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Capitulo Cultura e humanizacdao Conceituar cultura é dificil e sempre polémico, diante das inémeras interpre tagdes vigentes e das que foram dadas ao longo do tempo. Com cia, faremos uma introducéo didatica a partir da qual o leitor pode: caminhos diversos Consideramos © conceito de cultura sob dois aspectos diferentes: o sentido amplo, antropolégico, e o sentido res trito. No primeiro sentido, a diferenca dos animais, somos todos seres culturais, produtores de obras materiais e de pen samento. No segundo sentido, referente 4 producao intelectual das artes, das le tras e outras manifestacdes intelectuais, trata-se de expressdes que podem atrair maior ou menor interesse das pessoas por um tipo especifico de producdo ou de possibilidade de acesso a ela, uma vez que nas sociedades hierarqui os bens culturais nem sempre se encon ssa advertén: guir por « “© sono da razao desperta monstros adverténcia de Goya, cadas em pleno Iluminismo, tram igualmente disponiveis para todos. exalta a raze. No mundo Ainda quanto ao segundo sentido, nao contemporéneo, porém, € nos resiringiremos ao conceito de cultura preciso estarmes atentos erudita, para analisar outros modos de aos fins a que se destinam 05 avansos da ciéncia e da tecnologia, porque, na sombra do progresso e da opuléncia, persiste ainda a exclusdo social. producéo cultural, bem como os atuais desafios diante da globalizacéo 57 1. Conceito antropolégico de cultura No sentido amplo, antropoldgico, cultu- ra é tudo 0 que 0 ser humano produz para construir sua existéncia ¢ atender a suas ne- cessidades ¢ desejos. A Conferéncia Mun- dial sobre Politicas Culturais, realizada pela Unesco no México em 1982, consagrou como conceito de cultura 0 conjunto das caracteristicas distintivas, espirituais ¢ ma- teriais, intelectuais ¢ afetivas que caracte- rizam uma sociedade ou um grupo social. Fla engloba, além das artes ¢ das letras, os mods de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tra- digdes c as erengas. A culura exprime as variadas formas pelas quais se estabelecem as relagdes entre os individuos, entre os grupos destes com a natureza: como constroem abrigos para se proteger das intempéries, inventam uten= silios ¢ instrumentos, eriam uma lingua, a moral, a politica, a estética, organizam leis © instituigdes, como se alimentam, casam ¢ én filltos, como conecbem o sagrado ¢ se comportam diante da morte. Isso significa que o existir humano nao natural, mas cultural. Eé cultural por ser simbdlico, ja que todo contato é interme- diado pelos simbolos, isto & pelos signos arbitrarios e convencionais esentar o mundo. O signo re-presenta 6 que est ausente, sejam pessoas ou coisas capazes de repr distantes, sejam entes imaginarios, seja o passado ou o futuro. A linguagem humana substitui as coisas por simbolos, tais como as palavras, os gestos, a escrita, a pintura etc Por meio de representades mentais © de expressdes da linguagem, é possivel tornar presente, para si ¢ para os outros, os acon lecimentos passados, bem como antecipar pelo pensamento 0 que ainda nao ocorreu Portanto, ao eriar um sistema de repre- 1 a linguagem simbélica), os indivi- sentagées aceitas por todo © grupo soci ou seja, duos se comunicam de modo cada vez mais elaborado. Pode-se entao di vor que a cultura 60 con- junto de simbolos elaborades por um povo em determinado tempo € lugar, capacidade que inclui todas as formas de agit, pensar, desejar, exprimir sentimentos. Dada a inf nita possibilidade de simbolizar, as culturas sio miltiplas ¢ variadas, Ainda quando nos referimos As necessidades basicas como re: produgio ¢ alimenta se expressam de modo estritamente biold- gico, mas j se encontram carregadas do sentido cultural atribuide pela comunidade Zio, Mesmo estas nio ou reinventadas pela imaginagio. A atividade dos animais, & dilerenga do ser humano, ¢ determin ada por condighes biolégicas que thes permitem adaptar-se ao meio em que vivem, sem liberdade para n discrepa tureza, rai acia com a sua propria agir Zio pela qual o comportamento de cada espécie animal ¢ sempre idéntico. Os animais que se situam nos niveis mais baixos de desenvolvimento dentro da esca la zooldgica agem por reflexos ¢ instintos ¢, por isso, sua atividade é a mais rigida pos- .ainda que déem a ilusie de pericigae quando os observamos executar determi- sive nados atos com extrema habilidade, Nao hii quem nao veja com atencao e pasmo o “trabalho” paciente da aranha tecendo a teia, ou ndo admire a colméia, produto da abelha operaria. Por serem os mesmos em todos os tempos, os atos dos animais nao tém historia, nfo se renovam, salvo as mo= dificagdes que resultam da evolugao das pécies ¢ as decorrentes de alteragdes gené- ticas, Mesmo assim permanecem restritas, ndo se comparando com as intervengdes no ambiente de que o ser humano é capaz. A medida que subimos na escala zoolé- gica, identificamos agdes animais que nao dependem apenas de reflexos ¢ instintos, ior flexibilidade, tipi- ca dos atos inteligentes, que exigem respos- por apresentarem tr 58 Filosofia da educagéo tas criativas ¢ improvisadas. Por exemplo, um macaco faminto busca o alimento por instinto, mas, seo cacho de bananas nao cl, tenta “resolver 0 problema” de modo satisfatério, usando instruments estat acess a" que estejam nos arredores, como uma vara ou um eaixote. Por mais flexivel que scja 0 comporta- mento desses animais, trata-se, no entanto, de uma inteligéncia concrela, distinguindo-se da inteligéncia humana, que é abstrata, Por ser concreta, a inteligéncia animal é imedia- tae pr vido aqui e agora, tendo em vista a resolu imediata de uma situagao problemitica, Portanto, repetimos, 0 animal nao domi- © tempo . porque seu alo se esgota no momento em que ele 0 executa, Mesmo quando repete com maior rapidez, comportamentos aprendides ante- riormente, 0 uso do instrumento nao reme- te para o passado nem para o futuro. No plo dado, tica, isto é, depende do momento vi- nao faz historia exe 4 vara usada pelo macaco sempre volta a se o animal nao aperleigoa nem 0 conserva para uso poste vara, 0 que significa que nventa O instrumento, nao oO jor. O gesto titil nao tem seqiténe po €, portanto, nao adquire o significado de uma experiéncia propriamente dit Totalmente diversa do comportamento animal é a ago do ser humano exercida sobre a natureza ¢ sobre si mesmo. Ao re= no tem= produzir técnicas jA usadas © ao inventar outras, novas, a atividade humana torna-se fonte de idéias. A nogao de experiéncia ndo se separa do carter abstrato da inteligéncia hun neia do. Ja, que permite superar av aqui e agora para existir no tempo, isto &, ser capaz de lembrar a ago feita no passa- do projetar a agio futura, 0 que é possivel pelo fato de representar o mundo por meio do pensamento, expressando-o pela lingua- gem simbolica. Em uma situagao de fome o procedimen- to humano distingue-se do animal porque faz uso do recurso da linguagem abstrata: a vara para alcangar a fruta nao precisa estar presente, mas é re-presentada, isto &, torna-se te pela palavra. Ma safio da situagdo nova ultrapassa os recursos presei s ainda: se o de- deixados pela tradigao, o ser humano é ca- paz de, pelo pensamento, antecipar a agio futura, ou seja, inventar o instrumento. Mais ainda: a ago humana transforma fia, mas social, ja que os in- dividuos, ao se relacionarem para produzir sua propria existéncia, desenvolvem condu- tas sociais, a fim de atender as necessidades do grupo. dora nao é soli 2. Cultura e socializacgao O processo de socializagao tem inici pela influéncia da comunidade sobre os. individuos. E conhecida a historia das me- ninas-lobo encontradas na india, em 1920, 10 vivendo numa matilha. O comportam: delas em tudo se assemelhava ao dos lobos: andavam de quatro, comiam carne cri podre, uivavam & noite, nao sabiam rir nem, chorat: Sd iniciaram o processo de humani- zago quando foram encontradas © passa- ram a conviver com pessc O mundo cultural é, dessa forma, um siste- ma de significados ja estabelecidos por outros, de modo que, ao nascer, a crianga encontra um mundo de valores dados, onde cla se situa. Alingua que aprende, a mancira de se alimen- tar, o jeito de sentar, andar, correr, brincar tom de voz nas conversas, as rekigdes sociais, tudo, enfim, se acha estabeleci ges. Até a emogao, que espontanea, sujeita-se a regras que ditigem de certa maneira a sua expressio. A condigio humana resulta, pois, da imilagao de modelos sociais: a humani- aliza mediada pela cultura. Mté © ermitao nao consegue anular a presenc: do mundo cultural, porque, ao escolher se afastar da comunidade humana, ma a. OU aS. Jo em conven- uma manilistagio as zagao ser em Cultura e humanizagéo 59 ainda 0 tempo todo, em cada ato seu, a negacio « ncia ea lembranga da sociedade rejeitada, Seus valores, mesmo colocados contra os da so- portanto, a consci ciedade, sit \ recusa de se comunicar é também um modo de comunicagao. amsse também a partir dela. Por isso, a condigao humana nao apre- senta caracteristicas universais e eternas pois variam as respostas dadas socialmente ‘tos desafios, a fim de realizar a existéncia, sempre historicamente situada. \ autoproducdo humana por meio da cultura completa-se em dois movimenwos contraditérios ¢ inseparaveis: por um lado, a sociedade exerce sobre 0 individu um fei cada © plasmador; por outro, porém um elabora e interpreta a heranga recebida na sua perspectiva pessoal. Mais que isso, 1s chances maiores de modificagdes ienili- cativas dependem de uma atuagao colctiva, como veremos E.bem verdace que o tor dessas mudangas varia conforme © tipo de sociedade: no mun- do contemporaineo de intensa vida urbana de acelerada globalizacao, as alteragdes sho muito mais velozes do que nas tribos indige= nas ow nas comunidades tradicionais. Mesmo assim, nio ha sociedade estatica: em maior ow menor grau, todas mucam, em uma di- namica que resulta do embate entre tradigio © ruptura, heranga ¢ renovagiio. Essas trans- formagées podem ser caracterizadas como atos de liberdade, cntendendo-se liberdade nio como algo que é dado, mas como a ca- pacidade humana de compreender 6 mundo, projetar mudangas ¢ realizar projetos. Portanto, se por um cessidade de um ponto de partida para que cada um possa se compreender Jado sempre hit ne- e esse solo é a heranga social no exige a superacao daquilo que ele herda, numa constante recriagao da cultura . por outro 6 ser huma- "A casa da incengds, Sao Paulo, Siciliano, 1991, p. 139. 3. Sentido restrito de cultura Além do conceito antropolégico de cultu- ra, que abrange todas as manifestagdes cul turais, podemos fazer um recorte para consi- derar um aspecto mais restrito, qual seja o da produgao intelectual de um povo, expressa nas atividades filosoficas, cientificas, artisticas, literdrias, religiosas, em resumo, nas suas ma- nifestacdes espirituais. Nesse sentido, pessoas ou grupos se ocupam com diferentes formas de expressio cultural (0 filésofo, o cientista, 0 artista, 0 escritor ¢ assim por diante). E justo pensar que esses bens deveriam es- lar disponiveis para todos, tanto na fase de re= produgao ou de invengao, quanto na de con sumo e [ruigao. No entanto, tal no acontece nas sociedades em que é nitida a separagio entre tabalhadores intclectuais © manuais. Nesse caso, em que predominam relagdes cle dominacdo, as pessoas do povo si impedidas de claborar criticamente a sua propria produ- do cultural ¢, conseqtientemente, sio exclui- das do acesso a esse tipo de bens culturais. E. quando deles se apropriam, tende a prevale- a dominante. Essas distorgdes levam a uma outra, tam- bém muito comum: a idéia de se ter cultura, 1.0 conhecimento como um bene que pode ser dado. Assim a pessoa “eulta” seria aquela que tem posse de conhecimen- cero consumo da cultut ou se tos, nao se Jevando em conta © dinamismo da cultura ¢ a sua dupla dimensio de cons- trugio © ruptura. Na verdad duas perspectivas, ado fere a dover. Segumdo M ra cultural, tornando o ler ¢ a cultura tem ilanesi, “ha 0 professor Lui um processo continuo na este © seruma unidacle com duas faces: a segunda & a que leva A invengao do discurso e a ser sujeito da prépria vida, ¢ primeira permite aalimentagao continua desse proceso atra- vés da posse possivel de todos os registros do 1 discurso dos homens de todos 0s tempos” 60 Filosofia da educag: Vale lembrar que muitas vezes qualifica- mos de “cultos” individuos que apenas (én informagdes superficiais (por exemplo, na rea artistica), um “verniz” que aparenta erudigaio, quando, na verdade, “a. pessoa culla Gaquela que domina os varios eédigos das manilestagdes artisticas © sabe atribuir valores © significados mais profundos as obras de arte. Lembramos dominar os cédigos, nao basta apenas saber aqui que, para o nome dos artist. wsidades sobre sua 8, CU vida os movimentos a que pertenceram ou pertencem. E necessirio saber interpretar a importincia da sua obra para a construcdo do mundo humano e analisar os significa- dos dos valores propostos’ A. Diversos tipos de cultura FE dificil estabelecer a classificagao dos ti- pos de cultura, ¢ com freqiténcia se corre 0 risco de resvalar em distorgdes e mal-enten- didos, Como nao vivemos em uma socieda- de homogénea, qualquer produgao cultural esta sujeita a avaliagdes que depencem da posigdo social do grupo no qual cla surge, © que nem sempre permite isengao, dando margens a concepcdes preconcebidas sobre as produgdes de outros grupos, Assim, a@ contrapormos, por exemplo, “cultura de elite” & “cultura popular”, es- taremos emitindo juizos de valor deprecia- tivos se considerarmos a cultura de elite superior porque refinada, elaborada, ao passo que a cultura popular seria infe por se tratar de expressio ingénua © nao- inteleetualizada. Outra confuso ocorre ao se iclentificar cultura de elite (que na verda- de & a cultura erudita) como produgio da ior classe dominante. De maneira geral, isso se deve ao pressupasio — enganoso — de que a verdadeira cultura seria a produzida pela elite. Quando se fala de conhecimento, des- Cultura e humanizacao pre a-se saber popular para se valorizan apenas a ciéncia; ao se tratar da técnica. exalta-se am is refinada tecnologia: ao se referir 4 arte contemporanea, pensa-se nas pinturas de Picasso; ¢, quando se volta a aten ra consi- Jo para a arte popular, é pa dera-la como arte menor, produgio exotica ou objeto de curiosidade. Apesar das dificuldades, propomos dida- ticamente a seguinte divisio: cultura crudi- 1a, cultura popular; cultura de massa cul- tura popular individualizada A cultura erudita Ao elabo- A cultura erudita é a produg rada, centrada no educacional, sobretudo na universidade, também conhecida como cultura de elite ow alta cultura, por ser produzida por uma académica, sistema minoria de intelectuais das mais diversas especialidades (escritores, artistas em geral, cientistas, teendlogos As produgdes da cultura crudita sao as obras-primas que revolucionam os. diver- sos campos do saber ¢ da ago, como as descobertas cientificas, 0s novos modbos dle pensar, as téenicas revolucionirias, as gran ul enfim, produtos humanos que provoeam des obras literdtias ou artisticas em ge “cortes” na maneira de pensar e agir e que, por isso, se tornam classicos. Esse tipo de atividade cultural é erudita por es por isso mesmo, torna-se acessivel a um pie blico restrito ( gir maior rigor na sua elaboragao , 1t0 na sua produgio como na fruig&o}, Supde-se que a maioria nio cst apta (ou interessada) em fisica quin- tica, alta filosofia ou miisica clissica, até porque a intimidade clitizada exige longo preparo para tal © a freqiientagao continuada dessas obras com essa produgio ja de Arruda Aranha e M. Helena Pires Martins, Jemas de Fosojia. Sip Paulo, Moderna, 2005, p. 22. 61 ‘dades divi. exclusao exter O que se pode e1 didas € que existe um tipo de na, que seleciona de antemao os privilegiados que tere acesso a essa produgio cultural, quando na verdade a possibilidade de escolha rantida a qualquer um, inde- pendentemente de suas posses ¢ siatus social. iticar nas so. deveria estar g: A cultura popular O conceito de cultura popular é comple- x0, devido a razies jd expostas, De maneira geral, consiste na culvu vandnima produzi- da pelos habitantes do campo, das cidades Ja populacdo suburbana das grandes cidades. do imerior ou pe o sentido mais comum, a cultura popu- lar é identificada ao folclore, que constitui © conjunto de lendas, contos, prové priticas © concepgdes transmitido. ¢ mente pela tradi deriva da concepgao de folelore como rea- lidade pronta c acabada, quando na verda- de toda cultura é dindmica, em constante talidade da cultu- absorve ¢ reclabora as intimeras bios, al- do. O risco desse enfoque transformacao. Alias, a ra popular influéncias de outros costumes, como, por exemplo, as que resultam do contato. do mundo rural com 0 urbano, ou do impacto da tecnologia ¢ da cultura de O modo estatico de ver 0 folelore é ta ass! bém_perigoso por gerar comportamentos inadequados a apre Alguns a ignoram ou desprezam, achando- a vulgar, nao-original, mondtona, repetitiva inferior, cm relacdo & cultura de elite —¢ jago dessa cultura. outros podem aprecid-la como manifestago do pitoresco ¢ do exético, 0 que resulta na stia apropriagio para o “espeticulo”: vej se 0 folclore para turismo, em que as priticas so adaptadas, “maquiadas”, estandardiza- das ¢, portanto, ajustaveis ao consumo. A tentativa de pr produgio da cultura popular nao é tare ervar e estimu Mar jam capazes de clabo facil. Até os bem-intencionados, que reco- nhecem os riscos da manipulagio cultural em uma sociedade dividida ¢ sujeita a ideo- logia, podem resvalar em um autoritarismo inconsciente. Recaem no populismo ao tentar tutclar a produgio dita popular, de. senvolvendo uma postura assistencialista © protetora, tpi que “sabe 0 que é melhor” para a populs co, o que de certa forma infantiliza 0 povo, ao qual ele atribui imaturidade e passivida- de, como se precisasse ser dirigido. © filésofo italiano (1891-1937) também classe trabalhadora, da maneira como é ‘a do intelectual “iluminade Antonio Gramsci reconhecia que a obrigada a viver, nem sempre tem condi- “ do, contraposta a ideologia dominante. Isso nao significa que nao tenha um sistema de opinides, mas, ao contrario, cssas pessoas ocupadas com as atividades do cotidiano possuiem modos de pensar ¢ agir que se ma- nifestam de mancira fragmentada, confusa ¢, 8s vezes, até contraditoria. A esse estiidio s de elaborar sua propria visio de mun- do saber chamamos senso comum. A origina lidade do pensamento de Gramsci jclade que tem 0 povo r seus proprios intelectuais, a fim a consciéncia de classe. Para 0 esta em. reconhecer a nec de forn de elabor filésofo italiano, a classe trabalhadora ne- cessita de intelectuais orginicos, ou seja, aqueles que, oriundos do proprio povo, se- ar de forma erudita 0 saber diluso do individu comum, Desse modo, scriam desenvolvidas prati cas de resisténcia popular, que afastariam o povo do conformismo, resgatando sua cultu- rac proporcionando noyas vias de expresso popular diferenciadas das elites dominantes. Hoje em dia, 0 que se busca nao so uma cultura da resistincia, que denuncia ¢ critica, como uma cultura propositiva, que engendre agdes que “coloquem propostas, cam metas, objetivem um agi estabel da Gloria Gohn, Educayao ndv-formal e cultura politica: impactos sobre associativismo do terceito setor Sio Paulo, Cortez, 2005, p. 45. 62 Filosofia da educacéo A cultura de massa A cultura de massa resulta dos meios Sao considerados meios de comunicagiio de de comunicagao de massa, ou mic massa o cinema, 0 radio, a televisio, 0 video, a imprensa, as revistas de grande circulagio, que atingem rapidame numero chorme de pessoas pertencentes a todas as classes sociais ¢ de diferente for- magao cultural Essa cultura, distinta da erudita ¢ da po- pular, comegou a surgir apés a Revolugio Industrial, quando a ascensi teu 0 da burgue- sia (ornou mais complexa a vida urbana. Apareceu, entao, uma produgio cultural que nao cra propriamente folclérica, mas produzida por grupos profissionais (como empresarios de cireo © de teatro popular; editores de publicagdes periddicas ete.). A partir do século XIX processo foi inten= sificado com 0 aparecimento do jornal, no qual 0 romance-folhetim, precursor das atuais telenovelas, er publicado em epis- dios fragmentaclos. No século XX, com o desenvolvi to dos meios eletrénicos de comunica- go, aeentuou-se 0 ritmo das mudangas. \ grande alteragio do novo processo de difusio encontra-se no produtor cultural, que nio é individual nem anénimo, mas constituido por verdadeiras equipes de especialistas. Ao contrario da cultura po- pular, a cultura de massa é produzida “de cima para baixo”, impoe padrées © homo- nen- geneiza 0 gosto por mei do poder de di- fusio de seus produtos. Em linhas gc também uma produgio estandardizada que visa ao passatempo, ao divertimento ¢ ais, a0 consumo ‘Tais afirmagdes merecem alguns repa- ros, ja que, se gencralizadas. se tornam preconceituosas ¢ d Acha- se acesit ainda a polémica em torno da nae tureza e das conseqiiéneias da cultura de scriminadoras. massa, Em Apocalipticos ¢ integrados, 0 italia- no Umberto Eco discute as duas tendén- cias dos intelectuais diante desse fendme- no: 9s apocaliptices denunciam a cultur de massa como instrumento de alienagio © massificagdo, enquanto os integrados, ao contrario, a véem como um fendmeno contemporineo, considerado a partir de sua novidade, nao podendo ser avaliado pelos padrdes préprios de outro tipo de produgao intelectual Afinal. a cultura de massa é uma real dade que af esta € busca as mais diversas fo pre Inevitavel, porianto, que até a nossa mancira de per= ceber 0 mundo e de pensar se altere em mas de © sdo criativa contato com esses novos meios (ver capi tulo 6). Independentemente da questio da manipulagdo, muitas areas culturais sto influenciadas por eles. No campo da pro- ducio tecnoldgica, a cultura erudita desde ha muito se acha fascinada pelos mei . cletrdnicos, © muitas pesquisas universi- tido no aperfeicoamento desses equipamentos. Os artistas buscam: tarias tém_ reve nesses meios outras fontes de inspiragdo novas formas de express? © (por exemple, a videoarte ¢ a misica eletrénica). O ima- ginario popular € exacerbado por essas experiéncias, que enriquecem 0 seu reper trio, E, mesmo que a difusto maciga de novos valores tenha provocado a desagre- gagao de costumes arraigados, mareante a assimilagao criativa de novas imagens, sons € miltiplos acontecimentos Por outro lado, nao hai como negar o risco evidente da “pasteurizagiio” da cul- tura quando a televise, por exemple, apresenta o espeticulo do carnaval ou da macumba como tipico “folelore para tu- rismo’ A cultura de massa também procura se apropriar da cultura erudita ¢, quando o faz, pode resultar no kitsch. Este € um fend- Cultura e humanizagao 63 meno tipico da indtistria cultural, quando se busea satisfazer determinado segmento fal que possui aspiragdes “superiore: ao estégio cultural em que se encont seja intelectual. Como exemplos, temos a dona de casa de classe soe 2, seja_ econdmico, média que compra no grande magazine a imitacao da louga chinesa inacessivel as 0 leitor médio que lé os gran- des clissicos da literatura em versio con- suas posses densada e adaptada; ¢ 0 ouvinte de musica popular que se delicia com a musica cl ca.em ritmo de danga de salio. Os frankfurti: cos severos da cultura de massa, porque ilésofos »s so cr ‘os meios de comunicagaio de massa sto © oposto da obra de pensamento, que é a obra cultural cla leva a pensar, a ver, a refletir, As imagens publicitarias, tele visivas ¢ outras, cm seu actimulo acriti- ginar, Elas tudo entretenimento: co, nos impedem de ir convertem. em guerras, genocidios, greves, ceriménias religiosas catdstrofes naturais ¢ das cidades, obras de ) Cult pensamento ¢ reflexaio. Pensar 0 contr rio de obedecer, A indistria cultural cria um simulacro de participagdo na cultura quando, por exemplo, desfigura a Sinfonia n° 40 de Mozart em chorinho, Assim adul- Mozart, tampouco ritmo popular. Tanto a sinfonia qu véem-se privados de sua forga propria de bens cultu arte, obras de pensamento. ( a ¢ “te terada, nado ¢ anto © samba is considerados em sua auto- nomi, Contrové jas & parte, nao ha como ne- ar que 0 grande perigo, no entanto, esta no fato de que os meios de comunicagao m a grupos muito fe- chados, que detém o monopélio de sua ¢ de massa pertenc ploragao e, com isso, adquirem © poder de * Olgaria Matos, AE Alfredo Bosi, “Cultura brasileira”, in Dermeval Sav Civilizagao Brasileira, 1983, p. 174 cola de Frankfurt: hzes.¢ sombras do Iu manipular a opinido publica nos assuntos de seu interesse, seja no campo do consu- mo, seja no da politica, ou ainda tentam despolitizar, quando isso for conveniente a interesses particulars. E justamente a possibilidade dessa ma- nipulagdo que exige maior cuidado para garantir o objetivo maior da democratiza- Gao, na medida em que os meios de co- municacio, ao atingir um grande namero de pessoas em pouco tempo, si difusores da informagio ¢ da cultura. 0, © potentes A cultura popular individualizada Feita a exposigdo dos trés tipos de cul- tura, a erudita, a popular ¢ a de massa, é provavel que © Icitor esteja se pergur tando onde classificar algumas produgé culturais como, por exemplo, a miisica de Gactano Veloso ou Zeca Baleiro, as pe- cas de teatro de Guarnieri ou 0 teatro de revista ‘Trata-se da cultura popular individuali- zada, que se caracteriza por ser produzida por escritores, compositores, artistas plis- ticos, dramaturgos, cineastas, enfim, inte- leetuais que nao vivem dentro da univer sidade (ec, portanto, nao produzem cultura crudita) nem sao tipicos representantes da cultura popular (que se caracteriza pelo anonimato), tampouco da cultura de mas- sa (que resulta do trabalho de equipe) criador individual sofre a influencia de todas essas expresses culturais ¢, ne sa luta, a obra é tanto mais rica e densa ¢ duradoura quanto mais intensamente 0 lor participar da dialética que esta vi- vendo a sua propria cultura, também cla dilaccrada enw nacionalizantes’ ¢ instincias populares” @ instancias “altas’, ‘inte: ismo, Sao Paulo, Moderna, 2006, p. 64 Filosofia da educacdo brasileira, Rio de Jane ni ef a. 64 Filosofia da educacao Evidentemente, esses artistas nao esto livres das influéncias ideolégieas, podendo ser cooptados pelo sistema ou sucumbir ao. apelo do consumo fieil. Dai as contrala- 1 dita “sertaneja”, assim por diante. ecer a gies tais como a miisi os livros “esotéricos”, Nao se pretende com isso desmer produgio. intermedidria, assim da porque nao chega a constituir a van- guarda da cultura. ‘rio, ela tem sua Importancia, desde que esteja a servi- coda expan Je subjetiva e nao do seu embotamento © manipulagio, chama- Ao cont ao ca sensibilic Diante das diversas manifestagées cultu- rais, convém lembrar que elas sio expres= ses diferentes de uma sociedade pluralis- ta, € no tem sentido tecer consideragdes a respeito da supcrioridade de uma sobre a outra, 0 que leva & depreciagio das de- quando a avaliagao é feita segundo parimetvos validos para determinado tipo de cultura, Portanto, cuidar da edueacao popular nao é vulgarizar, “popularizar” a a superficial « mais. cultura erudita, tornando- aguada, tampouco signilica dirigir de for- ma paternalista a produgdo cultural popu- lar, Com isso seria evitada a contralacio, isto & 0 produto resultante de imitacio tipico de uma cultura envergonhada de si mesma Ante a agio compacta dos meios de comunicagio de massa, 0 educador deve estar apto a utilizar os beneficios deles de- ssurumentalizacdo correntes ¢ cuidar da i adequada para que sejam evitados os seus efeitos massificantes. 5. Pluralidade cultural O que vimos até aqui nos leva & conel sia de que existem intimeras expressdes de cultura, nao s6 ao longo do tempo, ou nas diferentes comunidades, como também na vida de cada individuo, de acordo com os costumes que determinam maneiras dife- rentes de agit milia, no trabalho, em companhia de ami- conforme estejamos em gos, ¢ assim por diante. E, como vimos, mesmo esses costumes tendem a mudar, sobretudo quando as pessoas eneontram novas manciras de agir ¢ pensar Segundo uma tendéneia conservadora, no entanto, muitos definem sua propria cultura como a correta, estranhando os comportamentos de outros povos ou mes- mo de segmentes diferentes em sua prd- pria sociedade. Chegam a achar “natu- rais” certos atos e valores que se opdem a outros, considerados “exdticos O filésof Montaigne, no século NVI. ao analisar a perplexidade dos curopeus em relacdo aos costumes dos poves indige- nas das terras americanas recém-descobe tas, jd pereebia 0 tor tendencioso daque- las avaliagdes: “Nao vejo nada de barbaro ou selvagem no que dizem aqueles povos: e, na verdade, cada qual considera bar- baro 0 que nao se pratica em sua terra” Mais adiante questiona o horror de muitos diante do relato de canibalismo dos selva- s quando nao causava igual espanto © costume dos religiosos de scu tempo de “esquartejar um homem entre supli © tormentos € 6 queimar aes poucos, ou entregi-lo a ches © porcos, a pretexto de devogao ¢ fe Aceitar as diferengas entre as culturas & importante para evitar o ebiocentrismo, isto é, 0 julgamento de outros 5 este drdes (Morais, cos, politicos, religiosos etc.) a partir de valores do seu proprio grupo. Esse com- portamento geralmente leva A xenofabia horror ao estrangeiro, ao “estranho um modo de preconceito ¢ caminho certo para a violéncia —, baseada em critérios de superioridade ¢ inferioridade que justi- ficam indevidamente a dominagio de um grupo sobre outro. Nao faltam exemplos na histéria da hu- manidade, que ainda hoje persistem. Basta Cultura ¢ humanizagao 65 ver o noticidrio internacional sobre as on- ricos que buscam emprego nas areas mais desenvol- das de migrantes de paises peri vidas ¢ ai sofrem toda forma de exclusio ¢ de preconeeito. Outras vezes, a relagio com o “estra- nho” busca a homogeneizacio das culturas, sem respeitar as dife' encas. Eo que ocorre nos processos que visam & assimilacao do di ferente, pela inculeagio da cultura domi nante, tal como ocorreu, por exemplo, na tequizagio dos indigenas, durante a co- lonizagao. Hoje em d a deve reger 0 processo de convivencia entre os diferentes é a de respeitar a polifonia das ir. tradigées culturais, como veremos a seg Cultura, direitos humanos e globalizagéio Ji nos referimos aos casos de xenofobia, bem como a tentaca rificada na historia humana de rejeitar o diferente ou atuar no sentido de sua assi- milagao, Ou, ainda, constatamos a injus- ta distribuigao dos bens culturais, a pri- > constantemente ve- vilegiar poucos ¢ excluir grande parte da populacao da producao ¢ fruigao dos bens s. Desde 1948 a Declaracao Uni versal dos Direitos Humanos explicita no artigo 27 que: “I) ‘Todo homem tem o di- reito de participar livremente da vida cul- tural da comunidade, de fruir participar do progresso cientilico ¢ de fruir de seus beneficios. I) Todo homem tem dircito & protecao dos interesses morais & materiais decorrentes de qualquer produ- a, literaria ou artistica da qual cultura as artes ¢ de Gao cientific seja autor”, Dessa época em diante, intmeras fo- ram as declaragées © convengdes, versan- do sobre os mais diversos detalhes citos das 5 tais como a explicitagao sobre os di diversas etnias em preservar sua cultura; 1 protegao ao patri Jade (tangivel ou imaterial); a ampla participag&io das pessoas na vida cultural onio cultural da hu- man da comunidade: 6 uso democratico do pro- gresso cientifico e teenolégico; a garantia da diversidade ¢ da identidade cultural condenagao a discriminagao na educagao, entre outros, Nessas convengies tem sido fr qiiente 0 debate sobre 0 direito. de accesso eqiiitati- vo A edueagdo — e, portanto, & cultura sobretudo de grupos em situagio de de: vantagem, ras pelas quais a ampliagdo de instituigde sv buseando-se_ inclusive mane ha facili socia droes fundamentais dos dire far a realizacao dos pa- tos humanos: nesse setor, Voltaremos a esse assunto no capitulo 8. Ss questdes relativas & produgio © ao cultura torr complexas com 0 processo acelerado da globalizacdo, que permeia todos os setores da realidade contemporinea. Desde 0 da década de 1960 ¢ de modo acelerado consumo da mais amese, inal na década seguinte, a revolugio da tecno- logia da i >, pela disseminagio do uso de computadores ¢ das facilidades de comunicaga tais como a World Wide Web (liters “tia do tamanho do mundo”), inaugurou um mundo novo da chamada sociedade da informagao, caracterizada pela valorizagio dos produtos de informagao. A sociedade em rede, atingida pela “teia” de difusa af modos de relacionamento nos mais diver- sos campos: nos fluxos financeiros globais, na economia, na politica, na midia, em ton » processadas pelas infovias, Imente, o mundial de mages, alterou os tantos outros setores, inclusive na rede in- ternacional de trafico de drogas.... Era de esperar que também a difusao da cultura pacto das sofresse 0 novas tecnologias * Consular os sites www.dhnetorgbr ou www.unesco.org.br, 66 Filosofia da educagao Sea globalizacao procedesse a uma difi sio simétrica das culturas dos povos, have- ria predominancia dos pontos positives de divulgacao da diversidade. No entanto, muitos os aspectos negativos, justamente porque as relagdes entre os paises nao sao simé ricas, mas marcadas pela hegemonia de alguns poucos — principalmente da in- fluéneia norte-americana —-, 0 que ca a predominancia dos valores cultur das nagdes centrais sobre as periféricas ¢ homogeneizagaio de costumes. Por outro ‘ovo- is lado, as expresses da cultura local que permanecem muitas vezes se desestrutu- ram para uso turistico, tal como contec por exemplo, com o carnaval brasileiro. 6. Educacao e cultura Vimos, até aqui, que a cultura é uma criagao humana: ao tentar resolver seus problemas, 0 ser humano produz os meios > de suas nec sejos, transformando o mundo natural © a ssidades ¢ de- para a satisfag si mesmo, Por meio do trabalho instaura relagdes sociais, cria modelos de compor tamento, instituigdes e saberes. Oap entanto, 86 & possivel pela transmissio dos conhecimentos adquiridos de uma geracio © que permite a assimil portamento valoriza- dos pelo grupo. Ea educagao que mantém, rfcigoamento dessas atividades, no para outa acho dos modelos de cor viva a meméria de um povo ¢ da condicoes al e espiri portanto, fundamental para a sua sobrevivéncia mate tual. A educagio para a socializagao ¢ a hur vistas A autonomia e a emancipagao. Tra- tase de um processo que dura a vida toda © no se restringe & mera continuidade da uradigio, pois supde a possibilidade de rup- turas, pelas q humano faz a historia. nizacdo, com is a cultura se renova e 0 ser 4 casa da invenc@o, p. 141 © segu tes. Para que essa transformagao seja_pos- sivel, porém, nao ¢ suficiente apenas ad- quitir cola tradicic » se fazia na es- informagées, com al. O grande desafio da de- mocratizagao da de oportunidades iguais, para que todos tenham acesso nao s6 ao consumo (ativo, nunca passive) da cultura, mas também a cultura esta na abertura 1 produgio, o que depende nao sé da es- cola, mas do esforco conjunto da socieda- de, Nesses espagos, as atividades culturais devem ser realizadas nao para as pessoas, mas com clas. Luis Milanesi? caracteriza um ve deiro ce ra tro cultural como o resultado da ao de wés verbos: informar, disculir conjuga ¢ criar. Pela tradi¢ © que mais se procura oferecer é a informa 0 da cultura como doagao, (@o; por isso, sempre se pensa primeiro na biblioteca tradicional, ou até numa disco- teca ou videoteca. Alguns centros de infe magdo possuem também uma hemeroteea colegio de jornais ¢ revistas) ¢ até compu tadores para acessar a internet. Quando se trata propriamente da escok wadicional aula de transmissio de conted- do, Nada contra esse momento. Alias, ¢ cultural a escola nao pode se descuidar da informa do sob pretexto algum, O que destacamos aqui é a necessidade de unir a in | pensit-se na relevante © processo da heran a outros processos que evitem a erudigio estéril. O segundo passo é a discussto, como oportu idade de reflexao ¢ critica, por meio de seminai ios, ciclos de debates, a partir de temas indicados pelo mome segundo Milancsi Sunindo 0 cotidiano da nLo, cidade ¢ de seus habitantes ao universo de informagio, result: tos necessarios © 0 salto qualitative”. A a necessitria dinamica, qu ndo dai os contli- discussao da ultura e humaniza 67 leva a diivida c, conseqiientemente, re mete a novas buscas de informagao. Sem a discussdo, “as pessoas estarao inexora- velmente sub mente ner as 1 dadas pelo. contexto AS respostas pron- tas, previ social” Os dois primeiros verbos (informar e discutir) s6 se completam com o tereei- ro: criar. Toca ago cultural que se preza tem de oferece laboratérios de invengdo, a fim de rom- r oficinas de criatividade, per com a simples reprodugio da cultura, r de todos os apes scos ideolégicos do proceso. do cultural, entendida como obra cultural, torn: ¢ um trabalho pelo qual a situagdo vivida adquire nove sentido ¢, por- tanto, € wansformada. Mudando o verbo freqiientemente usado para identificar os “cultos”, seria bom tante nao € fer cultura, mas ser eapaz. de fa- zer cultura. © que vale, afinal, é conceber a cultura como manilestagio plural, um processo di- jembrar que o impor- namico, ¢ a educagaio como o momento cm que heranea ¢ renovagao se completam, a fim de criar 0 espaco possivel de exercicio da liberdade, Dropes 1 = A cultura — palavra e conceito de origem romana. A palavra “cultur origina-se de colere — cultivar, habitar, to- marconta, criare preservar se essencialmente com 0 wato do homem. com a natureza, no sentido do amanho" ¢ da preservagio ¢ se torne adequada & habitagio humana. Como tal, a palavra indica uma atitude de carinhoso cuidado © se coloca em aguda e relaciona- natureza até que ela oposigio a todo esforco de sujeitar a natu- reza ai dominacao do homem. Em decor- rencia, do se aplica apenas ao amanho do solo, mas pode designar; outrossim, o “cul- to” aos deuses, 0 cuidado com aquilo que Ihes pertence. Creio ter sido Gicero quem primeiro usou a palavra para questdes do espirito € da alma. Ele fala de excolere ani- ‘mun, cultivar 0 espitito, ¢ de culaera animi no mesmo sentido cm que falamos ainda hoje de um espirito cultivado, s6 que nio mais estamos conscios do pleno contedido meta- forico de tal emprego. (Hannah Arendt) Amanhar: cult 2 = Seo individuo nao teve a oportu- nidade de des linguagem, torna-se incapaz olver ¢ enriquecer a io 36 de compreender 0 mundo que o cerca, mas também de agir sobre ele, Na lite- ratura, é belo (¢ triste) 0 exemplo que Graciliano Ramos nos dé com Fabia- no, personage principal de Vidas secas A pobr rio prejudica a tomada de consciéncia da exploragio 4a de vocabul a que é submetido, ¢ a intuigao de sua situag&o nao é suficiente para ajudé-lo a reagin. Outro exemplo é apresentado pelo escritor inglés George Orwell no seu livro 1984, em qu ture dominado pelo pode num mundo do fu totalitario, uma das tentativas de esmagamento da oposigao critica consiste na simplifica- gio do vocabulario levada a efecito pela Novilingua”. Nesse processo, toda a gama de sindnimos é reduzida cada vez mais: pobreza no falar, pobreza no pen- sar, impoténcia no agir. Se a palavra, que distingue o ser humano dos animais, se encontra en- fraquecida na sua possibilidade de ex- pressio, € a propria pessoa que se de- sumaniza. 3 - A atualizacao de um jogo cénico ou de um brinquedo de roda exige todo um suporte estrutural, fornecido pelas agdes atividades das criangas. Ha tarefas prescritas a executar Para realizé-las se~ gundo os modelos consagrados, as crian- 1s precisam organizar coletivamente © seu comportamento. Segundo, cada um dos jogos ou dos brinquedos cnvolve composigées tradicionais ¢ gestos con- vencionais gestos conservam algo mais do que “for- mulas mortas”: mantém representagdes da vida, do homem, dos sentimentos ¢ dos valores, pondo a crianga em contato com um mundo simbélico € um clima moral que existe ¢ se perpetua do folclore. (Florestan Fernandes) Essas composigdes ou esses através @ Leituras complementares @ [Os trés verbos da acéo cultural] O terceiro verbo — criar — € 0 que da sentido aos dois outros (informar ¢ discutir). A criag 6 0 objetivo de um nitro de cultura. Ele deve sero gerador continuo de novos discursos ¢ propostas. Ao Jo permanente c lado dos acervos e das salas de reunides ¢ auditorios deverao estar os laboratdrios de invengao, as oficinas de criatividade, espagos essenciais. Disseminar e discutir 0 conheci- mento em seqiiéncia permanente, que leva as pessoas a desvelar as aparéncias, desmon- tar os engodos, fazer a sua propria cabeca, pa perpétuo, nao esgota a acao cultural Além da ¥ sos registrados (livros noves, jornais do dia, 1 se chegar a outra etapa de um circuito stante dos discur- ovacdo cor filmes...), € necessario que as pessoas, arti- culando seu préprio discurso, poss am ex pressitlo através da escrita, da fala, do gesto, das formas, dos sons e, se possivel. lo. Rompe com a reprodugio permanente, & essencial para as transfor rom a rotina magdes necessirias ao meio onde se vive. Apesar das diferengas de paisagem, fisica e social, por todo © pais, em esséncia, circu- © sobr fam as mesmas idéias, convers os Mesmos assuntos superpostos A expresso local. A criatividade pode ocorrer de forma ea, rompendo a inércia de maneira esponta inresistivel. Mas isso nao é, sistematicamente, 6 fato procurado como motor das mudangas necessirias: @ uma casualidade. A invengio 1 de paciente tr los, da climinagio dos & conseqiiénc balho: da or- ganizagio dos esti obsticulos a liberdade de expressio, do con- fronto que nao inibe, mas anima Luis Milanesi, maul, Sicili A casa da incenga. Sa0 2. L991, p. 49-150. @ A cidadania e suas mediagdes Quando falamos de cidadania, estamos falando de uma qualificagio da condigio de existéneia dos homens, 0 problema se colocando, entio, de saber até que ponto e como a cducagao escolar esta : wribuir par designamos como a da cidadania, Pode a escola contribuir para a construgao da ci- dadania? O que isso significa? De um lado, isso é um objetivo declarado das leis ¢ dos pta a con- essa qualidade existencial que discursos oficiais, enquanto. de outro, se tem uma dentncia constante, por parte da reflexao critica, da instrumentalizagao Cultura e humanizacéi 69 da educagao escolar enquanto processo de 1 dos individuos as orcas opres submissa vas do sistema social. De fato, a cidadania é uma qualificagio do exercicio da propria condigdo humana. O gozo dos direitos civis, politicos ¢ sociais & a expressio conereta desse exercicio. O homem, afinal, s6 é plenamente homem. se for cidadao. Nao tem, pois, sentido falar de humanizaciio, de humanismo, de demo- cracia ¢ de liberdade se a cidadania nto es- liver lastreando a vida desse homem. (...) Desse modo, os sujeitos humanos envolvi- dos no processo educacional nao podem ser redu: ‘idos a modelos abstratamente concebi- dos de uma ess na uma miquina natural, prolongamento organic dani a humanas s6 adquirem sentido se forem teci- dasa partir das mediagdes histéri homem nessas condigdes. ‘neia metafisica net atureza biologica. om cfeito, a “esséneia” ¢ a “existéncia”™ So se é Assim, partilhar das mediagdes existenciais; ¢ es- sas mediagdes assumem ues configuragdes dialeticamente articuladas © dependentes 1 cidadania exige o efetivo com- entre si, as trés se imbricando entre si, se complementando como as tr rimide formada pelo tet A primeira forma concreta de partilhar dessas mediagdes & 0 compartthar das bens mate- riais. Como a existéncia material do homem depende de modo radical da natureza, quan- do o individuo nao usuftui dos elementos naturais que recompoem diuturnamente seu organismo biologico, ele no pode ser consi- derado um cidadao. Ou dizendo de forma ni és faces da pi- aedro. ais cl quando 0 seu contesto social nao Ihe garante o poder usultuir desses clemen- 10s, ele no estaré igualmente usultuindo da condigao de cidadania. E desta perspectiva que se entende o significado do tabalto c quanto atividade mediadora para o homem, da produgio © conservagao de sua propria existéncia material. Mas 0 compartilhar dos bens simbilicos & outra pi da cidadania, Dada sua propria condicao de ser subjetivo, 0 homem nao pode realizar-se plenamente se nao estabelecer também re- lagdes permanentes com a estera dos valores culturais, ambito deabrangéncia de sua subje- ti mediagao efetiva ¢ concreta para o exercicio idade. Se a vida em sociedade nao garante essa impregnacio, se cla nao Ihe viabiliza esse intercmbio, cla estar operando uma redu- do do homem a uma condigio igualmente pré-humana, impedindo-o do exercicio pleno de sua cidadania. A apropriacao ¢ 0 usufruto da vida cultural, das vivéncias subjetivas, nao constituem apenas um complemento supér- fluo ¢ aleatério dla subjetividade é um elemento fundamental, imprescindivel e insubstituivel para a consti- tuicao da cidadania como qualidade de vida. Num terveiro momento se encontra a exi- géncia do compartithar das bens sociais, enten= dendo-se por eles os elementos proprios ¢ ¢s- pecificos da esfera da existéncia politica. Isto implica que nao basta aos homens repartirem entre sios bens materiais ¢ 0s bens simbolicos; esta participagao se dest se lastrear na repartigao do poder na esfera da cidadania, no sentido estrito. la vida humana. A dimensdo se ela nado aniza Aqui estamos © teeido social é atravessado pela de poder, ou seja, os homens nao se relacio- nam automaticamente entre si por relagdes relagdes de igualdade; ao contririo, perpassam entre mutam ito facilmente em relacdes de dominagao, de opressio, de exploracao. Assim, a pressu- posta igualdade ontologiea nfo tem nenhu- ma consisténcia se nao for reconstruida reite- les relagdes de poder que se t radamente no tempo historico-social. Donde se pode concluir igualmente que a cidadania nao & um dado pronto ¢ acabado, mas uma condigao a ser construida ¢ instaurada. A in Antonio Joaquim Severino ¢t Anton do da cidadania”, nied civil e educacao. Campinas, Papirus/ io Paulo, Ande/Anpede, 1992, p. 10-12. str al, (orgs. Codes: 70 Filo: ao

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