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O ESPAÇO INTERIOR
DO HOMEM
Iniciação à Meditação
Tradução
PIER LUIGI CABRA
EDITORA PENSAMENTO
SÃO PAULO
2
Título do Original:
Lo spazio interiore dell'uomo
(Avviamento alla meditazione)
SUMÁRIO
Introdução 4
Capítulo I - O homem pluridimensional 7
Capítulo II - O espaço interior do homem 11
Capítulo III - Os caminhos da expansão da consciência 15
Capítulo IV - A pura consciência e o mundo do ser 20
Capítulo V - A meditação, técnica fundamental para o 24
desenvolvimento da consciência
Capítulo VI - Meditação psicológica 29
Capítulo VII - Resultados da meditação psicológica 33
Capítulo VIII - A meditação espiritual (1ª Parte) 37
Capítulo IX - A meditação espiritual (2ª Parte) 41
Capítulo X - Resultados da meditação espiritual 45
Capítulo XI - Inconvenientes e perigos que derivam da 49
meditação
Capítulo XII - A meditação criativa como meio de utilizar 54
as energias
Capítulo XIII - Equilíbrio entre vida interior e vida 58
exterior
Capítulo XIV - O segundo nascimento 62
Capítulo XV - A expansão da consciência 66
Bibliografia 70
3
INTRODUÇÃO
6
Capítulo I
O HOMEM PLURIDIMENSIONAL
10
Capítulo II
Levar em consideração essas subdivisões pode nos ajudar na análise que estamos
desenvolvendo a respeito das dimensões interiores do homem e da vida que ele leva em
seus corpos sutis, sem ter absoluta consciência disso. De fato, a consciência que o homem
tem no decorrer do dia (consciência de vigília) é muito limitada, condicionada e,
geralmente, falsa e imaginada. Ela corresponde ao "consciente" da psicanálise, que é o
outro polo do inconsciente.
Além disso, a consciência de vigília difere de pessoa para pessoa em termos de
conteúdos, extensão, profundidade, grau de autenticidade e de sensibilidade.
No decorrer do sono, a consciência parece esvaecer-se no nada e, quando não
sonhamos, estamos numa escuridão total e numa inconsciência aparente. "Aparente"
porque na verdade pode haver um tipo de consciência, enquanto dormimos o sono
profundo e sem sonhos, que não é registrada pelo cérebro físico e da qual não temos
lembrança ao despertar.
Ao contrário, a consciência que temos no sonho é a vaga lembrança das dimensões
astral e mental, que mencionamos, e as imagens que vemos e de que nos lembramos ao
despertar, mesmo que, parcialmente, testemunhem a existência dessas dimensões. No
sonho, entretanto, o estado de consciência que experimentamos é diferente daquele da
vigília, pois não há autoconsciência.
O eu é espectador passivo, ou então, é arrastado por emoções e impulsos muitas
vezes ilógicos, mas muito mais intensos do que aqueles que sente no decorrer da
consciência de vigília. Mas também, neste caso, o estado de consciência é diferente,
variando de pessoa para pessoa, pois aqueles que são mais evoluídos têm mais lucidez e
autocontrole, mesmo na vida onírica, e são mais conscientes. O homem, de fato, deveria
chegar a desenvolver a "continuidade de consciência", isto é, a ter sempre, seja quando
desperto como durante o sono, povoado de sonhos ou não, a consciência do centro de
autoconsciência, permanecendo livre, separado, consciente, e capaz de gerir todas as
energias sutis, enfrentando todas as experiências que porventura aparecerem.
Todos esses estados de consciência, porém, não representam a verdadeira
"consciência", mas são modificações e reflexos desta. Somente quando conseguimos nos
identificar com o Si, que é o nosso verdadeiro Eu, poderemos experimentar aquele estado
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comumente chamado de "pura consciência". Nesse estágio, não há mais ilusões,
condicionamentos, identificações; há, sim, a realidade do Ser, a consciência autêntica, livre,
sem conteúdos (e, por isso, "pura"), que poderia ser definida como subjetividade absoluta.
É o Si que conhece a si mesmo, que experimenta a si mesmo como centro de
autoconsciência, acima e além de todas as energias pessoais, de todos os conteúdos
psicológicos, as emoções, os pensamentos, as sensações físicas.
Ao alcançarmos a experiência interior da "pura consciência", percebemos como os
demais estágios de consciência que havíamos experimentado anteriormente eram
limitados, ilusórios e falsos e percebemos ter confundido com a realidade aquilo que era
somente um reflexo, uma sombra distorcida, uma projeção do Ser autêntico. E, sobretudo,
tomamos consciência da falsidade daquela estrutura egoística que até então havíamos
acreditado fosse o nosso "eu" e que, ao contrário, era somente um conjunto de
mecanismos, de hábitos, de presunçosas pretensões e orgulhosas obstinações.
As vezes esse "eu" arquitetado, chamado ego pelos orientais, é muito forte e difícil de
se superar, resistindo até mesmo à luz da "pura consciência", opondo sua obstinada e cega
vontade mecânica à realidade do Ser que quer penetrar nele para libertá-lo e transformá-lo.
Neste caso, existe a meditação, que pode ajudar a superar "o nó de obstinação do
ego" (assim o chama Sri Aurobindo), pois essa prática favorece aquela atitude de
abandono, de receptividade, de abertura para níveis Superconscientes, ideal para fazer
afluir, de forma espontânea e sem luta, as energias e a consciência do Si, escolhendo as
cristalizações e as resistências do ego de um modo doce e silencioso.
Pode acontecer, eventualmente, não se conhecer a própria efetiva maturidade
interior, e não se ter a consciência de já haver superado, nos níveis interiores,
determinadas exigências e condicionamentos pessoais, pois estamos identificados com o eu
superficial, que nos leva a adotar hábitos e mecanismos que na realidade não nos
interessam mais. Dessa maneira, inconscientemente, reprimimos nossa efetiva maturidade
e criamos falsas barreiras e obstáculos à luz do Si.
Isso produz uma problemática toda específica e uma série de sofrimentos psíquicos e
físicos que, todavia, gradativamente, podem ser superados com o autoconhecimento, com
o desenvolvimento da consciência e com a meditação. Assim, poderemos nos libertar da
prisão do ego e alcançar a pureza e a verdade do nosso Ser Real.
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Capítulo III
Toda a vida do homem é uma gradativa tomada de consciência de seu verdadeiro Ser,
de sua realidade profunda: o Si, oculto, latente, "inconsciente" dentro dele.
Todo evento, toda experiência que encontramos em nosso caminho são estímulos
para despertar a consciência do Si latente, mas que "pressiona" continuamente para
alcançar a luz, para manifestar-se e atuar.
Devemos nos tornar aquilo que somos. Esta frase deveria ser a palavra de ordem do
verdadeiro esoterista que tem consciência de que, na realidade, a evolução outra coisa não
é senão uma passagem da inconsciência para a verdadeira consciência, para a consciência
real, a consciência do Si. Ela é como uma semente: profundamente oculta dentro de nós,
mas que aos poucos cresce, brota e se expande, colocando à mostra todo o seu esplendor e
sua origem divina, e transformando, com seu crescimento, o indivíduo num Verdadeiro
Homem. Esse crescimento e expansão da consciência não seguem uma única direção, mas
ampliam-se de forma "circular" e global. De fato, sua meta é a totalidade e o
desenvolvimento completo do homem.
Para entender mais facilmente esse processo de crescimento da consciência
poderíamos sintetizar seus movimentos nas seguintes três direções:
a) para baixo (isto é, para o inconsciente inferior)
b) horizontalmente (isto é, para os outros e para o mundo objetivo)
c) para o alto (isto é, para o Superconsciente e o Si)
Esta direção nos leva a conhecer e integrar no consciente nosso inconsciente inferior
que, de certa forma, representa nosso passado. Isso porque seus conteúdos são formados
de energias instintivas, de impulsos e desejos reprimidos, de traumas removidos, de
automatismos e condicionamentos que se posicionaram sem que soubéssemos...
Além disso, há todo o nosso passado evolutivo, ancestral, proveniente de encarnações
precedentes e que foi gravado nos mais profundos níveis do inconsciente . Isso tudo
constitui um pesado fardo, uma espécie de lastro, que pode dificultar nosso crescimento.
Por isso, devemos tentar nos livrar dele se quisermos caminhar mais rapidamente para a
auto-realização.
Conhecer e anexar o inconsciente inferior, todavia, não é nada fácil, já que muitas
vezes existem em nós obstáculos e resistências que nos impedem de "libertar" as energias
bloqueadas naqueles níveis e de ver Claramente dentro de nós mesmos. Para superar estas
dificuldades é preciso, antes de mais nada, dar um passo para o alto. Isso quer dizer que é
necessário ter alcançado uma certa capacidade de desidentificação e ter reencontrado
nosso centro de autoconsciência, pois (conforme afirma Satprem) "... a descida é
proporcionai à subida".
Na realidade, o inconsciente inferior só pode ser conhecido e libertado se possuirmos
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a verdadeira consciência, mesmo em sua forma inicial, e se tivermos alcançado um
determinado nível de maturidade interior, que nos dê a capacidade de "nos aceitar" e de
ver a nós mesmos pelo que somos, sem com isso perder a confiança em nós mesmos, sem
nos deixar envolver por eventuais conteúdos negativos que podem se manifestar, e sem
criar sentimentos de culpa em relação a nós próprios.
Sri Aurobindo afirma: "Só depois de ter conseguido obter algum resultado positivo, e
após ter-se verificado uma estabilização sobre uma base positiva, pode-se, então, sem
perigo algum, subverter os elementos adversos, ocultos no subconsciente para destruí-los e
eliminá-los com a força da calma divina, da luz e da consciência divina." (Letters, 11.)
Esta lista, naturalmente, não está completa e é possível haver muitos outros sinais e
estados de consciência produzidos pela afluência das energias do Superconsciente. Eles
podem ser esporádicos e momentâneos, como que lampejos repentinos de luz, ou então
mais permanentes e duradouros. Neste segundo caso, deles resultam amadurecimentos e
mudanças interiores, dos quais o primeiro e fundamental entre todos é a estabilização da
natureza emotiva, isto é, a consecução de uma sensação de separação e de serenidade
inalteráveis, que permanecem mesmo nos momentos difíceis e dolorosos, como um pano
de fundo estável e firme.
Outro efeito pode ser uma nova orientação da própria vida, voltada para objetivos e
valores mais elevados do que os anteriores, juntamente com uma intensa exigência de
autoformação, de trabalhar sobre si mesmo, não entendida como tensão ou esforço de
crescimento, mas como adesão total ao objetivo e à vontade do Si e como impulso natural
para transformar a natureza inferior na superior.
As diferentes fases da expansão da consciência para o alto poderiam, então, ser
sintetizadas da seguinte maneira:
- abrir-se a si mesmo;
- superar os obstáculos;
- abandonar-se a si mesmo;
- ter confiança no Si;
- compreender a natureza das energias que afluem;
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- assimilá-las;
- colaborar com elas;
- interpretá-las;
- utilizá-las para a própria transformação.
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Capítulo IV
"O que Existe em si dispôs as portas da alma de tal modo que elas só possam ser
abertas de dentro para fora." (Upanishad)
"O sadhaka que se manteve fiel à disciplina necessária para afastar o Si de sua
identificação com o ego, a mente, a vida e o corpo, chega... à realização de uma pura,
imóvel existência autoconsciente sem divisões, tranquila, inativa, não perturbada pela ação
do mundo." (Sri Aurobindo: Sintese da ioga, vol. II)
Essas palavras de Sri Aurobindo exprimem, de forma sintética, a essência do estado de
consciência chamado pura consciência, que corresponde ao "quarto estado" de consciência
(de acordo com o Upanishad) depois dos outros três: consciência de vigília, de sono e de
sonho.
Ao conseguirmos nos desidentificar da falsa consciência superficial e nos libertarmos
dos condicionamentos e das estruturas que aprisionam nosso verdadeiro eu, sentimos esta
dimensão da consciência que é "pura", pois não tem conteúdos, projeções, objetos. De
fato, poderia chamar-se "subjetividade absoluta" pois representa o centro de nós mesmos,
o Eu autêntico que se auto reconhece e experimenta a si mesmo. Trata-se de uma
experiência interior toda especial que nos abre as portas do mundo do Ser, onde tudo
aparece na pura, branca imobilidade do sem tempo, do Eterno Presente, e onde existe tão
somente a consciência e uma paz profunda, infinita, permeada de alegria.
"0 estado de pura consciência é, em sua própria natureza, cheio de bem-
aventurança... " (Sete estados de consciência, Anthony Campbell).
O homem tende naturalmente a alcançar este estado, que é a manifestação de seu
verdadeiro ser e todo seu longo e tortuoso caminho evolutivo, através de diversas vidas,
tem como única finalidade fazer com que passe de um estado de escuridão e de
inconsciência, para um estado de pleno despertamento e liberdade.
Esse caminho por dentro de nós, para reencontrar a nós mesmos, não é somente um
auto reconhecimento e um conhecimento de si mesmo, mas é também um processo de
crescimento, que traz consigo a necessidade de conseguir superações, mudanças,
amadurecimentos. De fato, a meditação que nos conduz à descoberta dos nossos níveis
profundos e ao contato com nossa realidade, deve ser acompanhada por um trabalho de
autoafirmação e de purificação, caso contrário, poderia causar um dualismo, uma cisão
entre a visão interior e a realização concreta. O Si ao encarnar-se, identificou-se conforme
afirmamos anteriormente, com os veículos pessoais, "esquecendo-se" de si mesmo, e o
homem que caiu na inconsciência, construiu para si um "eu" falso, tornou-se vítima de
automatismos, condicionamentos, ilusões, hábitos cerceadores... Tudo isso constitui o
conjunto de obstáculos, dificuldades, impurezas que ele deve reconhecer e superar se
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pretende alcançar a "pura consciência" do Si e a verdadeira felicidade.
O trabalho de autoformação é sobretudo um processo de libertação dos
condicionamentos e da falsa consciência; por isso, requer também a capacidade de
reencontrar em si mesmo a nascente da autenticidade, da verdade e do conhecimento. Por
esta razão, todos os Instrutores espirituais afirmam que para reencontrar o Si, que é nosso
verdadeiro Eu, devemos ser capazes de prescindir de apoios, sejam eles teorias, crenças,
guias espirituais, doutrinas, devoções passivas etc. ...
A "pura consciência" pode ser alcançada quando o eu, tendo-se libertado de todos os
apoios e as projeções, torna-se apto a "ficar só", a recusar toda forma de apoio externo,
toda teoria puramente intelectual, toda fé cega, baseada tão somente sobre a emotividade
e a necessidade de segurança, e de enfrentar, portanto, o desconhecido, atirando-se no
aparente "vazio" que é o mundo do Ser.
São João da Cruz afirma que Deus "é encontrado nas trevas"; isso quer dizer que o
encontramos quando renunciamos à falsa luz da mente racional, dos apegos e das ilusões
sensoriais. Por esta razão devemos ser capazes de atingir a experiência direta da realidade
do Ser e a consciência do Si, que é a nascente da Força interior e do Conhecimento, pois
trata-se de um reflexo do Divino.
A "pura consciência", então, é o resultado desse trabalho de purificação e de
libertação das infraestruturas, de identificações e esquemas. É uma passagem "do ter para
o ser". O caminho para atingir este objetivo é longo e difícil; apesar disso, está cheio de
alegrias, criatividade e energia vivificante. O ideal é vivê-lo e considerá-lo como uma
gradativa conquista de dimensões cada vez mais profundas e reais de si mesmo, como uma
sucessão de expansões de consciência para espaços cada vez mais amplos e luminosos;
encarando-o assim, tem-se a sensação de um aumento dentro de si do entusiasmo e do
ardor da aspiração, juntamente com a firme decisão de percorrê-lo.
Além disso, torna-se cada vez mais claro e marcado o sentido oculto nesse processo
interior, que constitui a finalidade central da vida do homem, destinado a ser o ponto de
encontro e de união do Espírito com a Matéria.
O que dá a confirmação interior da verdade do que estamos dizendo é a experiência
subjetiva de alegria, liberdade, vitalidade, que brota de todo amadurecimento, de todo
desenvolvimento de consciência que conseguimos alcançar. De fato, todas as vezes que
conseguimos evocar uma mínima parte desta consciência do Ser, aflui em nós uma torrente
de luz, de felicidade, de força, mesmo que esta conquista nos tenha custado uma renúncia,
uma aparente perda, uma separação...
Muitos não conseguem operar essa evolução pois não sabem deixar sua ilusória
segurança e não conseguem separar-se do "conhecido", para ir ao encontro do
desconhecido e continuam a sofrer e a viver na inconsciência e na identificação com o ego.
A esta altura, é preciso mencionar os obstáculos e as resistências que impedem o livre
desenvolvimento da consciência e que não são responsabilidades do limite evolutivo do
indivíduo, mas de uma sua problemática psicológica inconsciente toda especial que pode e
deve ser reconhecida e resolvida. Esta problemática deve-se ao excessivo desenvolvimento
da parte consciente do indivíduo, à mente racional e à vontade pessoal preponderante, que
se condensam no ego, isto é, naquele eu construído e falso de que falamos, que por sua
natureza se opõe sempre, embora inconscientemente, ao Si. Pessoas deste tipo podem
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inclusive ser suficientemente evoluídas, porém, é como se ignorassem, ou desejassem
ignorar, sua maturidade espiritual, pois estão identificados com o ego, e "removeram" de
seu lado consciente as aspirações, os impulsos e as exigências espirituais. Pode acontecer
que, de vez em quando, sintam em si mesmas o impulso e a necessidade do transcendente;
porém, ao tentarem adequar-se a ele, deparam-se com estranhas resistências e
dificuldades interiores que tornam todo e qualquer esforço inútil. Isso acaba provocando
conflitos e mal estares que podem inclusive desembocar em verdadeiras neuroses. Neste
caso é necessário desenvolver um cuidadoso trabalho de análise e de integração com o
inconsciente, superando os condicionamentos e as rígidas estruturas inconscientes do eu
superficial, e abrir-se ao Superconsciente, deixando de lado o orgulho e a vontade pessoal.
Na verdade, este é um trabalho de libertação das energias e dos conteúdos superiores
removidos e bloqueados, e de reconhecimento dos valores transcendentes e transpessoais,
que pressionam querendo manifestar-se. (1)
1 - Vide Capítulo IV da segunda parte do meu livro Medicina psico-espiritual, Editora
Pensamento, São Paulo, 1984.
Eric Fromm, em seu livro Ter ou ser afirma que todo homem, por natureza, possui no
mais profundo de si mesmo, o conhecimento da verdade, mas que, no decorrer de seu
desenvolvimento pessoal, com relação ao ambiente e à sociedade, é obrigado a "removê-
lo", perdendo, desta maneira, sua sensibilidade e sua capacidade de perceber a realidade
profunda das coisas. Isso acontece sobretudo com os ocidentais, de temperamento
extrovertido, mental e hiperativo. De fato, o desenvolvimento da consciência, favorecido
pela meditação, nos leva a reencontrar, gradativamente, este conhecimento da verdade e
esta sensibilidade espontânea ao mundo do Ser, libertando-nos de obstáculos e de
remoções, mesmo sendo rígidos e estruturados.
Utiliza-se a expressão "mundo do Ser" para indicar a dimensão do Si Real, pois quando
conseguimos percebê-lo "nos tornamos o que somos". De fato, quando estamos na
periferia de nossa consciência, identificados com os veículos e com seus conteúdos, não
somos nós mesmos, somos somente uma projeção, um reflexo da realidade de nós
mesmos. Mergulhamos no vir a ser perdendo a consciência do ser, daquilo que é.
"Ser" significa viver conscientemente, experimentar continuamente a realidade
profunda das coisas, sem se deixar levar pelas aparências exteriores, e agir "a partir do
centro de consciência" com autenticidade, espontaneidade e criatividade.
"Ser" significa deixar a energia do Si fluir através dos veículos e, desta maneira,
exprimir a realidade de si mesmos. Significa exprimir-se totalmente em harmonia com as
leis cósmicas e divinas.
Alcançar este estado interior pode parecer muito difícil à primeira vista, pois nos
afastamos da percepção desta realidade, tornando-nos "inconscientes" de nós mesmos;
mas, na realidade, voltar à dimensão do "ser" é um movimento natural da consciência, uma
vez que ela tenha sido libertada dos condicionamentos e das falsas identificações. Eis por
que a técnica fundamental que pode nos ajudar a alcançar este estado é o abandono, a
abertura, o silêncio, a "rendição" interior, entendida como o oposto do esforço, da tensão,
da luta.
"O movimento na direção dele (o estado de pura consciência) deve ser natural. Ele
pode ser alcançado não através do controle, e sim através do "deixar acontecer"... (Sete
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estados de consciência, de Anthony Campbell).
Esse "deixar acontecer", esse abandono é, na maior parte dos indivíduos, difícil,
porque pode parecer um estado de inércia, de passividade, de indiferença, quando, ao
contrário, é um estado de abertura durante o qual somente a personalidade se torna
receptiva, "vazia", sensível à orientação e à energia do Si, reconhecendo afinal sua
verdadeira função que é a de ser instrumento e canal do Divino.
No começo há uma fase de separação e de imobilidade interior, como resultado dessa
atitude de abandono, pois aflora a "pura consciência" que, por ser um estado subjetivo, no
qual prevalece o ser sobre o vir a ser, procura calma, paz e silenciosa espera. Numa segunda
etapa, porém, manifesta-se também o aspecto vontade e atividade do Si, que toma posse
dos veículos pessoais e age de acordo com uma proposta e um objetivo de caráter
transcendente e universal.
Sri Aurobindo fala de um Brahma passivo e de um Brahma ativo, como de dois polos
do Purusha (Espírito), que devem ser ambos manifestados e expressos na vida do homem â
medida que ele se aproxima da auto-realização espiritual.
Realizar o Si, de fato, não leva a uma fuga do mundo, a um estado de transcendência
inativa, mas sim à união de Ser e Vir a Ser, de Espírito e 'Matéria.
"Este simultâneo estado de passividade interior e de atividade exterior é uma
condição de liberdade completa. O iogue... age sem agir; não é ele quem age, mas a
Natureza Universal guiada pelo Senhor da Natureza." (Síntese da ioga, vol, II.)
Estas palavras de Sri Aurobindo indicam claramente o estado de equilíbrio entre Ser e
Vir a Ser, que se revela como capacidade de manter um estado de consciência imóvel,
sereno, imperturbável, mesmo quando a personalidade age nos três níveis objetivos (físico,
emotivo, mental) movida pelas energias do aspecto ativo do Si (a natureza ou shakti).
Para poder chegar a este objetivo, todavia, devemos, antes de mais nada, ser capazes
de reencontrar a "pura consciência", de enuclear nosso centro de autoconsciência
autêntico, a Testemunha silenciosa, de permanecer firmes no Ser, livres e sem apoios.
Numa segunda etapa, apresentar-se-á de forma espontânea o impulso para expressar
na vida o aspecto dinâmico e ativo do Si, para nos reunir ao outro polo de nós mesmos e
transformar a matéria inerte e automática num veículo de criatividade e de serviço ao
Divino.
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Capítulo V
Com base em tudo o que dissemos nos capítulos precedentes fica claro que o homem,
do ponto de vista de sua consciência ordinária, é incompleto e limitado e tem em si mesmo
uma ampla área de consciência que ainda deve ser explorada e ativada. Esta área de
consciência tem diferentes níveis e degraus, dos quais o mais elevado corresponde à
dimensão do Ser, onde vive e vibra a sua verdadeira Essência, o Si, que representa o núcleo
autêntico de sua natureza de origem universal e divina.
Na humanidade comum existe uma espécie de cisão entre a consciência superficial,
centralizada no eu ordinário, e o Si. Para chegar a superar esta cisão os amadurecimentos
que conseguimos como consequência das provas e das experiências que a vida nos
proporciona não são suficientes; o que é necessário, é um meticuloso trabalho que possa
favorecer e acelerar o processo de unificação entre a personalidade e o nosso verdadeiro
Ser. Este trabalho é constituído pela autoformação e sobretudo pela meditação. De fato, a
meditação nos oferece a possibilidade de construir conscientemente a ponte entre os dois
polos de nossa natureza, a matéria e o Espírito, o consciente e o Superconsciente, que
correspondem, respectivamente, às duas modalidades de nossa consciência, seja a voltada
para o exterior, o mundo objetivo, seja a voltada para o interior, o mundo subjetivo e
espiritual. O homem, no decorrer de um longo período evolutivo, identifica-se com o
aspecto voltado para o exterior, e tem consciência somente da personalidade, deixando de
lado, esquecido na escuridão e na inconsciência, o outro polo de sua natureza. Desta
maneira, mesmo sua verdadeira essência e a dimensão espiritual permanecem
inconscientes e latentes.
Por essa razão, o longo caminho evolutivo do homem poderia ser considerado na
realidade um processo gradativo de integração, de unificação e de síntese entre a
personalidade e o Si, entre a matéria e o Espírito, as "duas colunas do Templo Universal".
Efetivamente, a cisão é apenas aparente, pois trata-se de uma "falta de consciência",
de uma ilusão. Na realidade, mesmo sem o percebermos, estamos "unidos" aos mundos
hiperfísicos e ao Si. Vivemos na inconsciência e na ignorância de nossa unidade substancial
e por esta razão não sabemos utilizar todas as nossas energias e potencialidades, e nos
identificamos com um eu ilusório e arquitetado.
As vezes, mesmo quando já existe um certo grau de unificação entre os dois polos de
sua natureza, o indivíduo pode ter consciência disso. Neste caso, a meditação serve para
que ele tome consciência desse fato e o torne, então, aproveitável e profícuo.
A primeira fase da meditação é sobretudo um processo de interiorização e de
sensibilização para com o mundo subjetivo, para com o outro polo de nossa consciência.
Robert Ornstein afirma em seu livro The Psychology of Consciousness: "A meditação
constitui uma tentativa deliberada de separar-se, por um determinado período, do ritmo da
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vida cotidiana e afastar-se da modalidade ativa da consciência normal para entrar na
modalidade complementar de receptividade e de obscuridade. É uma tentativa de inibir a
modalidade comum da consciência e cultivar uma segunda modalidade, possível ao
homem."
Se examinarmos as diferentes tradições esotéricas que se referem à meditação em
todo o mundo e através dos tempos, descobriremos que, por trás de uma infinita variedade
de técnicas adequadas a cada grupo religioso ou a um determinado país onde a meditação
é praticada, existe uma semelhança fundamental em seus objetivos, e isto é o que
mencionávamos anteriormente: afastar-se da modalidade ativa, extrovertida, racional da
consciência, para produzir um despertar da modalidade receptiva, interior, intuitiva, que
possuímos sem saber. Esta segunda modalidade nos aproxima do mundo do Ser e torna-
nos sensíveis à consciência do Si, que vai além da mente, além da racionalidade, além da
atividade e do vir a ser.
Uma prova científica que o homem possui dessas duas modalidades, mesmo no nível
físico, nos é fornecida pelos estudos feitos sobre o cérebro humano, estudos que levaram à
descoberta de que ele é dividido em dois hemisférios, cada um com funções diferentes e
complementares. O hemisfério esquerdo, que governa as funções do lado direito do corpo,
é racional, analítico, verbal, lógico, sequencial... O hemisfério direito, que governa as
funções do lado esquerdo do corpo, é global, intuitivo, não verbal, artístico, imaginativo,
criativo etc.
Com a meditação é ativado o lado direito do cérebro que muitas vezes, sobretudo
entre os ocidentais, é menos ativo do que o lado esquerdo e, portanto, menos
desenvolvido.
Constatou-se, entretanto, que nos orientais, que praticam regularmente a meditação,
o hemisfério direito é bem mais desenvolvido.
O homem maduro e harmônico, deveria poder utilizar ambas as modalidades; elas
refletem a polaridade de sua consciência, para poder chegar à completa auto-realização.
Esta dualidade da natureza humana foi reconhecida desde os tempos mais antigos em
quase todas as culturas e tradições.
É só citar a antiga filosofia chinesa que considera o Absoluto, o Uno como uma
totalidade, contendo em si os dois eternos opostos princípios de Yang e Yin, que em seu
conjunto formam o Tao.
O homem revive em si mesmo esta polaridade universal inicialmente como cisão e
conflito e, numa segunda etapa, como complemento e harmonia.
A seguir, apresentamos algumas destas polaridades que podemos encontrar em nós
mesmos e em todo o cosmos, para entender melhor esta verdade universal, que representa
a chave da evolução cósmica e humana.
Yang Yin
Masculino Feminino
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Ativo Passivo
Consciente Inconsciente
Tempo Espaço
Céu Terra
Sol Lua
Dia Noite
Explícito Implícito
Focalizado Difundido
Racional Intuitivo
Centrífugo Centrípeto
Intelectual Sensitivo
Sequencial Simultâneo
Raciocínio Experiência
Vontade Consciência
Logos Eros
Concentração Expansão
Dedução Indução
Iniciativa Abandono
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Capítulo VI
MEDITAÇÃO PSICOLOGICA
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A meditação tem início com a interiorização, isto é, com a abstração da atenção do
mundo exterior e dos objetos (pratiahara); por isso, aconselha-se fechar os olhos ao
meditar. Porém, não é suficiente "não enxergar" com os olhos o mundo exterior, é preciso
esquecê-la, abstrair-se completamente dele, para poder perceber a dimensão interior, a
realidade do mundo subjetivo.
Para quem está no início desta prática, a dimensão interior constitui-se basicamente
de conteúdos psicológicos (emoções, pensamentos, imagens, lembranças etc.) que devem
ser considerados também como "objetos" em relação à verdadeira consciência. Portanto,
mesmo estes conteúdos psíquicos devem ser afastados e acalmados se nossa intenção é
chegar a uma verdadeira interiorização e a uma abstração completa, que nos permitam
tornar-nos sensíveis à realidade interior, tão viva e "substancial" quanto a exterior.
É claro que se faz necessário muito treino, exercícios e desenvolvimento de técnicas
para superar a tendência à extroversão e o hábito de viver superficialmente, além de ser
preciso acalmar os contínuos movimentos das energias dos três veículos. Este conjunto de
técnicas e de treinamentos constitui uma fase preparatória para a meditação propriamente
dita; fase necessária que poderia ser chamada "fase psicológica".
O processo meditativo, portanto, poderia ser subdividido em dois períodos chamados:
1) meditação psicológica
2) meditação espiritual
32
Capítulo VII
33
constância.
O centro de autoconsciência não é o Si total, mas uma sua projeção, um seu reflexo.
Poderíamos defini-lo: "aquele pouco de consciência do Si que conseguimos perceber,
enquanto estamos, em parte, ainda limitados pela identificação com a personalidade".
Todavia, mesmo sendo tão somente o reflexo do Si, o centro de autoconsciência possui
qualidades e poderes bem definidos. A primeira destas qualidades é a consciência pura, isto
é, livre e autêntica, sem conteúdos, dotada de clareza, estabilidade e destaque.
A segunda é a capacidade de síntese própria do poder unificador do Si, que, por
natureza, sempre tende à unidade, à totalidade, à harmonia. De fato, o centro de
autoconsciência é chamado também centro unificador da personalidade, pois tem a função
de integrar, harmonizar e coordenar os três veículos entre si.
Podemos, portanto, verificar o grau de aproximação do eu superficial ao Si,
exatamente com base em seu grau de estabilidade, de capacidade de síntese, de harmonia
e de unificação dos conteúdos pessoais.
Outro dos poderes fundamentais do centro de autoconsciência é a vontade, não como
é comumente entendida, mas como uma força interior, um poder de direção e de controle,
uma capacidade de vislumbrar a meta, uma nascente de energias livres e dinâmicas. Em
outras palavras, a vontade entendida como uma "presença" central, uma força que sabe o
que quer e pode realizá-lo.
Então, os três poderes fundamentais do centro de autoconsciência são: a consciência
(ou consciência de si), a capacidade de síntese e a vontade.
Reencontrar esse centro é uma passagem obrigatória, antes do despertar do Si. Ou
melhor, poderíamos dizer que constitui a porta através da qual teremos de passar para
reencontrar o Si Total, nosso verdadeiro Ser. O sentido do eu, de fato, é o que nos permite
fazer a experiência determinante de nosso desenvolvimento interior: a da solidão, da
autonomia e da liberdade de sustentações e projeções. Esta experiência nos permitirá
encontrar a nascente de nossa força interior e descobrir Deus no profundo de nós mesmos.
Alan W. Watts escreve:
"Enquanto o homem moderno não tiver realmente entendido o significado de seu
evidente divórcio da natureza, de seu agudo senso de separação e identidade pessoal, não
poderá absolutamente entender que seu verdadeiro Si é Deus. Se ele tentar impor-se este
ensinamento é mais do que provável que sofrerá um acréscimo espiritual, uma dilatação de
seu eu para a dimensão de Deus... Isso acontece porque a desafortunada vítima não
aceitou a divisão e o conflito. Não permitiu a Deus ser um eu. Negou aquilo que a natureza
predeterminou ao desenvolver o sentido de separação e, enquanto não o tiver aceito,
todas as suas tentativas de resolver o problema serão tentativas em termos de egoísmo.
Em outras palavras, tudo o que a solidão e o isolamento da autoconsciência comportam,
toda tentativa de se sair bem será inútil. O Eu não pode abolir a pena do conflito entre si e
o universo com a simples tentativa de se identificar com a essência daquele universo que é
Deus. Paradoxalmente deve realizar sua união com Deus sendo um eu. Antes de poder unir
você deve dividir." (De O significado da felicidade) (1)
1 - Publicado pela Editora Pensamento, 1983.
Mesmo nas antigas escolas esotéricas era absolutamente indispensável a experiência
da solidão e da privação de contatos e de apoio para poder conseguir a iniciação.
34
É portanto, necessário compreender o significado e o valor da autoconsciência, do
sentido de identidade para procurar então realizá-la e tornar-se verdadeiros Homens
conscientes da própria origem divina.
No Budismo-Zen também dá-se muita importância ao reencontro do "centro" correto
do homem, chamado "hara".
Karl Fried von Durckeim escreve em seu livro (Hara, o centro vital do homem segundo
o Zen):
"O problema da formação do eu correto é o problema fundamental da existência
humana. Da realização do eu correto dependem as relações do indivíduo com o mundo,
consigo mesmo, e com a transcendência".
Através da meditação psicológica recebemos ajuda nesta formação do eu correto, que
poderia ter-se verificado de forma errada, ilusória e distorcida.
É verdade que existem diversas "malformações" do eu, dentre as quais as principais
são duas:
1) o eu enrijecido e hiperestruturado;
2) o eu fraco e desprovido de estrutura.
36
Capítulo VIII
40
Capítulo IX
3) Expansão da consciência
41
faculdades até então latentes, ao despertar da intuição e da criatividade e, sobretudo, à
capacidade de viver de forma autêntica e total, exprimindo nosso verdadeiro ser, o Si.
Somente alcançando esta integração, através da abertura que a meditação espiritual
proporciona, despertamos da inconsciência e do estado de confusão e de ilusão no qual
estávamos imersos até então e aprendemos a nos aproximar da vida, das pessoas e dos
eventos, não mais somente com os sentidos, com a emotividade e com a mente, mas
também com a consciência verdadeira, com a sensibilidade intuitiva, que nos permite ir
além das formas e das aparências, e perceber a realidade profunda e os significados reais
de tudo o que existe.
Eis por que, como já tivemos ocasião de dizer, é tão necessário ter alcançado certa
estabilidade no centro de autoconsciência, que nos permita não nos perdermos no imenso
mar do inconsciente e abrir-nos, permanecendo conscientes e lúcidos, sem cair em estados
de sonambulismo cheios de passividade e inconsciência.
Esta expansão da consciência pode ser obtida por etapas, como é óbvio, e avança ao
mesmo tempo em que se manifestam os demais desenvolvimentos interiores, favorecidos
pela meditação, entre os quais aquele contido pela quarta característica apresentada, que
examinaremos a seguir.
A palavra "rendição" deve ser entendida corretamente, pois poderia ser interpretada
de forma errônea e gerar mal-entendidos. Ela pretende exprimir uma atitude de total
aceitação e de completa confiança para com a Vontade do Si, que deriva do fato de
superarmos resistências e "obstinações" do ego, principal obstáculo ao despertar da
verdadeira consciência.
Na meditação espiritual devemos conseguir e sentir dentro de nós esta confiança, esta
aceitação, de forma espontânea e alegre, sem esforço ou tensão, mas com abandono e
completa adesão ao Divino. Esta não é uma atitude passiva ou retraída, mas ativa e
consciente, semelhante à da "atenção-consciência" de que falamos. Muitas pessoas
confundem esta atitude de "rendição positiva" com a que poderia chamar-se de "rendição
negativa" e que consiste numa condição de torpor passivo, de distração sem consciência.
Esse tipo de estado é extremamente nocivo, pois permite aos conteúdos do inconsciente
invadir-nos e às emoções "e pensamentos envolver-nos.
A rendição positiva, ao contrário, nos torna abertos, receptivos, "vazios" sem, porém,
fazer com que percamos o centro de autoconsciência, a lucidez, e nos permite, desta
maneira, tornar-nos sensíveis a estados de consciência mais elevados, a intuições e
inspirações provenientes do Superconsciente e de absorver as energias do Si, para que
produzam em nós a purificação e a transformação necessárias.
Esta é a razão pela qual os instrutores espirituais sublinham sempre que para se obter
uma boa meditação, devemos deixar de lado toda expectativa, toda exigência, toda tensão
ou esforço, e abrir-nos simplesmente, com confiança total e abandono, às forças superiores
latentes em nós.
Esta atitude é muito difícil para nós ocidentais, pois estamos acostumados a intervir
42
sempre com nossa vontade e com nossa racionalidade, mesmo nos eventos interiores. De
fato, sofremos de hipertrofia do consciente, isto é, damos maior atenção e
desenvolvimento ao "polo" de nossa natureza voltado para o exterior, o consciente, criando
assim em nós uma unilateralidade que dificulta o contato com o outro polo ou aspecto de
nós mesmos, o inconsciente, que permanece reprimido e sufocado.
Desta maneira, sem percebermos, criamos uma barreira e uma resistência ao
Superconsciente e ao Si, reforçando o Ego que, com sua ambição presunçosa, seu
egocentrismo, sua autoafirmação, é o maior adversário do Divino.
Com a prática constante da meditação que nos leva, gradativamente, a desenvolver a
capacidade de abertura para as dimensões superconscientes, de receptividade, de silêncio
interno, o ego se enfraquece, enquanto a consciência do Si, pouco a pouco, assume seu
lugar. Isso leva, como é óbvio, à queda das ilusões, dos apegos, das ambições pessoais e à
transformação da vontade pessoal na do Si.
Este é um momento extremamente importante de nosso desenvolvimento interior
que poderia ser considerado uma reviravolta decisiva, pois nos permite perceber que não
somos outra coisa senão um instrumento e canal de uma Vontade Superior e que, mesmo
não tendo completamente consciência disso, estamos voltados para um objetivo e guiados
por um Propósito bem específico. Todos os outros objetivos pessoais, todos os nossos
desejos, nossas exigências e metas terrenas são simplesmente ilusões criadas pelo ego que
julga ser livre, ter uma vontade própria e poder obter tudo o que se propõe. Na realidade,
por trás de todas as nossas exigências e expectativas humanas e pessoais, há o impulso do
Si a exprimir-se, a realizar-se através de seus instrumentos que nós, ao contrário, com
nossa consciência limitada e identificada com o relativo, distorcemos, poluímos e
desviamos.
Portanto, à medida que, através da meditação, desperta em nós a verdadeira
consciência e caem todos os condicionamentos e os véus das ilusões, aumenta em nos uma
atitude nova de "submissão" e de obediência a uma Vontade Superior, que se revela com
inspirações, intuições, "sinais" e símbolos, que aprendemos gradativamente a decifrar. Esta
não é uma atitude de devoção e puramente mística, mas uma atitude forte e consciente
baseada no reconhecimento do nosso Ser Real e na adesão interior e lúcida a um preciso
Plano Divino, ao qual sentimos pertencer e com o qual devemos colaborar.
O principal obstáculo é o ego que, como dissemos, com sua obstinação, torna mais
difícil esse amadurecimento e, por essa razão, devemos aprender a nos “render” e a ser
humildes e receptivos.
Somente com a "rendição positiva" podemos superar as resistências e as reações do
ego. Não devemos enfrentá-lo com a força, mas desvitalizá-lo e enfraquecê-lo com o
relaxamento, a abertura, o abandono, o silêncio interior e a humildade. Esta última
qualidade é extremamente importante pois somente ela pode corrigir o desmedido orgulho
do ego, sua exaltação, que faz com que julgue ser semelhante a Deus e ter um poder
imenso.
A personalidade representa, de fato, simbolicamente o polo feminino, receptivo,
passivo frente ao Si, que representa o polo masculino, positivo, ativo. Quando a
personalidade reconhece e aceita tornar-se passiva, "vazia" e silenciosa, pode então unir-se
ao Si, naquele evento misterioso chamado "o matrimônio nos céus" ou "núpcias místicas",
43
que produzem o nascimento da consciência espiritual (o Filho).
Devemos, portanto, esforçar-nos para atingir o silêncio e o vazio interiores e aprender
a abandonar-nos às energias profundas que estão dentro de nós, deixando de lado a mente
racional, os desejos emotivos e vitais e as exigências do físico. Ao menos no momento da
meditação devemos poder ouvir a "Voz do Silêncio", que é a única voz de nosso Si, a ser
percebida e ouvida somente quando "as mil vozes" da personalidade se calam.
Se nos condicionamos a alcançar estes resultados com a meditação regular e
constante, obteremos seus efeitos mesmo na vida cotidiana, nos contatos com as outras
pessoas e adquiriremos cada vez uma maior serenidade, destaque e força interiores.
Todavia, não devemos cultivar as atitudes de silêncio, de rendição, de desidentificação
somente no momento da meditação, mas também na vida de cada dia, em nossas
experiências, em nossas relações interpessoais, levando em consideração que isso não
significa renúncia ou fuga da vida; ao contrário, é um prosseguir em frente para uma maior
participação à alegria, à beleza, ao amor, à verdadeira essência da existência. A este
respeito cito um trecho de Corrado Pensa:
"Render-se a tudo o que acontece conosco não significa encerrar, terminar, e sim agir,
começar, entreabrir. Entreabrir a nós mesmos amplas extensões interiores, porque de fato
ao render-nos, estamos rejeitando o fato de sermos inundados por esta ou aquela
excitação positiva, por esta ou aquela excitação negativa... Excitações que são reações a um
fato... A rendição, por outro lado, significa capacidade de ficar o mais possível com o fato.
Significa, se quisermos, uma constante rendição aos fatos..."
Em outras palavras, a meditação espiritual leva pouco a pouco à aceitação consciente
da vida, à compreensão do verdadeiro significado dos eventos e à utilização e
transformação criativa dos mesmos, pois coloca-nos em contato com nosso verdadeiro Ser,
o Si.
44
Capítulo X
A modalidade de ação faz com que a atenção e o interesse se voltem para o mundo
externo com a tendência a manipulá-lo e a modificá-lo para alcançar objetivos pessoais. A
frase que poderia exprimir sinteticamente esta modalidade é a seguinte: "querer fazer com
que aconteça". De fato, quem é levado a utilizar esta modalidade tem a convicção de que
com a própria vontade, a própria inteligência e o próprio esforço, possa agir sobre o mundo
externo e sobre os eventos.
Isso, de certa forma, pode até ser verdade, pois, como afirmam os psicólogos, o adulto
maduro deveria ser dotado desta capacidade de agir sobre o exterior com a vontade,
reagindo às dificuldades da vida com a própria iniciativa e a própria capacidade de ação
inteligente e criativa. Todavia, se este aspecto é hipertrófico, impede e sufoca o outro polo
de nossa consciência: a modalidade receptiva, que nos dá a capacidade de "sentir" e
perceber os níveis mais profundos da existência e de entrar em contato com a nossa
própria ulterioridade e a dos outros.
Esta segunda modalidade poderia, sinteticamente, ser expressa com a frase "deixar
acontecer". Isso não significa passividade ou fatalismo, mas tendência a receber e a extrair
do ambiente a verdadeira essência e o real significado ocultos por trás das aparências,
ajudados por uma determinada sensibilidade que age por dentro. Esta sensibilidade, que
não se apoia na mente, nos sentidos ou na lógica, provém de uma parte superconsciente de
nós mesmos e é ativada sobretudo com a meditação espiritual. De fato, este tipo de
meditação, conforme vimos, coloca à mostra o outro polo de nossa consciência e baseia-se
no abandono, na rendição, na capacidade de silêncio mental, abrindo o nosso caminho para
a intuição, a percepção global das coisas, a capacidade de se identificar consigo mesmo, de
empatia, de sensibilidade supralógica, que é própria do Si e do Ser. Se conseguirmos
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desenvolver esta modalidade na meditação, todo o nosso comportamento será
influenciado por isso, mesmo quando não estivermos em atitude meditativa, pois
gradativamente verifica-se uma transformação em nossa maneira de nos relacionar com a
vida e com os eventos e em nossa maneira de agir. De fato, aprendemos a "agir sem agir",
naquela atitude que os seguidores do Zen chamam "wuwei", pois no nível consciente e
exterior não há ação, mas deixa-se acontecer, enquanto o Si, no nível superconsciente
intervém e age. As seguintes palavras do livro Luz no caminho de Mabel Collins nos dão
uma ideia extremamente clara desta atitude:
"Fique afastado da batalha próxima, e apesar de combatê-la não seja você o guerreiro.
Procure o Guerreiro e deixe que Ele combata em você.
Receba as ordens dele para a batalha e obedeça-as."
O Guerreiro é o nosso Si Superior, isto é, nós mesmos, mas que nos parece externo por
ser ainda superconsciente. A ação sem ação é "abrir-se ao Si" e deixar-se guiar por Ele,
deixando de lado o ego e as ilusões da personalidade.
Voltando à "modalidade receptiva", observou-se que ela é própria da infância em que
prevalece a receptividade, a sensibilidade por via inconsciente, e uma forma de percepção
baseada em impressões e sensações, e não sobre o raciocínio lógico. Nesta modalidade, no
nível do sistema nervoso, prevalece o parassimpático, e o eletroencefalograma mostra a
presença de ondas alfa.
No decorrer da vida desenvolve-se gradativamente a outra modalidade da consciência,
a de ação, que submerge e sufoca a modalidade receptiva. Poderia pensar-se que voltar à
modalidade receptiva fosse um fato "regressivo", uma volta a atitudes e estados próprios
da infância, mas não é bem assim. Ao contrário, é dar espaço à nossa parte mais profunda e
mais verdadeira, é uma volta à inocência, à autenticidade, à sensibilidade imediata livre de
condicionamentos e filtros, que nos permite perceber a realidade como ela é realmente e
não como acreditamos que ela seja. De fato, não percebemos que o desenvolvimento da
mente racional nos aprisionou numa rede de conceitos, de definições e de esquemas que
nos separam da verdadeira essência das coisas tornando-nos incapazes de entrar em
contato com sua realidade.
Regredir neste sentido é uma volta a uma capacidade natural, que havia sido
removida, e é um fato muito importante e vital para nossa auto-realização.
Mesmo Jung fala sobre um movimento de progressão e de regressão que se alterna
dentro de nós e que constitui uma espécie de "respiração" da energia psíquica que corre
entre dois polos, o constituído pelo consciente e o constituído pelo inconsciente. A
progressão é o movimento da energia psíquica para o exterior, e a regressão o movimento
desta energia para o interior, isto é, para as camadas profundas e autênticas de nossa
psique. Esta "respiração psíquica" mantém o equilíbrio de nossa natureza e nos torna
harmônicos e completos.
Nós, ocidentais, precisamos dar mais espaço à modalidade receptiva, à faculdade de
fazer o superconsciente agir, se quisermos efetivamente conseguir entrar em contato com
o nosso Si.
Se conseguirmos realmente penetrar na meditação espiritual e obter os resultados dos
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quais falamos, que nos permitem modificar nosso nível de consciência interior, fazendo
emergir em nós o centro de "pura consciência", estaremos completamente transformados,
seja mentalmente, seja emotivamente, e, de certa forma, fisicamente (como mostra o
eletroencefalograma), e a nossa vida sofrerá mudanças radicais.
Frente a qualquer problema ou situação difícil não mais agiremos guiados somente
pelo nosso eu racional, ou pela emotividade que nos perturba, mas como se fôssemos
conduzidos de mãos dadas por uma Vontade Superior, por uma sabedoria profunda, e por
um definido intuito sobre a solução correta. Então, nos aparecerá claro o significado das
palavras acima citadas de Luz no caminho e compreenderemos o que realmente significa
"agir sem agir" abrindo-nos ao Si e oferecendo-nos como instrumento de Sua energia, de
Sua Sabedoria e de Sua Vontade carinhosa.
Assim, gradativamente, chegaremos a uma simultaneidade de passividade interior e de
ação exterior, isto é, a uma colaboração das duas modalidades da consciência, que não
estarão mais em conflito, e sim em perfeita sintonia e integração. Isso será obtido somente
depois de um período mais ou menos longo de oscilação e de alternativa entre as duas, que
atingirá seu ponto máximo no equilíbrio e na contemporaneidade das duas modalidades,
de forma que o indivíduo poderá funcionar simultaneamente em diferentes níveis, sem
perder o contato com o Si, que será sempre o guia e a nascente de energia de toda ação em
todos os planos. Como sabemos, a personalidade com seus três veículos é somente um
instrumento de expressão do Si, e o eu pessoal é somente um reflexo do Verdadeiro Eu.
Por isso, devemos deixar-nos guiar pelo Si, mesmo que não estejamos completamente
conscientes, abrindo-nos à Sua força, e à Sua luz, com a mais completa confiança e
abandono.
Desenvolvendo a sensibilidade interior de que falamos, aprenderemos também a
decifrar e a entender os sinais silenciosos e as mensagens que o Si nos transmite
continuamente, além de interpretar Sua linguagem simbólica, sentir Sua vibração, deixando
de lado a presunção, o orgulho e a racionalidade do ego, que, como Lúcifer, desejará
rebelar-se contra a pacata, sábia, mas inflexível Vontade do Si.
O aparecimento desta modalidade receptiva e deste novo estado de consciência trará
consigo outros resultados precisos, como a capacidade de exprimir qualidade e faculdades
humanas superiores, como o amor desinteressado, a criatividade, a intuição etc.
Estas qualidades são inatas na mais verdadeira e alta parte do homem, mas
permanecem potenciais e superconscientes, até se revelarem por efeito de
amadurecimentos interiores e de ampliações de consciência. O amor, por exemplo, quando
provém do Si, não é aquele sentimento emotivo e pessoal ao qual erroneamente damos o
nome de amor; é sim um estado de consciência natural do Ser, que é Unidade, Identificação
consigo mesmo, Compaixão, capacidade de dar, compreender, sentir-se unidos sem mais
desejos, exigências, expectativas, separatividade...
O Si é o amor, e o irradia sem esforço, sem intencionalidade, como o sol irradia luz e
calor.
Abrindo-nos ao Si na meditação espiritual e ativando a modalidade diretiva da
consciência, gradativamente abrimos caminho em nós mesmos para esta energia, esta nota
fundamental do nosso Ser central e chegamos a poder exprimir o amor, quase
inconscientemente, no começo; isso porque parece-nos um fato natural estar abertos aos
47
outros, sentir a união, a compaixão, a participação sem as barreiras do egoísmo e da
separatividade que antes nos faziam sofrer, e faziam com que nos sentíssemos fechados,
divididos e sozinhos. A alegria entrará em nós e tornar-se-á um estado de consciência
habitual, pois o amor traz consigo a alegria, a calma, a sabedoria e aquela qualidade que Sri
Aurobindo chama "samata" (equanimidade), isto é, uma constante inalterabilidade frente a
qualquer evento, prova ou dificuldade da vida.
Além disso, ganhará espaço em nós a criatividade, como um resultado espontâneo de
nossa mudança de consciência e do nosso contato com o Si. Uma criatividade difusa e
generalizada, que se exprimirá em tudo o que faremos em todos os níveis (físico, emotivo e
mental), dando-nos espontaneidade, liberdade, frescor e autenticidade. Esta manifestação
também é uma qualidade intrínseca do Si, pois ser criativos significa ser si mesmos no mais
profundo e elevado significado desta expressão, e saber fazer fluir para fora todas as
energias que provêm da nascente divina que está em nós.
Eis, portanto, que a modalidade receptiva, catalisada pela meditação e tendo-se
tornado parte de nós mesmos, mesmo em nossa expressão cotidiana, não somente nos
dará a capacidade de nos abrir aos níveis superconscientes de nós mesmos, mas nos
fornecerá o meio para libertar as nossas mais elevadas potencialidades dos empecilhos e
das resistências que as sufocavam e lhes impediam o caminho, e nos levará gradativamente
à autoexpressão e à autorealização.
Tudo o que somos realmente é superconsciente, mas existe dentro de nós, devemos
somente abrir-nos e aprender a "ser". Devemos deixar que o divino que está em nós se
manifeste, deixando de lado o ego, suas falsas pretensões, suas ilusões, sua racionalidade
construída, seu orgulho, suas resistências e então nos tornaremos Verdadeiros Homens,
Filhos de Deus e perfeitas testemunhas e instrumentos do Si e do Divino.
48
Capítulo XI
1) Estímulos
2) Desvios
3) Ilusões
Trata-se de formas muito sutis e fugazes de erro às quais toda a humanidade está
sujeita; exatamente porque há a identificação com a personalidade e a inconsciência da
verdadeira natureza.
Devido ao afluxo excessivo das energias dos níveis superiores na meditação, estas
ilusões podem ser acentuadas e tornar-se ainda mais arraigadas e insidiosas, porque se
escondem e disfarçam sob aspectos positivos da personalidade, mascarando-se de
qualidades elevadas, conseguindo misturar-se astuciosamente com aquilo que há de,
realmente, positivo e bom no indivíduo; e poderia mesmo ser uma pessoa suficientemente
madura, que tenha iniciado o trabalho espiritual e de meditação. Na realidade, qualquer
tipo de ilusão (mental, emotiva ou etérica) deriva da ilusão central do homem: a do ego.
O ego, como sabemos, é nosso eu pessoal, que surge da integração dos três veículos
pessoais, mas não tem uma verdadeira consciência e uma real identidade, pois identifica-se
com o conjunto dos desejos, dos impulsos e dos condicionamentos da personalidade.
Todavia, pode ter uma grande força, quando condensado e estruturado num núcleo de
vontade egoística e separativa.
Pode tornar-se um grande obstáculo para a tomada de consciência do Si, que é o
Verdadeiro Eu, a ponto de, em determinadas escolas esotéricas, ser chamado de "Guardião
da entrada" ou o "Adversário", para indicar sua natureza rebelde e obstinada, que se opõe
à Luz e ao Amor do Si. Muitas vezes, o ego permanece inconsciente, sobretudo nas pessoas
que têm uma certa maturidade espiritual, e que são sensíveis, mesmo esporadicamente, à
vibração do Si. Por esta razão pode acontecer que, apesar de sua sincera aspiração e boa
vontade, elas encontrem obstáculos e dificuldades para uma completa realização e nunca
consigam ultrapassar por completo certas tendências pessoais e determinados desejos
egoísticos. Há nelas um acentuado dualismo e um perene conflito do qual não sabem
explicar os motivos.
O ego pode dar origem tanto a "ilusões" como a "desvios" pois altera a verdade em
vantagem própria e apropria-se de toda conquista interior, para vangloriar-se disso em seu
orgulho e em sua separatividade ilusória. Pode acontecer que, ao meditar, o ego se
evidencie e se coloque decididamente em frente à consciência do indivíduo, criando-lhe
dúvidas, incertezas e medos. O momento desta evidenciação é muito perigoso, mas
também extremamente importante e decisivo, pois assinala um "ponto de partida" no
caminho interior do homem que afinal pode reconhecer seu "adversário", combatê-lo e
vencê-lo.
Eis por que, juntamente com a meditação, é preciso começarmos um sério trabalho de
autoanálise, de purificação e de autoformação.
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Somente assim poderemos realizar e concretizar a importante regra evolutiva que é
enunciada por Sri Aurobindo como segue:
"A evolução é uma gradativa transformação da energia em consciência."
Enquanto as energias permanecerem inconscientes podem constituir uma força
perigosa e uma resistência, pois são potenciais forças explosivas de natureza primordial; no
entanto, se tomarmos consciência delas, as aceitarmos e as reconhecermos, poderemos
nos desidentificar delas, e com a ajuda da Luz do Si, recebida na meditação, transformá-las,
encarná-las, sublimá-las e reuni-Ias ao Espírito superando o dualismo que nos dilacera.
53
Capítulo XII
54
Divino, numa exigência profunda e intensa de crescimento interior, voltada irresistivelmen-
te para a auto-realização.
O "não-esforço" errado baseia-se, ao contrário, na ilusão de que é suficiente abrir-se
ao Si para que tudo se resolva. Portanto, como é óbvio, esta atitude gera inércia,
passividade e incapacidade de superar os automatismos, as resistências e os
condicionamentos inconscientes nos veículos pessoais.
"Abrir-se ao Si" não é uma atitude passiva, mas significa "eliminar os obstáculos",
libertar-se das impurezas e das ilusões do ego, evocar potencialidades positivas latentes,
tomar consciência dos lados obscuros de si mesmo e, portanto, significa trabalho
consciente, adesão e colaboração com a vontade do Si, disciplina e capacidade de
superação e destaque.
Um dos sinais mais evidentes que indicam estar acontecendo no homem uma abertura
efetiva para o Si é o impulso irresistível de colaborar com as forças evolutivas, é a decisão
interior de sair da identificação com o eu construído, é a exigência de crescimento e de
autoaperfeiçoamento, proveniente de nosso Ser autêntico que começa a manifestar Sua
presença.
Em outras palavras, a necessidade de começar um sério trabalho de autoafirmação e
de purificação de si mesmos já é um efeito da luz da verdadeira consciência que começa a
ganhar caminho dentro de nós para poder manifestar-se.
O Si é o simbólico fermento de que fala a parábola do Evangelho, que misturado com a
farinha (a personalidade humana) pouco a pouco a faz crescer.
Não se deve, porém, confundir este impulso a progredir para a realidade e a totalidade
do Si, com a exigência de auto-realização pessoal baseada na ambição e na necessidade de
sucesso e felicidade pessoais.
O impulso para progredir, de que falamos, baseia-se na intuição profunda da
verdadeira natureza do homem e do real objetivo da vida; e quem teve esta intuição, por
amadurecimento espontâneo, ou como efeito da meditação, não pode deixar de tender
com todas as suas forças para a realização desta "verdadeira natureza" e para a adesão a
este objetivo com total entrega de si.
Isso não está em contradição com a atitude que surge da modalidade receptiva da
consciência, que é evocada pela meditação e que se baseia no "deixar acontecer" e no
"deixar ser". Não há contraste entre o abandono do Si e a "sadhana" consciente, pois esta
última é válida somente se for o resultado do primeiro. Por isso, a verdadeira
autoafirmação está estreitamente ligada com a meditação que produziu uma abertura para
o Si, uma afluência de energias espirituais e uma precisa mudança de consciência.
Tem início, então, uma interação entre o Si e a personalidade, uma troca de energias,
com vicissitudes alternadas, momentos de iluminação e momentos de escuridão, enquanto
não for superado o dualismo aparente e se verifique a unificação total dos dois polos. Sri
Aurobindo afirma o seguinte: "O ponto de partida da ioga será... um esforço. Neste período
a obra é realizada através dos instrumentos da natureza inferior cada vez mais ajudados
pelo alto... Mas a substituição total da ação divina pela ação humana não é possível assim,
de repente ... O elemento inferior do desejo deverá participar, necessariamente, de todas
as tentativas de ascensão." (Síntese da ioga, vol. II.)
Estas palavras confirmam a necessidade da colaboração da personalidade "de baixo"
55
para a influência do Si, que age como elemento catalisador e nos leva a dar início à obra de
transformação de nós mesmos.
É preciso lembrar que o homem é o único ser da natureza que pode colaborar
conscientemente com a própria evolução e que é ele mesmo "o laboratório vivo e
pensante" onde está se formando o Homem Novo, criatura do V Reino.
Um fato que pode nos estimular muito, além de nos dar grande ajuda neste trabalho,
é sabermos que nossos erros, nossas fraquezas, nossas impurezas derivam somente de
uma utilização errada das energias e que não devemos destruir nada daquilo que está em
nós, mas somente dar uma nova orientação ao conjunto e canalizá-lo na direção correta.
Autoafirmação não significa renúncia ou destruição de uma parte, mesmo negativa, de
nossa personalidade, mas operar sua transformação e utilização correta. Sri Aurobindo nos
diz: "Toda parte de nossa natureza não tem como meta final algo que lhe seja
completamente estranho, de onde derive a necessidade de sua extinção, mas algo de
supremo em que transcende e reencontra seu próprio absoluto, seu infinito, sua harmonia,
além de todo limite humano." (Síntese da ioga, vol. lI.)
Na realidade, devemos vir a ser o que já somos; o que interpretamos como esforço e
fadiga nada mais é do que a resistência de nosso lado obscuro e inconsciente, presa de
automatismos e hábitos, à luz e à consciência do Si.
Cada defeito, cada negatividade, cada erro nosso, oculta, na realidade, energias
positivas que "invertemos" por ignorância e inconsciência, identificados com o ego
construído e com nossos desejos pessoais.
As impurezas não são outra coisa que confusões funcionais, isto é, consequências da
utilização errada das energias e mistura de elementos impróprios nos veículos pessoais
que, por causa disso, sofrem desvios e alterações em sua função correta.
Portanto, não se trata de "construir" algo que não existe, ou destruir algo negativo;
trata-se de tomar consciência da realidade que está por trás das aparências, de nos
desidentificar dos condicionamentos, dos ritmos falsos e ilusórios e de evocar
potencialidades já presentes, libertando energias bloqueadas pela inconsciência.
Só o fato de saber isso pode nos ajudar muito no trabalho dando-nos confiança no
resultado, pois não se trata de ir contra nossa natureza, mas satisfazê-la, libertá-la e fazer
com que reencontre seu autêntico esplendor. Autoformar-se é adequar-se à nossa
realidade mais profunda, ao nosso verdadeiro Ser, mesmo que no início, por ser este
superconsciente, seja preciso um ato de vontade e de decisão. "A auto-realização é um
desenvolvimento intrínseco daquilo que já existe no organismo, melhor, daquilo que o
organismo tem em si mesmo." Maslow faz esta afirmação em seu livro Motivação e
personalidade.
Portanto, a vontade serve apenas para interromper um ritmo errado, para deter um
fluxo de energias que estão voltadas para uma direção errada devido a automatismos
inconscientes e, para que tenhamos a força de "dar a virada" decisiva de nossa vida... Mas,
a seguir, tudo fica fácil, espontâneo, pois percebemos estar em harmonia com o natural
impulso evolutivo e com a Vontade Divina.
A meditação nos ajuda muito neste trabalho e há exercícios e técnicas específicos a
serem utilizados na prática meditativa, cuja finalidade é exatamente reorientar as energias,
evocar as qualidades latentes, abrir-nos às potencialidades superconscientes, sublimar os
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lados negativos em positivos.
Esta é a fase operativa e criativa da meditação, que nos leva a descobrir leis ocultas,
realidades e poderes escondidos nas profundezas de nós mesmos, tornando-se desta
maneira uma verdadeira "ciência interior".
O verdadeiro esoterismo pode ser considerado uma ciência, pois, tal como a ciência,
baseia-se nas experiências diretas de energias, de fenômenos, de realidades que, mesmo
sendo hiperfísicos, manifestam-se de acordo com leis precisas.
Para chegar a este estágio da meditação, porém, é preciso ter praticado com sucesso e
constância os outros dois estágios e ter alcançado um certo grau de contato e de abertura
para com o Si. Portanto, faz-se necessário ter conseguido a separação, a pureza e a
consciência, para trabalhar sobre si mesmos seguindo a motivação correta movidos pelo Si
e não pela ambição do ego, que desejaria infiltrar-se disfarçadamente em toda a nossa
conquista, para se apropriar dela e agigantar assim seu falso poder.
É preciso ter coragem e humildade, além de constante aceitação de si para iniciar o
trabalho consciente de autoafirmação que tende a nos fazer superar o eu separativo, seus
desejos, suas ambições e a nos tornar capazes de nos oferecer ao Divino como Seus
instrumentos e canais.
Encerro este capítulo citando ainda algumas palavras de Sri Aurobindo, que nos
enchem de esperança, alegria e confiança:
"Tudo o que abandonamos nos é devolvido maravilhosamente transformado e
transfigurado no Bem Supremo, na Luz e na Felicidade daquele que é eternamente puro e
infinito, mistério e milagre, que nunca deixa de ser na contínua evolução dos tempos."
(Síntese da ioga, vol. II.)
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Capítulo XIII
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novamente e a voltar à sua origem. Produz-se então um movimento de "ascensão", depois
de um desvio, movimento que gera a evolução e a gradativa transformação, ou "redenção"
da matéria, com atrito e sofrimento. As energias divinas, cristalizando-se em matéria densa,
tornaram-se inertes e opõem por isso mesmo uma resistência inconsciente ao impulso
evolutivo. Este atrito produz o nascimento de um terceiro fator: a consciência, o Filho
simbólico da união de Espírito e Matéria.
No homem acontece o mesmo processo repetida e ciclicamente, não somente quando
o Si se encarna, mas toda vez que se verifica um contato entre as energias superiores e a
personalidade.
As energias do Si descem nos veículos pessoais e "envolvem-se", pois, em contato com
os aspectos pessoais; sofrem a lei de "degradação", da qual falamos num capítulo anterior;
ao mesmo tempo, porém, produzem transformações e proporcionam estímulos de
crescimento à consciência adormecida e aos centros etéricos, que têm necessidade de ser
despertados e vitalizados.
Ao chegarem ao ponto mais baixo, no corpo físico, estas energias realizam uma
conversão e tendem a subir novamente. Caso não encontrem obstáculos ascendem de
centro em centro, refletindo o movimento evolutivo universal. Ao ascender purificam os
veículos da personalidade e sublimam as energias dos centros inferiores, estimulando o
processo de crescimento e de evolução do homem. Este processo de descenso e ascensão
das energias deveria verificar-se de forma harmônica e rítmica, como uma "circulação"
natural do alto para baixo e de baixo para o alto. Na realidade isso não acontece pois há
obstáculos devidos à resistência inconsciente que o homem opõe à força evolutiva por
causa de seus condicionamentos seu estado de escuridão e ignorância. Disso derivam
sofrimento, perturbação e crise.
Quando começamos a praticar a meditação, no entanto, este processo interior é
facilitado, pois as resistências e os condicionamentos se desfazem e as energias superiores
podem afluir aos veículos, purificando-os e transformando-os. A verdadeira consciência do
Si então eventualmente se manifesta e, nesse caso, é possível colaborar conscientemente
com este impulso evolutivo.
Portanto, é indispensável integrar o trabalho de meditação com a autoformação
consciente, que permite uma assimilação e uma utilização das energias recebidas e uma
superação gradativa do dualismo conflitual entre o Si e a personalidade, transformando-o
em equilíbrio e colaboração, até que alcance o perfeito alinhamento entre os dois polos.
Isto leva à simultaneidade de expressão do Si e de seu instrumento, consequente à sua
unificação.
O homem que entra no caminho espiritual começa a viver sua dualidade
conscientemente e tem início, então, aquela que é chamada "vida dupla", isto é, uma vida
em duas dimensões: a interior e a exterior. Realiza-se esta meta passando, antes de mais
nada, por uma fase alternativa entre introversão e extroversão, de meditação e ação, que
cria uma oscilação rítmica entre os dois polos; a seguir, passando por uma fase de
simultaneidade e unificação que pode ser sinteticamente expressa com as palavras do
Bhagavad-Gitā: "Ação na inação, e inação na ação."
Alcançar esse estágio é algo que talvez ainda esteja muito longe de nós e, por
enquanto, devemos visar a atingir o equilíbrio e a capacidade de integrar, de forma
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harmônica, as duas modalidades de nossa consciência, utilizando a interação entre o fluxo e
o refluxo das energias. Para atuar isso, é preciso ter alcançado a estabilidade do centro de
consciência, desidentificado dos veículos, e a capacidade de ser Espectador objetivo de si
mesmo.
O centro de autoconsciência emerge, efetivamente, da desidentificação dos veículos
pessoais e, mesmo não sendo ainda o Si total, é um reflexo dele, uma sua "projeção", que é
um ponto virtual a meio caminho entre a personalidade e o nível em que o Si habita. Este
centro de autoconsciência é como uma ponte entre o nível pessoal e o espiritual e cria
antes de mais nada uma relação harmônica entre os dois; a seguir, gradativamente, uma
síntese.
Ele é o "ser psíquico" de que fala Sri Aurobindo, ou o "jivatma" das doutrinas orientais,
a centelha divina oculta na personalidade, um fragmento do si total. Testemunha e ponte
que nos liga com o Divino.
Podemos trabalhar sobre nós mesmos na autoafirmação e iniciar o processo de
equilíbrio e de unificação entre o Si e a personalidade somente se tivermos alcançado o
nosso centro de autoconsciência, livre, autêntico e seguro. Isso pode ser obtido com a
meditação regular.
Acredito ser útil agora falar, mesmo rapidamente, a respeito dos processos de
transformação e de circulação das energias que se verificam dentro de nós, à medida que
procedemos no trabalho de purificação, de autoafirmação e de meditação.
Quando as energias do Si descem nos veículos pessoais sofrem uma mudança, como já
dissemos, e se transformam em forças da personalidade, por um gradativo processo de
"degradação", chamado comutação. Este fato nos demonstra mais uma vez a essencial
unidade do nosso ser, que aparece múltiplo, dividido em diversos elementos
aparentemente opostos. A energia do Si é como a luz do Sol que, passando por um prisma,
decompõe-se nas sete cores do arco-íris, recompondo-se em seu branco esplendor se, ao
girar o prisma, encontrarmos uma posição correta.
O processo de comutação "adapta" as energias do Si às vibrações mais baixas dos
veículos pessoais, e faz com que assumam a nota e a cor do veículo através do qual se
manifestam, e se este veículo não é puro as energias superiores poluem-se e "degradam-
se". Assim a Vontade do Si torna-se autoafirmação e desejo; o amor do Si se torna emoção
e apego; a Criatividade torna-se sexualidade... Este processo de adaptação, todavia, é
necessário para a formação da personalidade, que é o instrumento de experiência e de
expressão do Si nos três planos inferiores da manifestação (o físico-etérico, o emotivo e o
mental).
As energias do Si, numa segunda etapa, tendem a retornar à nascente, à medida que o
homem desenvolve a verdadeira consciência e se liberta das falsas identificações,
começando o processo de sublimação que poderia, sinteticamente, ser descrito com as
palavras: "Transformação de forças pessoais em energias do Si."
Antes, porém, de efetuar este processo, que requer uma superação total do eu
pessoal, há outras fases que ajudam e preparam o homem em seu crescimento interior e
em seu caminho de volta à "Casa do Pai".
A primeira fase é chamada transformação e pode ser definida da seguinte maneira:
"Forças de um corpo pessoal que se transformam em forças mais úteis do mesmo corpo."
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Por exemplo, o desejo que se transforma em aspiração espiritual, e o criticismo mental que
se transforma em capacidade de análise e discernimento. O primeiro (o desejo) é uma força
emotiva negativa, porque limitadora, que se transforma numa outra força emotiva, a
aspiração espiritual, que é positiva, pois é evolutiva e estimulante. O criticismo, ao
contrário, é um aspecto mental negativo, que pode ser transformado em seu aspecto mais
elevado, a análise serena e objetiva.
As forças de um corpo pessoal podem ser elevadas para um corpo pessoal superior, no
processo chamado transmutação. Por exemplo, a agressividade que deriva do instinto de
autoafirmação e de defesa, que pertence ao físico, pode transmutar-se em vontade, que é
uma vontade espiritual e mental. Para melhor compreender estes diferentes processos e
movimentos de energias interiores das energias, tracemos o seguinte esquema:
Todos estes processos, que se verificam dentro de nós quando começamos a integrar
os dois polos de meditação e autoformação, produzem pouco a pouco um equilíbrio e um
intercâmbio entre o Si e seus veículos, e uma harmônica circulação de energias entre os
centros inferiores e os superiores. Do ponto de vista da consciência, começamos a
experimentar a capacidade de poder utilizar as duas modalidades, a receptiva, passiva, e a
de ação, sem conflito e esforço, mas de forma natural e espontânea permanecendo acima
das oscilações numa posição de destaque e equilíbrio. Pouco a pouco as oscilações tornar-
se-ão menos amplas e a "distância" entre as duas modalidades ficará mais reduzida, a
ponto de percebermos que a "meditação tornou-se mais dinâmica e criativa e a ação cada
vez mais meditativa e espiritualmente orientada". (Ioga integral, Haridas Chaudhuri.)
Este é o início da união entre o Si e a personalidade e do equilíbrio, afinal alcançado,
entre vida interior e vida exterior.
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Capítulo XIV
O SEGUNDO NASCIMENTO
"Em verdade, em verdade vos digo, quem não for gerado
novamente não poderá ver o reino de Deus." (Evangelho, João, III, 3.)
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Capítulo XV
A EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA
Não podemos encerrar este livro sem mencionar um outro importante resultado da
meditação espiritual: o silêncio mental e da abertura para o Si alcançados; este resultado é
a expansão da consciência em sentido horizontal, isto é, na direção dos outros, do mundo
externo, da natureza, do universo e de tudo o que existe. A consciência, conforme dissemos
num dos primeiros capítulos, cresce em três direções:
a) para o alto, isto é, para o Superconsciente e o Si
b) para baixo, isto é, para o inconsciente inferior
c) em sentido horizontal, isto é, para tudo o que é externo a nós
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capaz de fundir-se com o mundo, com aquilo que antes era o não-si... Vale dizer, alcançar o
máximo grau da identidade, da autoconsciência, da ipseidade, constitui por si só,
simultaneamente, um transcender a si mesmo, um ir além e acima da ipseidade."
Esta sensação de expansão e de alargamento do eu quase sempre acontece por etapas
e, no começo, com sintomas e sinais que podem passar despercebidos, mas que
gradativamente se tornam mais evidentes, e têm repercussões inclusive nos veículos
pessoais, aumentando sua sensibilidade e receptividade.
Satprem, por exemplo, escreve em A aventura da consciência: “... a parede divisória
interno-externa torna-se cada vez mais fina, aparecendo como uma convenção artificial... A
pessoa que está procurando, sentirá esta parede divisória perder gradualmente sua dureza;
sentirá uma espécie de mudança na substância do seu ser, como se se tornasse mais leve,
mais transparente, mais poroso.”
E isso acontece exatamente porque, devido ao progresso interior e ao silêncio mental,
a consciência sobe cada vez mais na direção do Si, libertando-se de sua identificação com o
ego, que por sua natureza é separativo, fechado, egocêntrico.
À medida que trabalhamos sobre nós mesmos, com a autoformação e com a
meditação, superando condicionamentos, apegos e identificações que tendem a limitar, o
nosso Verdadeiro Eu revela-se em todo o seu esplendor pondo à mostra seus poderes, sua
essência que é Unidade, Amor, Irmandade, Cooperação.
É neste momento que podemos utilizar a meditação, não mais apenas para nós
mesmos e para a nossa auto-realização, mas também para os outros, tornando-se um
centro radiante e positivo de energias espirituais, de Luz e de Amor e de ajuda aos outros e
de colaboração com as forças evolutivas.
De fato, os três pontos mais importantes de uma vida espiritual são:
a) autoformação
b) meditação
c) serviço
Tais pontos estão estreitamente ligados entre si, pois uma sincera obra autoformativa
leva naturalmente à meditação, entendida como interiorização e descoberta do mundo
interior e da dimensão do Si; a meditação, levada a bom termo, tende a tornar-se um canal
de energias espirituais para serem irradiadas e utilizadas.
Um dos sinais mais claros de um efetivo sucesso na meditação é a diminuição da
sensação de separatividade do eu, da preocupação e do interesse pelos problemas pessoais
e, ao contrário, um acréscimo da sensibilidade para com os outros, da capacidade de
empatia, de compreensão psicológica, de aceitação das diversidades, da participação na
dor do próximo, da necessidade de compartilhar, de cooperar, de dar... O aspirante sente
aos poucos diminuir sua sensação de solidão, mesmo sendo mais capaz de ficar só, começa
a perceber que faz parte de um todo único e tem de viver num contínuo fluxo e refluxo de
energias e de intercâmbios entre si e os outros, e entre si e o Divino, segundo a grande lei
de interdependência que tudo relaciona.
Sente que não tem mais necessidade de apoiar-se nos outros; transcendeu a
dependência, mas ao mesmo tempo algo o impulsiona a transcender também a
independência, a autonomia, a autossuficiência que lhe haviam parecido conquistas
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supremas ... A liberdade, a independência tão duramente conquistadas, parecem-lhe agora
uma prisão, uma árida ponta de isolamento, que não lhe proporcionam alegria.
Compreende aos poucos que a sensação de "individualidade isolada", é somente uma
fase transitória que deve conduzir a uma outra conquista: a irmandade, o amor, a
cooperação, o serviço, mas não por uma obediência a um ideal ético e humanitário, mas
sim por uma efetiva expansão de consciência e um superamento dos limites do eu
individual.
Quando começa a despertar no indivíduo esta exigência de expansão e ele a segue,
inicia-se uma fase decisiva de seu processo evolutivo, que modifica totalmente sua maneira
de ser. Poderíamos mesmo dizer que este é o coroamento de todo seu trabalho de
autoformação e de meditação, de sua constante e sincera procura da verdadeira
consciência, e de sua aspiração à Verdade.
Nos livros esotéricos refine-se esta expansão de consciência com os mais diferentes
nomes, dentre os quais o mais utilizado é "consciência de grupo". Na realidade, estas
palavras, de certa forma algo inadequadas, pretendem exprimir uma sensação de
alargamento do próprio eu, antes quase fechado em si mesmo, numa inconsciente
narcisística autocontemplação, e agora espontaneamente estendido para os outros,
vibrante de amor, de interesse, de compreensão, de alegre participação em relação a tudo
aquilo que antes sentia externo, diferente, afastado, estranho e quase desligado de si.
Isso leva a uma outra descoberta, esta também importante e determinante para o
aspirante: a descoberta da capacidade de serviço e de ajuda aos outros.
Isso também deve ser um fato natural e espontâneo e não uma atitude filantrópica
baseada em modelos e ditames religiosos, sociais ou morais. O verdadeiro serviço é
definido como "instinto da Alma", exatamente para significar que ele é um desabrochar
espontâneo e irresistível de energias de Amor e de Unidade provenientes do nosso
verdadeiro Ser, que por sua natureza é União, Irmandade, Amor.
O verdadeiro Serviço é irradiação espontânea de energias espirituais que possuem,
exatamente por sua própria qualidade, o poder de sanar, harmonizar, despertar a
consciência e de catalisar tudo o que há de bom e de puro nos homens.
De Cristo dizia-se que ele curava onde quer que passasse, exatamente por irradiar de
forma espontânea, tendo em mente Sua Natureza Divina, energias saneadoras e
harmonizadoras. Certamente não nos podemos comparar a Cristo, mas podemos tomá-lo
como modelo para entender que "aquilo que alguém é" emana de cada indivíduo e produz
efeitos bem determinados. Portanto, quando formos o Si, isto é, quando nos tivermos
transformado naquilo que somos realmente, e nos tivermos identificado com nosso Ser
Real, que é uma partícula do Grande Todo, uma emanação de Deus, poderemos
efetivamente ajudar os outros, "servir" à humanidade, aderindo desta maneira ao instinto
do Si, que é "serviço".
Isso não quer dizer que antes do despertar da consciência do Si não haja a
possibilidade de ajudar, de cooperar, de dar sustentação e compreensão. Se nos sentimos
levados a fazê-lo por um impulso que, de boa fé julgamos puro e altruísta, não seria correto
reprimir a nós mesmos e privarmo-nos desta exigência. Devemos, porém, levar sempre em
consideração que cada tipo de serviço que podemos executar antes de ter realizado o Si,
poderia estar misturado com motivações personalistas, e com necessidades inconscientes
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não completamente puras. O mais importante é ter consciência de nossas reais motivações
para não cair na autoilusão e no orgulho, e tentar sempre trabalhar em nós mesmos para
nos libertarmos gradativamente das ambições, dos apegos, das exigências pessoais e abrir
assim caminho para o Si, que procura exprimir sua luz e sua consciência através dos
veículos pessoais.
Nos livros esotéricos fala-se que no começo o serviço é sacrifício exatamente porque
para poder realizá-lo devemos renunciar ao nosso egoísmo, às nossas pretensões, às
expectativas de gratidão e até mesmo à esperança de ver bons resultados em nossas
ações... Mas, com o tempo, a sensação de sacrifício desaparece e o serviço torna-se ação
alegre, espontânea emissão de luz, de força, de amor, pois afinal o Si manifestou-se e a
consciência, aprisionada no ego, libertou-se expandindo-se e reencontrando o sentido da
Unidade que lhe é próprio.
Então não há mais separação entre o "espaço interior" do homem e o "espaço
exterior", pois tudo se torna "uno" na consciência daquele que superou a dualidade e vive
acima das dicotomias ilusórias criadas pela mente e pelo ego. Mesmo conservando o
sentido de sua identidade, o homem terá consciência de estar ligado a uma realidade mais
ampla, da qual ele faz parte e que "o Todo está em todas as coisas e todas as coisas estão
no Todo".
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