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À TERRA

Disse o velho índio à tribo, mantendo no olhar o brilho: “O que acontecer à terra,

acontecerá a seus filhos”.

É a sentença dada pela própria natureza, que mostra aos homens tão “fortes” a

sua grande fraqueza; por não saber conviver, destroem só para fazer, da morte surgir

riqueza.

E assim despem a terra, de toda sua cobertura, deixando à mostra as feridas em

sua carne batida, veias secas, sem poder levar a vida.

Parece uma chapa quente expulsando os animais, os pássaros e os insetos; povos

perdem os direitos, deixando de ser sujeitos, e vão se amontoando em alguns poucos

locais.

Em seu ventre machucado jogam os fortes venenos, como se fosse remédio. Os

filhos que nela vivem misturando a dor e o tédio, procuram sem resultado, o ar puro,

que vinha de trás da encosta. Hoje a chuva cai e lava deixando os ossos à mostra.

Como a careca do homem se descabela a montanha, luzindo ao calor do sol que

bate em sua crosta dura, onde as unhas dos arados passam, mas já não arranham.

Folhas secas já não caem. A terra morre de fome. E se ela nada produz, nada os

seus filhos comem. Sem água a terra endurece. O peixe some, e então no homem, a

fome cresce.

Quando a lua surge no alto, já não tem o que fazer. Olha acanhada e não vê

aquele trabalhador que, banhado de suor, parava pra adormecer.

As fases da lua não vogam, crescente, cheia ou minguante, isso ficou tão

distante, esquecido na memória, porque hoje a grande glória, das modernas invenções é

cuidar das plantações com água que queima o abrigo, como se milhões de insetos

fossem todos inimigos.


Muita contaminação, muita fome, muita sede. Não há canto de cigarras nem

gente que arma redes. Já não se espalham sementes, nem há vizinhos e visitas, falta

pomares floridos, danças, vestidos de chita.

Os pobres tocos das árvores, abraçados às cicatrizes, olham tristes para os

troncos que arrastados vão embora. Igual à população que um dia deixou o sertão; sem

raízes vive agora.

Terra escura, vermelha ou matizada, deixou de sorrir porque se aposentaram as

enxadas. Em cada cabo havia gente, com os pés espalhando o mato e que produziam

canções naquele mundo pacato.

O silêncio das enxadas calou o braço sofrido que ficou sem serventia, como o

dia de chuva forte. A terra perdeu aos poucos milhões de seus habitantes, as empresas

transformaram sábios em ignorantes.

Não se sabe o que se planta, o que se colhe e o que se come. Hoje nos

laboratórios sementes mudam de nome, que depois vão lá pra terra como se fosse uma

guerra onde há duas partes lutando.

A cada palmo plantado, tanques, em tratores traçados, vão a vida bombardeando.

A terra boa, mas queimada, perde sua vitalidade, enquanto os braços balançam

na total ociosidade. Sempre é tempo de alertar, com a sã filosofia; que um povo não será

livre e nem terá alegria, enquanto seu alimento e todas as sementeiras, forem,

produzidas e trazidas, de fora de suas fronteiras.

Ademar Bogo, Julho 2007, Cartas de amor nº 10.

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