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c0pf'à%hh
PASTA
CEpfruro XXVI PROF.
Da educação da s criançat QUANT. pÁG.
1ó .,
Nunca vi pai, por corcunda ou tinhoso que mas turvas e enevoadas e não as posso distin-
fosse o filho, deixar de dá-lo por seu. Não, guir. E, se me proponho falar à vontade de
entretanto, por estar cego pela afeição e não se tudo o que se apresenta à minha fantasia, não
aperceber do defeito, mas tão-somente porque empregando nisso senão os meus recursos
é seu. Assim eu vejo melhor do que outro não naturais, acontece-me não raro encontrar por
haver aqui senão devaneios de homem que das acaso nos bons autores os mesmos assuntos
ciências ú provou a casca em sua infância e que procuro comentar, como vem de me suce-
apenas reteve delas um aspecto geral e infor- der com Plutarco aceÍca da força da imagina-
me; um pouco de tudo e até nada de nada, à ção; e ao reconhecer-me diante deles tão fraco
francesa. Porque, em suma, sei que há uma e insignificante, tão pesado e sem vida, tenho
medicina, uma jurisprudência, quatro partes piedade de mim mesmo, e desdém. Todavia
na matemática, e, grosseiramente, o que visam sinto prazer em verificar que minhas opiniões
elas. Porventura saberei ainda, de um modo têm a honra de ir ao encontro das deles, às
geral, qual seu objetivo e sua utilidade em vezes, e, embora de longe, sigo-lhes as pega-
nossa vida. Mas, ir além, queimar as pestanas das. E também tenho esta vantagem que nem
no estudo de Aristóteles, soberano da doutrina todos têm, que é conhecer a profunda diferenç3
moderna, ou me obstinar em qualquer ciência, que hâ entre mim e eles- E, no entanto, deixo
não o fiz nunca. Nem há arte de que eu possa os meus pensamentos correrem assim fracos e
sequer expor as mais elementares noçôes. E pequenos, como os concebi, sem rebocar nem
qualquer menino das classes médias pode tapar os buracos que a comparação me reve-
dizer-se mais erudito do que eu que não tenho lou. É preciso ter rins sólidos para andar em
capacidade para examiná-lo sobre as primeiras companhia dessa gente2 a3. Os escritores sem
lições; dessa natureza pelo menos. Se me for- discernimento de nosso tempo, e que em seus
çam a fazà-lo, vejo-me obrigado, assaz inepta- Iivros sem valor vão semeando trechos inteiros
mente, a tratar de algum assunto de caráter dos autores antigos2 o n para se enfeitarem,
geral pelo qual julgo sua inteligência natural, fazem o contrário; porque a infinita desseme-
matéria tão alheia a ele quanto a sua me ê lhança de brilho entre o que lhes é próprio e o
estranha. que tomam de empréstimo dá um aspecto tão
Não me enfronhei em nenhum livro úlido páIido, desbotado e feio ao que é deles que per-
senão nos de Plutarco e Sêneca em cuja obra, a dem muito mais do que ganham.
exemplo das Danaides, busco sem cessar aqui- Eis dois sistemas diferentes: Crisipo mistu-
lo que logo entrego alhures. Em meus escritos rava aos seus livros não somente trechos mas
alguma coisa fica; em mim quase nada. A his- também obras inteiras de outros autores, e em
tória é mais de minha predileção, ou a poesia um desses seus trabalhos se acha reproduzida
que tenho em paÍticular estima. Pois, como "in extenso" a "Medeia" de Eurípides; e dízía
dizia Cleantes, assim como o som, prensado Apolodoro que se lhe cortassem o alheio fica-
no estreito canal de uma trombeta, sai mais va o papel em branco. Epicuro, ao contrário,
agudo e forte, assim se me afigura que o pensa- nos trezentos volumes que deixou nunca pôs
mento, constringido pelas regras da poesia, se uma ú citação.
arremete mais vivamente e me impressiona Aconteceu-me um dia destes dar com um
com maior intensidade. desses escritos: tinha-me arrastado penosa-
Quanto às faculdades naturais que aqui mente até o fim de uma prosa francesa tão
ponho à prova, sinto-as vergar sob a carga.
Minhas concepções e meus pensamentos só 2 a3 Michaut
interpreta: é preciso estar seguro de si
avançam às apalpadelas, cambaleantes, â p-" àrià;;; ** ãrr^ g"nie. (N. do T.)
escorregar entre tropeços; e por mais longe que ã o * obr"rrc-sô que úontaigrre »ão se priva de
vá, não fico satisfeito; vejo rerras ainda além, . fazê-lo.
raoiinieúq, r,t :thg";J:# i*"b; LrilÍ,*,l, t/g
"'t ) 4q q,
^t.^*
76
MONTAIGNE
exangue' tâo descarnada' tão vazia de subs-
tância e de sentido que não era, em verdade, c-g-o. quer que seja e quaisquer que sejam
as inepcias que me passam pera mante, não
mais do que palavrasem francês, eis-qre
tão longa e aborrecid-a-leitura deparei
apos ã*ãná"r"i, Jo*o rálsconderia meu relato as se
ôor" i, ,", a" jovem
Úecho elevado, rico, erguendo-se'às nuvens.
se e"nilrisalho ,co.o;;;
e bero me representasse calvo
tivesse achado a subidã suave e a,.mpa.fácit, em verdade. Exponho
tudo se desculparia' mas era u,, pt."ipúo-iáo ãq.ri meus sentiments e opiniões, dou_os
abrupto, inespefado, que logo às íeis primeiras ;;. os concebo e não como os concebem os
palavras verifi oriior; meu único objetivo é analisar a mim
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descer aá à"ã. sü_" :, ilj Tij":
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instruir os outros.
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var' como faço amiúde' os dós outrls^e^1,mjm'
E preciso apon #rá [[.:.,"T?
ter arongado um pouco mais sobre a edu-
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próprio tento igualar-me
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aos meus furtos e ir de par com
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merhor do que em fazendo presente
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eres seria hoÃ"Á a' o.*, poi, -.01'n"a ,a;+$:::i
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urrã"' o que vi i[ffi"T!;',;,1:'Í:li.:im:.
i'i,'r'tluçao e à educação fr:':ll::i:
da *iança.
oütrem,aã'r*Ãu a nem sequer acontece na agricultura: o que
ponta dos dedos, e conduzi. ,,,":,?t;:lo; --9^-*.§*o
precede
..u-"irl,i"' " plantar. Mas depois é certoã fácit;.tuÀü-
como se permite aos cientistur-.rrt'*rv
à semeadura
progústicos que tiramos da infância. Platão parte das vezes a autoridade dos que ensinam ê
eÍn sua República parece dar-lhes importância àociva aos que desejam aprender"2 t '. É bom
excessiva que faça trotar essa inteligência à sua frente
É a ciência,.Senhora, um grande ornamento para lhe apreciar o desenvolvimento e ver até
e ferrErená de admirâvel prêstimo, em parti- que ponto deve moderar o póprio andar, pois
cular para as pessoas de vossa condição social. em não sabendo regular a nossa marcha tudo,
Não tem em verdade seu melhor emprego nas estragamos. É uma das mais árduas tarefas
mãos humildes e baixas. Orgulha-se muito que conheço colocar-se a gente no nível da
mais em prestar os seus serviços na direção de criança; e ê caracterí$ico de um espírito beiir
uma guerra, no governo de um povo, na ami- formado e forte condescender em tornar suas
zade de um príncipe, ou de um país estrangeiro as idéi4s infantis, a Íim de melhor guiar a
do que em enunciar uma aÍgumentação dialê- criança.l/Anda-se com mais segurança e firme-
tic& em aÍÍazoaÍ um recuÍso ou receitar um za nas subidas do que nas descida§.
punhado de pílulas. Eis por que vos quçfQ
Quanto aos que, segundo o costume, encar-
e)Épor, sobreg assunto, idéiaç contrárias à Cpi regados de instruir vários espíritos natural-
nião wlgar. E tudo o que Posso para vos servir 'mente diferentes uns dos outros pela inteli-
neste caso. E o faço porque estou convencido gência e pelo temperamento, a todos
de que não esquecereis a ciência na educação ministram igual lição e disciplina, não é de
dos vossos, vós que já lhe sãb<íreastes a doçura estranhar que diÍicilmente encontrem em uma
e pertenceis a uma família de letrados pois multidão de crianças somente duas ou três que
temos ainda os escritos dos.antigos -
condes de tirem do ensino o devido fruto. Que não lhe
Foix, de que descendeis, vós e o conde; e vosso peça conta apenas das palavras da lição, mas
tio Francisco de Candale continua a produzir também do seu sentido e substância, jutgando
outros que levarão aos séculos futuros o do proveito, não pelo testemunho da memória
conhecimento dessa qualidade de vossa famí- e sim pelo da vida. É preciso que o obrigue a
lia. . expor de mil maneiras e acomodar a outros
A'tarefa do preceptor que lhe dareis, e da tantos assuntos o que aprender, a fim de verifi-
escolha do qual depende todo o efeito da sua car se o aprendeu e assimilou bem, aferindo
educação, compo rta v áLrios aspectos importan- assim o progresso feito segundo os preceitos
tes; mas não toco nas outras partes por não pedagógióos de Platão. É indício de azia e
'§àber
dizer nada que valha a pena. Quanto ao indigestão vomitar a carne tal qual foi engoli-
ponto em que proponho meus conselhos, ele da. O estômago não faz seu trabalho enquanto
me acreditará no que quiser. Para um filho de não mudam o aspecto e a forma daquilo que se
família que procura as letras, não pelo lucro
(pois um fim tão abjeto ê indigno da graça e do
Nosso espírito, no sistema que condeno, não
favor das musas e, por outro lado, não depende procede senão por crença e adstrito às fanta-
de nós) nem tanto pelas vantagens exteriores sias de outrem, servo e cativo de ensinamentos
que os oferece como pelas suas próprias, e estranhos. Tanto nos oprimiram com as anda-
para se enriquecer e adornar por dentro para deiras que jâ nâo temos movimentos livres-
um rapaz que mais desejaríamos honesto do Vigor e liberdade extinguiram-se em nós:
que sábio, seria útil que se escolhesse um guia
"nunca se dirigem por si próprios"2 48. Tratei
com cabeça bem formada mais do que exage- intimamente em Pisa com um homem bom,
radamente cheia e que, embora se exigissem as mas tão aristotélico que o mais geral de seus
duas coisas, tivesse melhores costumes e inteli- dogmas é que a pedra de toque e a regra de
gência do que ciência. Mais ainda: que e-xer- toda inteligência sólida e de toda verdadecstão
cesse suas fun$es de maneira nova. na doutrina de Aristóteles, fora da qual ó hâ
Não cessam de nos gritar aos ouvidos, como quimeras e inanidade, pois tudo ele viu e disse.
que por meio de um funil, o que nos querem Essa afirmação, por ter sido interpretada mm
ensinar, e o nosso trabalho consiste em repetir. certa amplitude e malícia, comprometeu du-
Gostaria que ele corrigisse este erro, e desde rante muito tempo e muito seriamente seu
logo, segundo a inteligência da criança, come- autor junto à Inquisição em Roma.
çasse a indicar-lhe o caminho, fazendo-lhe pro- Tudo se submeterâ ao exame da criança e
var as coisâs, e as escolher e discernir por si nada se lhe enfiará na cabeça por simples auto-
póprio, indicando-lhe por vezes o caminho ridade e crédito. Que nenhum princípio, de
certo ou lho permitindo escolher. Não quero Aristóteles, dos estóicos ou dos epicuristas,
que fale sozinho e sim que deixe fambém o dis- seja .seu princípio. Apresentem- selhe todos em
cípulo falar por seu turno. sua diversidade e que ele escolha se puder. E se
Sócrates, e posteriormente Agesilau, obriga-
vam os discípulos a falarem primeiro e somen- 2' 7 Cícero.
te depois. falavam eles póprios. "Na maior 2a8 Sêneca. .j
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ENSAIOS_- I 79
ggr ossosrrVi homens, mulheres e crianças de mais apropriados a seu assunto. eue o tornem
Íd qg99 conformados
lnes doi do que
que uma bastônada exigente na escolha e peneirameito de suas
lnenos a mim um piparote; e razões, amigo da exatidão e, portanto, da bre-
nao ugem n€m mugem quando apanham. vidade. Que lhe ensinem sobretudo a ceder e
Quando os atletas iir;tam' os filósôfor. sustar a discussão ante a vçrdade, logo que a
paciência, é de se atribuir a coisa mais ",
ao enxergue, surja ela dos argumentos do. adver-
vigor dos Rervos que ao da alma. O rráUiio ão
§ário ou de sua própria reflexão, pqis não lhe
trabalho leva,ao hábito_da dor:r,O trabalho à
Ieja para a dor"2 53. É preciso acosflrmar o cabe desempenhar um papel prescrito e falar
de cátedra; e se defende uma Causa é porque a
lov€r-n à fadiga e à aspereza dos exercícios a aprova; e não fará como aqueles que vendem
!m de que se prepq.e paÍa o que comporram
cte penoso as dores fisicas, a luxação, às coli-
em moeda sonante a liberdade de poder refletir
e reconhecero erro: "Nenhuma necessidade o
cas, os cautérios, e até-a prisao . , to.iü,ãu. obriga a defender o que lhe prescrevem e
nestas ele também pode vir a cair nos tempos
que coÍrem, em que tanto atingem os boirs ordenamr'2 s 6.
eoTo os maus. Estamos arriscados a elas. Se seu preceptor for como eu, formar-it e-á a
yqntade para que sirva seu príncipc com leal-
Jodos os- q_ue combatem as leis *"rç". o, oacte, alelçao e coragem; mas o dewiará de se
homens de bem eom o chicote e à coráa. por
outro ,lado, a presença dos pais é nocivã -á prender a ele senão por dever cívico. Além de
autoridade do preceptôr, a qial deve ser sobe_ vários outros inconvénientes dessas obriga$es
rana; e-o respeito que Ihe têm os familiares, o particulares que ferem a nossa Iiberdade. a ôpi_
conhecimento da situação e da influência de nião de um homem salariado a s"*iço dL
sua família, são a meu ver de muita inconve_ outro ou é menos íntegra e livre, o, tactiáda de
niência na infância. imprudente e ingrata. Um cortesão não tem
Nessa gscola do comércro dos homens, notei direito nem vontâde de pensar senão bem do
amiúde um defeito: em vez de procurarmos senhor que, entre tantos milhares de suditos o
tomar conhecimento dos outrôs, esforçamo_ escolhe, atende a suas necessidades ã
nos por nos tornarmos coúecidos e mais nos engrandece, t, por suas próprias mãos." Os
cansamos em colocar a nossa mercadoria do lavores e q interesse corrompem_lhe, não sçgr
que em adquirir outras novas./O silêncio e a ra"-ao, a lranqueza. E o deslumbram. por isso é
modéstia são qualidades muito'apreciáveis na a Iinguagem déssas pessoas em geral diferente
^pd-ucar.-s-e_-á o menino a mos_
conversação. das ouúas linguagens, e pouco digna de fé.
trar-se parcidófrIü3õYfd;r" -a
úri;;-luando o Que a consciência e virtudã brilhem em
tiver adquirido; a não se formalizar ôom toli_ suas palavras e que so a razão r€nh;
ces e.mentiras que se digam em sua prçsença, õ;;ri;'
Ensinar-lhe-ão a compreender qu" .oirf.rí"iã
pois é incrível e impertinente aborrec.r_r" ** erro que descobriu em seu raôiocínio,
o que não agrada. eue se continte cã- corri- que. ninguém o perceba, é prova Oe airce.n-i"irrd;
gir-se a si próprio e não pareça censurar mento e sinceridade, qualidades principais a
aos
outros o que deixa de fazer; e que não contra_ que deve aspirar. Teimar e contesiar obstina_
.rle os.usos e costumes: ..pode_se ser avisado damente são defeitos peculiares às almas wl_
sem arrogância"z 6 a. eue evite essas atitudes gares, ao passo que voltar atrás, corrigir_se,
indelicadas de dôno do.mundo, e a ambição abandonar sua opinião errada no ardór da
pueril de querer parec€r mais Íino por ser dife- discussão, são qualidades raras, das dlmas for-
r-entq; e não procure (o que não ofeiece dificul- tes e dos espíritos ÍilosóÍicos.
dadç) mosúar seu valoi pelas suas críticas e
originalidades. As licençàs poéticas não são . Ensinar-lhe-ão
tar
que em sociedade deve pres_
atenção atudq9 pois verifico que os primei_
permitidas senão aos grandes poetas; assim ros lugares são muitas vezes ocupadoi pelos
também somente as almas superi,ores e ilustres menos capazes e o bafejo da sorte quase nunca
têm o privilêgio de se algareà acima dos cos_ os competentes. Tenho observado que,
tumes: "se Sócrates e Aristipo nem sempre {1S"
nao raro, gnqqêÍlto conversarn à cabeceira da
relpejtaram os usos e costumes de, seu país,
não julgue-.que possa agir do mesmo màao;
grandes e divinos méritos lhes autorizaram
[ffi
:ff T1&HI"AÍ: :Tâ Jr".lã,á# i:
tais gulro. Iado. Terá de sondar o valor dà cada um:
Iicenças"z 5 5. Ensinar-lhe-ão a somente.disçàr- boiadeiro,
pedreiro ou viandant". C"á"-ouJ
rer e discutir quando encontraÍ alguém em seu domínio pode revelar_nos coisa6 iirt._
{e'responder, e ainda assim nío empregar "upi ressantes e tudo ê útil para nosso governo. As
todos os meios de que " disponha mas apenas os
2ú6 Id.
2 5 3 Cícero 7 "ÉJever",
.2 5
z er 56n."1 não no sentido de educar comp pen-
25 5 sararn alguns comentaristas, dado o tema do caoítu_
Cíccro -
T.F
Io, e sim de elevar na posição social. (N. do
80 MoNTAIGNE
próprias'
tolices e fraquezas dos outros nos ins- tratado.
' truem' observando ás graças e maneiras- É pe_na que as pessoas interigentes .tl
de iostem tantó dr uievioaae; por certo
a imitãi i'-u""' oã'piãrã' irso
ll*ã'r:"'u '::*r " :]rr"*" ;u"1;ü;oão. mas nós perdemos,"oÃ
Qu" lhe incutam no espírito uma honesta H,,ff;"i:".ffiir|T,HJ"HfiirffiH:f,:: Y L t.,
curiosidad" oo.r tgfl õoisas; qr;;;;i;;; i" \rr
;tudo.o que haja de'singular "r tr;d.volta-I um ãã.r;";ri, ;;;.;,:"ixar desejoror-ãã.gs" . !)
ediffcio, uma ,fonte, uri t o.r,rÃ, ià..i.Oor. Sabia que mesmo quando tratarnos
campo de batalha ou o lugar por ry antigo ãã- assuntos aamiráreis em si podemos,falar
onde p"r-."* ããr"i,
ram César ou Cartos tu"gío,.í§r"r
o *io l* .e que Arexandridas censurou/iust"-
enrija com o fti1iy,ll o i".nr. agrêm q;;;;" aos éforos ónielhos
qual o vento marítimo{u"
t"!u"ita ã; üà-n. ,* o.má.àío iongor, ,.o àstrangeiro,
tía"z t' eue se- instrua ,.t.",
s
que cànd u, "o
à liàl ãir., o que é preciso, mas não como é preci-
Já, Já;._o"qre.sãb magros de corpo, engróisam_
dos recursos e aliançut o" i'i
* qr"r"orú*àI,
pri*ip.. ; :"T enchimentoi; o. que têm assunto
fuüâ_.,i::ret
aprender
'r;;r;;;;i , nirito,itii gf, in"r,ar;no de paravras. .;
frá-
ã:'}fu:'n ifl?H:"H#'i;.;3jff*Or,
roes um +i;'fi""rdo tâo grande, q ue argun^s ampr iam
ainda, como as eJpecies die um" ga"*ãr.à-,"
z propêrcio.
l.s , espelho em que noi devemos mirí p*á
,', ;::i;;;;.-----: 1 : ;:t.e.-, conhecermos de maneira exata. Em "",
,u*".
' quero que seja esse o livro do nosso rluno.'Ã
ENSAIOS
- I 8l
infinita diversidade de costumes, seitas, juízos,
necessidades, como aliás todas as coisas em
opiniôes, leis ensina-nos a apreciar sadiamente
certa medida. Mas ela2 63 passa antes das
os nossos, a reconhecer suas imperfeições e demaig porquanto influi.maii diretamente em
fraquezas naturais, o que jânão éiou"o.
tas
frn_ nossa vida e ajuda-nos a orientá-la.
.revolugões nos diferentes países, tantas Se soubéssemos restringir as necessidades
mudanças nos desrínos públicosj
inàúrr_no, de nossa existência a justoi e naturais lirnites,
a não encarar como extraordinários os veríamos que a maioi parte das ciências em
nossos.
Tantos nomes, tantas vitórias e -conquista, uso é sem utilidade para-nós. E àesmo nas que
enterradas no esquecimento tornaÍn nos são proveitosas existem pontos superfluos
ridíôula a
esperança de eternizar o-nosso nome pela ou obscuros que fora melhor abandonarmos,
cap_
tura de dez archeiros e,de uma piolireiraz 60 atendo-nos, como queria Sócrates, ao que
conhecida tão-somente pelos q* ã"f" comportam de útil: ..Ousa ser avisado; quêm
se
assenhorearam. 0 fausto orguhdso adia a hora de viver é como o ."*po"eJ
de tantas
c^erimônjas. estrangeiras, a ã*"geiaaã
majes_ espera que o rio acabe de correri mas tu.
rade de tantas cortes e grandezas fazem_noJcê- ile
ticos e'permitem à nosia vista suJentar E. de um grande simplismo ensinar aos
o bri_
lho das ,nossas sem nos deslumbrarmos. meninos "o sentido doi peixes, áo Leão
Tantos mithares de homens q;;;;;r.cede_ resplendente, ou Capriórnio que se Ua"t
a rãs
ram no túmulo encoraJarn_nos a não temer águas da Hespéría,,) 6 t, a ciência-áo-ürr.o,
ao encontro de tão boa companhia no outro ir os movimentos da oitava esfera lhes"
mundo.Eassimoresto. -i., de..oue
a§r.ir os olhos para os próprios sentidos: t
tenho a yer com a fii:r.nzir_-: --oi-1"..1i] *o Ê"
Nossa vida, dizia pitágoras, assemelha_se
poputosa rr."*itéír'a*
à ffi:i,".,1,",:l :o, " mmtffi.gg
IIT9.,uns
prcos. :, .íogo, otím
exerciram puru .onqüiri^, u giã_
_
Anaxímenes escrevia a pitágoras: .,Como
posso preocupar-me com
rla; outros :g
Ievam sua mercadoria para vender o segredo das estre_
las, quando tenho sempre pi"r"nt" ã *ir-,
e ganhar. outros, nao ,ao -ár*fiã..r, nuau olhos a mgrte ou a escravidâo?,iiÉi"rur"rr*
querem senão ver o" porquê e o como
de cadà então os_rêi§'da pérsia a guerra ;;;;;
::ilà e ser àspectadorei da vida d;, ;;;; pátria.) Cada um deve aiier a-*esm;;k* ; ;;
para assim julgarem e regularem "as.saltado pela ambiçáo, u
à sua. Aos uu*iru,' á' t.r"ri-
exemplos se p_oderão ,"-f..
proveirosas reflexôes oa fiiosoÊa;;;' as mais a superstição, e com tantos outros
inimi_
"arpü.;j;';;: 9ed.,,
gos dentro de mim, como hei- de pensai ro
gra! devem insprrar-se as açôes humanas. movimento dos mundos?,, -- í-'
Dil.r: ao jovem:'..j" qú ." aã1,. à.s;il;11,:; Depois que lhe tiverem dito o que
utitidade tem o dinhelro airrcir;;ãh;]; para o tornar mais avisado e convém r
e
Iugar lhe assinatou na ,oci"àãã;;;o;.
.Rara
::.:":=:
que nascemgr:', ui,-;
ig:::f (objetivo d;
que sao^valentia, moderação, "Jssã
õ;;
i'i".râ, eue
somos
s'i'gnincam
.,,uao), o
*:'::",T"ú
ensino deverá ser {-l'J,ffi
::x?l ,'y ;*":::: i".:: 6,,
ministrud; ;;;;;;;;.;
por leituras; ora o preceptor th;;p;;-
ilji^p# proprio
#
justiça, servidão senrara o texto do autàr mais
esujeição, licença e liberãaãá-;il quado ao fim da educaçao, oi, àde_
nhece a verdadeira e durador.u -Jrgria, se reco_ lt. iornecerá
que,ponto cumDre temer a morte,
a doi e a ver_
atê somenté o miolo, a su'bstânci;--'Ê
mesmo, preceptor
;", il j
egntlt_"e coào evitar ,;ú;;'", .esse não for tão familiai
ções"? t', que móveis nos-iniüü*.
afli. com os livros para neles descobrir
" necessario à sua missão, poOeiaà
o material
"juntar_lhe
de tanros iàputsos oir.rÉntãs !m iOi. a causa
eorqr" letrado que, no momento certo,
Ihe
,!:ãfr :fr 3J,i;";.::Tffi?iJ1H'j:'fi .%X::
]l^Sum
neça os alimentos precisos que depois for_ lhe
caberá distribuir ao seu aluno.b"";ilo
Lão
regutar-nos os ro;;il;;;;fi;;'J,
Ihe ensinarão a conhecer_ir; ;;;'b"; os que dado será mais fácit e natúlã;';;
assim
co,i";
viver e método preconizatlo por:C*".-É,,I"
morrer bem.
preceitos em:êxçss5s, preúes "r'rrà1"
Entre as artes lilerais comecemos pelq de diÍjculdaOes
ngs faz livres. To{4s contribuern qge pouco compreensíveis; emprega palavras e
eÃ'verAade so-
pgg,a nossa,instrução noras e vazias que não se entendem
? e a satisfação O. noirru e não sus.
cttam nenhuma idéia; no nosso método
a alma
2 63
113.. oy
I"::"
I* ru'll'i;;Hlx'r
§i: importância. (N.
T.t'--
do
;*H fl:r;:- Montaigne, comô se induz do
de imediatamenre. refere_* á
2 6o -- -
trecho que
nfãLn-;:i,:
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Diógenes peto fato a" qu.'rã"r"",.Ir1',u qu. nem um gramâ_
um togicista, mas um fidatgo, deixe_
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rhe lesse un, riuro.'.§J;ã;;;iiã§l *;";,{:"
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86
MONTAIGNE
a
um modo quer-de ouho, por
mímica-até, se Íôr dispersosr2I s), não
mudo: *Nâo fs se destruirá com isso: os
concebeú,"i'I'1'-":.j.::';rlLrfle1fl::i: rx3i].a,t:-if:i,t!+irffi1i:,.H",,_:fi
modo igualmente poéíico
"túu em prosa: #,r.o,u
"Quando as coisas ," àrr"nhàrã.9:-.Ipf-ri; repreenderam porque nâo começara
ainda uma
prometida para ral dia: ,.Está com_
aspalavrasocorrem"2t';ou..411a.;.ã$
atraem as palalras,'z83. pode ignorar
ablati_ õiir " pronta, farta só juntar os versos.,,
il;.
vos' conjuntivos' substantivos ã qu; Ã;;*;.;b, Bellay deram relevo
srumáiica;,
quem é dono de sua idéia; é o quJse. íiãrr" poesia francesa, não há aprendiz que
verificã nao-r. inche
ao .;p"iit à;ürl ,.._-tuãJlrü
com um lacaio qualquer ou rapariga de paravras e as cadencie à moda_qr.
Pont'', que são cãpazes oe no.'*ü.ter ria mais ruído ào
do que J"niioo,- s 6- para o vulgo
qursermos sem se desviarem muito. nunca houve tantos
mais áas pd;r Mas se ú;. firi
regras da língua que um bacharel fâcil copiar o ritmo
Não sabem reórica nt* {IITF: ffiir.r., mestres, incapazes se mostraram de
por captar imiiar as ricas oescriçô'es
a benevolência do leitor"o*tç'Á
ingêiruã e-nem se cadafantasiado do primeiro e a deli-
preocupam com isso. Em verdade,
todos essãi
--ü", segundo.
belos adornos se apagam ante o uiirno ege lará á iàr* iouem se o apertarem
verdade simples e naúral. Esses
d;;-,", .or'u ,ôrirtiã1u,iiaãágu*
vem apenas para divertir o vulgo
reQueb;;r;;l: àr"ü, ,o. exemplo: o presunto silogismo, como
incapaz de àriri,.", a sede, logo presuntofaz beber, beber
escolher alimento mais ,uUrtincirt o estanca a sede?
como Afer o demonstra ctatamente ii* ir"i'rlü_a, que mais valC rir que responder. pode
e- Tá"iio.' âiriaà tirar de Aristipo a divertida
Os embaixadores ae Samás iúÀu--r.
sentado a Cleômenes, rei de frprria,
up."_ dada em semelhante.ocorrência: ..porresposra que o
bela e longa arenga nm'aeiàirueice--ioi:i,-;
^com
uma resolverei, se não resolvido já me embaráôa?,,
" Polícrares. Depois de
guerra contra o tirano I iJr:r que propunha a creantes essas Íinu- i
!
t
,". nãiããio. Qtintiliano.
ili im:
ENSAIOS I 87
-
soldadesca como Suetonio qualifica a de Júlio o grego são sem dúvida belos ornamentos mas
Cé-sar, embora eu não perceba muito bem por custam caro demais. Pois direi aqui o modo de
quê. adquiri-los mais barato que de costume, modo
De bom grado tenho imitado a maneira ess€ exp€rimentado por mim mesmo.
excêntrica de se trajarem os jovens de hoje: euem
quiser que o adote.
manto de banda, capa ao ombro, mal esticaâa
a,meia, pois assim se dão ares de altivo des-
Meu falecido pai, tendo procurado por
todos os meios, entre homens de saber.e inteli-
dém pelas modas estrangeiras e seus artificios.
gência, a melhor forma de educação, percebia
Semelhante atitude no modo de falar me agra-
da ainda mais. Qualquer afetação, sobretirdo os inconvenientes do método então em uso-
com a alegria e a liberdade francesas, vai mal Disseram-lhe que o tempo que levávamos a
ao homem de corte, e'em uma monarquia aprender as línguas que a gregos e romanos
todos devem ser educados como coíesãos, nada haviam custado era o único motivo por
sendo portanto recomendável que nos íncline- que não podíamos alcançar a grandeza de
mos um pouco para o natural e o desdenhoso. alma e os conhecimentos dos antigos. Não
Não aprecio os tecidos em que aparecem a creio que essa seja a única causa, mas o que
trama e as costuras, e em um corpo bem feito importa no caso á a solução que meu pai
não se devem ver os ossos e as veiâs;,.a verda- encontrou. lngo que desmamei, antes que se
de precisa falar uma linguagem simples, sem me destravasse a língua, conÍiou-me a um ale-
artificios;-e quem fala com afetação; quem fala mão, que morreu médico famoso em França e
com artificios senão aquele que pretende falar que ignorava completamente o francês mas
afetadamente?"2e1 A eloqüência-que atrai por possuía perfeitamente o latim. Esse alemão,
que meu pai mandara vir de profrsito e paga-
,si mesma prejudica as coisas. Assim comô é
pequenez de espírito querer-se distinguir por va muito caro, ocupava-se continuamente de
maneiras estranhas de trajar, na Iinguagem o mim. Dois outros menos sábios do que ele
rebuscamento, a procura de expressões origi- acompanhavam-me sem cessar quando folgava
nais e de vocábulos pouco conhecidos decór- o primeiro. Os três ú me falavam em latim.
rem de uma ambição escolástica e pueril. Quanto aos outros de casa, era regra ipviolável
Pudesse eu usar sempre e unicamente a lingua- que nem meu pai, nem minha mãe, rlem cria-
gem que se emprega nos mercados de paris ! dos ou criadas, dissessem em minha presença
Errava o gramático Aristófanes em criticar senão as palavras latinas que haviam apren-
Epicuro por causa da simplicidade das pala- dido para se entenderem comigo. Excelente foi
vras, bem como em seus discursos a perfeita o resultado. Meu pai e minha mãe adquiriram
clareza da expressão. Imitar alguém em sua conhecimento suÍiciente dessa língua para um
maneira de falar é tâcil, qualquer pessoa o faz caso de necessidade e o mesmo aconteceu com
sem esforço; mais árdua é a iúitaÇ.ão da inteli- as outras pessoas que lidavam comigo. Em
gência e da imaginação. Em geral quem encon- suma, tanto nos latinizamos que a coisa se
tra vestimenta igual pensa eÍToneamente que estendeu às aldeias circunvizinhas onde ainda
tery o mesmo corpo; no qual se engana muíto. hoje se conseryam, pelo uso, vários nomes lati-
A força e os nervos não se tomam de emprés- nos de artíÍices e ferramentas. euanto a mim,
timo: enfeites e capas, sim. A maior parte das aos seis anos não compreendia àais o francêi
pessoas que freqüento fala como eu nos
ou o dialeto da terra do que o ârabe. Mas sem
Ens?.ios, mas não sei se pensa do mesmo
modo. Os atenienses, diz plàtão, falam abun_ método, sem livros, sém gramática, sem
dantemente e com elegância: os iacedemônios regras, sem chicote nem lágrimas, aprendera
são. Ia_cônicos; os creténses têm a imaginação um latim tão puro quanto o do meu plofessor,
mais fecunda do que a linguagem; e são'os porquanto nenhuma noção de outra língua o
privilegiados. Zenão dizia que túha duas espé- podia perturbaÍ. Se por exemplo queriam dar_
gr_e.s.. de
.ctrscipulos: uns, a que chamáva
me um tema, à moda dos colégios, tinham que
"fiIólogos", gostavam de aprenàer as coisas o dar em mau latim, a fim de que o vertesse
por si e eram seus preferidoi; aos outros cha- para o bom. E Nicolau Gronchi, que escreveu
mava "logófilos", e não se importavam senão "De comitatis romanorum", Guillerme Gue-
corn as palavras. Não é que ô bem flalar não rente, que comentou Aristóteles, Georges Bu_
seja bonito e bom, mas não é tanto como o chanan, o grande poeta escocês, Marc Antoine
apregoam, e lamento que toda a vida sô passe Muret, reconhecido na França e na Itâia
nisso. Dgsgjaria em piimeiro lugar conhecer como o melhor orador da época, e que foram
T* , minha língua é em seguidã as dos vizi_ to99s meus preceptores, dizem todôs que eu
nnos com quem tenho mais relações. O latim e sabia tão bem o meu latim que temiam discutir
comigo. Buchanan, que vi mais tarde no sé-
2sr Sêneca
- reuniram-se as duas cita$es por quito do falecido Marechal de Brissac, disse-
comodidade tipográfica
me que estava escrevendo sobre a educlÇão
88 MONTAIGNE
das crianças e que tomava a minha como seryiu apenas paÍa me fazer pular as primeiras
elemplo. Estava então encarregado da educa_ classes. De maneira que com treze anos tinha
ção do Conde de Brissac, que dãpois vímos tão concluído o meu curso, como dizem, mas na
valoroso e bravo- veldade sem qualquer fruto que seja agora de
- - Quanto
ao grego quase não o compreendo. utilidade.
Meulpai tentou ensinar-me com métôdo mas
não bomo hahitualmente, antes sob forma de . Nfgr1 gosto pclos livros nasceu do prazer que
tive à leitura das fábulas das ..Metamorfosés,,
jogo e folguedo. lnscrevíamos as declinaSes de Ovídio. Aos sete ou oito anos mais ou
em pedacinhos de papel que dobrávamós e menos fugia para as ler, desprezando quais-
pregávamos ao acaso, à maneira dos que quer outros divertimentos; e como a língua era
aprendem aritmética ou geometria. porque minha língua materna2 s2, era o livró mais
entre outras coisas lhe tinham aconselhado que fácil que. eu conhecia e o mais adequado pelo
me levasse a amar as ciências e o dever não assunto à minha idade. Quanto aos Lançarotes
pela força, mas por minha própria vontade, e do Lago, aos Amadis, aos Huôes de Bordéus, e
que me educasse pela doçura e s€m rigor nem outras obras do me-smo gênero, com que diver-
constrangimento, dando-me inteira liberdade. tem- as crianças, não as conhecia sequer pelos
E isso atê a superstição, porquanto em susten- títulos e não lhes conheço ainda o àontêúdo,
tando alguns que perturba o-cérebro tenro da tão forte foi a minha obediência às proibiçôei
criança acordâ-la em sobressalto e arrancála que me eram impostas. Com essa paixão me
ao sono, mais profundo nelas do que em nós, tornava mais descuidado no estudo das outras
. de. repente, bruscamente, mandou qu" me acor- matérias, mas felizmente encontrei urn homem
dassem ao som de algum instrumento, e nunca inteligente e cônscio de seu dever de preceptor
faltou quem o fizesse. que soube tirar partido desses excessos e de
Este-exemplo basta para julgar do resto, e outros semelhantes. De modo que devorei de
- parl pôr em evidência, tambêm, a prudênciá e fio a pavio a "Eneida", e Terênõio e plauto, e
a afeição de meu pai, tão bom e que não teve as comédias italianas, sempre levado pelo que
c-ulpa de não colher fruto que correspondesse a
essas obras têm de agradável. Se tivesse tido a
tão requintada cultura. Duas foram as causas: mania de mo impedir, creio que só houvera
a primeira, o campo estéril, e impróprio, pois trazido do colégio ódio aos livros, como acon-
embora tivesse boa saúde e fosss de tempera- tece com quase toda a nossa nobreza. Proce-
mento brando e fâcil, era tão lerdo, mole aapâ-
tico que não me podiam arrancar da ociósi-
deu com inteligência, fingindo nada ver,
aguçando-me a curiosidade com deixar-me ler
dade nem para brincar. O que eu via, via bem.
tão-somente às escondidas tais livros e obri-
E ry! o aspecto pesado nutria pensamentos gando-me a trabalhar, quanto ao resto, sem
ousados e opiniôes acima de minhà idade. Mas
exagerada autoridade, pois as principais quali-
tinha o espírito lento e que so trabalhava quan_ dades que buscava meu pai naqueles a quem
do o excitayam. Minhá comp.eensão era tar_ me confiava eram a bênevolência e a bondade
dia, a inspiração sem vigor, ê sobretudo care_ de espírito. Por isso mesmo não tinha eu outro
qol completo de memória. Com tudo isso, defeito senão indolência e preguiça. Não corria
"i_" há como
não espantar não obtivçsse meu pai o risco de fazer mal, e sim o de não fazer nada.
algo que valesse a pena. por outro lado, como Ninguêm presumia que me pudesse tornar
aqueles que têm um ardente desejo de se curar mau; mas inútil, sim. Previam em mim a ocio-
seguem toda espécie de conselhos, esse exce_ sidade, não a maldade. Reconheço que foi o
lente homem, temeroso de não poder levar a que sucedeu. As qüeixas com que me enchem
:"Po u coisa que tanto desejava, ãcabou por se os ouvidos são deste gênero: preguiçoso; frio
deixar influenciar pela opinião comum que nas relades de amiàade e parentesco; desinte-
segue sempre os que vão na'frente, coino-os ressado dos negócios públicos- Os mais maldo-
grous, e obedecer ao costume,ipor já não ter a
sos não dizem: por que tomou? por que não
seu- lado os que lhe tinham dado ãs primeiras pagou? mas sim: por que não faz tal
indicaSes na Itália. E pof volta dos seis anos concessâo? por que não dá isso ou aquilo?
pandou-me para o Colégio de Guyenne, o me- Agradeceria muito que não me pedissem
lhor então em França..Não fora possível juntar mais do que devo, mas exigem injustamente-o
mais cuidados aos que meu pai tàve em d-ar-me que não devo e iom bem maior iigor do que
professores particulares e atentar para minha empregam em exigir deles próprios o que
alimentação em mais de um po.*ànor contra devem. Com tais exigências apagam todo o
as regras do colégio. Contudo era um colêgio. mérito da ação e a gratidão gue pudera ganhar
Meu latim, do qual perdi o hábito por falta de
exercício, abastardou-se logo. E o- moilo inê,. 2s2 O latim, posto qu€ o aprendera,.como explica,
dito que haviam empregado para mo ensinar ainda no berço.
ENSAIOS I
- 89
9 que- devera ser tanto maior quanto o que depois príncipes nossos entregarom-se a ele, a
faço, faço-o de boa vontade, não-tendo nenhu- exemplo dos antigos, e o fazeremlmuito bem.
ma obrigação de fazê-lo. Tenho tanto maior Na Grécia até as.pessoas de categoria o po-
liberdade de dispor de minha fortuna quanto diam fazer como profissionais: "reyela seu
não-a devo aninguém; e de mim, porquanto plano ao ator trágico Ariston, homem de berço
sou independente. Entreturto, se quisesse enca- e fortuna; sua profissão em nada o diminuía
recer o que [aço, ser-me-ia fácil responder a posto que nada tinha de desonroso na Grê
essas censuras. E a muitos mostraria que cia"2 9 5
cSeT à inveja e se ofuscam menos com que Sempre acusei de impertinência os que con-
não faça bastante do que com a possibilidáde denam tais distra$es, e de injustiça os que
minha de fazer mais. recusarn a entrada de nossas cidades aos
Contudo" meu espíiito não deixava ao comediantes dignos, privando o povo de um
mesmo tempo de ter resolugôes Íirmes, juízos pÍazeÍ público. Os bons governos traüam de
seguros e claros sobre objetos de seu conheci- unir os cidadãos, de os juntar, tanto nos deve-
mento; e digeria-os sozinho, sem influência res sérios da devoção como nas festividades e
alheil, e era incapaz de me submeter à força e jogos; assim se aumentam a solidariedade e a
à violência. amizade. E não se poderia ademais conceder-
Direi ainda desta qualidade que tinha em lhe-s passatempos preferíveis a esses a quÊ
criança: uma segurançâ na expresião, uma voz todos assistem na presença do magistrado.
e um gesto flexíveis que me perrnitiam desem- Acharia razoíyel que este e o príncipe, à zua
penhar qualquer papel? Antes da idade normal custa, o dessem algumas vezes ao povo, crlm
("mal entrava eu então no ano doze"2e3), afeição e bondade paternal, e que nas cidades
representei as primeiras personagens das tragê- maiores houvesse lugares destinados a tais
dias de Buchanan, de Guerente e de Muret espetáculos que, por vezes, poderiam desniar
que dignamente se montaram no Colégio de de más ações para cuja execução se escondem
Guyenne. Nisto, como nas demais funçôes de os homens-
seu cargo, foi André de Gouveiãrro, nosso Para voltar ao assunto, direi que o melhor e
diretor, o maior diretor de França; e era eu seu atrair a vontade e a afeição, sem o que s€ con=
melhor_ intérprete. É este um e*ér"í"io que não seguem ap€nas asnos carregados de livrol.
deixo de louvar nos jovens de boa família; vi Dão-lhes a guardar, com chicotadas, um saccr
de ciência, a qual, para que seja de proveiro,
2s3 Virgílio. não basta ter em casa: cabe desposar.
2ea Humanista português (1497- 1555). 2e s Tito Lívio.