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Oi Lês! Eu não sei bem ao certo se eu realmente quero 
que você veja isso, eu só quero que quando veja, seja porque eu 
tive coragem de entregar, nessa época eu ainda morava 
naquela cidade. 
Leia com calma, tá? Lesminha de córrego :) 
 
Por incrível que pareça, eu tive um bom motivo (é sério) 
 
Eu devia ter uns 4 ou 5 anos quando percebi que o pessoal da 
minha casa era meio burro, sem hiperbole nenhuma, eles 
praticamente davam plantas medicinais rarissimas pras outras 
pessoas sem ao menos falar o quanto aquilo valia, tipo, toda a nossa 
renda vinha daquela porcaria de farmácia que, pelo amor de deus, 
podia ser tão mais bem aproveitada. Quando eu cresci um pouco 
mais passei a sair com meu irmão em viagens longas atrás de 
plantas medicinais, ervas malucas e AAAAAAAAA que ódio era ver 
eles entregando nossas plantas a menos de 15 moedas de ouro. Eu 
tentei discutir com eles depois de um tempo e tudo o que eles me 
diziam era “ah mas eles não tem condições de sair atrás dessas 
plantas e pipipi popo” CARA FODA-SE! Era a nossa única renda, não 
dava pra sair distribuindo as coisas desse jeito. 
 
Foi nesse ambiente em que eu cresci, foi uma infância meio 
merda, mas fazer o que. Um dia estava chovendo, mais um motivo 
pra sair de casa, talvez se eu pegasse um resfriado ou uma doença 
mortal o pessoal de casa iria saber o valor daquelas plantas. Eu digo 
isso, mas o máximo que eu fazia era ficar na calçada do lado de fora 
brincando com o musgo do concreto enquanto as mine-correntezas 
de água se formavam pelas beiradas da estrada. Foi lá que eu tive a 
minha primeira grande ideia. 
 
Eu vi um caracol sendo trazido pela mine-correnteza, ele 
provavelmente havia tentado comer uma das gramas que cresciam 
próximas a beira da estrada, claramente não deu certo KEKW, mas 
depois de ser carregado alguns metros pela correnteza ele parou em 
um arbusto e conseguiu comida pra vida toda, além de um abrigo 
até o fim da chuva. Foi uma cena, além de bonitinha, bem legal de 
pensar sobre. Aquele caracol foi muito burro de tentar comer uma 
graminha pouca que claramente não valia o risco, ou ele foi corajoso 
o suficiente pra se jogar na correnteza e esperar ser agarrado por 
um arbusto? Um real dilema digno de um pensador contemporâneo, 
ou de uma guaxinim bravinha e com muito tempo livre. 
 
Eu busquei na minha mente o que eu poderia fazer para 
aumentar a produtividade da nossa farmácia e, uma ideia suja e 
arriscada me veio. Antes de pensar que eu poderia cair em um bueiro 
ou algo do tipo, eu me joguei na correnteza esperando encontrar o 
meu arbusto. 
 

Por favor, eu só queria uma vida melhor, entenda! 


Sempre que eu andava pela periferia daquela cidade 
grande e mal cuidada eu via pessoas com suas vidas meio sujas, era 
como se elas estivessem vivendo da pior forma possível apenas 
esperando dar merda para correrem pra primeira farmácia barata, 
no caso a nossa, para levar os medicamentos da forma mais fácil 
possível, aquilo estava errado, por que nós éramos obrigados a sair 
em expedições para manter esse tipo de pessoa saudável? Isso me 
dá raiva, eu poderia apenas dar um motivo pra eles irem à farmácia 
de um jeito menos medíocre. 
 
Eu já tinha o conhecimento necessário sobre ervas medicinais e 
nocivas. É isso, eu vou dar-lhes um motivo. Então eu passei a fazer 
venenos e não demorou muito para que pessoas mal intencionadas 
passassem a procurar a “Guaxinim dos dedos púrpura" (meu deus, 
esse nome, é difícil tirar a cor roxa que algumas das ervas nocivas 
deixavam nas mãos, mesmo de luvas, o pigmento manchava um 
pouco os dedos). O ponto é que, com esse número grande de 
pessoas à procura de antídotos, o movimento da nossa pequena 
casa de ervas medicinais acabou aumentando a um ponto que não 
dava mais para manter os preços antigos, senão morreríamos de 
fome. Como resultado, os preços das ervas mais procuradas, que 
foram exatamente as que eu escolhi como antídotos mais eficientes, 
acabaram aumentando drasticamente. 
 
A cidade ficou um caos durante os dias que demoraram até o 
pessoal da minha casa se tocar da situação. E como já era de se 
esperar, depois da tempestade veio a calmaria, esse susto na minha 
família fez com eles tivessem medo de abaixar demais os preços de 
novo. 
 
Nossa vida estava bem mais estável, sem meses difíceis, todas 
as contas em dia, mais refeições diferenciadas, por mais que fossem 
só tipos diferentes de refogados de legumes. E mesmo assim, a 
expressão no rosto dos meus pais era de pura tristeza, como assim? 
Tá tudo bem agora, não é? Por que esses olhares tristes pra cima de 
mim? Porque tá todo mundo olhando pra mim? Como que… vocês… 
descobriram tudo? É meio difícil tirar a cor roxa das mãos, eu tinha 
esquecido de passar mais álcool dessa vez. FODA-SE! TUDO O QUE 
EU FIZ FOI PENSANDO NA GENTE! Aquele pessoal não merecia 
nossos remédios de maneira tão fácil! A gente tinha que fazer 
alguma coisa e vocês não me ouviram, então eu… eu fiz tudo sozinha! 
Do jeito que eu achei mais prático. Esse é o meu arbusto! Por incrível 
que pareça eu tive um bom motivo! Por favor, eu só queria uma vida 
melhor, entenda! 
 
Eu continuava tentando me defender, eu nem sabia mais pra 
quem eu estava falando aquilo tudo mas, uma coisa me fez perceber. 
Eu esqueci que quando aquele caracol pulou na correnteza ele 
colocou a si mesmo em perigo, mas minha mãe disse que minha 
correnteza havia matado 14 pessoas só nesses últimos 5 dias. 
 
Eu lembro que, naquele momento, a única coisa que eu queria 
era chorar, mas eu sorri, eu gargalhei, eu não queria, eu estava 
desesperada, MALDITOS CARACÓIS!!!! MALDITA CHUVA!!!! MALDITA 
ESTRADA!!!! MALDITOS ARBUSTOS!!!! Maldita guaxinim com muito 
tempo livre, malditos pensadores contemporâneos. Eu demorei muito 
pra lavar as mãos… essa PORRA de cor roxa não vai sair tão sedo. Eu 
nem tenho mais nome nas periferias, todo mundo me chama de 
“Dedos roxos” ou só "Púrpura". Eu não quero mais ficar aqui, o 
número de mortes pelos meus venenos só aumenta. Acho que vou 
dar um último golpe no coração das pessoas que mais me amavam, 
ou pelo menos haviam amado algum dia. Eu vou levar a antiga besta 
de mão que ninguém usa a anos e ir embora, achar um meio de 
consertar meu erro, eu disse erro? Não foi um erro, eu pelo menos 
não diria erro, foi mais um… AHHH eu tive meus motivos! 
 
Esses pensamentos me fazem questionar o real motivo de eu 
estar saindo da cidade. Eu quero o bem de todos ou eu só quero me 
sentir melhor? De qualquer forma, os três reinos estavam em guerra 
e os reinos do sul e do norte decidiram se juntar, eu acho que eu 
posso começar o pagamento da minha dívida, não dá pra chamar de 
dívida, eu tive os meus motivos, mas dá pra começar fazer seja lá o 
que eu queira fazer me alistando em algumas dessas missões, tem 
dinheiro envolvido não é? E se eu… NÃO! Por que eu daria alguma 
coisa para aquelas pessoas? Por que eu quero tanto fazer isso? 

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