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ENSAIOS I

aefio@* 75
-
c0pf'à%hh
PASTA
CEpfruro XXVI PROF.
Da educação da s criançat QUANT. pÁG.
1ó .,

À Sra. Diana de Foíx, Condessa de Gurson

Nunca vi pai, por corcunda ou tinhoso que mas turvas e enevoadas e não as posso distin-
fosse o filho, deixar de dá-lo por seu. Não, guir. E, se me proponho falar à vontade de
entretanto, por estar cego pela afeição e não se tudo o que se apresenta à minha fantasia, não
aperceber do defeito, mas tão-somente porque empregando nisso senão os meus recursos
é seu. Assim eu vejo melhor do que outro não naturais, acontece-me não raro encontrar por
haver aqui senão devaneios de homem que das acaso nos bons autores os mesmos assuntos
ciências ú provou a casca em sua infância e que procuro comentar, como vem de me suce-
apenas reteve delas um aspecto geral e infor- der com Plutarco aceÍca da força da imagina-
me; um pouco de tudo e até nada de nada, à ção; e ao reconhecer-me diante deles tão fraco
francesa. Porque, em suma, sei que há uma e insignificante, tão pesado e sem vida, tenho
medicina, uma jurisprudência, quatro partes piedade de mim mesmo, e desdém. Todavia
na matemática, e, grosseiramente, o que visam sinto prazer em verificar que minhas opiniões
elas. Porventura saberei ainda, de um modo têm a honra de ir ao encontro das deles, às
geral, qual seu objetivo e sua utilidade em vezes, e, embora de longe, sigo-lhes as pega-
nossa vida. Mas, ir além, queimar as pestanas das. E também tenho esta vantagem que nem
no estudo de Aristóteles, soberano da doutrina todos têm, que é conhecer a profunda diferenç3
moderna, ou me obstinar em qualquer ciência, que hâ entre mim e eles- E, no entanto, deixo
não o fiz nunca. Nem há arte de que eu possa os meus pensamentos correrem assim fracos e
sequer expor as mais elementares noçôes. E pequenos, como os concebi, sem rebocar nem
qualquer menino das classes médias pode tapar os buracos que a comparação me reve-
dizer-se mais erudito do que eu que não tenho lou. É preciso ter rins sólidos para andar em
capacidade para examiná-lo sobre as primeiras companhia dessa gente2 a3. Os escritores sem
lições; dessa natureza pelo menos. Se me for- discernimento de nosso tempo, e que em seus
çam a fazà-lo, vejo-me obrigado, assaz inepta- Iivros sem valor vão semeando trechos inteiros
mente, a tratar de algum assunto de caráter dos autores antigos2 o n para se enfeitarem,
geral pelo qual julgo sua inteligência natural, fazem o contrário; porque a infinita desseme-
matéria tão alheia a ele quanto a sua me ê lhança de brilho entre o que lhes é próprio e o
estranha. que tomam de empréstimo dá um aspecto tão
Não me enfronhei em nenhum livro úlido páIido, desbotado e feio ao que é deles que per-
senão nos de Plutarco e Sêneca em cuja obra, a dem muito mais do que ganham.
exemplo das Danaides, busco sem cessar aqui- Eis dois sistemas diferentes: Crisipo mistu-
lo que logo entrego alhures. Em meus escritos rava aos seus livros não somente trechos mas
alguma coisa fica; em mim quase nada. A his- também obras inteiras de outros autores, e em
tória é mais de minha predileção, ou a poesia um desses seus trabalhos se acha reproduzida
que tenho em paÍticular estima. Pois, como "in extenso" a "Medeia" de Eurípides; e dízía
dizia Cleantes, assim como o som, prensado Apolodoro que se lhe cortassem o alheio fica-
no estreito canal de uma trombeta, sai mais va o papel em branco. Epicuro, ao contrário,
agudo e forte, assim se me afigura que o pensa- nos trezentos volumes que deixou nunca pôs
mento, constringido pelas regras da poesia, se uma ú citação.
arremete mais vivamente e me impressiona Aconteceu-me um dia destes dar com um
com maior intensidade. desses escritos: tinha-me arrastado penosa-
Quanto às faculdades naturais que aqui mente até o fim de uma prosa francesa tão
ponho à prova, sinto-as vergar sob a carga.
Minhas concepções e meus pensamentos só 2 a3 Michaut
interpreta: é preciso estar seguro de si
avançam às apalpadelas, cambaleantes, â p-" àrià;;; ** ãrr^ g"nie. (N. do T.)
escorregar entre tropeços; e por mais longe que ã o * obr"rrc-sô que úontaigrre »ão se priva de
vá, não fico satisfeito; vejo rerras ainda além, . fazê-lo.
raoiinieúq, r,t :thg";J:# i*"b; LrilÍ,*,l, t/g
"'t ) 4q q,
^t.^*
76
MONTAIGNE
exangue' tâo descarnada' tão vazia de subs-
tância e de sentido que não era, em verdade, c-g-o. quer que seja e quaisquer que sejam
as inepcias que me passam pera mante, não
mais do que palavrasem francês, eis-qre
tão longa e aborrecid-a-leitura deparei
apos ã*ãná"r"i, Jo*o rálsconderia meu relato as se
ôor" i, ,", a" jovem
Úecho elevado, rico, erguendo-se'às nuvens.
se e"nilrisalho ,co.o;;;
e bero me representasse calvo
tivesse achado a subidã suave e a,.mpa.fácit, em verdade. Exponho
tudo se desculparia' mas era u,, pt."ipúo-iáo ãq.ri meus sentiments e opiniões, dou_os
abrupto, inespefado, que logo às íeis primeiras ;;. os concebo e não como os concebem os
palavras verifi oriior; meu único objetivo é analisar a mim
*#ih,t;k?##:kr#"":ffi Uft.,.,-,.J;#lil#xil,ir:,:,...;xff;
descer aá à"ã. sü_" :, ilj Tij":
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censurar ;;;,;,:":'j:"J::""::':l]' para
s;benã;-;.'ãJ,nu,i"do mar instruído
instruir os outros.
nao * p,,";;:.:1,'r,Aô*siHt:?i:.j.,!: ;;tj*it*;:",".íJ5ilfl".i."H
var' como faço amiúde' os dós outrls^e^1,mjm'
E preciso apon #rá [[.:.,"T?
ter arongado um pouco mais sobre a edu-
n aà rr e s d ;;
;',lâ B:;",li gH'J,:""
próprio tento igualar-me
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aos meus furtos e ir de par com
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merhor do que em fazendo presente
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urrã"' o que vi i[ffi"T!;',;,1:'Í:li.:im:.
i'i,'r'tluçao e à educação fr:':ll::i:
da *iança.
oütrem,aã'r*Ãu a nem sequer acontece na agricultura: o que
ponta dos dedos, e conduzi. ,,,":,?t;:lo; --9^-*.§*o
precede
..u-"irl,i"' " plantar. Mas depois é certoã fácit;.tuÀü-
como se permite aos cientistur-.rrt'*rv
à semeadura

comum à il?1, das invençu* XltTXll - de brotar o que se plantou,


e variadas são as maneiras de iratá_ro.
pilhadas aqui e acora, l,::::.
procurando-r.;frI§ls Assim os homens: pouco custa semeá-tor, mas
lar e rornar suas, é 6;;;üJal depois de nascidos, educá_los inrt.ú-iá, ê-iã_
Jj;"j::i;
antes de tudo, porquanto nao
t.nãó " -"1-":o
J,
"
reÍ-a complexa, trabalhosa e temível.
O qr;-;"
que os reatce pretendem ,rr",
alheio- Ademais, contentam-se
p.il'lfftâ nos
:.:,:_,*il;ilãil;ã'? ,a" tenu.. oüúL
prlmelros.anos, e as promessas tão
em incer-
".""#."rrX
qJ[:?xl:t:'iii::ffi1ooffi1í:jÍHjli* se razdiÍic, assentar
:Hj','::"Ull;"'que
naÍlz a esse trabalho, verdadeiro'mosah Yede como Címon e Temístocles, e tantos
;;
trffi;.::;l';1",T$::';.*m:l{n:::;l :.:':".'ff.iiT;:':tr,li:,i#i:',T,:,:íjU
to-o fazer. E se citó os.ourros
a p;;;à;;;
dizer de mim. Isto nao drz respeiro iii:tltem os.homens, porém, merendo-se desde
hábitos, preconceitos, Ieis, mudam ou
que se publicam como centôesi .". "";
;;ô". se l1c9
mascarÍLm facilmente.
engenhosos outrora, entre outror
Íi-.rír";i"
lupgl, sem contar os antigos. saã
,- J. ô;: propensôer
Certamente é muito dificil modiÍicar
as
.rprriiÀq"rl n"t*ri..-õx irouém que, em não
se distinguem nisso como em outias;il;
:_1,,.1do escolhido u"- á camiúo a seguir,
;:H-t'i:ii,::,1*' " e raborio sa ;;Ãõ ::*"*i,';';:"1fr:ls T,:lüli: x*i::
il.ll?:f*i - só os ataco pero seu rado mais. tri:Xf J§m.:Hiff"ifil:1ffi;rl?
al;lõü;siíao poai.a rormadade direrentes ver- [Xin3i"iX'ffi',1Tffi:,ff§l::.1,fi:#
autores'
sos rle diversos
siado em
::§::
conside Íação as vagas
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n-ão o puder fique na dúvida, pois ú os loucos boa-fê, a sinceridade, são a verdadeira filoso-
têm certeza absoluta em sua opiniâo. Íia,e que as outras ciências, corn outros fins,
"Não menos gue sabei, duvidar me não são mais do que brilho enganoso. eueria
apraz2's ." Forque se por reflexão pópria abra- ver se Palnel e Pompeio; essês belos dúçari-
çar as opiniões de Xenofonté e platão, elas dei nos de nosso terpp&heriam capazes de-nos
xarão de ser delçs e se tornarão suas. euem ensinar suas cabrlõlà1 pela vista, sem nos fazer
segue outrem.nãd segue coisa neúuma; nem mudar de lugar, como os que querem desert-
lpg..a encontra, mesmo porque não procura. volver nossa inteligêàcia sem a excitargm; e se
"Não estamos sob o domíniô de úm-rei; que nodem. grygt3r@ó, m anej ar
cada qual se governe a si póprio"z so. eue ãle uma alabarda Õu uir alaúde* cantar, sem exer-
tenha ao menos consciência de que sabà. Não cício,-como nos querem ensinar a bem julgar e
se trata de aprender os preceitos desses filóso- bem falar sem nos exercitar nem a uma coisa
fos, e sim de lhes entender o espírito. eue os nem a outra. Ora, para elercitar a inteligência,
esqueç-a à vontade, mas que os sáiba'assimilar. tudo o que s€ oferece aos trossos olhos servê
A verdade e a razão são comuns a todos e não suÍicientemente de liwo: a malícia de um
pertencem mais a quem as diz priúeiro do que pajem, a estupídez de um criado, uma con-
a9 que as diz depois. Não ê máis segundo pia- versa à mesa, são, como outros tantos, novos
tão, do que segúndo eu mesmo, que íat coisa se assuntos.
enuncia, desde que a compreendamos e a veja- Por isso, o iomércio dos homens é de evi-
mos da nrcsma maneira. As abelhas libam flo- dente utilidade, assim como a visita a países
res de toda espécie, mas depois fazem o mel estrangeiros; não para.nos informar, como o
quq é unicamente seu e não do tomilho ou da fazem nossos Íidalgos franceses, acerca das
maríjerona. Da mesma forma os elementos dimensões da Santa Rotonda, ou da riqueza
tirados de outrem, ele os terá de transformar e das calças da Signora Lívia, dizer-nos s€ a ca-
misturar-para com eles fazer obra própria, isto beça de Nero em uma velha ruína qualquer ê
g, .p*" forjar sua- inteligência. fdircação, t.r- mais comprida ou mais larga do que em certas
balho e estudo não visam senão a fórmá-la. medalhas, mas para observar os costumes e o
Que ponha de lado tudo aquilo de que se espírito dessas naSes e para limar e polir
socorreu e mostre apenas o que produziu. Os nosso cérebro ao contato dos outros. Gostaria
ladrões e os que vivem de emfiróúimos, fazem que Íizessem a criança viajar desde pequena e
alarde de suas casas, de suas tompras, não do ern primeiro lugar pelos países vizinhos cuja
que tomam aos outros. Não se.conhecem os língua se afasta mais da nossa, pois se não a
ganhos de um magistrado, vêem-se os casa- habituarmos a ela desde cedo, a elà não se
mentos e as honrarias que arranjou para os acostumará
seus.-Ninguém publica suas receitãs e sim suas Admite-se iambém geralmente que a criança
despesas. O proveito de nosso estudo está em não deve ser educada junto aos pais. A súa
nos tornarmos melhores e mais avisados. É a afeição natural enternece-os e relúa-os dema-
inteligência, dizia Epicarmo, que vê e ouve; ã a .siado, mesmo aos mais precavidos. Não são
inteligência que-tudo aproveita" tudo disfue, capazes de lhes castigar as maldades nem de a
age, domina e reina. Tudo o maii é cego, súrdo verem educada algo severamente como con-
e sem alma. Certamente tornaremos ã criança vém, preparando-a para as aventuras da vida.
servil e úmida se não lhe dermos a oporturii_ Não suportariam vê{a chegar do exercício, em
dade de f*:r suor e coberta d" É, ou vê-la montada em ca-
4gg por si. euem jamãis pergun_
tou 1 seu discípulo que opinião tem dá reIóri_ valo bravo ou de florete em punho, contra um
qa, da gramática ou de tal ou qual sentença de hálil esgrimista, ou dar pelá primeira vez um
Cícero? -bem tiro de arcabuz. E no entanto não há outro
Metem-nas em sua'memória
arranjadinhas, como oráculos que devem ser camiúo: quem quiser fazer do menino um
repêtidos ao É da letra. Saber'de cor não é homem não o deve poupar na juventude nem
saber: é conservar o que se entregou à memó_ deixar de infringir amiúde os préceitos dos mé-
ria para guardar. Dó que sabeãos efetiva- dicos:"que yiva ao ar livre e no meio dos peri-
mente, gos":52. Não basta fortalecer-lhe a alma. é
-dispomos sem olhar para o mo-delo, preciso também desenvolver-lhe os ãí.ã"tà*.
sem voltar os olhos para o livro. Triste ciência
a.ciência puramente livresca !2 6r eue sirva de Terâ de se esforçar demasiado se, sozinha, lhe
oinamento mas não de fundamênb, como couber dupla tarefa. Sei quanto custa à minha
pensa Platão, o qual afirrna que a firmeza, a a companhia de corpo tão frágil, tão sensível e
que nela confia excessivamente. E vejo muitas
2a.s Dante: Che vezes, nas minhas leituras, que meus mestres
non men che saper dubbíar
mbggrada. em seus escritos põem em evidência feitos de
2 5o valentia e firmeza de ânimo que decorrem
Sêneca.
2 6I '
No texto *suflisance,' eqe parece pejorativo, muito mais da espessura da pelê e da dureza
mas significava então, 'inierpreta
_c.omo Michaut,-
saber ou ciência- (N. do T.) 2 62 Horácio.
ENSAIOS _I 17

progústicos que tiramos da infância. Platão parte das vezes a autoridade dos que ensinam ê
eÍn sua República parece dar-lhes importância àociva aos que desejam aprender"2 t '. É bom
excessiva que faça trotar essa inteligência à sua frente
É a ciência,.Senhora, um grande ornamento para lhe apreciar o desenvolvimento e ver até
e ferrErená de admirâvel prêstimo, em parti- que ponto deve moderar o póprio andar, pois
cular para as pessoas de vossa condição social. em não sabendo regular a nossa marcha tudo,
Não tem em verdade seu melhor emprego nas estragamos. É uma das mais árduas tarefas
mãos humildes e baixas. Orgulha-se muito que conheço colocar-se a gente no nível da
mais em prestar os seus serviços na direção de criança; e ê caracterí$ico de um espírito beiir
uma guerra, no governo de um povo, na ami- formado e forte condescender em tornar suas
zade de um príncipe, ou de um país estrangeiro as idéi4s infantis, a Íim de melhor guiar a
do que em enunciar uma aÍgumentação dialê- criança.l/Anda-se com mais segurança e firme-
tic& em aÍÍazoaÍ um recuÍso ou receitar um za nas subidas do que nas descida§.
punhado de pílulas. Eis por que vos quçfQ
Quanto aos que, segundo o costume, encar-
e)Épor, sobreg assunto, idéiaç contrárias à Cpi regados de instruir vários espíritos natural-
nião wlgar. E tudo o que Posso para vos servir 'mente diferentes uns dos outros pela inteli-
neste caso. E o faço porque estou convencido gência e pelo temperamento, a todos
de que não esquecereis a ciência na educação ministram igual lição e disciplina, não é de
dos vossos, vós que já lhe sãb<íreastes a doçura estranhar que diÍicilmente encontrem em uma
e pertenceis a uma família de letrados pois multidão de crianças somente duas ou três que
temos ainda os escritos dos.antigos -
condes de tirem do ensino o devido fruto. Que não lhe
Foix, de que descendeis, vós e o conde; e vosso peça conta apenas das palavras da lição, mas
tio Francisco de Candale continua a produzir também do seu sentido e substância, jutgando
outros que levarão aos séculos futuros o do proveito, não pelo testemunho da memória
conhecimento dessa qualidade de vossa famí- e sim pelo da vida. É preciso que o obrigue a
lia. . expor de mil maneiras e acomodar a outros
A'tarefa do preceptor que lhe dareis, e da tantos assuntos o que aprender, a fim de verifi-
escolha do qual depende todo o efeito da sua car se o aprendeu e assimilou bem, aferindo
educação, compo rta v áLrios aspectos importan- assim o progresso feito segundo os preceitos
tes; mas não toco nas outras partes por não pedagógióos de Platão. É indício de azia e
'§àber
dizer nada que valha a pena. Quanto ao indigestão vomitar a carne tal qual foi engoli-
ponto em que proponho meus conselhos, ele da. O estômago não faz seu trabalho enquanto
me acreditará no que quiser. Para um filho de não mudam o aspecto e a forma daquilo que se
família que procura as letras, não pelo lucro
(pois um fim tão abjeto ê indigno da graça e do
Nosso espírito, no sistema que condeno, não
favor das musas e, por outro lado, não depende procede senão por crença e adstrito às fanta-
de nós) nem tanto pelas vantagens exteriores sias de outrem, servo e cativo de ensinamentos
que os oferece como pelas suas próprias, e estranhos. Tanto nos oprimiram com as anda-
para se enriquecer e adornar por dentro para deiras que jâ nâo temos movimentos livres-
um rapaz que mais desejaríamos honesto do Vigor e liberdade extinguiram-se em nós:
que sábio, seria útil que se escolhesse um guia
"nunca se dirigem por si próprios"2 48. Tratei
com cabeça bem formada mais do que exage- intimamente em Pisa com um homem bom,
radamente cheia e que, embora se exigissem as mas tão aristotélico que o mais geral de seus
duas coisas, tivesse melhores costumes e inteli- dogmas é que a pedra de toque e a regra de
gência do que ciência. Mais ainda: que e-xer- toda inteligência sólida e de toda verdadecstão
cesse suas fun$es de maneira nova. na doutrina de Aristóteles, fora da qual ó hâ
Não cessam de nos gritar aos ouvidos, como quimeras e inanidade, pois tudo ele viu e disse.
que por meio de um funil, o que nos querem Essa afirmação, por ter sido interpretada mm
ensinar, e o nosso trabalho consiste em repetir. certa amplitude e malícia, comprometeu du-
Gostaria que ele corrigisse este erro, e desde rante muito tempo e muito seriamente seu
logo, segundo a inteligência da criança, come- autor junto à Inquisição em Roma.
çasse a indicar-lhe o caminho, fazendo-lhe pro- Tudo se submeterâ ao exame da criança e
var as coisâs, e as escolher e discernir por si nada se lhe enfiará na cabeça por simples auto-
póprio, indicando-lhe por vezes o caminho ridade e crédito. Que nenhum princípio, de
certo ou lho permitindo escolher. Não quero Aristóteles, dos estóicos ou dos epicuristas,
que fale sozinho e sim que deixe fambém o dis- seja .seu princípio. Apresentem- selhe todos em
cípulo falar por seu turno. sua diversidade e que ele escolha se puder. E se
Sócrates, e posteriormente Agesilau, obriga-
vam os discípulos a falarem primeiro e somen- 2' 7 Cícero.
te depois. falavam eles póprios. "Na maior 2a8 Sêneca. .j
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ENSAIOS_- I 79

ggr ossosrrVi homens, mulheres e crianças de mais apropriados a seu assunto. eue o tornem
Íd qg99 conformados
lnes doi do que
que uma bastônada exigente na escolha e peneirameito de suas
lnenos a mim um piparote; e razões, amigo da exatidão e, portanto, da bre-
nao ugem n€m mugem quando apanham. vidade. Que lhe ensinem sobretudo a ceder e
Quando os atletas iir;tam' os filósôfor. sustar a discussão ante a vçrdade, logo que a
paciência, é de se atribuir a coisa mais ",
ao enxergue, surja ela dos argumentos do. adver-
vigor dos Rervos que ao da alma. O rráUiio ão
§ário ou de sua própria reflexão, pqis não lhe
trabalho leva,ao hábito_da dor:r,O trabalho à
Ieja para a dor"2 53. É preciso acosflrmar o cabe desempenhar um papel prescrito e falar
de cátedra; e se defende uma Causa é porque a
lov€r-n à fadiga e à aspereza dos exercícios a aprova; e não fará como aqueles que vendem
!m de que se prepq.e paÍa o que comporram
cte penoso as dores fisicas, a luxação, às coli-
em moeda sonante a liberdade de poder refletir
e reconhecero erro: "Nenhuma necessidade o
cas, os cautérios, e até-a prisao . , to.iü,ãu. obriga a defender o que lhe prescrevem e
nestas ele também pode vir a cair nos tempos
que coÍrem, em que tanto atingem os boirs ordenamr'2 s 6.
eoTo os maus. Estamos arriscados a elas. Se seu preceptor for como eu, formar-it e-á a
yqntade para que sirva seu príncipc com leal-
Jodos os- q_ue combatem as leis *"rç". o, oacte, alelçao e coragem; mas o dewiará de se
homens de bem eom o chicote e à coráa. por
outro ,lado, a presença dos pais é nocivã -á prender a ele senão por dever cívico. Além de
autoridade do preceptôr, a qial deve ser sobe_ vários outros inconvénientes dessas obriga$es
rana; e-o respeito que Ihe têm os familiares, o particulares que ferem a nossa Iiberdade. a ôpi_
conhecimento da situação e da influência de nião de um homem salariado a s"*iço dL
sua família, são a meu ver de muita inconve_ outro ou é menos íntegra e livre, o, tactiáda de
niência na infância. imprudente e ingrata. Um cortesão não tem
Nessa gscola do comércro dos homens, notei direito nem vontâde de pensar senão bem do
amiúde um defeito: em vez de procurarmos senhor que, entre tantos milhares de suditos o
tomar conhecimento dos outrôs, esforçamo_ escolhe, atende a suas necessidades ã
nos por nos tornarmos coúecidos e mais nos engrandece, t, por suas próprias mãos." Os
cansamos em colocar a nossa mercadoria do lavores e q interesse corrompem_lhe, não sçgr
que em adquirir outras novas./O silêncio e a ra"-ao, a lranqueza. E o deslumbram. por isso é
modéstia são qualidades muito'apreciáveis na a Iinguagem déssas pessoas em geral diferente
^pd-ucar.-s-e_-á o menino a mos_
conversação. das ouúas linguagens, e pouco digna de fé.
trar-se parcidófrIü3õYfd;r" -a
úri;;-luando o Que a consciência e virtudã brilhem em
tiver adquirido; a não se formalizar ôom toli_ suas palavras e que so a razão r€nh;
ces e.mentiras que se digam em sua prçsença, õ;;ri;'
Ensinar-lhe-ão a compreender qu" .oirf.rí"iã
pois é incrível e impertinente aborrec.r_r" ** erro que descobriu em seu raôiocínio,
o que não agrada. eue se continte cã- corri- que. ninguém o perceba, é prova Oe airce.n-i"irrd;
gir-se a si próprio e não pareça censurar mento e sinceridade, qualidades principais a
aos
outros o que deixa de fazer; e que não contra_ que deve aspirar. Teimar e contesiar obstina_
.rle os.usos e costumes: ..pode_se ser avisado damente são defeitos peculiares às almas wl_
sem arrogância"z 6 a. eue evite essas atitudes gares, ao passo que voltar atrás, corrigir_se,
indelicadas de dôno do.mundo, e a ambição abandonar sua opinião errada no ardór da
pueril de querer parec€r mais Íino por ser dife- discussão, são qualidades raras, das dlmas for-
r-entq; e não procure (o que não ofeiece dificul- tes e dos espíritos ÍilosóÍicos.
dadç) mosúar seu valoi pelas suas críticas e
originalidades. As licençàs poéticas não são . Ensinar-lhe-ão
tar
que em sociedade deve pres_
atenção atudq9 pois verifico que os primei_
permitidas senão aos grandes poetas; assim ros lugares são muitas vezes ocupadoi pelos
também somente as almas superi,ores e ilustres menos capazes e o bafejo da sorte quase nunca
têm o privilêgio de se algareà acima dos cos_ os competentes. Tenho observado que,
tumes: "se Sócrates e Aristipo nem sempre {1S"
nao raro, gnqqêÍlto conversarn à cabeceira da
relpejtaram os usos e costumes de, seu país,
não julgue-.que possa agir do mesmo màao;
grandes e divinos méritos lhes autorizaram
[ffi
:ff T1&HI"AÍ: :Tâ Jr".lã,á# i:
tais gulro. Iado. Terá de sondar o valor dà cada um:
Iicenças"z 5 5. Ensinar-lhe-ão a somente.disçàr- boiadeiro,
pedreiro ou viandant". C"á"-ouJ
rer e discutir quando encontraÍ alguém em seu domínio pode revelar_nos coisa6 iirt._
{e'responder, e ainda assim nío empregar "upi ressantes e tudo ê útil para nosso governo. As
todos os meios de que " disponha mas apenas os
2ú6 Id.
2 5 3 Cícero 7 "ÉJever",
.2 5
z er 56n."1 não no sentido de educar comp pen-
25 5 sararn alguns comentaristas, dado o tema do caoítu_
Cíccro -
T.F
Io, e sim de elevar na posição social. (N. do
80 MoNTAIGNE
próprias'
tolices e fraquezas dos outros nos ins- tratado.
' truem' observando ás graças e maneiras- É pe_na que as pessoas interigentes .tl
de iostem tantó dr uievioaae; por certo
a imitãi i'-u""' oã'piãrã' irso
ll*ã'r:"'u '::*r " :]rr"*" ;u"1;ü;oão. mas nós perdemos,"oÃ
Qu" lhe incutam no espírito uma honesta H,,ff;"i:".ffiir|T,HJ"HfiirffiH:f,:: Y L t.,
curiosidad" oo.r tgfl õoisas; qr;;;;i;;; i" \rr
;tudo.o que haja de'singular "r tr;d.volta-I um ãã.r;";ri, ;;;.;,:"ixar desejoror-ãã.gs" . !)
ediffcio, uma ,fonte, uri t o.r,rÃ, ià..i.Oor. Sabia que mesmo quando tratarnos
campo de batalha ou o lugar por ry antigo ãã- assuntos aamiráreis em si podemos,falar
onde p"r-."* ããr"i,
ram César ou Cartos tu"gío,.í§r"r
o *io l* .e que Arexandridas censurou/iust"-
enrija com o fti1iy,ll o i".nr. agrêm q;;;;" aos éforos ónielhos
qual o vento marítimo{u"
t"!u"ita ã; üà-n. ,* o.má.àío iongor, ,.o àstrangeiro,
tía"z t' eue se- instrua ,.t.",
s
que cànd u, "o
à liàl ãir., o que é preciso, mas não como é preci-
Já, Já;._o"qre.sãb magros de corpo, engróisam_
dos recursos e aliançut o" i'i
* qr"r"orú*àI,
pri*ip.. ; :"T enchimentoi; o. que têm assunto
fuüâ_.,i::ret
aprender
'r;;r;;;;i , nirito,itii gf, in"r,ar;no de paravras. .;
frá-

. Nessa prática dos homens, entendo


inclua também, c9m9 se
que
,,,P.:Iff*ilráEÍiÍixi,i,lh,::-i"fril::
tante, a freqüeníação ";i'.*;;;,; il;;: 'üioà,no,
,odos apertaãos, dentro de nós mes_
memória dos livios'. Pelà *:;iü gra;;i;#"" ,,,fr, vemos um parmo diante do nariz.
uitt&]u,-LiÊ.á'.;;
iiitimidadedosgrandeshãm-ensáJlmais.uelo,
".não a sócrateó
il".àrn,..urn de onde era e ete não
sécutos. roa" ía. L',ü;';il, -,iàr.,poa. ..r'fona.u, de Atenas, mas: do mundo. para
igualmente estudo de fruto irà.ri,"ar.r,:. ,.i -ããutrem s!§,.cuja ir*fieá"tiã?ats vasta e aberra que
Platão que era o-único .*uoó qu. ãi, o ú,r..* e dere fazia sua
abarcava "J;
a

Iacedemônios- eue- proveito á; ;ú;à", o oúioo à; ,afeição era o gênero


n'áo "a.itirr,
ti.r.a neri. À;;;"; e não agia como nós que apenas
assunto da leitura das vidas de
Pluiarco? Mas ott em torno ãe nós.
que o guia desse menino se euando a,vinha se
rembrsd; rbd;; õ;*", "-o,sob a gead;,.; minha ardeia,.o cura
de sua missão tqr. ptoú;
seu discípulo a dãta da aestru"içãol.;;; menos no imagina qu"; Ail; ãirir".meaça a humani=
que os êostumes de Aníbar c"rtuàÀ J;ü"."râqr.rããJ- o, canibais mortos
ou cipião; . r.nã. sede. ao ;;;;!r".r* de
o Iugar em que morreu Marceto civis, qugm ,5,
de aí ter morrido porque faltou que o fato grita quetoda ";; es11 málurna se subverte,
ão
Que lhe ensine a apreciar o. r*orlrais
, *u dever. ãiu ão juízo está iminÉnte, -"
que o
sem refletir que já
os registrar - É a;.u ;;' do que ,.-uii* coisas pio.",
;';;il
espírito se aplica ae mais airei"iiãsl.*ii."r. , qud ã ,"rto ao ,u;;-d;;il;"
que,, no entanto, o
divehir_se? Eu, em
Li em Tito Lívio.'".;;;;;;'ü;à;ãffi; ,rÉlra" que.ponro arcançam nesre momento
perceberam, e plutarco ffiil; e a
t"u ortiu, c*em que eu tao ,írr.r,e impunidade, admiro_me de as ver
a

não vi e talvez diversas-J";-;; brandas. euem sente sobre ,a ca_


autor"'uns 'estudam a tisti.iã ãàn..ku o ú;;."ir chuva de pedà, Iogo supôe que.todo
gramáticoz 5e' outr91 ãro ,, o d.úrrcrio *frãiãr'À.?raetempestade.,pois
"o-á-uo,-nüroro qu. nao àiri" ;_;;p";ã'lãuoi*o que ..se esse
313lisa q pôe em eÍidênciu ut p*t"t]mais oifi- toio .ái de França
cets de penetrar em. noss,a tivesse sabido governar o
nâtu.oo. Ha .* ú"r"olr" rromem para chegar:a
Phrtarco muitos t ."10r,.:t.i"i,ràs,?igilr;; merdomo do
'
serem lidos' pois o considero ãrfü,,r sua imaginaçâo não bastava para que
Áettit'r;
ria' Mas há mir u'::llo'.; q;õJnas matê- "on""b"rr. grarrdezamais erevada que a de ieu
de leve e simplesmente aponia toãàu .;h;; roo-os .-;;;_;;sse mesmo erro.
de
rr' se nos apetecet' ""à"tJ.ri,iãl "ã'rüuercias
algumas coisas]segundo-sua
grandes e perigosasf,so mede
as
vezes em fazer uma alusão "onientando-se
no tt*tã pd{'4{;
r"iJáLir" grandez4quem
de uma narrativa'' É'ptt"i.o
ti.à-'ü"."àç.air. ;áÀil 1"'rJpr.rgnra,,como num quadro, essa grande
Assim o queinos diz dos haül*;À^au da madre natureza na prenitude de
que §empre serviram a um ntu, -1iE iào9r9Jem Iê em sua face uma variedade
sua
só senrror por não i,,Íiíi-,; de,;fgrmas
saberem pronunciar p-urr*"-;íãJt, em constante transforma-
dúvida o que inspirou"ara noetie 1# ffi;;i.T;nãra
F; "A ü* 'rtr"'i"reiro
sia'obra
vê, nâo ,r, ínfima pessoa rnas
ocupar o espaço de um risco
servidão volutriáiia':. ff;;";üúdo
cita de
": alfinote.,, ,

ã:'}fu:'n ifl?H:"H#'i;.;3jff*Or,
roes um +i;'fi""rdo tâo grande, q ue argun^s ampr iam
ainda, como as eJpecies die um" ga"*ãr.à-,"
z propêrcio.
l.s , espelho em que noi devemos mirí p*á
,', ;::i;;;;.-----: 1 : ;:t.e.-, conhecermos de maneira exata. Em "",
,u*".
' quero que seja esse o livro do nosso rluno.'Ã
ENSAIOS
- I 8l
infinita diversidade de costumes, seitas, juízos,
necessidades, como aliás todas as coisas em
opiniôes, leis ensina-nos a apreciar sadiamente
certa medida. Mas ela2 63 passa antes das
os nossos, a reconhecer suas imperfeições e demaig porquanto influi.maii diretamente em
fraquezas naturais, o que jânão éiou"o.
tas
frn_ nossa vida e ajuda-nos a orientá-la.
.revolugões nos diferentes países, tantas Se soubéssemos restringir as necessidades
mudanças nos desrínos públicosj
inàúrr_no, de nossa existência a justoi e naturais lirnites,
a não encarar como extraordinários os veríamos que a maioi parte das ciências em
nossos.
Tantos nomes, tantas vitórias e -conquista, uso é sem utilidade para-nós. E àesmo nas que
enterradas no esquecimento tornaÍn nos são proveitosas existem pontos superfluos
ridíôula a
esperança de eternizar o-nosso nome pela ou obscuros que fora melhor abandonarmos,
cap_
tura de dez archeiros e,de uma piolireiraz 60 atendo-nos, como queria Sócrates, ao que
conhecida tão-somente pelos q* ã"f" comportam de útil: ..Ousa ser avisado; quêm
se
assenhorearam. 0 fausto orguhdso adia a hora de viver é como o ."*po"eJ
de tantas
c^erimônjas. estrangeiras, a ã*"geiaaã
majes_ espera que o rio acabe de correri mas tu.
rade de tantas cortes e grandezas fazem_noJcê- ile
ticos e'permitem à nosia vista suJentar E. de um grande simplismo ensinar aos
o bri_
lho das ,nossas sem nos deslumbrarmos. meninos "o sentido doi peixes, áo Leão
Tantos mithares de homens q;;;;;r.cede_ resplendente, ou Capriórnio que se Ua"t
a rãs
ram no túmulo encoraJarn_nos a não temer águas da Hespéría,,) 6 t, a ciência-áo-ürr.o,
ao encontro de tão boa companhia no outro ir os movimentos da oitava esfera lhes"
mundo.Eassimoresto. -i., de..oue
a§r.ir os olhos para os próprios sentidos: t
tenho a yer com a fii:r.nzir_-: --oi-1"..1i] *o Ê"
Nossa vida, dizia pitágoras, assemelha_se
poputosa rr."*itéír'a*
à ffi:i,".,1,",:l :o, " mmtffi.gg
IIT9.,uns
prcos. :, .íogo, otím
exerciram puru .onqüiri^, u giã_
_
Anaxímenes escrevia a pitágoras: .,Como
posso preocupar-me com
rla; outros :g
Ievam sua mercadoria para vender o segredo das estre_
las, quando tenho sempre pi"r"nt" ã *ir-,
e ganhar. outros, nao ,ao -ár*fiã..r, nuau olhos a mgrte ou a escravidâo?,iiÉi"rur"rr*
querem senão ver o" porquê e o como
de cadà então os_rêi§'da pérsia a guerra ;;;;;
::ilà e ser àspectadorei da vida d;, ;;;; pátria.) Cada um deve aiier a-*esm;;k* ; ;;
para assim julgarem e regularem "as.saltado pela ambiçáo, u
à sua. Aos uu*iru,' á' t.r"ri-
exemplos se p_oderão ,"-f..
proveirosas reflexôes oa fiiosoÊa;;;' as mais a superstição, e com tantos outros
inimi_
"arpü.;j;';;: 9ed.,,
gos dentro de mim, como hei- de pensai ro
gra! devem insprrar-se as açôes humanas. movimento dos mundos?,, -- í-'
Dil.r: ao jovem:'..j" qú ." aã1,. à.s;il;11,:; Depois que lhe tiverem dito o que
utitidade tem o dinhelro airrcir;;ãh;]; para o tornar mais avisado e convém r

que exigem de nós , patriã-" mejhor; faEi- iAJ,


u f;;íii;;;;r; tÁsica;da Físici a" ctã,ãeria, da
quis Deus fosse ó tromem *U* *:::^1, ,

e
Iugar lhe assinatou na ,oci"àãã;;;o;.
.Rara
::.:":=:
que nascemgr:', ui,-;
ig:::f (objetivo d;
que sao^valentia, moderação, "Jssã
õ;;
i'i".râ, eue
somos
s'i'gnincam
.,,uao), o
*:'::",T"ú
ensino deverá ser {-l'J,ffi
::x?l ,'y ;*":::: i".:: 6,,
ministrud; ;;;;;;;;.;
por leituras; ora o preceptor th;;p;;-
ilji^p# proprio
#
justiça, servidão senrara o texto do autàr mais
esujeição, licença e liberãaãá-;il quado ao fim da educaçao, oi, àde_
nhece a verdadeira e durador.u -Jrgria, se reco_ lt. iornecerá
que,ponto cumDre temer a morte,
a doi e a ver_
atê somenté o miolo, a su'bstânci;--'Ê
mesmo, preceptor
;", il j
egntlt_"e coào evitar ,;ú;;'", .esse não for tão familiai
ções"? t', que móveis nos-iniüü*.
afli. com os livros para neles descobrir
" necessario à sua missão, poOeiaà
o material
"juntar_lhe
de tanros iàputsos oir.rÉntãs !m iOi. a causa
eorqr" letrado que, no momento certo,
Ihe
,!:ãfr :fr 3J,i;";.::Tffi?iJ1H'j:'fi .%X::
]l^Sum
neça os alimentos precisos que depois for_ lhe
caberá distribuir ao seu aluno.b"";ilo
Lão
regutar-nos os ro;;il;;;;fi;;'J,
Ihe ensinarão a conhecer_ir; ;;;'b"; os que dado será mais fácit e natúlã;';;
assim
co,i";
viver e método preconizatlo por:C*".-É,,I"
morrer bem.
preceitos em:êxçss5s, preúes "r'rrà1"
Entre as artes lilerais comecemos pelq de diÍjculdaOes
ngs faz livres. To{4s contribuern qge pouco compreensíveis; emprega palavras e
eÃ'verAade so-
pgg,a nossa,instrução noras e vazias que não se entendem
? e a satisfação O. noirru e não sus.
cttam nenhuma idéia; no nosso método
a alma
2 63
113.. oy
I"::"
I* ru'll'i;;Hlx'r
§i: importância. (N.
T.t'--
do
;*H fl:r;:- Montaigne, comô se induz do
de imediatamenre. refere_* á
2 6o -- -
trecho que
nfãLn-;:i,:
"=_;.í\,,.Í ,
prece_
26 ! Pérsio. Horâcio.
285 Propércio. 'r I
,
-'
2 62
lirgílio 266 Anácreonte.
I
;,
;á 82
ê MONTAIGNE
à acha a que se arreoq?
'" alimentar. o
^^k ^
d
;4 tr. .:$:i,:T_iJ'fr1#*i1."
'.H::ffi#;J:t#j;"T#;
suavemente
.,B,jlTij no.l1o1 sem. esrolÇo e por uma
_", i:;jr;ff0::t"".i;ff;"
i;,xl?'Iffi;ã,-:ffi
não seia,,3-t! suprema, u.lu,'t.],yr*te.,.
ol*-t.iiI"111,ig.nte, ,iai, àã amorosa, tão deti-

;ú;;; ffi:tr}tTril*.4
frt{$*i}iJ{ii +:tl*h'-**ri,;,*p:::,i
; o"{tltllf*u*:1ftffiffilf;ffi
a n",r..rá-toangimento, e que rem por
e3brulh.ld^o^s
=, rfr!'l,op",*am guia
o cami_
,.,"T+.ü::tiíilí
4 fisionom í,{i:É.:,:1,#,#ulTi[L#*i:H"j
-., pois não
á quase lh:
á do' Não
""J5,i1x :;.:"":j Uim.im:,:i{"f;ã"1flrespei,o
{I fiiá."".f:il,::::,1,.1"o,,t,-do
Erupo o"
t"ftol' àpi'io.'-"'r#;l':i'H:':it:T'§,àH1:i.?;
um
; 3;:$';1,-e-rres;;ffi;i11'to
,,run,ü",ffi:
uo
or:"T3T maiores ãu,,ài'ur",
=J t.ui, "ur,n* ,ffi,,f#lji:
+

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|i,nflHT. ,o

Jí?:,itr il:*tl+r**r*rm"*ri,,rr
.â,i,ã,
{
p-i#';i":,i,fü;itr,:fl"1fun
; :íii i:]ü;i,:il1,;:n,:;ff;:.,iã,Itã;i?
a ;;ffi:, :]jiiü ;;#,,:."tr[;,,".htr ffif:üí ;T:t.ti:ii:" ij:'Hll;:Jlj
;lj§';::: o:,::_"
'iei,ã" üájreta. os esrudos l^py.,.o.n u,iir,á*i
+f carrancudo:.ft: .orio';* ;?fl o amorconfirma a
;, reflete iguar_ ção víril, e", *ro"t ed.uca-
á
à ôiT"# l*,.:,x"J:;ffffiil§,ryí::*#:
[ilt?,*;bem-se o, p.áIãre'
raz com
É':"r'ii"'"x"'?l'â1'f

lffinr*fifi
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nam seus f":;,?*X", ffiiT: :m: :,nf;f.:la fT.hi,l,{$#,::,1;
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#j'.âl'ã'd,:rffi
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:T'::T*4" ", qü.,.*e.:"_^*,ç"-no, p-.i" o,
flil?r:,:"',?-.iffiÍ;"tr",1".h;rffi,

1fi*:.fi,.:*:#;ru*u{gtu.#f *HHàu$f#,i}ffi
:J ri:#[.ti#tü"rr*;*'T# ;i ;':xi*'j,',i'#m'rn*:'rg: m
t;i
i,'à,ã,i:.Í,",'."#1ffi;".*
i; ensomb.,d";,
caminhos fi:$:
;#iil, lj"i#;X"j [:T:i,.:fl?,üi:jí1fl
,§lffiH,,.,".,,;;;l

" ;:f ífli !íTX{i,.JfjTü.j;,T,::,il:


m.['e,*m:;"r,'.,1,."',,:.;,?iil.iiii,Hff
i lT,t:$"t*"*,1?,trihllÍi,t,:1firf"Ti.,
vocabulos OUê entân rtaoj^-^__-
das
1 aezenove i;;; #1,,iliSi"lesignavam duas
-1 'o. Arusâo à imagem da Fo*una,
alada. sobre urna roda
t
ENSAIOS I
- 83
qão bem mais nobre dp Qpe-penosa, sem a qual
decorre a existência forâ Aà, ..giur-da dos. As outras artes e ciências, acrescenta plu_
natu_ tarco, honrava-as Alexandre e reconhecia o
agitação.e na confusão. É então poá;-
\:r?!,
se talar de escolhos, sÍuças e monstros
que nelas havia de bom e agradável, mai o
com pouco pÍazer que delas tirava não aos permite
que depara quem não a conhece.
crer que as quisesse exercer.
Se o aluno for de tão estranho tempera_
o

"Buscai nela2ts,jovens e velhos, um obje_


mento que prefira ouvir histórias
à narrativa tivo para vosso espírito;3m viático para quan_
de uma bela viagem ou à de sábios prãporitoi do tiverdes encanecidoz 7 4.,,
que, ao som do tambor que excita
o
entusiasmo de seus camaràdas, se voltãloue_ . - E 9 que diz Epicuro no início de sua carta a
para Meniceus: "por moço-que seja, que ninguém sã
quem o convida a ver hiiiriões; que recuse a praticar a Íjlosofia, e que oi velhos
não ache
mais agradável e reconfortant"'régi"irar, não se cansem dela." euem'proóeae-ae outro
poeirado e vitorioso de um .o.nú'"i.
.r-
do que modo _parece dizer qle ainda não é tempo
vencedor na péla ou na dança, não de
vejo outro viver feliz, ou que jâ o não é. Mas para tais
se3ãg que g precepror o estrangute ensinamentos não querj que prendamã jor._;
f}di"em não havend-o-testemunhas,
togo, não quero que o abandonàm ào Áuu Àrmor
ou que o
:?liry:,:o-o pasteteiro _ ainã;
-que
s"1a
colera de um mestre._escola furioso; não quero

rtrno.oe duque em qualquer das nosias boàs corÍomper-lhe o espírito torturando_o corn
- pÍatão qu. ã pieciro colo-
cidades, pois ensina balho, como o fazem a outros, catorze quin_
a
tra_
car as crianças, não de acoido .o* posses
ze horas por dia, a exemplo d; u;;;egador-
dos pais mas segundo as faculdãei"de "i sêu Não achar.ia bom tampoico se, i.cúnuõo po,
proprlo espirito. temperamento para a solidão e a melancolià,
e
. Postoque a filosofia é a ciência.que nos en_ manifestando demasiado amor aos iíros,
Ihe
sina a viver e que a infância ;;; incentivassem esse gosto; isso os to.nu
as outras inrpto,
idad.es dela podl ti.u, .nrina*Jntàr, parà a vida da sociedade e os afasta
por que de melho-
. motivo não lha comunicare.os? llÉnquuiio Quanros homens de meu rempo
úm.ida, a argita é mole; :::::iti^çôes.
tenno vlsto embrutecidos por uma temeraÍia
nos, e que a
"ú;;il;ii.,i--
roda ágil em girando a p6661"á avídez de ciência !
_ t,nsmam_nos a viver quando passada a vida. Carnéades andava tão obcecado por ela
que
Centenas de estudantés ;;;;;;; mal tinha_ tempo para cortar o cabelo e
venéreas antes de ch;À;;;;'ãá.éiia"iã' doenças as
q',iJ !!_nas.. fao quero estragar suas generosas
Aristóteles' diz da túperançu.' óí""ro otsposlçoes com os processos bárbaros de
unr_
mava que, embora vivesse àuas vidas de outrem. Dizia-se outrora que a sabedoria
homem, não gastaria tempo..nlãiá. poetas fran_
Ií_ cedo mas durava pouco rempo.
ricos; os.disputadores de nossos-diu. são :t::-:._T:çava
Lonvennamos em que ainda agora não'há
muito mais desoladoramente inúàis. Nosso nada mais interessanie do que as
rrar_
Jovem tem mais Dressa: não deve ficar entregue cesas; mas, em geral, nâo realizam "1iãça,
o que delas
ao.s pedagogos s'enão ãtã
í,iiri. tu dezer_
"",Erúr"d-se,
seis anos; o resto é da ação.
se espera e depois de grandes não
revelam
pois, excetencla nenhuma. Ouvi dizer por pessoas
e.sse jeTpo que
É curto no ensino ão necêssá_ ::?:1!"t que é porque as mandaúos para os
no. I)etxem-se de lado todas as árduas sutite_ coleglos, que temos em tão grande número; e
zas da dialética, ilusorias e sem ;i"ito que assim se atoleimam.
sobre a
vida;
-tomem-se os mais singelãs pieãeitos Oa Para nosso jovem, um gabinete, um jardim,
filosofia, escolham a mesa e-a cama, a manhã e a tarde, tódas
nõ-É;1 ;ilil Iiôtrff
fi § :1,13iS": [,ij",lH noras e. tugares lhe servirão; em toda
as
conto de Boccaccb.. U^1n." criança á. -aprend*, parte
estudará pois a filosofia, que será
ao sair da ama, mais facilmenteio que sua prin'cipal
a ler e matéria de estudo; como'formuáoi, àa
escrever. A filosofia tem regras p*u inteli_
nascidos como para os decr-épitoi.- -
t, recém_ gencra e dos costumes,tem o previlégio
de se
.trsrou de acordo com plütarco misturar a tudo.
que Aristóteles ocupou menos quando diz Pedindo-se a Isocrates, o orador, que falasse
seu âluno2 72 de sua arte em um banqueta, urrirri ,e
com a arte do silogismo ou com houve
o, pr;n"ípio, com aplauso geral: ,.Não é hora de fur",
da geometria do qüe
a valentia,
ô; il;;.;;_Ià, ,ou.. sei, e não sei fazer^o que cumpre
o qr.
se façarrlo
a magnanimidade, a
moderação e"o "oàgem,
destãm"i. n cofr-esü'ãru.oul o
momento." Com efeito, discorier ou divagar
aceÍca de temas de reórica em uma
ain.ra moço, à conquist, aãlÀie.io assem_
Ty]o,u, ao bléia que. se reúne para rir e comer
T-rldo, apoiado. apen as em trir ta,rlill,r*t"r, i"iiu
ra de ma inspiração. E o mesmo se dirá ,nirtu_
quatro mil cavalos e quarenta
e dois *il .r"r_ quatquer arte ou ciência. Só a filosofia,
de
na
2 71 Pérsio.
2 72 2 73 A filosofia.
Alexandre,o Grande. 2
'4 Pérsio-
MONTAIGNE
parte em que trata do homem, seus deveres
e maneira de acordar o interesse pelas liSes
obrigações,-não deveria ser reóusada nem nos
nessas almas tenras e úmidas, essa de minis-
festins nem nos jogos como assunto de conver_
trá-las carrancudo e de chicote-nu" Àão, !
1açâo. E essa é a opinião de muitos sábios. método iníquo e pernicioso ! eue
Convidou-a platão ao seu funquei" e vemos E observa muito
como ela entretêm os convivai de maneira bem Quintiliano que uma autoridade que s€
suave, adequada ao tempo e ao lugar, embora exerce de modo tão tirânico comporta as mais
suas teses figurem entre as mais sàutares nefastas conseqüências, em púicular pelos
e de castigos. Como seriam melhoies as classes se
maior alcance desse filósofo: oijualmente
útil aos pobres e aos ricos; desprezã_la preju_ juncadas de flores e folhas e não de varas
dicjr igualmente jovens e veÍho.,ü u i- sanguinolentas ! Gostariâ que fossem atap€ta-
. E provável que nessas condiçôes nosso e dasdeGraças, das imagens da alegria, do júbilo, de Êlora
como mandou fazer em sua es-
Jovem lrcará menos inútil do que os outros.
Mas como os passos que damol-qurnao pur_ cola o filósofo F.speusipo. Onde esteja o pro_
seamos numa galeria nâo nos cansam veito esteja também a diversão. Hí que'por
tanto
quanto em um caminho determinado, açúcar nos alimentos úteis à criança e fel nos
-r"
ainda
que
-sejam três vezes mais, assim iuÃUé.n n"r_ nocivos. É admirável como platáo ,nort u
sas liçôes, dadas ao âcaso do momento atento em suas "Leis,' à alegria e aos diverti_
e do
lugar, e de entremeio com n"rrur-àç""r, mentos da juventude da cidade e como se ataÍ_
decor_
rerão sem que se sintam. o, da
. ute o. dasna rec-omendação das corridas, dos jogos,
"r.i.iúo.
Jogos, as corridas, a luta, a música, a dança, canções, dos saltos e das Aançaj cujo
caça, a. equitação, a esgrima consiitui.ão'boaa patrocínio e orientação se confiaram pá-
estudo.§ueró
l.i{:.do as boã5 maneiras que a delicadeza, a
prios deuses: Apolo, as Musas, Minerva. "o.Aion-
clvltldade, se modelem ao ga-se em mil preceitos sobre os ginásios,
mesmo tempo que o espírito, pois não é uma enquanto pouco discorre acerca das letras e
atma somente que se educa, nem um corpo, ê parece não recomendar particularmente a poe-
um homem: cabe não separar as duas parcelas sia, a não ser musicada.
U\ do todo. Como diz platào, é precisã não edu_ E preciso evitar, como inimigas da socieda-
4- car uma sem a outra e sim conduzi_las de par, de, todas as particularidades
como uma parelha de cavalos atrelados' ao de nossos usos e costurnes.e originalidades
á m:r.mg carro. E parece atê dar mais tempo e euem não se
espantaria com a compleição de Demofonte,
_á cuidado aos exercícios do corpo, achando que mordomo de Alexandre, que suava à sombra e
â o espírito se exercita -.r.o'tempo, e não tiritava ao sol? Já vi quem fugisse do cheiro de
ao contrârio. "o
.a - Seja como for, a essa educação deve proce_
maçã mais do que de tiros de arcabuz; e quem
se amedrontasse com um rato ou vomitaise à
der-se pom firmeza e brandura é não como é de vista de nata; e quem âo ver revolverem um
praxe, pois, como o fazem atualmente, em colchão de penas
sentia nâuseas. E Germânico
lugar de interessa.rem os jovens nas ,letras, não podia suportar nem a vista nem o canto
desgostam-nos pela tolice e a crueldade. Deil dos galos. Tais fenômenos podem provir de al-
xem-se de lado a violência e a força: nada a guma predisposição natural que ignorÍunos,
meu ver abastarda mais e mais embiutece uma mas a meu ver obviaríamos a esses males em
natureza generosa. Se quereis que o jovem os atacando desde cedo. Assim o consegui em
!:11 a vergonha e o castigo não o calejei-s nele. mim pela educação, com dificuldades certo,
Habituai-o ao suor e ao irio, ao vento, ao sol, mas atualmente, à êxceção da cerveja, meu
aos acasos que precisa desprezar; tirai_lhe a paladar acomoda-se
indiferentemente à tudo o
moleza e o requinte no ue.iir, no dormir, no que se come e bebe. Enquanto o corpo é ainda
comer e no beber: acostumai_o a tudo.
não seja Íapaz bonito e efeminado, *u, sadio eue maleável, cumpre húituá-lo a toda espêcie de
e usos e costumes. E desde que permaneça se-
vigoroso. Menino, homem velho, ,"*p..
tive a nhor de seus apetites e de sua vontade, não se
mesma maneira de pensar a esse respeito.
A hesite em tornar o jovem capaz de freqüentar
disciplina rigorosa da maior parte de nossos qualquer sociedade, no estrangeiro como em
colégios sempre me desagrrool. ú.nÀs preju_
sua terra; e que mesmo, se necessário, saiba
diciais seriam talvez se ã inclinassern para a suportar desregramentos
indulgência. São verdadeiras prisões para cati- e excessos. eue sua
conduta se acomode aos costumes e que possa
veiro da juventude, e a tornam cínicà e debo_ fazer todas as coisas mas só goste de fazer as
chada antes de o ser. Ide ver .rr",
horas de estudo: só ouvireis gritos"àúgios
de íianças
nas Fu:. Os próprios filósofos não aprovam
Calístenes que caiu em desgraça por não ter
martirizadas e de mestres füribundos. Linda querido acompanhaÍ seu senhor, Alexandre, o
2 7 5 Horácio. Grande, na bebida- O nosso jovem deverá rir e
brincar e dar-se a excessos com o seu príncipe;
EN§ArOS r
quero
- 85
que até na devassidão suplante
companheiros e-que não faça o se-us seja vinho ou água;,.se seus conhecimentos
màt-por ratta ,"irr"-, ,ao prirãoJ,ru, lhe
de vontade o que para
informação, " lã9.por carêncla oe ráúsãJ sabe mas
ãià.n*.r"ls-hábitos; se se domina e obedece a
por-s "e'mritúir"r*i9-ra9
tazeÍ o mar e não saber fazê-ro'ji
qil;
i;: F"'l;;: Jiir6p6o;;;. ô'rãliàoeiro espelho de nosso
sando em pre§tar homenagern
a qm t;"hJt
t'Z"u*id.mo:
,Lír",,,.n,o é a maneira de vivermos.
mais afastado, em fr"nçã ã"rJ.r_"*""rror1 ô a algugm que the perguntava
que perguntei em certa reunião por- que os lacedeáônios não punham por
quantas
se embriagara na Alemanha 'ez"Á ãr"rito
,ãrion*,.n,.êl;i; o reguramento da varentia e o davam
[? uo, jovens, respondeu que era porque que-a
dos negócios do ,ei. fàmou'i"rr"
" ;;;
pergunta e respondeu que sentido antes acostumá-tos aos feitos do que às
o fizera três vezes.
as contou' conheço quem se ,iiàr."r.
tenha visto emba- '*,io
f im de quinze a dezesseis

;::"#,i:, esse paíi, ,",à o


anos compa-
nosso jovem a um desses ratinistas
ff,,f:ã,:fiXi:T
ffi1f,
com grande ãamiàçao-;;;;;tü;.:";:',#::'j
de

de Alcebiades, a qúd lhe


racilmente a tudo, sem t;;-;;; ,o"pü*. il[:§",rJt,,#Í#f"XJ, [:'#i]:m,":
;T.Ii,"" vi homem que não dissesse antãs mais
;;.íil;;; fyi_:;;
ultrapassando a suntuosiOaá. il';'r." nleno.s do que devia. E nisto
a
ãos f,.rrrr,-or"
austeridade e a frugatidade aos-ú!eaemâ;i;; m€t;de da vida. Obrigam_nos durante sastamos
quatro
tão puritano em eiprriã-"oãã 'tiJàr"ioro ;;:;", anos a aprender patavras e a juntá_las
"* ãi irur"r, e ourros tantos a compor um longo
i:ill;;*:§:?:,,'fJ"T":1t+r,;;.:;;com todas !p",.,o em quatro ou cinco partes; e mais
Assim deseiaria rormar' o nosso jovem:
::ffi'ffi1'r[J.'"#:',:ltffij:":'Xjl; "";
,.ii#'1ffi;X*f.:f:;;r,""XlX{k# Deixe-se isso a quem o raz por
penhe ambos os papéis
A" úm g-llão,,, 7s.--"' ;:1,{:X,i,
t'ir'ào
um dia a Orleães enconrrei na planície,
Eis as minhas,f;eo"r.
&;;;;;;:as merhor aquém o,: g!.rr,ràil-ilor.rrores
quem as praticaÍ:.:::3:é-.up"nur.as de corégio
Para aquele ver é.ouvir souvir sabe. qu" ," dirigiam'a norãlus e marchavam a
'er- "Graça. .'ú" q" cinqüenta passos um do outro. pouco
a Deus"'diz' alguém-tt pi"ião,I'niàror*rrão
ê
e nem muito anrender nem tratar-ãu, atrás deres percebi uma comitiva,
à frente da
"Foi muito -ài'. -r".." qual ia o falàcido conà. je la Rochefoucauld.
-,,o' costumes do que nos um de meus criados indagou do primeiro pro-
;:",::A:[?:,ll*nXlflSi'ii, a ,nuior ressor quem era-o íidargá q," vinha
atrái. o

ry?:itiTiT"iiillTtt,:ilgun,oual1"i,:$i§,11"ri1#':,,T,Txiii.:r,",:'lJ
proressava' uo u"
q i",ffi or,i;
arte nem ciência, "r" firósofo--- ;
;ou
rT:É!
õ'rru.rr".n fr"p'tr,ÍJ;:i'sil
y"i, ;,
ir, :rr."*;iü
rió,
fii;;_ ü,::nr nao'q,r"r.Ã;l;;_*
Diógenes peto fato a" qu.'rã"r"",.Ir1',u qu. nem um gramâ_
um togicista, mas um fidatgo, deixe_
iil'i:#ffiL:#,qÉ6;iu:raiu,lu
rhe lesse un, riuro.'.§J;ã;;;iiã§l *;";,{:"
-
seus ,azeres; temos o que razer

filósofo' "quando,::^o{ d;;;;;; airr" o §ã^lorro jovem esriver bem provido de


escolheis os verdadeiros, Lscorher, conhecimen,.'r-.""ir, íãã üre fartarão paravras;
os-natui"i, não os e virão por mar se.não
pintados; por que^na"'*oir,.ir'igra-*i." quiserem vir por bem.
para discutirdes os assuntos Há quem se.descurpe por não poder
reais, dúatureza, a, cóisrr.*l:: qle pretenae exprimir
ter na cabeça e
e as aplicará aoi atos de tur-ria".-'v..-r"-â
assim se é prudente em .u. u'*.u^ver? É_que entreve
argumas vagas
bondoso e justo no seu proceder; é concepçôes que nao tomararn corpo,
seus cometimentos, se
que não
gracioso no seu falar; e pode á"rtrinç'o, ;;;"i;;;;;,
se ísensato
e por conseguinre
-"oãp-rã"na"
sé tem ânimo i" do"nç", expressar- r.iao' ,.
modéstia nos jogos. m"o"..i-
gosto fácil no que concerne n;;;.*;;;;; c{,iÉÃpr"i;; s;;r;;:;:"'* adesiphrir, próprio.

carne ou peixe, e no que


aos.manj;;;;à; r.i, tolJ que sua dificuldade não está no ve-
respeite ai úu;arr, *r., na concepçao, . ,r,ããlinda Darro
a rambei um
27F
Sêneca mbrião. Acreáito, e sócrates o
diz formar-
27, Horácio. mente, que.quem tem no espírito_um;.üél;
z s 14
z
--'-'
-
crara e precisà sempre pàaã
7e exprimir, quer de
2
cícero- "
2Bo cícero.
_l

t
86
MONTAIGNE
a
um modo quer-de ouho, por
mímica-até, se Íôr dispersosr2I s), não
mudo: *Nâo fs se destruirá com isso: os
concebeú,"i'I'1'-":.j.::';rlLrfle1fl::i: rx3i].a,t:-if:i,t!+irffi1i:,.H",,_:fi
modo igualmente poéíico
"túu em prosa: #,r.o,u
"Quando as coisas ," àrr"nhàrã.9:-.Ipf-ri; repreenderam porque nâo começara
ainda uma
prometida para ral dia: ,.Está com_
aspalavrasocorrem"2t';ou..411a.;.ã$
atraem as palalras,'z83. pode ignorar
ablati_ õiir " pronta, farta só juntar os versos.,,
il;.
vos' conjuntivos' substantivos ã qu; Ã;;*;.;b, Bellay deram relevo
srumáiica;,
quem é dono de sua idéia; é o quJse. íiãrr" poesia francesa, não há aprendiz que
verificã nao-r. inche
ao .;p"iit à;ürl ,.._-tuãJlrü
com um lacaio qualquer ou rapariga de paravras e as cadencie à moda_qr.
Pont'', que são cãpazes oe no.'*ü.ter ria mais ruído ào
do que J"niioo,- s 6- para o vulgo
qursermos sem se desviarem muito. nunca houve tantos
mais áas pd;r Mas se ú;. firi
regras da língua que um bacharel fâcil copiar o ritmo
Não sabem reórica nt* {IITF: ffiir.r., mestres, incapazes se mostraram de
por captar imiiar as ricas oescriçô'es
a benevolência do leitor"o*tç'Á
ingêiruã e-nem se cadafantasiado do primeiro e a deli-
preocupam com isso. Em verdade,
todos essãi
--ü", segundo.
belos adornos se apagam ante o uiirno ege lará á iàr* iouem se o apertarem
verdade simples e naúral. Esses
d;;-,", .or'u ,ôrirtiã1u,iiaãágu*
vem apenas para divertir o vulgo
reQueb;;r;;l: àr"ü, ,o. exemplo: o presunto silogismo, como
incapaz de àriri,.", a sede, logo presuntofaz beber, beber
escolher alimento mais ,uUrtincirt o estanca a sede?
como Afer o demonstra ctatamente ii* ir"i'rlü_a, que mais valC rir que responder. pode
e- Tá"iio.' âiriaà tirar de Aristipo a divertida
Os embaixadores ae Samás iúÀu--r.
sentado a Cleômenes, rei de frprria,
up."_ dada em semelhante.ocorrência: ..porresposra que o
bela e longa arenga nm'aeiàirueice--ioi:i,-;
^com
uma resolverei, se não resolvido já me embaráôa?,,
" Polícrares. Depois de
guerra contra o tirano I iJr:r que propunha a creantes essas Íinu- i

os ras d'ialétic;r, áiü;i.I,lvui divertir as crian-


;ãÍJ:ti?i*ii i,"il,"*;'[;tí{q:;i;D; oã';," essas peroricas, nao à..ui".ã"',.u,
q,ã,;
recordo ao meio'. a .ffi ffià;Tl1
ff
interessa'" Eis, parece-me, uma boa resposta l,?,iffi;,
aos discursadores bem documtni"ããt' ,o!za z
1" ::hl;xi.ã:,;i.?" F:il*::
tiverem por Íim convencê_lo de uma.
Há outra: os atenient"' à.ri"á escolher -- mentira-serão perigosas; mas não terão conse-
entre dois arquitetos um para , .*t"rçrã-à. ü;;;i". .se forem simpres farsas, e não vejo
um grande edificio' Apreientou-se o primeiro, i#1";,. devam preocupá-ro. Há toros cup-l,
muito afetado, com um belo disúso de se'desviarem do caminho por um
cuidado- bom dito:
samente preparado acerca do trabalho ;;r:;il ,rffiro, às coisas a que
executar, e iâ o povo se manifestava
qr. iu ;;;,;;.- "nr*_rÀ à vão rúrá* a que possam
a seu àpfica, as palavras,,28'."o,ras
outros, ..a
Íim de
::l;J ,T,HlL,o.*:',r*;*f*[: iry": .ôro.", umá r.ase, embió-am por assuntos
". o:' :'r:lr:""rfjÍf#r'fiH;
de
esteacabadedizereu o rarei.,'
Pasmavam-se muitos ante -: ;XI};X*XF;
cícero no auge d1su.1 3 tl"oi:1t^,i=1. â.áã;-" a ensastar. cabe às palavras se
{orça. catãoiia-s.e tão- adaptárem ao que se quer exprimir e se
somente: "Temos"' dizia,-"um cônsu1 o fran_
do." Antes ou denois, uni, ràntãn;; 91r"r,i ãàJt#; o pode fazer,empregue-se o gascão.
i,l;:ti seõ!J'ôr. o pensamento a ser comunicado do_
Iffi"f#",J'fr"'r:3i:áX;ailk{:' não ,ii,. e,penerre a imaginação de
{rrem oúve, a
"ar;; po; üil;; ffi ü,',H l',i.':
faz o bom poeil','Jo"rigr"* ." â"ffi
bom ritmo'l:"|ffi t"r,,._:1ülT#.:l*,il**f::
assim o entendertm umà sílaba escrita como a fala{1,-e suculenta, e
bãu.,. .. nervosa,
idéias são nele ,graaávãi; ,ã rrí breve e concisa, não dericada e louçã,
". mas vee-
inteligência, direi que poeta é
.o
"rp,ritol ;ír.ni.'.
bom,-embora
bru191:-..euea expressão impressione
;;;ã ierta,,2ro. üma rin!u"g"_ anres dificil
5:ii.i."§"fi:!:llilH:X'ffif##i:,;:'::r;; ;"*ô;-;L,.""iá,'',i',il' aretação, ousada,
sutil"2;;-r;;;'tã;ffi ;{ü,ü:,t*:[.:l"T:.-",X[] j.:'"""#?#ffi'Jld".,rf"xã,t
i'"]'"$:, ou di í. !,.?àie,.iã
,::..f; i_lÉl'[i:ffil,:",1ai,T#';',TX'C
vras, encontrareis o poeta nesses trecÉú "ã,og^àã,',ã.
28 5 ld.
2at Horácio. 286 Sêneca
.", iên""ã-' 287 Cícero.
zar gi""r-f 2^88

!
t
,". nãiããio. Qtintiliano.
ili im:
ENSAIOS I 87
-
soldadesca como Suetonio qualifica a de Júlio o grego são sem dúvida belos ornamentos mas
Cé-sar, embora eu não perceba muito bem por custam caro demais. Pois direi aqui o modo de
quê. adquiri-los mais barato que de costume, modo
De bom grado tenho imitado a maneira ess€ exp€rimentado por mim mesmo.
excêntrica de se trajarem os jovens de hoje: euem
quiser que o adote.
manto de banda, capa ao ombro, mal esticaâa
a,meia, pois assim se dão ares de altivo des-
Meu falecido pai, tendo procurado por
todos os meios, entre homens de saber.e inteli-
dém pelas modas estrangeiras e seus artificios.
gência, a melhor forma de educação, percebia
Semelhante atitude no modo de falar me agra-
da ainda mais. Qualquer afetação, sobretirdo os inconvenientes do método então em uso-
com a alegria e a liberdade francesas, vai mal Disseram-lhe que o tempo que levávamos a
ao homem de corte, e'em uma monarquia aprender as línguas que a gregos e romanos
todos devem ser educados como coíesãos, nada haviam custado era o único motivo por
sendo portanto recomendável que nos íncline- que não podíamos alcançar a grandeza de
mos um pouco para o natural e o desdenhoso. alma e os conhecimentos dos antigos. Não
Não aprecio os tecidos em que aparecem a creio que essa seja a única causa, mas o que
trama e as costuras, e em um corpo bem feito importa no caso á a solução que meu pai
não se devem ver os ossos e as veiâs;,.a verda- encontrou. lngo que desmamei, antes que se
de precisa falar uma linguagem simples, sem me destravasse a língua, conÍiou-me a um ale-
artificios;-e quem fala com afetação; quem fala mão, que morreu médico famoso em França e
com artificios senão aquele que pretende falar que ignorava completamente o francês mas
afetadamente?"2e1 A eloqüência-que atrai por possuía perfeitamente o latim. Esse alemão,
que meu pai mandara vir de profrsito e paga-
,si mesma prejudica as coisas. Assim comô é
pequenez de espírito querer-se distinguir por va muito caro, ocupava-se continuamente de
maneiras estranhas de trajar, na Iinguagem o mim. Dois outros menos sábios do que ele
rebuscamento, a procura de expressões origi- acompanhavam-me sem cessar quando folgava
nais e de vocábulos pouco conhecidos decór- o primeiro. Os três ú me falavam em latim.
rem de uma ambição escolástica e pueril. Quanto aos outros de casa, era regra ipviolável
Pudesse eu usar sempre e unicamente a lingua- que nem meu pai, nem minha mãe, rlem cria-
gem que se emprega nos mercados de paris ! dos ou criadas, dissessem em minha presença
Errava o gramático Aristófanes em criticar senão as palavras latinas que haviam apren-
Epicuro por causa da simplicidade das pala- dido para se entenderem comigo. Excelente foi
vras, bem como em seus discursos a perfeita o resultado. Meu pai e minha mãe adquiriram
clareza da expressão. Imitar alguém em sua conhecimento suÍiciente dessa língua para um
maneira de falar é tâcil, qualquer pessoa o faz caso de necessidade e o mesmo aconteceu com
sem esforço; mais árdua é a iúitaÇ.ão da inteli- as outras pessoas que lidavam comigo. Em
gência e da imaginação. Em geral quem encon- suma, tanto nos latinizamos que a coisa se
tra vestimenta igual pensa eÍToneamente que estendeu às aldeias circunvizinhas onde ainda
tery o mesmo corpo; no qual se engana muíto. hoje se conseryam, pelo uso, vários nomes lati-
A força e os nervos não se tomam de emprés- nos de artíÍices e ferramentas. euanto a mim,
timo: enfeites e capas, sim. A maior parte das aos seis anos não compreendia àais o francêi
pessoas que freqüento fala como eu nos
ou o dialeto da terra do que o ârabe. Mas sem
Ens?.ios, mas não sei se pensa do mesmo
modo. Os atenienses, diz plàtão, falam abun_ método, sem livros, sém gramática, sem
dantemente e com elegância: os iacedemônios regras, sem chicote nem lágrimas, aprendera
são. Ia_cônicos; os creténses têm a imaginação um latim tão puro quanto o do meu plofessor,
mais fecunda do que a linguagem; e são'os porquanto nenhuma noção de outra língua o
privilegiados. Zenão dizia que túha duas espé- podia perturbaÍ. Se por exemplo queriam dar_
gr_e.s.. de
.ctrscipulos: uns, a que chamáva
me um tema, à moda dos colégios, tinham que
"fiIólogos", gostavam de aprenàer as coisas o dar em mau latim, a fim de que o vertesse
por si e eram seus preferidoi; aos outros cha- para o bom. E Nicolau Gronchi, que escreveu
mava "logófilos", e não se importavam senão "De comitatis romanorum", Guillerme Gue-
corn as palavras. Não é que ô bem flalar não rente, que comentou Aristóteles, Georges Bu_
seja bonito e bom, mas não é tanto como o chanan, o grande poeta escocês, Marc Antoine
apregoam, e lamento que toda a vida sô passe Muret, reconhecido na França e na Itâia
nisso. Dgsgjaria em piimeiro lugar conhecer como o melhor orador da época, e que foram
T* , minha língua é em seguidã as dos vizi_ to99s meus preceptores, dizem todôs que eu
nnos com quem tenho mais relações. O latim e sabia tão bem o meu latim que temiam discutir
comigo. Buchanan, que vi mais tarde no sé-
2sr Sêneca
- reuniram-se as duas cita$es por quito do falecido Marechal de Brissac, disse-
comodidade tipográfica
me que estava escrevendo sobre a educlÇão
88 MONTAIGNE
das crianças e que tomava a minha como seryiu apenas paÍa me fazer pular as primeiras
elemplo. Estava então encarregado da educa_ classes. De maneira que com treze anos tinha
ção do Conde de Brissac, que dãpois vímos tão concluído o meu curso, como dizem, mas na
valoroso e bravo- veldade sem qualquer fruto que seja agora de
- - Quanto
ao grego quase não o compreendo. utilidade.
Meulpai tentou ensinar-me com métôdo mas
não bomo hahitualmente, antes sob forma de . Nfgr1 gosto pclos livros nasceu do prazer que
tive à leitura das fábulas das ..Metamorfosés,,
jogo e folguedo. lnscrevíamos as declinaSes de Ovídio. Aos sete ou oito anos mais ou
em pedacinhos de papel que dobrávamós e menos fugia para as ler, desprezando quais-
pregávamos ao acaso, à maneira dos que quer outros divertimentos; e como a língua era
aprendem aritmética ou geometria. porque minha língua materna2 s2, era o livró mais
entre outras coisas lhe tinham aconselhado que fácil que. eu conhecia e o mais adequado pelo
me levasse a amar as ciências e o dever não assunto à minha idade. Quanto aos Lançarotes
pela força, mas por minha própria vontade, e do Lago, aos Amadis, aos Huôes de Bordéus, e
que me educasse pela doçura e s€m rigor nem outras obras do me-smo gênero, com que diver-
constrangimento, dando-me inteira liberdade. tem- as crianças, não as conhecia sequer pelos
E isso atê a superstição, porquanto em susten- títulos e não lhes conheço ainda o àontêúdo,
tando alguns que perturba o-cérebro tenro da tão forte foi a minha obediência às proibiçôei
criança acordâ-la em sobressalto e arrancála que me eram impostas. Com essa paixão me
ao sono, mais profundo nelas do que em nós, tornava mais descuidado no estudo das outras
. de. repente, bruscamente, mandou qu" me acor- matérias, mas felizmente encontrei urn homem
dassem ao som de algum instrumento, e nunca inteligente e cônscio de seu dever de preceptor
faltou quem o fizesse. que soube tirar partido desses excessos e de
Este-exemplo basta para julgar do resto, e outros semelhantes. De modo que devorei de
- parl pôr em evidência, tambêm, a prudênciá e fio a pavio a "Eneida", e Terênõio e plauto, e
a afeição de meu pai, tão bom e que não teve as comédias italianas, sempre levado pelo que
c-ulpa de não colher fruto que correspondesse a
essas obras têm de agradável. Se tivesse tido a
tão requintada cultura. Duas foram as causas: mania de mo impedir, creio que só houvera
a primeira, o campo estéril, e impróprio, pois trazido do colégio ódio aos livros, como acon-
embora tivesse boa saúde e fosss de tempera- tece com quase toda a nossa nobreza. Proce-
mento brando e fâcil, era tão lerdo, mole aapâ-
tico que não me podiam arrancar da ociósi-
deu com inteligência, fingindo nada ver,
aguçando-me a curiosidade com deixar-me ler
dade nem para brincar. O que eu via, via bem.
tão-somente às escondidas tais livros e obri-
E ry! o aspecto pesado nutria pensamentos gando-me a trabalhar, quanto ao resto, sem
ousados e opiniôes acima de minhà idade. Mas
exagerada autoridade, pois as principais quali-
tinha o espírito lento e que so trabalhava quan_ dades que buscava meu pai naqueles a quem
do o excitayam. Minhá comp.eensão era tar_ me confiava eram a bênevolência e a bondade
dia, a inspiração sem vigor, ê sobretudo care_ de espírito. Por isso mesmo não tinha eu outro
qol completo de memória. Com tudo isso, defeito senão indolência e preguiça. Não corria
"i_" há como
não espantar não obtivçsse meu pai o risco de fazer mal, e sim o de não fazer nada.
algo que valesse a pena. por outro lado, como Ninguêm presumia que me pudesse tornar
aqueles que têm um ardente desejo de se curar mau; mas inútil, sim. Previam em mim a ocio-
seguem toda espécie de conselhos, esse exce_ sidade, não a maldade. Reconheço que foi o
lente homem, temeroso de não poder levar a que sucedeu. As qüeixas com que me enchem
:"Po u coisa que tanto desejava, ãcabou por se os ouvidos são deste gênero: preguiçoso; frio
deixar influenciar pela opinião comum que nas relades de amiàade e parentesco; desinte-
segue sempre os que vão na'frente, coino-os ressado dos negócios públicos- Os mais maldo-
grous, e obedecer ao costume,ipor já não ter a
sos não dizem: por que tomou? por que não
seu- lado os que lhe tinham dado ãs primeiras pagou? mas sim: por que não faz tal
indicaSes na Itália. E pof volta dos seis anos concessâo? por que não dá isso ou aquilo?
pandou-me para o Colégio de Guyenne, o me- Agradeceria muito que não me pedissem
lhor então em França..Não fora possível juntar mais do que devo, mas exigem injustamente-o
mais cuidados aos que meu pai tàve em d-ar-me que não devo e iom bem maior iigor do que
professores particulares e atentar para minha empregam em exigir deles próprios o que
alimentação em mais de um po.*ànor contra devem. Com tais exigências apagam todo o
as regras do colégio. Contudo era um colêgio. mérito da ação e a gratidão gue pudera ganhar
Meu latim, do qual perdi o hábito por falta de
exercício, abastardou-se logo. E o- moilo inê,. 2s2 O latim, posto qu€ o aprendera,.como explica,
dito que haviam empregado para mo ensinar ainda no berço.
ENSAIOS I
- 89

9 que- devera ser tanto maior quanto o que depois príncipes nossos entregarom-se a ele, a
faço, faço-o de boa vontade, não-tendo nenhu- exemplo dos antigos, e o fazeremlmuito bem.
ma obrigação de fazê-lo. Tenho tanto maior Na Grécia até as.pessoas de categoria o po-
liberdade de dispor de minha fortuna quanto diam fazer como profissionais: "reyela seu
não-a devo aninguém; e de mim, porquanto plano ao ator trágico Ariston, homem de berço
sou independente. Entreturto, se quisesse enca- e fortuna; sua profissão em nada o diminuía
recer o que [aço, ser-me-ia fácil responder a posto que nada tinha de desonroso na Grê
essas censuras. E a muitos mostraria que cia"2 9 5
cSeT à inveja e se ofuscam menos com que Sempre acusei de impertinência os que con-
não faça bastante do que com a possibilidáde denam tais distra$es, e de injustiça os que
minha de fazer mais. recusarn a entrada de nossas cidades aos
Contudo" meu espíiito não deixava ao comediantes dignos, privando o povo de um
mesmo tempo de ter resolugôes Íirmes, juízos pÍazeÍ público. Os bons governos traüam de
seguros e claros sobre objetos de seu conheci- unir os cidadãos, de os juntar, tanto nos deve-
mento; e digeria-os sozinho, sem influência res sérios da devoção como nas festividades e
alheil, e era incapaz de me submeter à força e jogos; assim se aumentam a solidariedade e a
à violência. amizade. E não se poderia ademais conceder-
Direi ainda desta qualidade que tinha em lhe-s passatempos preferíveis a esses a quÊ
criança: uma segurançâ na expresião, uma voz todos assistem na presença do magistrado.
e um gesto flexíveis que me perrnitiam desem- Acharia razoíyel que este e o príncipe, à zua
penhar qualquer papel? Antes da idade normal custa, o dessem algumas vezes ao povo, crlm
("mal entrava eu então no ano doze"2e3), afeição e bondade paternal, e que nas cidades
representei as primeiras personagens das tragê- maiores houvesse lugares destinados a tais
dias de Buchanan, de Guerente e de Muret espetáculos que, por vezes, poderiam desniar
que dignamente se montaram no Colégio de de más ações para cuja execução se escondem
Guyenne. Nisto, como nas demais funçôes de os homens-
seu cargo, foi André de Gouveiãrro, nosso Para voltar ao assunto, direi que o melhor e
diretor, o maior diretor de França; e era eu seu atrair a vontade e a afeição, sem o que s€ con=
melhor_ intérprete. É este um e*ér"í"io que não seguem ap€nas asnos carregados de livrol.
deixo de louvar nos jovens de boa família; vi Dão-lhes a guardar, com chicotadas, um saccr
de ciência, a qual, para que seja de proveiro,
2s3 Virgílio. não basta ter em casa: cabe desposar.
2ea Humanista português (1497- 1555). 2e s Tito Lívio.

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