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Igreja Católica e Astrologia Tradicional: Um

último esforço de um peregrino no deserto.


Introdução:
Escrevo esse artigo numa última tentativa de fazer o pouco de inteligência que
existe na Igreja Católica tentar compreender essa controvérsia ou então pelo
menos tomar conhecimento de que ela existe.
A pedido de um sacerdote amigo meu que se viu questionado por algum fiel de
sua capelania, estou realizando o propósito de elencar nesse documento
alguns questionamentos e conteúdos que possam ajudar ao leigo católico e até
ao sacerdote que desconhece o status da questão a compreender melhor essa
controvérsia e, se for possível, a importância de urgentemente conseguirmos
conciliar a Astrologia Tradicional e o catolicismo.
PARTE 1 - Por que essa questão existe?
O leigo comum que não entende sobre astrologia e tampouco saiba da
existência de uma divisão na prática desse tipo de arte não deve imaginar que
exista uma divergência dentro dela e na forma de se realizar.
Essa é a divergência do que chamo de Astrologia Tradicional (ligada a uma
tradição, com técnica, metodologia e entendimento) e a astrologia Moderna
(filha do renascimento, ressuscitada dos antigos manuais pagãos de astrologia
que mesclavam essa arte com a prática da religião romana). Nesse sentido, é
preciso entender que utilizar o termo <<Astrologia>> torna-se ambíguo pois ele
não define especificamente e com clareza ao leigo moderno o que isso está
querendo dizer, porém como a astrologia moderna que mescla interpretações
do caráter humano e de elementos próprios ao seu destino com a prática
religiosa pagã e até mesmo o satanismo moderno acaba-se tomando a parte
pelo todo. Logo, todo sujeito que ouve a palavra <<Astrologia>> acaba por
ouvi-la com o fígado, com o baço, ou o estômago, faz a carinha de nojinho
típica de seres iluminados e superiores como se tivesse superado tal tema ou
compreendido tudo a respeito dele ainda que não se tenha lido uma vírgula
sobre o assunto.
Cabe lembrar também que em boa parte dos documentos que iremos abordar
essa distinção não existe, pois é uma distinção tipicamente moderna, existirão
outros tipos de distinção que poderão ser entendidas nesses termos para a
nossa época, caso contrário, poderemos cair em anacronismo histórico ou
então em criar novos termos desnecessários para discutir a questão. Como
praticante dessa arte e estudioso a uns 2 anos irei mostrar como esses dois
termos são mais do que suficientes para levarmos ao debate 1.

1 Em Santo Afonso, por exemplo, podemos ver dois outros termos: astrologia natural e astrologia
judicial. Que aqui, entendendo a astrologia moderna (Sua visão e forma de aplicação) pode se distinguir
da astrologia moderna, ou seja, aquilo que Santo Afonso está descrevendo por astrologia natural e
judicial é nada mais, nada menos do que astrologia tradicional x moderna.
A questão inicialmente existe porque de uns tempos para cá com o advento da
internet, estudos e outras fontes de informação surgiu ao leigo católico a íntima
relação que a Igreja Católica teve com a astrologia tradicional.
Aqui já podemos sentir o primeiro impacto na cadeira do leitor. Sim, o
catolicismo teve (não em todas as suas eras) uma ligação bem próxima com a
Astrologia Tradicional, veja as fotos e citações a seguir:2

Figura 1 - (Pintura medieval)

Figura 2 - Os doze signos na catedral de Soissons

2 Uma nota explicativa: nesse artigo teremos inúmeras citações, até mesmo de outros artigos que nos
ajudam a explicar a questão. O objetivo principal desse artigo é dar uma linha de raciocínio para quem
não está habituado com a questão puder compreendê -la inicialmente.
Figura 3 – Signo de escorpião na catedral de Cologne3

Figura 4 – Os doze signos no mosteiro de São Bento, SP

Além das imagens que por si só já devem despertar uma curiosidade no leitor, temos
também algumas citações emblemáticas de religiosos que são de “confiança” na
nossa Igreja. Um exemplo dessas é o Papa Bento XVI que nos mostra que a escolha
da data da páscoa nos primeiros séculos versam inicialmente pela “entrada do Sol em
áries”:
"O Papa Leão Magno (440-461) criticou essa data, considerada muito tardia, reportando-se à
indicação bíblica segundo a qual a Páscoa devia cair nos primeiros meses. Com isso não se
pretendia o mês de abril, mas o tempo em que o sol percorre o primeiro segmento do
círculo zodiacal a constelação de Aries.

O signo zodiacal no céu parecia falar antecipadam ente e para todos os tempos do
‘cordeiro de Deus’ que tira os pecados do mundo (Jo 1,29), daquele que resume em si
todos os sacrifícios dos inocentes e lhes dá significado. A narração misteriosa do cordeiro que
estava preso no espinheiro e foi oferecido em lugar de Isaac como sacrifício escolhido pelo
próprio Deus, foi então entendida como pré-história de Jesus, os ramos em que estava
preso como imagem do signo zodiacal de áries, e este, por sua vez, como prefiguração
celeste do Cristo crucificado. 4"

Um outro ponto interessante também é que o Beato Raimundo Lúllio, reconhecido por
evangelizar os pagãos e muçulmanos ao criar um catecismo escreve isso:

3 Detalhe que nessa representação ele não coloca “Escorpião”, mas coloca “Outono”, veremos mais
adiante na explicação da Astrologia Tradicional que os signos são nada mais nada menos do que as
estações do ano, representadas (daí a palavra SIGNO está ligada a SÍMBOLO) nos doze signos zodiacais.
4 Bento XVI, Introdução ao Espírito da Liturgia.
XCV. Do Acontecimento e da Sorte

1. O acontecimento é o ordenamento natural das coisas vindas da Providência Divina. A sorte


é o que é desejado e vem por si sem o ordenamento do pensamento. E sorte é acontecer o
que não se teve intenção pela cogitação do pensamento.

2. Amável filho, Deus ordenou que os doze signos e os sete planetas tenham poder sobre
os corpos terrenos5. Assim, conforme com o que existe na natureza e o ponto sob o qual
nasce o homem, ele é astrologicamente fadado o quanto deve viver, qual ofício melhor lhe
convém e em qual terra lhe nascem os melhores negócios. 6

Esse é um trecho de um catecismo medieval comum usado para a conversão de


pagãos e muçulmanos, seria absurdamente contraditório que se ocorresse algum tipo
de “infiltração” de “heresias”, já que esses documentos em geral eram observados
pela inquisição ou pelos governadores locais da fé (bispos, etc).
E por falar em observação da inquisição temos alguns livros da época renascentista
(isso mesmo, na época que a astrologia pagã voltou a sociedade) em que inquisidores
leram e não viram nada demais na publicação dessas obras.
As figuras 5 e 6 são respectivamente de um livro pós medieval, já na era
renascentista, escrito por um frade que utilizava da astrologia para curar doentes.
Sendo a figura 5 o índice e o título e a figura 6 sendo as licenças inquisitoriais para a
publicação da obra.

Figura 5 – índice do livro citado

5 Depois comentaremos sobre a problemática desse anúncio, já que o que se observa hoje a respeito de
astrologia tradicional não é uma influência direta, mas uma ligação entre cosmos.
6
Beato Raimundo Lúlio, Catecismo Medieval para jovens
Figura 6 – Licenças inquisitoriais

Existe ainda um segundo livro chamado “Divertimento erudito para curiosos”, o


livro possui mais de 3000 páginas falando sobre tudo, escrito por vários autores
e possui mais de 50 licenças, só não o colarei aqui devido a impossibilidade de
realizar esse feito, mas fica a orientação para o leitor que quiser ver com os
próprios olhos o que estou dizendo.
Além disso, existiram vários autores da época medieval/Renascentista que
escreveram sobre astrologia, um deles é o Santo Alberto Magno, outro é o
Tomasso Campanella7. Essa discussão e esses elementos que estou utilizando
aqui são importantes do conhecimento do público católico porque em alguma
medida é possível que essas questões caiam nas mãos de inimigos da Igreja e
as utilizem como vacina contra o próprio catolicismo, um exemplo disso é que
os escritos de Tomasso Campanella caíram nas mãos da influencer e Youtuber
Débora G. Barbosa que utilizou disso para acusar a Igreja de bruxaria e
paganismo (típico de acusações protestantes), nesse sentido ela recebeu uma
excelente resposta do canal <<Controvérsia Católica 8>> que foi a fundo da
questão e fez um trabalho semelhante ao que eu estou fazendo: desmistificar
essa relação entre a Astrologia e a Igreja Católica.

7 Giovanni Domenico Campanella foi um filósofo renascentista italiano, poeta e teólogo dominicano.
Ainda jovem ingressou na Ordem dos Pregadores, dedicando-se aos estudos de filosofia.
8 Quem quiser ter acesso a discussão basta acessar o link <

https://www.youtube.com/watch?v=_y7fnsP1Lfg> ou pesquisar “Papa Agatão e astrologia: Resposta a


Débora G. Barbosa”.
PARTE 2 - Nem tudo são flores...
É óbvio que a astrologia sofreu condenações ao longo da história. Vamos falar
de cada uma por aqui, mas por agora vamos ver essas condenações:
- Tertuliano diz que a astrologia tende à idolatria, sendo uma invenção dos
demônios. (”Da Idolatria”, IX).
- São Gregório Nazianzeno († 390) – Diz que a astrologia é perigosa para
muitos e condena os horóscopos (Em Louvor do Irmão Cesário). St. Gregory
the Theologian (Oration XXXIX, v)9
- São Cirilo de Jerusalém, doutor da Igreja (†386): “Nós não vivemos segundo
os horóscopos e a conjunção dos astros, como os astrólogos delirantemente
acreditam”. “Não devemos dar crédito aos astrólogos, pois deles disse a
Sagrada Escritura” [confira: Isaías 47: 13] (Sobre a Penitência).
- São Gregório de Nissa, doutor da Igreja (†394) – Defende o livre-arbítrio
contra o fatalismo astrológico. Reduz ao absurdo a ideia de que a posição das
estrelas no nascimento determina o destino dos homens (Johannes Quasten;
Contra o Destino).
- São Gregório de Nissa, doutor da Igreja (†394) – Defende o livre-arbítrio
contra o fatalismo astrológico. Reduz ao absurdo a ideia de que a posição das
estrelas no nascimento determina o destino dos homens (Johannes Quasten;
Contra o Destino).
- Santo Agostinho, doutor da Igreja (†430): “Os astrólogos dizem: a causa
inevitável do pecado vem do céu; Saturno e Marte são os responsáveis. Assim
isentam o homem de toda falta e atribuem as culpas ao Criador, Àquele que
rege os céus e os astros” (“Confissões”, I, IV, c. 3). Ele afirma também que se
libertou dos grilhões da astrologia após sua conversão. E propõe argumentos
contra os horóscopos tirados das experiências de amigos e cita o caso dos
gêmeos Esaú e Jacó (Gn 25, 19-28) (“Confissões”, L. VII). Livre Arbítrio.
E muitas outras... É importante essas citações pois muitos leitores vão achar
que manipulei as citações em meu favor para que meu argumento ganhasse
força, eu não tenho o menor interesse em ganhar “pelo argumento”, mas
utilizando a minha consciência livre e a inteligência para buscar a Verdade
perceber a controvérsia e entender o que de fato ocorreu nessa relação entre a
Astrologia e a Igreja Católica.
A prova de que é necessário esse esforço é que Santo Agostinho mesmo
sendo opositor ferrenho da Astrologia ele ainda disse “Não é totamente
absurdo o afirmar que as irradiações siderais possam produzir pelo menos
mudanças nos corpos10”, ou seja, mesmo Santo Agostinho, grande opositor
aos astrólogos tende em alguma medida a considerar alguma validade na

9 “…the Chaldean astronomy and horoscopes, comparing our lives with the movements of the heavenly
bodies, which cannot even know what they are themselves, or what they shall be.”
10 Ver Cidade de Deus, Livro V
relação entre os astros e os seres humanos com um detalhe: a consideração
mais problemática de todas, imagine se ele conhecesse (não foi possível
devido ao entendimento filosófico e histórico da época dele) o que falaremos a
seguir.
Mas explicando muitas dessas condenações (E quaisquer condenações que
possam acontecer), várias ciências/artes receberam condenações: A arte,
arquitetura, matemática, música, os mitos gregos foram por um tempo
proibidos de serem lidos, a própria filosofia grega (Sócrates e platão)11.
Então, diante da condenação de qualquer conhecimento precisamos entender
o que a Igreja está falando a esse respeito e quais as problemáticas ali
envolvidas, mas antes de entrar nas problemáticas e condenações em si,
vamos entender o que era essa astrologia que existia no período medieval e
que aqui estou chamando de astrologia tradicional.
PARTE 3 - A base da astrologia tradicional: Macrocosmos x Microcosmos
Eu fico absurdamente impressionado como n as discussões a respeito da
licitude da astrologia essa teoria que é absurdamente cara e fundamental a
Igreja medieval é deixada de lado, em segundo plano, como se não existisse e
nem tivesse algum grau de relevância para a compreensão de mundo do
homem moderno.
A palavra cosmos é uma palavra grega que significa ordem. O cosmos é a
ordem do mundo criado por Deus, no medievo cristão foi capaz de se
considerar uma diferenciação básica entre os dois elementos do mundo cristão:
Um macrocosmos e um microcosmos. O macrocosmos estava ligado
diretamente as estrelas, o mundo celeste, supralunar e o mundo terrestre
sublunar, no artigo <<Olhando para as estrelas, a fronteira imaginária final>> o
professor medievalista Ricardo da Costa faz uma abordagem a respeito do
tema:
“A cosmologia medieval distinguia duas regiões em todo o universo com
características bastante distintas. A primeira era a esfera sublunar, que
continha todas as substâncias sujeitas à corrupção devido à contrariedade
natural existente entre os quatro elementos constitutivos dos corpos (fogo, ar,
terra e água) e suas qualidades (quente, seco, frio e úmido).
A segunda, a esfera supralunar (ou celeste), era povoada pelos astros, pelos
santos que estão na Glória Eterna, os anjos e Deus. Acreditava-se que o
mundo supralunar emitia fluidos, influxos invisíveis que influenciavam as
coisas do mundo sublunar, idéia de base neoplatônica que influenciou
decisivamente a astrologia. Eram os segredos naturais. A origem dessa
concepção encontra-se em Dionísio, o Areopagita (séc. V): ‘Todo bom dom e
toda dádiva descende do Pai das luzes. Mais: a Luz procede do Pai, se difunde

11Isso é facilmente observável na leitura dos primeiros livros da Patrística, em especial: Pápias, Hermas,
Cartas de Barnabé; etc.
copiosamente sobre nós e com seu poder unificador nos atrai e leva ao alto’
(DIONISO AREOPAGITA. La jerarquia celeste, I,1)12.”
Para ilustrar ao leitor:

Figura 7 – Divisão do Universo, Segundo Hugo de São Vítor; retirado de: Olhando para as estrelas: A fronteira
imaginária final, astronomia e astrologia na idade média e a visão medieval do Cosmos

O mundo sublunar possui uma natureza criada e o supralunar possui algo


incriado de onde procede tudo aquilo que vemos, daí que é possível por
exemplo associar a natureza elementos tipicamente metafísicos: A
nobreza/coragem ao leão, a sabedoria a coruja; até mesmo os vícios, como a
ignorância ao cavalo; a burrice ao jumento; etc. Isso ocorre porque o mundo
material possui sua existência oriunda em Deus, tudo só existe porque Ele É e
nessas obras naturais o mundo possui vestígios da lin guagem e do propósito
divino para toda a criação, ou seja, o homem dotado de inteligência é capaz de
conseguir realizar essas associações básicas e remetê-las ao sentido original
da criação, por isso um leão sai de uma mera fera bestial devoradora de
animais e passa a ser símbolo de nobreza, lealdade, coragem, etc.
Essa é a concepção dotada de capacidade de compreensão do macrocosmos,
mas e o homem? Os autores medievais desde sempre entenderam que o
homem possui por si só o reflexo da natureza em si mesmos, como por
exemplo em Santo Tomás de Aquino na Suma contra os Gentios os homens
são capazes de possuir em si elementos da vida natural:

12 Olhando para as estrelas: A fronteira imaginária final, astronomia e astrologia na idade média e a
visão medieval do Cosmos; p.8
Figura 8 – Santo Tomás de Aquino, na suma contra o gentio, sobre a relação entre a vida animal e o cosmos

O ponto basilar nessa afirmação é que Santo Tomás de Aquino parte do


pressuposto que a potencialidade que o sêmen do animal possui está
associado a potencialidade do corpo celeste, ou seja, ele está intrinsecamente
associando o elemento animal aos elementos próprios dos céus, além de no
final ainda associar um elemento (o fogo) com uma operação própria da
capacidade nutritiva que existe na alma humana.
No capítulo LXXXI, Santo Tomás também reflete a respeito da ordenação dos
homens entre si, nesta reflexão ele mostra que o homem é dotado de três
elementos: potência corpórea, sentidos e o intelecto. A potência corpórea é a
sua compleição física básica, os sentidos é a semelhança com os elementos
animais e o intelecto é a capacidade de participar da luz intelectual (Seja ela
divina ou dos princípios das coisas criadas), sendo assim o homem é a
unificação de vários cosmos em si: O cosmos supralunar com suas potências
intelectivas, o cosmos sublunar que são as suas variações animais e depois o
“inferno” tido como elemento de transitoriedade e de sofrimento próprio da
condição corporal terrena.
É o que leva Santo Tomás no próximo capítulo da Suma contra os gentios a
afirmar o seguinte:
“No entanto, deve-se saber que embora os corpos celestes não possam ser
causa dos nossos conhecimentos, indireta- mente podem operar neste sentido.
Apesar de o intelecto não ser potência corpórea, em nós ele não atua sem a
operação das potências corpóreas, que são a imaginação, a estimativa e a
memória, como anterior- mente vimos. E daí acontecer que quando estão
impedidas as operações destas potências, por alguma indisposição corporal,
fica também impedida a operação do intelecto, como, por exemplo, se observa
nos loucos, nos letárgicos e em outros assim indispostos. Por essa razão,
também a boa disposição corpórea do homem o torna apto para um bom
conhecimento intelectivo, porque, por ela, as potências supramencionadas cito
o Filósofo: Vemos serem os de composição delicada mais aptos para a ordem
intelectual, Mas a disposição do corpo humano está sujeita aos corpos
celestes. Diz, por isso, Agostinho: ‘Não é totalmente absurdo afirmar que as
influências dos astros possam produzir ao menos mudanças em nossos
corpos.’ 142 E Damasceno: Uns e outros planetas causam em nós diversos
temperamentos, hábitos e disposições.143 Por isso, os corpos celestes
influenciam indiretamente no bom conhecimento intelectivo. Pois, assim como
os médicos podem julgar a saúde mental pela compleição corpórea, como
sendo esta disposição próxima, também o astrólogo o pode pelos movimentos
dos corpos celestes, ao serem estes causa daquela compleição. E assim se
pode verificar o que disse Ptolomeu: Quando Mercúrio se encontra em uma
das moradas de Saturno, dá inteligência capaz de penetrar no
conhecimento das coisas, fazendo forte no seu ser a quem
nascer neste tempo.”
A última frase sublinhada Santo Tomás toma emprestado de Ptolomeu, mas a
utiliza como exemplo para todo seu argumento: os astros não influenciam os
homens diretamente (não no nível de sua vida, compleição, etc); mas eles
podem representar indiretamente algo da vida deles, nesse caso Santo Tomás
fala que as disposições naturais são necessárias para ter um bom intelecto ou
um intelecto mais livre de problemas e isso é dado pelas conjecturas naturais
que o sujeito possui pela sua própria existência, mostrando que ao astrólogo
cabe apenas investigar as causas naturais não evidentes no
comportamento/conduta humano para que assim possa melhor ter uma
investigação de como se elevar as coisas sublimes, corrigir comportamentos,
etc.
Além disso, na resposta de Santo Tomás de Aquino a Pedro Lombardo vemos
ali uma clara distinção entre a influência que os astros podem exercer e o
exercício do livre arbítrio humano:
Do II livro de comentários às Sentenças de Pedro Lombardo.
Distinção 25
Questão 1
Artigo 2: Se o livre arbítrio pode ser obrigado
Objeção 5:
Os movimentos inferiores se ordenam pelos movimentos superiores, porque
todo aquele que não se comporta uniformemente, se ordena por algo que se
comporta uniformemente. Ora, os movimentos do livre-arbítrio se comportam
de maneira muito diversa, em alto grau. Logo, parece que necessitam ser
ordenados por ações uniformes. Porém, na natureza, são uniformes apenas os
movimentos do céu. Consequentemente, as ações de livre arbítrio se ordenam
pelos movimentos dos astros e podem ser determinadas pela sua potência
(dos astros), o qual é evidente pelo motivo de que, pelo curso dos astros, os
astrólogos anunciam de antemão algo das ações sujeitas ao livre-arbítrio.
Resposta à 5ª objeção:
O movimento celeste está para o livre-arbítrio como algo que inclina a fazer
algo, no sentido de que pela influência de um corpo celeste se cria uma
disposição no corpo, segundo a qual a alma se faz propensa a esta ação ou a
aquela, assim como há alguns qu e pela própria compleição natural são mais
inclinados a um vício que a outro. E, deste modo, os astrólogos podem
anunciar de antemão algo daquilo que depende do livre-arbítrio, de forma
conjectural e sem certeza de ciência, porque os corpos celestes não possuem
força coativa suficiente sobre o livre-arbítrio. Por isso Ptolomeu diz (Cent., 5)
que o homem sábio domina os astros, porque pode evitar, pela sua sabedoria,
aquilo que lhe predispõem [naturalmente] os astros. Contudo, Avicena
pretende, como foi dito anteriormente, que os movimentos da vontade se
reduzam às almas dos corpos celestes como aquilo que regula, porque afirma
que as almas inferiores procedem das almas superiores. Consequentemente,
não é de admirar que a alma superior [do astro] tenha influência sobre a alma
inferior [do homem]. Porém isso não pode se sustentar pela fé católica, que
afirma que as almas são criadas imediatamente por Deus, pelo que somente
Ele pode operar na vontade e atuar nela; e, por isso, a diversidade da vontade
humana se reduz à uniformidade da vontade divina como sua primeira ordem 13.
Para finalizar esse ponto, onde poderemos entender com clareza a visão
medieval que se tinha entre os astros e nós homens, vou trazer uma grande
aula que São João Damasceno faz no seu livro “A fé ortodoxa”, lembrando que
ele é santo e doutor da Igreja também14.
Cap. VII - A respeito da luz, do fogo, e das luminárias: o Sol, a Lua e as estrelas

O fogo é um dos quatro elementos, leve e com mais inclinação a subir do que
os outros. Ele tem o poder de queimar e de iluminar, e foi feito pelo Criador no
primeiro dia. Pois a divina Escritura diz, “E Deus disse: ‘Faça-se a luz’, e houve
luz”. O fogo não é uma coisa diferente da luz, como crêem alguns. Outros
ainda dizem que este fogo do universo está acima do ar e o chamam de éter.
No começo, então, isto é, no primeiro dia, Deus criou a luz, a glória e o
ornamento de toda a criação visível. Pois sem ela todas as coisas ficariam nas
trevas indistintas, incapacitadas de mostrar sua beleza própria. E Deus chamou
à luz dia, mas às trevas chamou noite. O ar, de fato, não tem luz em sua
essência. Foi portanto esta ausência mesma de luz do ar que Deus chamou
trevas: e não é a essência do ar que é tenebrosa, mas a ausência de luz que é
claramente um acidente e não uma essência. E de fato não foi a noite, mas o
dia, que foi nomeado primeiro, de modo que o dia vem antes e depois dele vem

13AQUINO, Tomás de; Respostas a Pedro Lombardo; d25, q.1, a.2, o.5
14OBS: Toda vez que eu citar um artigo inteiro dentro do texto irei separá-lo por essas linhas abaixo do
texto comum.
a noite. A noite, portanto, segue o dia. E do começo do dia até o dia seguinte
há um período completo de noite e dia. Pois a Escritura diz, “e a noite e a
manhã foram um dia”.
Quando, portanto, nos três primeiros dias a luz foi emanada e reduzida pela
ordem divina, tanto o dia e a noite aconteceram. Mas no quarto dia Deus criou
o grande luminar, isto é, o Sol, para que tivesse autoridade sobre o dia, pois é
por ele que o dia existe: é dia quando o Sol está sobre a Terra, e a duração de
um dia é o percurso do Sol sobre a Terra do seu nascer até o crepúsculo. E Ele
também criou as luminárias menores, isto é, a Lua e as estrelas, para que
tivessem autoridade sobre a noite, e para dar luz à noite. Pois é noite quando o
Sol está sob a terra, e a duração da noite é o percurso do Sol sob a terra, do
crepúsculo ao nascer. Assim, a Lua e as estrelas foram feitas para iluminar a
noite: não que elas estejam sob a Terra durante o dia, pois mesmo durante o
dia as estrelas estão no céu sobre a Terra, mas o Sol as esconde, e também a
Lua, por causa do seu maior brilho.
Nestas luminárias o Criador pôs a luz criada primordialmente: não porque Ele
precisasse de outra luz, mas para que aquela luz não ficasse ociosa. Pois um
luminar não é meramente luz, mas um veículo para a luz.
Existem, dizem-nos, sete planetas entre estas luminárias, e estes se movem
em uma direção oposta à do céu: daí o nome planetas 15. Pois, enquanto dizem
que o céu se move do leste para o oeste, os planetas se movem do oeste para
o leste; mas o céu carrega os sete planetas consigo, por causa de sua maior
velocidade. Eis aqui o nome dos sete planetas: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol,
Marte, Júpiter, e Saturno; e em cada zona do céu está um destes sete
planetas:

Na primeira e mais elevada Saturno

Na segunda Júpiter

Na terceira Marte

Na quarta Sol

Na quinta Vênus

Na sexta Mercúrio

Na sétima Lua

15A palavra “planeta” significa “errante”; os planetas eram conhecidos como estrelas errantes,
enquanto que aquilo que hoje chamamos de estrelas se chamava de “estrelas fixas”.
O curso que o Criador determinou que eles percorressem nunca termina e
permanece fixo, como Ele estabeleceu. Pois o divino David diz, “Tu
estabeleceste a Lua e as estrelas”, pelo emprego do termo “estabeleceste” ele
indicou a fixidez e imutabilidade da ordem e seqüência que Deus lhes deu. Pois
Ele os designou para estações, e signos, e dias e anos. É pela ação do Sol que
as quatro estações acontecem. E a primeira delas é a Primavera: pois nela
Deus criou todas as coisas, e até hoje sua presença é evidenciada pelas flores
se abrindo, e este é o período equinocial, uma vez que o dia e a noite têm cada
um doze horas. Ela é causada pelo fato de o Sol nascer no meio, e é suave e
aumenta o sangue, e é quente e úmida, e está no ponto médio entre o inverno
e o verão, sendo mais quente e seca que o inverno, mas mais fria e úmida que
o verão. Esta estação vai de 21 de maço a 24 de junho 16.
Depois, quando o ponto do nascer do Sol se move para o norte, vem a estação
do verão, que está entre a primavera e o outono, combinando o calor da
primavera com a secura do outono: pois ela é quente e seca, e aumenta a bile
amarela. Nela acontece o dia mais longo do ano, que tem quinze horas 17, e a
noite mais curta de todas, com apenas nove horas. Esta estação vai de 24 de
junho a 25 de setembro. Então, quando o Sol retorna ao ponto médio, o outono
assume o lugar do verão. Ele tem uma quantidade mediana de frio e calor,
secura e umidade, e fica entre o verão e o inverno, combinando a secura do
verão com o frio do inverno. Pois ela é fria e seca, e aumenta a bile negra. Esta
estação é equinocial, tanto o dia quanto a noite consistindo de 12 horas, e ela
dura de 25 de setembro até 25 de dezembro. E quando o nascer do Sol chega
a seu ponto mais baixo, isto é, o sul, temos o inverno, com sua frieza e
umidade. Ele fica entre o outono e a primavera, combinando o frio do outono
com a umidade da primavera. Nele acontece o dia mais curto, que tem apenas
nove horas, e a noite mais longa, que tem quinze; e dura de 25 de dezembro
até 21 de março. O Criador fez este sábio esquema para que não
passássemos dos extremos do frio, ou do calor, ou da secura, ou da umidade,
ao extremo oposto, e assim tivéssemos doenças terríveis. Pois a razão por si já
nos mostra o perigo das mudanças súbitas.
Assim, portanto, é o Sol que faz as estações, e através delas o ano; ele faz
igualmente os dias e as noites, os dias quando nasce e está sobre a terra, e as
noites quando se põe sob ela: e ele dá às demais luminárias, tanto a lua quanto
às estrelas, sua luminosidade.
Diz-se ainda que há nos céus 12 signos feitos pelas estrelas 18, e que estes se
movem em direção oposta ao Sol e à Lua e aos outros cinco planetas, e que os
sete planetas passam por estes doze signos. Além disso, o Sol passa um mês
completo em cada signo e atravessa os doze signos no mesmo número de

16 Aproximadamente
17 O número de horas depende do lugar em que se está
18 O que é falso: uma coisa são os signos, outra as constelações, que pelo menos há 2000 anos estavam

mais ou menos alinhadas.


meses. Estes, então, são os nomes dos doze signos com seus meses
respectivos:
Áries, que recebe o Sol em 21 de março.
Touro, em 23 de abril.
Gêmeos, em 24 de maio.
Câncer, em 24 de junho.
Leão, em 25 de julho.
Virgem, em 25 de agosto.
Libra, em 25 de setembro.
Escorpião, em 25 de outubro.
Sagitário, em 25 de novembro.
Capricórnio, em 25 de dezembro.
Aquário, em 25 de janeiro.
Peixes, em 24 de fevereiro.19
Mas a Lua atravessa os doze signos em um mês, pois ocupa uma posição
mais baixa e viaja pelos signos em maior velocidade. Se traçares um círculo
dentro do outro, verás que o interior é também o menor: e é por isto que o fato
de a Lua ocupar uma posição mais baixa faz com que seu percurso seja menor
e mais brevemente completado.
Agora, os gregos dizem que todos os assuntos são controlados pelo
nascimento e ocaso destas estrelas, isto é, o Sol e a Lua: pois é destes
assuntos que trata a astrologia. Mas nós dizemos que deles temos sinais de
chuva e seca, de frio e calor, de umidade e secura, e dos ventos vários, e
assim por diante, mas nenhum sinal no que diz respeito às nossas ações. Pois
nós fomos criados com vontades livres pelo Criador e somos mestres de
nossas próprias ações. Se todas as nossas ações dependem do curso das
estrelas, tudo o que fazemos é fruto da necessidade: e a necessidade exclui a
virtude e o vício. Mas, se não possuímos nem virtude nem vício, não
merecemos louvores nem punições, e Deus, por sua vez, seria injusto, pois ele
dá a uns coisas boas e a outros aflições. Ele não mais guiaria nem ajudaria
suas próprias criaturas, se as coisas fossem carregadas e levadas pela força
da necessidade. E a faculdade da razão nos seria supérflua: se não somos
mestres de nossas ações, a deliberação é bastante supérflua. A razão, em
verdade, nos é dada apenas para que tomemos conselho, e daí que toda razão
supõe o livre arbítrio.

19Na verdade, estas datas são aproximadas. Hoje é mais comum aproximar todas as datas para o dia 21
de cada mês, o que é menos impreciso, mas pode não garantir nada.
E, portanto, nós dizemos que as estrelas não são as causas das coisas que
ocorrem, nem a origem daquelas que acontecem, nem da destruição daquelas
coisas que perecem. Elas são antes sinais de chuvas e de mudanças de ar.
Mas, talvez, alguém possa dizer que mesmo que elas não sejam as causas das
guerras, ainda assim são sinais delas. E, na verdade, a qualidade do ar que é
produzido pelo Sol, e a Lua, e as estrelas, produz de maneiras diversas
diferentes temperamentos, e hábitos, e disposições. Mas os hábitos estão entre
as coisas que temos em nossas próprias mãos, pois é a razão que os regra, e
dirige, e modifica.
Também acontece, com freqüência, o surgimento de cometas. Estes são sinais
da morte de reis, e eles não estão entre as estrelas que foram feitas no
começo, mas são formados naquele momento pela divina ordem e depois
extintos. E nem mesmo aquela estrela que os Magos viram no nascimento do
Amigo e Salvador do homem, nosso Senhor, que se tornou carne para a nossa
salvação, está entre aquelas que foram feitas no começo. E este é
evidentemente o caso porque às vezes seu curso ia do leste para o oeste, e às
vezes do norte para o sul; em um momento estava escondida, e no outro
estava visível, o que é desarmonioso em relação à ordem e natureza das
estrelas.
Deve ser entendido, então, que a Lua deriva a sua luz do Sol; não que Deus
não fosse capaz de lhe dar luz própria, mas para que a ordem e o ritmo fossem
impressos na natureza, uma parte regendo, e a outra sendo regida, e para que
fôssemos ensinados a viver em comunidade e dividir nossas posses uns com
os outros, e estar submetidos, primeiro ao nosso Criador, nosso Deus e
Senhor, e depois também aos governantes que têm sobre nós a autoridade
que Ele concedeu, e não questionar porque este homem é o governante e não
eu, mas receber bem tudo o que vem de Deus com espírito razoável e cheio de
graça.
O Sol e a Lua, além disso, sofrem eclipse, e isto demonstra a loucura daqueles
que adoram a criatura no lugar do Criador, e nos ensina quão mutáveis e
alteráveis todas as coisas são. Pois todas as coisas são mutáveis exceto Deus,
e tudo o que é mutável é passível de corrupção segundo as leis da sua própria
natureza.
Agora, a causa do eclipse do Sol é que o corpo da Lua se interpõe como uma
divisória e faz uma sombra, impedindo a luz de ser derramada em nós; e na
medida em que o eclipse seja proporcional ao tamanho do corpo da lua, assim
o Sol é escondido. Mas não se espantem de o corpo da Lua ser menor. Pois
muitos declaram que o Sol é muitas vezes maior do que a Terra, e os Santos
Padres dizem que ele é igual à Terra: às vezes uma pequena nuvem, ou
mesmo uma pequena colina, ou um muro, praticamente o escondem.
O eclipse da lua, por outro lado, é devido à sombra que a Terra faz nela
quando a Lua está cheia, e o Sol e a Lua estão nos pontos opostos do círculo
máximo20, o Sol estando sob a Terra e a Lua acima. A Terra faz uma sombra e
a Luz do Sol é impedida de iluminar a Lua, e ela é então eclipsada.
É preciso entender que a Lua foi criada cheia pelo Criador, isto é, uma lua de
quinze dias, pois era apropriado que ela fosse feita completa. Mas no quarto
dia, como foi dito, o Sol foi criado. Portanto a Lua estava onze dias à frente do
Sol, pois do quarto ao décimo-quinto dia, há onze dias. Por isto acontece que
em cada ano os doze meses do sol contenham trezentos e sessenta e cinco
dias e um quarto, e como o quarto vira um inteiro, em quatro anos um dia extra
é completado, o qual é chamado bissexto. E tal ano tem trezentos e sessenta e
seis dias. Os anos da Lua, por outro lado, têm trezentos e cinqüenta e quatro
dias. A Lua míngua desde a sua origem, ou renovação, até a idade e de
quatorze dias e três quartos, e continua a minguar até o vigésimo-nono dia e
meio, quando está completamente sem luz. E então, quando se conecta
novamente com o Sol, ela é reproduzida e renovada, um memorial da nossa
ressurreição. Assim em cada ano a Lua dá onze dias ao Sol, e assim em três
anos vem o mês interpolado dos Hebreus, e aquele ano consiste de treze
meses, por causa da adição destes onze dias.
É evidente que tanto o Sol quanto a Lua e as estrelas são compostos e
passíveis de corrupção de acordo com as leis de suas várias naturezas. Mas
somos ignorantes destas. Alguns dizem que o fogo, quando privado da matéria,
é invisível, e que quando é apagado, que desaparece completamente. Outros
ainda dizem que quando é apagado transforma-se em ar.
O círculo do zodíaco tem um movimento oblíquo, e é dividido em doze seções
chamadas signos: cada signo tem três divisões de dez pedaços, isto é, trinta
divisões, e cada divisão tem sessenta subdivisões de minutos. O céu tem,
portanto, trezentos e sessenta graus: o hemisfério sobre a terra e aquele
abaixo dela têm cada um cento e oitenta graus.
Os domicílios dos planetas
Áries e Escorpião são o domicílio de Marte; Touro e Libra, de Vênus; Gêmeos
e Virgem, de Mercúrio; Câncer, da Lua; Leão, do Sol; Sagitário e Peixes, de
Júpiter; Capricórnio e Aquário, Saturno.
Suas exaltações
Áries é a exaltação do Sol; Touro, da Lua; Câncer, de Júpiter; Virgem, de
Mercúrio; Libra, de Saturno; Capricórnio, de Marte; Peixes, de Vênus.
As fases da Lua
Ela está em conjunção com o Sol sempre que está no mesmo grau que ele; ela
nasce quando está com a forma crescente 21, e isto ocorre duas vezes, nas
ocasiões em que está a 60 graus de distância do Sol; ela fica curvada duas

20Eclíptica
21Aqui São João se refere ao surgimento do disco lunar no céu, e não ao nascimento da Lua no
horizonte.
vezes, quando está a 120 de distância do Sol; duas vezes está cheia, repleta
de luz, quando está a 150 graus de distância do Sol; e é uma Lua completa
quando está a 180 graus de distância do Sol. Dizemos duas vezes porque
estas fases ocorrem tanto quando a Lua cresce como quando mingua. A Lua
demora dois dias e meio para atravessar cada signo 22.

Neste longo trecho que podemos desfrutar mais acima podemos ver várias
vezes São João Damasceno explicando o óbvio para esse artigo e qualquer
leitor honesto dele:
“Se todas as nossas ações dependem do curso das estrelas, tudo o que
fazemos é fruto da necessidade: e a necessidade exclui a virtude e o
vício. Mas, se não possuímos nem virtude nem vício, não merecemos
louvores nem punições, e Deus, por sua vez, seria injusto, pois ele dá a
uns coisas boas e a outros aflições. Ele não mais guiaria nem ajudaria suas
próprias criaturas, se as coisas fossem carregadas e levadas pela força da
necessidade. E a faculdade da razão nos seria supérflua: se não somos
mestres de nossas ações, a deliberação é bastante supérflua. A razão, em
verdade, nos é dada apenas para que tomemos conselho, e daí que toda razão
supõe o livre arbítrio.
E, portanto, nós dizemos que as estrelas não são as causas das coisas que
ocorrem, nem a origem daquelas que acontecem, nem da destruição
daquelas coisas que perecem. Elas são antes sinais de chuvas e de
mudanças de ar. Mas, talvez, alguém possa dizer que mesmo que elas não
sejam as causas das guerras, ainda assim são sinais delas. E, na verdade, a
qualidade do ar que é produzido pelo Sol, e a Lua, e as estrelas, produz de
maneiras diversas diferentes temperamentos, e hábitos, e disposições. Mas os
hábitos estão entre as coisas que temos em nossas próprias mãos, pois é a
razão que os regra, e dirige, e modifica.”
Ou seja, em certa medida temos aqui o entendimento de que o maior problema
da Igreja com a Astrologia era o fato da auto justificação dos erros em
detrimento da capacidade de arbítrio, entendendo o arbítrio não como liberdade
irrestrita, mas como capacidade para escolher Deus, o Bem, a Verdade, a
Beleza, a capacidade de elevar o espírito humano àquilo que existe de melhor.
Além disso, ele corrobora afirmando que esses astros não são causa direta,
mas são antes de tudo sinais. Sinais dos problemas ruins da humanidade e
sinais bons, se juntarmos isso com o que vimos em Santo Tomás de Aquino
perceberemos o seguinte: Os astros podem descrever os elementos
tipicamente naturais de uma pessoa humana, não com total exatidão pois há
elementos que não dependem da sua própria estrutura pessoal, mas são
advindos de outros lugares: família, criação, circunstâncias, até mesmo o país
e o lugar que nascemos podem n os ajudar a construir elementos da nossa
personalidade.

22 Artigo retirado de: < https://www.ricardocosta.com/traducoes/textos/ensinamentos -


astrologicos#footnoteref8_t0sdwbp >também é possível encontra-lo no livro “A fé Ortodoxa”.
PARTE 4 - E como ficam as condenações?
Nesse sentido, eu ainda não respondi a respeito das condenações. Pois bem,
para isso precisamos entender algo básico da estrutura da nossa religião: O
cristianismo não tem algo para se proteger diretamente, apenas o auxílio divino
(que não é pouco), mas o Hinduísmo ou até mesmo o Islamismo sempre está
vinculado a uma ordem militar/política que consegue dar aos adeptos dessa
religião algum tipo de clareza e entendimento básicos do que devem fazer para
serem bons praticantes.
No inicio do cristianismo a única estrutura que existia eram doze apóstolos,
muitos sem nenhum poder ou influência humana, então a comunidade surge
dentro de um império pagão que forçava a todos ao seu redor a submissão ao
culto pagão. A reação imediata dos cristãos é: Vamos rejeitar e negar tudo.
Nesse sentido, evoco aqui a afirmação dita anteriormente, não somente a
astrologia foi condenada como: matemática, literatura, mitologia, filosofia pagã
(incluindo Aristóteles e Platão). Essa condenação permaneceu por anos de pé,
até que o império romano foi se enfraquecendo e dando mais espaço para os
cristãos.
Nesse sentido, as mentes brilhantes da Igreja começaram a se debruçar diante
de todo o repertório cultural que o império romano havia deixado, aí surge a
primeira novidade: São Basílio Magno no século VI vai não somente dizer que
é permitido a leitura dos livros pagãos como é essencial para quem quer ser
um bom cristão. Nos seus dizeres ele faz uma analogia com olhar para os raios
do Sol diretamente ou refletindo num lago, muitas vezes ao olhar diretamente
para o sol somos cegados, porém quando olhamos por um reflexo de um lago
conseguimos contemplar sua beleza, o Lago aqui era entendido como a cultura
pagã e os mitos pagãos, enquanto o Sol era a revelação cristã. Guardem essa
reflexão, pois ela nos será importante no final desse artigo para entendermos
como isso pode nos ajudar enquanto católicos.
Dito isto, os cristãos passam a se aprofundar no edifício da cultura greco-
romana e entender o que era permitido e o que era negado, daí começa o
processo de absorção dos filósofos antigos e da rejeição daqueles que
possuem ideias completamente contraditórias ao evangelho, muito antes de um
“cara-crachá” para aceitar uns e rejeitar outros o objetivo principal era filtrar as
principais ideias que circulavam naquele período e absorvê-las para o melhor
entendimento da fé e rejeitar as que não poderiam ser viáveis.
O ápice desse movimento ocorre com Santo Tomás de Aquino que se debruça
em toda a filosofia grega e consegue absorver elementos fundamentais de
Aristóteles dando-lhe uma versão “cristã”, esse processo também foi ocorrendo
com a Astrologia, a ponto de termos alguns santos que se dedicaram
intensamente a isso: Hildegarda de Bingen e Alberto Magno 23. O problema é
que durante esse processo ocorreu a queda fundamental da Idade Média.
Com a queda do período medieval devido a uma série de fatores, houve nos
pensadores renascentistas o desejo de retornar as origens pagãs. Então, todo
o processo de depuração que estava sendo feito acabou sendo jogado fora
para a Igreja adotar uma postura reativa frente aos seus novos opositores
intelectuais, então muitos dos primeiros escritores renascentistas como Ficcino
e Mirandola trouxeram a astrologia pagã de volta aos cânones ocidentais e a
Igreja impossibilitada de dar uma resposta a altura acabou se voltando
unicamente ao combate da <<astrologia>> em si, sem dar nenhuma distinção a
essa palavra.
Além disso, com o advento da nova forma de enxergar o universo, o
mecanicismo, toda a visão simbólica se tornou algo totalmente irracional e
“dotado de mitologias”, nesse sentido é entendível como aquilo ficou confuso e
desorganizado. Porém, como vimos em parágrafos anteriores os inquisidores
ainda assim mantinham alguma reserva para esse assunto.
PARTE 5 - Um entendimento claro e fundamental sobre a Astrologia
Tradicional
Nesse sentido, o que podemos entender a respeito de Astrologia Tradicional?
A astrologia tradicional possui uma concepção básica voltada ao
funcionamento natural da vida humana. A palavra zodíaco está ligada ao “ciclo
da vida” e, portanto, esse ciclo é a passagem do Sol ao longo das estações,
isso que os antigos chamavam de “Eclíptica”.

Figura 9 – Eclíptica do Sol.

A eclíptica do Sol é o movimento que o Sol tem em relação a terra ao longo do


ano. Se você posicionar uma máquina fotográfica no mesmo lugar durante o
ano inteiro você perceberá esse movimento que a fotografia ali mostra. Desde
que a foto seja tirada sempre no mesmo instante. Esse movimento é a eclíptica
e é o que define os signos do Zodíaco.

23 Não vou me delongar nessa história, mas quem quiser conhecer mais profundamente esse lado
astrológico de Santo Alberto Magno leia o seguinte artigo: HENDRIX, Scott E. Albertus Magnus and
Rational Astrology. Religions, v. 11, n. 10, p. 481, 2020; Basta f azer uma breve busca no
google acadêmico.
A palavra signo é designada a SÍMBOLOS, o símbolo representa algo de forma
sintetizada dando-lhe uma camada de significados diversos. Nesse sentido, as
estações são simbolizada em doze signos, por que? Simples, cada estação
possui uma leve variação de começo – meio – fim, se possuímos quatro
estações que são definidas de acordo com a posição do Sol, temos 4 x 3 = 12.
Logo, os signos do zodíaco não são as constelações que a astrologia moderna
tende a levar em conta, mas sim a passagem do Sol em diversos espaços no
céu que determinam algo fundamental da vida na terra.
Os planetas como vimos com São João Damasceno são simplesmente
estrelas/corpos errantes, isso porque na observação natural do céu as estrelas
fixas (das constelações) se mantém constantes num mesmo lugar (ou variam
com muita duração de tempo, mais de 500 anos), enquanto que os planetas
podemos ver suas variações constantes.
As casas são as posições geográficas do Céu conforme as horas. Ou seja, o
Sol no topo do céu estará na casa 10, ao se pôr na casa 7 e ao nascer na casa
1. É apenas um referencial concreto e simbólico dessas posições as quais os
planetas tendem a se conformar.
E qual a diferença disso para a astrologia moderna? Em primeiro lugar, a
aplicação. Os modernos são comuns a utilizar conceitos inventados e próprios
para definir elementos e questões espirituais; enquanto na visão tradicional se
é entendida que o mapa só é capaz de refletir os elementos naturais da vida
humana. Sendo assim, todo astrólogo só é capaz de observar esses
elementos, aquilo que depende da intelecção e da volição humana não é
possível observar.
O outro ponto fundamental é o uso de critérios e técnicas. Eu entendo a
astrologia como uma arte, mas não seria de todo ruim vê-la como uma ciência,
pois para conseguir analisar um mapa é preciso estar observando diversos
elementos técnicos entre eles, a função do astrólogo é utilizar a imaginação
para conseguir captar como a disposição dos astros reflete a posição própria
da realidade da vida do seu cliente.
O terceiro ponto fundamental é que os bons astrólogos tradicionais sabem e
conhecem a importância da religião e do cuidado da alma. Como a astrologia
lida com uma relação sutil entre o homem e a terra realmente pode existir a
possibilidade do sujeito focado nisso acabar se induzindo a erros seja a
respeito da natureza humana ou da sua capacidade de escolha, manter-se
firme e vivo numa religião tradicional é fundamental para o bom astrólogo
tradicional.
Sendo assim, com essa explicação e diferenciação básica vou colocar aqui
agora alguns elementos relativos a condenação e a análise que a Igreja fez ao
longo dos séculos sobre a astrologia.
PARTE 6 - A visão da Igreja diante disso tudo.
1 – Os concílios da Igreja
Para começar esses pontos venho trazer aqui um artigo do meu professor
Marcos Monteiro em que ele comenta os cânones de alguns concílios da Igreja
Católica condenando a astrologia e explicando o que cada um deles quer dizer.

Os Concílios da Igreja Católica proíbem a astrologia? Por Marcos


Monteiro
Boa parte das pessoas que falam do assunto responde imediatamente à
pergunta acima comum “sim” e um ar de deboche ou superioridade, às vezes
seguidos de alguma citação descontextualizada.
No entanto, para responder com um pouco mais de propriedade, embora
menos ar pontifical, é preciso cometer uma loucura mal-vista no nosso país: ler
os textos de onde saem as citações.
Vamos começar pelo mais antigo a mencionar astrologia, o segundo Concílio
de Braga (447), e compará-lo com alguns seguintes.
O objetivo desse Concílio foi se posicionar contra “todas as heresias, […]
especialmente contra os priscilianistas”. Os bispos ratificaram e incluíram o
Concílio de Braga anterior (397–400) no texto, condenando a heresia de
Prisciliano e reafirmando o Credo Niceno.
O cânone em questão é o seguinte:
“Si quis astrologiae vel mathesi existimat esse credendum. Anathema sit.”
A tradução mais usada pelos mais apressados, para a surpresa de ninguém, é
algo como “se alguém sustenta que se deve crer na astrologia e na
interpretação das estrelas, seja anátema”.
Mas não é isso o que o texto diz. Ele diz “se alguém sustenta que se deve crer
na astrologia OU NA MATEMÁTICA, seja anátema”.
É claro que os bispos conciliares não estão proibindo que se faça contas, então
deve haver algum contexto que está faltando, tanto para a matemática quanto
para a astrologia. O que eles entendem por estes termos?
Fica ainda mais estranho quando vemos as condenações imediatamente
anteriores e posteriores. Esta é a de número 15 (em algumas versões, 16, ou
ainda a 35, quando se contamos dois Concílios juntos).
As duas anteriores são: “Se alguém diz ou acredita que há em Cristo uma
natureza da Divindade da humanidade, seja anátema”; e “Se alguém diz ou
acredita que há algo que possa se estender para além da divina Trindade, seja
anátema”.
As seguintes são: “Se alguém diz ou acredita que os casamentos dos homens,
que são considerados lícitos de acordo com a lei divina, são amaldiçoados,
seja anátema”; e “Se alguém diz ou acredita que a carne de pássaros ou de
animais, que foi dada por alimento, não apenas deve ser evitada para castigar
o corpo, mas deve ser abominada, seja anátema”.
O que astrologia e matemática têm a ver com dois pontos de fé e dois
costumes ascéticos? Porque esta condenação está aqui no meio delas?
Porque os priscilianistas acreditavam que havia dois reinos, um de Luz
(representado pelos Doze Patriarcas) e um de Trevas (representado pelos
doze signos). Eles criam que a salvação do homem se dava pela liberação do
domínio da matéria. É isto — esta crença (astrologia) e seu uso (matemática)
— que se condena aqui.
É por isso também que, logo depois dessa condenação, que segue duas outras
feitas a crenças errôneas, se mencionam práticas exageradamente ascéticas,
que são consequências práticas do erro teórico — os priscilianistas odiavam a
matéria (por uma ironia do destino, o ponto em questão reafirma a natureza
boa do Cosmos, dos doze signos, que não eram um reino de Trevas).
Para não deixar nenhuma dúvida, o último cânone, que resume e retoma os
anteriores, é explícito: “Se alguém segue a seita de Prisciliano nestes erros ou
a professa publicamente, de modo a fazer uma mudança no ato salvífico do
batismo, de forma contrária à cátedra de Pedro, seja anátema”.
O que se condena é a astrologia priscilianista, o jejum priscilianista, a castidade
priscilianista, etc.
O primeiro Concílio de Toledo (561), que também tinha como “inimigo” os
priscilianistas, repete estas condenações de modo mais explícito, para não
restarem dúvidas.
9: “Se alguém crê que as almas humanas e corpos humanos estão sujeitos a
um signo fatal(estrelas fatais), como os pagãos e Prisciliano afirmaram, seja
anátema”.
10: “Se alguém crê que os doze signos ou estrelas, que os astrólogos estão
acostumados aobservar, foram espalhados pelos membros da alma ou do
corpo, e dizem que eles foramatribuídos a nomes dos Patriarcas, como
Prisciliano afirmou, seja anátema”.
O anátema 10 é interessante porque menciona — sem condenar —
os astrólogos que costumam “observar os signos ou estrelas”.
Há um outro Concílio que também é por vezes citado neste assunto, o de
Laodiceia (363–364).
O problema é que o cânone em questão — o 36 — se dirige ao clero, como a
sua versão mais comum deixa claro: “Aqueles que são do sacerdócio, ou do
clero, não devem ser mágicos, encantadores, matemáticos ou astrólogos; nem
devem fazer o que se chama de amuletos, que são cadeias para suas próprias
almas. E aqueles que vestem tais amuletos, ordenamos que sejam expulsos da
Igreja”.
Além disso, um epítome mais antigo do cânone deixa as coisas ainda menos…
proibitivas: “Aquele que quiser ser sacerdote não pode ser mágico, nem usar
encantamentos, ou feitiços matemáticos ou astrológicos, ou usar amuletos”.
Mas será que o problema — mesmo para o clero — é a astrologia? De acordo
com os comentaristas, não.
Segundo Balsamon, “‘Mágicos’ são aqueles que para qualquer propósito
chamam Satã a seu auxílio. ‘Encantadores’ são os que cantam feitiços ou
encantamentos, e por meio deles atraem demônios para que os obedeçam.
‘Matemáticos’ são os que sustentam a opinião de que os corpos celestes
regem o universo, e que todas as coisas terrestres são regidas por sua
influência. ‘Astrólogos’ são aqueles que adivinham com as estrelas por meio da
ação de demônios, e põem sua fé neles”.
Van Espen cita Zonaras ao especificar que “a ciência da matemática, ou da
astronomia, não são por este cânone proibidas ao clero, mas o excesso e o
abuso desta ciência, que pode ocorrer com facilidade ainda maior no caso de
clérigos e consagrados do que em leigos”.
O excesso e o abuso afirmados por Zonaras e citados por Van Espen são
explicados por Balsamon: sustentar que todas as coisas terrestres são regidas
pelos corpos celestes, e usar astrologia com o auxílio dos demônios e neles
pôr a sua fé. Acho que não resta mais nenhuma dúvida… mas não custa nada
garantir.
É bom lembrar que os concílios não se contradizem. Então, uma interpretação
destes cânones não pode contradizer outro; por exemplo, eles precisam se
harmonizar com as regras associadas à publicação de livros do Concílio de
Trento.
A regra 9 estabelece que “Todos os livros e escritos sobre geomancia,
hidromancia, aeromancia, piromancia, oneiromancia, quiromancia,
necromancia, ou aqueles em que estão contidos sortilégios, feitiços, augúrios,
auspícios, ou encantamentos de artes mágicas são totalmente rejeitados. Mas
que os bispos observem com cuidado que não sejam lidos ou mantidos livros,
tratados ou índices de astrologia judiciária que ousem afirmar algo que deve
acontecer como certo com relação a sucessos futuros contingentes, ou
casualidades fortuitas, ou aquelas ações que dependem da vontade humana.
Mas julgamentos e observações naturais que são escritos com o propósito de
auxiliar na navegação, na agricultura, ou na arte médica são permitidos”.
Ou seja: as “mancias”, feitiços, encantamentos, sortilégios, augúrios, auspícios,
artes mágicas,etc, são totalmente proibidos.
Astrologia preditiva que dê como certo eventos contingentes ou que dependam
do livre-arbítrio é proibida (ou seja: a que não o faz está permitida). Astrologia
médica, agrícola ou usada para a navegação estão permitidas sem ressalvas.
É difícil ser mais claro que isso.

Nesse sentido, podemos observar uma clareza quanto a demonstração do que


é lícito ou não lícito, mas uma citação que o texto faz é importante para
rememorarmos aqui uma discussão que sempre está envolvida nesse tema
que é a bula coeli et terrae.
2 – A bula Coeli et terrae
A bula Coeli et terrae foi lançada por Sisto V numa tentativa de coibir
completamente a prática astrológica em todos os seus cânones. No artigo <
Astrologia e Inquisição em Portugal nos séculos XVI e XVII> promulgado pela
universidade de Lisboa o historiador Gianriccardo Grassia Pastore irá refletir
sobre os elementos de dedicação dos inquisidores no período dessa bula.
Primeiramente, vamos ao texto da bula em si:
“Deus, Criador do Céu e da Terra, o Onipotente, deu ao homem, que criou à
sua imagem e semelhança, uma mente colorida não só pela luz divina da fé,
para que não só conhecesse os mistérios que ultrapassam razão humana …
no entanto, ele o fez de tal maneira que ele pudesse compreender assuntos tão
profundos não como um animal altivo, mas antes que ele temesse e prostrasse
no chão e venerasse a imensa majestade de seu Criador. (…) Somente para Si
mesmo Deus reservou o conhecimento das coisas que acontecerão e a
consciência dos assuntos futuros… Não há verdadeiras artes ou ramos de
estudo que busquem o conhecimento prévio de eventos futuros e
acontecimentos fortuitos. Os eventos futuros, com algumas exceções, surgem
necessariamente ou pelo menos frequentemente de causas naturais que nada
devem à adivinhação. (…) Algumas pessoas… correm atrás de curiosidades e
ofendem gravemente a Deus. Eles erram e levam outros ao erro. Os principais
exemplos são os astrólogos. Eles empregam um conhecimento falso e ocioso
dos planetas e estrelas, e com a maior audácia ocupam-se agora em antecipar
uma revelação do arranjo de Deus das coisas … Eles tomam o momento em
que uma criança foi concebida, ou seu aniversário, ou alguma outra
observação ridícula e nota dos tempos e circunstân cias e, a partir disso,
precipitadamente presumimos predizer, julgar e pronunciar sobre a posição e
situação de cada pessoa, como sua vida irá prosseguir … outros
acontecimentos felizes e infelizes que podem surgir em seu caminho …
Portanto, condenamos e rejeitamos todos os tipos de adivinhação … por este
decreto, que será para sempre válido, e por nossa autoridade apostólica,
decretamos e declaramos contra os astrólogos … e quaisquer outros que
praticam a arte do que é chamado de astrologia judicial (com exceção daqueles
que fazem previsões em relação à agricultura, navegação e medicina); também
contra aqueles que se atrevem a lançar e interpretar horóscopos de
nascimento de pessoas com o objetivo de predizer eventos futuros – sejam
estes contingentes, sucessivos ou fortuitos – ou ações dependentes da
vontade humana, mesmo que o astrólogo afirme ou testemunhe que não está
dizendo nada a favor certo …”
Podemos ver que de tudo que vimos anteriormente e até mesmo das gravuras
dos signos nas catedrais é um texto totalmente oposto a tudo que aqui foi feito.
Um outro caráter dessa bula nos ajuda a compreender talvez o motivo dela ter
sido promulgada: A bula foi traduzida para a língua popular (ou seja, tirada do
latim e colocada nas línguas locais), houve um apelo para que os prelados
cuidassem desses elementos e dos assuntos astrológicos, algo que era
definido anteriormente apenas pela inquisição, o que houve aqui? O ano era
1576 e começava a revolta calvinista, Calvino afirmava a preponderância da
predestinação em detrimento do livre arbítrio, Sisto V com receio de que as
previsões astrológicas pudessem causar confusão a respeito da doutrina do
livre arbítrio resolve numa única canetada cancelar qualquer tipo de liberdade
para prática e até estudo da astrologia (algo que a igreja só havia feito nos
primeiros séculos devido a ação do império romano)24.
O impacto da bula foi devastador pois foi uma contradição total daquilo que já
estava sendo promulgado numa tradição con sciente dentro da teologia católica.
“Contudo, uma grande mudança é sentida com Sisto V. Não se pode afirmar ao
certo o motivo desta guinada, mas é importante lembrar da sua atuação
enquanto inquisidor na região do Vêneto, na Itália, e, assim, de seu
conhecimento prévio sobre assuntos concernentes à astrologia, magia natural
e aristotelismo natural. Sua bula Coeli et terrae, por nós já analisada em
páginas pregressas, fora de seus primeiros atos e inovou em dois aspectos,
segundo Baldini: foi o primeiro documento no magisterium católico, que se
referia apenas a astrologia, definindo o porquê de sua não aceitação, sendo
mais restritiva que as precedentes. Como vimos, Sisto afirma que essas artes
eram frutos do mal, estavam além da capacidade humana, tratavam-se,
portanto, de falácias. Sem discutir a natureza da influência astral ou da
possibilidade das estrelas serem sinais, apenas faz a distinção entre astrologia
natural e judiciária, proibindo essa última. O ato de Sisto V acaba por afetar
centenas de anos de práticas e ensinos em universidades (tais
como na Faculdade de Medicina) e, até mesmo, pasmem, a crença de
inúmeros membros da Igreja, tais como bispos, cardeais, dentre outros, cujos
documentos escritos durante o século XVI comprovam suas relações com tais
práticas25.”

Entretanto, qual foi o impacto dessa bula diante da Igreja? Pois agora existia
um terrível dilema, tinha a proposição da regra IX do index, promulgada pelo
concílio de trento, e a bula do papa Sisto V.

A Reforma Protestante estava indo a todo vapor e o papado era o centro das
atenções, logo após a morte de Sisto V sobe ao trono Papal Clemente, que
teve de lidar com a situação ainda não trabalhada. Clemente não apenas teve
que lidar com a revogação de uma bula papal, mas ao mesmo tempo teve que
lembrar de alguma forma da Bíblia de Sisto recolhida por seus erros para evitar
o embaraço papal. As apostas eram altas. Belarmino, um jesuíta com um voto

24 Ao menos essa é a tese central do artigo < PASTORE, Gianriccardo Grassia. Astrologia e Inquisição em
Portugal nos séculos XVI e XVII. 2014. Tese de Doutorado.>; publicado na universidade de Lisboa.
25 147Ugo BALDINI. Op. Cit. pp. 91-92
especial de defender o papado, escreveu ao Papa Clemente “Sua santidade
sabe … Sisto colocou a si mesmo e a toda a Igreja em perigo ao desejar
corrigir a Bíblia de acordo com seu próprio conhecimento e não tenho certeza
se a Igreja o fez correr um risco maior.” Ele acreditava na supremacia papal e
na honra do cargo, embora não gostasse de Sisto. Dizem que “o ponto mais
alto na mente de Belarmino era o seguinte: os papas nunca devem ser vistos
condenando os decretos solenes de seus predecessores. Isso refletiria mal na
autoridade papal. “Como agir sem prejudicar o ofício do papado aparentemente
era o problema? Coeli et terrae foi visto como um decreto solene? Ou foi
apenas mais uma bula papal em uma longa série de decretos legislativos?

A linguagem de Coeli et terrae complicou sua possível evocação, pois disse


com autoridade em parte “Portanto, por este decreto, que será para sempre
válido, e por nossa autoridade apostólica, decretamos e declaramos contra
astrólogos…” sugerindo forte intenção papal a ser aplicada na perpetuidade.
Embora São Roberto Belarmino acreditasse que a bula contradisse-se os
ensinamentos da Igreja, ele advertiu contra sua revogação formal e o Papa
Clemente decidiu em conformidade. Em 1592, ele ordenou que a bula fosse
interpretada de acordo com a Regra IX, independentemente de sua contradição
na questão da certeza preditiva. É evidente, entretanto, que a verdadeira
preocupação não era astrológica, mas a credibilidade da autoridade papal.

Documentos nos Arquivos Secretos do Vaticano revelaram, no entanto, que a


disputa não terminou aí. Cinco anos depois, em 1597, Clemente teve que lidar
novamente com a confusão sobre Coeli et terrae, pois “reclamações chegavam
todos os dias” à Congregação do Index. Além disso, nessa época, “a maioria
da Congregação do Index se opôs ao rigor da bula” e “sem pressionar pela
revogação, eles se inclinaram para a não observância”. Aparentemente, de
acordo com esses documentos, a decisão de Clemente não foi disseminada
com sucesso por toda a cristandade, levando a uma aplicação desigual da lei.
Na tentativa de esclarecer a posição papal, a Congregação encaminhou o
assunto de volta ao Papa Clemente na forma de uma pergunta “se a
constituição (bula) relativa à astrologia judicial ainda estava em vigor?” A
resposta foi “não” pelos seguintes motivos: o Papa Clemente se opôs à bula; a
bula não foi aceita como válida pela Congregação dos Decretais; as regras da
Congregação do Index o contradizem; os ofícios da Inquisição seguiram a
Regra IX do Concílio de Trento. A decisão final, em 1597, determinou que as
publicações de astrologia judicial escritas por cristãos deveriam ser corrigidas
se as previsões fossem feitas com certeza; todos os livros pagãos de astrologia
clássica poderiam ser publicados mesmo que defendessem a certeza.

Foi somente trinta e oito anos após a morte de Sisto que um de seus
sucessores, o Papa Urbano VIII, sentiu a necessidade de legislar novamente
sobre as restrições à astrologia judicial. Urbano era um herdeiro improvável da
causa de Sisto, já que era um estudante ardoroso de astrologia e seu
adversário improvável. Durante o interregno do Papa Sisto e do Papa Urbano,
foi dito que “não há um cardeal, nem um prelado, nem um príncipe que não
possua uma análise astrológica de seu horóscopo de nascimento com
previsões de boa sorte”. Consta que o próprio Urbano tinha mapas natais de
todos os seus cardeais para determinar sua longevidade. Ainda assim,
ocorreria um evento que o levaria a reafirmar as disposições de Coeli et terrae.

A história em torno desta reafirmação tem um certo humor e é brilhantemente


relatada em Morandi’s Last Prophecy and the End of Renaissance Politics
(2002), de Brendan Dooley. Resumidamente, enquanto o Papa Urbano ainda
gozava de boa saúde, um astrólogo influente, o padre Orazio Morandi, abade
do importante mosteiro de Santa Prasaede, nos arredores de Roma, previu, em
1629, a morte do papa no ano seguinte. Para confirmação, ele buscou a
concordância de outros astrólogos. A palavra se espalhou e os cardeais
começaram a chegar para um conclave papal para eleger um novo papa.
Surpreso com a chegada deles e sabendo de suas intenções, Urbano ficou
indignado. Morandi foi preso, junto com outros, e morreu suspeitamente na
prisão pouco depois.

Temendo a previsão astrológica correta, Urbano secretamente convocou o


astrólogo mais famoso da Europa na época, o padre Tommaso Campanella,
(1568-1639), um teólogo dominicano e polêmico praticante de magia
astrológica. Eventualmente, com a publicação do livro de Campanella,
Astrologicorum Libri VI, que incluía um capítulo sobre magia astrológica, os
rumores foram confirmados de que o papa estava envolvido em tais atividades
para evitar os efeitos malignos do eclipse que se aproximava. Envergonhado e
indignado com sua exposição, Urbano emitiu a bula Inscrutabilis iudiciorum Dei
(Julgamentos insondáveis de Deus) no Dia da Mentira de 1631. Além de
reafirmar Coeli et terrae, proibia especialmente a redação de natividades de
papas e da realeza e seus parentes, até o terceiro grau de consanguinidade,
sob pena de morte.

A questão principal passou a ser – Urbano reafirmou Coeli et terrae de acordo


com a mente de Sisto ou a de Clemente e Trento? As evidências sugerem
fortemente que Urbano tinha em mente este último, Clemente e Trento. O
historiador D.P. Walker observa que Campanella e Urbano mantiveram um
bom relacionamento após o evento e Campanella pode ter ajudado Urbano a
compor a bula papal. Avançando nessa posição, Walker observa que
Campanella recebeu permissão papal para iniciar o College Barberino em
Roma em 1630, o que incluiria instrução astrológica. Além disso, apenas três
meses antes de Urbano emitir a bula, Campanella praticou sua magia
astrológica no sobrinho do Papa, levando Walker a comentar “A declaração de
que ele ajudou a redigir a bula anti-astrológica de Urbano pode estar correta”.

Outras evidências de que a bula foi interpretada de acordo com Trento são
fornecidas pelo historiador Lynn Thorndike em sua obra magistral, History of
Magic and Experimental Science. Ele observa que tanto John Baptiste Morin
quanto Antonious Petrus de Magistris Galathei afirmam que a bula foi
interpretada como concordando com o Concílio de Trento e a doutrina de
Aquino. Petrus afirma que “a maioria dos teólogos considera a bula (Coeli et
terrae) como não obrigatória no fórum de consciência”. Outras evidênci as
podem ser obtidas nas guias e estudos de caso da Inquisição.
Nesse sentido, podemos refletir agora a respeito de algumas questões
inquisitoriais. Durante uma inquisição na Nova Espanha, em 1641, cinquenta e
cinco anos depois de Coeli et terrae e dez anos depois de Inscrutabilis, dois
jesuítas foram chamados pela Inquisição Espanhola na Cidade do México para
julgar se um Frade Nicholas de Alarcon era culpado de praticar astrologia
judicial por levantar mapas natais para o presidente da Guatemala. Para
auxiliá-los, os Jesuítas chamaram um professor de Matemática e Astrologia da
Universidade Real e Pontifícia do México, Frei Diego Rodriguez. Ele considerou
as evidências à luz de Coeli et terrae e de Inscrutabilis e testemunhou que a
astrologia usada era legal, pois as estrelas eram representadas apenas como
inclinações morais e físicas, e não como necessidades. Frei Nicholas foi
absolvido.”26 O fato de uma cadeira de astrologia existir em uma universidade
pontifícia é instrutivo. Mais importante ainda, que os mapas natais,
completamente proibidos por Coeli et terrae, foram considerados legais sob a
doutrina das influências inclinadas é uma forte evidência de que a Igreja
retornou à doutrina tradicional das influências inclinadas estabelecida por
Trento na Regra IX e a doutrina de Aquino.

Em um estudo sobre a publicação de almanaques astrológicos na Nova


Espanha, os astrólogos não se limitaram a previsões astrológicas naturais, “ao
contrário, eles entraram continuamente no território da astrologia judicial”. O
estudo observou que, apesar do uso da astrologia judicial, nenhum almanaque
mexicano foi proibido pela Inquisição, com exceção de um em 1666. O
almanaque em questão continha uma previsão perigosa sobre “conflitos entre
eclesiásticos e religiosos e a destruição de conventos”. Julgamentos de
censura de vários astrólogos foram examinados refletindo a discussão sobre o
texto correto. Por exemplo, para um astrólogo dizer “Marte não para de enviar”
más influências indicando turbulências futuras era prever com certeza, isso era
ilegal; o astrólogo foi obrigado a alterar a declaração para “pode-se esperar que
Marte envie.” Um senso jesuíta ordenou a um astrólogo que retirasse de seu
almanaque a frase “todos tenham cuidado nas estradas”, pois sugeria que
ocorrerão roubos, um evento contingente su jeito ao livre arbítrio; ele também
ordenou a remoção de “uma pessoa notória vai morrer”, pois a morte não é um
evento previsível.27

Na análise final, o estudo concluiu que uma revisão de 16 censores de 1647 a


1700, que usaram Coeli et terrae e as decisões da Congregação do Index,
manteve uma atitude ambivalente em relação ao determinismo astral e ao livre
arbítrio. Tudo dependia do sen so individual. Alguns construíram “cercas em
torno da lei”, proibindo até mesmo o que era permitido sob os auspícios do
pensamento tomista, por medo de cruzar a linha e entrar em território proibido.
Alguns não. Além disso, por causa dessa ambivalência, concluiu que o final do
século XVII viu a Igreja Católica em uma relação “ambígua” com a astrologia.
Era uma “linha tênue que dividia a astrologia natural e a astrologia judicial …

26 ANA AVALOS, AS ABOVE, SO BELOW. ASTROLOGY AND THE INQUISTION IN SEVENTEENTH CENTURY
NEW SPAIN, THESIS PRESENTATION, EUROPEAN UNIVERSITY INSTITUTE, DEPARTMENT OF HISTORY AND
CIVILIZATION, 2007
27 TAYRA M,C, LANUZA-NAVARRO AND ANA CECILIA AVALOS-FLORES, ASTROLOGICAL PROPHECIES

AND THE INQUISITION IN THE IBERIAN WORLD, P. 686 – 687. A PAPER PRESENTED AT THE PROCEEDINGS
OF THE 2 ND ICESHS IN 2006.
frequentemente cruzada não só por astrólogos, mas também por teólogos. De
São Tomás em diante, não foi difícil para ambos encontrar maneiras de
conciliar o dogma do livre arbítrio e a influência das estrelas.” O problema
predominante, concluiu o estudo, era uma das ‘jurisdições epistemológicas‘. Ao
contrário de hoje, o século XVII não teve a abundância de previsões e
previsões provenientes de ciências sociais como história, economia, ciência
política, psicologia e outros, prevendo eventos futuros por meio de estudos de
tendências baseados em informações anedóticas. A astrologia estava o mais
perto que poderia chegar, desafiando a posição da Igreja na previsão de
eventos futuros.

Neste contexto o artigo de Gianricardo28 trata do tema da seguinte forma,


segue citação direta e livre:

Segundo Baldini, muitos documentos dão conta dos inúmeros pedidos f eitos por
prelados e inquisidores das perif erias para que as regras f ossem mais claras e, em
particular, aquelas que ref eriam-se sobre a “inclinação”. Dentro das Congregações e
pressões externas induziam alguns consultores a tentarem harmonizar os critérios que
seriam utilizados pelos censores quando se deparassem com obras de astrologia.
Esse tópico f oi bastante discutido dentre os cardeais das Congregações e submetido
para consideração do papa, especialmente durante os anos entre 1590 e 1596. É importante
notar que as requisições f eitas para um melhor clareamento das regras ref eriam-se a um
abrandamento do rigor da bula Coeli et terrae e enf atizavam a dif iculdade de sua aplicação.
Diante das dúvidas geradas, das dif iculdades de def inições e limitações entre os dois principais
tipos de astrologia, como agiria o censor? Qual deveria ser seu procedimento ao deparar-se
com livros que tratassem de astrologia? Que tipo de previsão seria claramente judiciária e qual
seria natural?

Concordamos com o f ato que, em muitos casos, essa distinção, como já dissertamos
anteriormente, era mais f ácil, contudo, isso não se verif ica na totalidade das vezes, por
isso o trabalho do censor nem sempre f oi f ácil, podendo, por vezes, não censurar
obras que deveria e o contrário também. É de notar que com a existência de bulas
regulamentadoras e das XII Regras da Inquisição, a normatização ganha contornos
mais explícitos, com toda a dif iculdade encontrada, dif erente do que acontecia
anteriormente, sem regras mais bem def inidas, contudo, como veremos, a
interpretação das Regras ou da bula f icaria, por f im, sempre nas mãos do censor.

Muitas vezes a tradição historiográf ica tem colocado em oposição razão e f é,


ciência e religião, modernidade e tradição, sem se preocupar com a complexidade das
relações estabelecidas entre ambas. No caso específ ico da astrologia, por exemplo,
que é um dos enf oques do nosso trabalho, é importante termos em mente que f ora a
astrologia judiciária (como f ica-nos nítido a partir da leitura e análise da bula papal nos
capítulos precedentes) aquela perseguida pela Igreja e com um motivo bastante claro:
a def esa do livre-arbítrio, que é o que vimos sustentando ao longo desse texto. Em
nenhum momento a Cúria Romana se colocou contra as novidades por uma simples
intenção de se arraigar em tradições e isto f icará ainda mais claro querendo
discutirmos as XII Regras estabelecidas pela Inquisição. A interpretação da História
em geral e dessa especif icamente, conf orme já af irmamos e voltamos a repetir, é
muito mais sutil e complexa do que a banalização e redução a simples dicotomias de
bem contra o mal ou “amigos e inimigos do progresso ”, para paraf rasearmos
Butterf ield na sua obra The whig interpretation of History, de 1931.

28PASTORE, Gianriccardo Grassia. Astrologia e Inquisição em Portugal nos séculos XVI e XVII. 2014.
Tese de Doutorado; p. 109 e seguintes.
Não querendo me alongar na citação do autor o artigo conclui na direção de que
houve um gradual esquecimento até a substituição da bula para retornar à
interpretação antiga da Astrologia e a fé.

3 – A visão atual da Igreja

Para explicitar a visão atual da Igreja vou trazer um artigo de um sacerdote.


Padre Cassidy da Irlanda recebeu de um grupo de astrólogos uma dúbia
devido a necessidade de entender melhor a condenação que o novo catecismo
traz da astrologia, pois parecia que ela retornaria a querela própria da bula
Coeli et terreae.

A VELHA ASTROLOGIA E O NOVO CATECISMO29 - por PE . LAURENCE L. C ASSIDY 30, S.J.31

Embora até a data deste escrito o texto inglês do novo Catecismo da Igreja não tenha aparecido
ainda, há traduções disponíveis em outras línguas e essas causaram preocupação entre muitos
que estão envolvidos no estudo e na renovação da astrologia. Foi por essa razão que eu fui
convidado a falar na Associação Astrológica em Dublin em maio de 1993, e o que segue é um
resumo do que eu disse àquele grupo naquele tempo.

Deixe-me começar pela confusão e apresentar a conclusão. Após isso explicarei como se chega
a esse julgamento particular. Em resumo, penso que cada astrólogo cristão deveria aceitar o
texto do Catecismo como uma ajuda salutar tanto para a Fé como para a Razão. Não tem nada
a dizer acerca do tipo de trabalho que vocês e eu fazemos.

Pecados contra a Fé

Primeiro, deixe-me então apresentar o texto em minha tradução mais acessível da versão
espanhola. O parágrafo em vigor é #2116 e aparece sob o título geral de sinais contra a Fé,
especialmente aqueles de adivinhação e mágica, e apresenta-se assim:

Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas; o recurso a Satanás ou a demônios, a


invocação dos mortos, e outras práticas que igualmente pretendam “revelar” (sic) o futuro (cf.
Dt. 18, 10; Jr. 19, 8). Consultas a horóscopos, astrologia, quiromancia, a interpretação de
presságios e dos fados, fenômenos visuais, o recurso a médiuns, todas ess as coisas implicam
um anseio de poder sobre o tempo, a história, e finalmente, a humanidade, e, ao mesmo tempo,
manifestam um desejo de garantir a proteção de poderes ocultos. Isso constitui uma
contradição com a honra e o respeito, misturados com medo amoroso, que nós devemos a
Deus somente.

Agora que temos o texto, façamos o trabalho de um teólogo/filósofo, e interpretemos –


encontrando o sentindo – dessas palavras em seu texto e em seu contexto. Em ordem a realizar

29
Este artigo foi primeiro publicado em Réalta, a revista da Associação Astrológica
Irlandesa, Vol. 1 nº 1, fevereiro de 1994.
30 Padre Lawrence Cassidy é um membro da Sociedade Jesuíta, e um longo amigo perma -

nente da I.A.A. É o Professor e Presidente do Departamento de Filosofia em Saint Peter’s


College, Nova Jersey. Escreveu muitos artigos sobre a compatibilidade do pensamento
astrológico com a fé cristã, e tem um interesse nas implicações que a filosofia e a metafísica
contemporâneas têm para a astrologia, e vice-versa.
31
Tradução de Bruno Melchiori
essa tarefa necessária, será útil lembrá-lo de que umas verdades simples, básicas que são sempre
empregadas ao entender qualquer documento, seja de uma autoridade da Igreja, ou de qualquer
outra fonte. Listo-os numa ordem nada especial, mas eles são muito significativos para nossa
empreitada:

Verdades Básicas

1. Palavras de qualquer língua têm um papel dual. Em primeiro lugar elas são sim plesmente
letras; isso quer dizer que elas são símbolos escritos que instruem o leitor a como pronunciar o
som verbalmente. Como tal elas não têm nenhum significado. É como se não se tivesse noção
do sentido de irlandês, mas tivesse simplesmente aprendido como pronunciar as palavras a
partir dos símbolos escritos. O segundo papel da língua é onde o filosoficamente interessante
aparece: isto é, onde elas se tornam sinais cheios de sentido, apontando para as idéias que elas
significam. Agora, idéias não são entidades visíveis, elas podem apenas ser entendidas pela
operação espiritual da inteligência operando livre da paixão animal ou outras distrações dos
sentidos. Isso é o que São Paulo fala da “nova aliança, não da letra, mas do Espírito, pois a letra
mata, mas o espírito vivifica” (2 Coríntios 3,6).

2. É claramente possível para os homens empregar o mesmo conjunto de letras para uma
variedade de sentidos diferentes, mesmo contraditórios, e isso torna o trabalho da interpretação
muito complicado às vezes. Não apenas é este um caso como dos exemplos -padrão dos
homônimos, como banco (assento ou estabelecimento econômico) e vôo (nome ou verbo)32,
mas é uma dificuldade comum em nosso discurso ordinário. Considerar os sentidos variantes
de tais palavras como democracia, ciência, justiça, e assim por diante. Popular hoje nos círculos
filosóficos é aquele ramo conhecido como hermenêutica cuja tarefa é interpretar exatamente o
que um autor quer dizer pelas palavras que ele usa em sua composição, e, como você pode
suspeitar, mesmo aquela palavra que tem diversas interpretações.

3. É um erro humano comum embora lamentável correr para onde os anjos temem pisar, e
tomar um sentido de uma palavra como sendo a única maneira pela qual os homens poderiam
legitimamente empregá-la. Isso constitui a falácia do literalismo contra a qual São Paulo nos
adverte. Assume-se então que alguma forma de uso do senso comum é o único possível, e não se
tem paciência com o mais inteligente que quer fazer distinções. Você pode encontrar um
exemplo dessa confusão no Capítulo 6 do evangelho de São João onde Nosso Senhor declara
que devemos comer Seu corpo e tomar Seu sangue.

4. A atitude fundamentalista é um complexo fenômeno psicológico no qual a inteligência


espiritual é presa por uma série de sentimentos, imagens da memória, pressupostos de fundo,
etc., o que confunde mesmo até a própria idéia de exatamente em que sentido ele está usando a
palavra que seu próprio sentido permanece inevitavelmente obscuro. Isto é o porquê de ser quase
impossível dialogar com tais pessoas porque sua falta de autodisciplina torna impossível que
eles digam exatamente o que eles próprios querem dizer. Sua convicção emerge não da razão,
mas de suas inclinações pré-racionais.

5. Santo Inácio aconselha aos leitores no começo de seus Exercícios Espirituais que devemos
sempre tentar, tanto quanto possível, interpretar as palavras de um outro na clara luz da
caridade cristã, e isso é, obviamente, verdade particularmente no assunto de documen tos
eclesiásticos. Estes inevitavelmente têm um texto e um contexto, e é geralmente impossível
reconciliar diferenças aparentes entre eles pela hermenêutica cuidadosa que os teólogos
chamam de a analogia da fé.

32 Originalmente: port (árvore ou bebida) e fly (nome ou verbo)


6. Para os católicos romanos, pelo menos desde o Concilio de Trento, a tradição assim como a
Escritura é uma fonte sagrada de revelação, e é interessante notar nesse contexto que o próprio
Cardinal Ratzinger afirmou que o catecismo não tencionava ensinar “nova doutrina”. Em
outras palavras, ele pretendia ser um sumário daquelas verdades que são parte da história da
Igreja ao longo de dois mil anos de sua existência.

Interpretação

Deveria ser mais fácil agora para nós interpretar adequadamente as afirmações do Catecismo
acerca da astrologia contra esse pano de fundo longo, e bastante técnico. O sentido de tais
palavras como adivinhação, astrologia, horóscopo, e assim por diante existem aqui dentro de um
contexto do documento, que em si só articula uma tradição teológica ordinária. Claramente,
qualquer forma de astrologia que envolva comércio ilícito com demônios, que inclua um desejo
pecaminoso de poder, e que aumente o domínio da superstição humana, é algo que qualquer
cristão corretamente condena. Os grandes teólogos medievais que sancionaram a astrologia,
tais como Alberto Magno, Tomás de Aquino e Duns Scot, estavam bem inteirados dessa
questão, e eram muito cuidadosos em explicar que a astrologia que eles aceitavam era a disciplina
racional, totalmente livre da mácula de adivinhação. Deveria, portanto, ser evidente que, desde
que o Catecismo não ensina “nova doutrina”, não há questão aí para condenar a astrologia no
sentido em que ela comporta como um honrado lugar posto na Igreja por cerca de quinhentos
anos (veja a nota final).

Finalmente, é apenas justo notar que o Catecismo não está atacando inimigos imaginários. Há
formas de astrologia que envolvem superstições pré-racionais, há astrólogos que de fato tentam
comércio com “poderes ocultos”, e há outros para quem a astrologia provê um substituto
religioso para a revelação cristã. Mais ainda, a mente do público contemporâneo enxerga nossa
disciplina precisamente desta maneira. Então, o catecismo oferece àqueles de nós que querem
demonstrar uma astrologia racional, um logos33 dos astra34, uma excelente oportunidade de
educar o público mais amplo que nosso trabalho envolve uma ciência espiritual, uma busca pela
teofania cósmica e significativa da mesma maneira que nossos ances trais cristãos nas idades
passadas.

Nota Final

Releguei um breve sumário da história da astrologia cristã ao status de uma nota final para não
confundir os dados com a elaboração de princípio. O melhor, para meu conhecimento,
sumário disponível dessa questão é o trabalho em vários volumes do falecido Lynn Thordnike,
A History of Magic and Experimental Science [Uma História da Ciência Mágica e Experimental]
(Columbia University Press 1923). Este abrange numa visão geral substancial o alto olhar que
os papas, bispos, teólogos e o público cristão mais amplo tinham da astrologia
aproximadamente do século XI até a metade do XVII. Houve muito poucos cristãos nes se
período que duvidavam dos princípios gerais da astrologia, embora dúvidas se tornassem
comuns com a aceitação da “nova ciência” por volta do ano de 1650.

É instrutivo ler a questão 115 da Prima Pars da Summa Theologiæ de Tomás de Aquino, que
apresenta um sumário padrão das atitudes oficiais da Igreja para com a astrologia. No artigo 3
dessa questão, De Aquino responde afirmativamente à questão: “Se os corpos celestes são causas das
coisas que são feitas pelos corpos inferiores”. É claro, ele adiante insiste que as forças físicas não
podem diretamente compelir o intelecto humano e a vontade, dado que estes são
essencialmente faculdades espirituais. No entanto, ele adiciona a interessante observação em
resposta à objeção 3 no artigo 4: “Muitos homens seguem suas paixões que são do apetite sensitivo… e,

33 Estudo, conhecimento
34 Astros
portanto, os astrólogos podem, as mais das vezes, fazer predições reais especialmente em situações gerais (“in
communi)”. Cabe notar também que De Aquino em resposta à quarta objeção ao Artigo 3
explicitamente rejeita a adivinhação astrológica (“ad reppelendum scilicet divinationem quæ fit per
astra”). Há, para todos esses teólogos, uma clara distinção entre a astrologia como uma
disciplina racional, e sua maculada irmã a que o catecismo faz referência.

É também interessante notar que o pontífice atual, João Paulo II, em 20 de março de 1933
solenemente declarou João Duns Scot “Beato”. Agora, o processo que guia à sua declaração foi
longo, envolveu e incluiu a declaração de que seu ensinamento não continha nada contra a Fé
ou os Costumes. De fato, o Pe. Allan B. Wolter, O.F.M., nota em seu artigo Reflections on the Life
and Works os Scotus [Reflexões sobre a Vida e os Trabalhos de Scot] no American Catholic Philosophical
Quarterly [Trimestral Filosófico Católico Americano], inverno de 1993, que havia um volume de umas
trezentas e oitenta e seis páginas respondendo às objeções concernentes à doutrina de Scot.
Finalmente, um decreto saiu, em 4 de maio de 1972, “declarando que não havia mais impedimento na
base dessas objeções recentes aos escritos ou à doutrina de Scot” (art. cit., p.32).

No entanto, Scot era também um proponente convencido da astrologia. O Opus O-xonienses e a


Reportata Parisiensia foram aceitos como genuínos por todos os escolares, e eles ambos
firmemente apóiam a astrologia. Por exemplo, “Em quarto lugar, eu digo que eles (os corpos celestes)
atuam sobre os seres animados, alterando as misturas dos corpos para uma qualidade conformável ou
incompatível com a alma animando tal corpo, e assim eles podem atuar para a geração ou para a corrupção”
(Thorndike, op. cit. Vol II, p. 4. Na nota no final da página, Thorndike dá suas fontes como:
Scotus II sent., Dist. XIV, Quaestion II, encontrada na editio nova, Paris, 1891-1995, XVII, 661-
679, e XX111, 4802).

Cabe observar ainda, porém, que as escrituras do catecismo contra a astrologia como
adivinhação com efeito não contêm nova doutrina, mas são lugares -comuns entre os teólogos
medievais que, ao mesmo tempo, aceitam completamente a astrologia como função da razão
natural.

Pe. Cassidy proporcionou uma longa citação do trabalho de Lynn Thorndike mencionado
acima (Vol. 11, pp 9-12). Sua função era ilustrar ainda mais que o tipo de raciocínio teológico
que Pe. Cassidy usou no artigo é a maneira comum de proceder na Igreja. A citação se refere ao
tratado de “Agostino Trionfo ou Augustinus Triumphus de Ancona ao Papa Clemente V
contra adivinhos e intérpretes de sonho”.

“A característica interessante do trabalho de Triumphus é seu tratamento separado das


diferentes formas de adivinhação que começa com o décimo segundo capítulo sobre as artes
necromânticas. Seus métodos de invocar, conjurar, e suplicar são prestados a demô nios antes
que a bons anjos que não são tão abordados, e não se emprestariam ao engano de fazer tal
procedimento parecer eficaz per se. Não é assim, porque o homem não pode produzir tais
efeitos por meras concepções e palavras.

Similarmente a famosa arte de procurar ciência pela inspeção de certas figuras e formas de
palavras ou abstinência de comida não é consistente com a liberdade divina, desde que Deus
não dispensa seus presentes por causa de pactos ou barganhas. Ela não é uma das duas
maneiras comuns pelas quais os homens aprendem, nomeadamente ser ensinado s ou descobrir
por si mesmos pela observação da natureza. Ela nem mesmo é do demônio porque ele não
possui o poder de causar ciência e iluminação em nós. Portanto a verdadeira ciência não é
adquirida por essa arte.

Nem Augustus admitiria o uso na prática médica ou preservar a vida de adivinhações,


experimentos, figuras, caracteres escritos em pergaminhos, encantamentos e coisas do tipo.
“Figuras, caracteres, encantamentos e outros experimentos” podem ter eficácia apenas por
obra do demônio. Esse uso da palavra “experimento” para alguns procedimentos
supersticiosos é mais um testemunho para sua longa associação com a magia. A verdadeira
medicina na opinião de Triumphus combate as doenças quentes com remédios frios ou vice-
versa, e aplica o ativo ao passivo, mas formas artificiais como caracteres e figuras não são a
origem da ação ou paixão naturais. Mas ele não diz nada da possibilidade da virtude oculta nos
objetos naturais. Ele segue censurando severamente aqueles clérigos que encorajam os homens
simples a práticas supersticiosas e idólatras ao vender-lhes figuras e pergaminhos com nomes
divinos ou santos para vestirem no pescoço.

Discutindo as observações supersticiosas dos dias, Augustinus é cuidadoso em eximir o


observador dos tempos de acordo com os cursos naturais das estrelas. Não apenas isso não é
pecado, mas para a mente dele um astrólogo pecaria se permitisse que um cliente navegasse
quando o sol estivesse num signo desfavorável que ele acreditava pressagiar uma tempestade
perigosa.

Similarmente, um médico que pedisse flebotomia num momento que a lua estivesse
desfavorável a isso. Trionfo, de feito, está pronto para pôr sob o controle das estrelas todos os
eventos que não procedem de nosso livre arbítrio e admite que apenas alguns poucos homens
exercem sua liberdade para resistir às impressões dos corpos celestes. Ele também está pronto
para afirmar que os cantos dos pássaros e os movimentos dos animais talvez reflitam as
influências celestes suficientemente para constituir alguma base para augúrios, e mesmo o
cálculo de pontos na geomancia é também influenciado. Mas ele não acredita que esses
elementos da verdade nessas duas artes são o suficiente para justificar sua prática. Tais métodos
incertos de adivinhação que têm alguma aparência de verdade são justamente aqueles em que o
demônio está apto a interferir e a tentar enganar os homens”.

Conclusão

O artigo está muito longo, além do que imaginaria, entretanto, preciso concluí-
lo. Esse artigo não visa que ninguém comece a adotar do dia para a noite a
prática astrológica até porque como vivemos num mundo em que a visão
moderna dessa prática é a mais comum torna-se muito difícil encontrar uma
fonte segura e confiável para estudar. Também não pretendo com esse artigo
transformar ninguém em meu cliente imediato.

Também não viso que alguém ao ler esse artigo se converta num “crente” da
astrologia, até porque ela não é um tipo de fé, mas uma prática.

Esse artigo visa unicamente ensinar a leigos (na prática da astrologia) e aos
que desconhecem a situação religiosa dessa prática diante do catolicismo
poder adquirir algum tipo de capacidade de discernimento sobre o certo x
errado. Argumentos contra vão existir aos montes, mas ao menos tentei nesse
artigo colocar uma ordem mínima numa visão mais favorável a arte.

Fica aqui dito então que o maior problema da igreja com a astrologia se dá pela
capacidade que essa arte pode possuir de tornar obscura a responsabilidade
pelos nossos vícios além de poder limitar o uso do arbítrio humano, obviamente
que essa preocupação também ocorre com outros elementos de nossa vida
(principalmente muitas análises psicológicas que correm por aí).

Mas principalmente o lado mais favorável de compreender o simbolismo


astrológico é expurgar da nossa alma o câncer do mecanicismo moderno,
nossa visão de bronze da realidade 35 que simplesmente enxerga tudo como um
mecanismo numa relação de causa-efeito. O domínio que a ciência moderna
possui diante da religião (Como podemos ver em 2020) e também sobre as
nossas almas, onde tudo aquilo que é canônico é somente aquilo que é
verificável pelo método científico.

A era em que a astrologia era mais comum na sociedade foi a era medieval,
vimos o exemplo de um santo que num livro sobre a fé dá uma aula de
simbolismo astrológico fazendo qualquer leitor entender como se dá a
interpretação dos símbolos, fases da lua, sol, eclipses, etc; mesmo não sendo
um astrólogo de atividade São João Damasceno nos mostra que conhecer
esse simbolismo basicamente pode ser essencial para manter uma fé ortodoxa.

Não pretendo mais me alongar, mas espero e peço em Deus que esse artigo
sirva para iluminar inteligências e que as inteligências sendo iluminadas
possam buscar conscientemente a verdade e o amor a Deus.

Por: Yuri Alan Soares dos Anjos, 08/09/2023, 21:27, Goiânia – GO/Brasil

35Expressão comum entre os santos padres para justificar o indivíduo que não conseguia entender as
parábolas do Evangelho.

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