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Hermetismo - Perguntas Frequentes: Textos Herméticos

O que é a “Hermética?”

Não existe um único texto clássico chamado de “Hermética”, O termo “Hermética” é


utilizado como uma referência ao conjunto de textos herméticos do período clássico.
Eles assim são denominados por constituírem-se como obras pseudo-epígrafes
atribuídas a Hermes Trismegisto. Portanto, não existe nenhum texto hermético
intitulado “Hermética”.

O que é o “Divino Pimandro”?

Quando Marsilio Ficino traduziu o Corpus Hermeticum do grego para o latim no século
XV d.C, ele usou o título do primeiro “livro” como título para toda a tradução. Isto foi
como intitular o Antigo Testamento de “Livro do Gênesis”. Alguns tradutores
posteriores que trabalharam com a tradução de Ficino, como John Everard, também
usaram o mesmo título. Por isso, a depender do contexto, “Divino Pimandro” pode
referir-se ao Livro I do Corpus Hermeticum, à traduções posteriores do Corpus
Hermeticum ou ao próprio personagem Poimandres, que aparece no livro.

O que é a “Hermética Filosófica”?

Existem muitos textos herméticos que diferem entre si desde a antiguidade e, embora
a distinção entre eles nem sempre seja tão clara ou fixa como alguns estudiosos
gostariam de acreditar, um grupo desses textos é conhecido como a “Hermética
Filosófica” ou “Hermética Teórica”. Esses textos enfocam o lado filosófico,
cosmológico, religioso, místico, teosófico e doutrinário do hermetismo, e geralmente
consistem em diálogos ou cartas entre Hermes Trismegisto e seus alunos. Embora
possam mencioná-los em alto nível, os textos “filosóficos” geralmente carecem de
quaisquer detalhes sobre qualquer prática hermética, como o estudo da astrologia, a
consagração de talismãs, a animação de estátuas ou similares; em outras palavras, há
pouca “magia” ou “ritual” na “Hermética Filosófica”. Exemplos de “Hermética Filosófica”
incluem (mas não estão limitados a) o Corpus Hermeticum, o Logos Teleios e os
Excertos de Estobeu.

O que é a “Hermética Técnica”?

Em oposição à “Hermética Filosófica”, a “Hermética Técnica” (ou “Hermética Prática”)


concentra-se nas artes e ciências popularmente associadas a Hermes Trismegisto,
como astrologia, magia, botânica, alquimia, medicina etc. No entanto, devido à
inferioridade qualitativa da “Hermética Técnica” em comparação com a “Hermética
Filosófica”, muitos historiadores e estudiosos do hermetismo não deram a devida
atenção a estes textos. Além disso, como a maioria dos textos da “Hermética Técnica”
se desenvolveu em um período pós-clássico e moderno, bem depois do último texto
da “Hermética Filosófica” ter sido escrito; e como muitas das práticas que se
encontram nesses textos divergem da proposta espiritual da “Hermética Filosófica”,
alguns historiadores e estudiosos decidiram não classificar essa literatura como
“hermetismo”, mas como “hermeticismo”. Exemplos de “Hermética Técnica” incluem os
Papiros Mágicos Gregos e o Picatrix.

O Corpus Hermeticum é a “Bíblia” do Hermetismo?

Dada a popularidade e fama que esta coleção de textos recebeu ao longo dos últimos
600 anos, ela tem sido interpretada dessa forma. No entanto, é claro que o Corpus
Hermeticum é apenas uma das várias coleções de textos herméticos e, apesar de sua
importância para o estudo e a prática do hermetismo, ele não deve ser considerado
como a única coleção de textos dessa tradição. Dito isto, considerando que o Livro I
do Corpus Hermeticum nos dá o mito fundador do hermetismo, não é de todo errôneo
considerar o Corpus Hermeticum como a “Bíblia” do Hermetismo.

E quanto ao Caibalion?

Apesar desse livro se autointitular como “hermético”, ele não é um texto hermético de
fato. Pelo contrário, o Caibalion foi escrito por William Walker Atkinson, um dos
pioneiros do movimento do Novo Pensamento. Embora o Caibalion afirme ser
baseado em um antigo livro hermético (supostamente chamado de “O Caibalion”),
nenhum texto desse tipo jamais foi descoberto, as doutrinas nele contidas não
coincidem com as da “Hermética Filosófica” e a terminologia usada dentro dele é
estranha a textos clássicos de qualquer tipo, embora combine perfeitamente com a
terminologia da Nova Era do final do século XIX e início do século XX d.C. Além disso,
o Caibalion carece de qualquer noção de teologia ou teosofia presente nos textos
herméticos clássicos. Embora muitos ocultistas modernos amem o Caibalion, e apesar
de muitas pessoas terem se interessado pelo hermetismo por causa do Caibalion, o
Caibalion não é um texto hermético.

E quanto às Tábuas de Esmeralda de Thoth, o Atlante? Este é o mesmo texto da


Tábua de Esmeralda?

As "Tábuas de Esmeralda de Thoth, o Atlante" são outra criação inteiramente


moderna, muito parecida com o Caibalion, e por isso também não são herméticas.
Esse nome foi baseado na Tábua de Esmeralda (ou Tabula Smaragdina), um pequeno
extrato de um livro árabe medieval do século VII d.C sobre filosofia natural e alquimia
chamado "Livro dos Segredos da Criação" (Kitāb Sirr al-khalīqā), atribuído a Apolônio
de Tiana. A Tábua de Esmeralda é um texto extremamente denso e enigmático, e tem
recebido muita atenção ao longo dos séculos desde a sua primeira tradução para o
latim no século XII d.C, embora não esteja totalmente claro se esta foi uma criação
dos alquimistas islâmicos medievais, ou mesmo se é uma tradução de algo anterior do
período clássico.

Qual é o problema com a Tábua de Esmeralda, afinal?

A Tábua de Esmeralda é um texto “hermeticista” bem conhecido, embora


extremamente curto. Devido ao seu caráter poético e enigmático, ele recebeu muita
atenção desde que entrou na mentalidade europeia, e muita tinta foi derramada sobre
como interpretá-lo e sobre como ele poderia ter origens míticas. Essa obra se baseia
no simbolismo alquímico islâmico (que foi a base de grande parte da alquimia
ocidental e europeia) para comunicar um processo de produção da Pedra Filosofal a
partir da transmutação dos quatro elementos. É deste texto que vêm os famosos
ditados “é verdade sem mentira” e “como é em cima, é embaixo”.

E quanto a Julius Evola e sua “Tradição Hermética”?

Como o próprio Evola admitiu na sua introdução à “Tradição Hermética”, o livro não
tem nada a ver com o hermetismo. Quando ele usa o termo “tradição hermética”, ele
se refere à sua própria visão do simbolismo alquímico medieval e renascentista,
informado pela espiritualidade védica e hindu de influência teosófica.

Os textos herméticos estão codificados ou criptografados?


Não. Para ser justo, muitos desses textos podem ser densos e difíceis de ler, mas isso
é o resultado de duas coisas: 1) o próprio assunto de que tratam também é denso e
difícil de comunicar em qualquer idioma; 2) e também porque o estilo de sua escrita
pode ser difícil para muitas pessoas modernas. Eles foram, no entanto, escritos nos
estilos retóricos e literários habituais da civilização helenística, comuns a muitos textos
filosóficos, religiosos ou místicos do mesmo período e idioma. Nunca houve qualquer
sugestão de que eles foram criptografados apenas para os iniciados decifrarem, ou
que foram escritos em um código que pode ser analisado a partir de pistas escondidas
no texto; tais afirmações são por vezes repetidas por aderentes do movimento da
Nova Era, mas isto é quase sempre um disfarce para as pessoas lidarem com a sua
própria incapacidade de ler e digerir estes textos, ou de outra forma permitir que elas
falem ignorantemente sobre os textos sem experiência direta com eles. A única coisa
que esses textos precisam é de tempo e dedicação para serem compreendidos; eles
merecem uma reflexão cuidadosa para se chegar a algum lugar com eles.

Os textos herméticos estão corrompidos ou incompletos?

É verdade que, ao longo dos últimos 2000 anos, alguns textos herméticos se
perderam, e os que sobreviveram nem sempre chegaram ao presente em seu estado
prístino; às vezes há lacunas nos textos, às vezes marginálias ou notas externas
foram incorporadas aos textos, ou às vezes a linguagem é tão distorcida que se torna
difícil compreendê-los. Embora estes sejam problemas definitivos, a nossa
compreensão dos textos herméticos (com a ajuda de estudos modernos e comparação
com textos relacionados em tradições religiosas e filosóficas semelhantes ou
contemporâneas) está melhor do que nunca, e muitos destes problemas foram
resolvidos de uma forma que preserva (ou recupera) o significado original dos próprios
textos herméticos. Assim, embora algumas partes dos textos herméticos estejam
corrompidas ou incompletas, eles estão incorruptos e completos como um todo, e
ainda são bastante compreensíveis hoje, com o mesmo significado e impacto que
tinham há 2000 anos.

E os textos herméticos que perdemos?

Infelizmente, nós só temos acesso aos textos herméticos que sobreviveram à foice do
tempo e à pena dos redatores. Sabemos com certeza que houve mais textos
herméticos escritos do que os que temos hoje, e sabemos que alguns dos textos que
temos não estão completos. No entanto, só nos resta a esperança de que ainda
existam manuscritos por aí, escondidos nas areias do deserto ou ainda preservados
em bibliotecas de mosteiros ou coleções de museus, que contenham textos
herméticos ainda não descobertos. Até então, contentamo-nos com o que podemos e
tentamos preencher as lacunas da forma mais razoável possível.

Quais são os textos centrais do hermetismo?

O “coração pulsante” e a raiz de grande parte do hermetismo são encontrados no


cânone hermético clássico, que pode ser considerado como consistindo nos seguintes
textos da “Hermética Filosófica”:

● O Corpus Hermeticum (CH), uma coleção de 17 textos curtos;


● Esta é a coleção de textos herméticos mais famosa e
conhecida da atualidade.
● Embora tenha surgido na antiguidade clássica, o Corpus
Hermeticum foi preservado e editado por cristãos bizantinos.
● Discurso Perfeito, também chamado de Logos Teleios ou Asclepius (AH);
● Este é o texto hermético mais famoso junto com o Corpus
Hermeticum, especialmente antes da recuperação do Corpus
Hermeticum na Europa Ocidental no século XV d.C.
● A versão mais popular deste texto foi preservada apenas em
latim.
● As seções 21 a 29 do Asclepius latino também foram
preservadas em copta na Biblioteca de Nag Hammadi (NHC
VI.8)
● A oração final de ação de graças do Asclepius também está
presente em copta na Biblioteca de Nag Hammadi (NHC
VI.7), bem como em grego nos Papiros Mágicos Gregos
(PGM III.590-611)
● As Definições de Hermes Trismegisto a Asclépio (DH), uma coleção de 49
“definições” - ensinamentos resumidos - preservadas em armênio e
traduzidas para o francês e o inglês no final do século XX d.C;
● Os Excertos de Estobeu (SH), uma série de 29 textos herméticos de
comprimentos variados, compilados por João Estobeu em sua Antologia
do século V d.C;
● Uma das séries mais famosas de textos herméticos dos
Excertos de Estobeu é o Kore Kosmou (“Virgem do Mundo”),
preservado do 23º ao 26º excerto.
● Os Fragmentos de Oxford (OH), uma série de cinco textos herméticos;
● Os Fragmentos de Viena (VH), dois textos herméticos mal preservados;
● O Discurso sobre a Oitava e o Nona (D89), um pequeno texto que
descreve um ritual de elevação espiritual e ascensão divina preservado
em copta como parte da Biblioteca de Nag Hammadi (NHC VI.6);
● Vários fragmentos e trechos dos textos herméticos, preservados por
outros autores e escritores (FH);
● Algumas citações e testemunhos (TH) relacionados com Hermes
Trismegisto e os textos herméticos.

No que diz respeito à “Hermética Técnica”, no entanto, há muito mais variabilidade em


termos de quais textos devem ser considerados herméticos, tendo em vista que eles
diferem muito entre si e podem ser harmonizar ou não com a “Hermética Filosófica”
em diferentes graus.

Em que ordem devo ler os textos herméticos?

Como cada texto é considerado um único tratado por si só, e como nenhuma das
coleções realmente se baseia uma na outra (mesmo que haja poucas referências
passageiras de uma para outra), geralmente não importa em que ordem você os lê
(pelo menos no que diz respeito à “Hermética Filosófica”).

Quais são as diferenças entre as traduções dos textos herméticos, e quais devo
obter?

Via de regra, opte sempre por traduções mais modernas. É verdade que as traduções
de Ficino, Everard e Mead foram muito importantes na história do esoterismo
ocidental, mas temos hoje à nossa disposição mais textos herméticos, com uma
melhor compreensão contextual do que os que estavam disponíveis aos tradutores
anteriores. Para esse fim, as melhores traduções para o inglês disponíveis hoje de
textos herméticos clássicos são aquelas produzidas por Brian Copenhaver, M. David
Litwa, Clement Salaman e J-P. Mahé (além de incluir mais notas e referências que
ajudam a elucidar ainda mais o texto traduzido, geralmente ausentes em traduções
anteriores). As melhores traduções para o português, por outro lado, são aquelas
produzidas por David Pessoa de Lira e Américo Sommerman. Traduções mais antigas
podem ser usadas, mas devem ser cruzadas com traduções modernas sempre que
possível para garantir que o significado do texto seja devidamente compreendido.

O que mais devo ler para aprender mais sobre o hermetismo?

Muitas obras do período helenístico, incluindo aquelas relacionadas ao estoicismo,


platonismo (seja antigo, médio ou novo), aristotelismo, judaísmo helenístico, religião e
filosofia egípcia, são úteis para obter uma melhor base contextual para abordar e
compreender os textos herméticos. Além destes textos antigos, os estudos modernos
sobre o hermetismo também são úteis para compreender aspectos desses textos que
não são facilmente apreendidos pelo leitor comum. Dentre os autores que se dedicam
a esses estudos, podemos citar:

● Brian Copenhaver
● Clement Salaman
● Jean-Pierre Mahé
● Walter Scott
● Kevin van Bladel
● André-Jean Festugière
● Garth Fowden
● Christian Bull
● David Pessoa de Lira
● Pedro Barbieri Antunes
● Otávio Santana Vieira
● Vinicius Pimentel Ferreira

Esse texto foi traduzido e adaptado do artigo "Hermeticism FAQ: Part II, Texts"
publicado pelo blog Digital Ambler.

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