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Sabemos, realmente, que, do nada, nada pode surgir (“Ex

nihilo nihil fit”), até porque é absolutamente irracional pensar,


e nunca se soube, por experiência alguma, que, do nada,
pudesse surgir alguma coisa. Isso seria, na realidade, um
acaso desprovido de causas, quando, na verdade, o acaso nada
mais é do que o encontro de duas ou mais causas pré-
existentes. Se algumas partículas parecem provir do nada, isso
só reflete o fato da moderna mecânica quântica estar
descobrindo o que seria, na realidade, um outro nível da
“matéria”. De qualquer forma, nada do que surge, está isento
de “condições”.

Diante disso, a única saída para o ateísmo, que se nega a


admitir a “primeira causa”, seria considerar eternas as cadeias
de causalidade, ou séries causais, o que nós discordamos por
razões filosóficas. Não podemos regredir as causas “ad
infinitum” porque isso seria ilógico. Teríamos, na realidade,
efeitos sem causa, o que seria uma verdadeira violação do
princípio da causalidade. Não havendo causalidade eficiente,
uma vez que todas as causas possíveis seriam efeitos, não
haveria, na realidade, nenhuma causalidade. Por esta razão,
pode-se crer que quem assim sugere, age como quem não
pensa verdadeiramente no infinito, mas em algo que tende ao
infinito. Aceitar que uma cadeia de causas possa tender ao
infinito não é o mesmo que dizer que ela é infinita. Ainda que
se sugira que ela possa tender ao infinito, continuará
necessitando de uma primeira causa, porque é absurdo que
seja infinita. Em outras palavras, ter-se-ia que admitir, no
infinito, uma primeira causa, o que eliminaria, de fato, o
infinito. Afinal, não se explica o movimento dos vagões que se
puxam um ao outro, eliminando-se a locomotiva, e
aumentando infinitamente o número de vagões. Ainda que se
quisesse, não se chegaria à explicação alguma, procurando-a
no infinito. Ainda que se supusesse um movimento eterno, a
interrupção, a mudança de direção, a passagem de um
movimento ao outro não se explicariam sem a ação de uma
causa.

Tem-se que a forma simples e ingênua que os ateus pensaram


ter encontrado, para impugnar o argumento da “primeira
causa”, foi equiparar a única verdadeira causa com causas,
que, no fundo, não são causas, mas efeitos. “Se tudo necessita
de uma causa, então Deus também necessita de uma causa”,
dizem os céticos. Seria o caso dos ateus provarem que tudo
tem, necessariamente, que ter uma causa. Como tal sentença
não se pode sustentar, uma vez que não leva em conta a
possibilidade de uma coisa poder existir por si mesma, apenas
constata-se que, quando alguma coisa não se justifica por si
mesma, tem uma causa diferente de si mesma. Assim, o que é
móvel e contingente é, visivelmente, efeito de uma causa, o que
não obriga à não-existência de algo que exista por si mesmo.

Por esta razão, dizemos que quem não aceita o argumento da


“primeira causa”, na realidade, nunca o entendeu. Perguntar
quem criou Deus é absurdo, pelo fato de que não precisa de
qualquer causa para existir, por ser imutável. O mundo
também não precisaria de causa para existir, caso fosse
imutável. Mas, se ele muda, é de se prever que algo o
impulsiona à mudança. Se ele se move, não pode ser causa de
si mesmo. Causa e efeito não se confundem. Há de se procurar
uma causa que não seja efeito, e que, por isso, seja única
verdadeira causa e fundamento de toda causalidade. Isto
porque é causa de todas as causas que, no fundo, não vêm a
ser causas, mas efeitos, o que exige que seja imutável. Isso
descarta, de uma vez só, o ateísmo e o panteísmo.

Não havendo uma verdadeira causa, como os efeitos poderiam


sustentar toda a causalidade de uma série causal? Faz-se
necessária a existência de uma causa que não seja efeito.
Segundo o “princípio da razão suficiente”, todas as coisas ou
eventos são reais quando existe uma razão suficiente para sua
existência. Por outro lado, já vimos que não é verdade que
“tudo necessita de uma causa”. O axioma verdadeiro baseia-se
na verificação de que aquilo que não se justifica por si mesmo,
que não se mantém, nem se explica por si mesmo, precisa de
uma causa diferente de si mesma. Nada obriga à não-
existência de uma causa não-causada.

É também falsa a alegação de que acreditar numa causa não-


causada seja tão absurdo quanto crer que a cadeia de causas
possa regredir ao infinito, só pelo fato de uma causa não-
causada nunca ter sido observada. Na verdade, é assim que o
positivismo de Auguste Comte pretende negar todos os
postulados da metafísica, e faz isso como se a ciência também
não deduzisse nada através de simples rastros, ou efeitos.

Ora, uma causa não-causada não é impossível. Por acaso, que


uma causa seja também efeito é da natureza da causação?
Verifica-se que só pode haver uma causa não-causada, porque,
para que a causalidade seja eficiente, é necessário haver uma
causa que não seja efeito, do contrário, toda causalidade
estaria comprometida. A despeito disso, há, no mundo,
verdadeiras causas secundárias, que causam verdadeiramente
os seus efeitos, mas que devem sua existência à causa
primeira, por serem efeitos dela. Essa existência é a base da
causação secundária, mas não de modo que toda e qualquer
causa tenha que ser efeito de outra causa. Quanto à causa
não-causada, isso não torna absurda a sua existência, antes a
torna necessária.

Algumas saídas foram propostas para explicar a mutabilidade


do mundo sem que se precise recorrer a Deus, mas nenhuma
delas tem consistência alguma:

1. Pensar, por exemplo, que o tempo seja cíclico, num circuito


de causas, é o mesmo que imaginar que eu possa ser o pai do
meu bisavô ou filho do meu bisneto, ao menos que se pensasse
também numa razão universal que controlasse todo esse
processo, enfim, uma “primeira causa”, que seria, de fato, a
causa eficiente de todos os fenômenos ou causas aparentes. O
que determinaria, por exemplo, qual a extensão desse circuito?

2. Imaginar, por sua vez, uma realidade que seja dinâmica,


onde todas as coisas “fluem”, é o mesmo que dizer que as
coisas mudam porque têm que mudar. O que as obrigaria à
mudança? Não há dúvidas de que um mundo onde as coisas
mudam porque têm que mudar é um mundo sem nenhuma
causalidade. Sabemos que esse mundo não existe, porque as
coisas só mudam porque alguma coisa as impulsiona à
mudança.
3. Por último, pensar que toda a causalidade não passa de uma
ilusão, como Hume ou Kant, não é muito sensato, nem muito
científico. Nada muda sem ter tido uma causa própria e
específica, do contrário a própria ciência seria uma fantasia.
Não haveria nada a se descobrir, além de que isso inviabilizaria
todo o conhecimento, porque nada teria razão de ser.

Além disso, o princípio da causalidade é um princípio lógico e


necessário à própria inteligibilidade do mundo. Não podemos
argumentar ou contra-argumentar tomando por base aquilo
que não se evidencia, nem pode ser demonstrado, como fazem
todas essas pretensas “saídas” que contemplamos.

Desde a pré-história, o homem observa os fenômenos e é capaz


de ligar causas a seus efeitos. Negando-se o princípio da
causalidade, a razão não teria onde se sustentar. Por outro
lado, se é possível afirmar que é pela razão que temos ciência
desse mesmo princípio, creio ser ainda mais possível afirmar
justamente o oposto: que é a razão que nasce com a
causalidade. Do contrário, como poderia a razão ser causa dela
mesma? Logo, a causalidade é anterior à própria razão, porque
ela força a existência da própria razão. Por isso mesmo, Santo
Tomás de Aquino ensinou que não se pode demonstrar a
existência de Deus a priori, mas esta demonstração supõe a
existência do princípio da causalidade, que é necessário à
inteligibilidade.

Pode-se argumentar que, se há diferentes séries causais, há


diferentes movimentos, e que cada movimento exige um motor
diferente. Aristóteles postulava a existência de vários motores
imóveis. Logo, como se pode saber que Deus seja a primeira
causa de cada uma das séries causais?

Não importando quantas séries causais possam existir:

– As razões que nos levam a afirmar que Deus existe forçam-


nos também a concluir que ele é só um. Se houvesse vários
deuses, teriam de se distinguir por alguma diferença, visto que,
sendo imateriais, não poderiam ser individuados pela matéria.
E a diferença seria necessariamente uma perfeição que
pertencesse a um e não aos outros, que, assim, não seriam
absolutamente perfeitos. Não pode, portanto, haver senão um
Deus.

– É a matéria a origem dos encontros de séries causais, e


efeitos acidentais; e é nisso, como disse, que consiste o acaso.

– Cada uma das séries causais primordiais, ao menos no


mundo físico, parece ter surgido, embora independente,
concomitantemente à existência da matéria no tempo e no
espaço, na dita “grande explosão” (“Big Bang”).

Pode-se defender tal coisa de um ponto de vista científico?

Se a existência tem sentido, se pode ser explicada (assim como


quer a ciência com todo o mundo natural), então a hipótese de
um ser que contenha em si próprio a essência de existir é uma
condição sine qua non para esse problema. Mas se partimos
do princípio que a existência não demanda e nem tem
explicação (princípio, aliás, muito confortável para os ateus e
afins), então, por conseqüência, nenhum dos eventos naturais
teriam explicação, nem tão pouco careceriam de uma, mas a
realidade ao nosso redor é absolutamente contra esse
princípio. Ou se abraça a ciência e, com ela, o Ser Absoluto, ou
ninguém explica mais nada, o mundo é sem sentido e com isso
jogamos fora todo o nosso conhecimento.

Terceira e quarta vias: Ser necessário e ser perfeitíssimo


A causalidade está ligada à natureza dos seres contingentes.
Um ser contingente é um ser que, de si mesmo, em nada se
obriga a existir. Existe, mas a sua existência não se faz
necessária em si mesma. Um exemplo é a vida na Terra. A vida
na Terra poderia não ter ocorrido, se não o planeta não tivesse
conhecido os fatores necessários ao seu desenvolvimento. Caso
isso ocorresse, o planeta apenas seguiria o curso dos outros
planetas onde a vida não desenvolveu.

Um ser contingente poderia nunca ter existido, ou seja, a sua


existência não se faz necessária em si mesma. Na verdade, um
ser contingente existe, mas poderia nunca ter existido, se algo
não o tivesse causado. Isto porque deve a sua existência a
outro ser que o causa, ou seja, torna a sua existência possível.
Um ser contingente, portanto, faz a sua existência depender de
outro. Temos, por exemplo, que a origem da vida na Terra
dependeu de uma série de fatores.

Para que algo não seja contingente, tem que existir por si
mesmo.

Para que uma coisa possa existir por si mesma, poderíamos


pensar em duas opções:

– ela teria que ser causa de si mesma

– ela teria que ser eterna (existir sempre).

Para que uma coisa pudesse ser causa de si mesma, teria que
ser anterior a si mesma. Haveria, nesse caso, um grave
problema de lógica. Só resta uma opção: ser eterna

Um desafio que deve ser feito aos ateus é apontar uma só coisa
que exista agora e que tenha existido sempre. Não vale o
Universo, porque, a despeito do Universo ser tratado pelos
ateus como uma coisa ou uma entidade, ele não é uma coisa
ou entidade. O Universo é um conjunto de séries causais
independentes que se encontram dando origem ao nosso
popular “acaso”. A existência de “sistemas algorítmicos”, onde
subsistem uma multiplicidade de causas, é prova suficiente
disso. Espaço, tempo e energia também não são coisas, nem
entidades. Espaço e tempo são, respectivamente, as dimensões
horizontal e vertical da causalidade. Energia é o próprio
movimento impresso pela Causa primeira, o qual existe na
forma de potencialidade e de atualidade. Leis também servem.
Leis não têm causas, porque uma lei nada mais é do que a
descrição de uma relação de causa e efeito.

Por outro lado, é impossível demonstrar que “tudo o que existe


precisa de uma causa”, porque isso eliminaria a possibilidade
de algo existir por si mesmo (existir sempre na mesma forma).
O princípio da causalidade não impede que algo exista por si
mesmo, porque, do contrário, o mesmo princípio não poderia
existir por si mesmo. O que permitiria a existência do princípio
da causalidade?

Além disso, a existência não demanda uma causa. O que


demanda é a contingência, melhor ainda, a potência, o poder
“vir-a-ser”, porque só o que mudou do que era para o que é, ou
mudará, demanda uma causa. Para que se possa estabelecer
a tese de que a existência demanda uma causa, ter-se-ia que
provar primeiro a existência do “nada”, o que a metafísica e a
moderna mecânica quântica negam que exista.

Deus não criou o melhor dos mundos possíveis. Podemos


percebermos a contingência do mundo (contigentia mundi),
inclusive, imaginando que pudessem existir infinitos mundos
paralelos, isto é, sem qualquer ponte que os unisse, e,
correspondentemente, não possuindo, para nós, qualquer
existência efetiva. Cada um dos mundos poderia ser idêntico
ao nosso, ou não, entendendo que Deus é um Ser necessário e
independente, e o mundo um apêndice contingente-
dependente. Em razão disso, podemos responder
satisfatoriamente a um argumento muito utilizado pelos
céticos, que consiste em alegar que o perfeito não pode gerar o
imperfeito:

O Ser Supremo possui, em si, tudo aquilo que é capaz de


preencher, ou, como diríamos, o bem absoluto e total (infinito),
de modo que nada pode adicionar-se a ele. O mundo é um
apêndice, que, de maneira nenhuma, completa aquilo que
Deus é, mas depende infinitamente dele, tanto quanto o Ser
Supremo não depende infinitamente de nada. Deus mantém o
cosmos livremente, de modo que todo o bem de que o cosmos
se constitui, é ganho e não perda. Deus nada deve ao mundo,
de modo que, de acordo com a sua “disposição”, o bem de que
o mundo se constitui pode variar desde o não-ente (conjunto
vazio = mal absoluto), até o limite do bem infinito, embora não
possa atingir o bem infinito, porque isso significaria ser igual
a Deus. Isso significa que poderiam existir mundos melhores
ou piores do que o nosso, embora não possa existir um Deus
melhor ou pior do que o nosso. Santo Tomás de Aquino
argumenta, também, que a existência, no mundo, de diferentes
graus de perfeição sugere que Deus seja a fonte das perfeições
dos outros seres (quarta via).

O bem relativo é perfeitamente atingível pela disposição de


Deus, mas o bem infinito não é atingível, porque o mal absoluto
é absoluto, o que equivale a um conjunto vazio, mas não é
infinito. O bem infinito, por sua vez, não é atingível, porque ele
já existe em Deus.

Na distância que separa o absoluto não-ente e o bem infinito,


Deus pode manter o mundo. Não se diz que ele cria o mundo,
senão que este deriva dele, uma vez que o verbo “criar” implica
em algo que se realiza no tempo, mas podemos dizer também
que Deus mantém o seu mundo (e para Santo Tomás, não é
possível demonstrar racionalmente que o mundo tenha tido
um começo).

A distância que separa o não-ente do bem infinito é, de fato,


uma distância infinita, de sorte que Deus não pode manter um
cosmos que se equipare a ele, porque não pode duplicar-se.
Com isso, dizemos que a distância é verdadeiramente infinita,
de sorte que, por esse percurso, que passamos a chamar a
partir de agora de “percurso infinito”, não se pode atingir o bem
infinito, embora se entenda que Deus é perfeitamente livre
para manter o cosmos que desejar e seja “onipotente”. Isso
explica, por exemplo, porque Deus não pode, fazendo alusão a
algo cognoscível, manter um cosmos que atinja o ponto final
do “percurso infinito” ou o ultrapasse (o que seria absurdo,
uma vez que Deus é infinito), embora isso seja pensável pelo
fato de que a nossa mente, acostumada com o analógico, que
começa por considerar separadamente os elementos duma
definição contraditória, só quando os quer ligar reconhece a
sua impossibilidade. Assim, no senso comum, diríamos que
isso explica porque Deus não pode fazer uma pedra que ele
mesmo não possa carregar. Conforme dissemos, não se trata
de Deus não poder fazer a pedra, mas que, por se tratar de um
“percurso infinito”, esse feito é inatingível.

Quinta via: o argumento teleológico


Parece inegável, por exemplo, que a árvore está destinada a
produzir a semente, e esta a dar origem a outra árvore, embora
nem todo acontecimento da natureza envolva finalidade de ou
para alguma coisa, pois existem os encontros acidentais de
causas, ou acasos. Há, no entanto, ocasiões em que o agente
natural age inconscientemente para um fim, como no caso da
árvore ou da semente.

Se há causalidade, é imprescindível que haja finalidade, posto


que não há causa sem efeito.

O contrário de se admitir o princípio da causalidade, seja por


se seguir Hume ou Kant, é admitir que, do nada, pode surgir
alguma coisa. É mais absurdo crer nisso do que em contos de
fadas, porque, além de ser uma premissa não provada, é
contrária à própria razão. Se admitíssemos isso, não
poderíamos procurar a razão de nada, posto que o princípio da
causalidade seria um absurdo. Isso não poderia explicar, de
forma alguma, o surgimento de toda a sorte de coisas, inclusive
seres que se complementam, como macho e fêmea, uma vez
que é impossível dizer não terem sido projetados para uma
finalidade. De qualquer forma que seja, aquele “relojoeiro
cego”, dos ateus, por ser cego, não vê adiante, não planeja
conseqüências, não tem finalidades em vista. No entanto, os
ateus poderiam dizer que essa aparente finalidade é um
produto de ensaio e erro, ou talvez um produto de uma
regularidade natural. Ensaio e erro? Mas de quem?

Produto de uma regularidade natural? O que impede de ser


diferente?

Esses argumentos, para mim, já são mais do que suficientes


para provar a existência de Deus e de como o ateísmo é
ingênuo. Provas a favor da inexistência desses princípios
lógicos não são sustentáveis.

Deus pode ser entendido enquanto princípio e fim de todas as


coisas. Não é sensato pensar que esse princípio e que esse fim
não existam, até porque qualquer contra-argumentação nesse
sentido só pode se sustentar na desconfiança em relação às
provas fornecidas neste tópico. No entanto, para buscar
entender essas provas, os ateus teriam que buscar, passo a
passo, refazer o caminho pelo qual se chegou até elas, para que
não aconteça de estarem refutando aquilo que, na verdade,
nunca conheceram.

Refutação de argumentos dos céticos contrários às cinco


vias
Quanto à prova do movimento, Guilherme de Ockham nega a
validade dos dois princípios em que ela se funda. Na verdade,
observa ele, pode-se razoavelmente afirmar que alguma coisa
se move por si, como a alma ou o anjo, ou o próprio peso que
tende para baixo; e que o processo ao infinito se dá
freqüentemente na experiência, por exemplo, quando se fere
em uma das extremidades um comprimento contínuo: a parte
ferida moverá a parte mais próxima, e esta uma outra, e assim
por diante infinitamente (Cent. theol.; Concl. I,D). Ockham
também argumentou que a prova do movimento não teria
qualquer valor para explicar, por exemplo, a existência de seres
imateriais, como a alma ou o anjo, ou, como se podia pensar
na época, a questão de um corpo em queda livre, onde o movido
é também motor de sua queda.

Ora, para que alguma coisa possa existir por si mesma, teria
que ser causa de si mesma ou existir sempre na mesma forma.
Enfim, para que alguma coisa fosse causa de si mesma, teria
de ser anterior a si mesma. O anjo não pode existir por si
mesmo, porque está sujeito a mudar de operação, tampouco a
alma que já animou um corpo. Assim, o que não se resolve pela
prova do movimento, resolve-se pela prova da contingência. O
peso não seria problema hoje, quando sabemos da gravidade e
das leis envolvidas. Assim, as “quinque viae” não só formam
uma unidade perfeita, como cada uma delas poderá ser usada
na explicação dos casos mais particulares.

Hume rejeita a validade da prova cosmológica; indica


(Dialogues on Natural Religion, IX) que não é necessário
recorrer ao conjunto, ou ao conjunto de uma série (nem a
nenhum membro fora da série) para explicar a existência dos
membros da série. A explicação de cada um dos membros da
série equivale à explicação de toda a série. Assim, portanto, um
conjunto de membros é uma soma de membros, não uma
entidade distinta dos membros que compõem o conjunto.
No caso de Hume, ele apenas ignora a dependência que existe
dentro de cada uma das séries causais.

Kant argumenta que o princípio transcendental, segundo o


qual inferimos uma causa de algo contingente, é aplicável
apenas ao mundo sensível, mas não tem significações fora
desse mundo. Tendo-se visto, segundo Kant, que a noção de
causalidade é uma categoria aplicável à experiência, é
inadmissível usá-la fora da experiência. Contudo, mesmo
sendo a série de causas restrita a este mundo, não se justifica
inferir a existência de uma primeira causa com base na
impossibilidade de uma série infinita de causas. Além disso,
haveria na prova cosmológica uma confusão entre a
possibilidade lógica de um conceito de realidade e a
possibilidade transcendental dessa realidade.

No que diz respeito a Kant e sua argumentação, vimos que o


princípio da causalidade é a base de todo o conhecimento,
portanto é o que de mais evidente a razão pode ter à sua
disposição. Impugnando-o, como Kant pôde pretender
conhecer os limites da própria razão?

A afirmação de que as leis do pensamento são as mesmas em


todos os homens é lógica e natural em quem, como nós,
entende que se pode concluir do que se vê para o que as coisas
realmente são. Se verificamos, pela observação, que a natureza
humana é idêntica nos outros homens e em nós, podemos
afirmar que as leis naturais do seu pensamento devem ser as
mesmas que as do nosso. Mas Kant, fechado em si mesmo pela
sua teoria do númeno inacessível, não conhecendo dos outros
senão as suas próprias percepções, que só têm valor subjetivo,
e nada dizem sobre a realidade do objeto, como pode
fundamentar tal afirmação? Há aí incoerência ou petição de
princípio.

Desde a pré-história, o homem observa os fenômenos e é capaz


de ligar causas a seus efeitos. Negando-se o princípio da
causalidade, a razão não teria onde se sustentar. Por outro
lado, se é possível afirmar que é pela razão que temos ciência
desse mesmo princípio, creio ser ainda mais possível afirmar
justamente o oposto: que é a razão que nasce com a
causalidade, pois todo o nosso conhecimento racional tem
base nos sentidos. Do contrário, como poderia o conhecimento
racional ser causa de si mesmo, como postulava Kant? Logo, a
causalidade é anterior à própria razão, porque ela força a
utilização da própria razão.

Alguns céticos não hesitam em dizer que todas as provas


metafísicas acerca da existência de Deus não passam de
esforços lógicos para salvar o Deus cristão. Procuram, assim,
invalidar as provas metafísicas, trazendo-as para a esfera do
religioso, isto é, da fé, e não da razão. Quanto a isso, é
interessante notar que os gregos antigos, que não estavam, de
forma alguma, comprometidos com o cristianismo, tenham
chegado ao conhecimento de Deus, com o uso da razão.

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