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O que é a “Hermética?”
Quando Marsilio Ficino traduziu o Corpus Hermeticum do grego para o latim no século
XV d.C, ele usou o título do primeiro “livro” como título para toda a tradução. Isto foi
como intitular o Antigo Testamento de “Livro do Gênesis”. Alguns tradutores
posteriores que trabalharam com a tradução de Ficino, como John Everard, também
usaram o mesmo título. Por isso, a depender do contexto, “Divino Pimandro” pode
referir-se ao Livro I do Corpus Hermeticum, à traduções posteriores do Corpus
Hermeticum ou ao próprio personagem Poimandres, que aparece no livro.
Existem muitos textos herméticos que diferem entre si desde a antiguidade e, embora
a distinção entre eles nem sempre seja tão clara ou fixa como alguns estudiosos
gostariam de acreditar, um grupo desses textos é conhecido como a “Hermética
Filosófica” ou “Hermética Teórica”. Esses textos enfocam o lado filosófico,
cosmológico, religioso, místico, teosófico e doutrinário do hermetismo, e geralmente
consistem em diálogos ou cartas entre Hermes Trismegisto e seus alunos. Embora
possam mencioná-los em alto nível, os textos “filosóficos” geralmente carecem de
quaisquer detalhes sobre qualquer prática hermética, como o estudo da astrologia, a
consagração de talismãs, a animação de estátuas ou similares; em outras palavras, há
pouca “magia” ou “ritual” na “Hermética Filosófica”. Exemplos de “Hermética Filosófica”
incluem (mas não estão limitados a) o Corpus Hermeticum, o Logos Teleios e os
Excertos de Estobeu.
Dada a popularidade e fama que esta coleção de textos recebeu ao longo dos últimos
600 anos, ela tem sido interpretada dessa forma. No entanto, é claro que o Corpus
Hermeticum é apenas uma das várias coleções de textos herméticos e, apesar de sua
importância para o estudo e a prática do hermetismo, ele não deve ser considerado
como a única coleção de textos dessa tradição. Dito isto, considerando que o Livro I
do Corpus Hermeticum nos dá o mito fundador do hermetismo, não é de todo errôneo
considerar o Corpus Hermeticum como a “Bíblia” do Hermetismo.
E quanto ao Caibalion?
Apesar desse livro se autointitular como “hermético”, ele não é um texto hermético de
fato. Pelo contrário, o Caibalion foi escrito por William Walker Atkinson, um dos
pioneiros do movimento do Novo Pensamento. Embora o Caibalion afirme ser
baseado em um antigo livro hermético (supostamente chamado de “O Caibalion”),
nenhum texto desse tipo jamais foi descoberto, as doutrinas nele contidas não
coincidem com as da “Hermética Filosófica” e a terminologia usada dentro dele é
estranha a textos clássicos de qualquer tipo, embora combine perfeitamente com a
terminologia da Nova Era do final do século XIX e início do século XX d.C. Além disso,
o Caibalion carece de qualquer noção de teologia ou teosofia presente nos textos
herméticos clássicos. Embora muitos ocultistas modernos amem o Caibalion, e apesar
de muitas pessoas terem se interessado pelo hermetismo por causa do Caibalion, o
Caibalion não é um texto hermético.
Como o próprio Evola admitiu na sua introdução à “Tradição Hermética”, o livro não
tem nada a ver com o hermetismo. Quando ele usa o termo “tradição hermética”, ele
se refere à sua própria visão do simbolismo alquímico medieval e renascentista,
informado pela espiritualidade védica e hindu de influência teosófica.
É verdade que, ao longo dos últimos 2000 anos, alguns textos herméticos se
perderam, e os que sobreviveram nem sempre chegaram ao presente em seu estado
prístino; às vezes há lacunas nos textos, às vezes marginálias ou notas externas
foram incorporadas aos textos, ou às vezes a linguagem é tão distorcida que se torna
difícil compreendê-los. Embora estes sejam problemas definitivos, a nossa
compreensão dos textos herméticos (com a ajuda de estudos modernos e comparação
com textos relacionados em tradições religiosas e filosóficas semelhantes ou
contemporâneas) está melhor do que nunca, e muitos destes problemas foram
resolvidos de uma forma que preserva (ou recupera) o significado original dos próprios
textos herméticos. Assim, embora algumas partes dos textos herméticos estejam
corrompidas ou incompletas, eles estão incorruptos e completos como um todo, e
ainda são bastante compreensíveis hoje, com o mesmo significado e impacto que
tinham há 2000 anos.
Infelizmente, nós só temos acesso aos textos herméticos que sobreviveram à foice do
tempo e à pena dos redatores. Sabemos com certeza que houve mais textos
herméticos escritos do que os que temos hoje, e sabemos que alguns dos textos que
temos não estão completos. No entanto, só nos resta a esperança de que ainda
existam manuscritos por aí, escondidos nas areias do deserto ou ainda preservados
em bibliotecas de mosteiros ou coleções de museus, que contenham textos
herméticos ainda não descobertos. Até então, contentamo-nos com o que podemos e
tentamos preencher as lacunas da forma mais razoável possível.
Como cada texto é considerado um único tratado por si só, e como nenhuma das
coleções realmente se baseia uma na outra (mesmo que haja poucas referências
passageiras de uma para outra), geralmente não importa em que ordem você os lê
(pelo menos no que diz respeito à “Hermética Filosófica”).
Quais são as diferenças entre as traduções dos textos herméticos, e quais devo
obter?
Via de regra, opte sempre por traduções mais modernas. É verdade que as traduções
de Ficino, Everard e Mead foram muito importantes na história do esoterismo
ocidental, mas temos hoje à nossa disposição mais textos herméticos, com uma
melhor compreensão contextual do que os que estavam disponíveis aos tradutores
anteriores. Para esse fim, as melhores traduções para o inglês disponíveis hoje de
textos herméticos clássicos são aquelas produzidas por Brian Copenhaver, M. David
Litwa, Clement Salaman e J-P. Mahé (além de incluir mais notas e referências que
ajudam a elucidar ainda mais o texto traduzido, geralmente ausentes em traduções
anteriores). As melhores traduções para o português, por outro lado, são aquelas
produzidas por David Pessoa de Lira e Américo Sommerman. Traduções mais antigas
podem ser usadas, mas devem ser cruzadas com traduções modernas sempre que
possível para garantir que o significado do texto seja devidamente compreendido.
● Brian Copenhaver
● Clement Salaman
● Jean-Pierre Mahé
● Walter Scott
● Kevin van Bladel
● André-Jean Festugière
● Garth Fowden
● Christian Bull
● David Pessoa de Lira
● Pedro Barbieri Antunes
● Otávio Santana Vieira
● Vinicius Pimentel Ferreira
Esse texto foi traduzido e adaptado do artigo "Hermeticism FAQ: Part II, Texts"
publicado pelo blog Digital Ambler.