético,
eles supõem uma situação em que uma mulher se
casa com diversas pessoas e a questão que fica é
com quem a mulher será casada no Paraíso.
Como eles tentaram dar imutabilidade para um
casamento, no Paraíso haveria uma poliandria o
que é contrário à lei de Deus. Ao mesmo tempo,
essa dúvida acerca da permanência do
casamento, numa situação em que são vários,
gera um absurdo. Como essa hipótese é absurda,
então a ressurreição dos mortos também o é. Essa
é a falácia dos saduceus. Jesus os responde dessa
maneira logo em seguida:
29
Desculpe-me pela deturpação, gatinho.
30
Mc 12:18-23
“Então Jesus os admoestou: não é sem motivo que
errais tanto, pois não compreendeis as Escrituras
nem o poder de Deus! Quando os mortos
ressuscitam não se casam mais, nem são dados em
casamento. Pois se tornam como os anjos nos
Céus”.31
A resposta de Jesus pode parecer equivocada,
mas estou aqui para dizer que não foi. De
imediato, uma pessoa que pensa de modo
inconsistente, que é mais afetiva, acaba por
refletir: “os saduceus perguntaram quem será o
marido da mulher no Paraíso, pois ela teve sete e
Deus permite apenas um. Cristo responde que
ninguém se casa no Céu. Onde há adequação
nisso?” podemos esclarecer essa dúvida
comentando os pormenores. Primeiro, os
saduceus perguntam quem será dado como
marido ou reconhecido como marido daquela
mulher no Céu. Aqui eles tratam do casamento
como relação humana e não noológica como
tivemos a oportunidade de elucidar durante
todas essas páginas. Isso se segue de entender
que a relação proposta pelos saduceus é
meramente convencional e culturológica, logo
seria finita e basilada enquanto os cônjuges
estiverem vivos. Em nenhum momento os
saduceus usaram a ideia do “Princípio” que
Cristo ensinou para detalhar seu caso hipotético.
A conclusão disso tudo é que os saduceus
queriam saber quem seria o marido na
ressurreição, não por uma questão de
imutabilidade, mas sim por uma questão de
reconhecimento. Todavia, como essa relação só
subsiste na terra, na assunção aos Céus, ela é
deixada de lado e some. O que interessa,
portanto, é um laço noológico, isto é, o
matrimônio – algo que era desconhecido pelos
saduceus –. A resposta de Jesus é válida nesse
sentido, pois ela tange a impossibilidade das
conexões passageiras subirem com as almas no
Reino do Senhor. Cristo dá uma aula de
metafísica para os saduceus que como eu havia
dito, usaram de um recurso falacioso para tentar
enganar o Senhor. Fracassaram.
Convém dizer que é difícil pensar na ressurreição
e no matrimônio. Se um dia eu tiver uma esposa e
se na Vida Eterna nós nos encontrarmos na
31
Mc 12:24-25.
Glória do Senhor de Israel, iremos ainda ser
marido e mulher. Almas unidas pela força do
Elo/Anelo inseparável, pois somos ainda um só
corpo como diz o Sagrado Texto. Melhor ainda,
estaremos juntos e unidos além de firmes em
Cristo, não parabolicamente, mas
completamente, pois Ele será tudo em todos
quando estivermos lá. É o suprassumo da
Relação; total e completa Mathesis que nos
permite desfrutar de todo o ser. Mas isso
significa que irei reconhecer minha mulher
(estou dando só um exemplo para ficar mais
fácil), a quem teria dedicado a melhor das
minhas energias (e meus filhos poderiam estar
lá). Não se segue de achar que nós teríamos uma
vida conjugal lá também. Não haveria malícia em
nossos olhares (que num matrimônio é até que
perdoável, afinal, deixem os pombinhos em paz),
nem muito menos relações íntimas. Embora
sejamos esposo e esposa, não teríamos os mesmos
atos; mesmo belos aqui na terra, já não seriam
mais bonitos e necessários lá na Eternidade.
Portanto, o convencionalismo morre com a morte
e o Elo/Anelo dura para sempre, embora não
legitime nada além do: “eis aqui o osso dos meus
ossos (vida) e carne da minha carne (ser)”. Um
pouco mais adiante, Cristo enfrenta a doutrina
dos saduceus:
“A respeito da ressurreição dos mortos, ainda não
tendes lido no livro de Moisés, no texto referente à
sarça, como Deus lhe declarou: ‘Eu sou o Deus de
Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó?’. Ora,
Ele não é Deus de mortos, e sim o Deus dos Vivos!
Estais absolutamente enganados”. 32
Na conclusão de sua resposta, Nosso Mestre
levanta uma objeção tanto aos saduceus que
negavam à ressurreição, quanto os fariseus que
afirmavam a ressurreição escatológica, isto é, a
ressurreição apenas no Juízo Final. O que Jesus
cita mostra que os filhos de Deus estão todos
vivos e usa exemplos de pessoas assim. Apenas
isso já é fundamento o suficiente para a resposta.
No ataque aos fariseus, Cristo cita a ressurreição
feita antes do Juízo o que confirma a doutrina
cristã e não a dos fariseus.33
32
Mc 12:26-27.
33
Esse tipo de doutrina era tipológica na mente das
pessoas. Podemos nos lembrar da passagem aonde Jesus
Já vimos a importância dos laços na terra e na
Eternidade. Tudo isso é para ser respeitado. E a
chave para o respeito é a virgindade. 34

SOBRE A PRESERVAÇÃO DO CORPO ATÉ O
MATRIMÔNIO.
“o anseio do mistério sem nome. Ter o eterno e sentir sua
ausência”.
No evangelho de Mateus, no capítulo 19, tivemos
a oportunidade de analisar a discussão de Jesus
com os fariseus sobre o tema do divórcio. O
argumento do Mestre foi em torno da Lei e do
ethos humano, que repousa por sua vez no Ethos.
A conclusão final era a de que, como o Elo/Anelo
eram imutáveis, não se podia ter relações com
alguém anelado com outro sem pecar um pouco
também. Vamos ver a reação dos discípulos de
Jesus:
“Então os discípulos consideraram: ‘se estes são os
termos para o marido e sua esposa, não é vantagem
casar! ’ Mas Jesus ponderou-lhes: ‘ Nem todos
conseguem aceitar essa palavra; somente aqueles a
quem tal capacidade é dada. Pois há eunucos que
nasceram assim do ventre de suas mães; outros
foram provados de seus órgãos reprodutores pelos
homens; e há outros ainda que a si mesmos se
fizeram celibatários, por causa do Reino dos céus.
Quem for capaz de aceitar esse conceito, que o
receba’”.35
Os discípulos de Jesus, ao verem como a coisa
realmente deveria funcionar, ficaram perplexos
ao ponto de acreditarem que não seria bom se
casar então, pois isso era passível de muitos
pecados subsequentes, jamais inerentes, que
poderiam aviltar contra a salvação. Cristo
responde que o casamento é uma dádiva, um dom
que se recebe do Alto e é pra glória do Altíssimo.
Quem se casa sem o dom para tal, acaba por
vai até Lázaro e descobre que já havia morrido; vê, então,
os parentes em prantos e se lamenta também. Dirigindo-se
à Irmã de Lázaro, questiona o porquê tamanho luto se ela
acreditava na Vida Eterna. Ela diz que isso apenas ocorreria
no Juízo Final e Cristo responde algo seráfico antes de
reviver Lázaro: “Mas Eu Sou a ressurreição”. Espero que o
Leitor tenha visto a beleza de tudo isso.
34
Agora azedou o cu do frango né?
35
Mt 19:10-12.
cometer um engano e não conseguirá fazer essa
relação subsistir na terra. Desafiar o Criador é
perda de tempo. Em seguida, Jesus diz que há
tipos de eunucos; dois dos três são frutos da
onticidade acidental, o ultimo é uma decisão
firme e noológica. Os eunucos do Reino são
pessoas que perceberam que não tinham essa
graça e abjuraram dos desejos e afetos para
dedicar-se ao serviço cristão.36 Em linhas gerais,
toda parte mais sensível erótica tem que morrer,
o sujeito não pode pensar nisso nem por um
momento. Ele tem que treinar sua mente para
não acabar caindo em tentação. Depois, ele tem
que atualizar os outros tipos de amores que não
tangem o sexo para poder agir em Cristo. Esse é
um procedimento padrão de um sarcedote. Ele
terá que renegar seus instintos que querendo ou
não são estopins para as conexões profundas e
passar a se anelar com os outros por outras vias
que não sejam a matrimonial. Isso é um eunuco
do Reino.
Em complemento, para que se evite os possíveis
pecados que fizeram os discípulos tremerem de
medo, a virgindade tem um papel muito relevante
no processo. Quando se tem uma relação íntima
com alguém, o matrimônio é conjurado e se firma
para todo o sempre. Num namoro hipotético
qualquer, podemos imaginar que o sexo é
presente na vida deles. Nada de mais, aliás, o
Elo/Anelo é conjurado de modo natural como já
foi exposto. O empecilho é que as vezes o namoro
não vai para frente, acaba por terminar. Novos
relacionamentos são forjados pelos membros
daquele relacionamento primeiro e os novos têm
também sua atividade sexual e assim por diante.
No final das contas, você tem conexões com um
monte de pessoas e todas elas são suas esposas e
maridos (o que pode ser perdoado por Deus por
uma confissão de vida. Se é imutável para nós,
não o é para Ele. Não há nada que seja difícil que
Deus não possa fazer). Temos um problema dos
grandes. É aí que entra a virgindade cristã. Em
amor a síntese, ela é basicamente um cuidado
36
Quando eu pensava em largar a escola para entrar no
seminário tinha em mente esse tipo de renúncia. Ninguém
sabe se irá casar-se ou não, mas o tipo de pessoa que eu
queria ser me dava a certeza. Até que num retiro espiritual
eu percebi a dificuldade que era. Mas não foi ali e nem por
isso que quis desistir da ideia. Em outra oportunidade eu
conto melhor essa história.

com o corpo para que não se crie anelos
inutilmente. Quando ocorrer uma primeira vez,
será com pessoa x e nunca será com mais
ninguém. É, pois, uma preservação para aquilo
que amedrontou os seguidores de Cristo. Hoje em
dia é meio difícil não apresentar um tom de
antiquado ao defender essa posição. Pode parecer
algo tendencioso também, fruto de uma
incapacidade de sair comendo todo mundo que se
vê pela frente. Não quero perder tempo com isso,
mas em resposta breve: se a modernidade vê a
verdade como algo ultrapassado ou incapaz de se
adequar as condutas mórbidas, o problema está
na modernidade e não na verdade em si.

SOBRE OS AMORES – OS GRAUS
SIMPATÉTICOS – COSMOVISÃO MODERNA
ACERCA DO MATRIMÔNIO E A
IMPORTÂNCIA DA ALMA PARA O
ENTENDIMENTO DA QUESTÃO.
“uma caixa de muitos platonismos que só duram algumas
estações”.
De posse do que já pudemos ver, compreendemos
que o Elo/Anelo matrimonial é uma conexão
noológica e se funda no amor, tanto de Deus
quanto do homem. Mas é preciso entender o que
é o “amor” para podermos ter uma unidade do
tema abordado. A ideia de colocar trechos das
músicas e poesias do Bob tinha alguma pretensão
de ajuda na definição que teria que aplicar aqui.
Uma vez ele me disse que não era muito chegado
em fazer textos e comentários extensos e
filosóficos sobre o amor por ter dificuldade de
cosmetizá-lo, então não era muito racional. Por
oposição, seria mais intuitivo, então as definições
estariam em suas poesias, o que é uma vantagem
já que elas tem a capacidade de fazer as pessoas
mais sentirem do que pensarem friamente sobre
o que estão ouvindo ou lendo. Pelo tempo
relativamente curto de estudo sobre esse tema e
pela dificuldade de escrever isso não posso
deixar de dizer que ele tem razão. Mas a
dificuldade não é uma impossibilidade. Para não
estender ainda mais algo que já passou do
tamanho desejado, vou acentuar alguns aspectos
apenas para dar completude aos ciclos
37
comentados. Talvez as páginas seguintes vão
apresentar uma imagem muito complexa e o
texto seguirá ainda muito mais, mas é só
aparência. A linguagem continuará simples e
talvez os trechos bíblicos sejam muito extensos.
Todavia, são bem fáceis de ler. Pode-se pulá-los
também.
***
São Tomás dizia que o amor é o desejo de
eternidade do ser amado. Você amaria alguém se
preferisse que aquilo durasse para sempre. Então
o amor não seria um sentimento, mas sim um
modo de ver as coisas e de desejá-las também
numa transcendência, o que faria do amor uma
visão nobre e mirífica. Tal visão exigiria do ser
que a possui uma conduta muito firme que pode
ser dividida nas seguintes frações
comportamentais:
1) Foco naquilo que se ama, melhor dizendo,
naquilo que se essencialmente ama sem se
atrelar as heterogeneidades extensivas
que não são contribuintes para a vida no
Espírito.
2) Pessoalidade, isto é, a ciência de que
sempre se trata de um “alter”, um outro
sujeito além de você que merece respeito
pela sua constituição sem que reduza-o
para fins irrelevantes.
3) Discrição no comportamento, tendo em
vista que ao amar alguém você não
merece um prêmio nem muito menos deve
esbanjar seu/sua amado (a) como se fosse
um troféu (o que violaria a fração dois e
três).38
Essas frações, como se pode ver, têm ampla
relação com as características fundamentais do
amor benevolente. No entanto, estamos em face
do ideal, duma “caixa platônica” cheias de “teria
que ser assim para dar certo”. Para termos
37
Falei de quarto ciclos no total. Esse vai ser um apanhado
sobre o quinto. O sexto, do modo como Karol apresentou, é
irrelevante para quem estiver lendo. Como meu público
leitor se resume ao Bob, Berti e Carol, não vejo motivos.
Pode ser que tenha alguém novo no pedaço, mas com
certeza é mais inteligente que eu.
38
Essas frações são iguais aos traços do servo-coluna que a
Vitória ensinou para nós no Discord. Copiei na cara dura
mesmo.
alguma concretude, somaremos o ideal com o
real e veremos que surgem estágios no amor, bem
como um modo pelo qual cada estágio se
apresenta. O Eros talvez seja o mais simples de
todos eles. É certo que é o mais inicial, pois se
funda na afetividade estética, não importa se vai
eternizá-la ou não. Isso que gera uma atração
sexual pelo outro. Essa atração não é por si só
pecaminosa porque é necessário que ela exista
para o matrimônio ter a sua fundação (creio que
o leitor se lembra como começa). Mas é preciso
alertar que a atração isolada significa que o Eros
também está atualizado enquanto os demais
estão virtualizados. Aqui que inicia uma forma
crática, viciosa do amor; estado de incompletude
que aí sim pode ser categorizado como pecado. A
atração isolada deixa de ser amor e passa a ser
paixão, pathos, daí patologia, uma doença que
ataca sua visão espiritual. Aqui o sujeito vê o
outro como mero objeto de desejo, atacando a
relação sujeito-sujeito, trata o corpo apenas
como fonte de prazer, agredindo o telos do corpo
e sua semiótica. Uma relação assim é depravada e
deprimente. Pensando na doença do homem, ele
irá tratar sua mulher como se fosse uma boneca
sexual, na qual ele usa na hora que lhe for
conveniente, não se importando muito se é
momento oportuno ou se é certo agir assim na
ocasião. Por ser uma boneca, ela não tem
sentimentos, então ele não se importa de
terminar a relação por motivos bestas e
completamente pessoais e iniciar outra relação
no pretexto de demonstração de superação, como
se superação fosse pecar contra Deus e sua Santa
Vontade. Na ótica feminina, seria uma moça que
não respeita seu corpo, trajando-se das piores
vestes que alguém poderia imaginar. Seria,
digamos assim, uma “mulher do povo”, uma
cidadã exemplar com uma acionalidade
democrática de encher as vistas de qualquer um.
Pessoas assim são desprezíveis quando próximas
de seus homólogos. Infelizmente, as vezes elas se
aproximam de homens de boa vontade e fazem
um mal imenso na vida deles. Por sorte, Nosso
Senhor é justo e afasta esse tipo de gente para
colocar pessoas boas no lugar.
Existe outro estágio muito bonito que é chamado
de Philia que podemos associar à amizade. A
amizade não atualiza um grau de erotismo, então
já é por si só incompleta, assim como o Eros não
atualiza nada da Philia, mas tem sua importância.
Ela não chega a ser viciosa e pecaminosa. Não
posso ser punido por ter amigos e é apenas
incompleta se estivermos falando da relação
matrimonial. A importância dela para o
Elo/Anelo tange o fator da entrega. Eu percebi
isso quando encontrei pela primeira vez alguém
que pude chamar de “amigo”. A sensação foi de
proximidade e adequação (o que é ótimo para um
matrimônio). A entrega vem logo depois e no
meu caso se firmou de vez a algum tempo graças
a Deus. Tudo o que eu puder fazer por ele eu
farei e vice versa. Não é um sujeito que eu espero
que me vire as costas e o mesmo ele não espera
de mim. Somos praticamente os mesmo só que
em corpos diferentes. Um completa a frase do
outro (as vezes dá um pouco de medo nas
pessoas). Quando isso ocorre no mesmo sexo não
existe nenhum problema. Pode-se ser o mais
íntimo possível que não haverá perigo. Em sexos
opostos, pode ser que venha aparecer alguma
atração sexual também e a amizade deixa de ser
amizade e se torna algo mais profundo. Não se
segue de achar que isso é uma norma. Quando
encontrei alguém pela primeira vez que pudesse
chamar de “amiga” a sensação foi de mesma
adequação do que antes. É claro que não me
comporto do mesmo jeito, por respeito a ela.
Mesmo que passe do aceitável, não sou amigo de
gente idiota, então ela bem sabe que não é por
maldade.
O amor mais bonito é o Ágape. É nele que
podemos ter a total noção espiritual do outro. Ele
é o cume da pureza da relação, pois permite ver o
outro como uma alma, um mistério. Talvez isso
seja o amor, a aceitação total do mistério. Ao
mesmo tempo ele é o gerador do Eros e Philia
bem entendidos, é claro. Atração sexual
depravada e essas amizades que se fazem por aí
que são apenas formas de fingimento não são
fruto do Ágape. Então ele é a ultima coisa e ao
mesmo tempo a primeira. Alfa e Ômega. O
cristianismo se funda nesse amor porque é o da
completude de nosso sentimento com o
entendimento. Ora, temos coisas patéticas, coisas
que são indiferentes, mas temos também graus
simpatéticos que nos causa aproximação e graus
antipatéticos que nos causa repulsão. O Ágape é
um gerador de graus simpatéticos e, por dualismo
antinômico, de graus antipatéticos. Então o
cristianismo não oblitera os nossos sentimentos,
mas apenas nos ajuda a controlá-los. Espero que
o leitor veja a beleza disso. Por fim, cabe a nós
perceber que o amor que permite o matrimônio
em seu total esplendor começa com essa visão
“Agapatética”, isto é, ver o outro como uma alma,
um mistério no qual você não tem acesso a nem
um terço do que pode ser sabido, pois é livre e
independente de você para existir, mas que seria
mais feliz se estivesse contigo e vice versa.
Sempre veja pelo ângulo da reciprocidade, leitor.
A busca se torna mais fácil pela visão desse amor,
que vou evitar colocar o nome porque estou
cansado de por itálico, pois sabemos o que
procurar. Em contrapartida, torna-se mais difícil
pela raridade do que se procura.
“A mulher virtuosa, quem a achará? O seu valor
em muito ultrapassa os das mais finas jóias! O seu
marido tem plena confiança nela, e a miséria
jamais chegará à sua casa. Essa esposa exemplar
39
faz ao seu marido sempre o bem e nunca o mal”.
“A mulher virtuosa é coroa de honra para seu
marido, mas a de atitudes vergonhosas é como
podridão nos ossos dele”.40
“A mulher santa e honesta é graça inestimável; a
alma casta não tem preço”.41
Infelizmente existem mais pessoas viciosas do
que virtuosas.
***
A modernidade debocha do que analisamos; fruto
do barbarismo que ataca nosso ciclo cultural e o
perverte para coisas ainda não muito bem
esclarecidas. A mentalidade moderna busca a
vida desregrada, debochada e medíocre. O
barbarismo eleva e cultua as formas físicas e a
sensualidade é incorporada até na mais jovem
das crianças. O cromatismo vicioso desregula
nosso bom senso; deixamos que a materialidade
superasse o espírito. Casam-se por dinheiro, fama
e qualquer outra coisa passageira. Os homens se
tornaram frouxos, preguiçosos, folgados e
debochados. É muito difícil encontrar uma
mulher unida com um homem responsável,
39
Pv 31: 10-12.
40
Pv 12: 4.
41
Eclo 26: 19.
honrado e, no mínimo do mínimo, carinhoso. As
mulheres se tornaram vadias depravadas que
oferecem o corpo para qualquer um que se
encontre nas ruas. São mesquinhas, sem
consistência interior; suas conversas mais
elevadas são sobre sapatos, roupas e o tanto de
rapazes que já desfrutaram de seus “países
baixos” no fim de semana. Tudo isso é
barbarismo, mas não é novidade. Veja:
“Uma paixão ardente como fogo aceso não se
acalmará antes de ter devorado alguma coisa. O
homem que abusa do seu próprio corpo não terá
paz enquanto o fogo não o consumir. Para o
homem impuro todo pão é apetitoso, e não se
saciará em pecar até a morte. O homem que
desonra o seu leito conjugal diz no seu coração:
‘Quem me vê? As trevas me envolvem, as paredes
me escondem, ninguém me vê; a quem temerei? O
Altíssimo não se lembrará dos meus pecados’. Não
considera que os olhos de Deus vêem todas as
coisas, que um semelhante temor humano afasta de
si o temor de Deus. Só teme os olhos dos homens. E
não sabe que os olhos de Deus são mil vezes mais
luminosos que o Sol.42
Só estamos vivendo o que outros como nós
tiveram que viver. Mas eles sabiam como
deveriam proceder e nós devemos aprender com
eles.
Esse modo de ver ocupa todos os espaços. Todos
abjuram da ideia da eternidade do Elo/Anelo
como eterno. Uma vez feito, não se rompe mais.
Até o Olavo de Carvalho disse que o amor
natural pode ser rompido e não deixa de ser amor
de fato assim como uma casa quando cai não
deixa de ser casa. Na verdade, existe uma grande
diferença entre casa e casa demolida e o que ele
chama de “amor natural” não é amor, é paixão.
Ou o Olavo está certo ou Cristo, os dois não tem
como. Cristo está sempre certo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: AQUILO QUE HÁ
DE MAIS PURO EM NÓS.
“Esse amar é só pra quem já se anulou”.
42
Eclo 23: 22-28.
Espero ter deixado o ponto arquimédico da tempo de vocês em vão. Obrigado pela atenção e
questão bem nítido: a de que o sexo legitima o até a próxima.
matrimônio e não o oposto e o casamento é outra
coisa. Tentei usar os mesmos termos do Karol e o
que eu achei no meu reduzido repertório. ***
Respeitei, na medida do possível, a ordem dos
ciclos e discuti com quem sabe mais do que eu
sobre alguns argumentos do falecido papa, “O amor nasce no pormenor e passa a existir
chegando a algumas objeções que foram microscopicamente”
empregadas aqui sem a aparência de refutações.
Não quis parecer arrogante, afinal, ninguém José Ortega y Gasset.
gosta de um “sabe-tudo” e eu estou muito longe
disso. Talvez os três bravos guerreiros que
costumam me dar atenção tenham se sentido 
desconfortáveis com algumas coisas: o Bob pelo
excesso de deduções; Berti pela falta de tomismo
e a Carolina talvez tenha achado fofo de mais.(se
mais alguém leu, desculpe pela falta de atenção.)
Não sei se dou conta de corrigir isso porque sou
dedutivista sem perceber, não sei nada sobre
Aquino e tento fazer as coisas com o coração na
mão. Mas o objetivo para além das faltas ainda
pode ser vislumbrado. É só olhar com a alma que
vocês irão ver essas linhas na suas vidas,
marcando suas memórias, trazendo más
recordações de pessoas e boas lembranças
também. Espero que as boas permaneçam e
prevaleçam durante todo o existir até que
possamos nos reunir entorno do Bem Eterno e lá
repousar e sorrir juntos diante de todo o
horizonte kayrótico. A ideia era tornar a coisa
mais próxima do que o Karol fez nos seus textos,
sem menosprezá-lo, é claro. Então cabe a vocês
pensarem um pouco nas coisas que já foram
feitas e que devem ser feitas. Escolhas que são
feitas com a alma são difíceis, mas a alma é a
melhor fonte de decisão porque é o centro de
autenticidade; são vocês mesmos que escolhem
de todo o coração. Nosso coração pode se atrelar
com qualquer coisa, então busquem tesouros no
Céu, como diria Jesus: “pois onde estiver seu
tesouro, lá estará também o teu coração”. E se
eu, um moleque idealista que não sabe porcaria
nenhuma, consegui enxergar a beleza nas
pessoas, se consegui contemplar a alma pura de
alguns, quer tenha me aproximado quer não,
indiferente, então qualquer um de vocês
conseguirão. São melhores do que eu, isso eu
posso garantir. Por fim, espero não ter tomado o