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ANGELA MARIA LA SALA BATÀ

O ESPAÇO INTERIOR
DO HOMEM
Iniciação à Meditação

Tradução
PIER LUIGI CABRA

EDITORA PENSAMENTO
SÃO PAULO
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Título do Original:
Lo spazio interiore dell'uomo
(Avviamento alla meditazione)

SUMÁRIO
Introdução 4
Capítulo I - O homem pluridimensional 7
Capítulo II - O espaço interior do homem 11
Capítulo III - Os caminhos da expansão da consciência 15
Capítulo IV - A pura consciência e o mundo do ser 20
Capítulo V - A meditação, técnica fundamental para o 24
desenvolvimento da consciência
Capítulo VI - Meditação psicológica 29
Capítulo VII - Resultados da meditação psicológica 33
Capítulo VIII - A meditação espiritual (1ª Parte) 37
Capítulo IX - A meditação espiritual (2ª Parte) 41
Capítulo X - Resultados da meditação espiritual 45
Capítulo XI - Inconvenientes e perigos que derivam da 49
meditação
Capítulo XII - A meditação criativa como meio de utilizar 54
as energias
Capítulo XIII - Equilíbrio entre vida interior e vida 58
exterior
Capítulo XIV - O segundo nascimento 62
Capítulo XV - A expansão da consciência 66
Bibliografia 70

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INTRODUÇÃO

Todo e qualquer trabalho de meditação é, na realidade, uma experiência individual;


acredito, portanto, que não seja, possível estabelecer regras gerais para um argumento tão
sutil e específico. Todavia, comunicar aos outros as próprias experiências serve sempre
como estímulo, confronto e esclarecimento. Tendo isso em mente, resolvi escrever este
livro, fruto de experiências e reflexões sobre a meditação, tanto individuais como de grupo,
depois de muitos e muitos anos de prática interior.
O que mais me impressionou no decorrer de todos estes anos de trabalho foi a
contínua repetição de dificuldades e problemas semelhantes em quase todos aqueles que
estavam começando, pela primeira vez, a prática da meditação; isso, apesar de um desejo
sincero e de uma profunda seriedade em alcançar o objetivo.
Cheguei à conclusão de que essas dificuldades eram inevitáveis para nós ocidentais e
eram devidas, fundamentalmente, ao nosso temperamento racional e extrovertido.
Portanto, elas tinham de ser enfrentadas e resolvidas levando-se em consideração este
detalhe.
A meditação é, na realidade, uma prática muito mais comum no Oriente do que no
Ocidente, onde, até alguns anos atrás, era considerada um exercício espiritual reservado
somente àqueles que se haviam dedicado à vida religiosa.
Ao contrário, atualmente, o interesse em relação à meditação espalhou-se também
pelo Ocidente e, apesar de uma certa confusão devida às inúmeras técnicas e
ensinamentos, mais ou menos válidos, existentes, é um sinal positivo de um novo despertar
da consciência, de uma necessidade interior de reencontrar o mundo do Ser, e de sair do
estado de crise e alienação em que parece ter caído a humanidade.
O Oriente está se aproximando do Ocidente.
A mentalidade racional, positiva, científica do Ocidente abre-se à modalidade intuitiva,
mística, introvertida do Oriente, por uma instintiva necessidade de integração e de
complemento.
Oriente e Ocidente representam de forma simbólica uma polaridade que poderia ser
expressa com as seguintes palavras de Jung: "O Oriente está para o Ocidente, como o
inconsciente está para o consciente."
Não se pode negar que nós ocidentais somos completamente diferentes dos orientais;
e as razões são facilmente perceptíveis. Basta pensar no patrimônio cultural, social e
religioso cujas manifestações e origens são completamente diversas. Essa diversidade,
porém, reside sobretudo em nosso temperamento que, como acabei de mencionar, tende à
racionalidade, à extroversão, ao ativismo, enquanto os orientais têm um temperamento
cujas características são a introversão, a intuição, a receptividade, a reflexão meditativa...
Nossa diversidade, todavia, não deve ser considerada como uma inferioridade, e sim
como a expressão de uma modalidade psicológica diferente, com características,
qualidades e tendências que se baseiam no polo consciente da psique, na racionalidade e
no aspecto positivo-ativo da dualidade humana.
O Ocidente representa simbolicamente, por esta razão, um dos dois polos da
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humanidade, com uma função oposta mas complementar e equilibradora frente ao
Oriente, que representa o outro polo, isto é, o inconsciente, entendido em senso lato.
Mesmo no indivíduo analisado independentemente do contexto em que vive, existe
esta polaridade entre consciente e inconsciente, entre modalidade positiva e modalidade
receptiva, polaridade que deveria ter uma função equilibradora e conduzir gradativamente
à totalidade entre Ser e Vir a ser. O que acontece na realidade, porém, é que geralmente há
a predominância de um ou de outro polo, e o equilíbrio entre os dois não pode ser
alcançado a não ser após graduais e sucessivas integrações, após amadurecimentos e
tomadas de consciência, que muitas vezes custam um trabalho árduo e muito sofrimento.
A hipertrofia do polo consciente é uma característica do Ocidente, enquanto a
predominância do inconsciente é uma característica do Oriente.
Esta exigência de meditação que, cada vez mais, se está difundindo no Ocidente,
poderia, portanto, ser o sintoma que revela uma tendência espontânea a integrar-se com
dimensões de consciência mais profundas e a abrir-se ao outro polo da natureza humana,
que não somente "subconsciente", mas também "Superconsciente" e, por isso mesmo,
representa a parte espiritual, autêntica do homem, o Ser, ainda latente.
De fato, as dificuldades que nós, ocidentais, normalmente encontramos no início desta
prática meditativa são semelhantes às que se apresentam quando procuramos nos
interiorizar e conhecer a nós mesmos profundamente, entrar em contato com o nosso eu
mais profundo. Apesar dessas dificuldades, a exigência de meditação permanece, a
aspiração a reencontrar a si mesmos e ao mundo do Ser não diminui pois, como diriam os
orientais, o Si pressiona para manifestar-se, o outro polo de nossa natureza exige ser
conhecido e o homem, se realmente tiver alcançado o momento evolutivo mais adequado,
não encontrará paz e tranquilidade enquanto não conseguir responder a esse apelo
silencioso, mas potente.
A meu ver, aproximar-se da meditação pressupõe ter alcançado um determinado grau
de maturidade, uma autêntica exigência de conhecer a si mesmo, de realizar-se, de ir ao
encontro do Divino. Muitas vezes a decisão de empreender um trabalho de meditação é
precedida por um período de insatisfação e de crise, que nos leva a procurar, cada vez mais
frequentemente, momentos de silêncio, de recolhimento, de solidão. Este é o primeiro
sinal de uma espécie de "meditação espontânea", que revela a existência de uma resposta
natural e um chamamento interior que provém do Si Superconsciente.
No decorrer deste livro, veremos como é possível colaborar com este chamamento do
Si, vencer as dificuldades iniciais e treinar-nos para a verdadeira meditação, que não é uma
técnica exterior, uma fórmula, um método que, com alguns detalhes empíricos, nos induz a
um estado de auto-hipnose e de relaxamento semiadormecido, e sim uma manifestação da
consecução de um nível de consciência, uma abertura da mente e do coração na direção do
Divino, uma gradativa fusão com o mundo do Ser, depois de ter vencido os obstáculos
criados por antigos automatismos, por falsas identificações e pela tendência inata à
extroversão.
Ao escrever este livro, meu desejo era exatamente contribuir de alguma maneira para
esse "crescimento"; ele foi escrito visando àqueles que começam a sentir a exigência de se
abrirem, com a meditação, para as dimensões mais altas da consciência e que, mesmo
estando prontos para tal, ainda encontram grandes dificuldades.
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Por essa razão, pareceu-me oportuno introduzir, antes da análise específica sobre a
meditação, alguns capítulos nos quais chamei a atenção para o "espaço interior" do
homem, para os níveis de consciência mais profundos, e para o mundo da "pura
consciência" e do Ser, que muito frequentemente permanecem ocultos e ignorados dentro
de nós.
Além disso, dividi o trabalho de meditação em duas fases que chamei de
meditação psicológica e
meditação espiritual.

A primeira fase pode ser chamada de "psicológica" porque, na realidade, é uma


preparação para a meditação específica; ela tem a finalidade de nos ajudar a superar as
dificuldades eventuais que nosso temperamento e nossa identificação com o polo exterior
(isto é, por exemplo, incapacidade de concentração mental, dificuldade para relaxar,
apegos afetivos, condicionamentos etc.) venham porventura a enfrentar.
Essa fase termina espontaneamente quando, com a ajuda da meditação, conseguimos
reencontrar em nós mesmos um "centro de pura autoconsciência" que, gradativamente,
nos ajuda a superar os obstáculos e a instaurar um novo ritmo.
Começa, então, a segunda fase, a da meditação "espiritual", caracterizada por uma
união gradual com o Si, e que produz efeitos bem-definidos sobre os veículos da
personalidade, purificando-os e transformando-os, e sobre a consciência do indivíduo, que
se torna cada vez mais completo, harmônico e consciente de sua realidade espiritual.
Como afirmei no começo, o que escrevi é fruto de experiências de anos de trabalho
interior. Essas experiências podem ser subjetivas e incompletas, e não têm, portanto, a
presunção de querer ser "ensinamentos", mas sim tão-somente a expressão de um desejo
de compartilhar com outros aquilo que pude experimentar e perceber.

Angela Maria La Sala Batà


Roma, outubro de 1983

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Capítulo I

O HOMEM PLURIDIMENSIONAL

"Acabou a aventura exterior! A aventura está em nosso íntimo. A


liberdade está em nós. O espaço está em nós!" (Satprem.)

O homem é misteriosa e admiravelmente a unidade de medida da criação. Ele é o


microcosmo que reflete em si o macrocosmo e, portanto, é o campo de experiência e de
conhecimento que está à nossa disposição para compreender o mistério da vida e chegar à
descoberta da realidade.
Jung afirma: "...0 cosmo e o homem obedecem, em última análise, a leis comuns. O
homem é um cosmo em miniatura e não é separado do grande cosmo por nenhum limite
determinado. As mesmas leis regulam a ambos, e entre um e outro há um caminho a
interligá-los. A psique e o cosmo estão em relação um com o outro, da mesma forma que o
mundo interior o está com o mundo exterior."
Por isso, a chave para compreender e resolver o enigma da existência é o
conhecimento de si mesmo, entendido como gradual tomada de consciência de todos os
aspectos, de todas as energias e faculdades que constituem o homem, até chegar à
realização de sua verdadeira essência: o Si.
Há todo um mundo dentro de nós, um "espaço" que devemos explorar e conquistar,
antes de descobrirmos nossa verdadeira origem e o significado profundo e misterioso do
fato de sermos homens.
Diz-se que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Por isso, nele está o
segredo da vida e nele se encontra o caminho principal que nos levará de volta ao Absoluto.
Então, se volvermos nossa atenção para o mundo interior, e aprendermos a nos
interiorizar, nos tornaremos sensíveis às realidades subjetivas, que tão frequentemente
esquecemos ou mesmo ignoramos, voltados como estamos para o ativismo, a vida exterior,
a experiência sensorial, o conhecimento objetivo...
O homem tem dentro de si todas as gradações de realidade, desde o nível espiritual
mais alto, até à matéria mais densa, e vive, portanto, em várias dimensões. O que vemos, o
corpo físico, é somente o invólucro mais externo, mais denso, que vive na dimensão
material, a mais ilusória na totalidade pluridimensional humana. Ele é o resultado último
daquele ser que chamamos "homem", considerado, de acordo com as teorias esotéricas,
uma centelha divina, um núcleo da Consciência Universal que, encarnando-se e revestindo-
se de matéria física, acaba, "manifestando-se". Ele tem, portanto, origem divina e
simbolicamente é como uma árvore com as raízes no Céu, segundo as poéticas palavras do
Upanishad:
"A árvore eterna tem suas raízes no Céu e estende para baixo seus ramos."
Todavia, o homem, por não ter consciência desta sua natureza divina, como que
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vivendo na periferia de si mesmo, identificado com seu invólucro material e condicionado
pelos sentidos físicos, deve percorrer para trás um longo caminho a fim de reencontrar a si
mesmo atravessando diferentes níveis e dimensões, que constituem uma gradação de
realidades subjetivas.
Este percurso feito "para trás" e que se inicia com uma gradativa interiorização leva na
direção da prática da meditação, o meio mais adequado e eficaz para entrar em contato
com os mundos interiores e para desenvolver a consciência dos níveis subjetivos de
realidade que ligam o homem exterior ao Divino.
É contudo necessário que nos preparemos para esta prática com extremo cuidado.
Antes de mais nada, é preciso convencermo-nos, possivelmente experimentando-as, da
existência de diferentes dimensões da realidade nas quais vivemos sem saber. Nesse
sentido, a psicologia poderá nos ajudar; ela também se está voltando para um conceito
pluridimensional do homem. A psicologia humanística (ou da terceira força), que se afirmou
gradativamente em todo o mundo nestes últimos decênios, orientou-se claramente nesta
direção, pois considera o homem de forma mais completa e total em relação à psicanálise
freudiana.
Victor Frankl, por exemplo, fala de três dimensões humanas, a biológica, a psicológica
e a "noética" (de nous = espírito).
Abraham Maslow fala de uma "psicologia do ser", isto é, de uma psicologia que estuda
também aquele núcleo autêntico do homem, que constitui seu eu real, sua verdadeira
identidade.
Roberto Assagioli, fundador da psicossíntese, afirma a existência no homem de um
nível "transpessoal", isto é, de uma dimensão interior que transcende os limites do
egoísmo, da materialidade, da experiência sensorial, dos condicionamentos biológicos e
psicológicos, em que o homem revela sua realidade e sua verdadeira natureza.
Portanto, atualmente, não existe mais aquele receio de se falar em "espírito" e em
"alma" no que diz respeito ao homem, e nos aproximamos cada vez mais da descoberta de
verdades que há pouco tempo atrás eram admitidas somente pelo esoterismo.
Atualmente não se fala mais somente a respeito de "subconsciente", mas também de
"superconsciente", como referência a uma dimensão interior do homem mais elevada, livre
e espiritual, mas ainda inconsciente que, todavia, é a mais autêntica e verdadeiramente
"humana". Admite-se, então, que no homem existe um nível biológico, um nível psicológico
e um nível espiritual, mesmo que inconsciente.
Traçando uma analogia com o que afirma o esoterismo, o nível biológico do homem
corresponde ao corpo físico-etérico; o nível psicológico ao corpo emotivo e ao corpo
mental concreto; e o nível espiritual (noético, segundo Victor Frankl), ao Si, considerado o
Verdadeiro Homem.
Quem está encerrado no materialismo mais limitado e vive inconsciente de si mesmo
poderá julgar essa concepção pluridimensional do homem como sendo algo incrível, pois
trata-se de alguém que está condicionado pelos sentidos físicos e pela mente concreta, que
se baseia no raciocínio lógico, e é incapaz de ir além dos conceitos racionais.
Na realidade, os sentidos físicos e a mente nos fornecem uma interpretação não só
limitada, mas também ilusória do mundo objetivo.
De fato, não percebemos a natureza atômica da matéria e dela obtemos uma
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impressão de solidez, estaticidade e densidade, completamente errada.
"...0 corpo deve ser concebido como vazio, ou melhor, como um sistema solar em
miniatura, com elétrons que giram num espaço relativamente enorme. Dentro em breve,
nossos corpos serão sistemas de energia em equilíbrio." (Arthur Osborne: II senso
dell'esistenza personale. )
Com isso em mente, devemos convencer-nos de que temos uma visão parcial e
alterada de nós mesmos, inclusive num nível puramente material. Não é de surpreender,
portanto, se não percebemos as demais dimensões que constituem nossa natureza
complexa e que se compõem de energias mais sutis e refinadas do que a física.
Conforme mencionamos anteriormente, o homem, de acordo com o esoterismo,
compõe-se do corpo físico-etérico (contrapartida energética do físico), do corpo emotivo ou
astral, do corpo mental e do Si (ou Verdadeiro Homem).
Descreveremos a seguir, em poucas linhas, cada um desses elementos.
O corpo físico-etérico tem uma estrutura dual, isto é, dispõe de uma parte densa e
visível e de uma parte invisível, composta de uma energia mais sutil do que a física,
chamada "etérica". Esta contrapartida energética do corpo físico denso é a mais importante
entre as duas, pois representa a nascente de vitalidade, de força e de saúde do homem,
enquanto o corpo físico denso é apenas um autômato. Não podemos perceber o corpo
etérico, pois ainda não temos desenvolvida a sensibilidade em relação às formas sutis e
estamos identificados com a forma densa exterior. Por outro lado, nestes últimos decênios
a própria ciência está se aproximando da descoberta desse "duplo" do corpo físico,
composto de energia etérica, como decorrência de pesquisas e experiências de diferentes
tipos, entre as quais, fotografias feitas com uma máquina fotográfica especial (a câmara de
Kirlian), que revelaram a presença de um halo de luz colorida em volta de corpos, objetos,
plantas etc. Essas irradiações foram denominadas "corpo bioplasmático" e, com toda a
probabilidade, constituem a demonstração da existência do corpo etérico mencionado nas
doutrinas esotéricas.
O corpo emotivo e o mental apresentam-se, em seu conjunto, nas pessoas de
evolução mediana, como sendo parte integrante de um único corpo, pois estão misturados
e são interdependentes. EIes constituem o nível psicológico, ou "psique", que a psicologia
menciona continuamente, correspondente ao sânscrito "kama-manas" (desejo-mente) .
Temos consciência somente parcial desses dois corpos e, ainda assim, somente do
ponto de vista psicológico, sob a forma de desejos, emoções, sentimentos (no que diz
respeito ao corpo emotivo), e sob a forma de pensamentos, conceitos, raciocínios, ideias
(no que se relaciona com o corpo mental).
Todavia, não percebemos o que vem a ser a vida e a atividade desses dois corpos, que
se exprimem em níveis de consciência interiores, completamente inconscientes para nós.
Somente no sonho podemos ter contatos e experiências a respeito dessas outras
dimensões, e somente na consciência de vigília trazemos lembranças fragmentárias e
confusas a respeito delas. De fato, no decorrer do sono, nos refugiamos em nosso corpo
emotivo (ou astral) e, às vezes, mesmo no corpo mental concreto, desenvolvendo uma
verdadeira vida nesse nível.
A consciência dos níveis astral e mental pode ser desenvolvida através de técnicas
adequadas e pela purificação do corpo físico, pois o obstáculo principal para a percepção
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desses níveis é a impureza e o peso da matéria que compõe o cérebro físico, o "ponto de
apoio" da consciência.
No que respeita à dimensão "espiritual", ou "Superconsciente", torna-se ainda mais
difícil a percepção consciente, pois durante longo tempo ela permanece latente e
"inconsciente"; isso se deve ao fato de que o homem se identificou com a parte mais
externa de si mesmo, o corpo físico, ou então com a parte psicológica.
A consciência do Si deve "despertar" lentamente, isto é, tomar consciência de si
mesma, lutando contra as identificações, os condicionamentos, os falsos "eus", que o
homem construiu à sua volta sem o saber.
O trabalho que devemos levar adiante, então, para conhecer a nós mesmos em nossa
totalidade pluridimensional, é uma gradativa interiorização e sensibilização em relação aos
níveis mais sutis de nosso ser, desenvolvendo uma capacidade de percepção diferente da
que conhecemos e que costumamos utilizar; essa capacidade é a "consciência".
Por isso, o caminho da auto-realização é, na realidade, um caminho de
desenvolvimento, do despertar da consciência.
A meditação, conforme veremos nos próximos capítulos, é um dos meios mais idôneos
para desenvolver a consciência e a sensibilidade necessárias para descobrir nossas
dimensões interiores e, assim, despertarmos finalmente para a realidade de nós mesmos.
Esta consciência desenvolve-se sobretudo com a meditação, mas é estimulada
inclusive pelas experiências que vivemos no mundo objetivo, caso saibamos ver seu
significado profundo e transformá-las em sabedoria.
Poderíamos dizer que a meditação e a experiência são os dois polos de um mesmo
caminho de desenvolvimento, e deveriam alternar-se ritmicamente em nossa vida, como
uma respiração simbólica, um movimento de nossas energias de fora para dentro, e de
dentro para fora. Desta maneira, poderemos alcançar um perfeito equilíbrio e a realização
de que, também neste aspecto, somos o reflexo e a imagem do Uno, pois, como dizem os
orientais, o universo manifesto é governado pela "grande respiração de Brahma", isto é,
pela cíclica alternância de "manvantara" (ciclo de manifestação) e "pralaya" (ciclo de
repouso e retiro).
Mesmo no microcosmo, representado pelo homem, repete-se esta respiração rítmica
em todos os níveis.
No nível físico com a respiração, no nível psicológico com a alternância de extroversão
e introversão, no nível existencial com a sucessão da vida e da morte, e no nível espiritual
com o equilíbrio entre experiência exterior e meditação.
Vamos nos preparar para um trabalho a ser feito sobre nós mesmos, visando a
aumentar o campo de nossa consciência e a incluir em nosso conhecimento e em nossa
experiência subjetiva todos os níveis e dimensões de nosso ser, transformando-nos, assim,
em homens completos e realizados.

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Capítulo II

O ESPAÇO INTERIOR DO HOMEM

"Assim como existem universos fora do nosso, há universos dentro


do nosso. Assim como há céus fora do nosso, há céus dentro do nosso.
Assim como há sóis além do nosso, também há sóis dentro do nosso...”
(Mead: "Assim no alto, como embaixo.")

Dissemos no capítulo anterior que o processo de autorealização do homem é, na


realidade, um gradativo desenvolvimento da consciência, pois, conforme afirma Sri
Aurobindo, a evolução outra coisa não é que "uma lenta transformação da energia em
consciência".
Porém, antes de falar sobre as diferentes fases deste trabalho de auto-realização,
parece-me imprescindível refletirmos sobre o termo "consciência", para compreender seu
significado real do ponto de vista espiritual; este é muito mais profundo e amplo do que
aquele que, comumente, é atribuído a esta palavra.
De acordo com as doutrinas espiritualísticas e esotéricas, a consciência é a própria
essência do Absoluto, que permeia toda a manifestação e, portanto, é considerada a
energia fundamental do Universo, a Vida que preenche e anima tudo o que existe em todos
os níveis, desde o átomo até o Espírito.
Annie Besant, em seu livro Estudo sobre a consciência, afirma:
"Consciência e Vida são idênticas: dois nomes para uma única coisa, que varia
somente em função do fato de ela ser observada de dentro ou de fora. Não há vida sem
consciência, e não há consciência sem vida."
Essa consciência-vida manifesta-se sob vários aspectos e em diferentes medidas; além
disso, está sujeita a desenvolvimento e a expansão contínuos.
Podemos levar em consideração quatro grandes subdivisões da consciência:
1) a consciência simples
2) a consciência individualizada
3) a consciência de grupo ou consciência universal
4) a consciência divina ou cósmica

A consciência simples é aquela sensibilidade inconsciente, aquela inteligência natural


que existe em todas as coisas, sob todas as formas, em todos os reinos da natureza: em
toda a matéria, até mesmo no átomo.
Constatou-se cientificamente a existência de uma receptividade, uma capacidade de
sensibilidade e de resposta em toda a matéria. Já em 1890 Edison afirmava: "Não acredito
que a matéria seja inerte, nem tampouco que ela obedeça a uma força externa. Parece-me
que cada átomo possui uma determinada quantidade de inteligência primordial. É suficiente
observar as mil maneiras com que os átomos de hidrogênio se combinam com os de outros
elementos, formando as diferentes substâncias."
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Essa é a consciência simples a respeito da qual o esoterismo fala e que testemunha a
presença em tudo aquilo que existe e mesmo no infinitamente pequeno, da Vida Divina, da
energia Universal que emana do Absoluto.
Essa energia chama-se "consciência" pois, potencialmente, contém o germe daquilo
em que se transformará quando tiver encontrado o veículo adequado para se exprimir em
sua essência, e esse veículo é o homem.
No homem, a "consciência simples", ou "consciência inconsciente", individualiza-se,
isto é, torna-se consciente de si mesma, produzindo o estágio da consciência
individualizada, que marca um momento muito importante e decisivo para a evolução da
consciência, um "ponto de mutação". De fato, a esta altura, iniciam-se um crescimento e
um desenvolvimento muito mais rápidos e conscientes, pois o homem pode colaborar para
sua própria evolução voluntariamente, por ser autoconsciente.
No homem, a consciência-vida universal encontrou, afinal, o instrumento adequado
para revelar sua divina origem e para realizar o objetivo central de toda a evolução: fazer
com que a Consciência Universal passe de um estado potencial e latente de consciência
para um estado de auto reconhecimento e de consciência de si mesma.
Somente o homem, ou melhor, o estágio evolutivo que o homem representa, oferece
o terreno adequado para produzir essa passagem, pois nele, afinal, o Espírito e a Matéria,
os dois polos da manifestação, se unem para dar vida ao Filho, ou seja, à autoconsciência ou
consciência individualizada.
Na forma humana, ponto culminante da evolução material, o Espírito Universal pode
projetar uma parte de si (a Mônada, centelha divina) que, ao unir-se com a matéria (o
corpo físico) onde está oculta a consciência-vida, produz o individuo humano, ser
maravilhoso que terá de demonstrar a realidade da encarnação de Deus, devido à sua
evolução consciente.
O sentido do eu do homem, que parece ser sua prisão, é, ao contrário, a semente da
Consciência Divina. O eu passa através de um longo processo de crescimento e de
metamorfose, de gradativas expansões, até reconhecer-se no Si, centelha do Absoluto, do
Eu Divino, o único Eu de toda a manifestação. Este, porém, é um aspecto que analisaremos
mais adiante. Por enquanto, esta observação é suficiente para compreender como é
necessário desenvolver a consciência para conhecer realmente a nós mesmos e às
diferentes dimensões interiores das quais não temos consciência.
O terceiro estágio é a "consciência de grupo" ou "consciência universal", que marca
uma expansão ulterior da consciência, pois o eu, que a essa altura já se reconheceu em sua
verdadeira essência, o Si, não mais está fechado sob a cúpula ilusoriamente protetora da
separatividade e do egoísmo, mas adquire a consciência da Unidade, do Amor, da
Fraternidade.
Neste estágio, o homem não sente mais os limites da incomunicabilidade e da
centralização sobre si mesmo, mas expande-se para seus semelhantes com um sentimento
de empatia, de participação, de cooperação, experimentando cada vez mais claramente a
essencial unidade da consciência e das energias. Sua consciência amplia-se cada vez mais,
incluindo "grupos" sempre mais amplos, até que acaba encerrando o Todo.
Assim, verifica-se a passagem para aquele estágio que e chamado da "consciência
cósmica ou divina", da qual podemos somente intuir a essência ou perceber fugazes traços
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em momentos de elevação, pois é uma experiência inefável de totalidade, de identificação
com tudo o que existe, que representa o vértice da expansão da consciência no homem
realizado.
O estágio que mais nos diz respeito, em termos do estudo que estamos elaborando
sobre a constituição interior do homem, é o da consciência individualizada que dura por
todo o ciclo evolutivo do homem na terra, e que, por sua vez, pode ser subdividido em
vários graus e aspectos.
De acordo com a subdivisão que chegou até nós da Antiga Sabedoria do Upanishad,
estes graus ou "posições" da consciência individualizada no homem são os seguintes:
a) consciência de vigília
b) consciência de sono sem sonhos
c) consciência de sonho
d) consciência pura ou consciência do Ser

Levar em consideração essas subdivisões pode nos ajudar na análise que estamos
desenvolvendo a respeito das dimensões interiores do homem e da vida que ele leva em
seus corpos sutis, sem ter absoluta consciência disso. De fato, a consciência que o homem
tem no decorrer do dia (consciência de vigília) é muito limitada, condicionada e,
geralmente, falsa e imaginada. Ela corresponde ao "consciente" da psicanálise, que é o
outro polo do inconsciente.
Além disso, a consciência de vigília difere de pessoa para pessoa em termos de
conteúdos, extensão, profundidade, grau de autenticidade e de sensibilidade.
No decorrer do sono, a consciência parece esvaecer-se no nada e, quando não
sonhamos, estamos numa escuridão total e numa inconsciência aparente. "Aparente"
porque na verdade pode haver um tipo de consciência, enquanto dormimos o sono
profundo e sem sonhos, que não é registrada pelo cérebro físico e da qual não temos
lembrança ao despertar.
Ao contrário, a consciência que temos no sonho é a vaga lembrança das dimensões
astral e mental, que mencionamos, e as imagens que vemos e de que nos lembramos ao
despertar, mesmo que, parcialmente, testemunhem a existência dessas dimensões. No
sonho, entretanto, o estado de consciência que experimentamos é diferente daquele da
vigília, pois não há autoconsciência.
O eu é espectador passivo, ou então, é arrastado por emoções e impulsos muitas
vezes ilógicos, mas muito mais intensos do que aqueles que sente no decorrer da
consciência de vigília. Mas também, neste caso, o estado de consciência é diferente,
variando de pessoa para pessoa, pois aqueles que são mais evoluídos têm mais lucidez e
autocontrole, mesmo na vida onírica, e são mais conscientes. O homem, de fato, deveria
chegar a desenvolver a "continuidade de consciência", isto é, a ter sempre, seja quando
desperto como durante o sono, povoado de sonhos ou não, a consciência do centro de
autoconsciência, permanecendo livre, separado, consciente, e capaz de gerir todas as
energias sutis, enfrentando todas as experiências que porventura aparecerem.
Todos esses estados de consciência, porém, não representam a verdadeira
"consciência", mas são modificações e reflexos desta. Somente quando conseguimos nos
identificar com o Si, que é o nosso verdadeiro Eu, poderemos experimentar aquele estado
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comumente chamado de "pura consciência". Nesse estágio, não há mais ilusões,
condicionamentos, identificações; há, sim, a realidade do Ser, a consciência autêntica, livre,
sem conteúdos (e, por isso, "pura"), que poderia ser definida como subjetividade absoluta.
É o Si que conhece a si mesmo, que experimenta a si mesmo como centro de
autoconsciência, acima e além de todas as energias pessoais, de todos os conteúdos
psicológicos, as emoções, os pensamentos, as sensações físicas.
Ao alcançarmos a experiência interior da "pura consciência", percebemos como os
demais estágios de consciência que havíamos experimentado anteriormente eram
limitados, ilusórios e falsos e percebemos ter confundido com a realidade aquilo que era
somente um reflexo, uma sombra distorcida, uma projeção do Ser autêntico. E, sobretudo,
tomamos consciência da falsidade daquela estrutura egoística que até então havíamos
acreditado fosse o nosso "eu" e que, ao contrário, era somente um conjunto de
mecanismos, de hábitos, de presunçosas pretensões e orgulhosas obstinações.
As vezes esse "eu" arquitetado, chamado ego pelos orientais, é muito forte e difícil de
se superar, resistindo até mesmo à luz da "pura consciência", opondo sua obstinada e cega
vontade mecânica à realidade do Ser que quer penetrar nele para libertá-lo e transformá-lo.
Neste caso, existe a meditação, que pode ajudar a superar "o nó de obstinação do
ego" (assim o chama Sri Aurobindo), pois essa prática favorece aquela atitude de
abandono, de receptividade, de abertura para níveis Superconscientes, ideal para fazer
afluir, de forma espontânea e sem luta, as energias e a consciência do Si, escolhendo as
cristalizações e as resistências do ego de um modo doce e silencioso.
Pode acontecer, eventualmente, não se conhecer a própria efetiva maturidade
interior, e não se ter a consciência de já haver superado, nos níveis interiores,
determinadas exigências e condicionamentos pessoais, pois estamos identificados com o eu
superficial, que nos leva a adotar hábitos e mecanismos que na realidade não nos
interessam mais. Dessa maneira, inconscientemente, reprimimos nossa efetiva maturidade
e criamos falsas barreiras e obstáculos à luz do Si.
Isso produz uma problemática toda específica e uma série de sofrimentos psíquicos e
físicos que, todavia, gradativamente, podem ser superados com o autoconhecimento, com
o desenvolvimento da consciência e com a meditação. Assim, poderemos nos libertar da
prisão do ego e alcançar a pureza e a verdade do nosso Ser Real.

14
Capítulo III

OS CAMINHOS DA EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA

"O supraconsciente é o verdadeiro fundamento, e não o


subconsciente. Não é analisando-se os segredos da lama de onde
floresce a flor do lótus que explicamos sua existência. O segredo da flor
do lótus está no arquétipo divino que floresce para sempre nas alturas,
na luz."
(Sri Aurobindo: Letters, II.)

Toda a vida do homem é uma gradativa tomada de consciência de seu verdadeiro Ser,
de sua realidade profunda: o Si, oculto, latente, "inconsciente" dentro dele.
Todo evento, toda experiência que encontramos em nosso caminho são estímulos
para despertar a consciência do Si latente, mas que "pressiona" continuamente para
alcançar a luz, para manifestar-se e atuar.
Devemos nos tornar aquilo que somos. Esta frase deveria ser a palavra de ordem do
verdadeiro esoterista que tem consciência de que, na realidade, a evolução outra coisa não
é senão uma passagem da inconsciência para a verdadeira consciência, para a consciência
real, a consciência do Si. Ela é como uma semente: profundamente oculta dentro de nós,
mas que aos poucos cresce, brota e se expande, colocando à mostra todo o seu esplendor e
sua origem divina, e transformando, com seu crescimento, o indivíduo num Verdadeiro
Homem. Esse crescimento e expansão da consciência não seguem uma única direção, mas
ampliam-se de forma "circular" e global. De fato, sua meta é a totalidade e o
desenvolvimento completo do homem.
Para entender mais facilmente esse processo de crescimento da consciência
poderíamos sintetizar seus movimentos nas seguintes três direções:
a) para baixo (isto é, para o inconsciente inferior)
b) horizontalmente (isto é, para os outros e para o mundo objetivo)
c) para o alto (isto é, para o Superconsciente e o Si)

Os termos "baixo", "alto", "horizontal" são, obviamente, simbólicos, pois nas


dimensões interiores não existem o espaço, as distâncias, os lugares, da forma que os
conhecemos no plano físico; existem, isto sim, diferentes níveis vibratórios, vários
comprimentos de onda, que produzem estados mais ou menos elevados de consciência.
Portanto, ao dizer "baixo" entendemos uma vibração mais lenta, que produz um estado de
consciência mais obscuro e limitado, e ao dizer "alto", ao contrário, pretendemos exprimir
uma vibração mais rápida, que produz um estado de consciência mais refinado e luminoso.
Voltamos agora às três direções de desenvolvimento da consciência anteriormente
mencionadas, e apresentamos abaixo um esquema simbólico que poderá nos ajudar a
entender melhor esse processo.
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Neste esquema, aparece uma cruz dentro de um circulo, o que pretende indicar o
movimento circular das energias. No centro da cruz está o Eu, entendido como centro de
autoconsciência e que constitui o ponto de partida da ulterior expansão da consciência.
Isso significa que somente no momento em que o homem for capaz de se colocar no
centro, de sentir e experimentar seu Eu, como centro de verdadeira autoconsciência,
poderá começar a expandir sua consciência, pois estará desidentificado de seus veículos
pessoais e terá alcançado a atitude do Espectador.

A seguir, examinaremos cada uma das três direções da expansão da consciência.

a)Para baixo (isto é, para o inconsciente inferior).

Esta direção nos leva a conhecer e integrar no consciente nosso inconsciente inferior
que, de certa forma, representa nosso passado. Isso porque seus conteúdos são formados
de energias instintivas, de impulsos e desejos reprimidos, de traumas removidos, de
automatismos e condicionamentos que se posicionaram sem que soubéssemos...
Além disso, há todo o nosso passado evolutivo, ancestral, proveniente de encarnações
precedentes e que foi gravado nos mais profundos níveis do inconsciente . Isso tudo
constitui um pesado fardo, uma espécie de lastro, que pode dificultar nosso crescimento.
Por isso, devemos tentar nos livrar dele se quisermos caminhar mais rapidamente para a
auto-realização.
Conhecer e anexar o inconsciente inferior, todavia, não é nada fácil, já que muitas
vezes existem em nós obstáculos e resistências que nos impedem de "libertar" as energias
bloqueadas naqueles níveis e de ver Claramente dentro de nós mesmos. Para superar estas
dificuldades é preciso, antes de mais nada, dar um passo para o alto. Isso quer dizer que é
necessário ter alcançado uma certa capacidade de desidentificação e ter reencontrado
nosso centro de autoconsciência, pois (conforme afirma Satprem) "... a descida é
proporcionai à subida".
Na realidade, o inconsciente inferior só pode ser conhecido e libertado se possuirmos

16
a verdadeira consciência, mesmo em sua forma inicial, e se tivermos alcançado um
determinado nível de maturidade interior, que nos dê a capacidade de "nos aceitar" e de
ver a nós mesmos pelo que somos, sem com isso perder a confiança em nós mesmos, sem
nos deixar envolver por eventuais conteúdos negativos que podem se manifestar, e sem
criar sentimentos de culpa em relação a nós próprios.
Sri Aurobindo afirma: "Só depois de ter conseguido obter algum resultado positivo, e
após ter-se verificado uma estabilização sobre uma base positiva, pode-se, então, sem
perigo algum, subverter os elementos adversos, ocultos no subconsciente para destruí-los e
eliminá-los com a força da calma divina, da luz e da consciência divina." (Letters, 11.)

b)Horizontalmente (isto é, para o mundo objetivo).

Quando começamos a desenvolver a verdadeira consciência, nosso sentido de


separatividade diminui e começa um gradativo e lento processo de sensibilização em nós
mesmos, para com tudo o que havíamos julgado "externo", de maneira errônea: os outros,
a natureza, o universo etc.
O invólucro que nos encerrava e nos deixava isolados começa a ficar permeável e
pouco a pouco adquirimos a noção do contínuo intercâmbio que se verifica em termos de
energias e vibrações entre os seres humanos entre si, e entre os seres humanos e tudo o
que existe em todos os níveis.
Isso leva a um aumento de empatia, de sensibilidade, de receptividade, de amor, de
sentimento de união, que pode ser utilizado para finalidades espirituais, tanto no campo do
serviço à humanidade, como no que diz respeito ao conhecimento intuitivo e metafísico.

c)Para o alto (isto é, para o Superconsciente e o Si).

Esta direção da expansão da consciência é, na realidade, a mais importante, pois é a


que torna possíveis as outras duas; mesmo que o homem não tenha consciência do fato e
possa até ter a impressão de não ter alcançado nenhuma abertura para o Superconsciente.
O alto é a nossa real dimensão humana, conforme dissemos; é o nosso Ser Real
superconsciente, que se revela à consciência de superfície em determinados momentos,
com sensações fugazes, com momentos de iluminação, com estados de consciência
diferentes dos costumeiros, com intuições e inspirações elevadas tornando-se, assim, a
prova de que nós "somos muito mais" do que demonstramos habitualmente.
De nossa parte, nós mesmos podemos favorecer essas manifestações assumindo
atitudes e adotando métodos dos quais falaremos a seguir. O mais importante, o que deve
ser levado em consideração é que a nossa sensação de progredir "do baixo para o alto" é
ilusória e errada pois, na realidade, é o "alto" (isto é, o Si), que imperceptível e
silenciosamente "desce" na consciência ordinária, ou melhor, aflora, pois o Si não está
acima de nós como personalidade, mas no centro de nos mesmos. É nós mesmos".
O aparente esforço que fazemos para progredir, para crescer é, na realidade, o sinal
da pressão que o Si exerce por dentro para sair à luz do sol, para manifestar-se.
O que podemos fazer do chamado "baixo" é nos abrir, abandonar-nos, superar os
obstáculos que podem impedir essa manifestação do Si latente. Além do mais, podemos
17
colher e nutrir esses momentos de espontânea manifestação de conteúdos e energias
superiores que, às vezes, se verificam em nós.
A atitude que melhor pode favorecer esta abertura para o Superconsciente e a
compreensão de seus conteúdos é a da escuta interior e da atenção receptiva.
A seguir, enumeramos alguns dos estados de consciência que podem ser considerados
como manifestações do Superconsciente.
- momentos de intuição;
- solução repentina de um problema difícil;
- aumento de criatividade;
- afastamento e desdramatização;
- sensação de libertação;
- aumento da sensação de beleza;
- alegria pura;
- serena capacidade de sacrifício;
- aceitação confiante dos eventos e da vida;
- sensação de transcendência pelo tempo e pelo espaço;
- capacidade de entrega feliz de si mesmo;
- compreensão do significado profundo das coisas,
- auto-esquecimento;
- aumento da capacidade de amar e compreender;
- sensação de unidade com todos os seres e com o mundo;
- reconhecimento repentino da própria finalidade na vida.

Esta lista, naturalmente, não está completa e é possível haver muitos outros sinais e
estados de consciência produzidos pela afluência das energias do Superconsciente. Eles
podem ser esporádicos e momentâneos, como que lampejos repentinos de luz, ou então
mais permanentes e duradouros. Neste segundo caso, deles resultam amadurecimentos e
mudanças interiores, dos quais o primeiro e fundamental entre todos é a estabilização da
natureza emotiva, isto é, a consecução de uma sensação de separação e de serenidade
inalteráveis, que permanecem mesmo nos momentos difíceis e dolorosos, como um pano
de fundo estável e firme.
Outro efeito pode ser uma nova orientação da própria vida, voltada para objetivos e
valores mais elevados do que os anteriores, juntamente com uma intensa exigência de
autoformação, de trabalhar sobre si mesmo, não entendida como tensão ou esforço de
crescimento, mas como adesão total ao objetivo e à vontade do Si e como impulso natural
para transformar a natureza inferior na superior.
As diferentes fases da expansão da consciência para o alto poderiam, então, ser
sintetizadas da seguinte maneira:
- abrir-se a si mesmo;
- superar os obstáculos;
- abandonar-se a si mesmo;
- ter confiança no Si;
- compreender a natureza das energias que afluem;
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- assimilá-las;
- colaborar com elas;
- interpretá-las;
- utilizá-las para a própria transformação.

Tudo isso, naturalmente, é favorecido pela meditação, que na realidade é um processo


de abertura para o Superconsciente e o Si, abertura que leva gradualmente à expansão da
consciência nas três direções que mencionamos e descrevemos, pois, como vimos, a partir
do momento que o "baixo" recebe a luz do alto, também ele se ilumina e a consciência se
amplia, superando a própria e ilusória separatividade e a limitadora identificação com o
ego, reencontrando desta maneira a sensação de totalidade e unidade originária.

19
Capítulo IV

A PURA CONSCIENCIA E O MUNDO DO SER

"O que Existe em si dispôs as portas da alma de tal modo que elas só possam ser
abertas de dentro para fora." (Upanishad)

"O sadhaka que se manteve fiel à disciplina necessária para afastar o Si de sua
identificação com o ego, a mente, a vida e o corpo, chega... à realização de uma pura,
imóvel existência autoconsciente sem divisões, tranquila, inativa, não perturbada pela ação
do mundo." (Sri Aurobindo: Sintese da ioga, vol. II)
Essas palavras de Sri Aurobindo exprimem, de forma sintética, a essência do estado de
consciência chamado pura consciência, que corresponde ao "quarto estado" de consciência
(de acordo com o Upanishad) depois dos outros três: consciência de vigília, de sono e de
sonho.
Ao conseguirmos nos desidentificar da falsa consciência superficial e nos libertarmos
dos condicionamentos e das estruturas que aprisionam nosso verdadeiro eu, sentimos esta
dimensão da consciência que é "pura", pois não tem conteúdos, projeções, objetos. De
fato, poderia chamar-se "subjetividade absoluta" pois representa o centro de nós mesmos,
o Eu autêntico que se auto reconhece e experimenta a si mesmo. Trata-se de uma
experiência interior toda especial que nos abre as portas do mundo do Ser, onde tudo
aparece na pura, branca imobilidade do sem tempo, do Eterno Presente, e onde existe tão
somente a consciência e uma paz profunda, infinita, permeada de alegria.
"0 estado de pura consciência é, em sua própria natureza, cheio de bem-
aventurança... " (Sete estados de consciência, Anthony Campbell).
O homem tende naturalmente a alcançar este estado, que é a manifestação de seu
verdadeiro ser e todo seu longo e tortuoso caminho evolutivo, através de diversas vidas,
tem como única finalidade fazer com que passe de um estado de escuridão e de
inconsciência, para um estado de pleno despertamento e liberdade.
Esse caminho por dentro de nós, para reencontrar a nós mesmos, não é somente um
auto reconhecimento e um conhecimento de si mesmo, mas é também um processo de
crescimento, que traz consigo a necessidade de conseguir superações, mudanças,
amadurecimentos. De fato, a meditação que nos conduz à descoberta dos nossos níveis
profundos e ao contato com nossa realidade, deve ser acompanhada por um trabalho de
autoafirmação e de purificação, caso contrário, poderia causar um dualismo, uma cisão
entre a visão interior e a realização concreta. O Si ao encarnar-se, identificou-se conforme
afirmamos anteriormente, com os veículos pessoais, "esquecendo-se" de si mesmo, e o
homem que caiu na inconsciência, construiu para si um "eu" falso, tornou-se vítima de
automatismos, condicionamentos, ilusões, hábitos cerceadores... Tudo isso constitui o
conjunto de obstáculos, dificuldades, impurezas que ele deve reconhecer e superar se

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pretende alcançar a "pura consciência" do Si e a verdadeira felicidade.
O trabalho de autoformação é sobretudo um processo de libertação dos
condicionamentos e da falsa consciência; por isso, requer também a capacidade de
reencontrar em si mesmo a nascente da autenticidade, da verdade e do conhecimento. Por
esta razão, todos os Instrutores espirituais afirmam que para reencontrar o Si, que é nosso
verdadeiro Eu, devemos ser capazes de prescindir de apoios, sejam eles teorias, crenças,
guias espirituais, doutrinas, devoções passivas etc. ...
A "pura consciência" pode ser alcançada quando o eu, tendo-se libertado de todos os
apoios e as projeções, torna-se apto a "ficar só", a recusar toda forma de apoio externo,
toda teoria puramente intelectual, toda fé cega, baseada tão somente sobre a emotividade
e a necessidade de segurança, e de enfrentar, portanto, o desconhecido, atirando-se no
aparente "vazio" que é o mundo do Ser.
São João da Cruz afirma que Deus "é encontrado nas trevas"; isso quer dizer que o
encontramos quando renunciamos à falsa luz da mente racional, dos apegos e das ilusões
sensoriais. Por esta razão devemos ser capazes de atingir a experiência direta da realidade
do Ser e a consciência do Si, que é a nascente da Força interior e do Conhecimento, pois
trata-se de um reflexo do Divino.
A "pura consciência", então, é o resultado desse trabalho de purificação e de
libertação das infraestruturas, de identificações e esquemas. É uma passagem "do ter para
o ser". O caminho para atingir este objetivo é longo e difícil; apesar disso, está cheio de
alegrias, criatividade e energia vivificante. O ideal é vivê-lo e considerá-lo como uma
gradativa conquista de dimensões cada vez mais profundas e reais de si mesmo, como uma
sucessão de expansões de consciência para espaços cada vez mais amplos e luminosos;
encarando-o assim, tem-se a sensação de um aumento dentro de si do entusiasmo e do
ardor da aspiração, juntamente com a firme decisão de percorrê-lo.
Além disso, torna-se cada vez mais claro e marcado o sentido oculto nesse processo
interior, que constitui a finalidade central da vida do homem, destinado a ser o ponto de
encontro e de união do Espírito com a Matéria.
O que dá a confirmação interior da verdade do que estamos dizendo é a experiência
subjetiva de alegria, liberdade, vitalidade, que brota de todo amadurecimento, de todo
desenvolvimento de consciência que conseguimos alcançar. De fato, todas as vezes que
conseguimos evocar uma mínima parte desta consciência do Ser, aflui em nós uma torrente
de luz, de felicidade, de força, mesmo que esta conquista nos tenha custado uma renúncia,
uma aparente perda, uma separação...
Muitos não conseguem operar essa evolução pois não sabem deixar sua ilusória
segurança e não conseguem separar-se do "conhecido", para ir ao encontro do
desconhecido e continuam a sofrer e a viver na inconsciência e na identificação com o ego.
A esta altura, é preciso mencionar os obstáculos e as resistências que impedem o livre
desenvolvimento da consciência e que não são responsabilidades do limite evolutivo do
indivíduo, mas de uma sua problemática psicológica inconsciente toda especial que pode e
deve ser reconhecida e resolvida. Esta problemática deve-se ao excessivo desenvolvimento
da parte consciente do indivíduo, à mente racional e à vontade pessoal preponderante, que
se condensam no ego, isto é, naquele eu construído e falso de que falamos, que por sua
natureza se opõe sempre, embora inconscientemente, ao Si. Pessoas deste tipo podem
21
inclusive ser suficientemente evoluídas, porém, é como se ignorassem, ou desejassem
ignorar, sua maturidade espiritual, pois estão identificados com o ego, e "removeram" de
seu lado consciente as aspirações, os impulsos e as exigências espirituais. Pode acontecer
que, de vez em quando, sintam em si mesmas o impulso e a necessidade do transcendente;
porém, ao tentarem adequar-se a ele, deparam-se com estranhas resistências e
dificuldades interiores que tornam todo e qualquer esforço inútil. Isso acaba provocando
conflitos e mal estares que podem inclusive desembocar em verdadeiras neuroses. Neste
caso é necessário desenvolver um cuidadoso trabalho de análise e de integração com o
inconsciente, superando os condicionamentos e as rígidas estruturas inconscientes do eu
superficial, e abrir-se ao Superconsciente, deixando de lado o orgulho e a vontade pessoal.
Na verdade, este é um trabalho de libertação das energias e dos conteúdos superiores
removidos e bloqueados, e de reconhecimento dos valores transcendentes e transpessoais,
que pressionam querendo manifestar-se. (1)
1 - Vide Capítulo IV da segunda parte do meu livro Medicina psico-espiritual, Editora
Pensamento, São Paulo, 1984.
Eric Fromm, em seu livro Ter ou ser afirma que todo homem, por natureza, possui no
mais profundo de si mesmo, o conhecimento da verdade, mas que, no decorrer de seu
desenvolvimento pessoal, com relação ao ambiente e à sociedade, é obrigado a "removê-
lo", perdendo, desta maneira, sua sensibilidade e sua capacidade de perceber a realidade
profunda das coisas. Isso acontece sobretudo com os ocidentais, de temperamento
extrovertido, mental e hiperativo. De fato, o desenvolvimento da consciência, favorecido
pela meditação, nos leva a reencontrar, gradativamente, este conhecimento da verdade e
esta sensibilidade espontânea ao mundo do Ser, libertando-nos de obstáculos e de
remoções, mesmo sendo rígidos e estruturados.
Utiliza-se a expressão "mundo do Ser" para indicar a dimensão do Si Real, pois quando
conseguimos percebê-lo "nos tornamos o que somos". De fato, quando estamos na
periferia de nossa consciência, identificados com os veículos e com seus conteúdos, não
somos nós mesmos, somos somente uma projeção, um reflexo da realidade de nós
mesmos. Mergulhamos no vir a ser perdendo a consciência do ser, daquilo que é.
"Ser" significa viver conscientemente, experimentar continuamente a realidade
profunda das coisas, sem se deixar levar pelas aparências exteriores, e agir "a partir do
centro de consciência" com autenticidade, espontaneidade e criatividade.
"Ser" significa deixar a energia do Si fluir através dos veículos e, desta maneira,
exprimir a realidade de si mesmos. Significa exprimir-se totalmente em harmonia com as
leis cósmicas e divinas.
Alcançar este estado interior pode parecer muito difícil à primeira vista, pois nos
afastamos da percepção desta realidade, tornando-nos "inconscientes" de nós mesmos;
mas, na realidade, voltar à dimensão do "ser" é um movimento natural da consciência, uma
vez que ela tenha sido libertada dos condicionamentos e das falsas identificações. Eis por
que a técnica fundamental que pode nos ajudar a alcançar este estado é o abandono, a
abertura, o silêncio, a "rendição" interior, entendida como o oposto do esforço, da tensão,
da luta.
"O movimento na direção dele (o estado de pura consciência) deve ser natural. Ele
pode ser alcançado não através do controle, e sim através do "deixar acontecer"... (Sete
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estados de consciência, de Anthony Campbell).
Esse "deixar acontecer", esse abandono é, na maior parte dos indivíduos, difícil,
porque pode parecer um estado de inércia, de passividade, de indiferença, quando, ao
contrário, é um estado de abertura durante o qual somente a personalidade se torna
receptiva, "vazia", sensível à orientação e à energia do Si, reconhecendo afinal sua
verdadeira função que é a de ser instrumento e canal do Divino.
No começo há uma fase de separação e de imobilidade interior, como resultado dessa
atitude de abandono, pois aflora a "pura consciência" que, por ser um estado subjetivo, no
qual prevalece o ser sobre o vir a ser, procura calma, paz e silenciosa espera. Numa segunda
etapa, porém, manifesta-se também o aspecto vontade e atividade do Si, que toma posse
dos veículos pessoais e age de acordo com uma proposta e um objetivo de caráter
transcendente e universal.
Sri Aurobindo fala de um Brahma passivo e de um Brahma ativo, como de dois polos
do Purusha (Espírito), que devem ser ambos manifestados e expressos na vida do homem â
medida que ele se aproxima da auto-realização espiritual.
Realizar o Si, de fato, não leva a uma fuga do mundo, a um estado de transcendência
inativa, mas sim à união de Ser e Vir a Ser, de Espírito e 'Matéria.
"Este simultâneo estado de passividade interior e de atividade exterior é uma
condição de liberdade completa. O iogue... age sem agir; não é ele quem age, mas a
Natureza Universal guiada pelo Senhor da Natureza." (Síntese da ioga, vol, II.)
Estas palavras de Sri Aurobindo indicam claramente o estado de equilíbrio entre Ser e
Vir a Ser, que se revela como capacidade de manter um estado de consciência imóvel,
sereno, imperturbável, mesmo quando a personalidade age nos três níveis objetivos (físico,
emotivo, mental) movida pelas energias do aspecto ativo do Si (a natureza ou shakti).
Para poder chegar a este objetivo, todavia, devemos, antes de mais nada, ser capazes
de reencontrar a "pura consciência", de enuclear nosso centro de autoconsciência
autêntico, a Testemunha silenciosa, de permanecer firmes no Ser, livres e sem apoios.
Numa segunda etapa, apresentar-se-á de forma espontânea o impulso para expressar
na vida o aspecto dinâmico e ativo do Si, para nos reunir ao outro polo de nós mesmos e
transformar a matéria inerte e automática num veículo de criatividade e de serviço ao
Divino.

23
Capítulo V

A MEDITAÇÃO, TÉCNICA FUNDAMENTAL PARA


O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIENCIA

Com base em tudo o que dissemos nos capítulos precedentes fica claro que o homem,
do ponto de vista de sua consciência ordinária, é incompleto e limitado e tem em si mesmo
uma ampla área de consciência que ainda deve ser explorada e ativada. Esta área de
consciência tem diferentes níveis e degraus, dos quais o mais elevado corresponde à
dimensão do Ser, onde vive e vibra a sua verdadeira Essência, o Si, que representa o núcleo
autêntico de sua natureza de origem universal e divina.
Na humanidade comum existe uma espécie de cisão entre a consciência superficial,
centralizada no eu ordinário, e o Si. Para chegar a superar esta cisão os amadurecimentos
que conseguimos como consequência das provas e das experiências que a vida nos
proporciona não são suficientes; o que é necessário, é um meticuloso trabalho que possa
favorecer e acelerar o processo de unificação entre a personalidade e o nosso verdadeiro
Ser. Este trabalho é constituído pela autoformação e sobretudo pela meditação. De fato, a
meditação nos oferece a possibilidade de construir conscientemente a ponte entre os dois
polos de nossa natureza, a matéria e o Espírito, o consciente e o Superconsciente, que
correspondem, respectivamente, às duas modalidades de nossa consciência, seja a voltada
para o exterior, o mundo objetivo, seja a voltada para o interior, o mundo subjetivo e
espiritual. O homem, no decorrer de um longo período evolutivo, identifica-se com o
aspecto voltado para o exterior, e tem consciência somente da personalidade, deixando de
lado, esquecido na escuridão e na inconsciência, o outro polo de sua natureza. Desta
maneira, mesmo sua verdadeira essência e a dimensão espiritual permanecem
inconscientes e latentes.
Por essa razão, o longo caminho evolutivo do homem poderia ser considerado na
realidade um processo gradativo de integração, de unificação e de síntese entre a
personalidade e o Si, entre a matéria e o Espírito, as "duas colunas do Templo Universal".
Efetivamente, a cisão é apenas aparente, pois trata-se de uma "falta de consciência",
de uma ilusão. Na realidade, mesmo sem o percebermos, estamos "unidos" aos mundos
hiperfísicos e ao Si. Vivemos na inconsciência e na ignorância de nossa unidade substancial
e por esta razão não sabemos utilizar todas as nossas energias e potencialidades, e nos
identificamos com um eu ilusório e arquitetado.
As vezes, mesmo quando já existe um certo grau de unificação entre os dois polos de
sua natureza, o indivíduo pode ter consciência disso. Neste caso, a meditação serve para
que ele tome consciência desse fato e o torne, então, aproveitável e profícuo.
A primeira fase da meditação é sobretudo um processo de interiorização e de
sensibilização para com o mundo subjetivo, para com o outro polo de nossa consciência.
Robert Ornstein afirma em seu livro The Psychology of Consciousness: "A meditação
constitui uma tentativa deliberada de separar-se, por um determinado período, do ritmo da
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vida cotidiana e afastar-se da modalidade ativa da consciência normal para entrar na
modalidade complementar de receptividade e de obscuridade. É uma tentativa de inibir a
modalidade comum da consciência e cultivar uma segunda modalidade, possível ao
homem."
Se examinarmos as diferentes tradições esotéricas que se referem à meditação em
todo o mundo e através dos tempos, descobriremos que, por trás de uma infinita variedade
de técnicas adequadas a cada grupo religioso ou a um determinado país onde a meditação
é praticada, existe uma semelhança fundamental em seus objetivos, e isto é o que
mencionávamos anteriormente: afastar-se da modalidade ativa, extrovertida, racional da
consciência, para produzir um despertar da modalidade receptiva, interior, intuitiva, que
possuímos sem saber. Esta segunda modalidade nos aproxima do mundo do Ser e torna-
nos sensíveis à consciência do Si, que vai além da mente, além da racionalidade, além da
atividade e do vir a ser.
Uma prova científica que o homem possui dessas duas modalidades, mesmo no nível
físico, nos é fornecida pelos estudos feitos sobre o cérebro humano, estudos que levaram à
descoberta de que ele é dividido em dois hemisférios, cada um com funções diferentes e
complementares. O hemisfério esquerdo, que governa as funções do lado direito do corpo,
é racional, analítico, verbal, lógico, sequencial... O hemisfério direito, que governa as
funções do lado esquerdo do corpo, é global, intuitivo, não verbal, artístico, imaginativo,
criativo etc.
Com a meditação é ativado o lado direito do cérebro que muitas vezes, sobretudo
entre os ocidentais, é menos ativo do que o lado esquerdo e, portanto, menos
desenvolvido.
Constatou-se, entretanto, que nos orientais, que praticam regularmente a meditação,
o hemisfério direito é bem mais desenvolvido.
O homem maduro e harmônico, deveria poder utilizar ambas as modalidades; elas
refletem a polaridade de sua consciência, para poder chegar à completa auto-realização.
Esta dualidade da natureza humana foi reconhecida desde os tempos mais antigos em
quase todas as culturas e tradições.
É só citar a antiga filosofia chinesa que considera o Absoluto, o Uno como uma
totalidade, contendo em si os dois eternos opostos princípios de Yang e Yin, que em seu
conjunto formam o Tao.
O homem revive em si mesmo esta polaridade universal inicialmente como cisão e
conflito e, numa segunda etapa, como complemento e harmonia.
A seguir, apresentamos algumas destas polaridades que podemos encontrar em nós
mesmos e em todo o cosmos, para entender melhor esta verdade universal, que representa
a chave da evolução cósmica e humana.

Yang Yin

Masculino Feminino

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Ativo Passivo

Consciente Inconsciente

Tempo Espaço

Céu Terra

Sol Lua

Dia Noite

Explícito Implícito

Focalizado Difundido

Racional Intuitivo

Centrífugo Centrípeto

Intelectual Sensitivo

Sequencial Simultâneo

Raciocínio Experiência

Vontade Consciência

Logos Eros

Concentração Expansão

Dedução Indução

Iniciativa Abandono

Com base nesta enumeração, à qual poderíamos acrescentar muitas outras


polaridades que se referem à modalidade ativa e à passiva, resulta que os aspectos
enumerados são opostos, porém, complementares. Em outras palavras, tomados
separadamente, são incompletos e unilaterais; no entanto, tomados em conjunto,
produzem uma unidade harmônica e equilibrada.
Quando começamos a praticar a meditação logo percebemos o grau de
26
desenvolvimento de nossa modalidade receptiva e, consequentemente, o grau de atividade
de nosso hemisfério cerebral direito, dependendo do sucesso ou não desta prática.
Alguns se deparam com obstáculos e dificuldades desde a primeira fase da meditação,
que é a da interiorização e da abstração do mundo objetivo. De fato, mesmo esforçando-se
por desligar-se do mundo externo, fechando os olhos e permanecendo imóveis e em
silêncio, não conseguem desligar-se dele. O mundo externo permanece sempre presente
em sua consciência subjetiva com imagens, sensações, pensamentos e lembranças. A
abstração completa lhes é difícil e ainda mais difícil é o despertar da sensibilidade para o
mundo interior e da modalidade receptiva da consciência. Abandonar a modalidade ativa,
racional, extrovertida à qual estão acostumados é uma tarefa árdua, que requer paciência,
treino e constância. Por esta razão, no começo é necessário utilizar técnicas de "apoio",
como por exemplo a concentração sobre a respiração, ouvir músicas adequadas, a
repetição de um mantra etc.
Extremamente útil é conseguir um relaxamento físico adequado, que geralmente
ajuda a acalmar mesmo o emotivo e a criar, portanto, um estado de tranquilidade interior.
Não devemos esquecer que a meditação não é somente uma técnica, e sim o efeito de
um amadurecimento, de uma profunda exigência espiritual e, portanto, os obstáculos que
eventualmente encontrarmos em sua atuação são proporcionais ao grau deste
amadurecimento e desta exigência. Devemos nos aproximar da meditação movidos por um
impulso puro, isto é, estimulados por uma real aspiração espiritual e por uma autêntica
exigência de integração com nossa natureza mais profunda e com o Si.
Praticar a meditação para obter a felicidade, o sucesso, a saúde, o poder, ou por mera
curiosidade, pode levar apenas ao insucesso ou à ilusão. Todavia, se o impulso de praticá-la
é espontâneo e puro, provindo do mais profundo de nós mesmos, brotará a luz e a energia
que nos levarão a alcançar o mundo da realidade e do Ser. É bem verdade que também
pode haver obstáculos, mesmo quando a motivação é pura e a aspiração autêntica; neste
caso, porém, eles nos revelam a presença de problemas de caráter psicológico em nós, isto
é, de condicionamentos, automatismos inconscientes, impurezas e bloqueios de energias,
de que não temos consciência, e que, todavia, pouco a pouco serão evidenciados e
desfeitos exatamente com a ajuda da meditação feita com constância e por um período de
tempo suficientemente longo.
O condicionamento mais intenso é o da extroversão que, juntamente com o da
excessiva racionalidade, constitui a principal dificuldade dos ocidentais para a meditação.
Essa dificuldade pode ser superada, como veremos adiante, com determinados exercícios e
técnicas, cuja finalidade é exatamente favorecer a concentração mental e o controle do
pensamento, que levam ao silêncio e ao despertar da capacidade intuitiva da mente.
Outro obstáculo muito comum é o proporcionado pela expectativa dos resultados, que
gera uma sensação de tensão, de ansiedade e de esforço tão intenso a ponto de impedir o
abandono, a calma, a receptividade necessários ao bom êxito da meditação.
Para poder realmente alcançar o estado de meditação, devemos colocar-nos numa
atitude de completa tranquilidade interior, de relaxamento, de abertura, de receptividade,
eliminando todo e qualquer esforço, tensão ou ansiedade. É preciso ter plena confiança na
realidade profunda de nós mesmos e no Divino, e abrir-nos ao mundo do Ser, latente em
nós. Por esta razão, as qualidades mais adequadas a uma favorável atitude na meditação
27
são a constância, a paciência, a ausência de pressa e de ansiedade; a capacidade de
relaxamento e de saber aguardar confiantes.
Os resultados muitas vezes sofrem um "atraso". Isto é, manifestam-se somente após
um determinado período de tempo e não no decorrer da meditação; além disso, esses
resultados podem ser diferentes dos que esperávamos.
Podem ser sutis mudanças em nosso caráter, novas orientações em nossa vida,
mudança em nossa maneira de julgar os valores da existência, apuração em nossos gostos e
em nossas exigências, aumento de clareza mental, serenidade e sabedoria... Tudo isso se dá
de forma lenta e quase despercebida, a ponto de muitas vezes os outros se darem conta
antes de nós e chamarem nossa atenção para isso.
A meditação é um estímulo a um processo natural de crescimento que tende, num
primeiro momento, para a harmonia interior e, a seguir, para a integração com a parte mais
profunda e real de nós mesmos: o Si. Ela nos leva gradual e docemente para a verdadeira
consciência e encontra seu ponto alto quando nos permite alcançar um estado interior de
liberdade, unidade, amor e luz, estável e duradouro.
Na realidade, com a meditação só favorecemos o impulso do Si para atuar, para se
exprimir; impulso que ignoramos, do qual não temos consciência, mas que sempre está
presente em nós, silencioso e incansável. Dia virá em que a meditação será parte natural de
nós mesmos, será um estado de consciência habitual que se integrará com a ação exterior.
Ação e meditação, modalidade ativa e modalidade receptiva, vida exterior e vida interior,
serão vividas como os dois polos de uma única realidade: o ser humano integrado e
completo.

28
Capítulo VI

MEDITAÇÃO PSICOLOGICA

"Todos os procedimentos do conhecimento de si se encontram no


caminho que leva ao Conhecimento do verdadeiro Si." (Sri Aurobindo:
Síntese de ioga, vol. II.)

Antes de começar a descrever as diferentes fases e os vários tipos de meditação, é


preciso determo-nos sobre algumas considerações de caráter geral, que nos poderão
ajudar a compreender mais claramente qual é a verdadeira essência desta prática e qual a
sua importância.
Ao iniciar o trabalho de meditação, verificam-se gradativamente algumas claras
mudanças em nossa vida, pois, sem o percebermos claramente, ao meditar, dirigimos
nossas energias psíquicas para um novo horizonte, e isso produz efeitos e transformações
em nossa personalidade. Um destes efeitos é o aparecimento da exigência de purificação e
de autoformação, juntamente com um claro e premente impulso de crescimento e de
aperfeiçoamento.
Mesmo dedicando à meditação apenas meia hora de manhã cedo, obtém-se um certo
resultado, porque a duração da meditação não é importante; o que interessa é a
"qualidade" e a "correta atitude da consciência" em relação a ela. Se esses dois requisitos
estiverem presentes, qualquer que seja o tempo dedicado à prática, produzir-se-á no
decorrer da meditação uma abertura para os níveis superconscientes de nós mesmos, com
consequente afluxo de energias espirituais nos veículos, que tendem para objetivos bem
explícitos. No decorrer do dia, essas energias são absorvidas pela personalidade e começa
então um lento e gradual processo de transformação e de purificação do indivíduo.
Se tal resultado não se manifestar, isso significa que a meditação foi feita somente
como uma técnica mecânica e exterior, e não produz nenhuma abertura para as energias
do Si.
A verdadeira meditação abre uma porta para uma dimensão mais alta do que a
habitual e constrói uma ponte, conforme já dissemos, para o polo mais profundo de nós
mesmos. Por isso, quando decidimos iniciar um trabalho de meditação, tacitamente
decidimos nos transformar e modificar nossa vida. Mais cedo ou mais tarde, teremos de
perceber que a meditação, após um determinado período de tempo de prática regular,
estimula e ativa até mesmo partes do cérebro até então adormecidas, despertando
aspectos superiores de nós mesmos ainda latentes e não manifestados. Na realidade, a
meditação é uma abertura para o Superconsciente e faz aflorar todas as qualidades e
faculdades mais nobres, mais elevadas do homem, que representam sua natureza
intrínseca e autêntica. Por isso, devemos nos aproximar da meditação com seriedade e
consciência de seu verdadeiro valor e significado.

29
A meditação tem início com a interiorização, isto é, com a abstração da atenção do
mundo exterior e dos objetos (pratiahara); por isso, aconselha-se fechar os olhos ao
meditar. Porém, não é suficiente "não enxergar" com os olhos o mundo exterior, é preciso
esquecê-la, abstrair-se completamente dele, para poder perceber a dimensão interior, a
realidade do mundo subjetivo.
Para quem está no início desta prática, a dimensão interior constitui-se basicamente
de conteúdos psicológicos (emoções, pensamentos, imagens, lembranças etc.) que devem
ser considerados também como "objetos" em relação à verdadeira consciência. Portanto,
mesmo estes conteúdos psíquicos devem ser afastados e acalmados se nossa intenção é
chegar a uma verdadeira interiorização e a uma abstração completa, que nos permitam
tornar-nos sensíveis à realidade interior, tão viva e "substancial" quanto a exterior.
É claro que se faz necessário muito treino, exercícios e desenvolvimento de técnicas
para superar a tendência à extroversão e o hábito de viver superficialmente, além de ser
preciso acalmar os contínuos movimentos das energias dos três veículos. Este conjunto de
técnicas e de treinamentos constitui uma fase preparatória para a meditação propriamente
dita; fase necessária que poderia ser chamada "fase psicológica".
O processo meditativo, portanto, poderia ser subdividido em dois períodos chamados:
1) meditação psicológica
2) meditação espiritual

No decorrer do período ou fase de meditação psicológica deve-se procurar habituar os


veículos pessoais a se tornarem calmos, receptivos, silenciosos e eliminar os obstáculos
internos devidos às sensações, emoções e mobilidade excessiva da mente.
Esse trabalho de tranquilizarão dos três veículos é chamado "alinhamento inferior" e
constitui-se de três estágios:
a) relaxamento do corpo físico
b) tranquilização do corpo emotivo ou astral
c) silêncio e calma do corpo mental

O relaxamento do corpo físico serve para preparar e favorecer a calma interior e


sobretudo a emotiva que está estritamente relacionada com a distensão e a tranquilidade
do corpo físico; além disso, é sua função permitir a nós mesmos esquecermos as sensações
corpóreas. Há inúmeras técnicas para a obtenção de um bom relaxamento do corpo.
Acredito ser supérfluo mencioná-las aqui, pois são bastante conhecidas.
A tranquilização emotiva, caso não tenha sido alcançada juntamente com o
relaxamento físico, pode ser obtida com várias técnicas entre as quais a visualização de
imagens que inspirem calma, serenidade, paz, pois a energia que compõe o corpo emotivo
é extremamente sensível às imagens. Também pode ser obtida com a repetição de palavras
ou frases-estímulo que sugiram a paz, a estabilidade, a calma etc. (1)
1 - Vide Capítulo IX do meu livro Do eu inferior ao eu superior, Editora Pensamento, São
Paulo, 1984.
No que diz respeito ao silêncio e à calma mentais, o trabalho é extremamente mais
complexo e quase sempre requer treinamentos e exercícios de vários tipos, que devem ser
praticados por um período de tempo relativamente longo.
30
Conforme já afirmamos, o corpo mental tem uma função muito importante na
meditação devido à sua natureza "dual". De fato, é o único veículo da personalidade que
participa ao mesmo tempo da personalidade e do mundo do Si. O corpo mental está
subdividido numa parte inferior, ou concreta, que se apresenta antes do pensamento
racional, lógico, discursivo, e numa parte superior, que se apresenta antes do pensamento
intuitivo, abstrato, criativo, impessoal, que já pertence à dimensão espiritual do Si.
Para alcançar esse resultado, devemos passar por uma fase de exercícios de
concentração mental (dharana) através dos quais poderemos desenvolver o poder do
pensamento concentrado e focalizado, obediente à vontade do Si; e depois por uma fase de
meditação com semente (dhyana) no decorrer da qual se desenvolve a capacidade reflexiva
da mente, e o poder de aprofundar um conceito, uma ideia, até alcançar seu significado
simbólico e universal.
De acordo com Patanjali, a concentração mental e a meditação com semente
constituem-se de sete estágios:
1) Escolha do objeto sobre o qual concentrar-se.
2) O retrair-se da consciência mental do mundo externo, de forma que os
meios de percepção e de experiência (os cinco sentidos) sejam acalmados e
a consciência não se volte mais para o exterior.
3) A consciência se concentra e se fixa na cabeça.
4) A mente se fixa e a atenção volta-se exclusivamente para o objeto
escolhido.
5) A visualização ou percepção imaginativa deste objeto e o raciocínio lógico
sobre ele.
6) A extensão dos conceitos que foram formulados, passando do específico e
determinado para o geral, universal e cósmico.
7) Procurar chegar àquilo que está por trás da forma escolhida como objeto
de concentração, isto é, chegar à ideia que a produziu.

Este procedimento eleva gradativamente a consciência e permite ao aspirante


transferir-se do lado forma para o lado vida da manifestação. (Os sutra ioga, de Patanjali,
livro III.)
A concentração é a fase preparatória da meditação com semente. A diferença está não
na técnica, mas na qualidade do sujeito escolhido para a concentração.
Do exame deste tipo de treinamento, resulta claramente que a concentração mental,
qualquer que seja o objeto escolhido, é a preparação para a meditação propriamente dita,
mesmo a de caráter "reflexivo" cuja finalidade é criar a ponte mental entre a personalidade
e o Si.
A meditação psicológica, portanto, é uma preparação dos veículos inferiores para o
silêncio e a calma, e poderia mesmo ser chamado de "meditação com semente". De fato,
quando usamos a mente para refletir e meditar sobre um determinado pensamento, isso
leva gradualmente a superar a própria mente e o nível racional e a entrar em um estado de
consciência livre de conteúdos, calmo, silencioso, desidentificado do intelecto mas, ao
mesmo tempo, atento e desperto.
Sri Aurobindo afirma: "É uma concentração que procede através da ideia e utiliza o
31
pensamento, a forma e o nome como chaves que abrem as portas da Verdade escondida
atrás de cada pensamento, cada forma, cada nome, para a mente concentrada; isso porque
através da ideia o Ser mental eleva-se, além de qualquer expressão, para Aquele que é
expresso, do qual a ideia é somente um instrumento." (Síntese da ioga, vol. II.)
Portanto, pouco a pouco, exatamente através do uso consciente e voluntário da
mente, é possível alcançar o superamento dela mesma e sua desidentificação, alcançando-
se então um estado todo especial chamado por alguns estudiosos da meditação de "estado
de atenção ativa". Na realidade, esta é uma qualidade de atenção diferente, conforme
afirma Corrado Pensa num de seus escritos sobre a meditação que cito a seguir: "... a
atenção comumente é passiva, ou seja, acende e apaga dependendo do interesse para com
os objetos-eventos que aparecem à sua frente. Enquanto na "qualidade diferente de
atenção", isto é, na atenção ativa, o eixo desloca-se dos objetos-eventos para a atenção...
Ficamos atentos ao estar atentos... A proposta da meditação é cultivar esta atenção ou
consciência não identificada com os conteúdos mentais e, portanto, é profundamente
diferente da consciência comumente entendida que consiste nesta identificação... " (Do
ensaio: Psicologia e religião na procura contemplativa.)
A finalidade principal, então, na meditação psicológica, é conseguir acalmar os
movimentos dos veículos pessoais para desidentificar-se deles e atingir um estado de
consciência livre e independente e um "fundo consciencial" que, mesmo vazio e sem
conteúdos, tenha a qualidade da atenção atenta e consciente. É o que as doutrinas
esotéricas chamam de "atitude do Espectador ou da Testemunha silenciosa", que na
realidade é um nível de consciência muito próximo da consciência do Si, digamos, um seu
reflexo. Ele constitui uma importante meta alcançada, pois permite-nos ter o ponto de
apoio necessário para poder dar início a uma meditação mais profunda e criativa.
A mente, que em geral constitui o maior obstáculo na fase de preparação ou
alinhamento inferior, deve ser treinada para seguir direções bem precisas de pensamento,
para concentrar-se numa ideia ou num objetivo precedentemente escolhido, para tornar-se
obediente instrumento de conhecimento do Si e revelar sua verdadeira natureza de
intérprete e esclarecedora das ideias superiores e universais.
Em geral, é preciso dedicar alguns meses a este tipo de meditação preparatória antes
de poder passar para a segunda fase: a meditação espiritual, que requer a capacidade de
desidentificar-se facilmente e sem maiores esforços dos veículos pessoais, de entrar no
silêncio e de saber abrir-se à consciência e às energias do Si e utilizá-las para a própria
transformação e para o trabalho.

32
Capítulo VII

RESULTADOS DA MEDITAÇÃO PSICOLÓGICA

"Quando conseguimos retirar a atenção de nossa própria imagem


do mundo, quando recolhemos e concentramos nossa consciência
levando-a de volta ao seu centro em nós... então, passando pelo nosso
centro de consciência, emergimos no mundo do Real." (Van der Leeuw:
O fogo da criação.)

A fase da meditação psicológica traz como resultado fundamental, o aparecimento de


um centro de consciência desidentificado dos veículos pessoais, que não é somente um
"fundo de consciência" vago e amorfo, mas revelase a verdadeira dimensão humana, a
realidade mais íntima do homem, dotada de consciência e vontade. Em outras palavras, ao
alcançar o estado de "atenção ativa" e a consciência sem conteúdos, manifesta-se o nosso
verdadeiro Eu, o centro de autoconsciência, que é o reflexo do Si, de forma espontânea e
sem esforços.
O Si, mesmo sendo uma centelha da Essência Universal, ao encarnar, manifestando-se
e revestindo-se de veículos feitos de substâncias e energias cada vez mais densas,
individualiza-se, isto é, torna-se consciente de si mesmo como entidade autônoma e
autoevolvente, através de todo o processo evolutivo do homem.
O sentido do eu, a autoconsciência, é o reflexo dessa individualização gradual do Si,
desse processo de autoreconhecimento. Cada um de nós deve, pouco a pouco, enuclear em
si mesmo este centro de autoconsciência autêntica, o Eu Verdadeiro, a individualidade, que
não é o eu psicológico, o eu construído e egoístico, mas sim um núcleo de consciência livre,
autêntico e estável, que reflete a natureza e a essência do Si Espiritual.
Assim, a pergunta central que o homem faz a si mesmo ao despertar de sua
inconsciência e começa a sentir a exigência de descobrir o significado da vida, é a seguinte:
"Quem sou eu?" Não é nada fácil responder a esta pergunta, e no entanto, se ela for
colocada de forma correta e em atitude intensamente meditativa, pode tornar-se o meio
catalizador da verdadeira autoconsciência. Narra-se, a respeito, que o grande Mestre
indiano Ramana Maharshi, com apenas dezessete anos, conseguiu a iluminação e teve a
revelação do Si, exatamente quando fez a si mesmo esta pergunta, em um momento de
intensa meditação e procura.
Por não termos, obviamente, o mesmo grau de maturidade de Ramana Maharshi, não
poderemos obter um resultado tão rápido e elevado; poderemos, porém, através de
sucessivas desidentificações, conseguir libertar-nos daquilo que não é o eu e estabilizar-nos
num centro de consciência livre e destacado que nos dará o sentido da estabilidade, da
autoconsciência e da identidade.
Isso pode acontecer com a meditação psicológica, quando praticada com seriedade e

33
constância.
O centro de autoconsciência não é o Si total, mas uma sua projeção, um seu reflexo.
Poderíamos defini-lo: "aquele pouco de consciência do Si que conseguimos perceber,
enquanto estamos, em parte, ainda limitados pela identificação com a personalidade".
Todavia, mesmo sendo tão somente o reflexo do Si, o centro de autoconsciência possui
qualidades e poderes bem definidos. A primeira destas qualidades é a consciência pura, isto
é, livre e autêntica, sem conteúdos, dotada de clareza, estabilidade e destaque.
A segunda é a capacidade de síntese própria do poder unificador do Si, que, por
natureza, sempre tende à unidade, à totalidade, à harmonia. De fato, o centro de
autoconsciência é chamado também centro unificador da personalidade, pois tem a função
de integrar, harmonizar e coordenar os três veículos entre si.
Podemos, portanto, verificar o grau de aproximação do eu superficial ao Si,
exatamente com base em seu grau de estabilidade, de capacidade de síntese, de harmonia
e de unificação dos conteúdos pessoais.
Outro dos poderes fundamentais do centro de autoconsciência é a vontade, não como
é comumente entendida, mas como uma força interior, um poder de direção e de controle,
uma capacidade de vislumbrar a meta, uma nascente de energias livres e dinâmicas. Em
outras palavras, a vontade entendida como uma "presença" central, uma força que sabe o
que quer e pode realizá-lo.
Então, os três poderes fundamentais do centro de autoconsciência são: a consciência
(ou consciência de si), a capacidade de síntese e a vontade.
Reencontrar esse centro é uma passagem obrigatória, antes do despertar do Si. Ou
melhor, poderíamos dizer que constitui a porta através da qual teremos de passar para
reencontrar o Si Total, nosso verdadeiro Ser. O sentido do eu, de fato, é o que nos permite
fazer a experiência determinante de nosso desenvolvimento interior: a da solidão, da
autonomia e da liberdade de sustentações e projeções. Esta experiência nos permitirá
encontrar a nascente de nossa força interior e descobrir Deus no profundo de nós mesmos.
Alan W. Watts escreve:
"Enquanto o homem moderno não tiver realmente entendido o significado de seu
evidente divórcio da natureza, de seu agudo senso de separação e identidade pessoal, não
poderá absolutamente entender que seu verdadeiro Si é Deus. Se ele tentar impor-se este
ensinamento é mais do que provável que sofrerá um acréscimo espiritual, uma dilatação de
seu eu para a dimensão de Deus... Isso acontece porque a desafortunada vítima não
aceitou a divisão e o conflito. Não permitiu a Deus ser um eu. Negou aquilo que a natureza
predeterminou ao desenvolver o sentido de separação e, enquanto não o tiver aceito,
todas as suas tentativas de resolver o problema serão tentativas em termos de egoísmo.
Em outras palavras, tudo o que a solidão e o isolamento da autoconsciência comportam,
toda tentativa de se sair bem será inútil. O Eu não pode abolir a pena do conflito entre si e
o universo com a simples tentativa de se identificar com a essência daquele universo que é
Deus. Paradoxalmente deve realizar sua união com Deus sendo um eu. Antes de poder unir
você deve dividir." (De O significado da felicidade) (1)
1 - Publicado pela Editora Pensamento, 1983.
Mesmo nas antigas escolas esotéricas era absolutamente indispensável a experiência
da solidão e da privação de contatos e de apoio para poder conseguir a iniciação.
34
É portanto, necessário compreender o significado e o valor da autoconsciência, do
sentido de identidade para procurar então realizá-la e tornar-se verdadeiros Homens
conscientes da própria origem divina.
No Budismo-Zen também dá-se muita importância ao reencontro do "centro" correto
do homem, chamado "hara".
Karl Fried von Durckeim escreve em seu livro (Hara, o centro vital do homem segundo
o Zen):
"O problema da formação do eu correto é o problema fundamental da existência
humana. Da realização do eu correto dependem as relações do indivíduo com o mundo,
consigo mesmo, e com a transcendência".
Através da meditação psicológica recebemos ajuda nesta formação do eu correto, que
poderia ter-se verificado de forma errada, ilusória e distorcida.
É verdade que existem diversas "malformações" do eu, dentre as quais as principais
são duas:
1) o eu enrijecido e hiperestruturado;
2) o eu fraco e desprovido de estrutura.

A primeira deriva da prevalência do orgulho e da autoafirmação que levam o indivíduo


a cristalizar-se e a enrijecer-se no sentido do poder que deriva do aspecto vontade do eu.
Dissemos que a vontade é uma força que deve ser utilizada na direção correta e com
objetivos justos. Pode acontecer, entretanto, que o homem, se não estiver purificado, se
não tiver ultrapassado os desejos inferiores e a ambição, se sirva dela para fins egoístas e
para afirmar a si mesmo. Neste caso, ela se torna um perigo e pode provocar a
transformação do centro de autoconsciência naquela estrutura enrijecida e fechada do eu à
qual chamamos de "ego".
É preciso prestar muita atenção para evitar que isso aconteça, quando o centro de
autoconsciência emerge, contrabalançando a vontade com a consciência e o amor.
A segunda, ao contrário, revela uma fraqueza da vontade e uma prevalência da
consciência passiva, que pode levar a uma falta de demarcações e a uma "excessiva
sensibilidade".
O indivíduo no qual prevalece este aspecto será receptivo e aberto tanto ao seu
inconsciente como ao inconsciente dos outros e, portanto, será extremamente fácil de
influenciar e passivo.
Nele podem manifestar-se também estados superconscientes, exatamente porque é
aberto e receptivo, e então ele se sentirá em contato com o divino e num estado de alegria
e beatitude; por outro lado, podem irromper conteúdos do inconsciente inferior, individual
e coletivo e então poderá cair em estados de depressão e de confusão.
Naturalmente, estas são formas extremas de "malformação" que nos mostram como é
necessário desenvolver tanto o aspecto consciência como o aspecto vontade do Eu, que
levarão à verdadeira harmonia e à síntese da personalidade.
A vontade poderia ser considerada o polo masculino e a consciência o feminino, do eu.
Neste caso, também encontramos a misteriosa polaridade que governa todo aspecto da
manifestação, desde o macrocosmo ao microcosmo, do qual o homem é uma das mais
35
evidentes testemunhas.
Devemos, então, meditar a respeito do mistério do nosso Eu, da autoconsciência, que
constitui o ponto de apoio do Si na personalidade. O Oriente acentua a necessidade de
anular o senso do eu para se chegar à revelação do Si Universal, mas é preciso interpretar
de maneira correta este ensinamento, que pretende significar que devemos superar não o
senso de identidade e de consciência, mas sim a separatividade, o egoísmo, a rigidez, o
orgulho, que poderiam num determinado momento alimentar e aprisionar o Eu.
Se meditarmos por algum tempo sobre a pergunta:
"Quem sou eu?", poderíamos, gradativamente, ter a experiência direta da verdadeira
natureza do Eu, como autoconsciência pura e livre e passaríamos então da fase em que
afirmamos:

"EU SOU EU"


para a fase em que poderíamos dizer somente:
"EU SOU"

Neste momento, descobrimos que o Eu e o Si são um e que não há separação entre


nossa consciência individual e a consciência universal. Poderíamos, afinal, compreender o
profundo significado da verdade expressa pelo Buda com as palavras: "0 universo inteiro
torna-se Eu, quando o Eu humano e o Si se fundem."

36
Capítulo VIII

A MEDITAÇÃO ESPIRITUAL (1ª Parte)

A meditação espiritual (ou sem semente) começa onde termina a meditação


psicológica, isto é, a partir da capacidade de desidentificação e de atenção-consciência, que
fez emergir o centro de autoconsciência, o verdadeiro Eu.
A passagem de uma para a outra forma de meditação, todavia, não é assim tão clara e
rápida, mas gradativa; a linha divisória entre as duas não é tão definida e precisa; é a
própria pessoa que medita, que percebe estar começando a adquirir a capacidade de
permanecer no centro de Seu Ser, a capacidade de se "ver" sem ser envolvida pelos
conteúdos psíquicos e a de entrar num estado de imobilidade e de silêncio interiores.
Apoiado nesta capacidade, o indivíduo poderá finalmente abandonar-se e abrir-se,
deixando que sua consciência se expanda. Portanto, em vez de concentração, haverá
expansão; em lugar de controle e utilização consciente do pensamento, haverá a superação
do nível mental, discursivo e conceitual; substituindo um trabalho de seleção e de exame
dos conteúdos psíquicos, haverá uma abertura e uma aceitação total, juntamente com uma
feliz "rendição" ao Divino.
Com base nisto, podemos definir como características fundamentais da meditação
espiritual:
1) gradativa superação do pensamento discursivo e experiência cada vez mais
profunda do silêncio mental
2) estabilização do centro de verdadeira autoconsciência e da capacidade de
"atenção ativa", conseguida com a desidentificação
3) expansão da consciência
4) rendição e abandono ao Divino.

Examinemos separadamente cada uma destas características:

1) Gradativa superação do pensamento discursivo

Na fase da meditação psicológica, como vimos, havíamos dedicado grande parte de


nossa atenção à utilização consciente e direta da mente e do pensamento, através de
exercícios de concentração e de meditação reflexiva, seja para desenvolver a verdadeira
capacidade de pensar, seja para vir a desenvolver a capacidade de controlar e dirigir a
energia mental para fins elevados. Isso para purificar o corpo mental e torná-lo obediente e
receptivo ao Si.
Na fase da meditação espiritual, ao contrário, procura-se fazer emergir o outro
aspecto da mente, o receptivo, passivo, que tem a capacidade de "ficar em silêncio" e de
ser sensível às ideias dos planos superiores, à intuição e à verdadeira consciência. Para
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chegar a este silêncio há inúmeros detalhes e métodos, e no começo é válido sobretudo o
de não combater contra os pensamentos, não se esforçar para afastá-los com a vontade,
mas separar-se deles, deixa-los cair, permitindo-lhes fluir sem, porém, interessar-se por
eles. Desta maneira, os pensamentos acabam perdendo gradativamente energia, retiram-
se para a "periferia" da consciência, tornam-se esfumados e longínquos e mesmo que algo
deles permaneça, é como se fosse um murmúrio imperceptível e distante que não
incomoda, não chama a atenção e a consciência.
Alguns instrutores espirituais aconselham imaginar estar dentro de uma grande bolha
transparente onde reina o silêncio mais absoluto, enquanto os pensamentos ficam do lado
de fora desta bolha e se afastam cada vez mais.
O verdadeiro e total silêncio mental pode ser alcançado somente em estágios muito
avançados da meditação, quando se verifica uma profunda mudança de consciência e se
entra naquele estado chamado "samadhi" ou êxtase.
Perceber simultaneamente o silêncio mental e o pensamento discursivo na periferia
da consciência é um estágio intermediário de caráter particular, e foi experimentado e
analisado por inúmeros estudiosos da meditação que sublinharam sua grande importância
para o desenvolvimento e a experiência interior da "pura consciência". Consegue-se
perceber esta simultaneidade de silêncio e de pensamento quando, na tentativa de nos
abandonar e nos abrir deixando de lado todos os conteúdos morais e psíquicos, somos
levados para o sono e então lutamos contra ele para permanecer despertos, perdendo
assim o silêncio que havíamos alcançado. Cria-se, então, uma espécie de oscilação entre
sono e vigília que, repentinamente, nos revela um novo estado de consciência localizado
"acima" destes dois polos e capaz de equilibrá-los.
Perceber o pensamento na periferia da consciência, enquanto estamos em silêncio na
bolha imaginária que nos encerra, ajuda a criar este equilíbrio entre duas posições
aparentemente opostas, e a perceber um estado de consciência especial que é a base do
verdadeiro silêncio consciente. De fato, o silêncio obtido na meditação profunda não é
inconsciência, sono ou vazio, mas uma consciência mais aguda, desperta, lúcida, livre,
mesmo que permanecendo imóvel, silenciosa e sem conteúdos.
Esta experiência, quando conseguimos levá-la a efeito, por um fugaz instante que seja,
nos dá a prova de que a verdadeira consciência é, na realidade, fruto da síntese dos dois
polos de atenção exterior e atenção interior, de vida objetiva e vida subjetiva.
A partir destas sugestões para superar o pensamento racional e entrar no silêncio,
resulta claro que o principal e determinante para se obter este resultado é a capacidade de
desidentificar-se do processo do pensamento, de observá-lo para depois deixá-lo fluir sem
interessar-se mais por ele. Desta maneira, entra-se espontaneamente naquele estado de
consciência que chamamos de "atenção ativa", ou atenção-consciência, que leva ao
aparecimento de um centro de autoconsciência livre, destacado, sem conteúdos. Isso
relaciona-se com a segunda característica da meditação espiritual.

2)Estabilização do centro de verdadeira autoconsciência

No capítulo anterior, falamos a respeito da importância do reencontro do centro de


verdadeira autoconsciência, que constitui o resultado fundamental da meditação
38
psicológica. Este resultado se estabiliza e se aprofunda com a gradativa passagem para a
meditação espiritual e torna-se o suporte indispensável e determinante para poder praticá-
la sem perigos, pois, na atitude receptiva e de abertura desta fase meditativa, podem
manifestar-se conteúdos não somente pelo inconsciente superior, como também pelo
inconsciente médio, inferior e coletivo, (1) que poderiam arrastar-nos e mesmo "engolir-
nos", se não tivéssemos um centro de autoconsciência firme e forte.
1 - Vide o meu livro O eu e o inconsciente, Editora Pensamento, São Paulo, 1985.
Francesco Brunelli (médico psicossintetista) escreve sobre a meditação: "O ponto de
partida é sempre o Eu consciente, colocado no centro do campo de consciência. Se este Eu
não existe ou, melhor dizendo, não se revela em seu lugar, é impossível iniciar uma
verdadeira meditação... Somente quando o Eu se coloca no centro do próprio campo de
consciência... pode, na realidade, começar um trabalho de meditação, que consiste em
alargar os planos de consciência e em levar ao nível consciente sejam os conteúdos do
inconsciente inferior, sejam os do inconsciente superior e sobretudo em levar o Eu ao nível
do Si, fazendo com que desapareça o dualismo aparente que se evidencia na
desidentificação."
O centro de autoconsciência, ou Eu autêntico, é chamado também de Espectador ou
Testemunha; exatamente porque tem a capacidade de "ver e observar todos os conteúdos
da personalidade, tanto no nível mental como no nível físico e emotivo, sem identificar-se
nem deixar-se envolver, e com uma consciência lúcida, atenta, livre. de condicionamentos e
ilusões. Alcançar este objetivo leva, gradualmente, ao aparecimento de conteúdos mais
profundos, que até então haviam estado inconscientes, pois a liberação dos
condicionamentos é também uma liberação das resistências que impedem ao indivíduo ver
a si mesmo como é realmente e perceber as coisas em sua realidade, sem o filtro
condicionante dos conceitos, das etiquetas, das necessidades carenciais, e dos desejos
inconscientes. Um dos efeitos mais importantes da meditação espiritual é o
descondicionamento, que leva a reencontrar o frescor, a maravilha e a alegria do
verdadeiro contato com a realidade de si mesmo, do mundo e dos outros. Tudo é visto e
experimentado como se fosse a primeira vez, com a sensação da descoberta e da inocência
dos garotos que percebem as coisas em sua autenticidade, sem os véus dos esquemas
intelectuais e dos condicionamentos sociais e morais que impedem viver e experimentar o
mundo criativamente e de forma completa.
A atenção ativa, ao mesmo tempo, permanece como um fundo constante, não
somente no decorrer da meditação, mas também depois dela, tornando-se nossa habitual
maneira de ser, e levando-nos a uma profunda sensação de serenidade, afastamento e
calma, e àquela qualidade espiritual que Sri Aurobindo chama "equanimidade".
A equanimidade consiste numa constante inalterabilidade frente a qualquer evento ou
prova interiores e exteriores.
"Uma persistência constante, uma serena indiferença, uma calma aceitação da alegria
e do sofrimento, sem reações... são a base... da equanimidade." (A síntese da ioga, vol, II.)
Portanto, a partir do exame das primeiras duas características da meditação espiritual
emerge claramente o fato de que o trabalho de interiorização começa a produzir seus
efeitos, que a relação entre o Si e a personalidade está se transformando numa "unificação"
e numa "integração" e que a cisão aparente entre a consciência superficial, a do ego e a
39
consciência profunda do Si, está desaparecendo.
É preciso, porém, que a prática da meditação seja constante para que isso possa
acontecer, e é necessário que se forme um ritmo regular e cotidiano que pouco a pouco
"acostume" as energias dos veículos a se tornarem sensíveis e receptivas às influências
superiores provenientes do Si.
De fato, a personalidade deve tornar-se receptiva e obediente à Vontade do Si. Ela
deve revelar sua função de polo feminino, em relação ao Si que representa o polo
masculino. A personalidade simbolicamente representa a "Mãe" que, tendo recebido a
semente do Pai Divino (o Si), concebe e alimenta em seu ventre o Filho (a consciência, o Ser
Psíquico), transformando lentamente suas substâncias e seus veículos em "energia pura" e
espiritualizada,
No próximo capítulo veremos como isso acontece, examinando as outras duas
características da meditação espiritual, a expansão da consciência e a rendição ao Divino.

40
Capítulo IX

A MEDITAÇÃO ESPIRITUAL (2ª Parte)


"Esta sensação de expansão é muito mais forte do que a sensação
física da alegria: é profunda, ampla, “infinita.” (Do livro Gestos de
equilíbrio, de Tarthang Tulku.)

A terceira característica da meditação espiritual é a expansão da consciência.


Examinemos essa característica, da mesma forma que fizemos com as anteriores.

3) Expansão da consciência

Ao se alcançar um determinado grau de silêncio mental e de desidentificação dos


veículos pessoais, e ao colocar-se em atitude receptiva, verifica-se gradativamente e quase
despercebidamente, uma abertura para os níveis interiores que até agora haviam
permanecido inconscientes. De forma natural, desfazem-se todas as barreiras, as
resistências, os obstáculos que antes impediam nossa integração com o outro polo de nossa
consciência, o inconsciente; assim, começamos a perceber uma sensibilidade e uma
modalidade do ser mais profunda, mais ampla, mais intuitiva e imediata. Este
"inconsciente" ao qual nos referimos não é o subconsciente da psicanálise, mas é tudo
aquilo que, mesmo pertencendo à nossa natureza de seres humanos, tanto no nível pessoal
como no nível espiritual, ainda não entra no campo de nossa consciência, permanecendo
no plano subliminal. Além disso, com o termo "inconsciente" pretendemos incluir também
os planos de realidade mais altos e universais que, todavia, poderiam tomar-se parte de
nossa consciência caso conseguíssemos entrar em contato com nosso Si espiritual.
Esta concepção do inconsciente aproxima-se muito da do Zen. Suzuki escreve: "O
inconsciente na acepção do Zen é, sem dúvida, o mistério, o desconhecido... Ele é aquilo
que temos de mais íntimo, e justamente por esta sua intimidade é tão difícil agarrá-lo, da
mesma maneira que o olho não pode ver a si mesmo (Zen-budismo e psicanálise, (1) de
Suzuki et al.)
1 - Publicado pela Editora Pensamento, 9ª ed., 1983.
Esse "mistério", esse "desconhecido", segundo o Zen, inclui também níveis cósmicos e
universais. É a realidade transcendente e divina, que ainda não conhecemos, mas à qual
pertencemos através de nosso Si. Portanto, "integrar o inconsciente na consciência"
significa não somente conhecer a si mesmo profundamente, mas também abrir-se ao Si, ao
Divino e expandir a consciência até níveis Superconscientes.
Na meditação espiritual, que é de caráter eminentemente receptivo, verifica-se, como
dissemos, esta integração com o inconsciente, e isso leva não só ao complemento e à
harmonia, mas também ao desenvolvimento de uma sensibilidade diferente, à ativação de

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faculdades até então latentes, ao despertar da intuição e da criatividade e, sobretudo, à
capacidade de viver de forma autêntica e total, exprimindo nosso verdadeiro ser, o Si.
Somente alcançando esta integração, através da abertura que a meditação espiritual
proporciona, despertamos da inconsciência e do estado de confusão e de ilusão no qual
estávamos imersos até então e aprendemos a nos aproximar da vida, das pessoas e dos
eventos, não mais somente com os sentidos, com a emotividade e com a mente, mas
também com a consciência verdadeira, com a sensibilidade intuitiva, que nos permite ir
além das formas e das aparências, e perceber a realidade profunda e os significados reais
de tudo o que existe.
Eis por que, como já tivemos ocasião de dizer, é tão necessário ter alcançado certa
estabilidade no centro de autoconsciência, que nos permita não nos perdermos no imenso
mar do inconsciente e abrir-nos, permanecendo conscientes e lúcidos, sem cair em estados
de sonambulismo cheios de passividade e inconsciência.
Esta expansão da consciência pode ser obtida por etapas, como é óbvio, e avança ao
mesmo tempo em que se manifestam os demais desenvolvimentos interiores, favorecidos
pela meditação, entre os quais aquele contido pela quarta característica apresentada, que
examinaremos a seguir.

4) Rendição e abandono ao Divino

A palavra "rendição" deve ser entendida corretamente, pois poderia ser interpretada
de forma errônea e gerar mal-entendidos. Ela pretende exprimir uma atitude de total
aceitação e de completa confiança para com a Vontade do Si, que deriva do fato de
superarmos resistências e "obstinações" do ego, principal obstáculo ao despertar da
verdadeira consciência.
Na meditação espiritual devemos conseguir e sentir dentro de nós esta confiança, esta
aceitação, de forma espontânea e alegre, sem esforço ou tensão, mas com abandono e
completa adesão ao Divino. Esta não é uma atitude passiva ou retraída, mas ativa e
consciente, semelhante à da "atenção-consciência" de que falamos. Muitas pessoas
confundem esta atitude de "rendição positiva" com a que poderia chamar-se de "rendição
negativa" e que consiste numa condição de torpor passivo, de distração sem consciência.
Esse tipo de estado é extremamente nocivo, pois permite aos conteúdos do inconsciente
invadir-nos e às emoções "e pensamentos envolver-nos.
A rendição positiva, ao contrário, nos torna abertos, receptivos, "vazios" sem, porém,
fazer com que percamos o centro de autoconsciência, a lucidez, e nos permite, desta
maneira, tornar-nos sensíveis a estados de consciência mais elevados, a intuições e
inspirações provenientes do Superconsciente e de absorver as energias do Si, para que
produzam em nós a purificação e a transformação necessárias.
Esta é a razão pela qual os instrutores espirituais sublinham sempre que para se obter
uma boa meditação, devemos deixar de lado toda expectativa, toda exigência, toda tensão
ou esforço, e abrir-nos simplesmente, com confiança total e abandono, às forças superiores
latentes em nós.
Esta atitude é muito difícil para nós ocidentais, pois estamos acostumados a intervir
42
sempre com nossa vontade e com nossa racionalidade, mesmo nos eventos interiores. De
fato, sofremos de hipertrofia do consciente, isto é, damos maior atenção e
desenvolvimento ao "polo" de nossa natureza voltado para o exterior, o consciente, criando
assim em nós uma unilateralidade que dificulta o contato com o outro polo ou aspecto de
nós mesmos, o inconsciente, que permanece reprimido e sufocado.
Desta maneira, sem percebermos, criamos uma barreira e uma resistência ao
Superconsciente e ao Si, reforçando o Ego que, com sua ambição presunçosa, seu
egocentrismo, sua autoafirmação, é o maior adversário do Divino.
Com a prática constante da meditação que nos leva, gradativamente, a desenvolver a
capacidade de abertura para as dimensões superconscientes, de receptividade, de silêncio
interno, o ego se enfraquece, enquanto a consciência do Si, pouco a pouco, assume seu
lugar. Isso leva, como é óbvio, à queda das ilusões, dos apegos, das ambições pessoais e à
transformação da vontade pessoal na do Si.
Este é um momento extremamente importante de nosso desenvolvimento interior
que poderia ser considerado uma reviravolta decisiva, pois nos permite perceber que não
somos outra coisa senão um instrumento e canal de uma Vontade Superior e que, mesmo
não tendo completamente consciência disso, estamos voltados para um objetivo e guiados
por um Propósito bem específico. Todos os outros objetivos pessoais, todos os nossos
desejos, nossas exigências e metas terrenas são simplesmente ilusões criadas pelo ego que
julga ser livre, ter uma vontade própria e poder obter tudo o que se propõe. Na realidade,
por trás de todas as nossas exigências e expectativas humanas e pessoais, há o impulso do
Si a exprimir-se, a realizar-se através de seus instrumentos que nós, ao contrário, com
nossa consciência limitada e identificada com o relativo, distorcemos, poluímos e
desviamos.
Portanto, à medida que, através da meditação, desperta em nós a verdadeira
consciência e caem todos os condicionamentos e os véus das ilusões, aumenta em nos uma
atitude nova de "submissão" e de obediência a uma Vontade Superior, que se revela com
inspirações, intuições, "sinais" e símbolos, que aprendemos gradativamente a decifrar. Esta
não é uma atitude de devoção e puramente mística, mas uma atitude forte e consciente
baseada no reconhecimento do nosso Ser Real e na adesão interior e lúcida a um preciso
Plano Divino, ao qual sentimos pertencer e com o qual devemos colaborar.
O principal obstáculo é o ego que, como dissemos, com sua obstinação, torna mais
difícil esse amadurecimento e, por essa razão, devemos aprender a nos “render” e a ser
humildes e receptivos.
Somente com a "rendição positiva" podemos superar as resistências e as reações do
ego. Não devemos enfrentá-lo com a força, mas desvitalizá-lo e enfraquecê-lo com o
relaxamento, a abertura, o abandono, o silêncio interior e a humildade. Esta última
qualidade é extremamente importante pois somente ela pode corrigir o desmedido orgulho
do ego, sua exaltação, que faz com que julgue ser semelhante a Deus e ter um poder
imenso.
A personalidade representa, de fato, simbolicamente o polo feminino, receptivo,
passivo frente ao Si, que representa o polo masculino, positivo, ativo. Quando a
personalidade reconhece e aceita tornar-se passiva, "vazia" e silenciosa, pode então unir-se
ao Si, naquele evento misterioso chamado "o matrimônio nos céus" ou "núpcias místicas",
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que produzem o nascimento da consciência espiritual (o Filho).
Devemos, portanto, esforçar-nos para atingir o silêncio e o vazio interiores e aprender
a abandonar-nos às energias profundas que estão dentro de nós, deixando de lado a mente
racional, os desejos emotivos e vitais e as exigências do físico. Ao menos no momento da
meditação devemos poder ouvir a "Voz do Silêncio", que é a única voz de nosso Si, a ser
percebida e ouvida somente quando "as mil vozes" da personalidade se calam.
Se nos condicionamos a alcançar estes resultados com a meditação regular e
constante, obteremos seus efeitos mesmo na vida cotidiana, nos contatos com as outras
pessoas e adquiriremos cada vez uma maior serenidade, destaque e força interiores.
Todavia, não devemos cultivar as atitudes de silêncio, de rendição, de desidentificação
somente no momento da meditação, mas também na vida de cada dia, em nossas
experiências, em nossas relações interpessoais, levando em consideração que isso não
significa renúncia ou fuga da vida; ao contrário, é um prosseguir em frente para uma maior
participação à alegria, à beleza, ao amor, à verdadeira essência da existência. A este
respeito cito um trecho de Corrado Pensa:
"Render-se a tudo o que acontece conosco não significa encerrar, terminar, e sim agir,
começar, entreabrir. Entreabrir a nós mesmos amplas extensões interiores, porque de fato
ao render-nos, estamos rejeitando o fato de sermos inundados por esta ou aquela
excitação positiva, por esta ou aquela excitação negativa... Excitações que são reações a um
fato... A rendição, por outro lado, significa capacidade de ficar o mais possível com o fato.
Significa, se quisermos, uma constante rendição aos fatos..."
Em outras palavras, a meditação espiritual leva pouco a pouco à aceitação consciente
da vida, à compreensão do verdadeiro significado dos eventos e à utilização e
transformação criativa dos mesmos, pois coloca-nos em contato com nosso verdadeiro Ser,
o Si.

44
Capítulo X

RESULTADOS DA MEDITAÇÃO ESPIRITUAL


“A mais alta forma de humanidade é... a do homem que esvazia a
si mesmo fazendo com que as coisas sejam atraídas em sua direção...”
(Lao-Tsé.)

O resultado mais evidente da meditação espiritual, quando praticada seriamente e


com constância por um determinado período de tempo, é o gradual desenvolvimento de
uma sensibilidade mais profunda e interior da consciência.
O homem, como já dissemos, possui duas modalidades em sua consciência, dois
aspectos opostos e complementares, que se refletem mesmo no nível físico nos dois
hemisférios cerebrais, de que falamos no capítulo V.
Estas duas modalidades foram chamadas por alguns estudiosos:
a) modalidade de ação
b) modalidade receptiva

A modalidade de ação faz com que a atenção e o interesse se voltem para o mundo
externo com a tendência a manipulá-lo e a modificá-lo para alcançar objetivos pessoais. A
frase que poderia exprimir sinteticamente esta modalidade é a seguinte: "querer fazer com
que aconteça". De fato, quem é levado a utilizar esta modalidade tem a convicção de que
com a própria vontade, a própria inteligência e o próprio esforço, possa agir sobre o mundo
externo e sobre os eventos.
Isso, de certa forma, pode até ser verdade, pois, como afirmam os psicólogos, o adulto
maduro deveria ser dotado desta capacidade de agir sobre o exterior com a vontade,
reagindo às dificuldades da vida com a própria iniciativa e a própria capacidade de ação
inteligente e criativa. Todavia, se este aspecto é hipertrófico, impede e sufoca o outro polo
de nossa consciência: a modalidade receptiva, que nos dá a capacidade de "sentir" e
perceber os níveis mais profundos da existência e de entrar em contato com a nossa
própria ulterioridade e a dos outros.
Esta segunda modalidade poderia, sinteticamente, ser expressa com a frase "deixar
acontecer". Isso não significa passividade ou fatalismo, mas tendência a receber e a extrair
do ambiente a verdadeira essência e o real significado ocultos por trás das aparências,
ajudados por uma determinada sensibilidade que age por dentro. Esta sensibilidade, que
não se apoia na mente, nos sentidos ou na lógica, provém de uma parte superconsciente de
nós mesmos e é ativada sobretudo com a meditação espiritual. De fato, este tipo de
meditação, conforme vimos, coloca à mostra o outro polo de nossa consciência e baseia-se
no abandono, na rendição, na capacidade de silêncio mental, abrindo o nosso caminho para
a intuição, a percepção global das coisas, a capacidade de se identificar consigo mesmo, de
empatia, de sensibilidade supralógica, que é própria do Si e do Ser. Se conseguirmos
45
desenvolver esta modalidade na meditação, todo o nosso comportamento será
influenciado por isso, mesmo quando não estivermos em atitude meditativa, pois
gradativamente verifica-se uma transformação em nossa maneira de nos relacionar com a
vida e com os eventos e em nossa maneira de agir. De fato, aprendemos a "agir sem agir",
naquela atitude que os seguidores do Zen chamam "wuwei", pois no nível consciente e
exterior não há ação, mas deixa-se acontecer, enquanto o Si, no nível superconsciente
intervém e age. As seguintes palavras do livro Luz no caminho de Mabel Collins nos dão
uma ideia extremamente clara desta atitude:

"Fique afastado da batalha próxima, e apesar de combatê-la não seja você o guerreiro.
Procure o Guerreiro e deixe que Ele combata em você.
Receba as ordens dele para a batalha e obedeça-as."

O Guerreiro é o nosso Si Superior, isto é, nós mesmos, mas que nos parece externo por
ser ainda superconsciente. A ação sem ação é "abrir-se ao Si" e deixar-se guiar por Ele,
deixando de lado o ego e as ilusões da personalidade.
Voltando à "modalidade receptiva", observou-se que ela é própria da infância em que
prevalece a receptividade, a sensibilidade por via inconsciente, e uma forma de percepção
baseada em impressões e sensações, e não sobre o raciocínio lógico. Nesta modalidade, no
nível do sistema nervoso, prevalece o parassimpático, e o eletroencefalograma mostra a
presença de ondas alfa.
No decorrer da vida desenvolve-se gradativamente a outra modalidade da consciência,
a de ação, que submerge e sufoca a modalidade receptiva. Poderia pensar-se que voltar à
modalidade receptiva fosse um fato "regressivo", uma volta a atitudes e estados próprios
da infância, mas não é bem assim. Ao contrário, é dar espaço à nossa parte mais profunda e
mais verdadeira, é uma volta à inocência, à autenticidade, à sensibilidade imediata livre de
condicionamentos e filtros, que nos permite perceber a realidade como ela é realmente e
não como acreditamos que ela seja. De fato, não percebemos que o desenvolvimento da
mente racional nos aprisionou numa rede de conceitos, de definições e de esquemas que
nos separam da verdadeira essência das coisas tornando-nos incapazes de entrar em
contato com sua realidade.
Regredir neste sentido é uma volta a uma capacidade natural, que havia sido
removida, e é um fato muito importante e vital para nossa auto-realização.
Mesmo Jung fala sobre um movimento de progressão e de regressão que se alterna
dentro de nós e que constitui uma espécie de "respiração" da energia psíquica que corre
entre dois polos, o constituído pelo consciente e o constituído pelo inconsciente. A
progressão é o movimento da energia psíquica para o exterior, e a regressão o movimento
desta energia para o interior, isto é, para as camadas profundas e autênticas de nossa
psique. Esta "respiração psíquica" mantém o equilíbrio de nossa natureza e nos torna
harmônicos e completos.
Nós, ocidentais, precisamos dar mais espaço à modalidade receptiva, à faculdade de
fazer o superconsciente agir, se quisermos efetivamente conseguir entrar em contato com
o nosso Si.
Se conseguirmos realmente penetrar na meditação espiritual e obter os resultados dos
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quais falamos, que nos permitem modificar nosso nível de consciência interior, fazendo
emergir em nós o centro de "pura consciência", estaremos completamente transformados,
seja mentalmente, seja emotivamente, e, de certa forma, fisicamente (como mostra o
eletroencefalograma), e a nossa vida sofrerá mudanças radicais.
Frente a qualquer problema ou situação difícil não mais agiremos guiados somente
pelo nosso eu racional, ou pela emotividade que nos perturba, mas como se fôssemos
conduzidos de mãos dadas por uma Vontade Superior, por uma sabedoria profunda, e por
um definido intuito sobre a solução correta. Então, nos aparecerá claro o significado das
palavras acima citadas de Luz no caminho e compreenderemos o que realmente significa
"agir sem agir" abrindo-nos ao Si e oferecendo-nos como instrumento de Sua energia, de
Sua Sabedoria e de Sua Vontade carinhosa.
Assim, gradativamente, chegaremos a uma simultaneidade de passividade interior e de
ação exterior, isto é, a uma colaboração das duas modalidades da consciência, que não
estarão mais em conflito, e sim em perfeita sintonia e integração. Isso será obtido somente
depois de um período mais ou menos longo de oscilação e de alternativa entre as duas, que
atingirá seu ponto máximo no equilíbrio e na contemporaneidade das duas modalidades,
de forma que o indivíduo poderá funcionar simultaneamente em diferentes níveis, sem
perder o contato com o Si, que será sempre o guia e a nascente de energia de toda ação em
todos os planos. Como sabemos, a personalidade com seus três veículos é somente um
instrumento de expressão do Si, e o eu pessoal é somente um reflexo do Verdadeiro Eu.
Por isso, devemos deixar-nos guiar pelo Si, mesmo que não estejamos completamente
conscientes, abrindo-nos à Sua força, e à Sua luz, com a mais completa confiança e
abandono.
Desenvolvendo a sensibilidade interior de que falamos, aprenderemos também a
decifrar e a entender os sinais silenciosos e as mensagens que o Si nos transmite
continuamente, além de interpretar Sua linguagem simbólica, sentir Sua vibração, deixando
de lado a presunção, o orgulho e a racionalidade do ego, que, como Lúcifer, desejará
rebelar-se contra a pacata, sábia, mas inflexível Vontade do Si.
O aparecimento desta modalidade receptiva e deste novo estado de consciência trará
consigo outros resultados precisos, como a capacidade de exprimir qualidade e faculdades
humanas superiores, como o amor desinteressado, a criatividade, a intuição etc.
Estas qualidades são inatas na mais verdadeira e alta parte do homem, mas
permanecem potenciais e superconscientes, até se revelarem por efeito de
amadurecimentos interiores e de ampliações de consciência. O amor, por exemplo, quando
provém do Si, não é aquele sentimento emotivo e pessoal ao qual erroneamente damos o
nome de amor; é sim um estado de consciência natural do Ser, que é Unidade, Identificação
consigo mesmo, Compaixão, capacidade de dar, compreender, sentir-se unidos sem mais
desejos, exigências, expectativas, separatividade...
O Si é o amor, e o irradia sem esforço, sem intencionalidade, como o sol irradia luz e
calor.
Abrindo-nos ao Si na meditação espiritual e ativando a modalidade diretiva da
consciência, gradativamente abrimos caminho em nós mesmos para esta energia, esta nota
fundamental do nosso Ser central e chegamos a poder exprimir o amor, quase
inconscientemente, no começo; isso porque parece-nos um fato natural estar abertos aos
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outros, sentir a união, a compaixão, a participação sem as barreiras do egoísmo e da
separatividade que antes nos faziam sofrer, e faziam com que nos sentíssemos fechados,
divididos e sozinhos. A alegria entrará em nós e tornar-se-á um estado de consciência
habitual, pois o amor traz consigo a alegria, a calma, a sabedoria e aquela qualidade que Sri
Aurobindo chama "samata" (equanimidade), isto é, uma constante inalterabilidade frente a
qualquer evento, prova ou dificuldade da vida.
Além disso, ganhará espaço em nós a criatividade, como um resultado espontâneo de
nossa mudança de consciência e do nosso contato com o Si. Uma criatividade difusa e
generalizada, que se exprimirá em tudo o que faremos em todos os níveis (físico, emotivo e
mental), dando-nos espontaneidade, liberdade, frescor e autenticidade. Esta manifestação
também é uma qualidade intrínseca do Si, pois ser criativos significa ser si mesmos no mais
profundo e elevado significado desta expressão, e saber fazer fluir para fora todas as
energias que provêm da nascente divina que está em nós.
Eis, portanto, que a modalidade receptiva, catalisada pela meditação e tendo-se
tornado parte de nós mesmos, mesmo em nossa expressão cotidiana, não somente nos
dará a capacidade de nos abrir aos níveis superconscientes de nós mesmos, mas nos
fornecerá o meio para libertar as nossas mais elevadas potencialidades dos empecilhos e
das resistências que as sufocavam e lhes impediam o caminho, e nos levará gradativamente
à autoexpressão e à autorealização.
Tudo o que somos realmente é superconsciente, mas existe dentro de nós, devemos
somente abrir-nos e aprender a "ser". Devemos deixar que o divino que está em nós se
manifeste, deixando de lado o ego, suas falsas pretensões, suas ilusões, sua racionalidade
construída, seu orgulho, suas resistências e então nos tornaremos Verdadeiros Homens,
Filhos de Deus e perfeitas testemunhas e instrumentos do Si e do Divino.

48
Capítulo XI

INCONVENIENTES E PERIGOS QUE DERIVAM DA MEDITAÇÃO


“ ...Da mesma forma que a água mais pura torna-se poluída e
turva ao passar por canais infectados, assim a Sabedoria Divina se
corrompe ao escorrer em mentes despreparadas e em corações
impuros." (Annie Besant, A teosofia e a nova psicologia)

Até agora falamos a respeito da meditação sobretudo de um ponto de vista relativo à


consciência, acentuando a necessidade de nos abrirmos à realidade do Ser, para nos
transformar e nos tornar conscientes daquilo que realmente somos. Todavia, nossa
dissertação sobre a meditação não estaria completa se não mencionássemos o fato de que,
abrindo-nos a nós mesmos para o Si e construindo a ponte com as dimensões superiores,
abrimo-nos também a poderosas energias e forças, que devemos conhecer para poder
absorvê-las, canalizá-las e utilizá-las de forma correta, sem sofrer consequências nocivas e
perigosas.
Na realidade, a consciência é também energia. É um poder dinâmico e criativo que
produz efeitos de vitalização e de transformação bem determinados sobre tudo aquilo com
que entra em contato.
Sri Aurobindo utiliza a expressão "consciência-força" ao referir-se à consciência,
exatamente porque ela é dual, isto é, possui dois aspectos, um estático e um dinâmico,
como o Ser Divino ou Purusha.
Então, ao fazermos a meditação, não somente modificamos nosso estado de
consciência e despertamos para o mundo do Ser, mas evocamos também poderosas
energias que tendem a produzir efeitos bem determinados sobre os veículos da
personalidade. Estes veículos também são "energias" em nível vibratório diferente:
energias que, no decorrer da meditação, são vitalizadas pela influência do Si e por sua
"energia" que é uma energia primária. Isso significa que ao começarmos a praticar a
meditação acontecem em nós mudanças devidas à aceleração das vibrações das energias
dos veículos e ao despertar dos centros etéricos. Portanto, deparamo-nos com a
necessidade de compreender e administrar estas energias e fazer um minucioso trabalho
de transformação e purificação, um verdadeiro opus alchemico para evitar consequências
nocivas e negativas.
A energia do Si é como a do Sol que vitaliza tudo aquilo com que entra em contato e
faz brotar sementes boas e sementes ruins com sua força e calor. O mesmo acontece
conosco devido à afluência da energia do Si: se ainda houver alguma impureza e
negatividade em nossa personalidade, elas serão estimuladas e vitalizadas; isso, como é
óbvio, criará dificuldades e crises. Muitas pessoas, nos primeiros passos de prática
meditativa, acusam uma piora em seu caráter, estados de excitação ou de insônia, e
diversos mal-estares físicos e psíquicos, sem que consigam explicar a causa disso. Este
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estado de coisas deve-se ao processo que mencionamos anteriormente, isto é, à vitalização
de aspectos negativos latentes e a uma depuração espontânea destes aspectos, que, com o
tempo, permite que a luz e a consciência do Si penetrem nos veículos pessoais.
Este fato, se vivido com destaque, consciência e aceitação da necessidade de
purificação, pode transformar-se de inconveniente em oportunidade de progresso e de
amadurecimento. Ao contrário, poderia ser negativo e provocar dificuldades, quando vivido
numa identificação com as impurezas manifestadas, deixando-se envolver por elas sem
compreender sua natureza.
Na realidade, a manifestação de aspectos negativos latentes devida à meditação, não é
simplesmente consequência da vitalização de impurezas já existentes nos veículos pessoais,
mas também de um preciso processo oculto ao qual as energias superiores obedecem
quando entram em contato com níveis e dimensões inferiores. Este processo chama-se "lei
de degradação" que pode ser enunciada da seguinte maneira:
"Quando uma força qualquer desce a um plano inferior está sujeita a uma
transformação no veículo para o qual desce, e esta transformação depende da natureza do
próprio veículo. Nem toda a força se transforma, pois uma parte dela, conservando toda a
própria beleza afirma-se no mundo inferior com seu esplendor espiritual, mas uma grande
parte é alterada pelo veículo no qual passa e é transformada na forma de energia à qual o
veículo se presta." (Do livro A teosofia e a nova psicologia, de Annie Besant.)
Esta lei esotérica esclarece-nos ainda mais a causa dos inconvenientes e dos perigos
que a meditação pode produzir convencendo-nos ulteriormente da necessidade da
purificação da personalidade, que deve acompanhar o trabalho de meditação.
Vamos ver a seguir como são definidas estas consequências não positivas pela
afluência de energia espiritual nos veículos pessoais:
1) estímulos
2) desvios
3) ilusões

1) Estímulos

Como vimos, a energia do Si ao afluir na personalidade, produz uma vitalização de


todos os aspectos e vibrações dos corpos, que se exprime com efeitos positivos ou
negativos dependendo do grau de pureza destes veículos.
O termo "estímulo" é utilizado, em geral, para indicar os efeitos negativos e as
perturbações físicas e psíquicas que podem derivar dele. Podem ser "estimulados" os três
veículos pessoais e mesmo os centros etéricos, como veremos mais adiante.
Os efeitos da estimulação para cada um dos veículos pessoais podem ser descritos
sucintamente como segue:

a) Estimulação do corpo mental


Pode provocar mal-estares físicos, como sensação de congestão cerebral, dor de
cabeça, confusão mental, cansaço, tristeza, sensação de ofuscamento das faculdades
visuais e auditivas, insônia ou excessiva sonolência etc. Ou então pode provocar distúrbios
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psíquicos no nível mental, como incapacidade de concentração, excitação mental,
dificuldade para pensar com clareza manifestação de dúvidas, ideias obsessivas,
acentuação dos defeitos da mente, isto é, criticismo, pessimismo, ambição, autoafirmação,
separatividade, tendência a polemizar e a destruir...

b) Estimulação do corpo emotivo


Manifesta-se com um aumento excessivo da emotividade, com consequentes
ansiedades, angústias, depressões, agitações, facilidade de chorar e com reações emotivas
violentas, medo etc.

c) Estimulação do corpo físico-etérico


Revela-se com ativismo excessivo, tendência à agressividade física, à violência, à
insônia, à incapacidade de relaxamento, à intensificação dos instintos e dos desejos físicos e
dos males físicos já existentes, à preguiça excessiva misturada com uma sensação de tensão
etc.
A estimulação, além disso, pode-se revelar com uma vitalização prematura dos centros
etéricos, sobretudo daqueles abaixo do diafragma, como o centro situado na base da
espinha dorsal (muladhara), o centro do sexo (svadhistana), o plexo solar (manipura).
Eventualmente, manifesta-se também a estimulação dos centros superiores, isto é, o
centro do coração, da garganta, o centro entre as sobrancelhas. Cada uma dessas
estimulações traz consigo distúrbios e mal-estares físicos ou psíquicos, nervosos, às vezes,
que podem resultar em doenças físicas ou em neuroses.(1)
1 - Vide meu livro Medicina psico-espiritual, Cap. IX, Editora Pensamento, São Paulo, 1984.

2) Desvios

Os desvios indicam erros e ofuscamentos da clareza da consciência e do


discernimento, provocados justamente pela manifestação de impurezas.
As impurezas são, na realidade, "confusões funcionais", isto é, alterações da
verdadeira função dos veículos pessoais, que são emanações do Si, e deveriam servir como
seus instrumentos de expressão. No entanto, o que acontece é que, sob o efeito da
estimulação, que acentua as suas negatividades, estes veículos adquirem um poder, uma
autonomia ilusória perdendo o contato com o Si, e isso os leva a funcionar independente-
mente como se cada um deles tivesse uma vontade e um "eu" separado. Isso, obviamente,
leva a erros e a desvios, que afastam da direção correta o Caminho Espiritual para a auto-
realização e a expressão do Si e do Divino.
Uma das causas mais frequentes dos desvios é o despertar dos "poderes psíquicos"
inferiores, que surge da estimulação do plexo solar. Isso proporciona a capacidade de visão
das formas-pensamento astrais e de percepção de vozes, mensagens etc., que o indivíduo
julga provirem de um nível espiritual mas que, ao contrário, são construções ilusórias de
substância astral, que o desviam e dificultam seu caminho.
Estas sensibilidades são conhecidas com o termo genérico de "astralismo" e
51
constituem um dos mais perigosos inconvenientes da estimulação do plexo solar. Os
verdadeiros poderes são os que derivam do despertar da consciência do Si, e nada têm a
ver com o astralismo, pois são impessoais, sem forma, sem aparências atraentes, mas
profundamente impregnados de poder do Amor, da Intuição, da Unidade e da Paz profunda
e silenciosa.

3) Ilusões

Trata-se de formas muito sutis e fugazes de erro às quais toda a humanidade está
sujeita; exatamente porque há a identificação com a personalidade e a inconsciência da
verdadeira natureza.
Devido ao afluxo excessivo das energias dos níveis superiores na meditação, estas
ilusões podem ser acentuadas e tornar-se ainda mais arraigadas e insidiosas, porque se
escondem e disfarçam sob aspectos positivos da personalidade, mascarando-se de
qualidades elevadas, conseguindo misturar-se astuciosamente com aquilo que há de,
realmente, positivo e bom no indivíduo; e poderia mesmo ser uma pessoa suficientemente
madura, que tenha iniciado o trabalho espiritual e de meditação. Na realidade, qualquer
tipo de ilusão (mental, emotiva ou etérica) deriva da ilusão central do homem: a do ego.
O ego, como sabemos, é nosso eu pessoal, que surge da integração dos três veículos
pessoais, mas não tem uma verdadeira consciência e uma real identidade, pois identifica-se
com o conjunto dos desejos, dos impulsos e dos condicionamentos da personalidade.
Todavia, pode ter uma grande força, quando condensado e estruturado num núcleo de
vontade egoística e separativa.
Pode tornar-se um grande obstáculo para a tomada de consciência do Si, que é o
Verdadeiro Eu, a ponto de, em determinadas escolas esotéricas, ser chamado de "Guardião
da entrada" ou o "Adversário", para indicar sua natureza rebelde e obstinada, que se opõe
à Luz e ao Amor do Si. Muitas vezes, o ego permanece inconsciente, sobretudo nas pessoas
que têm uma certa maturidade espiritual, e que são sensíveis, mesmo esporadicamente, à
vibração do Si. Por esta razão pode acontecer que, apesar de sua sincera aspiração e boa
vontade, elas encontrem obstáculos e dificuldades para uma completa realização e nunca
consigam ultrapassar por completo certas tendências pessoais e determinados desejos
egoísticos. Há nelas um acentuado dualismo e um perene conflito do qual não sabem
explicar os motivos.
O ego pode dar origem tanto a "ilusões" como a "desvios" pois altera a verdade em
vantagem própria e apropria-se de toda conquista interior, para vangloriar-se disso em seu
orgulho e em sua separatividade ilusória. Pode acontecer que, ao meditar, o ego se
evidencie e se coloque decididamente em frente à consciência do indivíduo, criando-lhe
dúvidas, incertezas e medos. O momento desta evidenciação é muito perigoso, mas
também extremamente importante e decisivo, pois assinala um "ponto de partida" no
caminho interior do homem que afinal pode reconhecer seu "adversário", combatê-lo e
vencê-lo.
Eis por que, juntamente com a meditação, é preciso começarmos um sério trabalho de
autoanálise, de purificação e de autoformação.
52
Somente assim poderemos realizar e concretizar a importante regra evolutiva que é
enunciada por Sri Aurobindo como segue:
"A evolução é uma gradativa transformação da energia em consciência."
Enquanto as energias permanecerem inconscientes podem constituir uma força
perigosa e uma resistência, pois são potenciais forças explosivas de natureza primordial; no
entanto, se tomarmos consciência delas, as aceitarmos e as reconhecermos, poderemos
nos desidentificar delas, e com a ajuda da Luz do Si, recebida na meditação, transformá-las,
encarná-las, sublimá-las e reuni-Ias ao Espírito superando o dualismo que nos dilacera.

53
Capítulo XII

A MEDITAÇÃO CRIATIVA COMO MEIO DE UTILIZAR AS ENERGIAS

“ ...A meditação é vida de ação criativa livremente fluente... Ao


colocar o individuo em comunicação com o eterno a meditação
revitaliza perenemente sua ação." (Haridas Chaudhuri: Ioga integral.)

Podemos transformar os inconvenientes e os efeitos negativos da excessiva afluência


de energias, provocada pela meditação, em um fato positivo se tomarmos consciência da
necessidade de começar um trabalho de purificação e de transformação dos veículos
pessoais e de utilizar conscientemente e de maneira correta estas energias recebidas.
Os distúrbios e as negatividades que apareceram servem para evidenciar nossos
pontos fracos, nossas carências, nossos erros e impurezas e nos indicam claramente qual é
o trabalho a ser feito.
É possível transformar a meditação num trabalho criativo, pois ela pode ser utilizada
para a construção de uma nova personalidade, regenerada e purificada. De fato, através
dela podemos não somente "ver" nossa realidade evolutiva, como também utilizar
criativamente as energias do Si para nosso crescimento interior.
A meditação, então, tem três níveis que enunciamos como segue:
a) meditação psicológica (ou meditação com semente)
b) meditação espiritual (ou receptiva)
c) meditação criativa (isto é, autoformativa e criativa)

Examinamos os primeiros dois estágios, e vimos que na verdade o primeiro é um


estágio preparatório e o segundo de abertura para o Si e o superconsciente. O terceiro será
analisado a seguir.
Efetivamente a criação meditativa está estreitamente relacionada com um trabalho
concreto de autoformação e de purificação que deve ser levado adiante pelo homem com
sua vontade e sua firme dedicação ao Divino. Este trabalho é constituído por aquele
conjunto de práticas e atitudes exteriores e interiores que os orientais chamam de
"sadhana" e que se baseia na clara visão da meta, na disciplina, na constância e sobretudo
na total "doação de si" à Realidade Suprema.
A esta altura, é oportuno dizer que muitas pessoas que praticam a meditação,
sobretudo quando do tipo oriental, acreditam não ser necessário fazer absolutamente nada
do ponto de vista pessoal para ajudar o processo de realização do Si. É a regra do "não-
esforço", que mencionamos num dos capítulos anteriores, e deve, porém, ser interpretada
de forma correta e aplicada exatamente para que seja eficaz.
"Não-esforço" significa cultivar uma atitude que não se baseia na vontade pessoal, na
ambição e na ânsia de alcançar resultados, mas numa autêntica e espontânea aspiração ao

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Divino, numa exigência profunda e intensa de crescimento interior, voltada irresistivelmen-
te para a auto-realização.
O "não-esforço" errado baseia-se, ao contrário, na ilusão de que é suficiente abrir-se
ao Si para que tudo se resolva. Portanto, como é óbvio, esta atitude gera inércia,
passividade e incapacidade de superar os automatismos, as resistências e os
condicionamentos inconscientes nos veículos pessoais.
"Abrir-se ao Si" não é uma atitude passiva, mas significa "eliminar os obstáculos",
libertar-se das impurezas e das ilusões do ego, evocar potencialidades positivas latentes,
tomar consciência dos lados obscuros de si mesmo e, portanto, significa trabalho
consciente, adesão e colaboração com a vontade do Si, disciplina e capacidade de
superação e destaque.
Um dos sinais mais evidentes que indicam estar acontecendo no homem uma abertura
efetiva para o Si é o impulso irresistível de colaborar com as forças evolutivas, é a decisão
interior de sair da identificação com o eu construído, é a exigência de crescimento e de
autoaperfeiçoamento, proveniente de nosso Ser autêntico que começa a manifestar Sua
presença.
Em outras palavras, a necessidade de começar um sério trabalho de autoafirmação e
de purificação de si mesmos já é um efeito da luz da verdadeira consciência que começa a
ganhar caminho dentro de nós para poder manifestar-se.
O Si é o simbólico fermento de que fala a parábola do Evangelho, que misturado com a
farinha (a personalidade humana) pouco a pouco a faz crescer.
Não se deve, porém, confundir este impulso a progredir para a realidade e a totalidade
do Si, com a exigência de auto-realização pessoal baseada na ambição e na necessidade de
sucesso e felicidade pessoais.
O impulso para progredir, de que falamos, baseia-se na intuição profunda da
verdadeira natureza do homem e do real objetivo da vida; e quem teve esta intuição, por
amadurecimento espontâneo, ou como efeito da meditação, não pode deixar de tender
com todas as suas forças para a realização desta "verdadeira natureza" e para a adesão a
este objetivo com total entrega de si.
Isso não está em contradição com a atitude que surge da modalidade receptiva da
consciência, que é evocada pela meditação e que se baseia no "deixar acontecer" e no
"deixar ser". Não há contraste entre o abandono do Si e a "sadhana" consciente, pois esta
última é válida somente se for o resultado do primeiro. Por isso, a verdadeira
autoafirmação está estreitamente ligada com a meditação que produziu uma abertura para
o Si, uma afluência de energias espirituais e uma precisa mudança de consciência.
Tem início, então, uma interação entre o Si e a personalidade, uma troca de energias,
com vicissitudes alternadas, momentos de iluminação e momentos de escuridão, enquanto
não for superado o dualismo aparente e se verifique a unificação total dos dois polos. Sri
Aurobindo afirma o seguinte: "O ponto de partida da ioga será... um esforço. Neste período
a obra é realizada através dos instrumentos da natureza inferior cada vez mais ajudados
pelo alto... Mas a substituição total da ação divina pela ação humana não é possível assim,
de repente ... O elemento inferior do desejo deverá participar, necessariamente, de todas
as tentativas de ascensão." (Síntese da ioga, vol. II.)
Estas palavras confirmam a necessidade da colaboração da personalidade "de baixo"
55
para a influência do Si, que age como elemento catalisador e nos leva a dar início à obra de
transformação de nós mesmos.
É preciso lembrar que o homem é o único ser da natureza que pode colaborar
conscientemente com a própria evolução e que é ele mesmo "o laboratório vivo e
pensante" onde está se formando o Homem Novo, criatura do V Reino.
Um fato que pode nos estimular muito, além de nos dar grande ajuda neste trabalho,
é sabermos que nossos erros, nossas fraquezas, nossas impurezas derivam somente de
uma utilização errada das energias e que não devemos destruir nada daquilo que está em
nós, mas somente dar uma nova orientação ao conjunto e canalizá-lo na direção correta.
Autoafirmação não significa renúncia ou destruição de uma parte, mesmo negativa, de
nossa personalidade, mas operar sua transformação e utilização correta. Sri Aurobindo nos
diz: "Toda parte de nossa natureza não tem como meta final algo que lhe seja
completamente estranho, de onde derive a necessidade de sua extinção, mas algo de
supremo em que transcende e reencontra seu próprio absoluto, seu infinito, sua harmonia,
além de todo limite humano." (Síntese da ioga, vol. lI.)
Na realidade, devemos vir a ser o que já somos; o que interpretamos como esforço e
fadiga nada mais é do que a resistência de nosso lado obscuro e inconsciente, presa de
automatismos e hábitos, à luz e à consciência do Si.
Cada defeito, cada negatividade, cada erro nosso, oculta, na realidade, energias
positivas que "invertemos" por ignorância e inconsciência, identificados com o ego
construído e com nossos desejos pessoais.
As impurezas não são outra coisa que confusões funcionais, isto é, consequências da
utilização errada das energias e mistura de elementos impróprios nos veículos pessoais
que, por causa disso, sofrem desvios e alterações em sua função correta.
Portanto, não se trata de "construir" algo que não existe, ou destruir algo negativo;
trata-se de tomar consciência da realidade que está por trás das aparências, de nos
desidentificar dos condicionamentos, dos ritmos falsos e ilusórios e de evocar
potencialidades já presentes, libertando energias bloqueadas pela inconsciência.
Só o fato de saber isso pode nos ajudar muito no trabalho dando-nos confiança no
resultado, pois não se trata de ir contra nossa natureza, mas satisfazê-la, libertá-la e fazer
com que reencontre seu autêntico esplendor. Autoformar-se é adequar-se à nossa
realidade mais profunda, ao nosso verdadeiro Ser, mesmo que no início, por ser este
superconsciente, seja preciso um ato de vontade e de decisão. "A auto-realização é um
desenvolvimento intrínseco daquilo que já existe no organismo, melhor, daquilo que o
organismo tem em si mesmo." Maslow faz esta afirmação em seu livro Motivação e
personalidade.
Portanto, a vontade serve apenas para interromper um ritmo errado, para deter um
fluxo de energias que estão voltadas para uma direção errada devido a automatismos
inconscientes e, para que tenhamos a força de "dar a virada" decisiva de nossa vida... Mas,
a seguir, tudo fica fácil, espontâneo, pois percebemos estar em harmonia com o natural
impulso evolutivo e com a Vontade Divina.
A meditação nos ajuda muito neste trabalho e há exercícios e técnicas específicos a
serem utilizados na prática meditativa, cuja finalidade é exatamente reorientar as energias,
evocar as qualidades latentes, abrir-nos às potencialidades superconscientes, sublimar os
56
lados negativos em positivos.
Esta é a fase operativa e criativa da meditação, que nos leva a descobrir leis ocultas,
realidades e poderes escondidos nas profundezas de nós mesmos, tornando-se desta
maneira uma verdadeira "ciência interior".
O verdadeiro esoterismo pode ser considerado uma ciência, pois, tal como a ciência,
baseia-se nas experiências diretas de energias, de fenômenos, de realidades que, mesmo
sendo hiperfísicos, manifestam-se de acordo com leis precisas.
Para chegar a este estágio da meditação, porém, é preciso ter praticado com sucesso e
constância os outros dois estágios e ter alcançado um certo grau de contato e de abertura
para com o Si. Portanto, faz-se necessário ter conseguido a separação, a pureza e a
consciência, para trabalhar sobre si mesmos seguindo a motivação correta movidos pelo Si
e não pela ambição do ego, que desejaria infiltrar-se disfarçadamente em toda a nossa
conquista, para se apropriar dela e agigantar assim seu falso poder.
É preciso ter coragem e humildade, além de constante aceitação de si para iniciar o
trabalho consciente de autoafirmação que tende a nos fazer superar o eu separativo, seus
desejos, suas ambições e a nos tornar capazes de nos oferecer ao Divino como Seus
instrumentos e canais.
Encerro este capítulo citando ainda algumas palavras de Sri Aurobindo, que nos
enchem de esperança, alegria e confiança:
"Tudo o que abandonamos nos é devolvido maravilhosamente transformado e
transfigurado no Bem Supremo, na Luz e na Felicidade daquele que é eternamente puro e
infinito, mistério e milagre, que nunca deixa de ser na contínua evolução dos tempos."
(Síntese da ioga, vol. II.)

57
Capítulo XIII

EQUILÍBRIO ENTRE VIDA INTERIOR E VIDA EXTERIOR

"Os ramos da árvore são balançados pelo vento, o tronco


permanece imóvel. Ambas, a ação e a inação devem encontrar lugar em
ti. Teu corpo move-se, mas tua alma é calma como um lago de
montanha.” (A voz do silêncio, Helena P. Blavatsky)

Meditação e autoformação são, portanto, complementares e representam


simbolicamente os dois polos da natureza humana que interagem para procurar,
primeiramente um equilíbrio e um ritmo, e a seguir, uma união entre mundo interior e
mundo exterior, entre Espírito e Matéria.
O homem vive numa situação aparentemente paradoxal, pois participa de duas
dimensões, a universal e a individual. Ele serve de ponte entre Céu e Terra e vive em si
mesmo, como conflito primeiramente, e, a seguir, como oportunidade de transformação e
de evolução.
Esta posição do homem constitui seu maior problema, mas também seu privilégio,
pois confere-lhe o encargo de reunir em si mesmo Espírito e Matéria, o Infinito com o
Finito, através de seu sofrimento e de sua perturbação, e de ser o representante e o reflexo
de todas as leis cósmicas e divinas. O homem é o microcosmo que reflete em si o
macrocosmo e pode fazer experiência direta, em sua consciência, da realidade
transcendente, além de reviver em si mesmo a Unidade e a Harmonia, que estão na
dependência da multiplicidade e da divisão. Por isso, destacamos tanto, no começo deste
livro, a necessidade de praticar a meditação, exatamente como corretivo para a excessiva
extroversão que nós ocidentais geralmente demonstramos; por essa razão sublinhamos a
importância de conseguir evidenciar o outro polo de nossa natureza, o interior.
De fato, após um certo período de prática de meditação regular e constante,
percebemos que dentro de nós se estabelece um ritmo e um fluxo e refluxo de energias de
dentro para fora e de fora para dentro, que é semelhante a uma respiração interna, ou à
sístole e diástole do coração, que cria o equilíbrio e a harmonia entre vida subjetiva e vida
objetiva, entre o Si e a personalidade. Nisso também somos o símbolo e o reflexo do
macrocosmo, pois esta respiração interior, este rítmico fluxo e refluxo de energia, que se
evidencia pouco a pouco, reflete uma verdade universal e transcendente, isto é, a que é
chamada pelos orientais "a grande respiração de Brahma", e que é, na realidade, o
movimento rítmico de involução e de evolução (Manvantara e Pralaya) que regula os ciclos
da manifestação.
Quando o Uno se manifesta e emana do Si suas energias, há uma "descida", uma
involução do divino numa gradativa densificação, até produzir a matéria sólida. A seguir,
porém, estas mesmas energias, ao atingirem o ponto mais baixo, tendem a subir

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novamente e a voltar à sua origem. Produz-se então um movimento de "ascensão", depois
de um desvio, movimento que gera a evolução e a gradativa transformação, ou "redenção"
da matéria, com atrito e sofrimento. As energias divinas, cristalizando-se em matéria densa,
tornaram-se inertes e opõem por isso mesmo uma resistência inconsciente ao impulso
evolutivo. Este atrito produz o nascimento de um terceiro fator: a consciência, o Filho
simbólico da união de Espírito e Matéria.
No homem acontece o mesmo processo repetida e ciclicamente, não somente quando
o Si se encarna, mas toda vez que se verifica um contato entre as energias superiores e a
personalidade.
As energias do Si descem nos veículos pessoais e "envolvem-se", pois, em contato com
os aspectos pessoais; sofrem a lei de "degradação", da qual falamos num capítulo anterior;
ao mesmo tempo, porém, produzem transformações e proporcionam estímulos de
crescimento à consciência adormecida e aos centros etéricos, que têm necessidade de ser
despertados e vitalizados.
Ao chegarem ao ponto mais baixo, no corpo físico, estas energias realizam uma
conversão e tendem a subir novamente. Caso não encontrem obstáculos ascendem de
centro em centro, refletindo o movimento evolutivo universal. Ao ascender purificam os
veículos da personalidade e sublimam as energias dos centros inferiores, estimulando o
processo de crescimento e de evolução do homem. Este processo de descenso e ascensão
das energias deveria verificar-se de forma harmônica e rítmica, como uma "circulação"
natural do alto para baixo e de baixo para o alto. Na realidade isso não acontece pois há
obstáculos devidos à resistência inconsciente que o homem opõe à força evolutiva por
causa de seus condicionamentos seu estado de escuridão e ignorância. Disso derivam
sofrimento, perturbação e crise.
Quando começamos a praticar a meditação, no entanto, este processo interior é
facilitado, pois as resistências e os condicionamentos se desfazem e as energias superiores
podem afluir aos veículos, purificando-os e transformando-os. A verdadeira consciência do
Si então eventualmente se manifesta e, nesse caso, é possível colaborar conscientemente
com este impulso evolutivo.
Portanto, é indispensável integrar o trabalho de meditação com a autoformação
consciente, que permite uma assimilação e uma utilização das energias recebidas e uma
superação gradativa do dualismo conflitual entre o Si e a personalidade, transformando-o
em equilíbrio e colaboração, até que alcance o perfeito alinhamento entre os dois polos.
Isto leva à simultaneidade de expressão do Si e de seu instrumento, consequente à sua
unificação.
O homem que entra no caminho espiritual começa a viver sua dualidade
conscientemente e tem início, então, aquela que é chamada "vida dupla", isto é, uma vida
em duas dimensões: a interior e a exterior. Realiza-se esta meta passando, antes de mais
nada, por uma fase alternativa entre introversão e extroversão, de meditação e ação, que
cria uma oscilação rítmica entre os dois polos; a seguir, passando por uma fase de
simultaneidade e unificação que pode ser sinteticamente expressa com as palavras do
Bhagavad-Gitā: "Ação na inação, e inação na ação."
Alcançar esse estágio é algo que talvez ainda esteja muito longe de nós e, por
enquanto, devemos visar a atingir o equilíbrio e a capacidade de integrar, de forma
59
harmônica, as duas modalidades de nossa consciência, utilizando a interação entre o fluxo e
o refluxo das energias. Para atuar isso, é preciso ter alcançado a estabilidade do centro de
consciência, desidentificado dos veículos, e a capacidade de ser Espectador objetivo de si
mesmo.
O centro de autoconsciência emerge, efetivamente, da desidentificação dos veículos
pessoais e, mesmo não sendo ainda o Si total, é um reflexo dele, uma sua "projeção", que é
um ponto virtual a meio caminho entre a personalidade e o nível em que o Si habita. Este
centro de autoconsciência é como uma ponte entre o nível pessoal e o espiritual e cria
antes de mais nada uma relação harmônica entre os dois; a seguir, gradativamente, uma
síntese.
Ele é o "ser psíquico" de que fala Sri Aurobindo, ou o "jivatma" das doutrinas orientais,
a centelha divina oculta na personalidade, um fragmento do si total. Testemunha e ponte
que nos liga com o Divino.
Podemos trabalhar sobre nós mesmos na autoafirmação e iniciar o processo de
equilíbrio e de unificação entre o Si e a personalidade somente se tivermos alcançado o
nosso centro de autoconsciência, livre, autêntico e seguro. Isso pode ser obtido com a
meditação regular.
Acredito ser útil agora falar, mesmo rapidamente, a respeito dos processos de
transformação e de circulação das energias que se verificam dentro de nós, à medida que
procedemos no trabalho de purificação, de autoafirmação e de meditação.
Quando as energias do Si descem nos veículos pessoais sofrem uma mudança, como já
dissemos, e se transformam em forças da personalidade, por um gradativo processo de
"degradação", chamado comutação. Este fato nos demonstra mais uma vez a essencial
unidade do nosso ser, que aparece múltiplo, dividido em diversos elementos
aparentemente opostos. A energia do Si é como a luz do Sol que, passando por um prisma,
decompõe-se nas sete cores do arco-íris, recompondo-se em seu branco esplendor se, ao
girar o prisma, encontrarmos uma posição correta.
O processo de comutação "adapta" as energias do Si às vibrações mais baixas dos
veículos pessoais, e faz com que assumam a nota e a cor do veículo através do qual se
manifestam, e se este veículo não é puro as energias superiores poluem-se e "degradam-
se". Assim a Vontade do Si torna-se autoafirmação e desejo; o amor do Si se torna emoção
e apego; a Criatividade torna-se sexualidade... Este processo de adaptação, todavia, é
necessário para a formação da personalidade, que é o instrumento de experiência e de
expressão do Si nos três planos inferiores da manifestação (o físico-etérico, o emotivo e o
mental).
As energias do Si, numa segunda etapa, tendem a retornar à nascente, à medida que o
homem desenvolve a verdadeira consciência e se liberta das falsas identificações,
começando o processo de sublimação que poderia, sinteticamente, ser descrito com as
palavras: "Transformação de forças pessoais em energias do Si."
Antes, porém, de efetuar este processo, que requer uma superação total do eu
pessoal, há outras fases que ajudam e preparam o homem em seu crescimento interior e
em seu caminho de volta à "Casa do Pai".
A primeira fase é chamada transformação e pode ser definida da seguinte maneira:
"Forças de um corpo pessoal que se transformam em forças mais úteis do mesmo corpo."
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Por exemplo, o desejo que se transforma em aspiração espiritual, e o criticismo mental que
se transforma em capacidade de análise e discernimento. O primeiro (o desejo) é uma força
emotiva negativa, porque limitadora, que se transforma numa outra força emotiva, a
aspiração espiritual, que é positiva, pois é evolutiva e estimulante. O criticismo, ao
contrário, é um aspecto mental negativo, que pode ser transformado em seu aspecto mais
elevado, a análise serena e objetiva.
As forças de um corpo pessoal podem ser elevadas para um corpo pessoal superior, no
processo chamado transmutação. Por exemplo, a agressividade que deriva do instinto de
autoafirmação e de defesa, que pertence ao físico, pode transmutar-se em vontade, que é
uma vontade espiritual e mental. Para melhor compreender estes diferentes processos e
movimentos de energias interiores das energias, tracemos o seguinte esquema:

SUBLIMAÇÃO Forças da personalidade que se elevam e se transformam em energias


do Si.
COMUTAÇÃO Forças do Si que se transformam em forças da personalidade.

TRANSMUTAÇÃO Forças de um corpo pessoal que se transformam em forças de um


corpo pessoal superior.
TRANSFORMAÇÃO Forças de um corpo pessoal que se transformam em forças mais úteis
e positivas do mesmo corpo.

Todos estes processos, que se verificam dentro de nós quando começamos a integrar
os dois polos de meditação e autoformação, produzem pouco a pouco um equilíbrio e um
intercâmbio entre o Si e seus veículos, e uma harmônica circulação de energias entre os
centros inferiores e os superiores. Do ponto de vista da consciência, começamos a
experimentar a capacidade de poder utilizar as duas modalidades, a receptiva, passiva, e a
de ação, sem conflito e esforço, mas de forma natural e espontânea permanecendo acima
das oscilações numa posição de destaque e equilíbrio. Pouco a pouco as oscilações tornar-
se-ão menos amplas e a "distância" entre as duas modalidades ficará mais reduzida, a
ponto de percebermos que a "meditação tornou-se mais dinâmica e criativa e a ação cada
vez mais meditativa e espiritualmente orientada". (Ioga integral, Haridas Chaudhuri.)
Este é o início da união entre o Si e a personalidade e do equilíbrio, afinal alcançado,
entre vida interior e vida exterior.

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Capítulo XIV

O SEGUNDO NASCIMENTO
"Em verdade, em verdade vos digo, quem não for gerado
novamente não poderá ver o reino de Deus." (Evangelho, João, III, 3.)

A união entre o Si e a personalidade, isto é, entre as energias espirituais e as energias


dos veículos inferiores, é chamada simbolicamente "núpcias místicas" ou "matrimônio nos
céus", pois do ponto de vista esotérico o Si representa o aspecto positivo, o Pai, e a
personalidade o aspecto receptivo, a Mãe. Sua união produz o nascimento de um terceiro
elemento: a consciência (o Filho).
O homem revive em si mesmo esta união, com uma das experiências mais
determinantes e maravilhosas de seu caminho interior, experiência chamada com
diferentes nomes, iluminação, despertamento, "metanoia" etc., e que produz um
verdadeiro "segundo nascimento". De fato, quando as energias da personalidade se
fundem com os do Si verifica-se uma mudança total no homem e ele não é mais o mesmo
de antes. É como se despertasse de um longo sono e "se lembrasse, afinal, de si mesmo.” É
como se nascesse uma segunda vez, pois somente a partir daquele momento ele começa a
viver realmente.
De um ponto de vista, que poderíamos definir como "técnico", verifica-se realmente
um contato e uma fusão entre as energias inferiores e as superiores num ponto do cérebro
chamado "tálamo", localizado entre a glândula pineal (onde o Si ainda se encontra no
cérebro físico) e a hipófise (que corresponde ao centro Ajna), centro sintetizador e
integrador dos três veículos inferiores. No tálamo (palavra grega que significa "leito
nupcial") acontecem as "núpcias místicas", isto é, um contato entre o Si e a personalidade,
que produz uma espécie de curto circuito, e o indivíduo sente, realmente, uma espécie de
luz repentina e ofuscante que, no primeiro momento, pode perturbá-lo e aturdi-lo.
Existem inúmeros testemunhos desta experiência interior e todos falam de "luz" ou de
"fogo", acompanhados de um despertar de consciência e de um reconhecimento do
Verdadeiro Si. Por esta razão, aqueles que passaram por este maravilhoso momento foram
chamados de "iluminados".
A meditação e a autoafirmação consciente ajudam esse despertar, essa união,
conforme vimos no capítulo anterior; porém, esse evento pode verificar-se
repentinamente, sem que tenha havido algum preparativo anterior. Muitas vezes, inclusive,
apresenta-se em pessoas que desconhecem por completo a existência do Si, ou são mesmo
contrárias ou indiferentes a tudo o que se refere à espiritualidade e à transcendência. Este
tipo de despertar é aquele evento misterioso chamado "conversão", ou "metanoia"
(palavra grega que significa reviravolta). Todavia, se examinarmos mais cuidadosamente
estas experiências que se verificam de repente num determinado momento da vida de
alguns indivíduos aparentemente despreparados, observa-se que a conversão sempre havia
62
sido precedida por um período de sofrimento, de fadiga, de crise, ou mesmo de doença,
como podemos observar na vida de alguns santos, como Santo Agostinho, S. Francisco de
Assis etc.
A crise, quer seja física quer psíquica, é o sinal revelador da aproximação do
"despertar", pois revela um conflito e um sofrimento que estão acontecendo no indivíduo
no nível inconsciente, entre o Si e a personalidade que não percebeu e está inconsciente, e
que opõe cega resistência à nova consciência que pretende manifestar-se. Este conflito
inconsciente pode ser muito grave, a ponto de produzir sérios distúrbios tanto psíquicos
como físicos. Isso acontece em indivíduos que são mais evoluídos do que julgam ser, e que
poderiam estar prontos para ter o contato com o Si, mas que, devido à sua inconsciência
opõem firme resistência. Eles reprimem sua espiritualidade e ignoram seu verdadeiro ser
negando, sem o perceber, o grau de maturidade alcançado provavelmente numa vida
anterior. É como se tivessem "esquecido" aquilo que haviam alcançado em épocas remotas.
De fato, quando o conflito afinal cessa e a Luz do Si penetra na consciência, o indivíduo
"reconhece a si mesmo", readquire a memória perdida de sua verdadeira natureza, num
êxtase de alegria, surpresa e suprema beatitude.
O principal obstáculo é a identificação com o eu construído, que se formou e
estruturou sobre uma falsa consciência de si que, durante longo tempo, serviu para nos dar
uma ilusória sensação de identidade e de vontade. Este eu ilusório é chamado nas
doutrinas esotéricas "ego", e pode ser mais ou menos forte e cristalizado dependendo do
grau de inconsciência e de imersão nos condicionamentos do indivíduo. Ele, naturalmente,
opõe resistência à pressão do Si que deseja manifestar-se, pois mesmo não tendo uma
verdadeira consciência disso, sente-se ameaçado, por ser feito basicamente de orgulho, de
falsa segurança, de defesa e de apego ao mundo dos sentidos e dos desejos. É mantido
firme por mecanismos, hábitos e automatismos sobretudo mentais, que se repetem com
uma obstinada e cega vontade de existir; e rebela-se frente à luz da consciência do Si, pois
sente que terá de submeter-se a uma Vontade Superior, transformando-se e abandonando
seu poder.
Todavia, apesar desta oposição, a vitória do Si é certa, pois o ego na realidade é uma
ilusão, uma ficção, e a verdade, a consciência autêntica do Ser, mais cedo ou mais tarde
deverá exprimir-se afugentando toda falsidade e toda construção fictícia.
Nós podemos favorecer esta vitória com um trabalho consciente de desenvolvimento
da consciência, de libertação dos condicionamentos e das ilusões, com a meditação
constante, a purificação, a confiança e a obediência ao Divino e às Forças Superiores.
O equilíbrio entre os dois polos, constituídos, de um lado pela personalidade e de
outro pelo Si, não é um "compromisso", um querer viver ao mesmo tempo a vida espiritual
e a vida pessoal sem renunciar a nada, sem transformar nada e sendo até condescendente
nos desejos, apegos e sensações de antes. O equilíbrio deve ser o início de uma união e de
uma aproximação, que produzem mudanças interiores e exteriores bem definidas, tanto no
nível das energias, como no nível da consciência. O equilíbrio entre os dois polos de Espírito
e Matéria não é mais uma dualidade entre dois opostos, mas uma polaridade entre dois
elementos complementares que não podem existir um sem o outro e se integram e
completam reciprocamente, revelando aos poucos semelhanças e natureza comum.
O ego, portanto, deve transformar-se de opositor e inimigo do Si, em colaborador e
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aspecto complementar. Deve renunciar às suas pretensões de ser uma entidade separada e
autônoma, para transformar-se em instrumento e canal através do qual o Si pode exprimir-
se. Deve, em outras palavras, tornar-se o "centro de autoconsciência", ponto de apoio do Si
no plano da manifestação, e através do qual Ele pode exprimir-se e materializar-se.
Desta maneira, o ego torna-se mais acessível, rende-se, abre-se à consciência
autêntica e torna-se um ponto virtual localizado simbolicamente "a meio caminho" entre a
personalidade e o Si, participando da vida dos dois e sintetizando-os em si mesmo. De fato,
o centro de autoconsciência o verdadeiro eu do homem, é um centro de síntese, que nos
permite integrar em nós mesmos o humano e o divino e participar do mundo do Ser e do
vir a ser.
Voltando agora ao momento do despertar da consciência do Si, é oportuno especificar
que este evento interior, fundamental na vida do homem, não deve ser confundido com
um daqueles momentos de elevação mística, com uma abertura ao Superconsciente, que
pode estimular nossa intuição e colocar à mostra nossas faculdades superiores latentes...
O despertar do Si, conforme já dissemos, é efetivamente um "segundo nascimento",
um novo começo. É designado de fato, com o termo esotérico iniciação, e comporta uma
mudança de nível de consciência determinante, que transforma o homem a partir de
dentro, tornando-o completamente diferente do que ele era antes, como se fosse uma
criatura de outro reino, mesmo que do exterior essas mudanças não sejam aparentes e os
outros o julguem idêntico ao que era.
A experiência mística baseia-se numa sublimação do aspecto emotivo do homem,
temporária e esporádica, que o leva, num impulso de amor e dedicação ao Divino, a um Ser
Superior, a estados de êxtase, de união com o transcendente, de alegria espiritual que,
porém, não são estáveis nem tampouco podem ser repetidos à vontade. Estes estados,
mesmo sendo muito elevados e estimulantes, não transformam o indivíduo, pois ele recai a
seguir na condição anterior, conservando somente a lembrança da experiência vivida.
Na experiência chamada "despertar", ao contrário, não é somente o emotivo que se
eleva, que se sublima e entra em contato com o nível transcendente; são os três veículos,
isto é, toda a personalidade, com sua energia central, que se encontra com a energia do Si
e "se funde" com ela, produzindo o "nascimento" de um elemento novo: "a verdadeira
consciência", simbolicamente o Filho, o Cristo em nós.
Todavia, esta extraordinária experiência, tão importante e determinante, é somente o
início de um longo caminho interior; é a primeira das iniciações, que marcam "pontos de
mudança" no caminho interior do homem na direção da auto-realização.
A reviravolta e a transformação dizem respeito à consciência do homem, mas não à
sua inteira e complexa natureza. Ele se torna "consciente", tem a visão da meta e a certeza
interior, pois tocou com a mão a realidade do mundo do Ser. Os centros superiores
começaram a despertar devido à sublimação das energias inferiores, mas o trabalho ainda
está no começo e há numerosos superamentos, separações e purificações a serem
cumpridas.
A dualidade entre o Si e a personalidade transformou-se em polaridade criativa, mas
não há unificação total.
A união entre as duas energias, a superior e a inferior, foi como um "curto-circuito"
momentâneo, tão poderoso, que pôde produzir uma catarse, uma abertura, uma
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reviravolta, mas não uma fusão completa e estável.
Todavia, o "desperto" é um ser fora do comum pois, diferentemente daqueles que não
passaram por essa experiência, ele trabalha agora do alto, sustentado pela verdadeira
consciência e pela visão clara, guiado pelo Si que a esta altura assumiu o comando e se
comunica com a personalidade através do canal que já está aberto.
De fato, aquele que teve o contato com o Si deve preocupar-se em manter este canal
sempre livre, deixar-se guiar, obedecer e abandonar-se à Vontade Superior, sabendo com
certeza que a vontade pessoal e o eu superficial são somente ilusões temporárias e reflexos
distorcidos de realidades superiores,
A consciência do Si penetra gradualmente nos veículos pessoais como se estivesse se
"encarnando" novamente na personalidade, só que, desta vez, consciente e triunfalmente e
não mais, como no começo da vida no ciclo humano, de forma inconsciente, silenciosa e
parcial.
Agora Ele, o Si, pretende a unificação total, consciente, onipresente e isso requer a
transformação e a "redenção completa" da matéria e das energias que compõem os
veículos pessoais, para que revelem sua origem divina, sua substancial unidade e
semelhança com o Espírito e as energias do Si.
É óbvio que isso requer um longo processo, um caminho difícil, um trabalho paciente e,
às vezes, cansativo. Depois do despertar, porém, tudo o que se faz é feito com serenidade,
alegria, confiança, e firme adesão; porque se tem o apoio da nova consciência, da força
interior, da Presença silenciosa do Si, que leva com mão firme e amorosa até à meta.
A meditação torna-se, então, um puro diálogo com o Si, um recorrer à nascente
consciente, um estado de consciência que se prolonga por todo o dia e acompanha todas as
nossas atividades.
O espaço interior não é mais misterioso e longínquo, mas aproxima-se cada vez mais e
mistura-se ao espaço exterior, revelando-nos, de forma cada vez mais evidente, que não
somos dois, mas Um.

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Capítulo XV

A EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA

"Julgavamo-nos separados, cada um dentro de seu pequeno saco


de pele bem limpo, com um lado de "dentro" e um lado de "fora", um
indivíduo... mas tudo está em comunicação... Não é possível tocar um
ponto, não se pode dar um passo à frente ou para cima, sem que todo o
restante do mundo também dê um passo à frente e para cima." (Sri
Aurobindo)

Não podemos encerrar este livro sem mencionar um outro importante resultado da
meditação espiritual: o silêncio mental e da abertura para o Si alcançados; este resultado é
a expansão da consciência em sentido horizontal, isto é, na direção dos outros, do mundo
externo, da natureza, do universo e de tudo o que existe. A consciência, conforme dissemos
num dos primeiros capítulos, cresce em três direções:
a) para o alto, isto é, para o Superconsciente e o Si
b) para baixo, isto é, para o inconsciente inferior
c) em sentido horizontal, isto é, para tudo o que é externo a nós

Nos capítulos anteriores analisamos os primeiros dois pontos e a integração com o


outro polo de nós mesmos, o inconsciente, que leva à ativação da outra modalidade de
nossa consciência, a receptiva, e ao despertar da consciência do Si.
É preciso mencionarmos agora, mesmo rapidamente, o terceiro ponto, a expansão da
consciência em sentido horizontal, que constitui o resultado natural da autorrealização, do
superamento do ego e que leva gradativamente a uma nova fase do nosso
desenvolvimento interior, a fase da passagem da consciência individual à consciência de
grupo, e, afinal, à consciência universal.
Dentre as descobertas que o homem faz ao auto-realizar-se e tornar-se consciente de
seu verdadeiro Ser, esta da expansão da consciência é provavelmente a mais determinante
e maravilhosa, pois coloca-o frente à evidência de que exatamente reencontrando a si
mesma ele pode superar a si mesma.
Buda afirmava: "Quando descobrimos o Verdadeiro Eu, o universo inteiro torna-se
Eu." Com estas palavras de profundo significado esotérico, ele queria exprimir a experiência
que o homem faz no momento da auto-realização, que é ao mesmo tempo descoberta da
própria identidade individual e participação da universal.
Atualmente, o homem está se aproximando, mesmo que por outros caminhos, da
verificação desta alta afirmação. De fato, mesmo os psicólogos da linha humanística estão
descobrindo esta verdade. E suficiente citar Maslow, que escreve em seu livro Para uma
psicologia da ser: “A pessoa, tornando-se mais singular e puramente si mesma, é mais

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capaz de fundir-se com o mundo, com aquilo que antes era o não-si... Vale dizer, alcançar o
máximo grau da identidade, da autoconsciência, da ipseidade, constitui por si só,
simultaneamente, um transcender a si mesmo, um ir além e acima da ipseidade."
Esta sensação de expansão e de alargamento do eu quase sempre acontece por etapas
e, no começo, com sintomas e sinais que podem passar despercebidos, mas que
gradativamente se tornam mais evidentes, e têm repercussões inclusive nos veículos
pessoais, aumentando sua sensibilidade e receptividade.
Satprem, por exemplo, escreve em A aventura da consciência: “... a parede divisória
interno-externa torna-se cada vez mais fina, aparecendo como uma convenção artificial... A
pessoa que está procurando, sentirá esta parede divisória perder gradualmente sua dureza;
sentirá uma espécie de mudança na substância do seu ser, como se se tornasse mais leve,
mais transparente, mais poroso.”
E isso acontece exatamente porque, devido ao progresso interior e ao silêncio mental,
a consciência sobe cada vez mais na direção do Si, libertando-se de sua identificação com o
ego, que por sua natureza é separativo, fechado, egocêntrico.
À medida que trabalhamos sobre nós mesmos, com a autoformação e com a
meditação, superando condicionamentos, apegos e identificações que tendem a limitar, o
nosso Verdadeiro Eu revela-se em todo o seu esplendor pondo à mostra seus poderes, sua
essência que é Unidade, Amor, Irmandade, Cooperação.
É neste momento que podemos utilizar a meditação, não mais apenas para nós
mesmos e para a nossa auto-realização, mas também para os outros, tornando-se um
centro radiante e positivo de energias espirituais, de Luz e de Amor e de ajuda aos outros e
de colaboração com as forças evolutivas.
De fato, os três pontos mais importantes de uma vida espiritual são:
a) autoformação
b) meditação
c) serviço

Tais pontos estão estreitamente ligados entre si, pois uma sincera obra autoformativa
leva naturalmente à meditação, entendida como interiorização e descoberta do mundo
interior e da dimensão do Si; a meditação, levada a bom termo, tende a tornar-se um canal
de energias espirituais para serem irradiadas e utilizadas.
Um dos sinais mais claros de um efetivo sucesso na meditação é a diminuição da
sensação de separatividade do eu, da preocupação e do interesse pelos problemas pessoais
e, ao contrário, um acréscimo da sensibilidade para com os outros, da capacidade de
empatia, de compreensão psicológica, de aceitação das diversidades, da participação na
dor do próximo, da necessidade de compartilhar, de cooperar, de dar... O aspirante sente
aos poucos diminuir sua sensação de solidão, mesmo sendo mais capaz de ficar só, começa
a perceber que faz parte de um todo único e tem de viver num contínuo fluxo e refluxo de
energias e de intercâmbios entre si e os outros, e entre si e o Divino, segundo a grande lei
de interdependência que tudo relaciona.
Sente que não tem mais necessidade de apoiar-se nos outros; transcendeu a
dependência, mas ao mesmo tempo algo o impulsiona a transcender também a
independência, a autonomia, a autossuficiência que lhe haviam parecido conquistas
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supremas ... A liberdade, a independência tão duramente conquistadas, parecem-lhe agora
uma prisão, uma árida ponta de isolamento, que não lhe proporcionam alegria.
Compreende aos poucos que a sensação de "individualidade isolada", é somente uma
fase transitória que deve conduzir a uma outra conquista: a irmandade, o amor, a
cooperação, o serviço, mas não por uma obediência a um ideal ético e humanitário, mas
sim por uma efetiva expansão de consciência e um superamento dos limites do eu
individual.
Quando começa a despertar no indivíduo esta exigência de expansão e ele a segue,
inicia-se uma fase decisiva de seu processo evolutivo, que modifica totalmente sua maneira
de ser. Poderíamos mesmo dizer que este é o coroamento de todo seu trabalho de
autoformação e de meditação, de sua constante e sincera procura da verdadeira
consciência, e de sua aspiração à Verdade.
Nos livros esotéricos refine-se esta expansão de consciência com os mais diferentes
nomes, dentre os quais o mais utilizado é "consciência de grupo". Na realidade, estas
palavras, de certa forma algo inadequadas, pretendem exprimir uma sensação de
alargamento do próprio eu, antes quase fechado em si mesmo, numa inconsciente
narcisística autocontemplação, e agora espontaneamente estendido para os outros,
vibrante de amor, de interesse, de compreensão, de alegre participação em relação a tudo
aquilo que antes sentia externo, diferente, afastado, estranho e quase desligado de si.
Isso leva a uma outra descoberta, esta também importante e determinante para o
aspirante: a descoberta da capacidade de serviço e de ajuda aos outros.
Isso também deve ser um fato natural e espontâneo e não uma atitude filantrópica
baseada em modelos e ditames religiosos, sociais ou morais. O verdadeiro serviço é
definido como "instinto da Alma", exatamente para significar que ele é um desabrochar
espontâneo e irresistível de energias de Amor e de Unidade provenientes do nosso
verdadeiro Ser, que por sua natureza é União, Irmandade, Amor.
O verdadeiro Serviço é irradiação espontânea de energias espirituais que possuem,
exatamente por sua própria qualidade, o poder de sanar, harmonizar, despertar a
consciência e de catalisar tudo o que há de bom e de puro nos homens.
De Cristo dizia-se que ele curava onde quer que passasse, exatamente por irradiar de
forma espontânea, tendo em mente Sua Natureza Divina, energias saneadoras e
harmonizadoras. Certamente não nos podemos comparar a Cristo, mas podemos tomá-lo
como modelo para entender que "aquilo que alguém é" emana de cada indivíduo e produz
efeitos bem determinados. Portanto, quando formos o Si, isto é, quando nos tivermos
transformado naquilo que somos realmente, e nos tivermos identificado com nosso Ser
Real, que é uma partícula do Grande Todo, uma emanação de Deus, poderemos
efetivamente ajudar os outros, "servir" à humanidade, aderindo desta maneira ao instinto
do Si, que é "serviço".
Isso não quer dizer que antes do despertar da consciência do Si não haja a
possibilidade de ajudar, de cooperar, de dar sustentação e compreensão. Se nos sentimos
levados a fazê-lo por um impulso que, de boa fé julgamos puro e altruísta, não seria correto
reprimir a nós mesmos e privarmo-nos desta exigência. Devemos, porém, levar sempre em
consideração que cada tipo de serviço que podemos executar antes de ter realizado o Si,
poderia estar misturado com motivações personalistas, e com necessidades inconscientes
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não completamente puras. O mais importante é ter consciência de nossas reais motivações
para não cair na autoilusão e no orgulho, e tentar sempre trabalhar em nós mesmos para
nos libertarmos gradativamente das ambições, dos apegos, das exigências pessoais e abrir
assim caminho para o Si, que procura exprimir sua luz e sua consciência através dos
veículos pessoais.
Nos livros esotéricos fala-se que no começo o serviço é sacrifício exatamente porque
para poder realizá-lo devemos renunciar ao nosso egoísmo, às nossas pretensões, às
expectativas de gratidão e até mesmo à esperança de ver bons resultados em nossas
ações... Mas, com o tempo, a sensação de sacrifício desaparece e o serviço torna-se ação
alegre, espontânea emissão de luz, de força, de amor, pois afinal o Si manifestou-se e a
consciência, aprisionada no ego, libertou-se expandindo-se e reencontrando o sentido da
Unidade que lhe é próprio.
Então não há mais separação entre o "espaço interior" do homem e o "espaço
exterior", pois tudo se torna "uno" na consciência daquele que superou a dualidade e vive
acima das dicotomias ilusórias criadas pela mente e pelo ego. Mesmo conservando o
sentido de sua identidade, o homem terá consciência de estar ligado a uma realidade mais
ampla, da qual ele faz parte e que "o Todo está em todas as coisas e todas as coisas estão
no Todo".

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