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A educação, a política e a administração: reflexões sobre

a prática do diretor de escola

Vitor Henrique Paro


Universidade de São Paulo

Resumo

À luz de um conceito de administração (ou gestão) como


mediação para a realização de fins e de uma concepção de política
como convivência (conflituosa ou não) entre sujeitos, e tendo
presente o caráter necessariamente democrático da educação
para a formação de personalidades humano-históricas, este artigo
apresenta subsídios teóricos para se discutir como se configura
a ação administrativa do diretor de escola básica (com enfoque
especial no ensino fundamental) diante dos fins da educação e
da especificidade do processo de produção pedagógico. Tendo por
base a literatura científica sobre administração escolar, o trabalho
traz à discussão uma concepção conservadora, mais identificada
com o senso comum educacional, que advoga métodos e princípios
idênticos aos aplicados na administração empresarial capitalista, e a
confronta com uma concepção de cunho progressista, que leva em
conta a condição cultural e histórica do trabalho pedagógico. Ao
adotar o ponto de vista desta última concepção, o texto examina
a direção escolar tanto em sua condição técnica, ligada à condição
de utilização racional de meios, que precisa ser consentânea com o
caráter educativo de seu produto, quanto em sua condição política,
ligada (do mesmo modo) a seu produto, mas principalmente à
forma de relação social, que se impõe como relação democrática.

Palavras-chave

Diretor escolar — Escola pública — Escola e democracia — Gestão


escolar democrática.

Correspondência:
Vitor Henrique Paro
Rua Acuruá, 469 – Vila Romana
05053-000 São Paulo – SP
E-mail: vhparo@usp.br

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.3, p. 763-778, set./dez. 2010 763
Education, politics and the administration: reflections on
the practice of the school principal

Vitor Henrique Paro


Universidade de São Paulo

Abstract

In the light of a concept of administration (or management) as


mediation to achieve certain ends, and of a conception of politics
as the living together of subjects (with or without conflicts),
and also having in mind the necessarily democratic character of
education for the development of human-historical personalities,
the present article introduces theoretical elements for the discussion
of how the administrative action of the principal of a fundamental
school is configured (with special emphasis on fundamental
education) considering the ends of education and the specificity
of the pedagogical production process. Based on the scientific
literature on school administration, the work brings into discussion
a conservative conception, closely identified with the educational
commonsense, which defends principles and methods identical
to those applied by the capitalist business administration, and
confronts it with a progressive conception that takes into account
the cultural and historical condition of the pedagogical work. By
adopting the viewpoint of this latter conception, the text examines
school management both in its technical aspect, associated to the
condition of a rational use of means, which must conform to the
educative character of its product, and in its political condition,
related (similarly) to its product, but mainly to the form of social
relation that imposes itself as a democratic relation.

Keywords

School principal — Public school — School and democracy — Democratic


school management.

Contact:
Vitor Henrique Paro
Rua Acuruá, 469 – Vila Romana
05053-000 São Paulo – SP
E-mail: vhparo@usp.br

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“Nenhum problema escolar sobrepuja maior a importância das mediações para se
em importância o problema de administração” conseguir realizá-los.
(p. 13). Com estas palavras, A. Carneiro Leão Esse conceito de administração deve nos
(1953) iniciava, em 1939, o prefácio à primeira alertar para seu caráter sintético e geral, que
edição de sua obra Introdução à administra- permite abarcar toda e qualquer administra-
ção escolar, um dos estudos pioneiros sobre a ção, qualquer que seja seu objeto e que, por
matéria no Brasil. Desde então, a valorização isso, precisa fazer abstração dos objetos espe-
da administração das escolas no ensino bási- cíficos de cada administração concretamente
co tem-se verificado continuamente nas mais considerada. Isto é, administração é sempre
diferentes formas e instâncias. utilização racional de recursos para realizar
No meio acadêmico, não apenas os es- fins, independentemente da natureza da “coisa”
tudos específicos sobre administração escolar administrada: por isso é que podemos falar em
– desde os trabalhos de José Querino Ribeiro administração industrial, administração pública,
(1938; 1952; 1968) e de Lourenço Filho (1972) – administração privada, administração hospitalar,
mas também os textos que tratam da educação administração escolar, e assim por diante.
escolar de modo geral enfatizam a relevância da Tal conceito diz respeito também a toda
organização e da gestão das escolas. Nos meios a administração, o que inclui os vários “setores”
políticos e governamentais, quando o assunto da empresa, ou os vários locais ou momentos
é a escola, uma das questões mais destacadas do processo a que ela se refere. Isso nos permite
diz respeito à relevância de sua administração, falar em administração de pessoal, adminis-
seja para melhorar seu desempenho, seja para tração de material, administração financeira,
coibir desperdícios e utilizar mais racionalmente assim como administração de atividades-meio,
os recursos disponíveis. Também na mídia e no administração de atividades-fim etc.
senso comum, acredita-se de modo geral que, se De acordo com esse conceito mais abran-
o ensino não está bom, grande parte da culpa gente de administração, a mediação a que se re-
cabe à má administração das nossas escolas, em fere não se restringe às atividades-meio, porém
especial daquelas mantidas pelo poder público. perpassa todo o processo de busca de objetivos.
Embora sejam várias as motivações para Isso significa que não apenas direção, servi-
essa valorização da administração escolar – e ços de secretaria e demais atividades que dão
não faltam aqueles que são a favor de uma subsídios e sustentação à atividade pedagógica
maior “eficiência” da administração escolar com da escola são de natureza administrativa, mas
a única ou precípua preocupação com os custos também a atividade pedagógica em si – pois a
do ensino –, a justificativa comum é a de que busca de fins não se restringe às atividades-
o ensino é importante, e é por isso que se deve meio, mas continua, de forma ainda mais in-
realizá-lo da forma mais racional e eficiente; tensa, nas atividades-fim (aquelas que envolvem
portanto, é fundamental o modo como a escola diretamente o processo ensino-aprendizado).
é administrada. Este tema será desenvolvido mais adian-
Essa justificativa, expressa ou tacitamen- te. Por ora, é importante destacar que a noção
te, supõe a administração como mediação para de administração do senso comum, deixando de
a realização de fins. É com este sentido que captar o que há de administrativo no processo
utilizarei o conceito de administração (ou de pedagógico (ao limitar a administração às nor-
gestão, e tomo essas palavras como sinônimos); mas e procedimentos relativos à organização e
ou seja, “administração é a utilização racional funcionamento da escola), acaba por valorizar
de recursos para a realização de fins determi- aquele que é o responsável direto pelo controle
nados” (Paro, 2010a, p. 25). Assim, parece óbvio das pessoas que devem cumprir essas normas e
que, quanto maior a relevância dos objetivos, realizar esses procedimentos: o diretor escolar.

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Essa valorização do diretor de escola atividades pedagógicas e administrativas como
segue paralela à valorização da administração mutuamente exclusivas — como se o adminis-
no ensino básico, já que ele é considerado o trativo e o pedagógico não pudessem coexistir
responsável último pela administração escolar. numa mesma atividade —, encobrindo assim o
Enfim, é o diretor que, de acordo com a lei, caráter necessariamente administrativo de toda
responde, em última instância, pelo bom fun- prática pedagógica e desconsiderando as poten-
cionamento da escola – onde se deve produzir cialidades pedagógicas da prática administrativa
um dos direitos sociais mais importantes para quando se refere especificamente à educação.
a cidadania. Para melhor compreender essa questão,
Para os estudos da administração (ou ges- torna-se necessário elucidar melhor a concep-
tão) escolar, o que surpreende não é a existência ção de administração aqui adotada, retomando,
do discurso que valoriza a figura do diretor, pois, em certa medida, o que já expus em trabalho
como vimos, ele vem-se repetindo há muito tempo. anterior (Paro, 2010a).
O que intriga é a relativa escassez, no âmbito das A administração entendida como a utili-
investigações sobre a realidade escolar no Brasil, zação racional de recursos para a realização de
de estudos e pesquisas a respeito da natureza e do fins configura-se “como uma atividade exclu-
significado das funções do diretor de escola à luz sivamente humana, já que somente o homem
da natureza educativa dessa instituição. é capaz de estabelecer livremente objetivos
Entretanto, como já destaquei em várias a serem cumpridos” (p. 25); quer dizer, só o
ocasiões (por ex. Paro, 2010a, 2008b, 2000a), o homem é capaz de realizar trabalho, em seu
diretor ocupa uma posição não apenas estra- sentido mais geral e abstrato, como “atividade
tégica, mas também contraditória na chefia da orientada a um fim” (Marx, 1983, p. 150).
escola — o que estaria a merecer maior número Os fins a que se propõe advêm de sua
de análises e estudos aprofundados. É com a “valoração” da realidade em que se encontra, ou
intenção de contribuir para o preenchimento seja, derivam dos valores criados pelo homem
dessa lacuna que apresento estas reflexões, em sua situação de não indiferença diante do
as quais discutem a natureza das atividades mundo (Ortega; Gasset, 1963). É pelo trabalho
do diretor escolar e as possíveis adequações que o homem faz história (e se faz histórico),
e contradições dessa prática diante do caráter na medida em que transforma a natureza e, com
político-pedagógico da escola. isso, transforma a sua própria condição humana
no mundo. Para além de sua situação de mero
Administração como mediação animal racional, realiza-se, com o trabalho, sua
condição de sujeito, isto é, de condutor de ações
Tradicionalmente, os estudos sobre a regidas por sua vontade.
atuação do diretor de escola costumam ater-se Deriva daí a importância da ação admi-
a uma concepção de administração diversa do nistrativa em seu sentido mais geral, porque ela
conceito amplo utilizado neste trabalho, razão é precisamente a mediação que possibilita ao tra-
pela qual restringem a ação administrativa balho se realizar da melhor forma possível. Isso
dos diretores apenas às atividades-meio, dico- significa que o problema de mediar a busca de fins
tomizando, assim, as atividades escolares em é um problema que permeia toda a ação humana
administrativas e pedagógicas. enquanto trabalho, seja este individual ou coletivo.
Embora sirva ao propósito de tornar cla- Considerada a escola como uma empresa1,
ra a distinção entre a atividade pedagógica sua administração, ao cuidar da utilização racional
propriamente dita e as atividades que a esta
1. O termo empresa é entendido aqui em seu sentido geral, como todo
servem de pressuposto e sustentação, tal ma- empreendimento humano organizado para a produção de algo ou para a
neira de tratar o problema acaba por tomar as busca de fins, com a utilização do esforço humano coletivo.

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dos recursos, supõe que tal utilização seja realiza- Esses dois grupos de recursos sugerem
da por uma multiplicidade de pessoas, mas sem dois amplos campos da administração, cer-
ignorar que, em cada um dos trabalhos (que con- tamente não separados um do outro, pois a
cretizam essa realização), está presente o problema aplicação dos recursos objetivos e subjetivos
administrativo, ou seja, a necessidade de realizá-lo só tem sentido se esses forem considerados
da forma mais adequada para a consecução do fim integradamente. Ao primeiro desses campos,
que se tem em mira. por envolver a utilização racional dos recursos
Os recursos envolvidos na busca dos objetivos na realização do trabalho, podemos
objetivos de uma empresa podem se apresentar chamar de racionalização do trabalho. Sua pre-
sob as mais variadas formas. Numa tentativa ocupação e escopo é a articulação ótima entre
de síntese, podemos considerá-los como parte recursos e processos de trabalho, empregando os
de dois grupos interdependentes: os recursos primeiros da forma mais racional possível – em
objetivos e os recursos subjetivos. processos que sejam concebidos e executados
Entre os primeiros incluem-se, por um do modo mais adequado para o fim que se tem
lado, os objetos de trabalho e os instrumentos em mira e para os recursos de que se dispõe. O
de trabalho, isto é, os elementos (materiais ou segundo campo diz respeito à utilização racio-
não) que são objeto de manipulação direta para a nal dos recursos subjetivos e pode chamar-se
confecção do produto; por outro, os conhecimen- coordenação do esforço humano coletivo, ou
tos e técnicas que entram como mediação nessa simplesmente coordenação (Cf. Paro, 2010a).
produção, ou seja, os recursos conceptuais ou Esses dois campos da administração são
simbólicos de um modo geral. Assim, os recursos consideravelmente amplos e, mesmo nas em-
objetivos, como o próprio nome sugere, referem- presas menores e mais simples, envolvem uma
se às condições objetivas presentes na realização multiplicidade de determinações e crescen-
do trabalho ou dos trabalhos que concorrem para tes complexidades, dependendo da natureza
a realização dos fins da empresa ou organização. e dimensão dos recursos e dos objetivos. Um
Já os recursos subjetivos dizem respeito à aspecto relevante é a interdependência entre os
subjetividade humana, ou seja, à capacidade de campos. Racionalização do trabalho e coorde-
trabalho dos sujeitos que fazem uso dos recursos nação cruzam-se precisamente no processo de
objetivos. Capacidade de trabalho ou força de trabalho, do qual depende a realização dos obje-
trabalho é toda energia humana disponível para tivos da empresa. A racionalização do trabalho,
o processo de produção, ou seja, “o conjunto por mais que se atenha à utilização dos recursos
das faculdades físicas e espirituais que existem objetivos, não pode desconsiderar que tais re-
na corporalidade, na personalidade viva de um cursos são manipulados por pessoas, e que só
homem e que ele põe em movimento toda vez “funcionam” associados aos recursos subjetivos.
que produz valores de uso” (Marx, 1983, p. 139). De igual modo, a coordenação, por mais que se
Dada sua força ou capacidade de tra- ocupe da utilização do esforço humano coletivo,
balho, o recurso subjetivo de cada trabalhador não pode ignorar que o escopo principal para a
consiste, assim, em seu esforço na realização de realização dos objetivos é a integração desses
ações que concorram para a concretização do recursos aos recursos objetivos de que se dispõe.
objetivo. Convém lembrar que, na administração Acrescente-se que, a esse respeito, a
de uma empresa, não se trata do esforço de um coordenação cerca-se de uma complexidade
indivíduo isolado, mas do esforço humano cole- adicional: em primeiro lugar, porque o recurso
tivo, ou seja, da multiplicidade de habilidades, de que cuida – o esforço humano coletivo – é
forças, destrezas, conhecimentos, enfim as mais atributo de sujeitos, ou seja, de seres providos
diferentes capacidades presentes nos diferentes de vontade, cuja ação não admite a mesma
componentes humanos da organização. previsibilidade possível no caso dos recursos

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objetivos. Um segundo elemento de complexi- o poder de estabelecer os objetivos a serem
dade é que a ação dos sujeitos não se restringe alcançados também são os que possuem o po-
ao momento do trabalho, mas espalha-se por der político dominante, e que se apropriam da
todas as relações dentro da empresa. função coordenadora.
Essas características da coordenação do Outro ponto relevante a assinalar é que,
esforço humano coletivo remetem obrigatoria- contrariamente ao que se acha difundido no sen-
mente ao seu caráter necessariamente político. so comum, a coordenação não precisa ser feita
Ao se adotar um conceito suficientemente am- sempre a partir de um coordenador unipessoal
plo de política – como a produção da convi- que determine a conduta de grupos e pessoas.
vência entre grupos e pessoas (Cf. Paro, 2010b), Esta tem sido a regra em nossa sociedade, em
ou seja, entre entes que, em sua dimensão sub- que as empresas, tanto públicas quanto privadas,
jetiva, possuem vontades e interesses próprios lançam mão de chefes, supervisores, feitores,
que podem ou não coincidir com os interesses gerentes, inspetores, superintendentes etc. para
dos demais –, percebe-se então o caráter niti- coordenar as ações de seus subordinados. Mas
damente político da coordenação do esforço a coordenação pode também ser realizada co-
humano coletivo no interior de determinada letivamente – em especial por aqueles mesmos
empresa ou organização. que emprestam seu esforço para a realização dos
Embora sejam múltiplos e variados os objetivos da empresa —, quer diretamente, quer
interesses e valores normalmente em jogo em por meio de conselhos e representantes.
toda organização (porque vários são os sujeitos
que a organização usualmente abriga), a ques- Direção e diretor
tão de maior importância quanto à abordagem
de vontades diversas e à solução de conflitos é Em princípio, a palavra direção pode ser
a atinente à relação entre os objetivos a serem utilizada indistintamente como sinônimo de
atingidos e os interesses dos que despendem seu chefia, comando, gestão, governo, administração,
esforço na consecução de tais objetivos. Trata-se coordenação, supervisão, superintendência etc.
de uma questão política de primeira grandeza, Aqui nos interessa a identificação que comumen-
que condiciona em grande medida a própria te se faz entre direção escolar e administração
forma como se desenvolve a coordenação. escolar; ou entre diretor escolar e administrador
Quando os interesses dos que executam escolar. Essa identificação fica bastante visível
os trabalhos coincidem com os objetivos a se- na exigência, que normalmente se faz, de que o
rem alcançados, a coordenação pode se revestir diretor de escola tenha uma formação em admi-
de um caráter mais técnico, pois se atém muito nistração escolar (ou gestão escolar).
mais ao estudo e à implementação de formas Na maioria dos sistemas de ensino, quan-
alternativas para alcançar objetivos que inte- do se fala em administrador escolar, pensa-se
ressam a todos. Não deixa de ser política, mas logo na figura do diretor de escola – embora
pode mais facilmente fazer-se democrática2. haja exceções, em que existe a figura do diretor
Quando, entretanto, há divergência entre e a do administrador com funções distintas.
os interesses dos trabalhadores e os objetivos a Também na literatura sobre administração esco-
se realizarem, a coordenação ganha um cará- lar, é generalizado (embora não exclusivo) o uso
ter marcadamente político, tornando-se muito indistinto de administrador (ou gestor) escolar
mais complexas suas funções e as formas de e de diretor escolar com o mesmo significado.
empregar o esforço humano coletivo. Ela não
prescinde dos elementos técnicos, mas tem de 2. Em consonância com o conceito abrangente de política, democracia é
se ocupar mais intensamente dos interesses entendida aqui também em seu sentido mais amplo, de “convivência pacífica
e livre entre pessoas e grupos que se afirmam como sujeitos” (Paro, 2010b,
em conflito. Neste último caso, os que detêm p. 27, grifos no original)..

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Entretanto, parece ser quase unânime administração e direção, além de elucidar o
a preferência pela expressão “diretor escolar”, papel que cabe a esta última na organização da
quando se trata de denominar oficialmente, por escola básica. Esse ponto de vista assume que a
meio de leis, estatutos ou regimentos, aquele que direção, em certo sentido, contém a administra-
ocupa o cargo hierarquicamente mais elevado ção e simultaneamente lhe é mais abrangente.
no interior de uma unidade de ensino. Mesmo A direção engloba a administração nos dois
entre a população usuária, quando alguém se momentos desta, de racionalização do trabalho
refere ao cargo, é ao de diretor que se reporta, e de coordenação, mas coloca-se acima dela,
não ao de administrador; e praticamente nin- em virtude do componente de poder que lhe é
guém vai à escola à procura do administrador, inerente. Podemos dizer que a direção é a ad-
mas sim do diretor escolar. ministração revestida do poder necessário para
Parece que, quando tratados genericamen- se fazer a responsável última pela instituição,
te, ou seja, “a olho nu”, os termos administração ou seja, para garantir seu funcionamento de
e direção escolar se confundem; mas quando se acordo com “uma filosofia e uma política” de
trata de exigir rigor e especificidade, a direção educação (Ribeiro, 1952).
se impõe como algo diverso da administração. E Ribeiro (1968), ao falar sobre “filosofia e
não parece descabido que isso aconteça. Quando política de ação”, afirma que estas se colocam
se trata da direção da escola e do responsável “acima e fora da área administrativa e dentro
por ela, pretende-se uma maior abrangência de da área mais geral e superior da direção do
ação e um ingrediente político bastante nítido, empreendimento” (p. 31). Observe-se que o di-
que a administração, muito mais técnica, parece retor de determinada empresa está na situação
não conter: o diretor é aquele que ocupa a mais de quem estabelece os fins da organização, ou
alta hierarquia de poder3 na instituição. é investido do poder de fazê-los realizar-se, ou
Quem faz boa análise a respeito desse ambas essas atribuições ao mesmo tempo. No
assunto é José Querino Ribeiro (1968). O autor âmbito da administração há, pois, o emprego
que, mais de uma vez, identifica em suas obras do esforço humano coletivo; há inclusive a
direção e administração, faz questão de deixar coordenação desse esforço — coordenação esta
nítida a diferença entre ambas: que pode se referir ora ao todo, ora a partes
do empreendimento. Mas isso não impede que
Assim, por exemplo, considere-se que uma cousa essas atividades sejam subsumidas pela direção,
é ser diretor, outra é ser administrador. Direção da qual depende, em última instância, o “rumo”
é função do mais alto nível que, como a própria ou a “orientação” que deve seguir o empreen-
denominação indica, envolve linha superior e dimento em termos de seus fins.
geral de conduta, inclusive capacidade de lide- O mais frequente em nossa sociedade é
rança para escolha de filosofia e política de ação. que a direção esteja nas mãos de poucos, que
Administração é instrumento que o diretor pode estabelecem os objetivos e determinam que
utilizar pessoalmente ou encarregar alguém de eles sejam atingidos, restando à grande maioria
fazê-lo sob sua responsabilidade. Por outras pala- executar as ações necessárias ao cumprimento
vras: direção é um todo superior e mais amplo do dos fins da empresa por meio de seu esforço.
qual a administração é parte, aliás, relativamente Mas isso não impede de se pensar numa hipó-
modesta. Pode-se delegar função administrativa; tese em que os fins sejam estabelecidos pelos
função diretiva, parece-nos, não se pode, ou, pelo próprios indivíduos que despendem esforço em
menos, não se deve delegar. (p. 22)
3. Por ora, consideramos poder simplesmente como a capacidade de deter-
Essa contribuição de Ribeiro ajuda a pau- minar o comportamento de outros (Stoppino, 1991). Para uma aproximação
mais detalhada sobre o conceito de poder e sua relação com a educação,
tar a diferença que pretendo estabelecer entre veja-se Paro, 2010b.

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realizá-los e que se investem também da fun- de forma idêntica, ou semelhante, sem levar em
ção de zelar diretamente por seu cumprimento. conta a especificidade do processo de produção
O que temos, então, é uma “sobreposição” da pedagógico, nem questionar os efeitos deleté-
administração e da direção, cada uma, porém, rios de uma coordenação do esforço humano
mantendo sua função característica. coletivo na escola nos moldes do controle do
trabalho alheio inerente à gerência capitalista?
Situação contraditória do diretor Estas indagações estão no centro da
escolar questão aqui examinada, qual seja: dados o
caráter político da direção da escola fundamen-
É esse mesmo conceito de direção, pelo tal, sua subsunção da administração escolar e a
menos em suas linhas mais gerais, que vige em necessária adequação entre meios e fins como
nossos sistemas de ensino com relação ao papel princípio administrativo, como se configura a
do diretor de escola. Este é, em geral, não apenas ação administrativa do diretor de escola funda-
o encarregado da administração escolar, ao zelar mental diante dos fins da educação e da especi-
pela adequação de meios a fins – pela atenção ficidade do processo de produção pedagógico?
ao trabalho e pela coordenação do esforço hu- Os termos desse problema envolvem uma
mano coletivo —, mas também aquele que ocupa variedade de temas que merecem ser examina-
o mais alto posto na hierarquia escolar, com a dos, mas, em suma, há que se considerar os de-
responsabilidade por seu bom funcionamento. terminantes que interferem no comportamento
Além disso, a concepção que se tem do do diretor da escola pública fundamental. Inves-
diretor escolar não costuma diferir da con- tido na direção, ele concentra um poder que lhe
cepção de diretor de qualquer outra empresa cabe como funcionário do Estado, que espera
da produção econômica. Assim, o espírito que dele cumprimento de condutas administrativas
rege o tratamento dado ao diretor de escola e nem sempre coerentes com objetivos auten-
as expectativas que se tem sobre ele são cada ticamente educativos. Ao mesmo tempo, é o
vez mais semelhantes ou idênticos ao modo de responsável último por uma administração que
considerar o típico diretor da empresa capita- tem por objeto a escola, cuja atividade-fim, o
lista (Cf. Félix, 1984; Paro, 2010a). processo pedagógico, condiciona as atividades-
Se considerarmos a necessária adequação meio e exige, para que ambas se desenvolvam
entre meios e fins para a efetivação da admi- com rigor administrativo, determinada visão de
nistração, e contrastarmos os fins que se bus- educação e determinadas condições materiais
cam na empresa tipicamente capitalista com os de realização que não lhe são satisfatoriamente
objetivos da escola básica, em especial a escola providas quer pelo Estado, quer pela sociedade
fundamental, vem à tona a seguinte indagação: de modo geral.
é possível, em termos políticos ou técnicos,
igualar a direção de uma escola à direção de Educação escolar: fins e meios
uma empresa capitalista, desconsiderando o que
há de específico na empresa escolar em termos O estudo da prática administrativa do di-
de seu objetivo e da maneira de alcançá-lo? retor escolar justifica-se, num primeiro momen-
Em outras palavras: se a administração to, pela necessidade de se estudarem maneiras
(subsumida pela direção) é a mediação para a de o diretor contribuir para uma maior compe-
realização de fins, será razoável que fins tão tência administrativa da escola fundamental.
antagônicos quanto os da empresa capitalista Isso é relevante porque a escola brasileira, de
(apropriação do excedente de trabalho pelo ca- modo geral, não logra alcançar minimamente
pital) e o da escola (construção, pela educação, os objetivos a que se propõe. É de conheci-
de sujeitos humano-históricos) sejam obtidos mento público que, salvo exceções, as escolas

770 Vitor PARO. A educação, a política e a administração: reflexões sobre aprática do diretor de escola.
fundamentais no país não conseguem passar à drasticamente. As medidas na direção do “pleno
imensa maioria de seus frequentadores sequer desenvolvimento do educando” se reduzem à
os mínimos rudimentos de conhecimentos e tentativa de passagem de conhecimentos, ex-
informações que são objeto das “avaliações” pressos nas disciplinas escolares.
externas feitas pelos sistemas de ensino. E isso Mas, se, à luz de uma concepção radi-
ao custo de pelo menos oito anos de dispêndio calmente democrática de mundo, admite-se que
em recursos tanto objetivos quanto subjetivos. os homens nascem igualmente com o direito
Em termos administrativos, isso equivale universal de acesso à herança cultural produzida
a um fracasso no empreendimento escolar, na historicamente, então a educação – meio de
medida em que os recursos, ou sua utiliza- formá-lo como humano-histórico – não pode
ção, ou ambos os fatores, não estão adequados se restringir aos conhecimentos e informações,
ao objetivo estabelecido. Trata-se, portanto, mas precisa, em igual medida, abarcar os valo-
da negação do princípio fundamental da boa res, as técnicas, a ciência, a arte, o esporte, as
administração, que requer a adequação entre crenças, o direito, a filosofia, enfim, tudo aquilo
meios e fins. que compõe a cultura produzida historicamente
Mas a análise do problema não pode se e necessária para a formação do ser humano-
restringir ao exame e responsabilização dos histórico em seu sentido pleno.
meios, e sua utilização, sem relacioná-los aos Supondo que o Estado e a sociedade
fins que se pretende alcançar. Em outras pala- tivessem êxito em transmitir pelo menos os
vras, trata-se de se estabelecer, antes, se estamos conhecimentos que compõem as disciplinas
diante de um problema apenas administrativo escolares e os Parâmetros Curriculares Nacio-
(inadequação entre meios e fins) ou se, mais do nais (PCN), ou mesmo a versão minguada desse
que isso, a questão a elucidar não se encontraria conteúdo aferida pelas “avaliações” externas
no âmbito de uma filosofia e de uma política como Saeb, Prova Brasil etc., ainda assim es-
da educação a que a administração escolar ne- taria muito distante de lograr um mínimo de
cessariamente deve servir (Ribeiro, 1952). Isso “preparo para o exercício da cidadania”. Ocorre
significa que, em termos da qualidade do ensino que, mesmo estando os sistemas de ensino e
fundamental, mais do que abordar a adminis- toda a política educacional supostamente es-
tração dos meios, é preciso questionar o próprio truturados para esse objetivo, ele não é obtido,
fim da escola e da educação, quando mais não o que se pode constatar por meio de contato
seja, para saber se ele é de fato factível e até com os egressos do ensino fundamental que,
mesmo desejável. em geral, retêm apenas uma pequena parcela
A esse respeito, pode-se dizer que, de dos conhecimentos que compõem os currículos
modo geral, vigora nos sistemas de ensino e e programas das disciplinas escolares.
nas políticas públicas educacionais uma con- Isso acontece porque a pequenez desse
cepção estreita de educação, disseminada no objetivo não tem implicações apenas políticas
senso comum, de que o papel único da escola – subestimação do que é necessário em termos
fundamental é a passagem de conhecimentos educativos para o exercício da cidadania –, mas
e informações às novas gerações. Apesar de a também técnicas, e estas guardam uma estreita
Lei proclamar que a educação “tem por fina- dependência das implicações políticas.
lidade o pleno desenvolvimento do educando, O componente técnico, sistematicamente
seu preparo para o exercício da cidadania e ignorado pela imensa maioria dos responsáveis
sua qualificação para o trabalho” (art. 2º da por políticas públicas em educação, refere-se à
Lei 9.394/1996), quando se trata de concreti- própria natureza do ato educativo, isto é, ao
zar tal finalidade por meio do oferecimento de modo como o educando se apropria da cultura.
educação escolar, essa intenção geral se retrai Sendo a educação a maneira pela qual se cons-

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trói o homem em sua historicidade, a realização comunicação, análoga à que se dá na leitura
concreta da educação precisa inapelavelmente de um livro ou jornal, ou no ato de assistir a
levar em conta essa peculiaridade. um filme ou ver televisão. Por isso, a escola é
Isto significa que o processo pedagógico vista como mera repassadora de conhecimentos
deve tomar o educando como sujeito, quando e informações, como acontece com as demais
mais não seja para não ferir o princípio de ade- agências de comunicação. Entretanto, muito
quação de meios a fins: se o fim é a formação mais que isso, educar envolve uma relação po-
de um sujeito, o educando, que nesse processo lítica entre sujeitos empenhados na construção
forma sua personalidade pela apropriação da de personalidades.
cultura, tem necessariamente de ser um sujei- O caráter sui generis dessa relação é que
to. Portanto, ele só se educa se quiser. Disso precisa ser considerado se queremos que ela
resulta que o educador precisa levar em conta se realize de modo pleno. A primeira observa-
as condições em que o educando se faz sujeito. ção a ser feita é que essa relação constitui um
Não basta, portanto, ter conhecimento de uma processo de trabalho, ou seja, “uma atividade
disciplina a ser ensinada. orientada a um fim” (Marx, 1983, p. 150). Como
Educar não é apenas explicar a lição ou tal, há o trabalhador, ou produtor, e há o objeto
expor um conteúdo disciplinar, mas propiciar de trabalho a ser transformado em produto.
condições para que o educando se faça sujeito O primeiro é o educador, que mantém uma
de seu aprendizado, levando em conta seu pro- relação com o segundo, o educando, aquele
cesso de desenvolvimento biopsíquico e social cuja personalidade se forma ou se transforma
desde o momento em que nasce. como fim da educação. É aqui que entra a
Querer aprender não é uma qualidade ina- peculiaridade da educação como trabalho. Nos
ta, mas um valor construído historicamente. Levar processos de trabalho que se dão usualmente
o aluno a querer aprender é o desafio maior da na produção material da sociedade, há uma
didática, a que os grandes teóricos da educação se relação de exterioridade entre produtor e objeto
têm dedicado através dos séculos. Por isso, hoje, de trabalho: o produtor age sobre o objeto de
com todo o desenvolvimento das ciências e disci- trabalho, que simplesmente “sofre” aquela ação
plinas que subsidiam a pedagogia, é inadmissível de transformação. No caso do processo pedagó-
que os assuntos da educação ainda permaneçam gico, todavia, uma relação desse tipo redundaria
nas mãos de leigos das mais diferentes áreas na negação da educação e na impossibilidade
(economistas, matemáticos, publicitários, jornalis- do aprendizado. Aqui, o objeto de trabalho (o
tas, sociólogos, empresários, estatísticos etc. etc.), educando) é também sujeito, o que inviabiliza a
os quais pouco ou nada entendem da educação ação unilateral do educador. Este, para ensinar,
dirigida às crianças e aos jovens na idade de para transmitir cultura, precisa, antes, obter o
formação de suas personalidades. consentimento do outro, daquele que apren-
O que resulta é a educação ser tomada como de. É, pois, uma relação de convivência entre
uma atividade qualquer, passível de ser exercida sujeitos, ou seja, uma relação autenticamente
sem o necessário conhecimento e competência política. Mais do que política, é uma relação
técnica, pois dos próprios professores não se exige democrática, pois a ação que se passa resulta
(nem se oferecem condições para) um conhecimen- na afirmação de ambos como sujeitos.
to razoavelmente profundo de pedagogia e uma A natureza, os termos e as implicações
prática didática razoavelmente competente. dessa peculiaridade da relação pedagógica para
A ignorância pedagógica e a adoção de a organização dos processos de ensino-apren-
um conceito de educação que não se eleva aci- dizado têm sido objeto de estudos, pesquisas e
ma do senso comum têm feito com que se tome práticas por parte de importantes teóricos da
a educação de crianças e jovens como mera educação, especialmente no decorrer do último

772 Vitor PARO. A educação, a política e a administração: reflexões sobre aprática do diretor de escola.
século, os quais têm reiteradamente demons- Administração escolar e o caráter
trado a necessária presença desse elemento específico do trabalho pedagógico
dialógico e têm chamado a atenção para suas
implicações práticas. Assim, temos por um lado a busca de
Uma dessas implicações é que, por mais um objetivo extremamente modesto, que omite
que se insista, os conhecimentos e informa- das novas gerações seu direito de acesso pleno
ções não se transmitem sozinhos, isolados de à cultura; por outro, uma mediação (adminis-
outros elementos da cultura. Isto porque, para tração) inadequada à obtenção mesmo desse
querer aprender, a criança ou o jovem deve modesto objetivo. E isso não é recente, pois a
pronunciar-se como sujeito, deve envolver sua maneira de administrar a escola é praticamente
personalidade plena, colocando em jogo os centenária no Brasil. Ocorre que, antes, quando
demais elementos culturais componentes dessa a escola pública só atendia a uma pequena elite,
personalidade (valores, crenças, emoções, visões sua incompetência era escamoteada, a partir da
de mundo, domínio da vontade etc.). “seleção” que a escola fazia de sua “clientela”,
Por mais que essa característica da au- acolhendo em seus bancos escolares apenas os
têntica ação pedagógica tenha sido provada filhos das famílias mais privilegiadas economi-
e comprovada cientificamente no decorrer de camente. Essas crianças e jovens já possuíam,
várias décadas, e por mais que sua consideração em seu meio familiar e social, acesso mais
seja determinante para a configuração de um amplo à cultura elaborada historicamente e já
processo ensino-aprendizado eficaz, verifica-se iam à escola “querendo aprender” e portavam
que ela ainda não produziu influência relevante em sua formação extraescola elementos cultu-
sobre a organização da escola e sobre a com- rais que as ajudavam a aprender mesmo numa
posição de currículos e programas entre nós. escola ocupada apenas em “passar” conheci-
Os sistemas de ensino estruturam suas unidades mentos. Aqueles que, porventura, não exibiam
escolares como agências de comunicação de esses predicados eram barrados pela reprovação,
conhecimentos, ignorando quaisquer medidas forma encontrada para pôr nos alunos a culpa
que se orientem para fazer da escola um centro pelo fracasso da escola.
educativo com o fim de formar personalidades Todavia, a escola pública fundamental de
humano-históricas e em que, por isso, quer nos hoje, que, por dever constitucional, precisa re-
métodos, quer nos conteúdos, a cultura seja ceber as crianças e jovens de todas as camadas
contemplada em sua plenitude. sociais, não pode se esconder atrás do sucesso
Na situação de ensino, em sala de aula, de poucos; por isso, o seu fracasso aparece. A
predomina o professor “explicador”, que, só tendência generalizada, diante desse fracasso,
mesmo nessa função minguada, pode ser subs- tanto na academia quanto nas instâncias do
tituído por computadores ou por meios de Estado e da sociedade em geral, é lançar sua
comunicação a distância. Na composição de responsabilidade sobre os meios e sua utiliza-
currículos e programas, o ideal tem sido a pro- ção. Busca-se, então, a causa do mau ensino,
dução de respondedores de testes, para passar ora na escassez ou mau emprego dos recursos
no vestibular ou para responder às “avaliações” (condições inadequadas de trabalho, baixos
externas em que só os conhecimentos são con- salários, falta de material didático etc.), ora na
templados. Mas, como o conhecimento não é má qualidade do corpo docente (formação de-
passível de ser assimilado isoladamente, disso- ficiente, falta de compromisso profissional etc.),
ciado de outros elementos culturais, ao tentar ora em causas ligadas aos próprios usuários da
passar só conhecimentos, nem isso a escola escola (desinteresse do aluno, violência, falta
passa, consubstanciando seu fracasso, que é o de empenho dos pais em estimular seus filhos
fracasso do padrão de administração utilizado. a aprender etc.).

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.3, p. 763-778, set./dez. 2010 773
Em verdade, todos esses fatores estão de uns sobre outros. Por isso se destaca sem-
presentes de alguma forma na realidade escolar pre a figura do diretor, do chefe, daquele que
brasileira; mas o problema central é que a escola enfeixa em suas mãos os instrumentos para
tem-se estruturado a partir de um equívoco em “mandar” em nome de quem detém o poder.
seu objetivo e na forma de buscá-lo porque adota Nas empresas em que os objetivos a serem
uma visão estreita de educação. Essa concepção perseguidos não são aqueles que atendem aos
impede que se perceba a especificidade do traba- interesses dos produtores (como é o caso da
lho escolar e a necessidade de uma administração empresa capitalista, em que os objetivos a se
que corresponda a essa especificidade. realizar são os dos proprietários dos meios de
Ao se ignorar a especificidade do tra- produção, sintetizados no lucro), é cômodo
balho pedagógico, toma-se o trabalho esco- destacar diretor ou diretores que comandam em
lar como outro qualquer, adotando medidas nome dos proprietários. Os objetivos a serem
análogas às que têm sido tomadas em outras perseguidos são os do proprietário, não os dos
unidades produtivas. Como as demais unidades produtores. Então, as ações do diretor, para se-
produtivas, no sistema capitalista, se pautam, rem coerentes com os objetivos perseguidos, não
em geral, pelo modo de produção e de admi- precisam estar de acordo com os interesses dos
nistração capitalista, esse equívoco leva a admi- comandados, desde que sejam do interesse do
nistração da escola a se orientar pelos mesmos proprietário. Neste caso, o conceito de autori-
princípios e métodos adotados pela empresa dade restringe-se à obediência dos comandados,
capitalista, que tem objetivos antagônicos ao independentemente de suas vontades.
da educação. Já do ponto de vista democrático, a au-
A intenção de aplicar na escola os prin- toridade tem outra significação. Embora se
cípios de produção que funcionam nas empresas trate de uma relação de poder – visto que há
em geral não é recente, mas tem-se exacerbado a determinação de comportamento de uma das
ultimamente, configurando um crescente as- partes pela outra —, a autoridade democrática
salto da lógica da produtividade empresarial supõe a “concordância livre e consciente das
capitalista sobre as políticas educacionais e, em partes envolvidas” (Paro, 2010b, p. 40). Segundo
especial, sobre a gestão escolar. Assim, apesar essa acepção,
de importantes medidas ad hoc, levadas a efeito
nas últimas décadas com o intuito de democra- [...] a autoridade é um tipo especial de poder
tizar a escola e sua direção (eleição de diretores, estabilizado denominado “poder legítimo”, ou
conselhos de escola etc.), a escola básica, em seja, aquele em que a adesão dos subordina-
sua estrutura global, continua organizada para dos se faz como resultado de uma avaliação
formas ultrapassadas de ensino e procura se positiva das ordens e diretrizes a serem obe-
“modernizar” administrativamente pautando-se decidas. Apenas nessa [...] acepção pode-se
no mundo dos negócios, com medidas como a dizer que a autoridade se insere numa forma
“qualidade total” ou como a formação de ges- democrática de exercício do poder, na medida
tores – capitaneada por pessoas e instituições em que a obediência ocorre sem prejuízo da
afinadas com os interesses da empresa capita- condição de sujeito daquele ou daqueles que
lista e por ideias e soluções transplantadas acri- obedecem. (p. 39)
ticamente da lógica e da realidade do mercado.
Essa mesma lógica tem predominado na Toda negação dessa condição democrá-
concepção e no provimento do ofício de diretor tica de autoridade deve ser interpretada como
escolar. No imaginário de uma sociedade onde autoritarismo, que é o modelo predominante
domina o mando e a submissão, a questão da na prática de nossas escolas. Nestas, o tipo de
direção é entendida como o exercício do poder autoridade que costuma prevalecer é uma em

774 Vitor PARO. A educação, a política e a administração: reflexões sobre aprática do diretor de escola.
que, quer na coordenação do esforço humano inferior. E o diferente assume inúmeras con-
coletivo exercida pelo diretor, quer no processo dições: da mulher diante do homem, do negro
de produção pedagógico, se supõe a obediência diante do branco, do homossexual diante do
às ordens resultantes de um poder externo, cujas heterossexual, do empregado diante do patrão
normas de procedimento foram estabelecidas (ou preposto do patrão), do pobre diante do
sem a participação ou a concordância dos que rico, do deficiente físico diante do “normal”,
devem obedecer. do imigrante diante do nativo, do analfabeto
Mas, como vimos, a educação formadora (ou desescolarizado) diante do erudito, do rural
de personalidades humano-históricas requer diante do urbano, e assim por diante.
uma relação democrática, aquela em que tem A sociedade vem superando, historica-
vigência a autoridade democrática. Por isso é mente, muitos dos preconceitos e vencendo
tão difícil educar em sociedades (como a capi- muito do autoritarismo envolvido nessas re-
talista) que não tenham como seu pressuposto lações. Deixando de considerar aqueles países
básico a democracia em seu caráter radical. É onde ainda vigem regimes autoritários, boa
que o método educativo por excelência é con- parte deles amparados no poder religioso, parece
traditório a essas sociedades. Se a educação se que no chamado mundo ocidental, de modo
realiza de fato, realiza-se em alguma medida a geral, e no Brasil, em especial, foi bastante
democracia, ou seja, a constituição de sujeitos. considerável o efetivo avanço em termos de
Talvez por isso, a escola tradicional direitos que tivemos a esse respeito nas últimas
resista tanto aos métodos pedagógicos mais décadas, embora ainda haja muito a ser cami-
avançados, com base científica, e encontre nhado. Na escola, cruzam-se algumas dessas
tanta dificuldade em aplicá-los. Conforme foi dicotomizações autoritárias. Mas existe uma
sugerido, as descobertas das ciências (especial- dominante, da qual a sociedade parece tomar
mente a psicologia e a psicologia da educação) ainda menos conhecimento do que as outras:
têm permitido compreender cada vez melhor trata-se da relação da criança diante do adulto,
no decorrer da história o modo como a crian- que assume, na maioria dos casos, a do aluno
ça pensa e aprende, e perceber cada vez mais diante do professor: de “quem não sabe” diante
nitidamente como seu processo de desenvolvi- de “quem sabe”.
mento biopsíquico depende de sua condição de
sujeito, de autor. Os métodos daí decorrentes, Direção escolar democrática
desde a Escola Nova (e mesmo antes), exigem
relações de colaboração entre quem ensina e Todas essas considerações chamam a aten-
quem aprende. Mas esses métodos conflitam ção para a maneira como é concebida a direção
com a forma cotidiana de ser de uma sociedade da unidade escolar. Se, como vimos, a direção está
calcada no mando e na submissão. Por isso os imbuída de uma política e de uma filosofia de
professores e educadores escolares, de modo educação, sintetizam-se nela, e, por decorrência,
geral, acostumados a agir numa relação de na função do dirigente escolar, os próprios objeti-
verticalidade (em que alguém dá e alguém re- vos que cumpre à escola alcançar. Fica evidente,
cebe passivamente), sentem dificuldade com os portanto, a relevância de se refletir a respeito
métodos não impositivos. Quando não é apenas da prática do diretor da escola de ensino fun-
isso, é a própria escola que é estruturada para damental. Por isso, devem estar em pauta duas
esse modo impositivo de agir. dimensões que se interpenetram mutuamente:
É preciso estar atento a essa conduta que de um lado, a explicitação e a crítica do atual
usualmente compõe a personalidade das pessoas papel do diretor, e de como a direção escolar
formadas sob uma sociedade autoritária, e que é exercida; de outro, a reflexão a respeito de
consiste em tratar o outro, o diferente, como formas alternativas de direção escolar que levem

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.3, p. 763-778, set./dez. 2010 775
em conta a especificidade político-pedagógica respeito de formas alternativas de direção esco-
da escola e os interesses de seus usuários. lar, a qual, ao levar em conta a especificidade
Essas dimensões se fundamentam em da escola, não pode deixar de contemplar os
razões técnicas e políticas, embora seja muito interesses de seus usuários.
difícil distinguir umas das outras – porque as No que concerne à figura do diretor, tra-
razões técnicas estão impregnadas de conota- ta-se de se questionar a atual situação em que
ções políticas, e as razões políticas não podem este se acaba constituindo mero preposto do
ser dissociadas de suas implicações técnicas. Estado na escola, cuidando para o cumprimento
Assim, é por motivos políticos (convivência da lei e da ordem ou da vontade do governo no
entre sujeitos com interesses diversos) que de- poder (ver Paro, 2010a, 2000a, 2001a, 2008b).
sejamos um diretor cuja ação esteja articulada Pela peculiaridade democrática e pública
ao bom desenvolvimento de um ensino fun- de sua função, o dirigente escolar precisa ser
damental comprometido com a construção de democrático no sentido pleno desse conceito, ou
personalidades humano-históricas, e que seja seja, sua legitimidade advém precipuamente da
a base da formação do cidadão; mas são as vontade livre e do consentimento daqueles que
razões técnico-administrativas (adequação entre se submetem à sua direção. Nesse sentido, há que
meios e fins) que nos convencem da necessidade se pensar em formas de escolhas democráticas
do caráter dialógico-democrático (convivência que superem o anacrônico processo burocrático
entre sujeitos que se afirmam como tais) das de provimento por concurso, bem como a clien-
relações que se dão no processo pedagógico, telística nomeação político-partidária, as quais
o qual determina e é determinado pela ação costumam, ambas, impingir aos trabalhadores
do diretor. e usuários da escola uma figura estranha à sua
A explicitação e a crítica das atuais fun- unidade escolar e a seus interesses mais legítimos.
ções do diretor devem ter presente a contradição A esse respeito, já existem vários estudos
que consiste em se ter um diretor cuja formação, e pesquisas que demonstram a importância da
atribuições e atuação prática foram concebidas participação do pessoal da escola, alunos e pais
para um papel de simples gerente, sem nenhu- na escolha democrática do diretor. Um diretor
ma explicitação nem reflexão a respeito de cuja lotação e permanência no cargo dependa
sua característica de agente político, diante do não apenas do Estado, mas precipuamente da
ofício de administrar uma instituição cujo fim vontade de seus liderados, tenderá com muito
é prover educação, a qual é por excelência uma maior probabilidade a se comprometer com os
ação democrática. Em termos críticos, essa ins- interesses destes e a ganhar maior legitimidade
tituição exige, para realização de seu objetivo, nas reivindicações junto ao Estado, porque esta-
uma mediação administrativa sui generis, tanto rá representando a vontade dos que o legitimam
em termos de racionalização do trabalho quanto e não exercendo o papel de mero “funcionário
de coordenação do esforço humano coletivo. burocrático” ou de apadrinhado político.
Como vimos, o processo de trabalho pe- Finalmente, no que concerne a novas
dagógico, por ser uma relação entre sujeitos que alternativas de direção, é preciso contemplar
se afirmam como tais, é uma relação necessaria- maneiras de conceber a direção escolar que
mente democrática e assim deve ser tratada em transcendam a forma usual de concentrá-la nas
sua concepção e execução. Em igual medida, a mãos de apenas um indivíduo, que se constitui
coordenação do esforço humano coletivo não o chefe geral de todos. Não que a hierarquia seja
admite formas que não sejam de afirmação da nociva em si, pois aquele que se coloca no es-
subjetividade dos envolvidos, portanto, também calão hierárquico superior pode muito bem estar
democráticas. Isso toca na outra dimensão de investido de um tipo de autoridade democrática
particular importância, que é a da reflexão a a que me referi anteriormente, aquela que supõe

776 Vitor PARO. A educação, a política e a administração: reflexões sobre aprática do diretor de escola.
a concordância livre e consciente daqueles que que viabiliza a educação, parece justo e razo-
obedecem as ordens, que têm sua subjetividade ável que a eles caiba um papel determinante
preservada e mesmo afirmada na relação. na coordenação do trabalho na escola. Por
Ocorre que, por motivos técnicos e polí- isso, parece procedente, quando se questiona
ticos, como sugerido em alguns estudos (Paro, a atual estrutura da escola, indagar se não se-
1995, 2001b, 2008a) e confirmado pela aplica- ria proveitoso, sem prejuízo do atual conselho
ção na prática, como o caso do sistema mu- de escola, propor um conselho diretivo com-
nicipal de ensino de Aracaju (Aracaju, 2006), posto por educadores escolares, que seriam,
parece vantajoso a direção ser exercida por um não chefes, mas coordenadores das atividades
colegiado diretivo, formado por três ou quatro da escola. (Paro, 2008a, p. 25)
coordenadores, que dividem entre si os encar-
gos da direção, sem que nenhum seja o chefe Em síntese, diante da atual configura-
absoluto do colegiado ou da unidade de ensino. ção administrativa e didática da escola básica,
Tal sistema tem, por um lado, a van- que se mantém presa a paradigmas arcaicos
tagem política de manter a direção da escola tanto em termos técnico-científicos quanto em
menos sujeita a represálias dos escalões supe- termos sociais e políticos, é preciso propor e
riores quando há conflito de interesses entre a levar avante uma verdadeira reformulação do
escola e as determinações do Estado, e em que atual padrão de escola, que esteja de acordo
a direção apresenta suas reivindicações. É mais com uma concepção de mundo e de educação
fácil pressionar um indivíduo (o diretor) com comprometida com a democracia e a formação
processos e outros instrumentos burocráticos do integral do ser humano-histórico – e que se
que atingir uma instituição coletiva, formada fundamente nos avanços da pedagogia e das
por coordenadores que representam a vontade ciências e disciplinas que lhe dão subsídios.
dos integrantes da escola que os elegeram e os Assim sendo, qualquer que seja o caminho
apoiam. Por outro lado, o sistema tem também que venham a tomar as políticas públicas dirigidas
uma razão de ordem mais nitidamente técnica, à superação da atual escola básica, há que se ter
porque está mais de acordo com o próprio tipo como horizonte uma administração e uma direção
de trabalho que é realizado na escola. escolar que levem em conta a educação em sua
radicalidade, contemplando sua especificidade
Se os educadores escolares são, por caracterís- como processo pedagógico e sua dimensão de-
tica do próprio ofício, promotores do diálogo mocrática como práxis social e política.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.3, p. 763-778, set./dez. 2010 777
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Recebido em 27.10.09
Aprovado em 08.06.10

Vitor Henrique Paro foi professor titular na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisador sênior na Fundação
Carlos Chagas. É professor titular (aposentado) na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, onde coordena o
Grupo de Estudos e Pesquisa em Administração Escolar (Gepae).

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