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Resenha do livro “Preconceito Linguístico”, de Marcos Bagno

Marcos Bagno é professor na USP (Universidade de São Paulo), doutor em


filologia, linguista e escritor brasileiro, que atua na área da sociolinguística e
literatura infanto-juvenil, voltando-se para o ensino do português. Além disso,
ele é autor de obras como “As memórias de Eugênia”, “Marcéu” e “Preconceito
linguístico”.
A temática abordada no livro faz parte do campo da sociolinguística, é o
preconceito voltado aos usuários de variedades não-padrão. Bagno inicia a
obra alertando aos leitores sobre o tom politizado que ele usa no texto, sob a
justificativa de que não é possível tratar da língua sem tratar, também, de
política. Para o autor, a mistura de língua e gramática normativa, que deve ser
desmistificada, causa o preconceito linguístico. 

No primeiro capítulo do livro, ele convida o leitor a refletir sobre mitos


linguísticos. O primeiro deles diz respeito à ideia de que há uma
homogeneidade no português falado no Brasil, defendido, inclusive por
intelectuais. Sendo prejudicial no âmbito da educação, pois há uma tentativa de
imposição da norma da escola como se fosse, de fato, falada por todos. E, por
propiciar a marginalização de grande parte da sociedade, que por não ter
acesso à norma padrão não entende a variedade utilizada pelos órgãos
públicos e então, deixa de usufruir de muitos de seus direitos. O segundo mito
abordado consiste na ideia de que só se fala bem português em Portugal, que,
segundo o autor, é reflexo do sentimento de inferioridade dos brasileiros, fruto
do período colonial. Bagno acrescenta que a língua portuguesa se mantém viva
e, sob mudanças, sendo uma língua diferente da utilizada em Portugal e com
gramática própria. O linguista fala, então, de um terceiro mito, a crença na
dificuldade do português. Como o ensino nas escolas acontece em acordo com
a norma de Portugal, há uma grande diferença entre o que é realmente falado
e o que é aprendido nas instituições de ensino, por isso há essa dificuldade.
Mas, na verdade, todos os brasileiros sabem falar português. Para ele, esse
mito é uma ferramenta de manutenção de poder, já que apenas uma parte da
sociedade sabe a gramática normativa em detrimento da massa populacional.
Seguindo para o quarto mito, ideia de que pessoas sem instrução não sabem
falar português, o autor mostra as razões que levam às variações na língua,
exaltando a lógica por trás delas. E, ainda explica que o preconceito
social/regional se torna linguístico. Em seguida, o mito número cinco, no
Maranhão o português é melhor falado, pois traços do português de Portugal
foram preservados, é abordado. Marcos Bagno explica que as mudanças na
língua aconteceram por necessidade dos falantes e não tornam o português
falado no estado “melhor” ou “pior”, pois como qualquer outra variedade, tem
seu valor. E então aborda o sexto mito: deve-se falar como é escrito. Este é
desconstruído com o argumento de que a escrita é uma tentativa de
representar a fala. E o é, pois está claro que a escrita não acompanha a fala
em sua evolução. O sétimo mito citado é que pra escrever e falar bem, é
preciso saber a gramática. Bagno cita, para comprovar a inconsistência da
declaração, Platão, que escreveu obras importantíssimas sem consultar a
gramática, até porque nenhuma tinha sido elaborada. O último mito é a ideia de
que a ascensão social é possível pelo domínio da norma culta. E, sobre ele, o
autor diz que se ele fosse verídico, os professores estariam no topo da
pirâmide social e argumenta que há questões sociais profundas envolvidas no
assunto, não existe a possibilidade de uma criança pobre ascender na pirâmide
social por saber a norma culta.

No segundo capítulo do livro, a propagação dos mitos anteriormente citados, “o


ciclo vicioso do preconceito linguístico” é abordado. Ele é composto pelo ensino
tradicional que alimenta a indústria de livros didáticos, cujos autores utilizam a
gramática tradicional como fonte de pesquisa. Então, o autor destaca que há
uma tendência de crítica para com o preconceito seguida pelo Ministério da
Educação e pelos livros didáticos. No entanto, é necessário um trabalho árduo
no combate à discriminação linguística, pois ela está empregnada na ideologia
das pessoas.Tendo em vista que o ciclo ainda se mantém apesar de estarem
havendo mudanças, Bagno chegou à conclusão que existe um quarto
componente no ciclo, os comandos paragramaticais, sendo este a propagação
midiática dos mitos linguísticos.

No terceiro capítulo da obra, é proposta uma desconstrução do preconceito


linguístico. É preciso perceber o problema, como afirma Bagno, que cita o
abismo social entre as classes e destaca três problemas com relação a isso.
Primeiro, o índice altíssimo no número de analfabetos no Brasil, que é,
segundo o mesmo, injustificável. Segundo, a falta do hábito de ler e escrever
da população, por motivos culturais e históricos. E, terceiro, a confusão
semântica com o termo norma culta, que apesar de ser um ideal, é atrelada à
ideia de língua realmente usada pelos cultos do país. Depois, é necessário que
haja uma mudança de atitude, por parte de cada um de nós, com a valorização
do uso que fazemos da língua e dos professores, com a reflexão crítica dos
métodos de ensino. Outro modo de romper com o preconceito, apontado no
livro, é repensar o que é o erro, pois o que acontece é uma adequação
linguística ao contexto de fala. E, por fim, o autor sugere aos professores, três
formas de sabotar o preconceito linguístico, são elas: procurar informação para
que haja uma formação contínua; ser crítico com relação ao ensino; deixar
claro que a linguagem evolui.

No último capítulo do livro, o preconceito contra a linguística é abordado.


Bagno explica que em todas as disciplinas os conteúdos ensinados são
atualizados, mas isso não acontece com o ensino de língua, há uma
prevalência dos padrões linguísticos do passado. Em seguida, o termo
“português ortodoxo” é criticado pelo linguista, que afirma que se há o uso
desse termo é porque há uma crença na existência de um português herético,
que merece ser punido. Então, mostra os ataques de Napoleão, Pascoale e
Aldo Rebelo para com os linguistas e com a língua.

Marcos Bagno, no primeiro capítulo, desconstrói mitos com recursos


sociolinguísticos, isto é, citando fatos que foram comprovados pelas pesquisas
da área. No decorrer do livro, ele apresenta argumentos bem fundamentados,
fazendo o uso de recursos de outras áreas como a arte, mostrando trechos de
textos literários, principalmente do Sítio do Pica-pau Amarelo de Monteiro
Lobato, fazendo comparações, estabelecendo relações, explicitando exemplos
e utilizando citações de especialistas da sociolinguística para fortalecer seus
argumentos. Além disso, o autor cita explicitamente as pessoas influentes que
propagam o preconceito linguístico, criticando sua postura.

No referencial teórico de Bagno estão presentes autores como Perini, Monteiro


Lobato, Castilho, Rocha Lima, Sírio Possenti, Celso Pedro Luft, Ernani Terra,
Luiz Antonio Sacconi Rosa Virgínia Mattos, Silva e Maria Helena de Moura
Neves, algumas de suas publicações como “A língua de Eulália” e outros.
Na obra, é evidente a posição do autor, que a deixa bem clara, expressando-a
com liberdade e adjetivos, de forma não passiva. Ele ataca claramente a
situação social do Brasil, comprovando as informações com dados estáticos,
pois como o próprio Bagno alertou no início da obra, não é possível falar de
preconceito linguístico com um tom não politizado. E, nem deve ser, pois como
cidadãos devemos pensar criticamente nossa sociedade e recusar aceitar as
“verdades incontestáveis” tão propagadas. Apesar de tratar do assunto de uma
forma mais dura, Bagno mostra que não existe homogeneidade na língua e
todas as variações dela devem ser respeitadas.

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