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1 Em Santo Afonso, por exemplo, podemos ver dois outros termos: astrologia natural e astrologia
judicial. Que aqui, entendendo a astrologia moderna (Sua visão e forma de aplicação) pode se distinguir
da astrologia moderna, ou seja, aquilo que Santo Afonso está descrevendo por astrologia natural e
judicial é nada mais, nada menos do que astrologia tradicional x moderna.
A questão inicialmente existe porque de uns tempos para cá com o advento da
internet, estudos e outras fontes de informação surgiu ao leigo católico a íntima
relação que a Igreja Católica teve com a astrologia tradicional.
Aqui já podemos sentir o primeiro impacto na cadeira do leitor. Sim, o
catolicismo teve (não em todas as suas eras) uma ligação bem próxima com a
Astrologia Tradicional, veja as fotos e citações a seguir:2
2 Uma nota explicativa: nesse artigo teremos inúmeras citações, até mesmo de outros artigos que nos
ajudam a explicar a questão. O objetivo principal desse artigo é dar uma linha de raciocínio para quem
não está habituado com a questão puder compreendê -la inicialmente.
Figura 3 – Signo de escorpião na catedral de Cologne3
Além das imagens que por si só já devem despertar uma curiosidade no leitor, temos
também algumas citações emblemáticas de religiosos que são de “confiança” na
nossa Igreja. Um exemplo dessas é o Papa Bento XVI que nos mostra que a escolha
da data da páscoa nos primeiros séculos versam inicialmente pela “entrada do Sol em
áries”:
"O Papa Leão Magno (440-461) criticou essa data, considerada muito tardia, reportando-se à
indicação bíblica segundo a qual a Páscoa devia cair nos primeiros meses. Com isso não se
pretendia o mês de abril, mas o tempo em que o sol percorre o primeiro segmento do
círculo zodiacal a constelação de Aries.
O signo zodiacal no céu parecia falar antecipadam ente e para todos os tempos do
‘cordeiro de Deus’ que tira os pecados do mundo (Jo 1,29), daquele que resume em si
todos os sacrifícios dos inocentes e lhes dá significado. A narração misteriosa do cordeiro que
estava preso no espinheiro e foi oferecido em lugar de Isaac como sacrifício escolhido pelo
próprio Deus, foi então entendida como pré-história de Jesus, os ramos em que estava
preso como imagem do signo zodiacal de áries, e este, por sua vez, como prefiguração
celeste do Cristo crucificado. 4"
Um outro ponto interessante também é que o Beato Raimundo Lúllio, reconhecido por
evangelizar os pagãos e muçulmanos ao criar um catecismo escreve isso:
3 Detalhe que nessa representação ele não coloca “Escorpião”, mas coloca “Outono”, veremos mais
adiante na explicação da Astrologia Tradicional que os signos são nada mais nada menos do que as
estações do ano, representadas (daí a palavra SIGNO está ligada a SÍMBOLO) nos doze signos zodiacais.
4 Bento XVI, Introdução ao Espírito da Liturgia.
XCV. Do Acontecimento e da Sorte
2. Amável filho, Deus ordenou que os doze signos e os sete planetas tenham poder sobre
os corpos terrenos5. Assim, conforme com o que existe na natureza e o ponto sob o qual
nasce o homem, ele é astrologicamente fadado o quanto deve viver, qual ofício melhor lhe
convém e em qual terra lhe nascem os melhores negócios. 6
5 Depois comentaremos sobre a problemática desse anúncio, já que o que se observa hoje a respeito de
astrologia tradicional não é uma influência direta, mas uma ligação entre cosmos.
6
Beato Raimundo Lúlio, Catecismo Medieval para jovens
Figura 6 – Licenças inquisitoriais
7 Giovanni Domenico Campanella foi um filósofo renascentista italiano, poeta e teólogo dominicano.
Ainda jovem ingressou na Ordem dos Pregadores, dedicando-se aos estudos de filosofia.
8 Quem quiser ter acesso a discussão basta acessar o link <
9 “…the Chaldean astronomy and horoscopes, comparing our lives with the movements of the heavenly
bodies, which cannot even know what they are themselves, or what they shall be.”
10 Ver Cidade de Deus, Livro V
relação entre os astros e os seres humanos com um detalhe: a consideração
mais problemática de todas, imagine se ele conhecesse (não foi possível
devido ao entendimento filosófico e histórico da época dele) o que falaremos a
seguir.
Mas explicando muitas dessas condenações (E quaisquer condenações que
possam acontecer), várias ciências/artes receberam condenações: A arte,
arquitetura, matemática, música, os mitos gregos foram por um tempo
proibidos de serem lidos, a própria filosofia grega (Sócrates e platão)11.
Então, diante da condenação de qualquer conhecimento precisamos entender
o que a Igreja está falando a esse respeito e quais as problemáticas ali
envolvidas, mas antes de entrar nas problemáticas e condenações em si,
vamos entender o que era essa astrologia que existia no período medieval e
que aqui estou chamando de astrologia tradicional.
PARTE 3 - A base da astrologia tradicional: Macrocosmos x Microcosmos
Eu fico absurdamente impressionado como n as discussões a respeito da
licitude da astrologia essa teoria que é absurdamente cara e fundamental a
Igreja medieval é deixada de lado, em segundo plano, como se não existisse e
nem tivesse algum grau de relevância para a compreensão de mundo do
homem moderno.
A palavra cosmos é uma palavra grega que significa ordem. O cosmos é a
ordem do mundo criado por Deus, no medievo cristão foi capaz de se
considerar uma diferenciação básica entre os dois elementos do mundo cristão:
Um macrocosmos e um microcosmos. O macrocosmos estava ligado
diretamente as estrelas, o mundo celeste, supralunar e o mundo terrestre
sublunar, no artigo <<Olhando para as estrelas, a fronteira imaginária final>> o
professor medievalista Ricardo da Costa faz uma abordagem a respeito do
tema:
“A cosmologia medieval distinguia duas regiões em todo o universo com
características bastante distintas. A primeira era a esfera sublunar, que
continha todas as substâncias sujeitas à corrupção devido à contrariedade
natural existente entre os quatro elementos constitutivos dos corpos (fogo, ar,
terra e água) e suas qualidades (quente, seco, frio e úmido).
A segunda, a esfera supralunar (ou celeste), era povoada pelos astros, pelos
santos que estão na Glória Eterna, os anjos e Deus. Acreditava-se que o
mundo supralunar emitia fluidos, influxos invisíveis que influenciavam as
coisas do mundo sublunar, idéia de base neoplatônica que influenciou
decisivamente a astrologia. Eram os segredos naturais. A origem dessa
concepção encontra-se em Dionísio, o Areopagita (séc. V): ‘Todo bom dom e
toda dádiva descende do Pai das luzes. Mais: a Luz procede do Pai, se difunde
11Isso é facilmente observável na leitura dos primeiros livros da Patrística, em especial: Pápias, Hermas,
Cartas de Barnabé; etc.
copiosamente sobre nós e com seu poder unificador nos atrai e leva ao alto’
(DIONISO AREOPAGITA. La jerarquia celeste, I,1)12.”
Para ilustrar ao leitor:
Figura 7 – Divisão do Universo, Segundo Hugo de São Vítor; retirado de: Olhando para as estrelas: A fronteira
imaginária final, astronomia e astrologia na idade média e a visão medieval do Cosmos
12 Olhando para as estrelas: A fronteira imaginária final, astronomia e astrologia na idade média e a
visão medieval do Cosmos; p.8
Figura 8 – Santo Tomás de Aquino, na suma contra o gentio, sobre a relação entre a vida animal e o cosmos
O fogo é um dos quatro elementos, leve e com mais inclinação a subir do que
os outros. Ele tem o poder de queimar e de iluminar, e foi feito pelo Criador no
primeiro dia. Pois a divina Escritura diz, “E Deus disse: ‘Faça-se a luz’, e houve
luz”. O fogo não é uma coisa diferente da luz, como crêem alguns. Outros
ainda dizem que este fogo do universo está acima do ar e o chamam de éter.
No começo, então, isto é, no primeiro dia, Deus criou a luz, a glória e o
ornamento de toda a criação visível. Pois sem ela todas as coisas ficariam nas
trevas indistintas, incapacitadas de mostrar sua beleza própria. E Deus chamou
à luz dia, mas às trevas chamou noite. O ar, de fato, não tem luz em sua
essência. Foi portanto esta ausência mesma de luz do ar que Deus chamou
trevas: e não é a essência do ar que é tenebrosa, mas a ausência de luz que é
claramente um acidente e não uma essência. E de fato não foi a noite, mas o
dia, que foi nomeado primeiro, de modo que o dia vem antes e depois dele vem
13AQUINO, Tomás de; Respostas a Pedro Lombardo; d25, q.1, a.2, o.5
14OBS: Toda vez que eu citar um artigo inteiro dentro do texto irei separá-lo por essas linhas abaixo do
texto comum.
a noite. A noite, portanto, segue o dia. E do começo do dia até o dia seguinte
há um período completo de noite e dia. Pois a Escritura diz, “e a noite e a
manhã foram um dia”.
Quando, portanto, nos três primeiros dias a luz foi emanada e reduzida pela
ordem divina, tanto o dia e a noite aconteceram. Mas no quarto dia Deus criou
o grande luminar, isto é, o Sol, para que tivesse autoridade sobre o dia, pois é
por ele que o dia existe: é dia quando o Sol está sobre a Terra, e a duração de
um dia é o percurso do Sol sobre a Terra do seu nascer até o crepúsculo. E Ele
também criou as luminárias menores, isto é, a Lua e as estrelas, para que
tivessem autoridade sobre a noite, e para dar luz à noite. Pois é noite quando o
Sol está sob a terra, e a duração da noite é o percurso do Sol sob a terra, do
crepúsculo ao nascer. Assim, a Lua e as estrelas foram feitas para iluminar a
noite: não que elas estejam sob a Terra durante o dia, pois mesmo durante o
dia as estrelas estão no céu sobre a Terra, mas o Sol as esconde, e também a
Lua, por causa do seu maior brilho.
Nestas luminárias o Criador pôs a luz criada primordialmente: não porque Ele
precisasse de outra luz, mas para que aquela luz não ficasse ociosa. Pois um
luminar não é meramente luz, mas um veículo para a luz.
Existem, dizem-nos, sete planetas entre estas luminárias, e estes se movem
em uma direção oposta à do céu: daí o nome planetas 15. Pois, enquanto dizem
que o céu se move do leste para o oeste, os planetas se movem do oeste para
o leste; mas o céu carrega os sete planetas consigo, por causa de sua maior
velocidade. Eis aqui o nome dos sete planetas: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol,
Marte, Júpiter, e Saturno; e em cada zona do céu está um destes sete
planetas:
Na segunda Júpiter
Na terceira Marte
Na quarta Sol
Na quinta Vênus
Na sexta Mercúrio
Na sétima Lua
15A palavra “planeta” significa “errante”; os planetas eram conhecidos como estrelas errantes,
enquanto que aquilo que hoje chamamos de estrelas se chamava de “estrelas fixas”.
O curso que o Criador determinou que eles percorressem nunca termina e
permanece fixo, como Ele estabeleceu. Pois o divino David diz, “Tu
estabeleceste a Lua e as estrelas”, pelo emprego do termo “estabeleceste” ele
indicou a fixidez e imutabilidade da ordem e seqüência que Deus lhes deu. Pois
Ele os designou para estações, e signos, e dias e anos. É pela ação do Sol que
as quatro estações acontecem. E a primeira delas é a Primavera: pois nela
Deus criou todas as coisas, e até hoje sua presença é evidenciada pelas flores
se abrindo, e este é o período equinocial, uma vez que o dia e a noite têm cada
um doze horas. Ela é causada pelo fato de o Sol nascer no meio, e é suave e
aumenta o sangue, e é quente e úmida, e está no ponto médio entre o inverno
e o verão, sendo mais quente e seca que o inverno, mas mais fria e úmida que
o verão. Esta estação vai de 21 de maço a 24 de junho 16.
Depois, quando o ponto do nascer do Sol se move para o norte, vem a estação
do verão, que está entre a primavera e o outono, combinando o calor da
primavera com a secura do outono: pois ela é quente e seca, e aumenta a bile
amarela. Nela acontece o dia mais longo do ano, que tem quinze horas 17, e a
noite mais curta de todas, com apenas nove horas. Esta estação vai de 24 de
junho a 25 de setembro. Então, quando o Sol retorna ao ponto médio, o outono
assume o lugar do verão. Ele tem uma quantidade mediana de frio e calor,
secura e umidade, e fica entre o verão e o inverno, combinando a secura do
verão com o frio do inverno. Pois ela é fria e seca, e aumenta a bile negra. Esta
estação é equinocial, tanto o dia quanto a noite consistindo de 12 horas, e ela
dura de 25 de setembro até 25 de dezembro. E quando o nascer do Sol chega
a seu ponto mais baixo, isto é, o sul, temos o inverno, com sua frieza e
umidade. Ele fica entre o outono e a primavera, combinando o frio do outono
com a umidade da primavera. Nele acontece o dia mais curto, que tem apenas
nove horas, e a noite mais longa, que tem quinze; e dura de 25 de dezembro
até 21 de março. O Criador fez este sábio esquema para que não
passássemos dos extremos do frio, ou do calor, ou da secura, ou da umidade,
ao extremo oposto, e assim tivéssemos doenças terríveis. Pois a razão por si já
nos mostra o perigo das mudanças súbitas.
Assim, portanto, é o Sol que faz as estações, e através delas o ano; ele faz
igualmente os dias e as noites, os dias quando nasce e está sobre a terra, e as
noites quando se põe sob ela: e ele dá às demais luminárias, tanto a lua quanto
às estrelas, sua luminosidade.
Diz-se ainda que há nos céus 12 signos feitos pelas estrelas 18, e que estes se
movem em direção oposta ao Sol e à Lua e aos outros cinco planetas, e que os
sete planetas passam por estes doze signos. Além disso, o Sol passa um mês
completo em cada signo e atravessa os doze signos no mesmo número de
16 Aproximadamente
17 O número de horas depende do lugar em que se está
18 O que é falso: uma coisa são os signos, outra as constelações, que pelo menos há 2000 anos estavam
19Na verdade, estas datas são aproximadas. Hoje é mais comum aproximar todas as datas para o dia 21
de cada mês, o que é menos impreciso, mas pode não garantir nada.
E, portanto, nós dizemos que as estrelas não são as causas das coisas que
ocorrem, nem a origem daquelas que acontecem, nem da destruição daquelas
coisas que perecem. Elas são antes sinais de chuvas e de mudanças de ar.
Mas, talvez, alguém possa dizer que mesmo que elas não sejam as causas das
guerras, ainda assim são sinais delas. E, na verdade, a qualidade do ar que é
produzido pelo Sol, e a Lua, e as estrelas, produz de maneiras diversas
diferentes temperamentos, e hábitos, e disposições. Mas os hábitos estão entre
as coisas que temos em nossas próprias mãos, pois é a razão que os regra, e
dirige, e modifica.
Também acontece, com freqüência, o surgimento de cometas. Estes são sinais
da morte de reis, e eles não estão entre as estrelas que foram feitas no
começo, mas são formados naquele momento pela divina ordem e depois
extintos. E nem mesmo aquela estrela que os Magos viram no nascimento do
Amigo e Salvador do homem, nosso Senhor, que se tornou carne para a nossa
salvação, está entre aquelas que foram feitas no começo. E este é
evidentemente o caso porque às vezes seu curso ia do leste para o oeste, e às
vezes do norte para o sul; em um momento estava escondida, e no outro
estava visível, o que é desarmonioso em relação à ordem e natureza das
estrelas.
Deve ser entendido, então, que a Lua deriva a sua luz do Sol; não que Deus
não fosse capaz de lhe dar luz própria, mas para que a ordem e o ritmo fossem
impressos na natureza, uma parte regendo, e a outra sendo regida, e para que
fôssemos ensinados a viver em comunidade e dividir nossas posses uns com
os outros, e estar submetidos, primeiro ao nosso Criador, nosso Deus e
Senhor, e depois também aos governantes que têm sobre nós a autoridade
que Ele concedeu, e não questionar porque este homem é o governante e não
eu, mas receber bem tudo o que vem de Deus com espírito razoável e cheio de
graça.
O Sol e a Lua, além disso, sofrem eclipse, e isto demonstra a loucura daqueles
que adoram a criatura no lugar do Criador, e nos ensina quão mutáveis e
alteráveis todas as coisas são. Pois todas as coisas são mutáveis exceto Deus,
e tudo o que é mutável é passível de corrupção segundo as leis da sua própria
natureza.
Agora, a causa do eclipse do Sol é que o corpo da Lua se interpõe como uma
divisória e faz uma sombra, impedindo a luz de ser derramada em nós; e na
medida em que o eclipse seja proporcional ao tamanho do corpo da lua, assim
o Sol é escondido. Mas não se espantem de o corpo da Lua ser menor. Pois
muitos declaram que o Sol é muitas vezes maior do que a Terra, e os Santos
Padres dizem que ele é igual à Terra: às vezes uma pequena nuvem, ou
mesmo uma pequena colina, ou um muro, praticamente o escondem.
O eclipse da lua, por outro lado, é devido à sombra que a Terra faz nela
quando a Lua está cheia, e o Sol e a Lua estão nos pontos opostos do círculo
máximo20, o Sol estando sob a Terra e a Lua acima. A Terra faz uma sombra e
a Luz do Sol é impedida de iluminar a Lua, e ela é então eclipsada.
É preciso entender que a Lua foi criada cheia pelo Criador, isto é, uma lua de
quinze dias, pois era apropriado que ela fosse feita completa. Mas no quarto
dia, como foi dito, o Sol foi criado. Portanto a Lua estava onze dias à frente do
Sol, pois do quarto ao décimo-quinto dia, há onze dias. Por isto acontece que
em cada ano os doze meses do sol contenham trezentos e sessenta e cinco
dias e um quarto, e como o quarto vira um inteiro, em quatro anos um dia extra
é completado, o qual é chamado bissexto. E tal ano tem trezentos e sessenta e
seis dias. Os anos da Lua, por outro lado, têm trezentos e cinqüenta e quatro
dias. A Lua míngua desde a sua origem, ou renovação, até a idade e de
quatorze dias e três quartos, e continua a minguar até o vigésimo-nono dia e
meio, quando está completamente sem luz. E então, quando se conecta
novamente com o Sol, ela é reproduzida e renovada, um memorial da nossa
ressurreição. Assim em cada ano a Lua dá onze dias ao Sol, e assim em três
anos vem o mês interpolado dos Hebreus, e aquele ano consiste de treze
meses, por causa da adição destes onze dias.
É evidente que tanto o Sol quanto a Lua e as estrelas são compostos e
passíveis de corrupção de acordo com as leis de suas várias naturezas. Mas
somos ignorantes destas. Alguns dizem que o fogo, quando privado da matéria,
é invisível, e que quando é apagado, que desaparece completamente. Outros
ainda dizem que quando é apagado transforma-se em ar.
O círculo do zodíaco tem um movimento oblíquo, e é dividido em doze seções
chamadas signos: cada signo tem três divisões de dez pedaços, isto é, trinta
divisões, e cada divisão tem sessenta subdivisões de minutos. O céu tem,
portanto, trezentos e sessenta graus: o hemisfério sobre a terra e aquele
abaixo dela têm cada um cento e oitenta graus.
Os domicílios dos planetas
Áries e Escorpião são o domicílio de Marte; Touro e Libra, de Vênus; Gêmeos
e Virgem, de Mercúrio; Câncer, da Lua; Leão, do Sol; Sagitário e Peixes, de
Júpiter; Capricórnio e Aquário, Saturno.
Suas exaltações
Áries é a exaltação do Sol; Touro, da Lua; Câncer, de Júpiter; Virgem, de
Mercúrio; Libra, de Saturno; Capricórnio, de Marte; Peixes, de Vênus.
As fases da Lua
Ela está em conjunção com o Sol sempre que está no mesmo grau que ele; ela
nasce quando está com a forma crescente 21, e isto ocorre duas vezes, nas
ocasiões em que está a 60 graus de distância do Sol; ela fica curvada duas
20Eclíptica
21Aqui São João se refere ao surgimento do disco lunar no céu, e não ao nascimento da Lua no
horizonte.
vezes, quando está a 120 de distância do Sol; duas vezes está cheia, repleta
de luz, quando está a 150 graus de distância do Sol; e é uma Lua completa
quando está a 180 graus de distância do Sol. Dizemos duas vezes porque
estas fases ocorrem tanto quando a Lua cresce como quando mingua. A Lua
demora dois dias e meio para atravessar cada signo 22.
Neste longo trecho que podemos desfrutar mais acima podemos ver várias
vezes São João Damasceno explicando o óbvio para esse artigo e qualquer
leitor honesto dele:
“Se todas as nossas ações dependem do curso das estrelas, tudo o que
fazemos é fruto da necessidade: e a necessidade exclui a virtude e o
vício. Mas, se não possuímos nem virtude nem vício, não merecemos
louvores nem punições, e Deus, por sua vez, seria injusto, pois ele dá a
uns coisas boas e a outros aflições. Ele não mais guiaria nem ajudaria suas
próprias criaturas, se as coisas fossem carregadas e levadas pela força da
necessidade. E a faculdade da razão nos seria supérflua: se não somos
mestres de nossas ações, a deliberação é bastante supérflua. A razão, em
verdade, nos é dada apenas para que tomemos conselho, e daí que toda razão
supõe o livre arbítrio.
E, portanto, nós dizemos que as estrelas não são as causas das coisas que
ocorrem, nem a origem daquelas que acontecem, nem da destruição
daquelas coisas que perecem. Elas são antes sinais de chuvas e de
mudanças de ar. Mas, talvez, alguém possa dizer que mesmo que elas não
sejam as causas das guerras, ainda assim são sinais delas. E, na verdade, a
qualidade do ar que é produzido pelo Sol, e a Lua, e as estrelas, produz de
maneiras diversas diferentes temperamentos, e hábitos, e disposições. Mas os
hábitos estão entre as coisas que temos em nossas próprias mãos, pois é a
razão que os regra, e dirige, e modifica.”
Ou seja, em certa medida temos aqui o entendimento de que o maior problema
da Igreja com a Astrologia era o fato da auto justificação dos erros em
detrimento da capacidade de arbítrio, entendendo o arbítrio não como liberdade
irrestrita, mas como capacidade para escolher Deus, o Bem, a Verdade, a
Beleza, a capacidade de elevar o espírito humano àquilo que existe de melhor.
Além disso, ele corrobora afirmando que esses astros não são causa direta,
mas são antes de tudo sinais. Sinais dos problemas ruins da humanidade e
sinais bons, se juntarmos isso com o que vimos em Santo Tomás de Aquino
perceberemos o seguinte: Os astros podem descrever os elementos
tipicamente naturais de uma pessoa humana, não com total exatidão pois há
elementos que não dependem da sua própria estrutura pessoal, mas são
advindos de outros lugares: família, criação, circunstâncias, até mesmo o país
e o lugar que nascemos podem n os ajudar a construir elementos da nossa
personalidade.
23 Não vou me delongar nessa história, mas quem quiser conhecer mais profundamente esse lado
astrológico de Santo Alberto Magno leia o seguinte artigo: HENDRIX, Scott E. Albertus Magnus and
Rational Astrology. Religions, v. 11, n. 10, p. 481, 2020; Basta f azer uma breve busca no
google acadêmico.
A palavra signo é designada a SÍMBOLOS, o símbolo representa algo de forma
sintetizada dando-lhe uma camada de significados diversos. Nesse sentido, as
estações são simbolizada em doze signos, por que? Simples, cada estação
possui uma leve variação de começo – meio – fim, se possuímos quatro
estações que são definidas de acordo com a posição do Sol, temos 4 x 3 = 12.
Logo, os signos do zodíaco não são as constelações que a astrologia moderna
tende a levar em conta, mas sim a passagem do Sol em diversos espaços no
céu que determinam algo fundamental da vida na terra.
Os planetas como vimos com São João Damasceno são simplesmente
estrelas/corpos errantes, isso porque na observação natural do céu as estrelas
fixas (das constelações) se mantém constantes num mesmo lugar (ou variam
com muita duração de tempo, mais de 500 anos), enquanto que os planetas
podemos ver suas variações constantes.
As casas são as posições geográficas do Céu conforme as horas. Ou seja, o
Sol no topo do céu estará na casa 10, ao se pôr na casa 7 e ao nascer na casa
1. É apenas um referencial concreto e simbólico dessas posições as quais os
planetas tendem a se conformar.
E qual a diferença disso para a astrologia moderna? Em primeiro lugar, a
aplicação. Os modernos são comuns a utilizar conceitos inventados e próprios
para definir elementos e questões espirituais; enquanto na visão tradicional se
é entendida que o mapa só é capaz de refletir os elementos naturais da vida
humana. Sendo assim, todo astrólogo só é capaz de observar esses
elementos, aquilo que depende da intelecção e da volição humana não é
possível observar.
O outro ponto fundamental é o uso de critérios e técnicas. Eu entendo a
astrologia como uma arte, mas não seria de todo ruim vê-la como uma ciência,
pois para conseguir analisar um mapa é preciso estar observando diversos
elementos técnicos entre eles, a função do astrólogo é utilizar a imaginação
para conseguir captar como a disposição dos astros reflete a posição própria
da realidade da vida do seu cliente.
O terceiro ponto fundamental é que os bons astrólogos tradicionais sabem e
conhecem a importância da religião e do cuidado da alma. Como a astrologia
lida com uma relação sutil entre o homem e a terra realmente pode existir a
possibilidade do sujeito focado nisso acabar se induzindo a erros seja a
respeito da natureza humana ou da sua capacidade de escolha, manter-se
firme e vivo numa religião tradicional é fundamental para o bom astrólogo
tradicional.
Sendo assim, com essa explicação e diferenciação básica vou colocar aqui
agora alguns elementos relativos a condenação e a análise que a Igreja fez ao
longo dos séculos sobre a astrologia.
PARTE 6 - A visão da Igreja diante disso tudo.
1 – Os concílios da Igreja
Para começar esses pontos venho trazer aqui um artigo do meu professor
Marcos Monteiro em que ele comenta os cânones de alguns concílios da Igreja
Católica condenando a astrologia e explicando o que cada um deles quer dizer.
Entretanto, qual foi o impacto dessa bula diante da Igreja? Pois agora existia
um terrível dilema, tinha a proposição da regra IX do index, promulgada pelo
concílio de trento, e a bula do papa Sisto V.
A Reforma Protestante estava indo a todo vapor e o papado era o centro das
atenções, logo após a morte de Sisto V sobe ao trono Papal Clemente, que
teve de lidar com a situação ainda não trabalhada. Clemente não apenas teve
que lidar com a revogação de uma bula papal, mas ao mesmo tempo teve que
lembrar de alguma forma da Bíblia de Sisto recolhida por seus erros para evitar
o embaraço papal. As apostas eram altas. Belarmino, um jesuíta com um voto
24 Ao menos essa é a tese central do artigo < PASTORE, Gianriccardo Grassia. Astrologia e Inquisição em
Portugal nos séculos XVI e XVII. 2014. Tese de Doutorado.>; publicado na universidade de Lisboa.
25 147Ugo BALDINI. Op. Cit. pp. 91-92
especial de defender o papado, escreveu ao Papa Clemente “Sua santidade
sabe … Sisto colocou a si mesmo e a toda a Igreja em perigo ao desejar
corrigir a Bíblia de acordo com seu próprio conhecimento e não tenho certeza
se a Igreja o fez correr um risco maior.” Ele acreditava na supremacia papal e
na honra do cargo, embora não gostasse de Sisto. Dizem que “o ponto mais
alto na mente de Belarmino era o seguinte: os papas nunca devem ser vistos
condenando os decretos solenes de seus predecessores. Isso refletiria mal na
autoridade papal. “Como agir sem prejudicar o ofício do papado aparentemente
era o problema? Coeli et terrae foi visto como um decreto solene? Ou foi
apenas mais uma bula papal em uma longa série de decretos legislativos?
Foi somente trinta e oito anos após a morte de Sisto que um de seus
sucessores, o Papa Urbano VIII, sentiu a necessidade de legislar novamente
sobre as restrições à astrologia judicial. Urbano era um herdeiro improvável da
causa de Sisto, já que era um estudante ardoroso de astrologia e seu
adversário improvável. Durante o interregno do Papa Sisto e do Papa Urbano,
foi dito que “não há um cardeal, nem um prelado, nem um príncipe que não
possua uma análise astrológica de seu horóscopo de nascimento com
previsões de boa sorte”. Consta que o próprio Urbano tinha mapas natais de
todos os seus cardeais para determinar sua longevidade. Ainda assim,
ocorreria um evento que o levaria a reafirmar as disposições de Coeli et terrae.
Outras evidências de que a bula foi interpretada de acordo com Trento são
fornecidas pelo historiador Lynn Thorndike em sua obra magistral, History of
Magic and Experimental Science. Ele observa que tanto John Baptiste Morin
quanto Antonious Petrus de Magistris Galathei afirmam que a bula foi
interpretada como concordando com o Concílio de Trento e a doutrina de
Aquino. Petrus afirma que “a maioria dos teólogos considera a bula (Coeli et
terrae) como não obrigatória no fórum de consciência”. Outras evidênci as
podem ser obtidas nas guias e estudos de caso da Inquisição.
Nesse sentido, podemos refletir agora a respeito de algumas questões
inquisitoriais. Durante uma inquisição na Nova Espanha, em 1641, cinquenta e
cinco anos depois de Coeli et terrae e dez anos depois de Inscrutabilis, dois
jesuítas foram chamados pela Inquisição Espanhola na Cidade do México para
julgar se um Frade Nicholas de Alarcon era culpado de praticar astrologia
judicial por levantar mapas natais para o presidente da Guatemala. Para
auxiliá-los, os Jesuítas chamaram um professor de Matemática e Astrologia da
Universidade Real e Pontifícia do México, Frei Diego Rodriguez. Ele considerou
as evidências à luz de Coeli et terrae e de Inscrutabilis e testemunhou que a
astrologia usada era legal, pois as estrelas eram representadas apenas como
inclinações morais e físicas, e não como necessidades. Frei Nicholas foi
absolvido.”26 O fato de uma cadeira de astrologia existir em uma universidade
pontifícia é instrutivo. Mais importante ainda, que os mapas natais,
completamente proibidos por Coeli et terrae, foram considerados legais sob a
doutrina das influências inclinadas é uma forte evidência de que a Igreja
retornou à doutrina tradicional das influências inclinadas estabelecida por
Trento na Regra IX e a doutrina de Aquino.
26 ANA AVALOS, AS ABOVE, SO BELOW. ASTROLOGY AND THE INQUISTION IN SEVENTEENTH CENTURY
NEW SPAIN, THESIS PRESENTATION, EUROPEAN UNIVERSITY INSTITUTE, DEPARTMENT OF HISTORY AND
CIVILIZATION, 2007
27 TAYRA M,C, LANUZA-NAVARRO AND ANA CECILIA AVALOS-FLORES, ASTROLOGICAL PROPHECIES
AND THE INQUISITION IN THE IBERIAN WORLD, P. 686 – 687. A PAPER PRESENTED AT THE PROCEEDINGS
OF THE 2 ND ICESHS IN 2006.
frequentemente cruzada não só por astrólogos, mas também por teólogos. De
São Tomás em diante, não foi difícil para ambos encontrar maneiras de
conciliar o dogma do livre arbítrio e a influência das estrelas.” O problema
predominante, concluiu o estudo, era uma das ‘jurisdições epistemológicas‘. Ao
contrário de hoje, o século XVII não teve a abundância de previsões e
previsões provenientes de ciências sociais como história, economia, ciência
política, psicologia e outros, prevendo eventos futuros por meio de estudos de
tendências baseados em informações anedóticas. A astrologia estava o mais
perto que poderia chegar, desafiando a posição da Igreja na previsão de
eventos futuros.
Segundo Baldini, muitos documentos dão conta dos inúmeros pedidos f eitos por
prelados e inquisidores das perif erias para que as regras f ossem mais claras e, em
particular, aquelas que ref eriam-se sobre a “inclinação”. Dentro das Congregações e
pressões externas induziam alguns consultores a tentarem harmonizar os critérios que
seriam utilizados pelos censores quando se deparassem com obras de astrologia.
Esse tópico f oi bastante discutido dentre os cardeais das Congregações e submetido
para consideração do papa, especialmente durante os anos entre 1590 e 1596. É importante
notar que as requisições f eitas para um melhor clareamento das regras ref eriam-se a um
abrandamento do rigor da bula Coeli et terrae e enf atizavam a dif iculdade de sua aplicação.
Diante das dúvidas geradas, das dif iculdades de def inições e limitações entre os dois principais
tipos de astrologia, como agiria o censor? Qual deveria ser seu procedimento ao deparar-se
com livros que tratassem de astrologia? Que tipo de previsão seria claramente judiciária e qual
seria natural?
Concordamos com o f ato que, em muitos casos, essa distinção, como já dissertamos
anteriormente, era mais f ácil, contudo, isso não se verif ica na totalidade das vezes, por
isso o trabalho do censor nem sempre f oi f ácil, podendo, por vezes, não censurar
obras que deveria e o contrário também. É de notar que com a existência de bulas
regulamentadoras e das XII Regras da Inquisição, a normatização ganha contornos
mais explícitos, com toda a dif iculdade encontrada, dif erente do que acontecia
anteriormente, sem regras mais bem def inidas, contudo, como veremos, a
interpretação das Regras ou da bula f icaria, por f im, sempre nas mãos do censor.
28PASTORE, Gianriccardo Grassia. Astrologia e Inquisição em Portugal nos séculos XVI e XVII. 2014.
Tese de Doutorado; p. 109 e seguintes.
Não querendo me alongar na citação do autor o artigo conclui na direção de que
houve um gradual esquecimento até a substituição da bula para retornar à
interpretação antiga da Astrologia e a fé.
Embora até a data deste escrito o texto inglês do novo Catecismo da Igreja não tenha aparecido
ainda, há traduções disponíveis em outras línguas e essas causaram preocupação entre muitos
que estão envolvidos no estudo e na renovação da astrologia. Foi por essa razão que eu fui
convidado a falar na Associação Astrológica em Dublin em maio de 1993, e o que segue é um
resumo do que eu disse àquele grupo naquele tempo.
Deixe-me começar pela confusão e apresentar a conclusão. Após isso explicarei como se chega
a esse julgamento particular. Em resumo, penso que cada astrólogo cristão deveria aceitar o
texto do Catecismo como uma ajuda salutar tanto para a Fé como para a Razão. Não tem nada
a dizer acerca do tipo de trabalho que vocês e eu fazemos.
Pecados contra a Fé
Primeiro, deixe-me então apresentar o texto em minha tradução mais acessível da versão
espanhola. O parágrafo em vigor é #2116 e aparece sob o título geral de sinais contra a Fé,
especialmente aqueles de adivinhação e mágica, e apresenta-se assim:
29
Este artigo foi primeiro publicado em Réalta, a revista da Associação Astrológica
Irlandesa, Vol. 1 nº 1, fevereiro de 1994.
30 Padre Lawrence Cassidy é um membro da Sociedade Jesuíta, e um longo amigo perma -
Verdades Básicas
1. Palavras de qualquer língua têm um papel dual. Em primeiro lugar elas são sim plesmente
letras; isso quer dizer que elas são símbolos escritos que instruem o leitor a como pronunciar o
som verbalmente. Como tal elas não têm nenhum significado. É como se não se tivesse noção
do sentido de irlandês, mas tivesse simplesmente aprendido como pronunciar as palavras a
partir dos símbolos escritos. O segundo papel da língua é onde o filosoficamente interessante
aparece: isto é, onde elas se tornam sinais cheios de sentido, apontando para as idéias que elas
significam. Agora, idéias não são entidades visíveis, elas podem apenas ser entendidas pela
operação espiritual da inteligência operando livre da paixão animal ou outras distrações dos
sentidos. Isso é o que São Paulo fala da “nova aliança, não da letra, mas do Espírito, pois a letra
mata, mas o espírito vivifica” (2 Coríntios 3,6).
2. É claramente possível para os homens empregar o mesmo conjunto de letras para uma
variedade de sentidos diferentes, mesmo contraditórios, e isso torna o trabalho da interpretação
muito complicado às vezes. Não apenas é este um caso como dos exemplos -padrão dos
homônimos, como banco (assento ou estabelecimento econômico) e vôo (nome ou verbo)32,
mas é uma dificuldade comum em nosso discurso ordinário. Considerar os sentidos variantes
de tais palavras como democracia, ciência, justiça, e assim por diante. Popular hoje nos círculos
filosóficos é aquele ramo conhecido como hermenêutica cuja tarefa é interpretar exatamente o
que um autor quer dizer pelas palavras que ele usa em sua composição, e, como você pode
suspeitar, mesmo aquela palavra que tem diversas interpretações.
3. É um erro humano comum embora lamentável correr para onde os anjos temem pisar, e
tomar um sentido de uma palavra como sendo a única maneira pela qual os homens poderiam
legitimamente empregá-la. Isso constitui a falácia do literalismo contra a qual São Paulo nos
adverte. Assume-se então que alguma forma de uso do senso comum é o único possível, e não se
tem paciência com o mais inteligente que quer fazer distinções. Você pode encontrar um
exemplo dessa confusão no Capítulo 6 do evangelho de São João onde Nosso Senhor declara
que devemos comer Seu corpo e tomar Seu sangue.
5. Santo Inácio aconselha aos leitores no começo de seus Exercícios Espirituais que devemos
sempre tentar, tanto quanto possível, interpretar as palavras de um outro na clara luz da
caridade cristã, e isso é, obviamente, verdade particularmente no assunto de documen tos
eclesiásticos. Estes inevitavelmente têm um texto e um contexto, e é geralmente impossível
reconciliar diferenças aparentes entre eles pela hermenêutica cuidadosa que os teólogos
chamam de a analogia da fé.
Interpretação
Deveria ser mais fácil agora para nós interpretar adequadamente as afirmações do Catecismo
acerca da astrologia contra esse pano de fundo longo, e bastante técnico. O sentido de tais
palavras como adivinhação, astrologia, horóscopo, e assim por diante existem aqui dentro de um
contexto do documento, que em si só articula uma tradição teológica ordinária. Claramente,
qualquer forma de astrologia que envolva comércio ilícito com demônios, que inclua um desejo
pecaminoso de poder, e que aumente o domínio da superstição humana, é algo que qualquer
cristão corretamente condena. Os grandes teólogos medievais que sancionaram a astrologia,
tais como Alberto Magno, Tomás de Aquino e Duns Scot, estavam bem inteirados dessa
questão, e eram muito cuidadosos em explicar que a astrologia que eles aceitavam era a disciplina
racional, totalmente livre da mácula de adivinhação. Deveria, portanto, ser evidente que, desde
que o Catecismo não ensina “nova doutrina”, não há questão aí para condenar a astrologia no
sentido em que ela comporta como um honrado lugar posto na Igreja por cerca de quinhentos
anos (veja a nota final).
Finalmente, é apenas justo notar que o Catecismo não está atacando inimigos imaginários. Há
formas de astrologia que envolvem superstições pré-racionais, há astrólogos que de fato tentam
comércio com “poderes ocultos”, e há outros para quem a astrologia provê um substituto
religioso para a revelação cristã. Mais ainda, a mente do público contemporâneo enxerga nossa
disciplina precisamente desta maneira. Então, o catecismo oferece àqueles de nós que querem
demonstrar uma astrologia racional, um logos33 dos astra34, uma excelente oportunidade de
educar o público mais amplo que nosso trabalho envolve uma ciência espiritual, uma busca pela
teofania cósmica e significativa da mesma maneira que nossos ances trais cristãos nas idades
passadas.
Nota Final
Releguei um breve sumário da história da astrologia cristã ao status de uma nota final para não
confundir os dados com a elaboração de princípio. O melhor, para meu conhecimento,
sumário disponível dessa questão é o trabalho em vários volumes do falecido Lynn Thordnike,
A History of Magic and Experimental Science [Uma História da Ciência Mágica e Experimental]
(Columbia University Press 1923). Este abrange numa visão geral substancial o alto olhar que
os papas, bispos, teólogos e o público cristão mais amplo tinham da astrologia
aproximadamente do século XI até a metade do XVII. Houve muito poucos cristãos nes se
período que duvidavam dos princípios gerais da astrologia, embora dúvidas se tornassem
comuns com a aceitação da “nova ciência” por volta do ano de 1650.
É instrutivo ler a questão 115 da Prima Pars da Summa Theologiæ de Tomás de Aquino, que
apresenta um sumário padrão das atitudes oficiais da Igreja para com a astrologia. No artigo 3
dessa questão, De Aquino responde afirmativamente à questão: “Se os corpos celestes são causas das
coisas que são feitas pelos corpos inferiores”. É claro, ele adiante insiste que as forças físicas não
podem diretamente compelir o intelecto humano e a vontade, dado que estes são
essencialmente faculdades espirituais. No entanto, ele adiciona a interessante observação em
resposta à objeção 3 no artigo 4: “Muitos homens seguem suas paixões que são do apetite sensitivo… e,
33 Estudo, conhecimento
34 Astros
portanto, os astrólogos podem, as mais das vezes, fazer predições reais especialmente em situações gerais (“in
communi)”. Cabe notar também que De Aquino em resposta à quarta objeção ao Artigo 3
explicitamente rejeita a adivinhação astrológica (“ad reppelendum scilicet divinationem quæ fit per
astra”). Há, para todos esses teólogos, uma clara distinção entre a astrologia como uma
disciplina racional, e sua maculada irmã a que o catecismo faz referência.
É também interessante notar que o pontífice atual, João Paulo II, em 20 de março de 1933
solenemente declarou João Duns Scot “Beato”. Agora, o processo que guia à sua declaração foi
longo, envolveu e incluiu a declaração de que seu ensinamento não continha nada contra a Fé
ou os Costumes. De fato, o Pe. Allan B. Wolter, O.F.M., nota em seu artigo Reflections on the Life
and Works os Scotus [Reflexões sobre a Vida e os Trabalhos de Scot] no American Catholic Philosophical
Quarterly [Trimestral Filosófico Católico Americano], inverno de 1993, que havia um volume de umas
trezentas e oitenta e seis páginas respondendo às objeções concernentes à doutrina de Scot.
Finalmente, um decreto saiu, em 4 de maio de 1972, “declarando que não havia mais impedimento na
base dessas objeções recentes aos escritos ou à doutrina de Scot” (art. cit., p.32).
Cabe observar ainda, porém, que as escrituras do catecismo contra a astrologia como
adivinhação com efeito não contêm nova doutrina, mas são lugares -comuns entre os teólogos
medievais que, ao mesmo tempo, aceitam completamente a astrologia como função da razão
natural.
Pe. Cassidy proporcionou uma longa citação do trabalho de Lynn Thorndike mencionado
acima (Vol. 11, pp 9-12). Sua função era ilustrar ainda mais que o tipo de raciocínio teológico
que Pe. Cassidy usou no artigo é a maneira comum de proceder na Igreja. A citação se refere ao
tratado de “Agostino Trionfo ou Augustinus Triumphus de Ancona ao Papa Clemente V
contra adivinhos e intérpretes de sonho”.
Similarmente a famosa arte de procurar ciência pela inspeção de certas figuras e formas de
palavras ou abstinência de comida não é consistente com a liberdade divina, desde que Deus
não dispensa seus presentes por causa de pactos ou barganhas. Ela não é uma das duas
maneiras comuns pelas quais os homens aprendem, nomeadamente ser ensinado s ou descobrir
por si mesmos pela observação da natureza. Ela nem mesmo é do demônio porque ele não
possui o poder de causar ciência e iluminação em nós. Portanto a verdadeira ciência não é
adquirida por essa arte.
Similarmente, um médico que pedisse flebotomia num momento que a lua estivesse
desfavorável a isso. Trionfo, de feito, está pronto para pôr sob o controle das estrelas todos os
eventos que não procedem de nosso livre arbítrio e admite que apenas alguns poucos homens
exercem sua liberdade para resistir às impressões dos corpos celestes. Ele também está pronto
para afirmar que os cantos dos pássaros e os movimentos dos animais talvez reflitam as
influências celestes suficientemente para constituir alguma base para augúrios, e mesmo o
cálculo de pontos na geomancia é também influenciado. Mas ele não acredita que esses
elementos da verdade nessas duas artes são o suficiente para justificar sua prática. Tais métodos
incertos de adivinhação que têm alguma aparência de verdade são justamente aqueles em que o
demônio está apto a interferir e a tentar enganar os homens”.
Conclusão
O artigo está muito longo, além do que imaginaria, entretanto, preciso concluí-
lo. Esse artigo não visa que ninguém comece a adotar do dia para a noite a
prática astrológica até porque como vivemos num mundo em que a visão
moderna dessa prática é a mais comum torna-se muito difícil encontrar uma
fonte segura e confiável para estudar. Também não pretendo com esse artigo
transformar ninguém em meu cliente imediato.
Também não viso que alguém ao ler esse artigo se converta num “crente” da
astrologia, até porque ela não é um tipo de fé, mas uma prática.
Esse artigo visa unicamente ensinar a leigos (na prática da astrologia) e aos
que desconhecem a situação religiosa dessa prática diante do catolicismo
poder adquirir algum tipo de capacidade de discernimento sobre o certo x
errado. Argumentos contra vão existir aos montes, mas ao menos tentei nesse
artigo colocar uma ordem mínima numa visão mais favorável a arte.
Fica aqui dito então que o maior problema da igreja com a astrologia se dá pela
capacidade que essa arte pode possuir de tornar obscura a responsabilidade
pelos nossos vícios além de poder limitar o uso do arbítrio humano, obviamente
que essa preocupação também ocorre com outros elementos de nossa vida
(principalmente muitas análises psicológicas que correm por aí).
A era em que a astrologia era mais comum na sociedade foi a era medieval,
vimos o exemplo de um santo que num livro sobre a fé dá uma aula de
simbolismo astrológico fazendo qualquer leitor entender como se dá a
interpretação dos símbolos, fases da lua, sol, eclipses, etc; mesmo não sendo
um astrólogo de atividade São João Damasceno nos mostra que conhecer
esse simbolismo basicamente pode ser essencial para manter uma fé ortodoxa.
Não pretendo mais me alongar, mas espero e peço em Deus que esse artigo
sirva para iluminar inteligências e que as inteligências sendo iluminadas
possam buscar conscientemente a verdade e o amor a Deus.
Por: Yuri Alan Soares dos Anjos, 08/09/2023, 21:27, Goiânia – GO/Brasil
35Expressão comum entre os santos padres para justificar o indivíduo que não conseguia entender as
parábolas do Evangelho.