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As Nāḍīs: Sistemas de Canais da Mente e do Prāṇa

Por Fernando Liguori

Quando todos os nós do coração forem quebrados, então o mortal se tornará


imortal.

Kaṭha-upaniṣad, VI: 15

Imagine a torrente de energia que você experimenta durante um momento de


alegria. Agora, sinta os canais através do qual a energia viaja durante esta
experiência. A princípio, isso parece ser algo incompreensível, mas este fluxo
energético pode ser traçado quando a concentração se torna cada vez mais
profunda. A ciência moderna explica este processo nos termos de impulsos
nervosos, mas os antigos videntes o concebiam como um fluxo de energia e
consciência através de canais interconectados no corpo conhecidos como nāḍīs,
que formam a estrutura energética do ser humano. A palavra nāḍī significa fluxo.
Neste sentido, as nāḍīs são fluxos sutis de energia, assim como a eletricidade,
as ondas de rádio e o raio laser também o são. As nāḍīs se relacionam com o
corpo de energia (prāṇamaya-kośa) e não devem ser confundidas com os
nervos, relacionados com o corpo físico (anamaya-kośa).

As nāḍīs são caminhos de corrente prânica, mental e espiritual que formam a


matriz de todo corpo físico. Elas provêem energia a cada célula e órgão através
de sua vasta estrutura, distribuindo prāṇa por todo organismo. As nāḍīs não são
físicas, mensuráveis ou dissecáveis, mas canais de energia que subjazem e
sustentam a vida e a consciência. Em estados elevados de consciência
as nāḍīs podem ser vistas como fluxos de energia, como descreveram os yogīs.
Elas podem ser percebidas em um nível psíquico como distintos canais de luz,
cor e som. Ao mesmo tempo, as nāḍīs formam a base de todas as funções e
processos corporais.

Pesquisas científicas têm sustentado a existência das nāḍīs. Dr. Hiroshi


Motoyama foi pioneiro neste tipo de pesquisa, monitorando voltagens estáveis
de correntes eletromagnéticas fluindo internamente no organismo humano, bem
próximas ao sistema nervoso. Através de suas descobertas ele alegou ter
comprovado a existência das nāḍīs. A estrutura das nāḍīs é tão sutil e vasta que
até mesmo os textos yogīs diferem no cálculo de sua quantidade no corpo
energético. A Gorakṣasaṃhitā e a Haṭhapradīpikā enumeram 72.000 nāḍīs;
o Prapañcasāra-tantra enumera 300.000 nāḍīs, enquanto que
a Gheraṇḍasaṃhitā enumera 350.000 nāḍīs emergindo do centro umbilical.

As maiores nāḍīs

Fora as milhares de nāḍīs que constituem a estrutura prânica, que incluem todos
os maiores e menores fluxos, setenta e duas são consideradas importantes. Fora
estas setenta e duas, dez são consideradas mais importantes. Entre estes dez
maiores fluxos prânicos, três são os principais: iḍā, piṅgalā e suṣumṇā. Estas
três nāḍīs principais se situam ao longo da coluna vertebral e perpassam cada
um dos cakras. Iḍā-nāḍī é o canal da energia mental, piṅgalā-nāḍī é o canal da
energia vital e suṣumṇā-nāḍī é o canal da energia espiritual. Estes são os três
principais canais para distribuição da energia por toda estrutura prânica. A carga
máxima de prāṇa flui através delas e seu impacto no organismo é imediato. Elas
são os fios de alta voltagem que conduzem a energia das subestações (cakras)
situadas ao longo da coluna vertebral para todas as outras nāḍīs.

Fora estas três principais nāḍīs, iḍā, piṅgalā e suṣumṇā, as outras


sete nāḍīs importantes
são: gāndhārī, hastijihvā, yaśasvinī, pūṣā, alambuṣā, kuhū e śaṃkhinī. Alguns
textos mencionam dezenove nāḍīs principais, que
incluem: jihvā, kūrma, payaśvinī, saraswatī, saumya, śura, varunī, vilambha e vi
śvodārī. Para propósitos práticos, contudo, necessitamos nos ater somente
a iḍā, piṅgalā e suṣumṇā, uma vez que estas três governam todo o sistema
de nāḍīs e todos os processos corporais. No prāṇāyāma e prāṇa-vidyā o
praticante opera principalmente com estes três canais. Eles são conhecidos
também como gaṅga (iḍā), yamunā (piṅgalā) e saraswatī (suṣumṇā), os três rios
mais importantes da Índia, o último sendo um lençol freático. A junção destes
três rios é chamada prayag, localizado na borda exterior do Allahabad, no norte
da Índia. No corpo prânico, eles se convergem no ājñā-cakra. Piṅgalā é
conhecida também como sūrya, a nāḍī solar e iḍā como candra,
a nāḍī lunar. Iḍā e piṅgalā indicam tempo, enquanto que suṣumṇā é a
devoradora do tempo, uma vez que ela nos guia a eternidade.

Localização das nāḍīs

O kuṇḍalinī-yoga descreve o mūlādhāra-cakra como o principal plexo do corpo


prânico de onde as principais nāḍīs, iḍā, piṅgalā e suṣumṇā, se
originam. Iḍā e piṅgalā fluem alternadamente, se espiralando ao redor da coluna
vertebral da esquerda para direita e da direita para esquerda, enquanto
que suṣumṇā flui para cima por dentro da coluna. Iḍā flui da esquerda a partir
do mūlādhāra, piṅgalā flui da direita e suṣumṇā flui do centro.

Após o mūlādhāra, existem cinco cakras através dos quais as nāḍīs perpassam.
O primeiro é o swādhisṭhāna, que está localizado na terminação da coluna
vertebral ou plexo coccídeo, onde piṅgalā cruza para esquerda. O segundo é
o maṇipūra, que reside atrás do abdômen (umbigo), na parede interior da coluna
espinhal. Aqui, no plexo solar, piṅgalā cruza para direita. O terceiro é o anāhata,
localizado na parede interior da coluna espinhal, exatamente atrás do coração.
Aqui, no plexo cardíaco, piṅgalā cruza para esquerda. O quarto cakra é
o viśuddhi, localizado atrás da cavidade da garganta, no plexo cervical,
onde piṅgalā cruza para direita. O quinto é o ājñā-cakra, localizado na medula
oblonga, no mesencéfalo, onde piṅgalā termina. Iḍā segue um caminho similar,
mas do lado oposto. Na medida em que iḍā e piṅgalā se cruzam em cada cakra,
a corrente de energia gerada é distribuída por toda estrutura de nāḍīs e demais
órgãos e partes do corpo. Neste caminho, as nāḍīs carregam estas duas forças
opostas para cada célula, órgão e demais partes do corpo.

Iḍā governa o lado esquerdo do corpo e piṅgalā o direito. Isso pode ser explicado
fazendo uma analogia ao ímã. Se um ímã for partido ao meio, ambas as partes
assumem polaridades opostas. Similarmente, o corpo é polarizado, na medida
em que iḍā governa o lado esquerdo e piṅgalā o lado direito. O eixo central
de iḍā e piṅgalā é suṣumṇā. Esta nāḍī é o caminho místico do Yoga que flui
entre iḍā e piṅgalā. Suṣumṇā ascende para o alto por dentro da coluna, se
encontrando com iḍā e piṅgalā nos pontos onde elas se cruzam nos cakras e
finalmente se unindo a elas no ājñā-cakra.

Suṣumṇā é o caminho através do qual a kuṇḍalinī sobe, formando a base do


despertar progressivo do conhecimento supremo. Contudo, este caminho
permanece inativo na maioria das pessoas até que um alto grau de evolução
seja alcançado. A estrutura interna da suṣumṇā compreende três nāḍīs sutis que
se tornam ativas quando ela desperta. Dentro de suṣumṇā, portanto,
temos vajrā-nāḍī. Por dentro de vajrā-nāḍī perpassa citra ou citrinī-nāḍī e por
dentro de citrinī-nāḍī se encontra brahma-nāḍī, o fluxo mais sutil de toda
estrutura prânica. Brahma-nāḍī é assim chamada porque os centros superiores
de consciência são diretamente ativados por ela. Quando a kuṇḍalinī-śakti sobe
através deste canal, experiências transcendentais ocorrem.

A localização das outras nāḍīs mais importantes segue:

1. Gāndhārī: Literalmente significa nota musical. Flui a partir do canto do olho


esquerdo e termina no dedão do pé esquerdo. Situa-se no lado de iḍā para
auxiliá-la. Como supre de prāṇa a cavidade ocular esquerda, proporciona a visão
criativa e atua no processo onírico. Atua poderosamente nos
pequenos cakras situados no meio da mão esquerda e no meio do pé esquerdo,
levando energia aos dedos das mãos e dos pés. Gāndhārī é estimulada
por baddha-padmāsana.
2. Hastijihvā: Literalmente, a língua do elefante. Flui a partir do canto do olho direito
e termina no dedão do pé direito,
atravessando maṇipūra, swādhisṭhāna e mūlādhāra-cakras. Por esse motivo,
carrega energia prânica para toda parte inferior do corpo. Atua poderosamente
nos pequenos cakras situados no meio da mão Direita e no meio do pé direito,
levando energia aos dedos das mãos e dos pés. Hastijihvā e gāndhārī suprem o
trabalho de iḍā e juntas formam o canal esquerdo.
3. Yaśasvinī: Literalmente, glória abundante. Flui do dedão do pé direito ao ouvido
esquerdo, auxiliando o trabalho de piṅgalā.
4. Pūṣā: Literalmente, aquele que nutre. Flui do dedão do pé esquerdo ao ouvido
direito. Pūṣā e yaśasvinī suprem o trabalho de piṅgalā e juntas formam o canal
direito.
5. Alambuṣā: Literalmente, o limite. Inicia no ânus e termina na boca. Passa pelo
centro do mūlādhāra-cakra, levando prāṇa aos órgãos de eliminação.
Esta nāḍī está conectada ao cakra mūlādhāra e ao apāna-vāyu.
6. Kuhū: Literalmente, a lua oculta. Inicia na garganta e termina nas genitais. A
essência seminal é transformada em soma pelo trabalho desta nāḍī. Passa pelo
centro do swādhisṭhāna-cakra e vai até o fim do pênis ou da vagina,
suprindo prāṇa aos órgãos reprodutivos e os sistema urogenital. Esta nāḍī está
conectada ao cakra swādhisṭhāna e ao apāna-vāyu. Kuhū é desperta pela
prática de vajrolī ou sahajolī-mudrā.
7. Śaṃkhinī: Literalmente, camada do oceano. Começa na garganta e termina no
ânus. Flui do lado esquerdo da suṣumṇā entre iḍā e piṅgalā. Esta nāḍī é ativada
pela prática de basti (enema yogī).
8. Saraswatī: Literalmente, a Deusa da Fala. É a nāḍī localizada na língua, cuja raiz
é o centro do viśuddhi-cakra. Supre prāṇa a língua, boca e garganta. Relaciona-
se diretamente ao viśuddhi e ao udāna-vāyu. Esta nāḍī, como o nome indica,
promove o poder da fala, sabedoria e proficiência mântrica.
9. Payaśvinī: Literalmente, repleto de sumo. Esta nāḍī flui do centro do ājñā-cakra e
vai até o ouvido direito, lhe suprindo de prāṇa. Ela complementa e suporta o
trabalho de piṅgalā no lado direito do corpo. Ela também sustenta a trompa de
Eustáquio. É através de seu trabalho que o yogī escuta o som interior ou nāda,
através do ouvido direito. A ordem ascética dos Kānphaṭa Yogīs promove o
despertar desta nāḍī fazendo com que seus adeptos utilizem brincos largos para
manter a perfuração da cartilagem da orelha.
10. Varunī: Literalmente, o permeador. Varunī é o deus védico do Oceano
Cósmico ou Oceano do Espaço. Inicia-se no centro do mūlādhāra-cakra,
atravessa o centro do anāhata-cakra e retorna, terminando no ânus. Portanto,
ao mesmo tempo em que supre todo o corpo com prāṇa, geralmente através do
sistema respiratório, circulatório e cebácio, também purifica o corpo expulsando
as toxinas da região pélvica inferior. Essa nāḍī promove um aprofundamento nas
emoções superiores do coração e uma compreensão de suas manifestações.
Ela é ativada por basti e outros kriyās.
11. Viśvodārī: Literalmente, aquele que tudo carrega. Situa-se na área do umbigo,
entre kuhū e hastijihvā. Esta associada às glândulas adrenais e ao pâncreas.
Promove o fluxo de prāṇa por todo sistema, principalmente o digestivo. Auxilia
na ascensão do prāṇa ao longo da suṣumṇā-nāḍī. Relaciona-se ao cakra
maṇipūra e ao samāna-vāyu. É ativada por nauli-kriyā e uḍḍīyāna-bandha.

O princípio de polaridade entre iḍā e piṅgalā

Todo o universo é constituído por duas forças, consciências ou energias,


interdependentes e opostas, ao mesmo tempo em que são complementares. O
universo projeta-se como uma rede de energias que se interagem, operando
dentro de uma estrutura de tensões desenvolvidas por esta polaridade
fundamental. Seja o que quer que observemos, na natureza, no corpo ou na
mente, essa polaridade pode ser vista como luz e escuridão, positivo e negativo,
macho e fêmea etc. Em cada nível de densidade, estes dois grandes princípios
ou forças estão operando, criando e movimentando o universo.
Quando essa polaridade cósmica do prāṇa e consciência se manifesta na
unidade microcosmica do corpo humano, ela toma a forma de citta-śakti e prāṇa-
śakti, que correspondem a iḍā e piṅgalā-nāḍīs. Estes dois canais mental e físico
no corpo se aplicam a todos os níveis do ser, do mais grosseiro ao mais sutil,
formando a base para cada percepção, atividade e experiência. São duas forças
distintas dentro do ambiente humano interior – o fluxo e refluxo da existência
humana.

Piṅgalā representa a polaridade positiva. É a força solar. Vitalidade física,


atividade dinâmica e tensão são qualidades da energia de piṅgalā. Ela é quente
por natureza e corresponde ao sistema nervoso simpático. Iḍā representa a
polaridade negativa. É a força lunar. Ela é fria por natureza e corresponde ao
sistema nervoso parasimpático. Relaxamento, passividade e sedentarismo são
qualidades de iḍā. Os dois mantras relativos a palavra haṭha correspondem
a iḍā e piṅgalā-nāḍīs. Ha corresponde a piṅgalā-nāḍī e ṭha ou kṣa coresponde
a iḍā-nāḍī. Essa simbologia pode ser vista nas duas pétalas do ājñā-cakra.

Piṅgalā, a força extrovertida, geralmente é predominante durante as horas do


dia, principalmente nos períodos de esforço físico, mental e atividades que
requerem interação e atenção externa. Iḍā também flui às vezes, mas está
subordinada ao fluxo de piṅgalā. A fim de se manter o equilíbrio, iḍā é mais
predominante no período da noite, contrabalanceando o fluxo predominante
de piṅgalā durante o dia. Iḍā, a força introvertida, é ativada no relaxamento, nas
leituras, contemplações e no sono.

Conexão com o fluxo de ar entre as narinas

Iḍā e piṅgalā estão conectadas com o fluxo de ar que passa através das narinas.
Se você checar o fluxo de ar pelas narinas, notará que uma está mais aberta do
que a outra. Quando o fluxo de ar é mais forte pela narina esquerda, isso indica
que iḍā está predominante; quando o fluxo é mais forte pela narina direita, isso
indica que piṅgalā está predominante. Quando se está dormindo ou em um
estado de sonolência, a narina esquerda está fluindo com mais intensidade.
Quando se está fisicamente ativo, a narina direita flui com mais intensidade.
Observando este fenômeno, os yogīs projetaram técnicas respiratórias para
regular o fluxo de iḍā e piṅgalā (e conseqüentemente suṣumṇā) a fim de
intensificarem a experiência do corpo prânico.

Conexão com os lados direito e esquerdo do cérebro

Específicas funções do cérebro também estão conectadas as atividades


de iḍā e piṅgalā. O cérebro é simétrico e consiste dos hemisférios direito e
esquerdo. O hemisfério direito governa o lado esquerdo do corpo e o hemisfério
esquerdo governa o lado direito do corpo. Iḍā está conectada ao hemisfério
direito e piṅgalā ao esquerdo. O hemisfério direito processa informação de
maneira difusa e holística. Controla a orientação espacial e é particularmente
sensível aos reinos de existência vibracional e as experiências intangíveis aos
sentidos externos. Portanto, ele estimula a criatividade, as habilidades artísticas,
musicais e é responsável pela percepção mental, psíquica e extrasensorial. Já o
hemisfério esquerdo, associado a piṅgalā, processa informação de maneira
seqüencial, linear e lógica, sendo responsável pelas habilidades racionais,
analíticas e matemáticas. Desta maneira as nāḍīs e os hemisférios cerebrais
determinam e motivam as atividades do dia-a-dia.

Conexão com os kośas

A força de iḍā é a energia sutil que controla o manomaya e o vijñānamaya-kośa,


enquanto que piṅgalā controla o annamaya e o ānandamaya-kośa.
No prāṇamaya-kośa a força de iḍā e piṅgalā se estende em ambas as direções.
Os pensamentos e experiências mentais que permanecem confinadas
no manomaya-kośa, a dimensão mental, são atividades de iḍā até que se
tornem físicas. Desejos, pensamentos, emoções e sentimentos tomam forma e
direção pela força de iḍā. O vijñānamaya-kośa, o corpo do conhecimento
psíquico e intuitivo que o praticante desenvolve através do sādhanā, também é
um aspecto de iḍā, a força mental. Poderes extrasensoriais como a clarividência,
clariaudiência e telepatia, são desenvolvidos no círculo de ação de iḍā. A
experiência de piṅgalā, a força vital, ocorre como vitalidade física no annamaya-
kośa. No ānandamaya-kośa, a consciência que permanece mesmo nos estados
mais profundos de meditação, após a dissolução de todos
os saṃskāras e karmas, é o resultado do despertar de piṅgalā. A consciência
em samādhi é a energia de piṅgalā. Este é o aspecto sutil do prāṇa.

Suṣumṇā: o canal neutro

Quando as duas forças de iḍā e piṅgalā estão equilibradas, o terceiro


canal, suṣumṇā, é ativado. É um fato que quando duas forças opostas são
equilibradas, uma terceira é gerada. Quando riscamos um palito de fósforo
contra uma superfície corrosiva, fogo é criado. Quando unimos a corrente
positiva com a corrente negativa, geramos a luz. Similarmente, quando o corpo
e a mente estão unidos, uma terceira força surge. Essa força nós chamamos de
suṣumṇā, a energia espiritual. O trabalho destas três forças também pode ser
compreendido através da analogia de um circuito eletromagnético em que uma
extremidade (norte) é o ājñā e a outra (sul) é o mūlādhāra. Iḍā é a carga
negativa, piṅgalā é a positiva e a suṣumṇā é a neutra.

Em cada nodo de iḍā e piṅgalā existe uma concentração de energia que forma
padões vibratórios que pulsam em um plano horizontal. Estes nodos são
os cakras, campos de força que se expandem e contraem, dependendo da
atividade física e mental. Quando existe uma intensidade energética
entre iḍā e piṅgalā, os cakras se manifestam na forma de luz e som. Esta
manifestação ocorre em menor proporção na respiração normal, mas em
grandes proporções durante as práticas de prāṇāyāma tais como nāḍī-
śodhana e durante a meditação. Enquanto iḍā e piṅgalā conduzem energia
mental e física, suṣumṇā conduz uma forma superior de energia cósmica. As
energias prânica e mental são finitas, a energia proporcionada por suṣumṇā é
infinita.

Quando suṣumṇā está ativa, a respiração flui por ambas as narinas


simultaneamente. Normalmente isso acontece somente por alguns minutos
quando ocorre a mudança na predominância de uma narina para outra, a cada
noventa minutos. Suṣumṇā flui após a prática de prāṇāyāma, oração, meditação
e quando alguém está prestes a cometer um crime. Quando suṣumṇā está ativa,
todo o cérebro está ativo, ao contrário de seu funcionamento parcial,
quando iḍā ou piṅgalā estão mais ativas. Quando suṣumṇā está ativa, tanto
os karmendiyas quanto os jñānendriyas, órgãos físicos e mentais, funcionam
simultaneamente e o praticante se torna muito poderoso. A sensação de
equanimidade e estabilidade surge, pois a suṣumṇā é a condutora de mahā-
prāṇa, a energia kuṇḍalinī. Estados meditativos ocorrem espontaneamente, em
qualquer lugar. O fluxo de suṣumṇā é considerado o melhor para qualquer tipo
de sādhanā.

A suṣumṇā representa a integração e a harmonia dos opostos em todos os


níveis. Ela indica o equilíbrio e a fusão dos princípios opostos de iḍā e piṅgalā.
O quadro abaixo demonstra a experiência destas três forças em vários níveis.

O propósito do yoga

Existem planos de existência e áreas da consciência que permanecem em


absoluta escuridão na pessoa comum. Estes planos são muito mais bonitos e
criativos do que o plano no qual a maioria das pessoas vivem. Penetrando-os e
iluminando-os, o praticante é capaz de experienciar diferentes estados de
consciência, da mesma maneira que uma pessoa experimenta o estado de
sonho ou sono. Quando a energia prânica é desperta, ela circula por estas áreas
confinadas na escuridão. Então, a cidade interior é iluminada e a alma renasce
em uma nova dimensão existencial, uma nova área de experiência.
Este processo, contudo, ocorre gradualmente. Primeiro, o corpo é sutilizado
através das práticas do Yoga, transformando-se em um corpo yogī. As
moléculas do corpo são alteradas e as forças prânica e mental passam por uma
metamorfose. Isso é conquistado através da purificação das nāḍīs, o que
capacita os prāṇas despertarem. Então, gradualmente os prāṇas despertos
iluminam toda consciência.

Purificando o corpo prânico

Todas as práticas do Yoga purificam os prāṇas, mas o prāṇāyāma é


considerado o principal entre elas. No Yogasūtra (II: 52), Mahaṛṣi Patañjali
declara: Como conseqüência, o véu que encobre a luz é destruído, referindo-se
aos efeitos do prāṇāyāma. Esse véu tem a natureza da ilusão, que impede a
percepção da verdadeira natureza expressa pela palavra prakāśa (utilizada por
Patañjali no sūtra), que significa mostrar a luminosidade ou a aparência natural
de si mesmo. Quando cessa o movimento respiratório, após a expiração, e o ar
está fora dos pulmões, se diz que o organismo está preenchido por um sopro
sutil. Esse é o momento em que, para o praticante avançado, cria-se uma forte
presença do magnetismo pessoal orientado pelo sopro espiritual mais elevado
(ātman). É essa presença da força de ātman que destrói o véu que encobre a
luz, mencionado no sūtra. Swami Niranjanananda Saraswati, em seu livro Prana
and Pranayama, diz: Este véu é o resíduo de tamas e rajas e através do
prāṇāyāma a natureza sattvica de citta brilha. O que Swami Niranjan quer dizer
com seu comentário a esta passagem do Yogasūtra é que tamas e rajas existem
na forma de bloqueios nas nāḍīs. Estes bloqueios podem ser causados por
doença, tensão, acúmulo de impurezas, pensamentos negativos ou saṃskāras e
formas pensamento alojados no subconsciente e inconsciente. Da mesma
maneira que as nāḍīs não são físicas, mas canais prânicos, os bloqueios
também são prânicos e somente podem ser experienciados, mas não
quantificados.

Os pensamentos e vṛttis, formações e modificações mentais, existem na mente


e na consciência como ondas de energia. Portanto, eles influenciam os padrões
energéticos nas nāḍīs diretamente e inerentemente. Dependendo da natureza
do pensamento ou do vṛtti, as nāḍīs, os cakras, elementos e doṣas são afetados,
criando um efeito espiral através de toda estrutura energética do corpo prânico.
Se os pensamentos forem deixados incontrolados, o sistema energético será
exaurido o tempo todo. Dessa maneira, os padrões de pensamentos negativos
e os vṛttis serão reforçados e a mente enfraquecida. Por isso é tão difício se livrar
das obsessões e saṃskāras.

Ceder à arrogância, por exemplo, irá criar um bloqueio na região do maṇipūra e


do anāhata-cakra, bem como na rede de nāḍīs ali presentes. E toda nova onda
de arrogância irá fortificar este bloqueio. A tendência de guardar mágoa irá criar
um bloqueio na região do anāhata e do viśuddhi-cakra. Estes bloqueios
nas nāḍīs muitas vezes se manifestam como doenças no annamaya-kośa. Por
outro lado, mesmo que a doença seja causada por circunstâncias puramente
físicas, ela será transmitida aos reinos prânicos e psíquicos também.
As nāḍīs nessa região se tornarão fracas e todos os fluxos de energia tomarão
vias secundárias, da mesma maneira que um rio desvia de uma rocha. Essa
região sofrerá um esgotamento de energia e se tornará cada vez mais fraca.
Durante o prāṇāyāma, especialmente o nāḍī-śodhana, na medida em que se
respira vagarosa e profundamente, o prāṇa força as áreas bloqueadas, e isso,
em todo sistema de nāḍīs. Por este processo, os circuitos de energia são
restaurados e as áreas enfraquecidas gradualmente ganham força e vigor.
Assim como uma emoção arrogante cria bloqueios na região do maṇipūra e
do anāhata-cakra, o aumento o fluxo de prāṇa através das nāḍīs desta região
desfaz os bloqueios. A Śivasaṃhitā (III: 49) declara: O praticante sábio destrói
seguramente todo seu karma, adquirido nesta vida ou na vida passada, pela
regulação da respiração. Manu Smṛti também declara: Deixe que os defeitos
sejam queimados pelo prāṇāyāma.

Mesmo que uma pessoa esteja inconsciente de bloqueios específicos, é a


natureza do prāṇāyāma, quando praticado corretamente, limpar e purificar todo
circuito energético em um curto período de tempo. Essa purificação é
conquistada não somente em um nível prânico, mas em um nível físico e mental
também. Isso traz muitas mudanças positivas em todo o sistema. Como
a Haṭhapradīpikā (II: 20) diz: Tão logo as nāḍīs estejam purificadas, torna-se
possível concentrar o vāyu por mais tempo, o fogo gástrico é ativado, o nāda se
torna audível e se goza de perfeita saúde. Neste ponto, o praticante torna-se
preparado para começar o sādhanā mais avançado.

O despertar do prāṇa

A evolução humana depende do despertar do prāṇa-śakti, da mesma maneira


que ela depende de um ótimo estado de saúde corporal. O despertar
do prāṇa ocorre quando as nāḍīs fluem com regularidade, ritmo e continuidade,
bem como nenhum bloqueio ou desconforto fisiológico é encontrado no processo
respiratório. Este estágio é conhecido como prāṇotthana, o despertar
dos prāṇas, mais especificamente de iḍā e piṅgalā. Quando o despertar
de iḍā e piṅgalā ocorre, suṣumṇā também desperta. O despertar desta terceira
força é considerado o evento mais importante na prática do prāṇāyāma, kriyā-
yoga e kuṇḍalinī-yoga. Na verdade, o prāṇāyāma somente começa
verdadeiramente com o despertar de suṣumṇā, pois somente após o seu
despertar é que o campo prânico se expande completamente. Até que este
despertar ocorra, a purificação de iḍā e piṅgalā continua através das práticas.

Após os prāṇas terem sido despertos, o praticante está preparado para executar
as práticas de prāṇa-vidyā. Ele deve ser capaz de dirigir o prāṇa quando
necessário, não apenas dentro do seu próprio corpo, mas também o poder
onipresente manifesto a partir do qual todas as energias se originam. O
adepto yogī pode retrair o prāṇa de qualquer área do corpo para que ela suporte
o calor, frio ou qualquer outra sensação. Da mesma maneira, ele pode enviar
o prāṇa para qualquer área do corpo e torná-la supersensível. Ele pode
enviar prāṇa aos olhos e ver distantes objetos, ao nariz e experienciar aromas
divinos, ou a língua e saborear paladares imaculados. O yogī utiliza a energia
cósmica, disponível a todos, para criar mudanças nos padrões do corpo, mente
e consciência. O despertar desta energia prânica indica a evolução
do prāṇamaya-kośa, por meio do qual ele é capaz de ir profundamente e se
estabelecer nos estados meditativos superiores.

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