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2007 © Terésio Bosco

Adaptado do original italiano Bernadette: la ragazzina di Lourdes


(Editora Elledici, Turim-Leumann, Itália) por Bernadete Toneto
As águas do riacho de Lapaca correm silenciosas
e com força, em direção ao rio. De repente, o ar é
cortado por risadas:

— Medrosa! Medrosa! Tire logo o sapato e enfie


o pé na água!

As duas meninas pulam na água e riem da parceira


de caminhada. E não é que Bernadete está, de novo, com
medo de se molhar? Nas outras vezes, ela se recusou a
entrar no rio, dizendo que ia ficar doente. Hoje, diz que
sente calafrios só de ver a água gelada.
— Ah, Bernadete, agora você tem de se virar. É
melhor atravessar o rio de uma vez. Vamos, coragem!

Bernadete olha a irmã Antonieta e a amiga Joana


Abadie se divertindo com a água. Anda de um lado para
o outro, procurando uma passagem mais rasa. Quando vê
que não tem jeito, suspira. Aos 13 anos, é a mais velha
das três e deve dar o exemplo. Melhor mesmo é esquecer
que tem asma e começar a desamarrar o sapato.

É dia 11 de fevereiro de 1858 e faz muito frio em


Lourdes, na França, quase fronteira com a Espanha.
Uma forte neblina esconde até os picos nevados das
Todos os direitos reservados: montanhas dos Pirineus, naquela manhã gelada. Quase
EDITORA DOM BOSCO não dá para ver a fumaça que sai das chaminés das
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Sala 65 – Asa Sul -70350-525
pequenas casas da aldeia.
Brasília (DF) Tel.: (61) 3214-2300
www.edbbrasil.org.br Logo cedo, as três meninas saíram para buscar
lenha na margem do rio. Ao chegarem ao moinho

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Nicolau, atravessaram uma pequena ponte e avistaram a pode ser verdade. Quando olha de novo, percebe que a
gruta de Massabielle — ou "massa velha", como ironiza mulher continua no mesmo lugar e que, debaixo de seus
o povo da aldeia. Nunca tinham ido tão longe, nem pés, brotaram duas rosas. Instintivamente, procura o
conheciam aquele local, onde as águas do rio Gave terço no bolso do avental. Mas a mão fica paralisada
ficam mais fortes. quando tenta fazer o sinal-da-cruz.

Antonieta e Joana correm, disputando para ver Bernadete está apavorada. Sem tirar os olhos da
quem consegue recolher mais lenha. Quem sabe têm mulher sorridente, ajoelha-se e começa a rezar. A
sorte e acham algum osso, que poderá ser trocado por Senhora declama apenas o Pai-nosso e o Glória. A
pão? menina completa:

Bernadete senta-se em uma pedra e, lentamente, — Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é
tira o primeiro sapato e a meia. Está tão distraída que convosco...
nem percebe que é meio-dia e o sino bateu.
Elas recitam um terço inteiro. No final, ainda
De repente, ouve um barulho. Assustada, sente um com medo, Bernadete treme. De onde vai tirar forças
vento forte que lhe sacode o corpo. para atender ao chamado daquela mulher misteriosa,
É tudo muito rápido. Olha para cima e fica que quer conversar tão de perto? Prefere abaixar os
paralisada quando percebe que as folhas das árvores olhos. Quando resolve espiar de novo, volta a tremer: a
nem se mexeram. imagem desapareceu.

"Deve ser o frio que está me enganando", pensa,


enquanto ajeita o gorro de lã e começa a tirar o outro
sapato e a meia.
De novo, ouve um barulho e sente-se envolvida
em um redemoinho.

Ao levantar a cabeça, olha para a gruta ali perto e


vê uma mulher, vestida de branco, que a observa de um
jeito doce.
Bernadete esfrega os olhos. Aquela imagem, que
carrega um rosário com contas brancas no braço, não

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Segredo de amigas roupa para fora e o pai busca um bico aqui, outro ali.

Naquela manhã, a lenha pesa nos braços, mas Bernadete nem


sente. Tem a cabeça na lua — ou melhor, tem a cabeça na gruta.
O coração continua apertado. Está com medo.

Naquele dia, depois que a imagem desapareceu, Bernadete


atravessou o rio correndo para encontrar a irmã e a amiga. Fez de
Calabouço. Assim é conhecido o abrigo onde vive a conta que não tinha acontecido nada e continuou a recolher lenha.
família Soubirous. Na viela das Pequenas Fossas, o pai Francisco,
No caminho de volta para casa, perguntou, de repente:
a mãe Luísa e os oito filhos se espremem em um quartinho que
antes servia de prisão. As paredes são úmidas e escuras, o teto é — Vocês não viram nada?
baixo e o piso de laje está tão gasto que as crianças escorregam a
toda hora. Da janela com grade de ferro dá para ver o quintal, onde — Não. O que é que tinha para ver?
o proprietário joga esterco para adubar plantas. Dentro do quarto, a
visão também não é muito bonita: duas cadeiras velhas, três — Nada!
camas, palha espalhada pelo piso e uma pequena mala com roupas.
Joana e Antonieta trocam um olhar. "Aí tem coisa!”,
E só. pensam. As três meninas param para conversar. As colegas a
enchem de perguntas e Bernadete resolve contar o segredo:
Maria Bernada é a filha mais velha. Tem 13 anos, mas é tão
pequena que mais parece uma criancinha, o que lhe valeu o — Mas vocês têm de prometer que não vão falar nada para
apelido: "pequena Bernada", ou "Bernadete". Assim como os pais ninguém!
e os irmãos, não sabe ler nem escrever. Além do mais, não fez a
Primeira Comunhão e só sabe rezar o Pai-nosso e a Ave-Maria. — Eu prometo — diz Antonieta.

Desde pequena Bernadete é a "doentinha" da família. Ah, — Eu também juro — fala Joana —. Mas conta logo, vai.
essa asma que não a deixa fazer esforço nem correr e brincar com
as outras crianças! Por causa da enfermidade, passa o dia em casa,
ajudando na cozinha e a cuidar dos irmãos, enquanto a mãe lava

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Não demorou muito tempo para a fofoca se Garrafa de água
espalhar. A primeira a saber foi a mãe de Bernadete, que
ficou transtornada com aquela história sem pé nem
cabeça.

Dona Luísa chama a filha e, severamente, ordena:


não poderá mais voltar à gruta.

— Era só que faltava! Ainda tão criança e já — A ve, Maria, cheia de graça, o Senhor é
arruma confusão — reclama o pai, todo zangado. convosco, bendita sois vós...

Bernadete não consegue terminar a frase. Sem


mais nem menos começa a chorar.

É assim desde a noite de 11 de fevereiro. Nos dias


seguintes, desabava em lágrimas cada vez que lembrava
a imagem. O coração ficava apertado, como se uma voz
macia, de mulher, a convidasse para voltar à gruta.

Dona Luísa já não sabia mais o que fazer. Uma


noite, ouvindo a filha soluçar, tentou conversar:

— Ah, Bernadete, não precisa ter medo. Aqui em


casa você está segura.

— Eu sei, mamãe. É que eu fico me lembrando da


Senhora.

— Ah, minha filhinha. Você acha que viu alguém,


mas era apenas uma pedra branca. Eu garanto, querida:
não tinha nada lá. Durma tranquila e não pense mais
nisso.

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Bernadete olha bem fundo nos olhos da mãe e A pedra da montanha
promete obedecer. Mas continua chorando. Sem
perceber que dona Luísa está espiando, ela murmura:

— Ah, como eu queria sonhar com aquela mulher


bonita!

Bernadete não sonhou. E também não comeu ou


sorriu mais. Estava triste.
A s amigas de Bernadete estão contentes que só
Mas tudo começou a mudar no dia 14 de fevereiro. vendo. É domingo e, depois da missa, acompanham a
Naquela manhã, cansada de ver a filha triste, chorando colega até a gruta de Massabielle. São cerca de vinte
pelos cantos, dona Luísa mudou de ideia: adolescentes que correm pelos campos, rindo e
conversando, a ponto de esquecer o recado da amiga, de
— Está bem, Bernadete. Você venceu. Pode voltar fazer silêncio e rezar quando a "mulher" aparecer.
à gruta, mas tem de ir com suas colegas.
Como sempre, Bernadete é a mais séria. Mas
— Oba! Obrigada, mamãe. rapidamente perde a compostura. Diante da rocha,
— Só que tem mais uma condição. Você vai levar começa a gritar:
essa garrafa de água benta.
— Uma luz. Que lindo!
— Para quê?
As amigas não entendem nada. Olham para o local
— Se aquela Senhora aparecer jogue água benta. e veem apenas a pedra. O que está acontecendo?
Se for o demônio, ele vai fugir e não a perseguirá mais.
— Vejam! Ela tem o terço sobre o braço direito.
Está olhando e sorrindo para nós.

Bernadete está tão feliz que nem percebe quando


uma colega arranca a garrafa de suas mãos e borrifa a
água benta para o alto. Ufa! Não é o demônio. A
Senhora sorri e faz o sinal-da-cruz.

A garota está extasiada. Ao seu lado, as colegas


ficam aterrorizadas.

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— Olhe só o rosto de Bernadete, veja como ela Acordo fechado
ficou bonita — diz uma menina.

— Deus me livre, até parece um anjo! Nunca a vi


desse jeito — comenta outra.
— Repare. Ela pegou o terço e está rezando.
Perto da gruta, as adolescentes conversam entre si.
E não percebem quando alguns rapazes jogam uma Nem bem raiou o dia 18 de fevereiro, dona Luísa
grande pedra do alto da montanha, para chamar a acordou com gente batendo na porta. Levou um susto
atenção. Assustadas, elas saem correndo. Menos quando duas vizinhas entraram em sua casa, falando sem
Bernadete, que não percebe a movimentação. parar:
Quando voltam para perto da amiga, as meninas — Descobri tudo, dona Luísa — disse dona
tremem de medo. Bernadete não ouviu os gritos. Não Antonieta Peyret.
sente quando a tocam. Será que está morrendo?
— Descobriu o que, mulher de Deus?
Aumenta a confusão. Ouvem-se gritos de terror e — Já sei tudo dessa tal senhora. É a alma de Elise
pedidos de socorro. Uma menina busca ajuda no moinho Lepatie que voltou.
e alguns adultos chegam para levar Bernadete para a
chácara de um vizinho. Somente em casa é que ela parece Dona Luísa deu um suspiro. Só faltava essa: a alma
acordar. Abre os olhos, como se despertasse de um da presidente das Filhas de Maria de Lourdes, que tinha
sonho, e diz, sorrindo: morrido há pouco tempo, voltar para a Terra. Mas, como
as duas mulheres eram amigas da família, deixou que
— Ela já partiu! acompanhassem Bernadete à gruta. Impõe apenas uma
condição: têm de guardar segredo, para evitar fofocas.
Bernadete tem tanta pressa que começa a correr.
Quando as duas mulheres chegam ofegantes da
caminhada ela já está de joelhos, rezando em frente à
gruta.

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— Olhem só, ela está chegando! — grita a menina. — Tudo bem, eu falo isso para todo mundo.
Dona Antonieta não tem dúvida. Pega papel, pena e De repente, Bernadete lembra-se de mais uma
pergunta:
tinta e ordena:
— Será que essas pessoas que estão aqui comigo
podem me acompanhar nesses quinze dias?
— Vamos! Pergunte o que é ela quer da gente.
— Claro que sim! Desejo ver muitas pessoas com
Bernadete aproxima-se do buraco da gruta e diz: você — responde a Senhora, antes de sumir.
— Por favor, a Senhora pode escrever seu nome nesse
papel? E dá para escrever também o que quer de mim?

A Senhora sorri. Com doçura, responde:

— Eu não preciso escrever aquilo que quero dizer.


Bernadete fica em silêncio. Abaixa a cabeça, com vergonha
da pergunta boba que fez.
A mulher continua:

— E você, me faz um favor?


— Faço!
— Quero que venha aqui durante quinze dias!
— Eu vou pedir para os meus pais. Se eles deixarem,
venho sim — responde Bernadete.

— Só tem mais uma coisa. Eu não prometo que vocês


serão felizes neste mundo. Mas no outro, eu garanto.

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Novidade à vista Na volta, Bernadete dispara a falar. Conta que a
linda mulher estava sorrindo e agradeceu por ela ter
voltado à gruta. Dona Luísa e tia Bernarda não
escondem o entusiasmo. E todos que viram a aparição
começam a espalhar a novidade: em Massabielle está
surgindo uma visão do Paraíso.

Em pouco tempo, toda a região sabia da história.


Bernadete era uma menina frágil, mas com Alguns ironizam, dizendo que era uma piada que logo
vontade de ferro. Quando queria uma coisa, era seria revelada. Médicos e cientistas usam fórmulas para
irredutível. Naquela tarde, nem bem chegou a casa e provar a alucinação. Os padres ficam em silêncio, sem
começou a tagarelar da promessa feita. Tanto falou, entender o que está acontecendo. Mas o povo simples
tanto pediu, que seu Francisco e dona Luísa ficaram acredita, com a fé que move montanhas. E, com
tontos. carinho, dão um nome à imagem. É a Virgem.

Quem deu uma grande ajuda foi tia Bernarda,


uma mulher de bom-senso e de grande coração, muito
enérgica e decidida. Depois de pensar, ela decretou:

— Temos de ver o que está acontecendo. E, para


ver, é preciso ir à gruta. Vamos lá, Bernadete.

Nem bem nasce o dia 19 de fevereiro, e lá vão


Bernadete, dona Luísa e tia Bernarda para Massabielle.
Logo atrás, outras pessoas acompanham a família.

Perto da gruta, a menina sai correndo, para chegar


antes. Ao ver a menina ajoelhada, dona Bernarda
acende a vela que a sobrinha segura na mão esquerda. E
é ela quem percebe quando a garota cai em êxtase.
Durante meia hora, Bernadete olha fixamente para o
céu, com o rosto transfigurado. Parece uma pedra.

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Segredos para sempre gritos pareciam sair da terra e se espalhavam sobre o
Gave. Um som raivoso ordenava: "Foge! Foge!". Diante
daquele grito, a mulher olhou com ar severo em direção
ao rio. E tudo voltou a ficar calmo.
Ao ouvir o relato, as pessoas ficam assustadas.
Será mesmo o fim do mundo?
N a manhã de 20 de fevereiro, ao chegar à gruta,
Bernadete vê centenas de pessoas. A mãe a cutuca, Bernadete sorri, calma e confiante. Naquele
chamando a atenção: momento, sabe que tem um segredo que guardará para
sempre no coração. Durante toda sua vida, vai rezar a
— Olhe só, Bernadete, quanta gente! oração, em silêncio. E nunca mais esquecerá a força do
olhar que calou as vozes raivosas do rio.
A menina não se perturba. Ajoelha-se no lugar de
sempre, pega o terço e começa a rezar. E de novo seu
rosto se ilumina com um sorriso. A mulher começa a
conversar.

Bem perto dali, as pessoas cochicham:


— O que será que tanto elas falam?
— O que a Virgem está dizendo?
— Será que a imagem está trazendo uma
mensagem do céu?

Com toda simplicidade, Bernadete revela as duas


novidades daquele dia. Primeiro, a mulher bonita lhe
ensinou uma oração. Com toda a paciência, a fez repetir
palavra por palavra.

Depois, Bernadete conta que, durante a aparição,


ouviu um coro de vozes misteriosas e pavorosas. Os
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A mudança do médico Eu precisava estudar a menina sob todos os
aspectos. Com a maior atenção seguia seus movimentos.
Que rosto bonito ela tinha; era a expressão da mais perfeita
felicidade. Naquele momento, a pulsação estava serena e
regular. Ela respirava com facilidade. Era impossível
diagnosticar um estado de hiperexcitação nervosa que
reagisse de maneira especial sobre o organismo. Mas,
N a manhã de 21 de fevereiro, milhares de então, o que seria aquilo?
pessoas esperam Bernadete às margens do Gave. Mas,
apesar de ser domingo, não foram a Lourdes para Logo que larguei o pulso, Bernadete levantou-se e
participar da missa ou para rezar. Muitos queriam deu alguns passos na direção da gruta. Naquela hora olhei
conferir de perto a garota que "via coisas", para contar para seu rosto. Quanta tristeza! Duas lágrimas saíram de
aos amigos e vizinhos. Outros estavam decididos a
seus olhos. Por quê? Sem perceber, também fiquei muito
desmascarar a história da menininha mentirosa.
triste.
Um deles era o doutor Dozous. Homem estudado
era o médico da cidade de Lourdes, que chegou disposto Quando a visão se foi e Bernadete acabou de rezar,
a acabar com aquela "bobagem". Muito sério, queria perguntei o que tinha acontecido. De um jeito muito calmo,
falar em nome da ciência e do conhecimento. ela explicou:

Quando Bernadete chegou, ele correu para ficar — Teve uma hora em que ela ficou vendo o
ao seu lado. Durante a aparição, em nenhum momento horizonte. Depois, me olhou nos olhos e disse, com voz
se afastou dela. triste: "Rezem pelos pecadores". Foi só um momento. Depois
Ao chegar a casa, escreveu o que presenciou: sua expressão serenou, ela voltou a ficar meiga e
desapareceu.
Eu vi tudo o que aconteceu com aquela mocinha. Com
uma mão ela passava as contas do terço. Com a outra, No final, ainda vi quando Bernadete ia embora,
segurava uma vela acesa, que de vez em quando se apagava passando pelo meio da multidão. Como sempre, estava
por causa do vento frio que vinha do rio. Quando isso tranquila, simples e modesta.
acontecia, Bernadete passava a vela para que a pessoa que
estivesse mais perto a acendesse.

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A menina e a polícia que ela confesse que tudo aquilo é uma brincadeira do
padre. Com paciência, responde ao interrogatório feito
pelo prefeito e pelo delegado de polícia. Também ouve
uma série de ameaças, inclusive a de que será presa, se
voltar à gruta.

Bernadete não se assusta. Diante das ameaças,


Quando decidiu ir à gruta, o doutor Dozous
responde:
tinha certeza de que Bernadete sofria de histeria. Mas — Não estou mentindo. Eu vejo mesmo a
agora, depois de tudo o que viu e ouviu, tinha certeza de Senhora. Mas não sei o que fazer para vocês
que não havia mentira ou doença mental. Pela primeira acreditarem em mim.
vez em muitos anos, o cientista que tinha deixado a
religião de lado vivia uma crise existencial. "O que No dia seguinte, 22 de fevereiro, ela ajoelha-se
estava acontecendo ali em Massabielle?", se perguntava. novamente junto à gruta. A seu lado estão dois policiais.
Depois de anos de indiferença e de descrença, Mas a mulher bonita não aparece. Com simplicidade,
rapidamente se tornou um defensor da verdade da visão Bernadete exclama:
da mocinha humilde e analfabeta.
— Pois é. Não vejo nada. Hoje ela não veio!
Douzous não era o único. Em Lourdes e nas
aldeias vizinhas, as pessoas começavam a se agitar. As
famílias se juntavam em caravanas para Massabielle.
Verdadeiras romarias eram organizadas para ver a
"santinha" da gruta.

Quem não estava gostando nada da história eram


as autoridades de Lourdes. Temiam que houvesse
bagunça e a ordem pública fosse perturbada. Para evitar
confusão, decidiram: a polícia colocaria ordem na casa.
Na tarde de 21 de fevereiro, Bernadete comparece
diante das autoridades municipais. Querem, a todo
custo,
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Penitência, penitência, penitência!

U m dia depois, 23 de fevereiro, Bernadete Bernadete chega e ajoelha-se no lugar de costume.


novamente vê a mulher bonita. O rosto da menina fica Acende uma vela. De olhos fixos na gruta, começa a
iluminado. A seu lado, observando tudo, estão o rezar.
advogado Dufos, o comandante da fortaleza de Lourdes
e outras pessoas que não acreditam nela. Contudo, de uma hora para outra ela fica
transtornada. A Senhora está ali e fala. Bernadete fica
Com atenção, olham como está absorvida na triste e começa a chorar. Deixa cair os braços, como
conversa. De repente, ela beija o chão e dá adeus à quem recebe uma notícia dolorosa.
Senhora, que desaparece.
De joelhos, arrasta-se até perto da rocha. Inclina o
Nem bem levanta, começam as perguntas: corpo várias vezes e beija a terra. Ergue a cabeça, como
— O que ela falou? se prestasse atenção a uma ordem. Finalmente, se
levanta. Chorando, olha para a multidão e grita:
— Falou coisas que só interessam a mim.
— Penitência, penitência, penitência!
— É algum segredo?
A mulher bonita mandou que falasse assim,
— É sim. São coisas que me dizem respeito e que, depois de ter repetido: "Rezem pelos pecadores".
portanto, não posso contar para os outros.
Acaba a visão.
Manhã de 24 de fevereiro. A multidão novamente
lota a gruta de Massabielle. São pessoas vindas de A multidão se dispersa, em silêncio. As pessoas
aldeias vizinhas e que agora se concentram ali, à estão chocadas com o grito de angústia e tristes com
margem do rio, para rezar. aquele choro sentido e inconsolável.

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Rosto sujo de lama A multidão observa. Bernadete tem o rosto sujo e
a boca cheia de erva. Muitos ficam desiludidos. Alguns
caem na risada. Alguém grita:
— Ela enlouqueceu!

Outras vozes se ouvem:

A manhã de 25 de fevereiro começou fria. Nas — Essa menina está rindo da nossa cara!
margens do rio, a multidão espera Bernadete, atenta para
— Ela é uma pobre louquinha!
a visão, mas com medo de novos gritos e choro. "O que
acontecerá hoje?", se perguntam. — Isso é tudo uma comédia!

Durante a visão, a menina se levanta, indecisa. — Vamos embora!

Segue em direção ao rio. Rindo e xingando, mais uma vez a multidão se


dispersa.
Faz uma parada e volta para o mesmo lugar, como
se estivesse obedecendo a uma ordem.

Dirige-se para o lado esquerdo da gruta e para mais


uma vez.

Observa à sua frente, como quem procura alguma


coisa. Depois olha para a gruta, como se pedisse uma
explicação.

Finalmente, ajoelha-se no chão molhado e começa a


fazer um buraco. Recolhe um pouco de água suja que brota
da terra escura e começa a beber. Depois, recolhe mais um
pouco de água e a espalha pelo rosto, sujando-se de lama.
Em seguida, apanha algumas ervas e, com cara feia,
mastiga o mato amargo.

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A fonte dos milagres

Nem todos foram embora. Quando a visão Indiferente aos comentários dos homens e das
terminou, algumas pessoas começam a perguntar o que mulheres, na gruta um fio de água brota da terra. A
acontecera. fonte engrossa e une-se ao rio Gave. No dia seguinte, os
primeiros doentes tocam aquela água suja e recobram a
Bernadete está feliz e, enquanto limpa o rosto sujo saúde.
de terra, responde com a maior doçura:
— Enquanto eu estava orando, a Senhora me A nascente de Lourdes brota da humilhação de
disse: "Beba e lave o rosto na água da fonte. E não Bernadete. Até hoje continua a jorrar da gruta,
se esqueça de comer das ervas que estão lá". Eu restituindo a saúde a centenas de doentes. Desde o
não sabia onde estava a tal fonte, por isso fui para século XIX a "nascente dos milagres" é estudada por um
o rio. centro de médicos especialistas de Lourdes, que
Rindo do erro, ela prossegue: registram os milagres alcançados com a água salvadora.

— A mulher bonita me chamou de volta e apontou


o lado esquerdo da gruta. Eu fui aonde ela me mostrou,
mas não vi nada. Como não sabia onde encontrar a água
escavei a terra e descobri uma fontezinha. Bebi a água e
lavei o rosto.
O pequeno grupo de fiéis ouve a história. No
caminho de volta, comentam sobre a visão daquele dia!
Achavam que Bernadete deveria envergonhar-se do
papelão que aprontara.

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Cumprindo ordens — Vá dizer aos sacerdotes que é preciso construir
aqui uma capela.

Quando se levanta para regressar a Lourdes, a


garota mostra-se pensativa. Tem medo do abade
Peyramale. Onde vai encontrar coragem para falar com o
pároco de Lourdes? Nem mesmo dona Luísa sabe o que
falar à filha.
R apidamente a notícia se espalha: no lugar onde
Bernadete cavou um buraco com as mãos nasceu uma Na época, o historiador G. B. Estrade reproduziu
fonte de água milagrosa. assim o diálogo entre o sério sacerdote e a mocinha
medrosa:
Na manhã de 26 de fevereiro, milhares de pessoas
veem quando Bernadete faz o sinal-da-cruz, bebe a água O abade Peyramale passeava no jardim, rezando o
Breviário. Timidamente, Bernadete apareceu na porta. A voz
da nascente e lava o rosto.
potente do pároco a sacudiu:
Durante a visão, mais de uma vez ela se inclina e — Quem é você? O que quer aqui?
beija a terra. — Sou Bernadete Soubirous — responde a menina.
De repente, ela se volta para a multidão e com — Ah, é você! — exclama o sacerdote, com cara de
bravo.
energia manda que beijem a terra. Todos obedecem.
— Estão falando tanta coisa de você por aí, minha
No final da aparição, Bernadete conta que a filha. Venha comigo.
Senhora a convidou a fazer penitência pelos pecadores. Entram na casa paroquial.
Ela diz que a bela Senhora deu uma ordem a todos — Vamos lá. O que você deseja, minha menina?
que ali estavam:
Em pé, com o rosto vermelho de vergonha, Bernadete
— Vocês beijarão a terra pelos pecadores. responde:
A aparição de 27 de fevereiro é uma das mais — A Senhora da gruta me mandou dar um recado aos
prolongadas. Bernadete recebe o pedido mais difícil de padres. Ela quer uma capela em Massabielle. É por isso que
executar: eu vim aqui.

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— E quem é essa Senhora? O abade Peyramale ouviu o último comentário e
ficou em silêncio. Com certeza estava diante de uma menina
— É uma Senhora muito linda, que me aparece sobre a rocha humilde, mas muito inteligente.
de Massabielle.

O padre suspira, impaciente. Prossegue com as perguntas:

— Está bem, isso eu entendi. Mas quem é ela? É de Lourdes?


Você a conhece?

— Não. Não é de Lourdes e eu não a conheço.

— E agora você recebe ordens de quem não conhece?

— Mas a Senhora não se parece com as outras pessoas.

— O que você quer dizer com isso?

Bernadete olha firmemente para o sacerdote e não se inibe ao


responder:

— Quero dizer que é tão linda, tão linda, que parece com
aqueles que estão no céu.

— E você perguntou o seu nome?

— Sim, mas quando perguntei, ela inclinou a cabeça, sorriu e


não respondeu.

— Por quê? Ela é muda?

— Não! Se ela fosse muda, não me pediria para vir até aqui
falar com o senhor.

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Uma provocação e um desafio — Você voltará à gruta com minha resposta. Diga à sua
Senhora que o pároco de Lourdes não tem o costume de falar com
pessoas que não conhece. Eu exijo que ela diga o seu nome. Quero
também uma prova de que esse nome é o dela, e de mais ninguém.
Se ela tem direito a uma capela, compreenderá bem o sentido de
minhas palavras. Se não entender, então diga a ela que pare de me
G. B. Estrade prossegue em seu relato: mandar mensagens.
A conversa continua. O padre, sentado confortavelmente Bernadete ouve, contrariada. Cumprimenta o padre de
em sua poltrona, olha firmemente para a garota envergonhada à maneira formal e sai.
sua frente. Pergunta, curioso:
— Como você se encontrou com ela pela primeira vez?
Bernadete se entusiasma. Com os olhos brilhando, conta ao
pároco como aconteceu a primeira visão e em seguida todas as
outras.
O abade Peyramale ouve desatento. Já conhecia quase
tudo, por meio de outros interrogatórios que tinha feito
anteriormente. Mas de nenhuma forma quer dar o braço a torcer
nem mostrar que acredita em tudo o que falam por aí.
No final da narração de Bernadete, ele diz:

— Mas será possível que você não percebeu ainda que essa
Senhora quer colocá-la em ridículo? Uma mulher sem nome, que
não se sabe de onde vem, que habita numa gruta, descalça... Você
acha que ela é digna de ser tomada a sério?

O padre se levanta e começa a passear de um lado para o


outro ao longo da sala. Por fim, fala:

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Os soldados na gruta Bernadete passa por um duro interrogatório. Ouve
ameaças. Recebe a ordem de não voltar à gruta, a não
ser que queira ser presa.
Tranquilamente, ela responde:

— Eu tenho de voltar. Eu vou voltar.

A novidade estava se espalhando por Lourdes.


Alguns mineiros usaram pás e picaretas para abrir um
pequeno canal para que a água da nascente deslizasse até o
rio Gave.

Um desses trabalhadores era Luís Bouriette, cego há


vinte anos do olho direito por causa da explosão de uma
mina. Quando Luís lavou o rosto com a água escura,
recuperou instantaneamente a visão.
Impressionadas com a notícia do milagre, 2 mil
pessoas esperam por Bernadete junto da gruta na
manhãzinha de 28 de fevereiro. Caía uma chuva miudinha.

Mas tão logo a aparição começou, os guarda-chuvas


se fecharam. Todos queriam ver o rosto extasiado da
menina.

Porém, antes de a visão terminar, um pelotão de


soldados abre caminho entre a multidão. Quando Bernadete
se levanta, escoltam-na até o juiz da cidade.
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Curas milagrosas Novo desafio do padre

Enquanto Bernadete era pressionada pelo juiz, N o dia 2 de março, Bernadete ouve outra ordem
outras curas milagrosas aconteciam na gruta. da Senhora:
O menino Justino Bouhorts, de 2 anos, estava — Quero que você procure o padre novamente.
desenganado pelos médicos. Quando o colocaram na Fale o seguinte: desejo que se construa aqui uma capela.
água gelada da fonte, ficou repentinamente curado. Quero também que as pessoas venham até aqui em
procissão.
Manhã de 1º de março. Bernadete mais uma vez se
encontra diante da gruta. Naquele dia, uma amiga tinha A menina ficou muito preocupada. De novo teria
lhe pedido: de ir à casa do abade Peyramale! E não tinha discussão.
— Minha querida, me faz um favor? Use meu terço Dessa vez, pediu que a tia Basília a acompanhasse.
quando estiver rezando com a Senhora? Novamente a recepção do padre é muito fria. Ouve
Bernadete aceitou. Quando a mulher bonita a mensagem enquanto anda de um lado para o outro,
aparece, fala docemente: muito agitado, em pleno escritório. Por fim, diz:

— Você trouxe seu terço? — Quero que você mande um recado à sua
Senhora. Diga-lhe que, com o pároco de Lourdes, é
— Sim, senhora — responde Bernadete, preciso falar muito claramente. Agora ela pede uma
procurando o rosário no bolso do avental e erguendo-o capela e uma procissão. Pois bem! Se ela acha que é
para o alto. digna de tantas honrarias, então que prove.
— Reze com ele. Olhando diretamente para Bernadete, o abade
Peyramale desafia:
Todas as pessoas que notaram o gesto de Bernadete
levantam também suas contas e rezam em coro.

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— Vamos ver do que ela é capaz. Em uma dessas Sem dinheiro
aparições, ela deve fazer nascer rosas dessa roseira
brava em que você diz que ela pisa. No dia em que esse
milagre se realizar, eu descerei à gruta com você.

Quando Bernadete e tia Basília deixaram o


escritório, sentiam-se completamente frustradas. Que
pedido mais sem pé nem cabeça! No entanto, a Senhora
Em 3 de março, dona Luísa e Bernadete
chegaram de madrugada a Massabielle. Como sempre,
já estava atendendo ao pedido do pároco. Não fez a menina se ajoelhou diante da gruta.
nascer um roseiral inútil, mas curava doentes de toda a
vizinhança. Mas esperou em vão. Olhou para o alto, buscando
a visão, mas não viu nada.
Bem depressa o abade Peyramale reconheceria o
milagre da vida. Depois de horas, disse:
— Ela não está. Com certeza não veio.

Mãe e filha retornaram para casa. Eram quase 9


horas quando Bernadete sentiu um chamado interior
irresistível. Pediu ao primo André que a acompanhasse.
Quase correndo, voltou para a gruta.

Agora, sim, a mulher bonita está à sua espera.


Bernadete recita o terço e, no final, conta que o padre
quer a roseira florida.
A linda Senhora sorri.

À tardinha, Bernadete volta pela terceira vez à


casa do padre:
— Então, qual é a resposta da sua Senhora?

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— Nada! Quando falei da roseira, ela sorriu. Mas O último dia
insiste em pedir a capela...
— Mas você tem dinheiro para construir essa
capela?
— Claro que não, padre.
— Que coincidência, eu também não tenho. Vá
dizer à Senhora que ela que arranje o dinheiro.
Chegou finalmente 4 de março, o último dos
quinze dias que a Senhora pediu a Bernadete. Cerca de
20 mil pessoas, vindas de toda a França, foram a
Massabielle. Esperavam algo extraordinário, grandioso.
No meio da multidão estavam também vários pelotões
de soldados e policiais, que queriam manter a ordem.

Bernadete veio com dona Luísa. De olhos baixos,


passou por um corredor que se formou na multidão.
Ajoelhou-se. Um silêncio impressionante calou as
pessoas à sua volta.

Momentos depois seu rosto se ilumina. E a


aparição começa.

Bernadete recita o terço três vezes. É o rosário. A


Senhora manda que ela reze também pelos pecadores. A
imagem acena e Bernadete sorri. Em seguida, a menina
apaga a vela que tinha na mão esquerda e volta para o
lado da sua mãe.

A multidão entra em êxtase. Todos querem saber


o que acontecerá a partir daquele momento.
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— Os quinze dias já se passaram. Você voltará à "Eu sou a Imaculada Conceição"
gruta?

— Com certeza. Ela sorriu, mas não disse adeus.


Não aconteceu nada de espetacular. Não houve fogos de
artifício nem a terra tremeu.

No entanto, a partir daquele dia começaram as


peregrinações a Massabielle. Milhares de devotos vinham
No dia 24 de março, por toda a aldeia se espalha
uma novidade:
à gruta, banhavam-se na água da nascente e rezavam.
— Amanhã Bernadete vai à gruta!
Ela sentia uma coisa estranha no coração, como se
estivesse irresistivelmente atraída pela mulher bonita.

Quando chegou, mais de 30 mil pessoas a


esperavam. Os curiosos subiam nas pedras e até nas
árvores, buscando o melhor lugar para ver o que ia
acontecer.

Em frente à gruta, Bernadete levanta os olhos para


o alto. Imediatamente sorri. A Senhora está lá, à sua
espera.
Anos mais tarde, Bernadete escreveu:

Depois que me ajoelhei, pedi desculpas por ter chegado


atrasada. Falei de todo o meu amor e da felicidade que eu sentia
em poder vê-la de novo. Depois comecei a rezar o terço três vezes.

Enquanto rezava, pensei em perguntar seu nome. Por um


lado, achava que não devia fazer isso, que não era certo. Por outro
lado, não podia perder a oportunidade.

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Uma testemunha escreveu:
Respirei fundo, criei coragem e por três vezes perguntei:
Ao se encontrarem no caminho, os habitantes de Lourdes se
— Por favor, a Senhora pode me dizer seu nome? cumprimentavam com muita alegria. Apertando as mãos, com
abraços, se felicitavam, como acontece numa festa de família.
Na terceira vez, a imagem sorriu. Estendeu as mãos e,
unindo-as sobre o peito, me respondeu:
— Eu sou a Imaculada Conceição.

Quando o êxtase terminou, Bernadete virou-se


para uma amiga, filha do senhor Estrade, e perguntou,
envergonhada pela sua ignorância:

— O que isso quer dizer? O que significa


Imaculada Conceição?

Bernadete não sabia, mas quatro anos antes, no dia


8 de dezembro de 1854, o papa Pio IX, em Roma, havia
proclamado o dogma da Imaculada Conceição de Nossa
Senhora. Ou seja, a Igreja reconhecia que Maria, Mãe de
Jesus, nunca foi manchada pelo pecado original, desde o
momento em que foi concebida até a sua morte.

Rapidamente a notícia se espalhou: a imagem da


mulher bonita era a Virgem Maria.
Um entusiasmo louco se apoderou de todos. As
pessoas olhavam para o céu e proclamavam:

— Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós


que recorremos a vós! 47
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Um amigo contra a internação Os médicos ouvem, atônitos. O abade continua,
referindo-se às autoridades da cidade vizinha:

— E tem mais uma coisa. Podem dizer ao prefeito


de Tarbes que seus guardas podem me encontrar na
porta da casinha de Bernadete. Antes de tocar em um
único fio de cabelo daquela menina, vão ter de passar
Naquela noite, Bernadete foi à casa paroquial sobre meu cadáver.
contar ao abade Peyramale que a Senhora havia dito
finalmente o seu nome. Pelo caminho, ia repetindo Os médicos se entreolham e, em silêncio, saem
aquelas palavras desconhecidas: rapidamente da casa paroquial. Sozinho em seu
escritório, o abade Peyramale pensa na menina pobre
A Senhora disse: "Eu sou a Imaculada que o procurou e reconhece: Bernadete fala realmente
Conceição". Alguns dias depois, chegam a Lourdes três com a Virgem.
médicos. Tinham uma missão: demonstrar que
Bernadete estava "louca" e que era necessário interná-la,
com urgência, em um hospital psiquiátrico.
Como o abade Peyramale não acreditava nas
aparições, os médicos montaram uma estratégia.
Queriam que o padre fosse um aliado na internação.
Na casa paroquial, os médicos nem dão tempo
para o padre falar. Rapidamente diagnosticam que
Bernadete era "vítima de alucinação" por ter sofrido
uma "lesão cerebral".

O padre ouve o início da conversa e interrompe o


discurso dos cientistas. Com voz firme, ele diz:

— Bernadete não tem nenhum problema mental. É


sã de mente mais do que vocês e do que eu.

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O fogo que não queima perfeitamente observar que o fogo ardia nos dedos de Bernadete
sem lhe provocar dano algum.

Quando a visão acabou, pedi que ela me deixasse observar


sua mão esquerda. Examinei-a atentamente. Nada, nem o mínimo
sinal de queimadura. Então voltei a acender a vela e mais de uma
vez, sem que Bernadete percebesse, aproximei a chama de sua mão
esquerda. Ela se afastava instintivamente, exclamando:
Depois que a Senhora disse seu nome, parecia — Ai, doutor. O senhor está me queimando.
enfim que a missão de Bernadete estava terminada. Mas
não foi assim. A Virgem quis vê-la mais duas vezes. Para mim, esse fato não tem explicação humana.
Foram encontros de amigas. Queria saudá-la, dizer
“obrigado" pela fidelidade. Desejava também dar coragem
para Bernadete enfrentar os sofrimentos que iriam
começar.

No dia 6 de abril, Bernadete sentiu a mesma voz


interior que a chamava à gruta. Ela foi. Havia muita gente.
Viu a Virgem e falou com ela durante cerca de uma hora.
O doutor Dozous estava presente também nesta aparição.
Mais tarde o médico de Lourdes escreveu:
Fui testemunha de um fato extraordinário. A menina deslizava
o rosário com a mão esquerda, enquanto com a direita segurava uma
vela acesa. De repente, uma rajada de vento espalhou a chama da
vela entre os dedos da menina.

Pensei que Bernadete estava se queimando. Examinei bem e


não vi mudança nenhuma. Fiquei admirado e não permiti que
apagassem a vela. Durante quinze minutos, relógio na mão, pude

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O adeus à Virgem Não havia quase ninguém. A fisionomia de Bernadete
transfigura-se: pela última vez, ali está a Virgem no
nicho que aparecia através da cerca.

A Senhora vira a cabeça para sua amiga querida.


Olha para ela com ternura maternal, sorri mais uma vez
e desaparece.

A grande, doce e alegre aventura de Bernadete


havia terminado.
Os sofrimentos começaram. Todos os jornais da
França começaram a atacar a menina. Chamavam o caso
de a "comédia de Lourdes".

Bernadete era apresentada como uma pobre


louquinha, uma pequena bruxa que recebia dinheiro dos
padres. Sua família era insultada.
No dia 8 de junho de 1858 foi publicado um
decreto que proibia o uso da água da nascente de
Lourdes. Nesse mesmo dia ergueram uma cerca em
volta da gruta, impedindo o acesso ao lugar das
aparições. Policiais vigiavam o lugar dia e noite.

Mas os fiéis reagiram. Um dia, um homem


começou a demolir um lado da cerca. Imediatamente
houve confusão, mas todos os dias sumia um pau da
cerca.
No dia 16 de julho, Bernadete disse para sua tia
Lucila:

— Vamos até a gruta? Mas ninguém pode saber.


Elas andam por um caminho diferente do habitual até
chegar à rocha de Massabielle. A noite estava escura.

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Dados biográficos

7/1/1844: Nasce Maria Bernada Soubirous, em Lourdes, pequena 25/2/1858: Na nona visão, Bernadete cava um buraco na terra,
cidade da França meridional. É a primeira filha de Luisa até nascer uma fonte de água milagrosa. Pesquisas
Casterot e do trabalhador rural e depois lixeiro Francisco químicas revelam que a água é pura e destrói todo
Soubirous. tipo de bactérias.
16/7/1858: Vê a aparição pela última vez.
1855: Subnutrida, Bernadete é atingida por uma epidemia de
cólera, que deixará sequelas por toda sua vida. 18/1/1862: Dom Laurence, bispo de Tarbes, afirma em carta
pastoral que "realmente, a Imaculada Mãe de Deus
Setembro de 1857: Pela segunda vez, Bernadete trabalha como empregada
apareceu a Bernadete Soubirous”.
doméstica e pastora de ovelhas de Marie Lagues, em
Bartres, interrompendo sua educação religiosa. 2/7/1862: Bernadete vai pela última vez à gruta de
Janeiro de 1858: Volta a viver com a família, em um quarto na antiga prisão Massabielle, antes de partir para o noviciado das
da rua das Pequenas Fossas, em Lourdes. Irmãs da Caridade de Nevers.

11/2/1858: Tem a primeira das 18 visões, em um lugar chamado 22/7 /1878: Emite os votos como religiosa.
Masse-Vieille (depois conhecido como Massabielle). Em
16/4/1879: Morre, no convento de Nevers, aos 35 anos.
uma forte pedra que cobre uma gruta de 8 metros de
largura, vê a imagem de uma mulher vestida de branco, pés 8/12/1933: O Papa Pio XI proclama "Santa" Bernadete
descalços, as mãos unidas na altura do peito com Soubirous, a menina dos Pirineus. Sua festa é
um terço nas mãos. celebrada em 16 de abril.

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Informações sobre Santa Bernadete

Paróquia Santa Bernadete


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Vila I.V.G.
CEP 03220-000 / São Paulo-SP
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